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MODA
Santo Agostinho
Resumo:
O presente artigo faz um passeio semiótico nas visões de Barthes e Peirce mostrando o
que é o signo para cada um deles e posteriormente fazendo um diálogo com a teoria
semiótica na moda usando o corpo como fonte de legitimação.
Tendo em vista o estudo das teorias do signo e suas significações em Bhartes e Peirce,
faz-se necessária uma reflexão prévia sobre os fundamentos da Semântica e da Semiótica.
O método semiótico tem por conceito fundamental o estudo do signo que, conforme
Saussure (2001) apresenta um primeiro elemento chamado significante, caracterizado não
por sua natureza material, mas como a imagem acústica, a impressão psíquica do som,
que pode desencadear outro fenômeno psico-semiológico, o significado, o segundo
elemento constituinte do signo.
Para Charles Sanders Peirce (2000), a semiótica é constituída em três níveis: o sintático,
o semântico e o pragmático. O primeiro revela a relação que o signo tem com o seu
interpretante, o segundo diz respeito à relação existente entre o signo e o seu referente
(objeto) e o último se importa com a relação do signo com ele mesmo e com outros signos.
Embora acreditando que possa ser muito maior o universo do método semiológico,
tomaremos como suporte os elementos de Roland Barthes, como sendo bastantes, a
priori, para subtraírem da Lingüística cada uma das substâncias básicas e necessárias
"para permitir a preparação da pesquisa semiológica" (BARTHES, 1991, p. 13).
OsElementos de Semiologia foram agrupados por Barthes da seguinte maneira: I. Língua
e Fala; II. Significante e Significado; III. Sintagma e Sistema e IV. Denotação e
Conotação.
Assim sendo, torna-se possível perceber que o referido método de análise semiótica é
binário e trabalha com a idéia dicotômica dos elementos que, aparentemente distintos,
completam-se para formar o todo discursivo, dada a natureza dialética existente entre eles.
O Signo
É possível dizer que qualquer objeto, som, palavra capaz de representar outra coisa
constitui signo. Na vida moderna, todos nós dependemos do signo para vivermos e
interagirmos com o meio no qual estamos inseridos. Para o homem comum, a noção de
signo e suas relações não são importantes do ponto de vista teórico, mas ele os entende
de maneira prática e precisa. A utilidade do signo vai além do que imaginamos: ao
dirigirmos, por exemplo, precisamos constantemente ler e analisar discursos transmitidos
pelas placas de trânsito, pelas luzes do semáforo, pelas reações do veículo ao meio
ambiente etc. O homem intelectualizado não vive sem o signo, precisa dele para entender
o mundo, a si mesmo e às pessoas com as quais mantém relações humanas. As noções de
signo são muito mais amplas e discutíveis do que podemos imaginar.
Barthes (1991) define o significado como a representação psíquica de uma "coisa" e não
a "coisa" em si. Para fundamentar isso ele retoma Saussure, que este chamou
primeiramente o significado de conceito, reconhecendo aí o valor psíquico que ele
intrinsecamente carrega. Para clarear ainda mais o raciocínio de Barthes, tomaremos
como exemplo da figura de uma bola:
A figura da bola de fato não é uma bola. A mente pode trair os que não lêem os signos
como devem ser lidos. O significado da palavra bola não é o objeto bola, mas a
representação gráfica do objeto, sua imagem psíquica. O significado expresso da figura
pode ser lido e segmentado de várias maneiras, conforme as diferenças culturais de um
dado leitor. Com base nisso, tomaremos Barthes novamente quando diz que "vários
corpos de significados podem coexistir num mesmo indivíduo, determinando, em cada
um, leituras mais ou menos 'profundas'". (BARTHES, 1991, p. 47).
Para Barthes (1991), o significante pode ser analisado com as mesmas observações que
ele coloca para o significado, apenas com a diferença de ser o significante um elemento
mediador que se comporta como gerador, ou seja, materializador da figura do objeto, o
significado.
Por fim, Barthes diz que "a significação pode ser concebida como um processo; é o ato
que une o significante e o significado, ato cujo produto é o signo" (BHARTES, 1991, p.
52). A significação, como elo de ligação entre o significante e o significado, não constitui
uma teoria nova, ou seja, quando Barthes discute o assunto embasa-se em autores que o
discutiram anteriormente, a exemplo de Hjelmslev, Lacan, etc.
Para Peirce: "Um signo, ou representâmen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo,
representa algo para alguém." (PEIRCE, 2000, p. 46)
Peirce divide o estudo dos signos em ramos diferentes para fins de análise: a primeira
tricotomia trata do signo em si mesmo, a segunda refere-se às relações que o signo tem
com o seu objeto e a terceira apresenta as relações entre o signo e o seu interpretante.
A primeira tricotomia é aquela em que o signo funciona com referência ao meio e está
dividida seqüencialmente em três partes chamadas por Peirce de quali-signo, sin-signo e
legi-signo.
O legi-signo
(lei), em Peirce, é o signo empregado consoante as normas que o regem. Trata-se da
convenção do signo num dado tempo e espaço. Os signos são usados segundo as normas,
por exemplo, as letras do alfabeto de uma língua, as palavras de uma língua, os sinais de
trânsito, os graus dos termômetros, etc.
Na sua segunda tricotomia, Peirce apresenta o signo que pode ser denominado
comoícone, índice ou símbolo
O ícone segundo Peirce "é um signo que se refere ao objeto que denota apenas em virtude
de seus caracteres próprios, caracteres que ele igualmente possui quer um tal objeto
realmente exista ou não" (PEIRCE, 2000, p. 52). A palavra ícone vem do grego e quer
dizer imagem, por isso, quando representamos algo por meio de uma imagem (desenho),
estamos utilizando um ícone. Como exemplo, podemos tomar certas placas de trânsito
icônicas, ou seja, aquelas que representam travessia de pedestres (um homem estilizado
dando um passo a frete).
O índice, conforme Peirce, "é um signo que se refere ao objeto que denota em virtude de
ser realmente afetado por esse objeto" . (PEIRCE, 2000, p. 52) O índice é, portanto, um
signo de referência a um dado objeto e/ou objetivo. Um bom exemplo disso é o dedo
indicador da mão que é usado para fazer uma referência direta a alguém ou a alguma
coisa. Trata-se da indicação de um caminho no espaço e no tempo. O marcador de páginas
de um livro é o indicativo da página em que você parou de ler ou marcou para encontrar
algo importante, isto é um índice. O índice de uma dada obra é o indicativo dos conteúdos
e as páginas em que estão. No tempo, como índices referenciais, podemos fazer menção
à importância que têm as datas em relação aos acontecimentos: 22 de abril de 1500 é um
índice em relação ao descobrimento do Brasil pelos portugueses.
O símbolo para Peirce "é um signo que se refere ao objeto que denota em virtude de uma
lei, normalmente uma associação de idéias gerais que opera no sentido de fazer com que
o símbolo seja interpretado como se referindo àquele objeto" (PEIRCE, 2000, p. 52).
Vezes e vezes, o objeto não parece com sua representação; a associação do signo ao objeto
geralmente é instituída ao longo do tempo, por meio de uma assimilação cultural. Numa
rodovia, o motorista, ao ler uma placa de indicação viária, está fazendo a leitura de um
índice, mas se ao lado da placa for vista por ele uma cruz, estará fazendo a leitura de um
símbolo. A cruz está simbolicamente relacionada à morte. O motorista poderá entender
que naquele lugar ocorreu uma morte.
Em Peirce, um "rema (signo singular) é um signo que, para seu interpretante, é um signo
de possibilidade qualitativa, ou seja, é entendido como representando esta e aquela
espécie de objeto possível" (PEIRCE, 2000, p. 43). Como elemento clareador do rema,
podemos dizer que na frase As rosas são vermelhas, o predicativo – são vermelhas – é
um rema, pois trata-se da interpretação que o intérprete faz de uma qualidade singular do
signo.
Ainda para Peirce, "um signo dicente é um signo que, para seu interpretante, é um signo
de existência real" (PEIRCE, 2000, p. 52). O dicente é uma proposição, trata-se de um
signo que provoca e desperta uma reação crítica no intérprete. Por fim, pode-se dizer que
é a interpretação particular do leitor de um signo, seja ela negativa, seja positiva. Com
base nas afirmações anteriores, ainda podemos dizer que uma cerca é um signo dicente,
pois ela indica que o transeunte não pode passar daquele ponto. Já uma porta aberta pode
ser um convite, ou quem sabe uma armadilha.
Por fim, Peirce apresenta e define o último elemento de sua terceira tricotomia:
"Argumento é um signo que, para seu interpretante é signo de lei" (PEIRCE, 2000, p. 53).
O argumento é o juízo verdadeiro que o interpretante faz do signo, portanto se dissermos
que um elemento "E" é igual a soma de um elemento "X" mais um elemento "Y", ou seja,
(E = X + Y), estamos construindo um signo argumento, porque podemos dizer que a soma
de X mais Y é igual a E, ou seja, (X.+ Y = E). Com isso, é possível perceber que
o argumento que expressa verdades, ou juízos verdadeiros. É possível construir o
seguinte exemplo: Pedro está com uma doença "A"; Pedro morrerá porque a doença é
mortal e não possui cura. De posse destas informações, podemos deduzir que todas as
pessoas com a mesma doença "A" morrerão, porque ela é mortal. Peirce ainda diz: "Um
argumento é um signo cujo interpretante representa seu objeto como sendo um signo
ulterior através de uma lei, a saber, a lei segundo a qual a passagem dessas premissas para
essas conclusões tende a ser verdadeira" (PEIRCE, 2000, p. 57).
A Semiótica na Moda
De acordo com Lúcia Santaella "o estudo da linguagem e dos signos é muito antigo. A
preocupação com os problemas da linguagem começam na Grécia. A semiótica implícita
compreende todas as investigações sobre a natureza dos signos, da significação e da
comunicação, é uma semiótica explícita quando a ciência semiótica propriamente dita
começou a se desenvolver" (SANTAELLA, 2002, p. 22).
Para Peirce "a semiótica não é uma ciência especial ou especializada, como são as ciências
especiais, a física, a química, a biologia, a sociologia, a economia, etc., quer dizer,
ciências que têm um objeto de estudo delimitado e de cujas teorias podem ser extraídas
ferramentas empíricas para serem utilizadas em pesquisas aplicadas" (PEIRCE, 1995, p.
5).
Tal sistema sígnico primário pode se tornar um elemento de um sistema sígnico mais
amplo. Se a extensão é de conteúdo, o signo primário se torna a expressão de um sistema
sígnico secundário. Neste caso, o signo primário é de semiótica denotativa, enquanto o
signo secundário é de semiótica conotativa.
Para Barthes, "o mito é sempre uma linguagem roubada" (BARTHES, 1993, p. 131).
Para J. Lotman, "a arte e a cultura em geral são consideradas como sistemas de
modelagem secundárias" (LOTMAN, 1979, p. 7).
Para Pierce, é um significado, que aparece como resultado de um acordo interpretativo
dos intérpretes do signo.
Barthes vê uma nova abordagem de semiologia ou a nova mitologia, já não será capaz de
separar tão facilmente o significante do significado, o ideológico do fraseológico.
A teoria semiótica nos habilita a penetrar no movimento interno das mensagens, o que
nos dá a possibilidade de empreender os procedimentos e recursos empregados nas
palavras, imagens, diagramas, sons, nas relações entre elas, permitindo a análise das
mensagens.
As mensagens podem ser analisadas em si mesmas, nas suas propriedades internas, quer
dizer, nos seus aspectos qualitativos, sensórios, tais como, na linguagem visual, por
exemplo, as cores, linhas, formas, volumes, movimento, dinâmica, quando, em
terminologia semiótica, analisa-se os quali-signos das mensagens.
Para Embacher, citado por Maria Luiza Feitosa "o vestuário participa da constituição da
identidade e é por ela constituído, e verifica também a possibilidade do indivíduo, ao
construir seu próprio estilo, ser capaz de tornar-se representante de si mesmo, criando
uma identidade, que articula as igualdades e as diferenças que constituem e são
constituídas pela história desse mesmo indivíduo"
(FEITOSA, 2003)
E sintetiza mostrando ser esta situação "uma autonomia que emancipa o sujeito
proporcionando-lhe, entre outras coisas, um estilo próprio de vestir. Um estilo capaz de
expressar o que ele está–sendo e o que ele é sem-estar-sendo, coerente com o movimento
contínuo de concretização que lhe permite ser representante de si, com autonomia, na
busca da mesmidade." (Idem, Ibidem)
Ana Paula Celso de Miranda e Maria Carolina Garcia, afirmam que "atitudes levam as
pessoas a gostarem ou não das coisas, aproximarem-se ou afastarem-se delas. Esses
gostos e desgostos são chamados atitudes."
(MIRANDA e GRACIA, 2003)
Estas mesmas autoras, citando Eco, afirmam que "sendo a moda símbolo na essência,
parece certo afirmar que à ela se aplica perfeitamente transferência de significados,
visando a comunicação integrante de sociedades, onde tudo comunica, sendo assim, o
vestuário é comunicação."
(MIRANDA, e GARCIA, 2003)
A moda, dentre outras, possui, duas vertentes singulares: uma é a individualidade e a outra
a necessidade de integração social. Salomon, a nós trazido por Ana Paula Celso de
Miranda e Maria Carolina Garcia ensina que "moda é processo muito complexo que opera
níveis. Em um extremo, está o macro, fenômeno que afeta muitas pessoas
simultaneamente, ela exerce efeito muito pessoal no comportamento individual. As
decisões de compra do consumidor freqüentemente motivadas pelo desejo de estar na
moda." (MIRANDA e GARCIA, 2003)
As mencionadas autoras, agora com substrato em Freyre registram que "a moda se impõe
(...) é a pressão, sobre esse gosto de um consenso coletivo." (MIRANDA e GARCIA,
2003)
Dos muitos símbolos e expressões, a roupa é uma das mais importantes linguagens não
verbalizadas do "eu" que passa de controle social. Por ela as pessoas procuram comunicar
para os outros, esta percepção de si, que demandam a integração social mediante o que é
culturalmente aceito. A moda é um dispositivo social, portanto o comportamento
orientado pela moda é fenômeno do comportamento humano generalizado e está presente
na sua interação com o mundo. Nesse sentido afirma Baudrillard que "se modernidade
define-se pela hegemonia do código, a moda, enquanto dimensão total dos signos é sua
instância emblemática. A moda constitui uma ruptura profunda no pensamento
discursivo, mergulhando-o na irreverência absoluta, ela desarticula o esquema tradicional
da representação". (BAUDRILLARD, 1996). Que nos impõe profundamente à moda é a
ruptura com uma ordem imaginária: a da Razão sobre a todas as formas...
Os modelos regem o campo da moda. Existe, uma diferença fundamental entre a função
totalizante da moda na modernidade e a função do ritual na ordem primitiva, à qual escapa
o efeito estético da ostentação pelos signos que caracteriza o sistema da moda. A moda
assume diante da funcionalidade econômica o aspecto de festa e de gratuidade. Exerce
uma fascínio que advém dos aspectos de inutilidade e de arbitrariedade que lhes são
próprios.
O sistema da moda é paradoxal e enquanto código absoluto ela está acima de qualquer
valor. O design na moda nos possibilita entender a semiótica, que é como uma
embalagem, um rótulo que é utilizado na moda para despertar sensações. São elementos
comuns do design: o brilho, que são sinais visuais, que pontilham a rastro da roupa. Esse
rastro marca com uma clareza a oposição entre brilho e não–brilho. Essa opção marcante
entre duas qualidades, a de brilhar e a de não-brilhar dá essa alternativa uma
predominância qualitativa e icônica.
Padrões esses que dizem respeitos aos elementos culturais, as convenções de época que a
moda incorpora. Os elementos culturais e convenções
só funcionam simbolicamente para um interpretante. Dependendo do tipo de intérprete,
dependendo especialmente do repertório cultural que o intérprete internalizou, alguns
significados simbólicos se atualizarão, outros não.
A moda atende cegamente aos ditames do consumo. Se uma imagem é um bom produto,
se vende bem, essa imagem será perseguida sem tréguas e sem limites.
A conclusão a que se chega é no sentido de que emoções são signos e, como tais a moda
nos causa emoções. Nesse ponto, o caminho parece estar aberto para a nossa análise
semiótica da moda como uma emoção, em pecado emocional que é um signo.
Qualquer signo, todo signo, mesmo um signo mental, deve estar corporificado. Estando
corporificado, o signo tem qualidades materiais que lhe são peculiares como uma entidade
ou evento que ele é, independente de sua função representativa.
Em conclusão, citam-se Barthes, para quem "o signo é, pois, composto de um significante
e um significado. O plano dos significantes constitui o plano de expressão e dos
significados o plano de conteúdo". (BARTHES, 1997, p. 43).
Referências:
MIRANDA, Ana Paula Celso de. e GARCIA, Maria Carolina. Influenciadores e hábitos
de mídia no comportamento do consumo de moda – parte 3.
Disponível em www.recmoda.com.br/bazar/008.html.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 30. ed. São Paulo: Cultrix. 2001.
SOUZA, Maria Luiza Feitosa de. Resenha sobre o livro: Moda e identidade – a
construção de um estilo próprio – Airton Embacher – Anhembi Morumbi, publicado no
Jornal da Tarde – julho de 1999. Disponível
em:www.pucsp.br/pos/cos/moda/resenhal.htm.