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CAPOEIRA

Na Mesma Roda,

a Arte do Corpo

e da Mente

Lucas Raposo

3.

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,
- ;

Uma roda de rua no início dos anos 80: a capoeira é uma presença forte nas praças
28 — Revista Minas Gerais
Com a proclamação da República, o cerco se fe-
chou: o Código Penal de 1 890 determinava a prisão
A, krte, esporte, lazer, folclore, dança, luta, jo- para quem fosse apanhado praticando capoeira, e
go. E mais: pernada, vadiação, brincadeira cheia de muitos foram realmente presos e enviados à ilha de
mandingas e malibolência.'Estamos falando de ca- Fernando de Noronha para trabalhos forçados.
poeira. Sampaio Ferraz era o inflexível chefe de Polícia da
Buscar a sua origem leva a suposições intermi- Capital Federal.
náveis que se aprofundam, ora na história do Brasil, A capoeira sobreviveu clandestinamente duran-
ora na observação do comportamento de animais te quase 50 anos, até 1 937, quando Manoel dos
selvagens e também em danças e jogos de povos Reis Machado, o mestre Bimba, fez uma demonstra-
africanos. A começar pelo nome, com raízes no tupi- ção para o presidente Getúlio Vargas. O resultado
guarani, significando mato extinto, mato cortado. dessa demonstração que deixou o presidente muito
Mas é também uma ave, um cesto, uma gaiola gran- bem impressionado foi a imediata revogação da Lei
de onde se criam aves. Sampaio Ferraz e a liberação da capoeira. Mestre
0 padre José de Anchieta, já em 1 595, citou Bimba montou o seu Centro de Cultura Física de Ca-
que "os índios tupi-guaranis divertiam-se jogando ca- poeira Regional da Bahia. Ele foi, seguramente, d pri-
poeira". 0 que é impossível demonstrar hoje é se tal meiro mestre a ensinar capoeira em recinto fechado
jogo indígena seria parecido com o atual. Outra fonte e a sistematizar este ensino. Estava criada a capoeira
sugere que o folguedo teria sido criado no Rio de Ja- Regional, que introduzia também inovações no jogo.
neiro por escravos que levavam cestos de aves ao Contudo, as formas mais tradicionais da capoeira
mercado e se divertiam enquanto esperavam ser continuaram sendo praticadas por outros grupos que
despachados. Poderia, também, ter sido inspirado tiveram em Vicente Ferreira, o mestre Pastinha, o
pelo macho da ave uru, também chamada capoeira. seu mentor máximo. Este é o estilo conhecido hoje
Ele trava lutas violentas quando se sente ameaçado pelo nome de capoeira Angola.
por um rival.
A luta foi praticada por escravos fugitivos e pe- Enquanto isso, em Minas Gerais... Bem, aqui é
los quílombolas que enfrentavam os seus persegui- desconcertante a ausência de notícias sobre capoei-
dores, os capitães-do-mato, nas capoeiras próximas ra, apesar de ter sido o Estado povoado por um
dos canaviais de Pernambuco, Recôncavo Baiano e enorme contingente de negros. Houve muitos qui-
fazendas do Estado do Rio. Na saga do quilombo dos lombos, e manifestações de cultura negra prevalecem
Paimares, Zumbi passou para a tradição como um até hoje com a maior pujança, exceto a capoeira.
heróico capoeirista. Segundo os próprios capoeiristas, a prática
Indo buscar as origens africanas da capoeira, atual foi introduzida em Belo Horizonte pelo mestre
chega-se ao Ningôlo — dança/luta cultivada por tri- Toninho Cavalieri e por Paulão, nos anos 60 e 70.
bos de Angola, a dança da zebra que dramatiza uma Também Luís Mário Ladeira, apelidado Jacaré, foi
disputa pela virgem núbil e é, ao mesmo tempo, uma um instrutor pioneiro. Ainda, atualmente encontram-
preparação guerreira. se entre bons capoeiristas os ex-alunos de Jacaré.
Certo é que, no Brasil do início do Século XIX, a Tudo o que existe por aqui, hoje, é conseqüência
capoeira já estava presente nas cidades do Rio de Ja- desse espalhamento recente. Podemos, então, ir di-
neiro, Salvador e Recife, e apesar das distâncias im- reto à observação do panorama atual.
plicadas apresentava alguma unidade: uma luta em. A capoeira está aqui nas duas vertentes: Regio-
que as armas eram pernas, braços e cabeça do guer- nal e Angola. A primeira tem um maior número de
reiro, exercitados com agilidade e malícia. Rugendas adeptos e se faz presente nas rodas de rua. Várias
retratou um grupo de escravos jogando capoeira ao academias, aulas em espaços cedidos por escolas,
som do atabaque. clubes e outras entidades, além do ensino pouco sis-
Mais notícias sobre o jogo estão nas providên- tematizado que se dá muitas vezes nos quintais, tudo
cias que eram tomadas pelas autoridades da época isto é o pano de fundo de um grande número de ca-
para a repressão da prática da capoeiragem. Em por- poeiristas cujo montante é-difícil precisar.
taria de 31 de outubro de 1821 o intendente geral Não só na Capital, mas também espalhados em
de Polícia da Corte recebia, do príncipe regente, ins- todo o Estado, encontram-se mestres de capoeira
truções para pôr fim às desordens provocadas pelos desenvolvendo o seu trabalho. Vamos citar, como
negros capoeiras. exemplo, mestre Pinheiro e mestre Israel, em Juiz de
Em 1865 começa a Guerra do Paraguai. Para Fora; mestre Marreta, que semeia seus conhecimen-
as frentes da batalha foram levas de capoeiristas, in- tos entre Montes Claros,. Curvelo, Corinto e Sete La-
clusive escravos que contavam com o aceno da li- goas; mestre Rock, em l.patinga; mestres Mazinho e
bertação e da cidadania para quando voltassem. Zezão, em Pirapora; mestre Reginaldo Santana, em
Mas, terminando o conflito em 1870, a cidade do Passos.
Rio de Janeiro se via às voltas com bandos — maltas Os apelidos dos capoeiristas podem merecer um
— de capoeiras, muitos deles agora arruaceiros as- capítulo à parte. Cada um tem o-seu, escolhido pelo
sumidos. E a perseguição policial se intensificou. mestre ou surgido nas próprias rodas, sendo raros
aqueles conhecidos pelo nome civil. Alguns apelidos
são curiosos. Temos aves e bichos: Ticp-tico, Sabiá,
Avestruz, Carcará, Tatuzinho, Tigre, Águia Negra,
As fotos a cores foram feitas por Bernadete Nery numa roda Ursão, Garnizé. Há também os violentos, pelo me-
promovida especialmente para a Revista Minas Gerais pela nos no nome: Porrada, Porradinha, Batalha. Os sua-
Associação de Capoeira Negrinhos de Sinhá (Rua Carangola, ves: Sorriso, Coração, E os diferenciados: Negão,
44 — Tel.: (011) 227-6635. Coordenador da roda: Paulão. Negãozão e Negãozinho; Feijão e Feijãozinho; Tatu e
Participou nas entrevistas a repórter Vanúsia Duarte. Tatoo — de tatuagem. Os atmosféricos: Corisco, Re-
Toda a matéria teve a consultoria e colaboração do lâmpago, Trovão. Outros vieram da 'mitologia' sécu-
capoeirista Marimbondo. lo XX: Tarzan, Zé Colméia. Os fraternos: Abelha,
Marimbondo. E a lista pode ficar interminável.
Revista Minas Gerais — 29
A Negrinhos de Sinhá adota cordéis para gra-
duar seus alunos, segundo um padrão de várias aca-
demias no País. Os cordéis são baseados nas cores
da Bandeira Nacional; no primeiro estágio, depois de
um prazo de aprendizagem, treino e exame, o aluno
recebe cordel verde. Com novos exames dentro de
prazos certos, ele passa a verde/amarelo, amarelo,
amarelo/azul e finalmente azul, que é o de aluno for-
mado, ou instrutor. A partir daí o capoeirista recebe
cordéis a critério dos mestres, naturalmente sem so-
licitar. São os cordéis verde/amarelo/azul, de contra-
mestre; o branco/verde, de mestre. Seguem-se ain-
da branco/amarelo, branco/azul, e, finalmente, o
branco, de grão-mestre.
Rogério Soares Peixoto, o mestre Rogério, de-
pois de muitos anos de prática da capoeira, passou a
dedicar-se exclusivamente ao estilo Angola. Ele fun-
dou o Grupo lúna e desenvolve este trabalho exclusi-
vo em Belo Horizonte há cinco anos, atualmente em
espaço cedido pelo Diretório Acadêmico da Faculda-
de de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. O seu
grupo se vinculou recentemente ao Grupo de Ca-
poeira Angola Pelourinho, em Salvador, e, além dos
trabalhos regulares de treino e discussão, já realizou
aqui a I Oficina de Capoeira Angola. Nestas oficinas
acontecem palestras, debates, aprendizado da con-
fecção artesanal de instrumentos como o berimbau e
o caxixi, e belíssimas rodas de capoeira.
Mestre Rogério defende que a origem da ca-
poeira foi realmente a dança da zebra das tribos an-
golanas e sustenta que a arte é, com muita probabili-
dade, milenar. Ele não adota cordéis para os seus
alunos, pois considera que tal graduação pode ser
fonte de violência. 0 Grupo de Capoeira Angola Pe-
4
lourinho só reconhece a militância do capoeirista.
Quando este passa a transmitir seus conhecimentos,
pode receber, a critério do grupo, um diploma de
mestre que, com o tempo, será respaldado — ou
não — pela comunidade.
Os depoimentos de três mestres nas páginas se-
guintes querem dar uma idéia abrangente da questão
Mestre Mão Branca capoeira em Minas Gerais. Foram condensados de
O número de praticantes da capoeira em Belo 60 minutos de fita gravada de cada um, procurando
Horizonte e no Estado é difícil precisar. Se alguém preservar o mais possível as suas peculiaridades.
sair com um berimbau tocando pela rua num domin- Mas é um propósito quase frustrante, pois eles falam
go ou feriado, logo encontrará muitos e, se houver com ênfases de corpo e entonação que só se captam
bastante garra, poderá dar seqüência a uma roda. bem na calma, no sentar-se e ouvir com deleite.
Contará também com a curiosidade espontânea dos Mestre Dunga conta do seu pioneirismo nas ro- I
meninos de rua, que se encantam tanto em observar das de rua. Mestre Chuvisco, depois de narrar a sua
as rodas. Tudo isso é motivo das preocupações da própria história, aborda o ensino de capoeira.
Federação dos Capoeiristas do Estado de Minas Ge-
rais que, depois de um longo período inativa, em que Mestre Rogério, além do sereno discurso pela j
só existia no papel, começa a se mobilizar, tendo ob- não-violência, ainda analisou: "O mineiro, apesar de
tido da secretária adjunta do Trabalho, Raquel Scar- estar no meio, entre Rio e Bahia, tem alguma coisa
latelli, um local no centro da cidade para se dinami- que é muito das montanhas, e a capoeira que ele
zar. O endereço é: Avenida Álvares Cabral, 811 — joga é uma coisa de Minas Gerais. Mesmo porque
telefone (031) 337-4284. não passaram muitos capoeiristas de fora, o mineiro
As academias têm procurado intercâmbio com assimilou o que veio, ficou, conservou, e começa a
outros centros, principalmente Rio de Janeiro e Ba- lapidar. 0 comportamento do mineiro é mais res-
hia. O grupo Guerreiros de Angola, que existia até guardado. O carioca é mais solto, o baiano mais im-
1 98 5, vinculou-se à associação fundada por mestre pulsivo. Baiano acha que é só dele a capoeira. O jogo
Gigante, em Niterói, e passou a chamar-se Associa- do mineiro é mais identificável com a sua personali-
ção de Capoeira Negrinhos de Sinhá, desde então. dade de quieto, de matreiro. Ninguém pode ficar bo-
0 mestre Mão Branca, da Associação em Belo bo no jogo da capoeira com mineiro".
Horizonte, acaba de voltar de uma tournée de inter-
câmbio cultural pela Europa, onde se apresentou em Quem quiser conhecer mais da capoeira mineira
vários países ao lado de mestre Nagô, do Rio, a procure ver uma boa roda de rua, onde o bicho pega.
convite do músico Sivuca. lê, viva meu mestre!
Revista Minas Gerais
"Eu Sou
rr
—ijfc, Um Guerreiro
mmi

Capoeira na roda de rua é um prazer que, pa-


ra mim, é tudo na vida. A roda de rua é uma
tradição, é onde o pessoal todo se encontra vindo
de todos os bairros e periferias. O povo começa a
aceitar você se todo dia você está num lugar as-
sim, mas também chega a hora em que você fica
melo queimado. Então é preciso sumir um pouco.
Mas quando você reaparece, conquista de novo o
povo jogando uma temporada firme, coisa boa, coi-
sa nova, coisa bonita. Mas depois me escondo: o
bom artista tem de se esconder mais.
O princípio das rodas de rua em Belo Horizon-
te foi assim: eu me entrosava com o Paulão da Filo-
sofia, que tinha um grupo muito bom para show. Eu
r participei do grupo mas em pouco tempo achei
que no pessoal todo não me cabia. Eu era o único
»« negro no meio. Mais tarde veio o Negão. O pessoal
sabia que nós éramos capoeiras de verdade e num
palco nós arrasávamos. Aí começou a se afastar. A
i . gente sente a cisma, sente que tem alguma coisa
errada. Nós dois éramos capoeiras de rua e come-
çamos a jogar na rua.
Então foi a vez da polícia dar de cima. Nós
íamos ao Parque Municipal, policial vinha tomar o
berimbau. A gente corria, brigava com os poli-
k ciais. Na Praça Sete eu fui até amarrado num pos-
te, com cordas e tudo. Eu me entreguei porque o
pessoal que estava comigo não tinha nada a ver.
O pessoal esfava todo na roda, mas quem trouxe a
capoeira para a rua fui eu. Eu é que tinha de assu-
mir esta responsabilidade
Eu era do Exército. Fui levado para o quartel
Mestre Dunga: e fiquei preso 15 dias na solitária, sem saber
porque. Então veio uma acusação: eu era suspeito
"Eu comecei pequeno, era um sapo-de-aca- de roubar uma arma do Exército, das Forças Arma-
demia. Aprendi, andei pelo mundo demais, conhe- das. O coronel fez um levantamento sobre a minha
ço o mundo tudo ai. O capoeirista anda muito, mas vida. Até quando descobriram que a tal arma tinha
é para saber o que é o mundo. Mas o melhor lugar sido roubada por um cabo. Ele pegou cinco espo-
que encontrei foi aqui em Minas Gerais, mesmo. ras, ele pegou pra decoração, pegou a arma e le-
Boas pessoas, só o que falta entre os capoeiristas vou para a casa dele.
é mais união. Então lembraram que eu tinha seis anos de
A capoeira daqui é a melhor do mundo. Se jo- Exército com bom comportamento, e o coronel fa-
ga perto, uma capoeira bonita. O bom capoeira lou pra mim: "Você é inocente. Você foi um
tem que ter expressão corporal, aquele jogo bonito homem, um soldado, que deu exemplo pra todo
que — Nossa senhora I — a nego se mexe todo. O mundo aqui".
capoeira tem que rebolar, ele tem que mexer com Ele achava que capoeira era coisa de mau-
tudo, ele tem que virar, tem que quebrar. elemento. Eu mostrei para ele que não tinha nada a
Isso é que conquista o povo. Não é só jogar o pé, ver com aquela coisa. Eu podia ter corrido atrás
não! Tem que jogar o pé, mas fazer disso uma pra me defender, mas eu sabia que era Inocente e
coisa bonita. tinha que agüentar aquilo. É como Zumbi, que foi
O bom capoeira não tem o jogo só pra si. A castigado, eu fui castigado também sendo inocen-
capoeira é pro povão. É o povo que me fala que eu te.
sou mestre. E eu tenho que fazer o jogo para con- Depois foi aquela festa. Eu recebi diploma de
quistar o povo, fazer o povo sorrir, fazer graça na honra ao mérito, e é difícil demais alguém ganhar
roda, jogar bonito, jogo diferente, jogo pessoal. um diploma de honra ao mérito, porque não pode
flevista Minas Gerats — 31
ter punição nenhuma, tem que ser o melhor solda- goso. Lá estava o mestre Dunga. Eu o achei um
do da unidade. monstro, eu menino diante de um criolão forte pra
Mas a polícia continuava a encostar os ca- caramba. 'Nossa Senhora! De onde saiu isto!'
poeiras na parede: "Documento?" Porque não po- Dunga começou a aula. Só havia gente do Exército
dia, o berimbau era realmente uma arma, pode ser- e eu era o pequetitinho da turma.
vir de porrete, pode servir de navalha ou de esto- Depois de um mês era o carnaval e Dunga
que. O berimbau pode ser arma, mas é também um queria que eu desfilasse tocando o reco-reco. Eu
símbolo. Tem que pôr na cabeça do pessoal para desfilei mas não sabia jogar capoeira. Estava jo-
entender isso! gando e atrapalhando, até que um capoeirista me
É por isso que estamos organizando a Federa- mandou parar. Você sabe quando sente lá no fun-
ção: porque a capoeira é lazer, é educação física. do? Eu fiquei amuado, triste mesmo, mas disse:
Ponha-se a capoeira nas favelas, nas creches das 'Deixa, eu vou aprender'.
favelas, para aproveitar os capoeiristas, dar em- Então fui treinando e. vê: capoeira entra no
prego aos capoeiras. Você imagina: dentro da sangue e não tem jeito. Você escuta um berimbau,
grande Beagá há várias escolas nas periferias po- a perna coça, o corpo arrepia. Não há jeito de pa-
bres. Eu mesmo, aqui na favela, chego a reunir cin- rar. Na época em que o mestre ach.ou que eu já
qüenta crianças aprendendo capoeira. Eu estou podia dar aula, eu comecei a ajudá-lo. Naquele
dando conselhos: "não pode fumar maconha, não tempo não existia a função de professor. Ou era
pode cheirar cola!"Eu mesmo não ganho. O que mestre ou não era nada, ninguém. Mas eu era con-
cobro é apenas para incentivar as crianças, porque siderado, como Dunga falava, o capitão da acade-
tudo neste mundo tem o seu valor. Eu fico alegre mia.
com isso. Estou batalhando na capoeira não para Até que um dia Dunga resolveu me batizar
mim, mas para aqueles que vêm lá de baixo seguin- mestre de capoeira. Pronto. Houve aquela polêmi-
do os meus passos. ca: 'O menino só tem 15 anos!' Mas Dunga disse: 'O
Amar a capoeira como eu amo, jogar com es- menino está preparado, ele toca, ele joga...' No dia
pírito, jogar com tudo, para mim é orgulho. E há do batizado todo o mundo queria me engolir na ro-
quem fique me experimentando para ver se eu da. Lá estavam Biba, Boca. Malandrinho, Negão,
estou em dia ainda. Eu mostro que o capoeira nun- Borracha... Todos queriam me pegar na roda, mas
ca morre. Não conta idade, não conta nada. por- eu tive sorte, ninguém me derrubou. Só o mestre
que capoeira é do mais jovem até ao mais velho. Dunga. Nem se eu quisesse poderia resistir.
Eu sou baiano mas moro aqui há muito tempo Se eu fosse começar a aprender hoje, queria
e já me considero mineiro. Falo uai... Quando vier mesmo um mestre muito bruto, mas bom de ca-
gente de fora querendo defamar a capoeira de poeira. Está claro que não se pode espancar o
Minas Gerais, já sabe que aqui tem um forte. Eu aluno, mas também não se pode simplesmente
sou um guerreiro". passar a mão na cabeça do aluno, senão ele vai
virar 'pó-de-arroz'. Há quem treine dez anos com um
mestre e ainda tenha medo de entrar na roda.
Capoeira é tudo: arte, cultura, dança, luta,
Mestre Chuvisco: folclore, lazer. É filosofia de vida. Se é folclore, te-
nho de aprender como folclore: se é luta, tenho que
saber praticar a luta. Senão fico incompleto. Se só
treino como folclore e chego numa roda e o bicho
"Eu me iniciei na capoeira quando ia fazer dez está pegando, vou me dar mal.
anos de idade, sem nunca ter visto antes qualquer A mãe da capoeira é realmente a Angola, ne-
coisa de capoeira. Nem em sonho eu tinha visto. gar isso é mentir. Mas não se pode afirmar que a
Naquela época, gostava muito de ir ao cinema, ver Regional não seja capoeira. O capoeirista tem que
filmes de caratê. E eu era ainda mais apaixonado jogar as duas. Ele pode jogar a Angola sem ser an-
por judô, pois era uma coisa que já tinha visto. goleiro: ele pode jogar a Regional sem ser regional.
Meu pai era capoeirista, aluno do mestre Brasí- A capoeira Regional foi uma das melhores coisas
lia. Um dia eu o vi gingando. Pensei: "Meu pai está que poderiam acontecer com a Angola, senão es-
ficando meio doido, ele não está regulando, não!" távamos perdidos, só no chão. Mas não existe essa
Ele punha o disco, um "Cordão de Ouro" de mestre separação entre as duas. Há quem diga que mes-
Caiçara, e gingava. Eu trabalhava junto com meu tre Bimba criou a capoeira Regional. Eu penso que,
pai. ele era mestre-de-obras e me levava, e eu sem- na verdade, ele ampliou a capoeira Angola. Criar é
pe falando em caratê e judô. Ele disse: 'Você tem quando surge alguma coisa que não existe. Mas
que treinar capoeira, porque o capoeirista bate mestre Bimba pegou os mesmos golpes, por exem-
muito com o pé'. Eu talei: 'Bate com o pé?' Ele dis- plo: o mesmo rabo-de-arraia que os angoleiros fa-
se: 'Bate. Você entra na academia e fica um mês. zem no chão o regional faz com o corpo mais le-
Se dentro de um mês você não gostar eu pago aula vantado. Ele deu mais vazão à capoeira. Porém, o
de caratê e judô para você'. Eu pensei: 'Estou feito, objetivo da Regional tende mais para um jogo vio-
porque eu hão vou gostar mesmo...' lento, mais de contato, mais agressivo.
Procurou uma academia e um tal Lourival indi- Eu não treino o aluno induzindo a bater em
cou o mestre Dunga, na Bela Vista. Naquela época ninguém, eu o treino primeiro a se defender. E tam-
o lugar se chamava Vila do Marmiteiro, lugar peri- bém ensino o aluno a entrar, senão ele tem medo.
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"EntraQuem Quiser,
.r í
Sai Quem Puder

primeiro cordel o aluno tem que fazer este jura-


mento: 'Como capoeirista, aluno, como pessoa In-
tegrante da sociedade brasileira, serei fiel à filoso-
fia de capoeira, nunca farei mal uso dos meus co-
nhecimentos, procurarei campear o espírito da jus-
tiça, de amor e de liberdade, procurando preparar-
me fisicamente e mentalmente, respeitar meu mes-
tre e colegas, ser atencioso às aulas ministradas,
procurarei abster-me do álcool, do cigarro, das
más companhias e de tudo quanto não for digno e
respeitávelà capoeira e à sociedade".

Mestre Rogério:

"0 meu trabalho com capoeira Angola, aqui, de


alguma forma é novidade, tanto para a comunidade
quanto para a classe capoeirista. Eu vim do Rio de
Janeiro e. por necessidade de fazer capoeira, co-
mecei a treinar com algumas pessoas. Dai surgiu a
idéia de grupo, de efetivar mais o trabalho.
Interessados, havia desde o começo, como há
hoje. Pessoas que falavam capoeira Angola. Al-
guns capoeiristas eram considerados angoleiros
mas, na realidade — hoje eu posso afirmar de ca-
deira — aquela era uma capoeira indefinida, que
foi também por onde eu tive um passado. Eu dizia
que era capoeira Regional, mas hoje eu tenho a vi-
são de que era totalmente diferente, não chegava a
Se na academia o mestre só ensina você a passar ser Regionale nem era Angola.
pezinho pra cá, pezinho pra lá, e você chega na ro- E foi um trabalho difícil, porque não é só na roda
da e encontra um acostumado a pegar mesmo, que de capoeira que você tem que explicar as coisas.
entra para dentro de você pensando que você é do Há um trabalho de conscientização, um trabalho
mesmo pique... você se assusta: 'Que é isso, esse lento, apesar de existir uma expectativa muito
cara é doido, uai!' mas não, é treinado. Na roda de grande das pessoas em conhecer, em participar.
rua entra quem quiser e sai quem puder. Todos têm um pouco de consciência de que existe
Ensinar da forma em que o a/uno vá se dar a capoeira Angola e, mesmo fazendo Regional, al-
bem lá fora, não ter medo; isto é o trabalho do mes- gumas pessoas têm até um pouco de preocupação
tre. Ele tanto tira o medo como descobre a raça do em cima do que seja a capoeira Angola.
aluno, a forma dele encarar a coisa e não correr. E É certo que gostam, mas ficam sempre aca-
o capoeirista tem que se educar. A capoeira vai nhados, inibidos: 'Eu vou perder a minha posição
transmitir isto para ele: o autocontrole. de brigador', algumas coisas assim que são muito
A capoeira é uma arte. O que nós fazemos difíceis de descobrir. Mas o trabalho tem começa-
com esta arte é o que Implica. O capoeirista que já do a contribuir para que essas pessoas também
tem uma responsabilidade, uma certa posição den- consigam se abrir dentro desse emaranhado que é
tro da capoeira, tem que tomar muito cuidado por- a capoeira. E não seria por aí, passando pela ques-
que ele é um representante. Mestre Dunga, Mão tão 'brigador'. Será passando muito mais pela
Branca, Marimbondo, Chocolate, Reinaldo... esse questão 'conhecimento capoeira', porque aí você
pessoal da capoeira mineira já é conhecido. Então, pode brigar mais ou brigar menos e de diferentes
qualquer coisínha que fizerem estoura dentro do formas, não só na coisa do físico, mas no discurso
conceito da capoeira mineira. também, porque a capoeira faz parte da História.
Na minha associação há um juramento que eu Eu vim nesse emaranhado todo me identifi-
faço todos os dias com os alunos. Para receber o cando com a capoeira Angola, me percebendo. Ela
Revista Minas Gerais 33
"Quero Ver a Briga
/r
do Jogo da Capoeira

porém eu não tenho dificuldades com as pessoas.


Não sei se isso seria o jogo de cintura, como se diz,
4
W&. mas está muito calcado no respeito pelo outro ca-
poeirista. A partir do momento em que eu respeito
o capoeirista, eu vou estar respeitando a capoeira
num todo.
A minha postura enquanto capoeirista é mes-
mo buscar o intercâmbio, o contato. Eu sou ango-
leiro. Vou chegar na roda e jogar Regional?Não, eu
vou jogar a capoeira que eu jogo, que eu sei. O que
eu busco é manter o meu direcionamento dentro
do trabalho, ou seja: não vou me perder dentro dis-
so.
Há pessoas que não entendem todo o proces-
so e só têm um discurso: a força física. Neste caso
eu procuro não chocar e nem me relacionar. Eu
fico frio.
Na minha mudança, quando jogo com um ca-
X,. poeirista Regional eu vejo muito mais buracos do
que antes. É coisa da percepção, de estar atento a
todos os detalhes. Eu, hoje, quando estou jogando
a capoeira Angola, vejo da ponta do pé ao fio de
cabelo. Eu estou mais aguçado e sei onde a pessoa-
está aberta e o que eu posso colocar ali. para ma-
chucar ou não machucar. É uma brincadeira séria.
O confronto é um momento muito sério e mul-
to ruim ao mesmo tempo. Onde começa a briga
acaba a capoeira. Pois a disputa não é só com o
corpo. Existe o canto, existe o tocar berimbau,
existe saber o que está sendo cantado. Uma chula,
uma reza, uma ladainha, um corrido, tudo isto tem
fez muito, contribuiu com muita força para que eu o seu significado para aqueles momentos no jogo.
me percebesse enquanto cidadão, na rua, na luta O desafio que aí vai é constante e benéfico para a
do dia-a-dia. Ela tem essa peculiaridade de trans- capoeira. O desafio do corpo é ruim para a capoei-
formar o cidadão enquanto pessoa, aguçar a per- ra e para o capoeirista.
cepção para outras coisas. A capoeira Angola me Eu quero ver a briga do jogo da capoeira — ai
fortaleceu muito mais nisso, por eu me identificar a coisa tem fundamento. Você ganhar uma rasteira
com ela, tanto historicamente quanto fisicamente e falar: 'marquei bobeira', e o outro cantar para
— na elegância dos movimentos. Eu tive uma difi- você, te amarrar no pé do berimbau. São as minún-
culdade normal de passar por essa metamorfose cias que poucos capoeiristas estão percebendo.
mas, pela minha identidade com a capoeira Ango- Quando eu vou para uma roda de capoeira, não
la. tive facilidade pelo menos em assimilar os movi- vou para entrar em choque. Vou para buscar essas
mentos. coisas. Mas, para entrar num choque intelectual?
Quando fiz a primeira aula com o mestre Cobri- Vou, estou pronto para isso. Um choque de desa-
nha, para mim foi como se estivesse entrando na ca- fio, tocar o berimbau? Ora, vamos lá. Aí, para mim,
poeira naquele momento, porque mudou toda a pers- constrói.
pectiva do que eu fazia. Ou eu abandonaria o que já Agora, quando vou a uma roda onde só existe
havia conquistado ou iria lapidando aquilo. Foi uma a coisa do ego do corpo, essa disputa, procuro me
transformação muito grande, tanto no jogo da ca- afastar, porque sei que ai não vou construir nem
poeira, quanto como cidadão normal, comum. Hou- para mim, nem para a capoeira, principalmente pa-
ve uma busca de raízes também, embora não dire- ra o meu trabalho. Porque se eu ficar brigando com
cionada. Mas eu sei que no meu íntimo essa coisa um, com outro e com mais outro, vou ter muitos
já existia, eu já era angoleiro. admiradores — 'o cara briga, é forte' — mas vou
Hoje, quando se fala Angola e Regional, já se ter poucos companheiros para desenvolver comigo
está falando de divergência, a coisa começa aí, o trabalho da capoeira Angola".
34 — Revista Minas Gerais

H 12 13 14 15 16 17 lí 19 20 21
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5MH
Ví- —

Início da roda de capoeira: os


jogadores tocam e cantam
para a chamada, pois o
combate está começando.
Mentes e músculos estão
preparados para mais um
duelo.

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defesa, algo felina. O bom IA
capoeirista deve ter uma
cintura incansável. Virar os
corpos apoiando-se nas mãos
faz parte do ritual. O
cumprimento dos capoeiristas
é a certeza de que o combate
Elü | será amistoso.
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No calor da luta, os
jogadores exigem do seu
corpo o máximo. Haja
pernas. Todos os movimentos
são medidos, um golpe pode
se transformar em outro
golpe, ainda no ar. O %
combate é marcado pelo som
incessante.
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/I concentração é intensa durante todo o


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jogo. Lance a lance, o combate é
Bsi i comentado pela chula. Nas escolas
joga-se também o maculelê, usando-se
muito os paus e facões. Mas a luta
continua e o uso de navalhas gera
sempre grande tensão.

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