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exatamente uma modalização do dis- ximas, inclusive seus três filhos.
curso materno. É na mulher que um Seu ponto de vista, que privilegia
homem deve produzir efeitos para que a posição da criança sobre o caráter
advenha a posição paterna! Isto não traumático do vivido, evidenciando a
encontra expressão de clareza até fantasia e relativizando os fatos, elimi-
Lacan, mas de alguma forma, podemos nava a forma "direta e inconfundível"
encontrar já no discurso kleiniano o es- preconizada por Abraham. É o fim da
boço involuntário daquilo que depois simplificação do vivido eqüivalendo ao
seria teorizado como função paterna. marcado, pós Melanie a vida é algo a
No interior da obra kleiniana, a ser mastigado e digerido pela criança.
hipótese da precocidade da constituição Embora tenha tido este mérito de ter
subjetiva advém da constatação da an- revelado a presença muito precoce do
gústia em crianças muito pequenas, crivo da subjetividade infantil, a teoria
observação clínica extremamente acura- kleiniana tinha o demérito de reduzir
da, pois qualquer um que esteja fadado drasticamente a importância dos pais
ao convívio com crianças será rapida- reais e descartar completamente qual-
mente levado a constatar que suas vidi- quer intervenção junto à família. Os
nhas são extremamente complicadas. pais podiam ser, no máximo, bons ana-
Não há outras formas de explicar as listas. Ela se importava tão pouco com o
eólicas que dilaceram o bebê, a força incosciente parental, quanto pouco pô-
dos pavores noturnos, os complicados de admitir em seus filhos-pacientes as
rituais cotidianos, tão meticulosos quan- reverberações de sua própria neurose.
to absurdos, se não pensarmos em É claro que recalcar a importância
alguma sofisticação da nascente subje- da família, privilegiando o delicado
tividade. Foi dessa evidência clínica que equilíbrio do mundo interno, a deixa
adveio a hipótese da angústia a qual, com problemas para a explicação da
para Klein, de acordo com a segunda origem das particularidades do sujeito,
teoria da angústia em Freud, não se acabando por se render à hipótese
trata apenas de acúmulo de energia quantitativa que tanto incomodou seus
represada e é desde sempre, associado predecessores. Anna Freud se encren-
ao complexo de édipo cou com a complicada medida da edu-
A transferência na infância torna- cação, na busca da "X" quantidade de
se possível para Melanie porque para repressão que produziria uma "Y" quan-
ela os pais são figuras introjetadas tidade de neurose. No outro extremo,
desde sempre, não há qualquer outra para Klein faria parte da gênese do so-
relação possível com a criança que não frimento neurótico uma quantidade de
seja transferenciai, a própria relação angústia persecutória ou depressiva"
com os pais reais é transferenciai. Neste maior do que o normal. Deixando o
sentido, a análise de uma criança não sujeito livrado apenas a seus processos
difere muito de outros cenários de sua internos, termina por se buscar algum
vida. Todo seu cotidiano visará modular tipo de essência individual, ou melhor,
sua relação com as fantasias que consti- de predestinação restrita a etéreas
tuiriam sua verdadeira essência. Nada quantidades de energia, tão compreen-
surpreendente então, que ela tenha re- síveis quanto as correntes de ar e seus
comendado a análise de todas as cri- resultados metereológicos. Tudo isso de
anças como uma forma de otimizar o uma maneira caricatural, deixando-se
trabalho educativo. Bem como empre- levar pelo raciocínio da teoria, pois a
endido a análise de muitas crianças pró- analista Melanie, em seus relatos, é mais
atenta aos pais. Na repetição conceitualizada neste tex-
Mas por falar em recalque do pai, to, encontramos a insensatez dos sin-
podemos dizer que embora Melanie tomas elevada a sua máxima potência.
tenha sido contemporânea de Freud, Podemos nos atrever a afirmar que
para ela ele já estava morto. Podemos esta leitura tenha sido uma das origens
com certeza dizer que para Klein, Freud da extrema tolerância clínica de Mela-
embora vivo ainda, era já um texto. nie, que pôde, por exemplo, emprender
Podemos situar uma extrema preocu- um trabalho com crianças extrema-
pação em assegurar-se a filiação freudi- mente desestruturadas, ou não estrutu-
ana, intensamente presente, por exem- radas, melhor dizendo, sem medo do
plo, nas controvérsias com Anna Freud, circuito que as tornava tão apegadas à
em 1927, onde debatia-se qual das duas sua própria anulação subjetiva. Ao to-
era verdadeiramente merecedora do mar pequenos autistas e psicóticos aos
espólio freudiano, qual forma de con- seus cuidados e suportar suas inexistên-
ceber a psicanálise de crianças continha cias existenciais ela conheceu o ser hu-
a essência da teoria do fundador e qual mano em suas bordas e pôde elaborar
a corrompia e a abandonava. uma teoria do vir a ser psíquico que só
Melanie começa a clinicar mais de encontrou seqüência e conseqüência
10 anos antes da morte de Freud, mas a nas teorias de Lacan sobre a constitu-
história não registra nenhum encontro ição do sujeito. Diga-se de passagem,
pessoal de ambos, nenhum diálogo, que também Lacan graças à sua extensa
apenas um pálido comentário, em car- trajetória psiquiátrica que o levou para
tas de Freud, sobre o debate em que junto da psicose em suas mais dramáti-
sua filha se degladiava com Klein, pres- cas formas, também conheceu com
tando, obviamente, um reservado apoio quantos paus se faz uma canoa, de que
a sua filha. Porém esta seguidora de seu consistência depende um ser humano
escritos, analisada por dois de seus dis- para tornar-se tal.
cípulos mais diretos e diletos, Karl Para finalizar, uma última nota, das
Abraham e Sandor Ferenczi, na con- tantas que poderíamos tomar no rodapé
dição de neta do fundador, soube lidar dos textos kleinianos.
com o seu texto de forma a tomar "Para Atenção:, a teoria kleiniana deve
Além do Princípio do Prazer" como algo ser lida desde o ponto de vista do sujei-
a mais do que a simples presença do to em constituição, a ótica é a dos olhos
câncer em Freud. da criança. As fantasias, processos e
Pouco preocupada com a iminên- elaborações da sua teoria não contem-
cia da morte daquele que para ela plam o ballet, a coreografia da família, a
nunca foi um personagem encarnado, saber, a função paterna e materna, o lu-
Melanie pôde trabalhar com o sujeito gar da criança de objeto do desejo dos
nos limites da existência como até en- pais, os diferentes registros, feminino e
tão ninguém o havia feito. O texto freu- masculino dos pais, não busque esses
diano de 1919 nos confronta com a pontos de vista nos textos de Klein.
beira do precipício, ali ficamos sabendo O que se pode procurar e achar
que ser ou não ser é uma questão sem- no texto kleiniano é um trabalho de
pre recolocada pela vida, que estamos arrolamento de fantasias fundantes da
sempre remetidos a um lugar onde nos- subjetividade humana. Embora saiba-
so ser, ou aquilo que compreendemos mos o quanto estas fantasias registradas
como tal, o querido ego de Anna Freud, tenham tido sua coloração fortemente
encontra permanentemente seus limites. marcada pelas tintas do imaginário da
própria Melanie, temos que tomar seu REFERÊNCIAS
trabalho desde o ponto de vista da es- BIBLIOGRÁFICAS
trutura de sujeito dedutível desta des-
crição. Aqui vemos uma criança na ABRAHAM, Karl. (1973). Contribuiciones a la
antítese da posição passiva frente à Teoria de la libido. La Primer a Etapa Pre-
educação a que havia sido relegada genital de la Libido. Buenos Aires. Edicio-
pelas teorias de Anna Freud, para quem nes Hormé. [1916].
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dos seus sintomas não transcende da
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co, no sentido freudiano do termo. ria da sexualidade. In: Obras psicológicas
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do libidinal. Melanie Klein, por sua vez, [19051.
arrola a produção da criança, docu- FREUD, S. (1990 c). Análise de uma fobia em
menta seu processo, ressalta seu ponto um menino de cinco anos. In: Obras Com-
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à criança propriamente dita, mas foi aci- FREUD, S. (1990 d). Além do Princípio do
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ma de tudo Klein que acreditou nas
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suas associações. •
PETOT, Jean-Michel. (1987). Melanie Klein -
Primeiras descobertas e primeiro sistema
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