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Análise Psicológica (1998), 1 (XVI): 127-138

As perturbações alimentares precoces e a


sua avaliação

MARIA JOSÉ GONÇALVES (*)


EDUARDA RODRIGUES (**)

1. INTRODUÇÃO E FORMAS CLÍNICAS quadros clínicos, específicos da primeira infân-


cia, para além dos considerados nas classifica-
As perturbações alimentares da primeira in- ções diagnósticas aceites internacionalmente,
fância são situações clínicas muito frequentes, que são pouco discriminativas para esta faixa
que, em geral, provocam nos pais grande preo- etária. No capítulo da DSM-IV (DSMMD, 1995)
cupação que se repercute quase sempre na rela- dedicado às «perturbações geralmente diagnosti-
ção com a criança. Vão desde simples flutuações cadas durante a primeira infância, infância ou
do apetite, transitórias e relacionadas com acon- adolescência», considera-se, erradamente em
tecimentos «minores», como alterações no quo- nosso entender, que não existe uma distinção
tidiano ou no ambiente, entrada na creche, nasci- clara entre perturbações da infância e da vida
mento de irmãos, até situações de recusa alimen- adulta. Dentro do grupo das perturbações ali-
tar grave que põem em risco a própria vida da mentares, consideradas como as situações em
criança. Podem ser acompanhados ou não do que se verifica uma alteração na ingestão de ali-
aparecimento de comportamentos anómalos e bi- mentos, quer em termos quantitativos, quer em
zarros. termos qualitativos, a DSM-IV e a ICD-10
Apesar da diversidade de situações clínicas (OMS, 1993) referem apenas: a ruminação ou
em que aparecem as dificuldades alimentares, mericismo (regurgitação repetida de alimentos),
apesar da sua complexidade e multi-factoriedade a pica (ingestão persistente de substâncias não
o que, de acordo com a maioria dos autores difi- alimentares), e a perturbação alimentar da pri-
culta a sua classificação, é possível identificar meira infância. Esta ultima corresponde a uma
falha persistente de ingestão adequada de ali-
mentos, com acentuada falta de aumento ou
(*) Psiquiatra infantil e Psicanalista, membro di- mesmo perda de peso, sem causa orgânica, e
dacta da Sociedade Portuguesa de Psicanálise. Chefe com uma duração superior a 1 mês.
de serviço hospitalar, chefe de equipa da Unidade da Para os autores franceses (Kreisler, Porte,
Primeira Infância do Departamento de Pedopsiquiatria 1989), as perturbações alimentares do lactente, a
do Hospital de D. Estefânia, Lisboa.
(**) Psiquiatra e Psiquiatra infantil. Assistente hos-
que chamam «comportamentos alimentares
pitalar e coordenadora da área clínica da Unidade da desviantes», incluem a anorexia, os vómitos, a
Primeira Infância, Lisboa. ruminação, a pica, a bulimia e ainda a coprofa-

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gia, a tricofagia e a geofagia (incluidas por ou- Os ciclos de fome-saciedade e a substituição
tros autores no quadro da pica). São considera- das sensações de desconforto, associadas à fome,
das uma forma de patologia psicossomática do pelo bem-estar, associado à satisfação alimentar,
lactente, ou seja, são definidas como «perturba- ajudam a estabelecer comportamentos alimenta-
ções orgânicas cuja génese e evolução têem uma res normais. «...um bebé que se alimenta bem é
participação psicológica prevalente». um bebé feliz... e gosta da experiência de ser ali-
A literatura francesa dá uma grande impor- mentado» (A. Freud, 1946).
tância ao estudo da anorexia, provàvelmente Durante os primeiros meses de vida, a alimen-
por ser a manifestação clínica mais frequente, tação e o aumento de peso são para os pais e pe-
com as suas várias formas, desde a chamada diatras um dos principais indicadores de que o
anorexia comum de oposição até às formas gra- bebé está bem. Progressivamente, e «quando o
ves de anorexia neo-natal. bebé desenvolve suficientes capacidades para
Neste trabalho, abordaremos, em primeiro lu- discernir outras qualidades além da dor e do pra-
gar, os factores da criança e os factores do meio, zer, a fonte de prazer desloca-se da experiência
nomeadamente as atitudes maternas, que favo- alimentar para os alimento» (A. Freud, 1946).
recem o desenvolvimento normal da alimentação Numa perspectiva mais actual, poderíamos dizer
e dos comportamentos alimentares. que o desenvolvimento das capacidades de dis-
Em segundo lugar, descreveremos os dois ti- criminação sensorial e da capacidade de reco-
pos de perturbações alimentares próprios da pri- nhecer e de separar as emoções das sensações fí-
meira infância, que se destacam pela sua fre- sicas, a «diferenciação somato-psíquica», vai
permitir ao lactente distinguir progressivamente
quência e complexidade: a perturbação alimen-
a situação de alimentação, do alimento e do da-
tar da primeira infância, cujo sintoma mais fre-
dor de cuidados e separar as diferentes emoções
quente é a recusa alimentar associado ou não a
desencadeadas por cada um destes elementos.
outras manifestações, como vómitos, selectivida-
Assim, a partir do final do primeiro ano de vi-
de dos alimentos, as birras, etc., e os sindromas
da, verifica-se uma diminuição do interesse da
de não progressão estato-ponderal («F.T.T.»),
criança pela situação alimentar e uma baixa níti-
que apresentam problemas psicopatólogicos
da do apetite. É nesta altura que começa a apare-
complexos, e em que os factores relacionais e a cer a modificação do gosto em relação aos sabo-
patologia familiar parecem ter um papel predo- res e à consistência, a selectividade na apetência
minante. pelos alimentos, a variabilidade do apetite e a
Finalmente, partindo da nossa experiência, facilidade de distracção pelo ambiente, durante
apresentaremos os diferentes parâmetros em que as refeições.
se deve basear a avaliação clínica. Durante o 2.º ano de vida, o aparecimento de
comportamentos de teimosia e as birras, que
correspondem a formas de afirmação da vontade
2. ASPECTOS EVOLUTIVOS e do desejo de independência da criança, trans-
formam-se, nalgumas delas, numa recusa em se
Os recém-nascidos de termo e saudáveis, têm, alimentar e as refeições tornam-se verdadeiras
entre outras capacidades inatas, as de chupar e batalhas com o dador de cuidados., se este insiste
engulir e regulam a ingestão de alimentos de em alimentá-la. Este tipo de dificuldades aparece
acordo com as suas necessidades calóricas (Be- no contexto dos processos psicológicos que
noit, 1993). Bowlby (1978) citando Prechtl des- levam à aquisição do sentimento de identidade
creve no recém-nascido uma sequência com- própria e de autonomia da criança. Também pa-
portamental inata desencadeada pela fome e que ra a mãe, a experiência de alimentar o seu bebé é
consiste num movimento da cabeça que põe a uma experiência gratificante, que reforça positi-
boca do bebé em contacto com o mamilo; o con- vamente o seu papel maternal.
tacto táctil com o mamilo provoca a abertura da As sucessivas modificações no comportamen-
boca e o agarrar deste, o que, por sua vez, desen- to da criança em relação à alimentação e que são
cadeia os movimentos de sucção. A presença de consequência das diferentes fases do desenvolvi-
leite na boca provoca, enfim, a deglutição. mento psíquico, podem constituir momentos

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cruciais para o aparecimento das dificuldades o bebé e uma oportunidade de fortalecer o víncu-
alimentares, se os pais não estiverem alertados lo mãe-criança.
para essas modificações. A ansiedade e a frustra-
ção dos pais e, sobretudo da mãe, causada pela
recusa alimentar da criança, e a associação que 3. PERTURBAÇÃO ALIMENTAR
estabelecem entre a recusa alimentar dos filhos DA PRIMEIRA INFÂNCIA
e os seus sentimentos de insuficiência maternal,
provocam uma baixa da auto-estima e levam a A dificuldade em delimitar o problema na pri-
que tenham atitudes que agravam as dificuldades meira infância é evidente na forma como a DC
da criança. Estas atitudes podem ir desde mani- 0-3 (1994), uma classificação específica para
festações de zanga e de insistência, por vezes esta idade, recorre a critérios de exclusão para
com recurso a manipulações agressivas, até definir a perturbação: «o diagnóstico de pertur-
comportamentos de evitamento e vão ajudar a bação alimentar deve ser considerado quando o
criar ciclos viciosos de interacções insatisfatórias bebé mostra dificuldade em estabelecer modelos
e/ou mutuamente hostis, que ultrapassam a de ingestão adequada ou de alimentos apropria-
situação alimentar e põem em risco, de forma dos, não sendo a alimentação regulada de acordo
mais que transitória, as qualidades da própria re- com as necessidades fisiológicas de fome ou sa-
lação mãe-criança. ciedade, na ausência de perturbações regulató-
Tal como salienta T. Brazelton (1994), é nes- rias, de precipitantes relacionais ou traumáti-
tas situações que os pediatras têm um papel cos».
fundamental na prevenção do aparecimento das No entanto, em nossa opinião, não só a
falhas interactivas que perpetuam as dificuldades dependência dos factores do meio, mas também
nas áreas do sono, da alimentação, do controlo a frequência e a associação de certas característi-
dos esfíncteres, etc.. No que respeita à alimenta-
cas clínicas torna possível definir mais especifi-
ção, Brazelton considera que durante o primeiro
camente um quadro clínico da primeira infância,
ano de vida existem 3 oportunidades (entre as 2
cujo diagnóstico diferencial é de utilidade para
e 3 semanas, aos 4 meses e entre os 7 e 8 meses)
os clínicos que lidam com estas situações.
de evitar o aparecimento das dificuldades ali-
Consideramos que a definição de Minde e
mentares.
Minde (1986) para este grupo de situações é
O facto dos períodos em que o bebé vai alterar
aquela que melhor delimita o conceito e a que
o seu comportamento alimentar serem previsí-
veis, permite ao pediatra programar as consultas melhor corresponde à nossa experiência clínica.
de saúde em função destes «pontos sensíveis» Este autor estabelece os seguintes critérios pa-
(touchpoints) e informar os pais das modifica- ra as perturbações alimentares específicas da
ções que vão ocorrer nas semanas ou meses se- infância precoce, a que ele chama evolutivas:
guintes, ajudando-os na forma de lidar com elas. (a) recusa activa ou passiva do alimento,
Não bastará então ao pediatra limitar-se ao esta- acompanhada de um ou mais dos seguintes
belecimento do regime alimentar e aos horários sintomas: recusa crónica de chupar, engolir
adequados à idade, mas interessa também estar ou abrir a boca; recusa ou atraso em ali-
atento às dificuldades que poderão vir a surgir, à mentar-se sozinho, birras às refeições;
forma adequada como os novos alimentos são regurgitações ou vómitos nos 30 minutos
introduzidos, a que as posturas adoptadas pelas que se seguem à refeição;
mães sejam confortáveis e de acordo com a ida- (b) hábitos bizarros, indicados por, pelo menos
de da criança, para que um clima de intimidade e dois dos seguintes sintomas: lentidão ex-
de afecto positivo se estabeleça entre a mãe e a trema em mastigar ou engolir; selectividade
criança. (Pego, Duarte, & Rodrigues, 1990). extrema; persistência na ingestão de ali-
Nestas condições, a maior parte dos lactentes mentos passados;
desenvolve comportamentos alimentares nor- (c) duração de pelo menos 3 meses;
mais, sendo a situação de alimentação um mo- (d) início antes dos 36 meses;
mento particularmente gratificante para as mães (e) não devida a causas orgânicas, de natureza
e rico do ponto de vista das trocas afectivas com mecânica, neurológica ou alérgica.

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3.1. Epidemiologia já referido, que se associa ou não a outros sin-
tomas alimentares. Por essa razão passaremos a
Existem poucos dados estatísticos sobre a in- usar o termo anorexia para nos referirmos a
cidência destas perturbações na população geral. estas perturbações.
Por um lado, os estudos publicados referem-se a
amostras relativamente pequenas e por outro la- As mães referem que os bebés sempre come-
do, os critérios diagnósticos usados pelos autores ram mal, quer virando a cabeça à aproximação
são variáveis, o que torna a comparação entre os do mamilo ou da tetina e afastando a boca, quer
diferentes estudos díficil. mamando com muita lentidão, adormecendo du-
Um estudo epidemiológico conduzido por rante as mamadas, ou regurgitando o leite com
Dahl e col. (1986) na população geral mostrou frequência. Elas próprias referem que sentem
que a prevalência da perturbação foi de 1,4%. muita dificuldade em se adaptar aos ritmos do
Neste estudo, um grupo de crianças (n=2472),
bebé ou em acalmá-los.
com idades compreendidas entre os 3 e os 12
É, no entanto, a partir do desmame que a difi-
meses, utentes das consultas dos centros de
culdade se agrava e os pais consultam, o que le-
saúde infantil, foi avaliado sob o ponto de vista
va os autores franceses, como Kreisler (1985), a
alimentar. O diagnóstico de perturbação alimen-
situar o início da perturbação a partir dos 6
tar foi considerado sempre que a criança apre-
meses. Nessa altura, há uma intensificação dos
sentasse dificuldades alimentares (recusa ali-
comportamentos de recusa alimentar: a criança
mentar, vómitos e ou cólicas), valorizadas simul-
vira insistentemente a cara, impede a entrada da
taneamente pelos pais e enfermeiras, com a dura-
colher ou do biberon na boca, recusa engulir,
ção mínima de 1 mês e não tendo melhorado
deita fora o leite ou cospe a papa, seguindo-se
com a intervenção proposta pelo centro de saúde.
Verificou-se que em 2,02% (n=50) das crianças habitualmente a alimentação forçada por parte da
havia uma perturbação alimentar e que o sintoma mãe, com introdução de técnicas de alimentação
mais frequente era a recusa alimentar. Em 68% que, nalguns casos, constituem verdadeiros maus
das 28 crianças que apresentavam recusa alimen- tratos alimentares.
tar, o sintoma iniciou-se entre os 2 e os 6 meses. As mães vêm à consulta enviadas pelo pedia-
O grupo de crianças com recusa alimentar foi tra ou médico de família, frequentemente apenas
acompanhado durante 2 anos e 19 mantiveram o quando se verifica uma paragem na progressão
sintoma durante todo o período de seguimento. da curva do peso, para a qual não se conhecem
No grupo de controlo, de crianças sem a pertur- causas orgânicas.
bação, 55% das crianças apresentavam sintomas Descrevem os filhos ou como bebés irritáveis,
alimentares, mas episodicamente e por períodos difíceis de acalmar, hiper-reactivos, que sempre
curtos (menos de 1mês). tiveram «aversão» a comer ou como bebés muito
calmos, que nunca mostram sinais de fome, len-
Pode, portanto, concluir-se que existe uma tos e ingerindo pouca quantidade de alimentos.
percentagem significativa de perturbações ali- São, em geral, crianças descritas como vivas,
mentares que, pela sua duração e repercussões na interessadas no ambiente, com um contacto so-
criança e nos pais necessitam intervenções tera- cial adaptado, apesar de apresentarem por vezes
pêuticas específicas. reacções de inibição e estranheza em ambientes
novos. O humor é variável. São referidas como
3.2. Manifestações clínicas crianças alegres e bem dispostas, nalguns casos,
ou, como crianças tristonhas, rabugentas e insa-
tisfeitas, coladas às mães, as quais se mostram
3.2.1. Criança frequentemente zangadas e indisponíveis.
O desenvolvimento psicomotor e cognitivo é
O início da dificuldade situa-se em geral pre- normal, mas nalguns casos verificam-se atrasos
cocemente, antes dos três meses de idade, e ca- da linguagem.
racterisa-se predominantemente pela recusa ali- Para certos autores, as dificuldades alimen-
mentar, o que é confirmado pelo estudo de Dahl tares aparecem frequentemente em crianças com

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temperamentos difíceis e com tendência para te- turbação (Fraiberg e col., 1980; Sanchez-Carde-
rem dificuldades regulatórias (Skuse, 1994). nas e col., 1994).
Debray (1993) descreve um grupo de lacten- De facto, a observação da situação alimentar
tes com anorexias graves, caracterizado por um mostrou-nos sistematicamente a ausência de um
desenvolvimento psico-motor precoce. Estes be- clima de intimidade entre a mãe e a criança. A
bés teriam tendência a priveligiar a motricidade, posição do bebé era, em geral, desconfortável,
nas sua respostas às manipulações passivas das em tensão, e estava pouco aconchegado ao corpo
mães e a reagir ao «que vivem como indisponibi- da mãe, que se mantinha numa postura rígida e
lidade da mãe ou do meio» com uma atitude tensa. Algumas vezes o bebé tocava o corpo da
activa, que desencadeia as respostas motoras e mãe, agarrando a blusa, mas fixava pouco o seu
estimula a motricidade. rosto, olhando preferencialmente para fora. Em
geral, a mãe estava pouco atenta aos sinais da
3.2.2. Características da mãe e da relação mãe- criança, distraída com interferências do exterior,
-criança o que levava a uma de duas situações: ou o bebé
se engasgava com frequência porque a mãe não
A importância das atitudes maternas na ali- mantinha a regularidade do fluxo do leite, ou a
mentação do bebé foi desde sempre considerada mãe interrompia frequente e desadequadamente
crucial, quer pelos primeiros psicanalistas que a introdução do leite, deixando o bebé a chupar
estudaram o problema (A. Freud, 1946), quer por no vazio. Muito rapidamente, a criança começa-
pediatras, e encarada como fonte de dificuldades va a dar sinais de desconforto, que invariavel-
alimentares, quando se revelavam inadequadas. mente terminavam num choro inconsolável, ape-
Apesar da importância da relação mãe-criança sar das manobras da mãe para o acalmar, e tor-
na anorexia do lactente, mais uma vez, os estu- nava-se impossível prosseguir a alimentação.
dos publicados são pouco sistemáticos. A observação das interacções durante uma
Num estudo que realizámos em 12 crianças situação livre de jogo mostrou que as mães
com anorexia os nossos resultados são concor- ignoravam as raras solicitações da criança, esti-
dantes com os de outros autores, como Chatoor mulando-os a resolver os problemas sózinhos,
(1988) e Kreisler (1985) entre outros. muitas vezes para além do que era razoável para
Assim encontrámos de forma consistente uma a idade deles e mostrando pouco envolvimento e
falta de sensibilidade das mães para ler os sinais interesse pelas suas actividades. As crianças
do bebé, ignorando-os com frequência ou inter- procuravam pouco as mães e a reciprocidade do
pretando-os desadequadamente, o que aparecia olhar, as verbalizações e o prazer mútuos eram
associado tendencialmente à evocação pela mãe: escassos. Nalguns casos, por nós observados, o
1) de desinteresse e falta de disponibilidade para evitamento do olhar era uma constante (Cordei-
a maternidade durante a gravidez, quer por moti- ro, Rodriges, & Caldeira, 1993).
vos profissionais, quer por doenças de familiares
próximos ou conflitos e, 2) de ausência de ex- 3.2.3. Pai
pectativas positivas para o futuro bebé. Dahl
(1986) encontrou níveis elevados de ansiedade O papel do pai, apesar de pouco estudado, é
materna durante a gravidez destas crianças. da maior relevância para a evolução destas situa-
Na nossa amostra, 50% (6) das mães tinham ções. Nos casos em que o pai desempenha um pa-
tido no passado ou mantinham dificuldades ali- pel separador na relação mãe-criança e se cons-
mentares, mostrando muitas delas um manifesto titui como um auxiliar da mãe, fora da esfera de
desinteresse pela comida, (Cordeiro & Caldeira, confito, torna-se um elemento valioso na solução
1996) o que coincide com a experiência de ou- do sintoma, bem como um elemento determinan-
tros autores (Dahl e col., 1986; Chatoor e col., te no estabelecimento da aliança terapêutica.
1988). Nos casos em que o pai se assume como o
O papel dos modelos relacionais infantis, dos «bom» substituto materno por oposição à «má»
conflitos do passado, dos lutos patológicos, revi- mãe, acusando-a da sua incompetência, devol-
vidos e repetidos com os filhos, têm um papel vendo-lhe em permanência uma imagem negati-
determinante, no desencadear deste tipo de per- va de si própria e abandonando-a à sua angústia,

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a situação agrava-se e torna-se muito difícil tirar activamente, mas resiste passivamente. Mantém
a mãe do ciclo vicioso da culpabilidade e da a boca aberta, mas não deglute e regurgita os ali-
frustração/zanga, da qual o sintoma da criança é mentos de imediato, tudo isto acompanhado de
a prova viva. Noutros casos ainda, a relação fu- um choro lamuriento.
sional do casal leva a que o pai reforce os com- Nas crianças, o que é mais evidente é a apatia,
portamentos desajustados da mãe e assim se a atonia, o desinteresse pelo exterior, o evita-
constitua uma barreira que vai dificultar muito a mento do olhar e os sinais de retirada, num con-
mobilização do sintoma. texto em que as trocas relacionais (a mímica, o
sorriso, as vocalizações) são pobres.
3.2.4. Formas clínicas Esta forma de anorexia inscrever-se-ia num
«continuum» patológico que vai da depressão
Podemos classificar a pertubação alimentar da materna até às situações de negligência e maus
primeira infância segundo a fase evolutiva (Cha- tratos (Evans, citado por Robin, 1995). As crian-
toor, 1985) ou segundo a sua etiologia. ças podem apresentar desde um simples atraso
Chatoor e col. considera três tipos de recusa na progressão ponderal até situações graves de
alimentar de acordo com as fases de desenvolvi- desnutrição. Por nos parecer que as anorexias di-
mento: tas de inércia, que acabámos de descrever, e as
desnutrições graves se situam no mesmo es-
1) Perturbação da homeostase – a recusa ali-
pectro patológico, abordaremos estas duas situa-
mentar inicia-se entre os 0 e os 2 meses de
ções em conjunto. Para designar o quadro de não
idade e acompanha-se de falhas na recipro-
progressão estato-ponderal não-orgânica, passa-
cidade mãe-criança.
remos a usar o termo «FTT».
2) perturbação da vinculação – a recusa ali-
mentar inicia-se entre os 2 e os 6 meses de
idade e acompanha-se de falhas na recipro-
4. «FTT»
cidade mãe-criança e de ausência de con-
tingência nas respostas maternas.
Não existe uma definição única de «FTT»,
3) Pertubação da fase de separação-indivi-
mas geralmente este diagnóstico é evocado
duação – a recusa alimentar inicia-se entre
quando existe um peso abaixo do percentil 5 e
os 6 e os 36 meses e acompanha-se de con-
ou uma diminuição de pelo menos 2 percentis
flitos diádicos, afectos mútuos negativos,
nas curvas de peso, desde o nascimento até ao
luta pelo controlo da situação, para além
momento presente. Embora frequentemente
das características que já apareciam nas fa-
esteja associada a uma perturbação alimentar,
ses anteriores. Este quadro clinico quando
nem sempre esta associação se verifica.
acompanhada de não progressão ponderal é
designada por esta autora de anorexia
Este sindroma constitui um quadro clínico
nervosa infantil.
grave e relativamente frequente na primeira in-
Do ponto de vista etiológico, podemos consi- fância. Os trabalhos de Berwick e de Hannaway,
derar 2 tipos clínicos. O primeiro que corrres- citados por Benoît (1993), mostram que as
ponde ao quadro clínico que acabámos de des- crianças com «FTT» representam 1-5% de todas
crever, tem por base etiológica o conflito mãe- as admissões hospitalares pediátricas nesta faixa
criança e o segundo, que tem por base etiológica etária, enquanto as estatísticas referentes aos
a carência e o «vazio relacional» (Robin e col., casos de «FTT», seguidos ambulatòriamente,
1995). Os autores franceses chamam à primeira apresentam variações maiores, que vão desde
forma clínica «anorexia de oposição», em con- 3,5% até 14%, conforme os estudos.
traste com a segunda, chamada «anorexia de Uma percentagem de 15 a 35% dos casos de
inércia» (Kreisler, 1985). «FTT» têm uma etiologia em que os factores
Neste segundo tipo de dificuldades alimen- orgânicos se associam a factores psico-sociais,
tares, a anorexia caracterisa-se por uma recusa pelo que a distinção entre «FTT» de causa orgâ-
passiva da alimentação. O bebé não pega no pei- nica e não-orgânica não tem utilidade clínica
to ou na tetina e, quando forçado, não se opõe (Benoît, 1993).

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Embora os factores etiológicos considerados do que nas mães dum grupo de controlo, estando
sejam multiplos, vários trabalhos têm permitido estes dois tipos de patologia muitas vezes asso-
ressaltar algumas características comuns, ao ciados. Mesmo quando comparadas com mães
nível da psicopatologia da criança e da mãe, da maltratantes, estas mães apresentam mais graves
interacção e dos padrões relacionais familiares, perturbações mentais e emocionais (Crittenden,
o que, a par da gravidade médica das situações 1987). Na nossa experiência, verificámos uma
fazem, do nosso ponto de vista, da «FTT» uma hostilidade mais aberta e um menor envolvimen-
entidade clínica que deve ser destacada. to com os filhos.
Na sua história infantil encontram-se mais
4.1. Manifestações clínicas discontinuidades nas relações primárias e mais
crises familiares do que nas mães de filhos com
crescimento estato-ponderal normal, de acordo
4.1.1. Criança com Benoît, Barton e Zeanah (1989). Estes mes-
mos autores aplicaram a entrevista de vincula-
Do ponto de vista físico, as crianças apresen-
tam-se asténicas com um aspecto emagrecido, ção para adultos (IAA), de Main e col., às mães
um facies pálido e têem uma grande vulnerabili- de crianças com «FTT» e encontraram uma pre-
dade às infecções. ponderância da vinculação de tipo «preoccu-
pied», em comparação com as mães do grupo
A perturbação da vida relacional destes bebés controlo, o que significa que estas mães não só
está sempre presente. Frequentemente têm um são inseguras, como são passivas, confusas ou
olhar triste e vazio, são apáticas ou irritáveis, es- zangadas em relação às relações de vinculação
tão retiradas, recusando o contacto social, prefe- do passado. Concluem que isto corresponde não
rindo muitas vezes as actividades de auto-esti- só a dificuldades interactivas, mas também a in-
mulação ou a interacção com os objectos. terpretações aberrantes da experiência subjecti-
Este estado de desistência afectiva colocaria, va dos filhos.
segundo Benoît (1993), estas crianças num risco
maior de desenvolver desnutrições graves quan- 4.2. Relações familiares
do comparadas com outras crianças vivendo no
mesmo estado de carência calórica. Indicaria, As relações familiares, neste quadro clínico,
igualmente que todos os meios de luta psicoló- estão também sempre perturbadas (Crittenden,
gica foram esgotados (Guédeney, 1995), sendo o 1987), caracterisando-se por relações interpes-
recurso à somatização a única via de descarga de soais degradadas e violentas. Drotar e Sturm
tensão. (1987) chamaram a atenção para a importância
do papel do pai na «FTT». Estes autores descre-
Os padrões de vinculação avaliados pela vem um leque variado de influências negativas
«Strange- Situation» de Ainsworth mostram que
do pai sobre o estado emocional das mães, con-
90% das crianças com «FTT» têm um padrão de
tribuindo para os esquemas de má adaptação e
vinculação insegura, comparados com 50% de
conflito entre a mãe e a criança. A conflitualida-
um grupo controlo. Além disso, dentro do grupo
de conjugal, por vezes levando à violência do-
das criancas com «FTT», 45% pertencem ao
sub-tipo desorganisado, característico das crian- méstica, é, em nossa opinião, um factor frequen-
ças maltradas, o que apontaria para a associação temente presente nestas situações.
destes 2 tipos de patologia. A falta de suporte familiar e as características
destas mães e destas crianças contribuem para
uma interacção particular. A falta de contingên-
4.1.2. Mãe
cia e de reciprocidade nos comportamentos ma-
As mães destas crianças têm sido descritas co- ternos, a falta de resposta e a agressividade ex-
mo deprimidas e pouco estimulantes. Polan e pressa nas vocalisações veiculam um afecto ne-
col. em 1991, encontraram mais frequentemente gativo, evidente nas situações alimentares e fora
doenças afectivas e da personalidade nestas mães delas (Chatoor, 1989).

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4.3. Factores etiológicos depressivo das mães e a apatia dos bebés desnu-
tridos.
As características da criança, da mãe, das re- Todos os trabalhos citados sobre a desnutrição
lações familiares e da interacção mãe-criança, do grave, o Kwashiorkor e a «FTT», ressaltam a im-
mesmo modo que a situação socio-familiar e os portância das perturbações do meio (factores
factores orgânicos têm sido apontados como sociais, familiares e da relação mãe-criança)
contribuindo para o aparecimento da «FTT». que provocam o esgotamento da defesa física e
Os trabalhos sobre Kwashiorkor realizados psíquica da criança. Nestas situações as interven-
por Collomb e Valantin (1980) em Dakar e os de ções terapêuticas, para serem eficazes, têm sem-
Célia (1992) no Brasil em crianças com desnu- pre de incidir nos vários factores em presença
trições graves trouxeram importantes contribui-
ções para a compreensão das relações entre os
factores psico-sociais acima apontados e o insu- 5. AVALIAÇÃO DAS
ficiente aporte calórico, frequentemente precipi- PERTURBAÇÕES ALIMENTARES
tante da «FTT».
Collomb aponta alguns resultados contraditó- As perturbações alimentares da primeira in-
rios com a clássica etiologia orgânica do fância são situações clínicas, em que diferentes
Kwashiorkor: esta situação aparece mais fre- factores se influenciam e potenciam mutuamen-
quentemente nos aglomerados urbanos e mais ra- te e em que a fronteira entre o somático e o psi-
ramente na zona rural enquanto que a falta de cológico é díficil de estabelecer. Uma avaliação
aporte protídico é mais frequente em meio rural. correcta dos factores etiológicos que contribui-
Aparece mais frequentemente nos bairros urba- ram para o desencadar da perturbação, bem co-
nos de implantação recente, mesmo quando nes- mo para a sua manutenção é da maior importân-
tes existem melhores condições económicas, do cia na definição de um programa terapêutico
que nos bairros mais antigos com forte integra- adequado e de um prognóstico. A multi-facto-
ção social. Os critérios socio-económicos habi- riedade deste tipo de perturbações exige uma
tuais não explicam a distribuição da doença. colaboração multi-disciplinar, nomeadamente
entre as equipas pediátricas e as equipas médico-
O Kwashiorkor aparece antes como o resul-
psicológicas, a qual deve ser iniciada desde o
tado duma rotura afectiva, geralmente na altura
início do processo diagnóstico, sobretudo nos ca-
do nascimento do 2.º filho, em condições de
sos graves, como é o caso das «FTT». Os dois
isolamento cultural e falta de apoio, que tornam
processos devem correr paralelamente e a
a relação mãe-filho particularmente difícil.
práctica corrente de só enviar ao pedo-psiquiatra
Num trabalho orientado por Salvador Célia
depois de excluir a origem orgânica da doença
(1992) na cidade de Porto Alegre no Sul do Bra- introduz atrasos desnecessários na intervenção
sil, um grupo de crianças desnutridas foi compa- terapêutica, com resultados por vezes funestos.
rado com um grupo de crianças com desenvol- Podemos citar dois exemplos de crianças hos-
vimento normal, provenientes do mesmo bairro pitalisadas por «FTT», com desnutrição grave,
carenciado, onde anteriormente programas de que obrigou em ambos os casos à introdução de
distribuição de alimentos e subsídios, por si sós, uma sonda naso-gástrica, sem que se verificasse
não tinham sido eficazes para prevenir o apare- melhoria no estado nutricional das crianças.
cimento do «FTT». No primeiro caso, de um rapaz de 18 meses
Quando comparados com os do grupo de con- cuja observação foi pedida pelo pediatra durante
trolo, verificou-se que as mães dos bebés desnu- o internamento, enquanto se procedia aos exa-
tridos eram predominantemente provenientes de mes médicos diagnósticos, foi possível pôr em
outras cidades, tinham mais frequentemente so- evidência aspectos da interacção mãe-criança
frido maus tratos na sua infância e tinham tam- que influenciavam muito negativamente a situa-
bém graus mais intensos de depressão e senti- ção. Por um lado, verificou-se um estado de per-
mentos de carências muito profundos. manente irritação do bebé, reforçado pela agita-
A interacção destas díadas caracterizava-se pela ção motora da mãe quando lhe pegava e pela sua
falta de reciprocidade, evidenciando o aspecto verborreia e por outro, um intenso evitamento do

134
olhar por parte da criança, que funcionava como 1) Condições físicas e estado de nutrição – O
uma barreira na interacção social, sobretudo du- uso das curvas de crescimento, de peso e
rante a situação alimentar. A partir desta consta- altura são em geral considerados bons
tação foi decidido estabelecer um novo modelo indicadores do estado de nutrição da crian-
relacional, com uma redução significativa da in- ça, que, em certas condições, nos podem
tensidade da estimulação sensorial, táctil, cenes- alertar para a necessidade de se fazerem
tésica, vestibular e auditiva em que o objectivo estudos metabólicos ou outras investiga-
principal do terapeuta foi, num contexto calman- ções médicas mais aprofundadas.
te e securisante, captar o olhar da criança, em 2) Regime alimentar – a avaliação da adequa-
situação de face a face mantido, despertando-lhe ção da ingestão alimentar, quer em termos
a atenção para o seu rosto. Foi durante estes mo- calóricos quer em termos do tipo de ali-
mentos, que se tornou possível introduzir a ali- mentos admnistrados (variedade, consis-
mentação oral e se verificou a retomada da curva tência) permite, identificar os erros ali-
ponderal. Neste contexto, os exames médicos mentares e corrigi-los, através do ensino e
prosseguiram num clima de maior tranquilidade, sensibilisação das mães. Também, as roti-
quer para a equipa médica, quer para a mãe, que nas alimentares não estabelecidas, os horá-
se tornou muito mais adequada, uma vez reduzi- rios irregulares, certas formas de adminis-
da a sua ansiedade. Esta criança sofria de uma tração dos alimentos, totalmente desade-
doença celíaca e o seu estado evoluiu muito fa- quadas em relação à idade da criança,
voravelmente. (Cordeiro, Rodrigues, & Caldeira, adoptadas em certas famílias devem ser in-
1990). vestigados e corrigidos. Correspondem
No segundo caso, tratava-se de um recém-nas- muitas vezes à própria posição ambivalente
cido de 3 semanas, hospitalisado por uma recusa dos pais face à alimentação, profundamente
alimentar grave e perda de peso. Apesar dos pri- ancorada na sua problemática infantil, nem
meiros exames médicos realizados serem nega- sempre susceptível de modificações rápi-
tivos, o pediatra responsável adiou a abordagem das. Um método de fácil utilização e que
psicológica, até estarem excluídas todas as hi- permite avaliar com alguma objectividade
póteses de doença orgânica, acabando por enviar estes aspectos é o pedido às mães que
a criança para um centro no estrangeiro, donde registem, sob a forma de diário, o número
voltou sem qualquer diagnóstico. O bebé faleceu de vezes que as crianças comem, o horário
pouco depois do seu regresso, em caquexia, sem e o tipo e quantidade de alimentos que in-
que a nossa intervenção pudesse ter sido tentada. gerem.
Sabemos que estão descritos casos de bebés que 3) História clínica – no conjunto da história
morreram em consequências de anorexias gra- clínica da criança convém salientar as in-
ves, apesar da intervenção pedo-psiquiátrica formações sobre a história alimentar, as
(Bensoussan, 1986; Porte, & Porte, 1982) e não preferências em relação à alimentação (sa-
podemos afirmar que a nossa intervenção tivesse bores texturas, temperaturas); a idade de
sido eficaz mas seguramente teria introduzido ínicio do sintoma, as suas características e
novas perspectivas de compreensão da perturba- evolução, situações desencadeantes e sin-
ção e de abordagem terapêutica. tomas associados; as atitudes dos pais em
A avaliação e o estudo diagnóstico das pertur- relação à dificuldade, e as medidas já toma-
bações alimentares deve seguir o procedimento das.
habitual do diagnóstico praticado em saúde men- 4) Características da criança – estes elementos
tal da primeira infância, tendo em linha de conta são de observação clínica, mas também
a sua natureza multi-factorial e pluri-disciplinar, poderão ser colhidos junto dos pais e dizem
como já referimos. respeito à: reactividade aos estímulos, grau
Neste capítulo abordaremos apenas os as- de actividade e vigilância, actividade mo-
pectos considerados mais significativos para a tora, temperamento, humor e riqueza da ex-
avaliação deste tipo de perturbação e considera- pressão afectiva, socialização, interesse no
remos os seguintes eixos: ambiente.

135
5) Características parentais nem sempre as descrições dos pais per-
Mãe e relação mãe-criança – deve ser rea- mitem perceber estes comportamentos, co-
lizada uma entrevista semi-dirigida, em mo eles são omitidos, porque a própria
que elementos da história pessoal da mãe, aberração dos comportamentos não é sen-
que reconhecidamente influenciam negati- tida como tal, pelos pais.
vamente a relação mãe-criança, como a O recurso ao uso de escalas, como instru-
existência de problemas alimentares na mentos de avaliação tem sido descrito por
infância ou na adolescência, conflitos com alguns autores.
a própria família, isolamento social, insa- Benoît (1996) desenvolveu uma check-list
tisfação pessoal ou profissional, problemas com 30 items que permite identificar os
na gravidez que tenham interferido na sua comportamentos alimentares desviantes
disponibilidade para centrar a sua atenção dos lactentes e que se revelou ser um ins-
no seu futuro papel maternal e no futuro trumento útil na avaliação dos resultados
bebé, deverão ser investigados. Também, dos tratamentos.
acontecimentos relevantes na vida da famí- Chatoor (1996) por seu lado, desenvolveu
lia (doenças, lutos, separações, mudanças, uma escala que quantifica os comporta-
conflitos) com repercussão na vida da mentos da mãe e da criança durante a situa-
criança e no envolvimento dos pais em ção alimentar e cuja cotação permite dife-
relação à criança, devem ser devidamente renciar os vários tipos de recusa alimentar,
valorisados, em função das características de acordo com a sua própria classificação.
comportamentais e da tonalidade afectiva Numa segunda escala, chamada de defesa
da interacção e do discurso livre da mãe. alimentar, que inclui 17 items numa escala
Assim, na relação com a criança, a mãe Likert, também de acordo com a a cotação
pode mostrar-se pouco disponível afectiva- obtida, é possível distinguir as recusas ali-
mente, com dificuldade em ler os sinais da mentares por medo de comer e de engolir e
criança, com pouca capacidade para se aquelas que resultam do conflito mãe-
adaptar aos ritmos e necessidades do bebé. -criança (Chatoor, 1996).
As respostas ansiosas ou hostis são fre- 7) Impressão subjectiva do avaliador – A im-
quentes. Será então possível avaliar qual o pressão subjectiva que os pais e a criança
papel da criança e do sintoma na vida men- despertam no(s) observador(es) dá impor-
tal da mãe e em que medida a relação com tantes indicações sobre o grau de empatia e
o filho está infiltrada por conflitos e modos de sintonia afectiva que se estabelece, não
relacionais do passado (Stern, 1991) o que só entre os pais e a criança, mas também
é da maior relevância para o tratamento com o próprio observador. Este é parte
(Cramer, & Palácio-Espada, 1993). integrante da situação e, como tal também
Pai – tal como em relação à mãe, elementos é, ele próprio, observado pelos pais e pela
da história do pai e o seu discurso livre são criança, desencadeando nestes movimentos
importantes para avaliar, a sua disponibili- afectivos que muito contribuem para o que
dade afectiva como pai e a sua função na se passa no gabinete de consulta. A escolha
díade mãe-criança, como já referimos an- terapêutica vai depender em grande parte
teriormente. da impressão do observador, quer no que
6) Observação da situação alimentar – a diz respeito à modalidade quer no que diz
observação clínica da situação alimentar, respeito aos elementos da família mais
durante a consulta e, quando possível em mobilizáveis terapeuticamente, não se po-
casa da família, revela-se por vezes surpre- dendo portanto menosprezar este elemento
endente. As interacções mãe-criança duran- clínico.
te a alimentação, as reacções do bebé à in-
gestão de alimentos, a forma como a mãe
procede para o alimentar, o meio envolven- 6. CONCLUSÃO
te, são dados de observação indispensáveis
para a compreensão do problema. Não só, O estudo e a avaliação das perturbações ali-

136
mentares precoces implicam a existência de uma Chatoor, I. (1989). Infantile anorexia nervosa: A
equipa pluri-disciplinar, com um funcionamento developmental disorder of separation and indivi-
articulado e que disponha de uma base comum duation. Journal of the American Academy of Psy-
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de conhecimentos teóricos e básicos. Na fase
Chatoor, I. (1996). Diagnostic assessment of feeding
diagnóstica, que pode envolver vários profissio- disorders. Workshop do 6.º Congresso da Associa-
nais, a discussão multi-disciplinar permite não só ção Mundial de Saúde Mental da Primeira Infância,
uma compreensão mais rica e aprofundada dos Tampere.
casos, como uma redução dos efeitos das contra- Chatoor, I., Dickson, L., Schaefer S., & Egan, J. (1985).
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É também a intervenção multi-disciplinar e a Collomb, H., Valantin, S. (1980). Le Kwashiorkor,
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