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Psicólogo Escolar
e Equipe Gestora:
Tensões e
Contradições
de Uma Parceria
School Psychologist and Management Team:
Tensions and Contradictions of This Partnership
Pontifícia Universidade
Católica de Campinas
http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703000372013
Artigo
O presente artigo apresenta um recorte dos gestores de uma escola pública municipal de
resultados de uma pesquisa de doutorado ensino fundamental e sua contribuição para
que teve por objetivo analisar e discutir a ampliação da consciência desses sujeitos
a atuação do psicólogo escolar junto a sobre o papel da gestão.
Foi com esse intento que sistematizamos o uso Para nós, essa modalidade de pesquisa
de materialidades mediadoras, representadas coaduna com a perspectiva teórico-
pelas diversas expressões artísticas – textos metodológica adotada, pois auxilia
literários, músicas, filmes, fotografias, a compreender a não neutralidade do
reproduções de pinturas – tomando como pesquisador e a intencionalidade em
base Vigotski (1925/2001a), quando diz promover transformações no sujeito e no
que a arte pode ser utilizada como um espaço em que ele se insere. Se tomarmos
instrumento psicológico mediador, um signo a escola como um lugar em que concorrem
que possibilita ao sujeito o desenvolvimento influências de diversos âmbitos, podemos
de suas funções psicológicas superiores, das dizer que nossa atuação volta-se, como
quais destacamos a consciência. pontuado pelas autoras, para os aspectos
micropolíticos e sociais.
A mediação
realizada pela A mediação realizada pela arte possibilita
arte possibilita que acessemos os sujeitos pelo afeto, Como já destacamos, acreditamos que o
que acessemos elemento este que, como veremos adiante, papel do psicólogo é promover condições
os sujeitos pelo
afeto, elemento é fundamental para a compreensão da que possibilitem a reflexão crítica sobre
este que, constituição e ação humanas, estando na si, sobre o outro e sobre seu meio. Ao se
como veremos base das funções psicológicas superiores. inserir no contexto, o pesquisador também
adiante, é
fundamental para Para Vigotski (1930/1991b), a compreensão se modifica na medida em que vai se
a compreensão dos próprios afetos pelo sujeito promove apropriando da realidade física e social em
da constituição e alterações em sua vida psíquica, pois ele que passa a atuar. Ao propor um estudo
ação humanas,
estando na base se volta para si mesmo e desenvolve novas que toma por base o método dialético
das funções conexões entre as funções psicológicas. não se fica imune ao processo vivido na
psicológicas Pensar sobre seus afetos, suas emoções, faz pesquisa, tampouco se priva de atuar frente
superiores.
Para Vigotski com que o sujeito não se volte somente às informações acessadas.
(1930/1991b), a para aquilo que é externo a ele. Foi esse
compreensão movimento que buscamos realizar ao No entanto, concordamos com Rocha e
dos próprios
afetos pelo utilizarmos as materialidades mediadoras, Aguiar (2003) que criar as condições para
sujeito promove ampliando não só a consciência dos gestores, que essa transformação micropolítica se dê
alterações em mas a nossa própria, enquanto participantes não seja suficiente, é preciso que se permita
sua vida psíquica,
pois ele se volta do processo de pesquisa. o emergir dos possíveis, o devir dos sujeitos,
para si mesmo que eles também façam parte do processo de
e desenvolve Considera-se a pesquisa realizada, desta pesquisa e de intervenção. São os avanços,
novas conexões
entre as funções perspectiva, como uma pesquisa-intervenção, as transformações de ambos, pesquisador e
psicológicas. visto a intenção clara dos pesquisadores de pesquisado, que estão em evidência.
transformar os sujeitos e o contexto em que
se inserem. De acordo com Rocha e Aguiar Foi com base nesses pressupostos que
construímos nossa atuação nessa escola,
o processo de formulação da pesquisa- junto aos gestores. Ao longo do ano letivo de
intervenção aprofunda a ruptura com
2010, realizamos 23 encontros. Participavam
os enfoques tradicionais de pesquisa e
amplia as bases teórico-metodológicas dos encontros um diretor (Marcos)1, dois
das pesquisas participativas, enquanto vice-diretores (Ernesto e Estevão) e dois
proposta de atuação transformadora da orientadores pedagógicos (Beatriz e Ângelo)
realidade sócio-política, já que propõe
uma intervenção de ordem micropolítica
de uma escola pública municipal de ensino
na experiência social (2003, p. 67)
fundamental, contando com um quadro
1 Os nomes
utilizados são docente de 47 profissionais, atendendo a
fictícios. mais de 1000 alunos e funcionando em três
consigo explicar. Porque, enquanto a gente estranho. Mas como algo com o que, ao
está fazendo isso, e eu acho que é certo... nos estranharmos e percebermos o peso
Por que eu acho que é certo? Porque, se dessa singularidade, poderemos, ao mesmo
eu acredito em uma mudança, eu já cansei tempo, nos identificarmos e sentirmos
de falar para vocês: ‘ – Olha, no futuro, a como nosso (p. 18)
condição de vocês dentro da escola vai ser
fundamental.’. [...] Porque vai ser necessário.
Então, a gente está caminhando com alguma Seria isso o que acontece a Marcos quando
coisa que eu acredito que vai ser no futuro. tenta definir o trabalho desenvolvido por nós?
(Trecho da entrevista de Marcos) Esse movimento dele parece ser o próprio
processo de conscientização – já sabe o que
Observa-se que, mesmo não conseguindo não quer, mas ainda não encontrou o que
definir claramente o vivido, Marcos acredita quer, pois ele se desprende das representações
que nossas atividades nos encontros estavam existentes com relação ao trabalho do
direcionando-o a algo positivo, a ponto de psicólogo e dele mesmo enquanto gestor,
considerar que, no futuro, nossa atuação será e começa a configurar novos significados e
fundamental para todas as escolas. sentidos. Ele se coloca no processo, como
sujeito, vê-se como participante ativo e
Parece-nos que o que falta para essa identifica-se com o movimento e os resultados
compreensão do agora é justamente a alcançados.
legitimação de nossa parceria, um trabalho
realizado com os sujeitos, e não por eles ou Processo semelhante acontece com Estevão,
para eles, em que se evidencie a importância como podemos ver no trecho de fala abaixo:
da construção de um vínculo mediado pelo
respeito e reconhecimento do valor do Eu acho que fortalece até a própria relação
outro como profissional, como pessoa. Esse nossa aqui. Porque é o momento em que a
gente se expõe um pouco mais, e de uma
movimento põe em relevo o cuidado que
outra forma acaba conhecendo um pouco
se deve ter ao adentrar as práticas escolares: mais do outro. (Fala de Estevão quando
não podemos impor nossos conhecimentos, questionado sobre o trabalho desenvolvido
crenças ou expectativas, nem tampouco agir – encontro de avaliação de junho de 2011)
como juízes do que está certo ou errado,
mas, sim, assumir uma postura de parceria, Nesse movimento, os gestores conhecem a
de cumplicidade sem ser complacente, o si próprios, ampliando a consciência de si, e
que é possível pelo investimento na reflexão, conhece ao outro, ampliando a consciência
pela assunção a uma postura crítica frente do outro, que influencia em sua constituição
ao observado. Interessante a posição de enquanto sujeito e gestor, integrante de uma
Marcos frente ao nosso trabalho. O que equipe, em um movimento do “em si” e do
poderia estar promovendo esse modo de “para si”.
compreender nossos encontros? Pensamos
que ele manifesta uma vivência. O papel do psicólogo na escola
Delari (2009), ao discutir esse conceito, diz Como já pontuamos, é frequente na literatura
que especializada a menção ao papel do psicólogo
o sentir a experiência presente [grifo do
autor] para nós mesmos, seja ela qual escolar como mediador e voltamos a afirmar
fonte for, mesmo que não tenha ainda que acreditamos que ele seja o mediador
um nome preciso que a defina. Nossa das relações, já que estas são o objeto de
apropriação do mundo e de nossos próprios
estados corporais estará posta para nós seu trabalho na escola. Relações essas que
não como algo que nos é totalmente constituem e são constituídas pelos sujeitos,
que influenciam e são influenciadas no Afinal, por que não haveria de ser parceria?
processo de desenvolvimento do psiquismo O que seria esse algo além, citado por
humano. E é exatamente isso que encontramos Estevão? Pensamos na parceria como uma
na expressão de Estevão. via de mão dupla, em que os gestores e nós,
enquanto psicólogas, fomos construindo
Nossos encontros permitiram que um espaço nossas ações, nos desenvolvendo, nos
de expressão, de escuta, de diálogo fosse constituindo enquanto participantes desse
estabelecido e isso contribuiu para a relação meio. Reconhecemos que não somos parte
entre os gestores, que, como vimos, também era
da equipe, mas somos parceiras dela,
permeada por tensões. Esse processo também
aprendemos com seus integrantes. E, nesse
contribui para a ampliação da consciência,
movimento, nos constituímos como síntese,
pois, como já demonstramos, para Vigotski
de acordo com Estevão, que une em si todos
(1925/1991a)
os elementos, síntese de um todo maior que
“temos consciência de nós mesmos porque tem em si possibilidades de superação, de
a temos dos outros e, segundo o mesmo
procedimento, pelo que sabemos dos outros,
emancipação, de novas formas de agir.
porque nós mesmos, com respeito a nós,
somos os mesmos que somos para os demais” Assim como Marcos, Estevão não encontra
[tradução nossa] (p. 57) uma palavra que defina o que se construiu,
mas sabe que há algo concreto, novo, que se
Dessa forma, nossa atuação se pauta em
configura no movimento do grupo.
ações que buscam promover o coletivo na
escola pelo investimento no estabelecimento
Destacamos, nesse processo, as materialidades
de relações, pois a partir delas é que se torna
mediadoras. Ao lançarmos mão delas em
possível a ampliação da consciência dos
nossa intervenção, também sofríamos sua
gestores sobre seu papel na escola. As reflexões
ação. Não possibilitávamos somente a
empreendidas nos encontros contribuíram
ampliação de consciência dos gestores,
para que os gestores se aproximassem,
mas a nossa própria também, enquanto
construíssem um posicionamento comum,
psicólogas que atuavam nesse espaço. Até
conhecendo a si próprios e aos outros,
mesmo durante a preparação dos encontros,
instituindo a construção de nossa parceria.
sofríamos influência das materialidades, pois
era necessário que elas fizessem sentido
Voltemo-nos para a fala de Estevão:
para nós, para conseguirmos estabelecer um
Eu não encontro uma palavra que possa processo de reflexão com os gestores e, assim,
sintetizar. Parceria, cumplicidade. Não é, nos tornamos, também, sujeitos da pesquisa-
também não é. Eu acho que, assim, porque
intervenção.
somos cada indivíduo aqui completamente
diferente um do outro, pensando diferente,
com habilidades diferentes, mas a gente Considerações finais
consegue colocar tudo isso para fazer a
coisa caminhar. Então, é parceria, tem que
ter essa cumplicidade, mas é algo mais Nosso objetivo neste artigo era ressaltar a
ainda. Que já começa a se tornar presente, importância da parceria como estratégia
a gente consegue ir sintetizando o que
cada um é, fazer uma síntese disso. (Fala de intervenção do psicólogo na escola –
de Estevão quando questionado sobre representada por gestores, professores, alunos,
o trabalho desenvolvido – encontro de pais e demais funcionários. Temos acreditado
avaliação de junho de 2011)
e defendido que investir em ações que a
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Constituição do Sujeito em práticas Educativas – PROSPED.
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia