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TEOLOGIA BÍBLICA
(Antigo e Novo Testamento)
INTRODUÇÃO
Hoje, contudo, há uma forte tendência nos círculos acadêmicos de utilizar uma
terminologia mais apropriada para o Antigo Testamento. Há diversas possibilidades, tais
como: “Bíblia Hebraica”, “Bíblia Judaica”, “Bíblia de Israel”, “TaNaK” (abreviação de Torah,
Neviim, Ketubim – Pentateuco, Profetas e Escritos, respectivamente), “Primeiro
Testamento”. O uso de cada uma dessas designações alistadas tem suas vantagens e
desvantagens. Não vamos nos restringir a qualquer uma delas, mas utilizá-las de forma
equivalente e intercambiável. Entretanto, todas as opções de nome para o Antigo
Testamento têm, ao menos, um ponto em comum.
Destaco o fato que todos reconhecem, seja lá como chamem o Antigo Testamento,
que em primeiro lugar é um livro do Judaísmo, e que só secundariamente se tornou Escritura
para nós cristãos. Assim, é sempre bom ter claro que a Bíblia Hebraica é legitimamente
interpretada pelos judeus e que precisamos atentar para esta interpretação. Isso implica
também, que devemos escutar o Antigo Testamento no seu entorno histórico e literário
próprio. Portanto, o mesmo vale para o Novo Testamento no que diz respeito à sua análise
teológica.
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Rolf Rendtorff, Ler o “Antigo” Testamento como Cristão. In: Relações Judaicas-Cristãs.
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Uma palavra precisa ser dita sobre a relação entre os Testamentos. Desde uma
perspectiva cristã, há a necessidade de se fazer uma constante inter-relação entre Antigo e
Novo Testamento no processo interpretativo desses textos sagrados. Afinal, ambos os
testamentos compõem a Bíblia cristã. Ao longo da sua história o Cristianismo tomou várias
posturas em relação ao Antigo Testamento.
Nos seus primórdios, na era apostólica, quando ainda não havia o Novo Testamento,
as Escrituras se constituíam apenas a Bíblia Hebraica, grosso modo. Seu uso foi, via de regra,
cristológico e messiânico, isto é, ela foi lida como texto de provas aplicadas a Jesus para
fundamentar seu cumprimento.
Além disso, textos que não continham originalmente tais elementos messiânicos
foram freqüentemente interpretados “cristologicamente”. Dois são especialmente
característicos: Gênesis 3.15: Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua semente e a
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semente dela; ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar. Aqui se fala da
antiqüíssima e incurável inimizade entre homem e cobra. Já a interpretação da antiga Igreja
explicou o texto assim que a “semente” era da Eva, logo o “filho de homem”, esmaga a
cabeça da serpente, logo do Satã. Chamava-se o versículo o “Proto-evangelho”.
De igual modo, quando um Novo Testamento incipiente vai sendo escrito, através
das primeiras cartas de Paulo, também a fórmula promessa-cumprimento toma o seu lugar.
No período subapostólico os chamados Pais da Igreja, tendo já boa parte do Novo
Testamento, adotam posturas diversas em relação às escritura judaicas canônicas. Há os que
as aceitam sem restrições. Ma há também os que a rejeitam com todas as restrições,
Marcion, por exemplo.
É bastante óbvio para um Teólogo Bíblico que a exegese deve constituir a base da
Teologia Bíblica. Esse fato é menos óbvio para os estudantes não especializados da Escritura.
Assim, é necessário esclarecer alguns pontos sobre a relação entre Exegese e Teologia
Bíblica. A Exegese trata de estudar o texto bíblico como se apresenta na Escritura. Em seu
contexto primeiro, procura descrever seu gênero literário, sua estrutura, sua teologia.
Fazer uma Teologia Bíblica significa estar atento especialmente para o dado
primário de todo fazer teológico: a existência, a revelação e a percepção do
Sagrado. Se Deus é entendido e crido como o princípio criador e
estruturador de todo o cosmo, então suas possibilidades de revelação
extrapolam qualquer fronteira nacional, geográfica ou étnica. Deve haver
uma busca constante pela universalidade de Deus, de suas marcas e de sua
mensagem na multifacetariedade e no multicor da história humana. Neste
sentido, a Teologia Bíblica deve estar atenta à pluralidade das culturas e das
expressões de fé dos diferentes grupamentos humanos, em tempos e
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lugares distintos.
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Haroldo Reimer, http://www.haroldoreimer.pro.br/resenhas/gunneweg.htm
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Os “plurais” que aparecem nos textos de Gênesis 1.26 (façamos) e 11.7 (desçamos e
confundamos) são interpretados como fazendo referência inequívoca à Trindade.
Seja qual for a interpretação desses “plurais”, o certo é que não podem ser utilizados
como se referindo ao dogma trinitário cristão, pois os autores de Gênesis não conheciam tal
formulação. E mais, tal doutrina é totalmente estranha ao pensamento judaico. Por seu
turno, a Teologia Bíblica tem como ponto de partida e chegada a própria Escritura. A
Teologia Bíblica procura escutar a Bíblia e formular suas conclusões com base nessa escuta. É
parte da sua tarefa avaliar as formulações teológicas dos autores bíblicos e não dos dogmas
cristãos.
Pode-se dizer que a Teologia Bíblica usa critérios internos para formular suas
propostas. Isso equivale a dizer que a Teologia Bíblica se aplica ao texto mesmo e o avalia
pela mediação da Exegese. Posso dar um exemplo. A assim chamada “Teologia da Criação”,
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que desenvolverei em um capítulo à parte, encontra-se formulada em diversos textos do
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Antigo Testamento. Ela aparece em Gênesis 1, Gênesis 2, Salmo 104, Jó 38-40, entre outros
textos. Cada um desses textos tem sua natureza, gênero literário, contexto histórico,
finalidade. E cada um deles apresenta a “Teologia da Criação” ao seu modo e interesse.
TEOLOGIA E TEOLOGIAS
Podemos falar de uma Teologia Paulina, Petrina, Joanina etc. Na Bíblia Hebraica não é
diferente. Podemos falar de diversas teologias também. Por isso, é recomendável que
utilizemos o termo “Teologia” no plural. Isso faz mais jus à natureza da Escritura.
Existe uma dificuldade para formular uma definição de Teologia Bíblica que seja aceita como
consenso. A história da disciplina e os debates atuais nos mostram que há diferentes
opiniões daquilo que se entende pelo termo “Teologia Bíblica”. Assim, citamos as seguintes
definições sem fazer nenhum comentário.
A Teologia Bíblica é aquele ramo da Teologia Exegética que lida com os processos da
auto-revelação de Deus depositada na Bíblia. (Geerhardus Vos, Teología Bíblica:
Antiguo y Nuevo Testamento) A Teologia do Velho Testamento é o estudo dos
atributos de Deus e o propósito das suas atividades na história e na vida do povo de
Israel, de acordo com a doutrina da revelação divina nos livros sagrados deste povo.
(A. R. Crabtree, Teologia do Velho Testamento) A Teologia do Antigo Testamento
esforça-se para expor, do modo mais ordenado possível, as grandes declarações da
verdade divina que ocorrem nesses escritos. Tais afirmações podem incluir
revelação direta ou proposicional da parte de Deus a respeito da Sua natureza e Seus
propósitos, proclamações feitas por profetas e outros de temas ou aspectos específi
cos da Torá e do seu signifi cado para os receptores. (R. K. Harrison, Teologia do
Antigo Testamento)Teologia Bíblica é a compreensão unitária expressa em uma
síntese doutrinal, crítica, orgânica e progressiva da revelação histórica da Bíblia (ou
do Antigo e do Novo Testamento) com categorias próprias, pela luz da fé pessoal e
eclesiástica. (G. Segalla, Dicionário Bíblico)
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PANORAMA HISTÓRICO
A estrada para a Teologia Bíblica foi preparada pelos humanistas: Lorenzo Fences e
Erasmo, que propiciaram a volta aos textos originais da Bíblia. Na onda do humanismo,
Lutero pode propor seu princípio "Sola Scriptura" que deu o impulso decisivo para
estabelecer a relação entre Bíblia e Teologia.
O termo "Teologia Bíblica" foi utilizado pela primeira vez por W. J. Christmann em
1629. O primeiro trabalho que possuímos com esse nome é o de Henricus Dienst: Theologia
Bíblica, publicado em Denver em 1643. Contudo, sua obra não se afasta do "Collegia Bíblica".
A separação da Teologia Bíblica da dogmática foi favorecida pelo pietismo do final do século
XVIII, na atmosfera da "Collegia Philobiblica" ou "Pietatis". O contato pessoal do Pietismo
com a Escritura se opôs à teologia escolástica fria, razão pela qual se sentia a necessidade de
fazer uma teologia tirada da "Sola" Escritura Sagrada. Porém, nem essa prática do pietismo
distinguiu a Teologia Bíblica da sistemática.
É com o Pietismo que a Teologia Bíblica foi apresentada como rival da dogmática,
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pretendendo substituí-la. Mas somente com o Iluminismo a Teologia Bíblica é apresentada
como ciência crítica da teologia sistemática. As premissas são: o Deísmo para o qual o último
juiz da verdade é a razão; e a crítica histórica que serve do rico material posto à disposição
pela fi lologia e pela investigação histórica aplicada à Bíblia; nela se acharia a religião racional
ou de acordo com a razão. Desta forma já não era a teologia, mas a razão se tornara o
critério para se entender a Escritura. A Teologia Bíblica iluminista se fundava na autoridade
da razão mais do que na Bíblia.
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Todavia, os melhores resultados foram obtidos pelos que praticaram o método histórico
junto ao teológico.
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O erro do positivismo histórico é pensar que é possível uma posição crítica neutra ante a
história. Ingenuidade semelhante foi demonstrada pela hermenêutica que confirma a
necessidade de unir ao método histórico o teológico para uma verdadeira e autêntica
Teologia Bíblica. Os trabalhos deste período, marcados pelo método da História das
Religiões, se destacam pela erudição e reconstrução histórica, por outro lado eles pecam
pela interpretação teológica.
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A intenção pastoral que anima este novo método é fazer atual a palavra de Deus
contida na Escritura. As duas obras de Teologia Bíblica que dominam o campo em meados
do século XX são as de Gerhard Gerhard von Rad, para o Antigo Testamento, e a de Rudolf
Bultmann para o Novo Testamento, ambos influenciados pela teologia kerigmática, embora
cada um a seu modo. Daí para o pluralismo metodológico que se seguiu foi um avanço
natural. Pelos anos sessenta começa a aparecer uma multidão de teologias bíblicas do
Antigo e do Novo Testamento. Quantidade não é qualidade. Instala-se uma verdadeira crise
na Teologia Bíblica, no sentido de que há um caos metodológico que favorece o anseio para
uma volta a uma verdadeira Teologia Bíblica integral.
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MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO
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MÉTODO TEOLÓGICO
MÉTODO DESCRITIVO
É um método que define a Teologia Bíblica como disciplina histórica, enquanto que
concebe a dogmática como disciplina sistemática. De acordo com esse método, a Teologia
Bíblica tem como tarefa recolher com cuidado os conceitos e os termos, as opiniões e as
idéias dos autores sagrados. Exemplo desse método é a "Teologia do Antigo Testamento” de
E. Jacob. O autor dá esta definição da teologia do Antigo Testamento:
A teologia do Antigo Testamento “não tratará mais do que de Deus e de sua relação
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com o homem e o mundo”. A unidade profunda do Antigo Testamento se vê ao redor do
tópico da presença e da ação de Deus. Jacob afirma, também, que se poderia falar, em vez
de teologia, de "fenomenologia do Antigo Testamento". Ele admite usar o termo "teologia",
mas o entende num "sentido amplo". A "teologia em sentido rígido" é a Teologia Dogmática
para a qual o teólogo bíblico procura os "materiais básicos."
MÉTODO DOGMÁTICO-DIDÁTICO
MÉTODO DIACRÔNICO
É óbvio então que a Teologia Bíblica tem seu ponto de partida e seu centro na ação
na qual Javé foi revelado. As ações históricas de Javé não podiam ser captadas e expressas,
senão por meio da fé e as profissões de fé, primeiro em fórmulas breves e logo em resumos
da história salvífica de caráter confessional que narravam em contextos mais amplos a ação
de Deus na história. Assim, Israel elaborou um conjunto de testemunhos de sua fé nos quais
narravam as ações históricas de Javé.
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Portanto, para Gerhard von Rad a Teologia Bíblica não pode se limitar a expor o
pensamento prescindindo da história. Contudo, a ordem da exposição não será o
cronológico da crítica histórica, mas a sucessão dos eventos tal como os viu a fé de Israel, ou
seja, a sucessão dos fatos e as conexões internas que o mesmo Israel dispôs. Por isso o
teólogo bíblico tentará identificar-se completamente com a mentalidade teológica israelita,
evitando reconstruir linhas ideais de conexão e contextos sistemáticos lá onde o mesmo
Israel não os viu ou não os sublinhou. Assim, uma Teologia Bíblica tem como função narrar
ou repetir seus testemunhos adequadamente.
O teólogo bíblico deve ter presente, instruído pela exegese histórico-crítica, o quanto
diferem entre si os testemunhos aduzidos pelas diversas unidades, de modo que não existe
uma síntese nem na mente dos autores sagrados nem tampouco nos textos do Antigo
Testamento. Por conseguinte, a Teologia Bíblica deve recusar uma exposição sistemática ou
orgânica, porque o mundo conceitual religioso situado a posteriori em um contexto orgânico
não seria mais que uma abstração, já que nunca existiu em Israel de modo completo e
sistemático.
Ademais, ao contrário do Novo Testamento que tem Jesus Cristo como seu centro
teológico organizador, o Antigo Testamento não tem tal centro. Desde que o único princípio
unitário e o único elemento de continuidade é o povo de Israel em seu testemunho histórico
de fé, a Teologia Bíblica não pode assumir, senão uma narrativa dos testemunhos de Israel.
A obra de Gerhard von Rad é uma teologia das tradições históricas e proféticas de
Israel. A expressão "teologia das tradições" é usada pelo próprio Gerhard von Rad para
definir sua empreitada teológica. Para ele o objeto da teologia não é o mundo religioso de
Israel, nem suas condições espirituais, nem o conjunto de sua fé, mas o alvo da teologia é só
o que Israel disse diretamente de Javé. Os salmos, os livros sapienciais, os corpos legislativos
não são considerados como tradições, porém eles constituem a resposta que Israel deu à
revelação de Javé, são a expressão da situação na qual Israel se viu colocado pela revelação
CONCLUSÃO
Nesses métodos delineados acima fica claro que a diferenciação das épocas históricas
foi uma categoria recorrente. Além disso, esses métodos dependeram, principalmente, do
método histórico-crítico da exegese. Ficou evidente, também, a necessidade da elaboração
de uma teologia separada para cada um dos testamentos. Também as várias tentativas de se
discernir um centro do Antigo Testamento supôs a concepção de uma "história" separada do
Novo Testamento, ou pelo menos um período autônomo da história.
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Por se tratar, como vimos de uma grandeza independente, ainda que inter-
relacionada com o Antigo Testamento, o Novo testamento merece uma abordagem à parte
quanto aos métodos de sua teologia bíblica.
MÉTODO HISTÓRICO-KERIGMÁTICO
Esta primeira orientação tem como base a “Teologia do Novo Testamento” de Rudolf
Bultmann, que dominou até a publicação da obra "Teologia do Novo Testamento" de Hans
Conzelmann, que, como aluno de Bultmann, tenta atualizar e, em parte, corrigir o trabalho
do seu mestre. Ele revaloriza os elementos históricos da mensagem do Novo Testamento,
abandonando como o único princípio interpretativo o da compreensão da fé em sentido
existencial que seria, segundo ele, originário de um “esquema pietista". Os componentes
históricos ele encontra à luz da "história da tradição" que recupera as primitivas confissões
de fé cristológica e do credo.
Embora Oscar Cullmann seja o representante mais conhecido desta orientação, ele
não escreveu uma verdadeira e autêntica teologia do Novo Testamento, mas uma teologia
da história da salvação, com resultados interessantes ao nível hermenêutico, porém
decepcionantes na perspectiva de uma apresentação global da fé neotestamentária. As
primeiras três partes de sua obra tentam clarificar a terminologia e estabelecer uma
confrontação crítica com outras interpretações, principalmente com R. Bultmann. Somente
na quarta parte se aprofunda o tema central com uma exegese teológica dos quatro
momentos principais da revelação neotestamentária (Jesus, a Igreja primitiva, Paulo e João),
enquanto na quinta parte propõe uma disposição sugestiva para uma teologia fundamental.
L. Goppelt deixou uma teologia "incompleta", que foi terminada e publicada por um
seu aluno chamado Roloff (Teologia do Novo Testamento – em 2 volumes). Localizando a
obra na história da disciplina, ele a coloca na orientação de "história da salvação". E se
propõe a unir uma séria crítica histórica a um profundo esforço de compreensão do Novo
Testamento, que lhe permita chegar a um diálogo crítico entre a hermenêutica histórica
(Joaquim Jeremias) e a existencial (Rudolf Bultmann). Desse modo ele quer ligar a
reconstrução e a interpretação num equilíbrio saudável. Segundo ele, o fundamento da
teologia do Novo Testamento não está só na pregação de Jesus (Jeremias), senão em toda a
obra de Jesus e no seu significado teológico.
MÉTODO HISTÓRICO-POSITIVO
Aqui são colocadas aquelas teologias do Novo Testamento que seguem uma
exposição histórica fundada no método histórico-crítico, e não no kerigma nem em uma
concepção unitária de "história da salvação". Dois são seus expoentes principais: Werner G e
org Kümmel e Joaquim Jeremias.
Werner Georg Kümmel escreve uma teologia do Novo Testamento de acordo com os
principais testemunhos de: Jesus, Paulo e João. Aparece em primeiro plano uma polêmica
intencional com Bultmann e a escola kerigmática, na qual se evita cuidadosamente a
terminologia da hermenêutica existencial, começando com a palavra kerigma. O autor utiliza
o método histórico-crítico para descortinar a mensagem do Jesus histórico e a tradição da
Igreja primitiva.
Sua reconstrução crítica lida com o problema crucial da unidade teológica dos
escritos do Novo Testamento. Para ele, essa unidade ou centro do Novo Testamento
aparece nos três testemunhos principais do Novo Testamento:
MÉTODO SISTEMÁTICA
Uma tese teológica serve de guia para esta obra: "A Escritura é palavra de Deus":
Embora útil como termo imediato de confrontação com a Teologia Dogmática, não
corresponde, porém, a um projeto ideal de Teologia Bíblica, que na estrutura e no princípio
hermenêutico deve inspirar-se no Novo Testamento e no seu ambiente vital, e não na
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teologia posterior. As teologias desse gênero terminam por ser uma "teologia de acordo
com a Bíblia" mais do que uma "teologia da Bíblia".
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TEOLOGIA DA CRIAÇÃO
Assim, perdem-se aspectos importantes das duas narrativas e não se tem a exata
compreensão delas. Por isso é necessário, para se elaborar uma “Teologia da Criação” no
Antigo Testamento, separar os textos, delimitá-los e examiná-los em suas características e
contextos.
GÊNESIS 1.1-2.4A
A primeira observação a ser feita quanto ao texto acima é que o mesmo trata não
exatamente de uma “criação” do mundo, mas de uma ordenação do caos em que se
encontra a criação. Note que há separação de águas e terra, entre águas e águas, terra e
firmamento, necessidade de luz para alumiar as trevas do abismo e assim por diante. Nesse
texto o caos é estabelecido por uma quantidade de água que ameaça a vida, há um estado
de confusão que impede da vida florescer.
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Outra importante observação que devemos fazer é o fato de que Deus usa apenas a
“palavra” como força criadora, mas não usa “as mãos” como na narrativa do capítulo 2. A
exegese tem mostrado que o contexto vital dessa narrativa criacional é o século V a.C., na
Babilônia, época do cativeiro do povo de Judá. Informações dos livros dos Reis e Jeremias,
sobretudo, dão conta de que o trabalho dos cativos era difícil e extenuante. Provavelmente
trabalhavam na abertura de canais de irrigação nos grandes rios da Babilônia, Tigre e
Eufrates, como parece indicar também o Salmo 137.
Nesse quadro é mais fácil entender a mensagem de Gênesis 1: os fiéis produzem esse
texto como uma forma de protesto contra os deuses babilônicos. A mesma polêmica que
aparece em Isaías, texto que vamos estudar. De que maneira isso se dá? Desta forma: a
essência das divindades antigas, também das babilônicas, a luz é criada no primeiro dia sem
o concurso dos astros, que só são criados no quarto dia. Podemos ver aqui uma clara
referência à superioridade do Deus dos exilados que cria a própria essência da divindade, a
luz. É uma forma de afirmação do poder do Deus criador.
O ápice do texto mostra como Deus, depois de realizar dez obras em seis dias,
descansa no Sábado (shabat = repouso), isto é, após um período de seis dias de trabalho um
dia de repouso é determinado. Não há como não imaginar uma polêmica contra o regime de
trabalho dobrado praticado pelos babilônicos. Há muitos outros aspectos no texto para
serem examinados. Contudo, creio que esses elementos alistados mostram com clareza
meridiana que a chamada “história” da criação deve ser vista não como um informativo,
uma notícia que relata a “história” da criação do mundo. Mas como uma narrativa teológica
que apresenta uma reflexão profunda sobre o significado da “criação”.
GÊNESIS 2.4B – 25
... quando o SENHOR Deus os criou. 5 Não havia ainda nenhuma planta do
campo na terra, pois ainda nenhuma erva do campo havia brotado; porque
o SENHOR Deus não fi zera chover sobre a terra, e também não havia
homem para lavrar o solo. 6 Mas uma neblina subia da terra e regava toda a
superfície do solo. 7 Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da
terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser
alma vivente. 8 E plantou o SENHOR Deus um jardim no Éden, na direção do
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Oriente, e pôs nele o homem que havia formado. 9 Do solo fez o SENHOR
Deus brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento; e
também a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do
bem e do mal. 10 E saía um rio do Éden para regar o jardim e dali se dividia,
repartindo-se em quatro braços. 11 O primeiro chama-se Pisom; é o que
rodeia a terra de Havilá, onde há ouro. 12 O ouro dessa terra é bom;
também se encontram lá o bdélio e a pedra de ônix. 13 O segundo rio
chama-se Giom; é o que circunda a terra de Cuxe. 14 O nome do terceiro rio
é Tigre; é o que corre pelo oriente da Assíria. E o quarto é o Eufrates. 15
Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para
o cultivar e o guardar. 16 E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda
árvore do jardim comerás livremente, 17 mas da árvore do conhecimento
do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres,
certamente morrerás. 18 Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o
homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea. 19
Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todos os animais do
campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem, para ver como este
lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse
seria o nome deles. 20 Deu nome o homem a todos os animais domésticos,
às aves dos céus e a todos os animais selváticos; para o homem, todavia,
não se achava uma auxiliadora que lhe fosse idônea. 21 Então, o SENHOR
Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma
das suas costelas e fechou o lugar com carne. 22 E a costela que o SENHOR
Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe. 23 E
disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne;
chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada. 24 Por isso, deixa o
homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne.
25 Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus e não se
envergonhavam.
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contexto de ruptura o propósito da criação é apresentado não como um “paraíso perdido”
ao qual não há mais volta. Pelo contrário, a narrativa serve como uma possibilidade de
reconstrução das relações afetadas pela “serpente”. Teologicamente a narrativa da criação
funciona como um falar de Deus em favor da sua criação. Um restabelecimento dos
propósitos originais da criação. E o caminho para isso é apresentado como obediência a
Deus.
Portanto, esta segunda “história” da criação, que deve ser lida separadamente da
primeira, tem uma função específica diferente de outras narrativas da criação espalhadas
pelo Antigo Testamento.
SALMO 104
Eis aqui outro texto bíblico sobre a criação. Um salmo. Um belíssimo salmo que canta
ao Senhor pelas maravilhas da criação. É preciso notar que de modo diverso das duas
narrativas criacionais do livro do Gênesis, o Salmo 104 não obedece a um esquema
seqüencial de criação. As obras da criação são entrelaçadas ao sabor da lírica típica dos
salmos, em particular e da poesia hebraica em geral. O delineamento das obras da criação
opera com os recursos próprios deste tipo de literatura poética com o uso de paralelismos,
rima, aliteração, assonância, repetição entre outros, que dão a beleza necessária para uma
louvação.
Outra vez, a “história” da criação cumpre um papel específico dentro dos propósitos
de cada contexto. Aqui a criação é vista e utilizada como motivo de adoração em ambiente
cultual. Não é de nenhuma forma uma descrição dos atos criacionais de Deus (Teologia
Sistemática). Nem tão pouco funciona como uma polêmica contra os babilônicos (Gênesis 1).
Nem como uma reflexão sobre a reconstrução dos relacionamentos possíveis. Não. O Salmo
em questão evidencia como todo louvor deveria evidenciar, os atos poderosos de Deus. Pois
esta é a definição mais acabada de louvor: “anunciar os grandes feitos do Senhor” (Salmo
78.4).
O espaço é pouco, por isso apenas cito outros textos que se relacionam com a
“história” da criação. O livro de Jó apresenta, sobretudo nos capítulos 38-40, uma
abordagem da criação diferente das apresentadas anteriormente. Quem está no comando
da palavra, nesses capítulos de Jó, é Deus. É o Senhor que apresenta uma extensa narrativa
poética das obras por Ele criadas. Há uma riqueza de detalhes que impressiona, não apenas
os leitores do texto, mas também os atores do drama existencial de Jó.
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Lucas Mateus
17.24 porque assim como o relâmpago, fuzilando, 24.27 Porque, assim como o relâmpago sai do oriente
brilha de uma a outra extremidade do céu, assim e se mostra até no ocidente, assim há de ser a vinda
será, no seu dia, o Filho do Homem. do Filho do Homem.
17.26 Assim como foi nos dias de Noé, será também 24.37 Pois assim como foi nos dias de Noé, também
nos dias do Filho do Homem: será a vinda do Filho do Homem.
17.30 Assim será no dia em que o Filho do Homem se 24.39 e não o perceberam, senão quando veio o
manifestar. dilúvio e os levou a todos, assim será também a vinda
do Filho do Homem.
Portanto, há que supor que Daniel 7 é aludido não só pelo uso da expressão “Filho
do Homem” e sua vinda do céu, como também é evocado pelo viés do julgamento e
conseqüente juízo, no qual o “Filho do Homem” exercerá alguma função, se de juiz
ou promotor, não está claro.
MARCOS
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Seja como for, Marcos 8.38 tem, além é claro da expressão “Filho do Homem”,
a perspectiva de uma futura vinda dessa figura que cumpre uma função que pode ser
entendida como algum tipo de mediador celeste na corte do pai com seus santos
anjos. Talvez alguém que tenha a função de advogar em favor de outros. Certamente que
falta uma alusão mais clara a qualquer tipo de julgamento, permanece, todavia, a
sugestão de que o “Filho do Homem”, num tempo futuro, exercerá uma função no
tribunal no final dos tempos.
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Mateus 13.41 Mateus 16.27 Mateus 16.28 Mateus 19.28 Mateus 25.31
Mandará o Filho do Porque o Filho do Em verdade vos Jesus lhe Quando vier o Filho
Homem os seus Homem há de vir digo que alguns há, respondeu: Em do Homem na sua
anjos, que na glória de seu Pai, dos que aqui se verdade vos digo majestade e todos
ajuntarão do seu com os seus anjos, encontram, que de que vós, os que me os anjos e com ele,
reino todos os e, então, retribuirá maneira nenhuma seguistes, quando, então, se assentará
escândalos e os a cada um passarão pela na regeneração, o no trono da sua
praticam a conforme as suas morte até que Filho do Homem se glória;
iniqüidade. obras. vejam vir o Filho do assentar no trono
Homem no seu da sua glória,
reino. também vos
assentareis em
doze tronos para
julgar as doze
tribos de Israel.
O mesmo tom de retribuição no final dos tempos pode ser visto em Mateus
16.27. Ligado ao discipulado, o dito funciona como uma garantia àqueles que optam
pelo seguimento a Jesus. A esse dito, segue um enigmáticologia (Mateus 16.28) que
menciona a vinda do “Filho do Homem” no seu reino. Sua importância para esta analise é
evidente.
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Lucas 11.30 Lucas 12.8 Lucas 21.36
Porque, assim como Jonas foi sinal Digo-vos ainda: todo aquele que Vigiai, pois, a todo tempo, orando,
para os ninivitas, o Filho do me confessar diante dos homens, para que possais escapar de todas
Homem o será para esta geração. também o Filho do Homem o estas coisas que têm de suceder e
confessará diante dos anjos de estar em pé na presença do Filho
Deus. do Homem.
Lucas 11.30 faz parte do trecho que compreende os versículos 29 a 32. Ao falar
sobre o sinal pedido pela sua geração, Jesus diz que o “Filho do Homem” é o sinal para
ela, como Jonas o foi para a geração dele. No contexto é dito que no juízo a rainha do sul
(v.31) e os ninivitas (v.32) se levantarão e condenarão esta geração. O texto conclui com a
afirmação de Jesus que ele é maior do que Jonas. O argumento da perícope permite inferir
que no juízo o “Filho do Homem” exercerá uma função, talvez de testemunha ou
acusador contra sua geração.
MARCOS//MATEUS//LUCAS
Nos textos tal figura sobressai pela utilização do motivo da vinda do “Filho do
Homem” com as nuvens do céu, demonstrando o caráter celestial da figura. Acrescenta-
se, ainda, a expressão “com poder e glória” o que reveste a figura do “Filho do
Homem” de suprema autoridade, preparando a narrativa, consequentemente, para
sugerir um cenário de juízo que pode ser inferido de duas das três passagens, a saber,
Marcos 13.27 e Mateus 24.31, que tematizam o envio dos anjos para ajuntar todos os
escolhidos.
APOCALIPSE DE JOÃO
O livro do Apocalipse pode ser tratado, com certo grau de certeza, do final do
primeiro século da era comum. Seu gênero literário e sua origem nos meios cristãos
o qualificam dentro dos critérios desta pesquisa para uma análise.
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Apocalipse 1.13-14 Apocalipse 14.14-16
... e, no meio de candeeiros, um semelhante a filho Olhei, e eis uma nuvem branca, e sentado sobre a
de homem, com vestes talares e cingido, à altura nuvem um semelhante a fi lho do homem, tendo
do peito,com uma cinta de ouro. 14 A sua cabeça e a cabeça uma coroa de ouro e na mão uma foice
cabelos eram brancos como alva lã, como neve; os afiada. 15 Outro anjo saiu do santuário, gritando em
olhos, como chama de fogo; grande voz para aquele que se achava sentado sobre
a nuvem: Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a hora
de ceifar, visto que a seara da terra já amadureceu!16
E aquele que estava sentado sobre a nuvem passou
a sua foice sobre a terra, e a terra foi ceifada.
Juiz x
Sujeita poderes (Mateus 13.40; 25-41)
Rei Universal x
Adorado x
Revelador x (João 3.12s)
Filho de Deus x (Lucas 22.69s)
Perdoa pecados (Mt 9.6; Mc 2.10) x
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Gradativamente a figura do “Filho do Homem” vai tomando contornos cada vez
mais específicos. De adjunto no tribunal do Ancião de Dias de Daniel 7 o “Filho do Homem”
evolui para ser o próprio juiz no julgamento final como aparece nas Similitudes de 1
Enoch. Ali a figura do “Filho do Homem” ganha traços nitidamente divino-celestiais, como
por exemplo, a sua preexistência, a sua suprema autoridade e sua transformação em objeto
de adoração.
Se comparados com 4 Esdras 13, em que o “Filho do Homem” figura com a mesma
unção de responsável pela condução do julgamento, os textos de Daniel 7 e 1 Enoch ganham
um colorido ainda mais forte, pois qualquer que tenha sido a direção que a tradição, foi
“Filho do Homem”, tenha percorrido, 4 Esdras 13 corrobora para destacar o quão marcante
para o judaísmo era o entendimento de que o “Filho do Homem” tinha, entre outras, a
função de mediador celeste no juízo final.
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Aqui queremos apresentar uma Teologia Bíblica que passa pelo Antigo e pelo Novo
Testamento. Escolhemos o tema: Abba Pai – O Amor de Deus o Pai.
Nossa reflexão começa sob o impacto da figura do “pai” nos dias atuais, figura
apresentada com papéis sociais definidos e distintos, por exemplo, como o de “provedor”,
“protetor”, “educador”, entre outros. Pai definido como “biológico” ou simplesmente como
“adotivo” (padrasto). O dito “pai ausente”, que por causa de muitas circunstâncias de
trabalho, viagens e outras ocupações, está ausente do dia a dia de seus filhos. A falta de
diálogo entre pai e filho que cria um grande fosso no relacionamento. O distanciamento do
pai da família por vários motivos. O desinteresse afetivo ou a falta de qualquer manifestação
carinhosa de muitos pais.
A falta de assistência aos filhos por parte de muitos. A carência de políticas públicas e
sociais que permitam ao pai de nossos dias sustentar com dignidade sua prole. Pai que não
reconhece a paternidade de uma criança, até que um exame de DNA assim o comprove. Pai
que abandona seus filhos, que, pior ainda, age de forma abusiva, com violência física, moral,
espiritual e, mesmo, sexual.
É dentro deste quadro social e familiar que se impõe uma reflexão cristã sobre a
paternidade de Deus Pai. Como chamar Deus de “Pai” em meio a uma situação dessas?
Quais aspectos de paternidade são evocados quando alguém invoca Deus como pai? Que
campo de significados se abre na mente, na memória, na história intrapsíquica das pessoas
quando a figura paterna é utilizada para referir-se a Deus?
Não se trata de trocar o termo “pai” por outro como: “mãe”, “amigo” ou termo que o
valha. Todavia, é imprescindível refletir sobre as fórmulas bíblicas de tratamento pessoal
com Deus, isto é, perguntar pelas experiências existenciais daquelas pessoas que chamavam
Deus desta ou daquela forma. Buscar compreender como a realidade cotidiana afeta a
linguagem relacional com a divindade e como cada uma dessas experiências tornaram-se
coletivas, porquanto partilhadas por muitas pessoas.
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Assim, nossa busca por uma reflexão que faça jus a abordagem sugerida passa,
necessariamente, pela troca de nossos paradigmas, pela revisão de nossos pressupostos e
pela readequação do nosso enfoque. Isso inclui, portanto, revisitarmos nossa tradição
bíblica, histórica e teológica, a partir da qual devemos avançar.
DEFINIÇÕES
Para iniciarmos nossa reflexão comecemos pela definição lexicográfica de “Abba Pai”
no Novo Testamento. "Abba" é uma palavra Aramaica que significa “pai”. Ela é a forma
específica quando a palavra é utilizada para falar “A” alguém. Em outras palavras, se você
deseja usar para os mais velhos ou de maneira mais formal, você pode traduzi-la por: “Oh
pai!” Essa forma é usada nas orações judaicas e nas orações da Igreja Primitiva.
Há uma noção bastante popular que a forma “Abba” é uma expressão infantil e
significa “paizinho”. Mas isso não parece ser verdade, pois a terminação aramaica (alef)
indica, simplesmente, que se está falando “a” alguém. A mesma forma aparece nas partes
aramaicas da Bíblia que falam de Nabucodonosor – alguém diz: “Oh rei, viva para sempre”, e
está claro que a pessoa não está usando uma maneira “infantil” de falar.
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ABBA
ABBA
Abba é uma forma aramaica como 'ab em Hebraico para o grego pater (pai). Ao
contrário do hebraico que usa o artigo definido no início da palavra, o aramaico utiliza um
alef no final de um termo produzindo, assim, uma forma enfática. Isso é usado para
expressar o caso vocativo e é encontrado em todas as passagens que ocorrem no Novo
Testamento (sendo todas, uma invocação): Marcos 14.36; Romanos 8.15; Gálatas 4.6.
ABBA
Nas orações judaicas e cristãs antigas, Abba foi o nome pelo que Deus era invocado,
depois nas Igrejas orientais tornou-se um título para os Bispos e Patriarcas. Assim, Jesus
dirige-se a Deus em oração (Mateus 11.25,26; 26.39,42; Lucas 10.21; 22.42; 23.34; João
11.41; 12.27; 17.24,25). Em Marcos 14.36; Romanos 8.15, e Gálatas 4.6 o grego ho pater, é
adicionado ao aramaico em um sentido enfático. Aos servos não era permitido utilizar essa
apelação ao chefe da casa. ( IESB Biblical Dictionary )
ABBA
Essas definições servirão de guias para as refl exões posteriores. No momento, basta
para nos dar uma idéia da diversidade de opiniões acerca da expressão: “Abba, Pai”.
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A expressão “Abba, Pai” figura na Bíblia como uma metáfora, entre outras, utilizadas
para se referir a Deus, como por exemplo: El-Elohe Israel, Pai da Glória, Deus da Luz, Deus de
Abraão, Isaque e Jacó, Deus de Israel, Pai dos Espíritos e assim por diante.
O termo mais utilizado para “pai” no hebraico é “ab” que ocorre cerca de 1190 vezes
em todo o Antigo Testamento. Esse substantivo é, aparentemente, derivado de um
determinado som de bebê tal como abab (papa), antes da raiz verbal assíria “abû” que
significa decidir, sugerindo que o pai é aquele que “decide”. A Septuaginta, tradução grega
do Antigo Testamento, verte “ab”, geralmente, por “pater”.
A palavra aramaica para “pai” é a mesma que no hebraico. Daí, com artigo definido
(com alef no fi nal da palavra), passou para o Novo Testamento, que em grego foi
transliterada “Abba”. O uso de “ab” no Antigo Testamento é rico e variado. Serve para
designar “pai humano” (I Reis 5.15, Gênesis 2.24), como progenitor. Nesse sentido,
“ancestral de uma tribo ou nação” como em Gênesis 10.21. O termo em questão é utilizado,
também, para designar o “primeiro” de uma classe ou profissão, como é o caso de Jabal que
é mencionado em Gênesis 4.20 como o “... pai dos que habitam em tendas e possuem
gado”, ou como o “chefe” dos artífices de uma determinada localidade (cf. I Crônicas 4.14).
A palavra ainda aparece como um título honorífico de uma pessoa mais velha (I
Samuel 24.12), de um mestre (II Reis 2.12), de um profeta (II Reis 6.21), de um sacerdote
(Juízes 17.10), de um marido (Jeremias 3.4,19), entre outros.
Pai para os órfãos e defensor das viúvas é Deus em sua santa habitação. (NVI)
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O texto em questão mostra o interesse de Deus para com o seu povo, com os menos
afortunados, especialmente, pois que ampara as pessoas mais carentes mencionadas no
Antigo Testamento 3
É evidente no texto em estudo que o fato de Deus ser chamado de “pai” revela um
determinado grau de relacionamento que ultrapassa o formalismo honorífico de atribuir
títulos a Deus e alcança as funções de paternidade conhecidas no Antigo Oriente Próximo,
isto é, proteção e defesa, instrutor e companheiro.
Se a palavra “ab” é aplicada a Deus como um título honorífico, é claro, também, que
ela se aplica a Deus de forma muito mais relacional do que formal.
Além disso, os textos provavelmente servem de indicadores de que em outras
situações semelhantes, nas quais pessoas assumem a tarefa de ser um “pai” para os
desamparados, para os órfãos, sobretudo, ou para a nação como um todo. Por seu turno,
Isaías 22.21, ao utilizar a mesma palavra hebraica para “pai”, a usa para atribuir a Eliaquim
(22.20) a paternidade dos moradores de Jerusalém, papel também desempenhado por Javé
em relação ao seu povo, como aparece em outros textos, por exemplo, em Deuteronômio
32.6:
É assim que retribuem ao SENHOR, povo insensato e ignorante? Não é ele o
Pai de vocês, o seu Criador, que os fez e os formou? (NVI)
Assim Javé torna-se o “Pai de Israel”, seu filho, por tê-lo formado (criado) e passa a
ser reconhecido como tal. Como diz Joachim Jeremias:
A certeza de que Deus é Pai e Israel é seu filho não se funda no mito, mas
em um ato único de salvação realizado por Deus, do qual Israel foi o alvo na
4
história.
Não temos todos o mesmo Pai? Não fomos todos criados pelo mesmo Deus?
Por que será, então, que quebramos a aliança dos nossos antepassados
sendo infiéis uns com os outros?
Entretanto, tu és o nosso Pai. Abraão não nos conhece e Israel nos ignora;
tu, SENHOR, és o nosso Pai, e desde a antigüidade te chamas nosso
Redentor. (Isaías 63.16 - NVI)
Contudo, SENHOR, tu és o nosso Pai. Nós somos o barro; tu és o oleiro.
Todos nós somos obra das tuas mãos. (Isaías 64.7[8] – NVI)
3
Conferir a esse respeito: CRISTOFANI, José Roberto. Javé o Amparador dos Excluídos – Exegese do Salmo 146. In: RTL – Revista Teológica
Londrinense, 3, (2002) 33-57.
4
Joachim Jeremias. A mensagem central do Novo Testamento, 3ª. Edição, São Paulo, Paulinas,, p.13
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O fato de Javé apresentar-se como “pai” e “Israel” reconhecê-lo como tal, toma forte
impulso nos profetas. Aqui e acolá, na literatura profética, podemos encontrar o estreito
relacionamento gerado pela paternidade de Deus.
Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egito chamei o meu fi lho. (NVI)
3 Mas fui eu quem ensinou Efraim a andar, tomando-o nos braços; mas eles
não perceberam que fui eu quem os curou. 4 Eu os conduzi com laços de
bondade humana e de amor; tirei do seu pescoço o jugo e me inclinei para
alimentá-los. [...] 8 Como posso desistir de você, Efraim? Como posso
entregá-lo nas mãos de outros, Israel? Como posso tratá-lo como tratei
Admá? Como posso fazer com você o que fiz com Zeboim? O meu coração
está enternecido, despertou-se toda a minha compaixão. (Oséias 11.3ss -
NVI)
Para os orientais, por mais que recuemos no tempo, a palavra “pai” aplicada para
5
Deus evoca de certo modo o que a palavra “mãe” significa para nós
Assim, também no livro do profeta Jeremias, podemos ver idêntica comoção de Javé
por “seus filhos”:
5
Joachim Jeremias, A Mensagem central do Novo Testamento, 3ª edição, São Paulo, Paulinas, 1986, p. 12.
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“Eu mesmo disse: Com que alegria eu a trataria como se tratam fi lhos e lhe
daria uma terra aprazível, a mais bela herança entre as nações! Pensei que
você me chamaria de ‘Pai’ e que não deixaria de seguir-me. (3.19 - NVI)
O filho honra seu pai, e o servo, o seu senhor. Se eu sou pai, onde está a
honra que me é devida? Se eu sou senhor, onde está o temor que me
devem? Pergunta o SENHOR dos Exércitos a vocês, sacerdotes. São vocês
que desprezam o meu nome! Mas vocês perguntam: De que maneira temos
desprezado o teu nome? (NVI)
O “pai misericordioso” que perdoa as iniqüidades aparece nos escritos poéticos, por
exemplo, no Salmo 103, especialmente no verso 13:
Por exemplo, o acolhimento de um pai que pode ser visto no Salmo 27.10:
Pois o SENHOR disciplina a quem ama, assim como o pai faz ao fi lho de
quem deseja o bem.(NVI)
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Haverá mãe que possa esquecer seu bebê que ainda mama e não ter
compaixão do filho que gerou? Embora ela possa esquecê-lo, eu não me
esquecerei de você! (NVI)
É possível acrescer outros textos aos já citados, mas para nosso propósito esses são
suficientes, como pistas, para um trabalho contínuo de renovação das perspectivas sobre a
paternidade de Deus no Antigo Testamento.
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É corrente uma tese muito popular que defende a idéia de que o Deus do Antigo
Testamento é muito diferente do Deus que podemos encontrar no Novo Testamento. Essa
tese sustenta que a figura de Deus no Antigo Testamento é um Deus transcendente,
distante, punitivo e, até, violento.
Como já mostramos no tópico sobre o Antigo Testamento, parece que essa tese do
Deus carrasco e cruel caiu por terra, uma vez que já lemos muitas passagens bíblicas que
revelam um Deus que tem nome, Javé, e que tem um cuidado especial com seu povo. Um
relacionamento que manifesta ternura, atenção e, sobretudo, paternidade responsável e
providente.
De fato, encontramos no Novo Testamento textos que usam o termo “Pai” para se
dirigir a Deus em muito maior número que no Antigo Testamento, o que, a princípio, pode
ser atribuído ao novo contexto no qual os trechos foram escritos. Entretanto, podemos
aprofundar as causas que levaram o Novo Testamento a tal abundância de referências a
Deus como “Pai”.
O destaque para a expressão “Abba, Pai!” ocupa o primeiro lugar em nossa exposição
por motivos óbvios. Acrescente-se, ainda, que em todas as orações de Jesus dirigidas a Deus
a expressão “meu Pai” é utilizada.
Abba é a palavra Aramaica para "pai". A palavra ocorre três vezes no Novo
Testamento (Marcos 14.36, Romanos 8.15, Gálatas 4.6. Em cada caso ela tem a tradução
grega que a acompanha, lendo (abba ho pater) no texto grego, “abba, pater” na Vulgata
Latina, e "Abba, Pai" nas versões em português.
E dizia: Aba, Pai, tudo te é possível; passa de mim este cálice; contudo, não
seja o que eu quero, e sim o que tu queres.
O uso feito por Jesus da palavra “Abba” e registrado somente aqui nos Evangelhos,
parece ter sido frequente nos lábios de Jesus ao se referir a Deus como Pai, segundo
entende Joachim Jeremias.
Os textos de Romanos 8.15 e Gálatas 4.6 parecem indicar na mesma direção de que
Jesus usava “Abba” em suas orações.
Vejamos Romanos:
Aqui, claramente se diz que a adoção (de filhos) é a autorização para que os cristãos
clamem “Aba, Pai”.
E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu
Filho, que clama: Aba, Pai!
Afirmar que o “Espírito de seu Filho”, referindo-se a Jesus, sem sombra de dúvidas, é
o mesmo Espírito que atua nos crentes e daí clamar da mesma forma que clamava o Filho
“Abba, Pai”. Em ambos os textos das epístolas fica evidente que desde muito cedo as
comunidades cristãs herdaram de Jesus, pela tradição apostólica, também o modo de se
dirigir a Deus como Pai, clamando pelo mesmo Espírito “Abba, Pai”.
O fato de Jesus utilizar o plural “Pai nosso” tem conseqüências relacionais imediatas.
Por exemplo, o privilégio que notamos em Mateus 6.6:
5
Joachim Jeremias, A Mensagem central do Novo Testamento, 3ª edição, São Paulo, Paulinas, 1986, p. 21.
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Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a
teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
Nesta passagem há uma metáfora da intimidade de Deus com seus filhos, seguido da
expressão, que revela o cuidado paternal de Deus, logo a seguir, no verso 8:
Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que
tendes necessidade, antes que lho peçais.
Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos fi lhos,
quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhe
pedirem?
O Novo Testamento também utiliza a palavra “Pai” para Deus no sentido de que
Jesus é “seu” filho. Em outros lugares podemos ver Deus como um “Pai Universal” no
contexto de pais e filhos, por exemplo, I Coríntios 6.18 lemos:
serei vosso Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-
Poderoso.
Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o nome
toda família, tanto no céu como sobre a terra,...
Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em
muito maior submissão ao Pai espiritual e, então, viveremos?
E I João 3.1
Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos
chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa razão, o
mundo não nos conhece, porquanto não o conheceu a ele mesmo.
Isso está intimamente relacionado com o fato de que fomos adotados dentro da
família de Deus como filhos e filhas pela mediação de Jesus. Uma discussão exaustiva do uso
de “Pai” no Novo Testamento não é possível aqui e está fora dos propósitos do curso. Por
isso uma relação de todas as passagens do Novo Testamento nas quais aparece o termo
“Pai” vai ao final deste texto para um aprofundamento posterior.
Ressaltamos, porém, que o “Deus Pai” do Novo Testamento nada fica a dever para o
“Deus Pai” do Antigo Testamento. Aliás, notamos uma profunda similaridade entre a
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Está fora de questão o legítimo e necessário papel social de “pai”. Não estamos
discutindo isso aqui. O que está em jogo é a referência sócio-cultural que temos de “pai”
para alcançarmos uma leitura mais justa, se podemos dizer assim, dos textos bíblicos que
apresentam Deus como Pai. Pois é uma escolha hermenêutica decisiva para se compreender
mais e melhor os textos sagrados do Novo e do Antigo Testamento. As pistas que
encontramos nos dois Testamentos servem de fundamento inicial para uma reflexão mais
profunda sobre o tema: Abba, Pai!
1. Com uma nova visão dos papéis desempenhados por “pai” e “mãe” nos dias atuais, é
possível encontrar indícios, pistas ou mesmo fundamento na Bíblia que permita uma
reconceitualização de “Abba, Pai”?
É obvio que as questões para reflexão não podem e não devem se restringir as essas
colocadas, todavia há que se começar por algum lugar, e propomos este.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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