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EXPRESSÕES E EXPERIÊNCIAS

Apenas um gole
Nº 157
EDITORIAL OUT. 2015

Sobre diabetes e política Expressões e Experiências


• Apenas um gole 2

Autorregulamentação da publicidade de cerveja não impede N esta edição, mais um tema sugerido
por esse verdadeiro conselho editorial
composto por nossos 86 mil leitores, entre
estão associados ao aumento do diabetes
entre a população mais pobre e menos
alfabetizada. A preocupação aumenta
Editorial
• Sobre diabetes e política 3
o incentivo ao consumo entre crianças e adolescentes trabalhadores, conselheiros, gestores, estu- diante dos dados da Pesquisa Nacional de
dantes, professores, pesquisadores, ativistas, Saúde, realizada pelo IBGE em 2013, que Cartum 3
especialistas e usuários da saúde pública. revelam a obesidade de adultos e crianças
Luiz Felipe Stevanim os anúncios de cerveja empregam atores com menos de 25 anos Segundo a Federação Internacional do como um dos principais problemas atuais Voz do leitor 4
e associam o consumo dessas bebidas a práticas saudáveis e à Diabetes (IDF), há 387 milhões de pessoas de saúde no Brasil.
Súmula 5

O
confraternização, analisa o pesquisador. “Crianças e adolescentes vivendo com diabetes no mundo, 80% delas Segue a crise política e econômica no
menino de 7 anos aguarda ansioso o início do jogo mais expostos à publicidade iniciam o consumo mais cedo e de nos países de média e baixa renda. Muitos país, tendo como desdobramento a ocupação
do Brasil, vestido com a camisa canarinho, quando na forma mais abusiva”, avalia. A pesquisa aplicou questionários desconhecem sua condição, o que torna por correntes conservadoras de mais espaço Radis Adverte 8
TV surge a atriz da novela e o craque da seleção para a 150 alunos da rede pública de ensino de São Paulo e a 35 esta, uma epidemia silenciosa. Cerca de no governo e no Congresso, suprimindo di-
Toques da Redação 9
anunciar uma marca famosa de cerveja. Associar bebida profissionais de diferentes áreas que atendem crianças e ado- 9 milhões de brasileiros acima de 18 anos reitos e políticas sociais e colocando em risco
alcoólica a esporte e socialização induz crianças e adolescentes lescentes, como médicos, promotores de justiça e educadores. sabem que possuem a doença, calcula o populações pobres ou tradicionais e o meio
Mujica no Brasil
ao consumo precoce e viola regras da autorregulamentação Os participantes avaliaram cinco anúncios de TV de grandes IBGE. Estimular e viabilizar o diagnóstico, ambiente. O Centro Brasileiro de Estudos de
desses produtos, mostrou um estudo realizado pela Universidade • Cavaleiro da simplicidade 10
marcas de cerveja e foram questionados, por exemplo, se a prover informações adequadas e garantir o Saúde (Cebes) sinaliza que os ajustes fiscais
Federal de São Paulo (Unifesp). A pesquisa alerta ainda para a mensagem aparentava ser dirigida a menores de idade, o que acesso a medicamentos e materiais essen- praticados e propostos este ano, com base • O legado de Mujica para a saúde 12
necessidade de regulamentar a publicidade de bebidas alcoólicas, contraria as normas do Conar. Houve violações em todos os ciais para o controle da glicose são alguns em contingenciamento de orçamento público
como propõe o Projeto de Lei 83/2015, que pode ser votado casos, o que fundamenta a principal conclusão do estudo: “A dos desafios do SUS. e penalização dos trabalhadores, vai agravar o Pesquisa Nacional de Saúde
ainda em 2015 pelo Senado. autorregulamentação publicitária é ineficaz porque não impede Há dois tipos de diabetes: a que geral- subfinanciamento da Saúde. Faltou coragem • Ameaça de peso 14
“O melhor cenário, do ponto de vista da saúde pública, é o que as mensagens publicitárias de álcool sejam direcionadas a mente aparece na infância, quando pouca ou para tributar grandes fortunas e destinar estes
banimento da publicidade do álcool”, afirmou o pesquisador Alan menores de 18 anos”, completa Alan. nenhuma insulina é liberada pelo corpo, que recursos e os da nova CPMF para o SUS, critica Diabetes
Vendrame, responsável pelo estudo. Atualmente, as regras para esses Regular a publicidade de cerveja esbarra no lobby da indús- tem origem genética e corresponde a 10% Ana Costa, presidente do Cebes. • Doce perigo 18
anúncios são definidas pelas próprias agências publicitárias, por meio tria do álcool no Congresso Nacional (Radis 132). O Projeto de dos casos; e a que mais frequentemente é Aproveitamos a vinda ao Brasil do • Educação e participação para viver bem 22
do Conselho Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Lei 83/2015, que aguarda votação no Senado, tramita na Câmara desenvolvida a partir dos 40 anos, quando o ex-presidente uruguaio, Pepe Mujica, para • Entrevista Reni Barsaglini: Para além das
Mas essa prática é o mesmo que entregar o galinheiro para a raposa desde 1997 e altera a lei que trata da publicidade de tabaco e corpo não utiliza adequadamente a insulina fazer um registro dos avanços e o legado escolhas individuais 22
tomar conta, porque as normas são sistematicamente violadas pelas álcool (lei 9.294 de 1996). A proposta proíbe a propaganda que produz — 90% dos casos. O repórter para a Saúde conquistados no país vizinho.
próprias agências e fabricantes de cerveja, apontou o estudo. De comercial de bebidas alcoólicas nos meios de comunicação, Luiz Stevanim ouviu pessoas com a doença Em tempos de frustração com a macro Sustentabilidade
acordo com Alan, os anúncios desrespeitam o mas conta com uma sutileza jurídica: segundo a própria lei de e seus familiares sobre as possibilidades e política, registramos experiência articulada • Saberes cruzados 24
princípio de proteção a crianças e adolescentes, 1996, grande parte das marcas mais vendidas de cerveja não dificuldades de levar a vida em equilíbrio e pelas populações tradicionais da região de • Saneamento ecológico chega à praia 27
que proíbe a inclusão deste público como são consideradas bebidas alcoólicas, porque tem concentração de obter o tratamento no SUS, além de pes- Paraty, divisa entre Rio e São Paulo, voltada
alvo da publicidade, e também ofendem de álcool inferior a 13 graus Gay Lussac (GL) e não estariam quisadores e profissionais de saúde. à sustentabilidade, com base no diálogo Controle social
a ideia de consumo responsável, que incluídas na proibição. A tendência é que a prevalência da entre os saberes científico e popular. O tema • Mobilização que gera saúde 29
veda o incentivo ao abuso. Para Alan Vendrame, uma bebida não pode ser considerada diabetes na população continue crescendo da participação popular é central também • Conferências nacionais convocadas 31
Quase todos mais “leve” ou menos prejudicial à saúde, pois o que conta é o na próxima década, em função do enve- na caminhada em direção à 15ª Conferência
padrão de consumo. Os riscos vêm do início precoce, da ingestão lhecimento populacional e de fatores de Nacional de Saúde, em dezembro, espaço Hepatites
de grandes quantidades e da frequência, entre outros fatores. A risco como sobrepeso e obesidade, falta de privilegiando para uma mobilização em • Alerta amarelo 32
ideia de que a cerveja é uma bebida leve — e, portanto, mais exercícios físicos, hipertensão e colesterol defesa do SUS. • Os cinco tipos de hepatites 33
atrativa para crianças e adolescentes — é um discurso criado alto, além de histórico familiar. As condições
pela publicidade, aponta o pesquisador. “Esse discurso de vida e a obesidade, com a ingestão de Rogério Lannes Rocha Serviço 34
diz que alegria, socialização e amizade somente estão alimentos mais calóricos (e mais baratos), Editor-chefe e coordenador do Programa Radis
garantidas em um contexto de consumo de bebida Pós-Tudo
alcoólica”, avalia. • #popmujica 35
Para saber o que as pessoas pensam sobre o
CARTUM
assunto, a página do Senado no facebook lançou,
em agosto, a pergunta: “Proibição de publicidade
de bebida alcoólica: Você concorda?” Para um dos EM DEFESA DE TODOS OS TIPOS DE FAMÍLIA
Capa Felipe Plauska
internautas que participou do debate, o jornalista
Gustavo Gindre, não se trata de proibir o consumo e
tampouco o acesso às informações sobre essas bebi-
das. “O que se busca impedir é apenas a sedução ao RADIS . Jornalismo premiado
consumo”, afirmou. Para Alan Vendrame, o argumento pela Opas e pela A s foc-SN
de que a proibição fere o direito de escolha do consu-

ILUSTRAÇÃO: SERGIO EDUARDO OLIVEIRA


midor é uma falácia criada pela indústria: “A restrição
legal da propaganda de bebida alcoólica está garantida
na Constituição [artigo 220]”. Ele lembra que a própria
OMS recomendou, em relatório de 2014 sobre o tema,
que se substitua a autorregulamentação da publicidade
de cerveja por leis rígidas, que impeçam a exposição de
populações vulneráveis, como crianças e adolescentes,
que ainda não podem decidir entre beber ou não.

RADIS 157 • OUT / 2015 [ 3 ]


VOZ DO LEITOR SÚMULA

Profissionais de saúde Sugestões de pauta Radis agradece

S aúde, justiça e paz são os bens mais


preciosos da humanidade. Por isso, ho-
menageamos aqueles que lutam por esses
E u me chamo Lucas Luan Raulino e
tenho 14 anos. Primeiramente, pa-
rabéns por abordarem assuntos pouco
S ou estudante de enfermagem e assinan-
te da revista há pouco tempo. Conheci a
Radis por meio de uma professora que le-
valores, profissionais que diuturnamente comentados na TV, como a capacitação vou a revista para sala de aula para apresen-
estão no front da assistência, lidando de dos índios como interlocutores do SUS tar alguns temas importantes. Encantei-me
perto com o sofrimento humano, com a no Rio Negro, ou o surto de sarampo com o belíssimo trabalho da equipe, que
dor humana, com a pobreza, a miséria e no Ceará, doença até então erradicada faz com que a revista chegue em nossas
as enormes dificuldades socioeconômicas no Brasil (Radis 153). Minha sugestão mãos perfeita, com matérias extremamente
da nossa gente mais vulnerável e esquecida de artigo é sobre jogos eletrônicos ou importantes e de total utilidade pública.
pelos poderes públicos. Especial carinho e assuntos relacionados ao entretenimento Adoro o conteúdo e as notícias que são
reconhecimento ao trabalho e dedicação jovem. Espero que analisem com critério. publicadas, pois são de extrema utilidade
dos que estão atendendo nos postos de Um abraço congelante! nos meus estudos. Quero parabenizar a
saúde e hospitais públicos, em condições
de trabalho absolutamente inadequadas,
deficientes e impróprias, procurando man-
• Lucas Luan Raulino, Gaspar, SC

Lucas, que bom receber a sua carta!


todos pelo excelentíssimo trabalho e que a
Radis possa crescer a cada dia mais levando
saúde, informação e educação para toda
Ajuste vai agravar subfinanciamento na Saúde
ter eficiência apesar de tantas adversidades, A Radis é uma revista que trata de polí- a população.
improvisando medicamentos, instrumen-
tos, insumos e equipamentos com o obje-
ticas públicas, com enfoque especial na
área de saúde. Já publicamos algumas
• Isabela Trugilho e Souza, Rio de Janeiro, RJ
C inco dias depois de ter a nota de in-
vestimento do Brasil rebaixada pela
auxílio para cumprir gasto constitucional
com a Saúde e revisão do gasto com
entanto, a presidente do Cebes vislumbra
dificuldades no horizonte da luta por re-
tivo de salvar vidas, diminuir o sofrimento
e dar alguma esperança mesmo naqueles
casos mais complicados. Isso tudo apesar
matérias sobre jogos como o Jama, que
trata de questões do meio ambiente
(Radis 49) e o Zig Zaids (Radis 41), que
F iquei fascinado com a eficiência da
equipe editorial em abordar, através
de diversos textos, pontos que estão
agência Standard & Poor´s, e duas semanas
após enviar ao Congresso o orçamento de
2016 com um déficit calculado em R$ 37,3
subvenção de preços agrícolas.
Do total de 16 medidas anunciadas
no “pacote”, só uma não depende do
cursos para a Saúde. “Se imaginamos em
um certo momento que os recursos do
pré-sal seriam utilizados para incrementar
do desrespeito das autoridades públicas, aborda as doenças sexualmente trans- impactando negativamente no SUS e que bilhões, o governo apresentou mais um Congresso — aquela que aumenta a a Saúde, agora o fato é que precisamos
apesar dos baixos salários, da correria, da missíveis e pode ser baixado gratuita- estão fazendo parte de discussões em duro ajuste fiscal (14/9). As medidas in- alíquota do programa de incentivo à ex- de união para uma defesa contra-hege-
falta de tempo, das noites sem dormir, da mente em www.fiocruz.br/piafi/zigzaids/. reuniões que precedem a 15 ª Conferência cluem aumento da arrecadação e corte de portação Reintegra. Segundo o jornal, as mônica. Hoje, os grupos que poderiam
ausência familiar, dos inúmeros plantões Sugerimos que leia a entrevista com o Nacional de Saúde (Radis 153). Faço votos despesas — e causarão impacto no finan- medidas anunciadas pela equipe econô- ajudar a defender a Saúde estão longe
nos finais de semana e feriados, de uma pesquisador Marcelo de Vasconcellos, que continuem a trabalhar desta forma, ciamento da Saúde, avaliam especialistas. mica já encontravam no seu lançamento de ser um grupo com força e poder no
imprensa covarde e midiática sem o menor que desenvolve uma pesquisa sobre pois acredito que somente através da Na proposta, o aumento da arrecadação, resistência entre os líderes do Congresso, Congresso”, avaliou.
compromisso com a verdade e de tantas jogos como instrumentos de comuni- informação fidedigna e clara passada a de R$ 40,2 bilhões, será garantido em tanto da oposição quanto da base aliada. Em meio à crise política, poucos
outras razões... Estes são verdadeiros heróis cação e saúde (https://goo.gl/UcZaUS). população conseguiremos nos reunir para grande parte (R$ 32 bilhões) com recursos As seis páginas dedicadas pelo jornal dias depois, o Congresso analisou vetos
ocultos, verdadeiros lutadores por justiça Boa leitura! reivindicarmos mudanças que fortaleçam provenientes de uma nova Contribuição ao conjunto de medidas, sob o cabeçalho a projetos que podem anular o esforço
social, por menos desigualdades sociais. o nosso SUS. Provisória sobre Movimentação Financeira “País rebaixado”, contemplaram também de ajuste. Conforme noticiou o portal G1
• Wladimir Tadeu Baptista Soares e Janaína
Flavia Ribeiro, Niteroi, RJ G ostaria de sugerir uma matéria sobre
quais as consequências de consumo
de alimentos transgênicos e alimentos
• W ágner do Nascimento Car valho,
Caputira, MG
(CPMF), desta vez voltada para pagar
aposentadorias e pensões. A nova CPMF
anunciada tem duração prevista de 4
a repercussão entre os servidores públi-
cos do anúncio de cortes de despesas e
adiamento do reajuste (anteriormente pre-
(22/9), o impacto da derrubada é de R$
23,5 bilhões em 2016 e R$ 127 bilhões até
2019. Dos 32 vetos na pauta, 26 foram
Medicamentos
cultivados com agrotóxicos.  Obrigado. 
• Marcone Mariano, Juiz de Fora, MG M uito interessante a repor tagem
Agentes da cura (Radis 151), por
anos, e alíquota de 0,2% sobre qualquer
movimentação financeira.
visto para janeiro), para agosto de 2016.
Segundo os fóruns e centrais sindicais
votados e mantidos pelos parlamenta-
res. Entre os que foram mantidos está o

O lá, gostaria de, em primeiro lugar,


parabenizar pela feliz matéria sobre o
descarte correto dos medicamentos em Olá, Marcone! Radis vem tratando
mostrar que a tuberculose ainda é um
problema que aflige várias pessoas, não
sendo inexistente como muitos pensam,
Segundo publicou O Globo (15/9), o
ministro da Fazenda Joaquim Levy tentou
minimizar o impacto da nova cobrança
ouvidos pela reportagem, já era prevista
a paralisação geral anunciada em seguida
para o dia 23 de setembro.
veto ao fim do fator previdenciário (G1
23/9). O fator previdenciário é a fórmula
matemática que reduz os benefícios de
(Radis 154). Sugiro o aprofundamento des- dos dois assuntos com regularidade. e também por destacar a importância dos sobre o bolso do contribuinte, afirmando Presidente do Centro Brasileiro de quem se aposenta antes da idade míni-
sa matéria somente com os antineoplásicos Sobre transgênicos, sugerimos que agentes comunitários de saúde. que é temporária e que corresponde a Estudos de Saúde (Cebes), Ana Costa, ma de 60 anos para mulheres e 65 anos
que são excretados por pacientes em pré faça uma busca em nosso site nas • Glabelle Maria, Belém, PB “dois milésimos” do valor das compras disse à Radis que o pacote desenha um para homens, e incentiva o contribuinte
ou pós tratamento quimioterápico em seus edições 141, 151 e 153. Muita coisa feitas pelos brasileiros. A alíquota é menor “cenário pessimista”. “Ao contrário de a trabalhar por mais tempo. Pela regra
domicílios. Um abraço! já foi publicada sobre agrotóxicos. Isabela, Wágner e Glabelle, muito obri- do que a da CPMF cobrada pelo governo cortes, a Saúde requer incrementos. O aprovada pelos parlamentares, as pes-
• Albercina Vieira, Rio de Janeiro, RJ Recentemente, você encontra matérias gado pela leitura! Esperamos continuar até 2007, de 0,38%. Outras medidas com subfinanciamento já vinha sendo cons- soas poderiam se aposentar quando a
nas edições 152 e 153. Uma lista de- contando com sua leitura! Glabelle, nesta objetivo de ampliar receitas orçamentárias tantemente denunciado, e agora o tema soma da idade e do tempo de contribui-
Sugestão anotada, Albercina! Em breve talhada também pode ser encontrada edição, voltamos a tratar de tuberculose. são reduções no chamado gasto tributário da mercantilização da saúde volta à pau- ção atingisse 95 anos, se homem, e 85
voltaremos ao assunto. em http://goo.gl/zIZabG. Boa leitura! Confira na seção Súmula. — quando o governo substitui ou reduz ta. A incidência de cortes sobre a saúde anos, se mulher. Nas contas do governo,
obrigações tributárias do contribuinte. tem sido frequente, inclusive em muitos o gasto adicional com aposentadorias
EXPEDIENTE Do outro lado, o das despesas, o países, e o pacote mostra mais uma vez seria de R$ 132 bilhões até 2035, por isso
governo anunciou um corte de R$ 26 o esvaziamento da saúde como política Dilma vetou o texto. 
www.ensp.fiocruz.br/radis
é uma publicação impressa e online da Documentação Jorge Ricardo Pereira e Sandra bilhões. O Globo anunciou que “para pública e estatal”, avaliou a sanitarista. Dos vetos do Executivo mantidos
Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo Programa Benigno justificar o aumento de tributos, o gover-
/RadisComunicacaoeSaude Ana enumerou diversas outras crí- por deputados e senadores, a maioria
Radis de Comunicação e Saúde, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp). Administração Fábio Lucas e Natalia Calzavara no apresentou a fatura como 'cortes na ticas ao pacote, que, segundo ela, “não diz respeito a projetos que aumentam
própria carne'". As principais medidas de teve coragem” de tributar os planos de gastos obrigatórios, por isso não são
Presidente da Fiocruz Paulo Gadelha Estágio Supervisionado Laís Jannuzzi USO DA INFORMAÇÃO • O conteúdo da
Diretor da Ensp Hermano Castro (Reportagem) e Juliana da Silva Machado revista Radis pode ser livremente reproduzido, contenção de despesas são o adiamento saúde e reverter esses benefícios para o de interesse do governo, que busca ree-
(Administração) acompanhado dos créditos, em consonância com de reajuste de servidores, a suspensão SUS. “A tributação de grandes fortunas quilibrar as contas públicas em um ano
a política de acesso livre à informação da Ensp/
Editor-chefe e coordenador do Radis
Assinatura grátis (sujeita a ampliação de Fiocruz. Solicitamos aos veículos que reproduzirem de concursos públicos, a eliminação também não entrou no conjunto de de crise, como noticiou o portal. Até o
Rogério Lannes Rocha ou citarem nossas publicações que enviem
Subcoordenadora Justa Helena Franco
cadastro) Periodicidade mensal | Tiragem 86.500 do abono de permanência, a garantia medidas. A CPMF volta sem destinação fechamento dessa edição, o último anún-
exemplares | Impressão Rotaplan exemplar, referências ou URL.
de um teto de remuneração no serviço para a Saúde”, lamentou. Mesmo com cio sobre as votações foi do presidente
Ouvidoria Fiocruz • Telefax (21) 3885-1762 público, a redução de gastos com custeio as reclamações, ela considera que existe do Congresso, senador Renan Calheiros,
Edição Adriano De Lavor Fale conosco (para assinatura, sugestões e www.fiocruz.br/ouvidoria
Reportagem Bruno Dominguez (subedição), críticas) • Tel. (21) 3882-9118 administrativo, a mudança de fonte de “leve caráter de justiça social” na pro- que marcou para o dia 30/9 a sessão
Elisa Batalha, Liseane Morosini, Luiz Felipe E-mail radis@ensp.fiocruz.br recursos para os programas Minha Casa, posta de incidência maior de “impostos conjunta das duas Casas Legislativas a
Stevanim e Ana Cláudia Peres Av. Brasil, 4.036, sala 510 — Manguinhos,
Arte Carolina Niemeyer (subedição) e Felipe Rio de Janeiro / RJ • CEP 21040-361 Minha Vida e Programa de Aceleração sobre maior renda” (IR pessoa física e fim de apreciar outros vetos presidenciais
Plauska do Crescimento (PAC) e ainda cortes no ganhos de capital). Em termos gerais, no que não foram analisados.

[ 4 ] RADIS 157 • OUT/ 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [ 5 ]


Ministério da Saúde no jogo de especulações Mortalidade infantil diminui no Brasil
O

FOTO: FELIPE PLAUSKA


do financiamento da saúde de modo presidente e pelas críticas ao Programa Brasil é um dos 62 países Apesar da queda registrada no núme-
bastante duro, em reunião com Dilma. Mais Médicos. Marcelo Castro é médico que conseguiram alcançar o ro de óbitos, o índice não é suficiente
Ele chegou a dizer que o ministério nunca psiquiatra e foi lembrado pela mídia Objetivo do Milênio proposto pela para alcançar a meta de reduzir em
esteve em “situação similar” em toda a como o parlamentar que trocou farpas Organização das Nações Unidas dois terços o índice dos Objetivos
história do SUS, diante dos cortes na área. com o presidente da Câmara, Eduardo (ONU) de cortar em dois terços os de Desenvolvimento do Milênio da
As pastas que seriam extintas e os Cunha, por ter seu relatório sobre refor- índices de mortalidade infantil até ONU até o final deste ano, advertiu
nomes que iriam compor o novo primeiro ma política ignorado. 2015. Em 25 anos, o país conseguiu o Portal R7(9/9). Segundo o portal, o
escalão tinham previsão de anúncio para Outra mudança que deveria afe- reduzir a mortalidade infantil em Unicef informou que 48 milhões de
2 de outubro. Na saúde, a expectativa tar a área social era a fusão dos mi- 73%, enquanto a média mundial vidas de crianças nessa faixa etária
era de que ocorresse uma mudança de nistérios do Trabalho, Previdência e caiu 53%. Em 1991, o Brasil regis- foram salvas desde que os governos se
partido, do PT para o PMDB, maior legen- Desenvolvimento Social em uma única trava 61 mortes para cada 1.000 comprometeram a atingir os Objetivos
da da base aliada. Segundo o site de El pasta e de três secretarias (Mulheres, nascimentos; hoje, os óbitos caíram do Milênio, em 2000.
País (25/9) sobre o Brasil, a aproximação Igualdade Racial e Direitos Humanos) para 16 — segundo o relatório O relatório registra ainda que

FOTO: SERGIO AMARAL / MDS


com o partido do vice-presidente Michel em um ministério voltado para questões Níveis e Tendências da Mortalidade cerca de 16 mil crianças na faixa etá-
Temer se deveu à tentativa de aprovar de cidadania. Em nota pública (25/9), o Infantil 2015, divulgado (9/9) pela ria até 5 anos morrem diariamente;
projetos de lei de interesse do governo, Centro Brasileiro de Estudos da Saúde Organização Mundial da Saúde o maior risco de morte é verificado

O cenário é de especulação na saúde


com a reforma ministerial conduzida
pela presidenta Dilma Rousseff, para
além de barrar um eventual pedido de
impeachment.
Entre os nomes mais cotados para
(Cebes) e a Associação Brasileira de
Saúde Coletiva (Abrasco) reagiram ao
que chamaram de “dança das cadeiras”
(OMS) e pelo Fundo das Nações
Unidas para Infância (Unicef). O
relatório, realizado em 5,5 mil muni-
nos primeiros dias após o nascimen-
to — a cada ano, um milhão de
bebês morre no primeiro dia de vida
reduzir o número de pastas, na sequên- a saúde, constavam os deputados fede- dos ministérios, que submete o direito cípios brasileiros, registra a redução e cerca de 45% dos casos ocorrem
cia de cortes de gastos do governo. rais Marcelo Castro (PMDB-PI) e Manoel à saúde ao alto risco das negociações significativa obtida pelo Brasil, mas o índice caiu para até cinco mortes. A antes que a criança complete um
Até o fechamento desta edição, em 30 Junior (PMDB-PB), segundo o jornal O políticas. Com o apelo “Dilma, preserve alerta para as desigualdades regionais que, matéria também chamou atenção para mês, principalmente por questões rela-
de setembro, o então ministro, Arthur Globo (25/9). Como Radis mostrou na os interesses públicos na saúde!”, as embora menores que em 1991, ainda são o fato de o estudo demonstrar que as cionadas à má nutrição. Prematuridade,
Chioro (foto), havia sido informado por edição de setembro, Manoel Junior foi entidades afirmam que a saúde não relevantes em 2015. crianças indígenas têm duas vezes mais complicações durante o parto e doenças
telefone de sua demissão da pasta, se- autor do trecho da lei 13.097 de 2014 pode servir de moeda política, mas ser Ao noticiar o relatório, a Agência chance de morrer antes do primeiro ano evitáveis como pneumonia, diarreia e ma-
gundo o G1 (29/9). Em evento na sede que autorizou a entrada de capital encarada como política de Estado. O Brasil (9/9) defendeu a necessidade de de vida em comparação com as demais lária aparecem entre as principais causas
da Organização Panamericana de Saúde estrangeiro em todos os serviços de Conselho Deliberativo da Fiocruz tam- maiores esforços para que o país diminua crianças brasileiras. de morte. “Para reduzirmos ainda mais
(Opas) em Brasília, em 24 de setembro, saúde e recebeu R$ 105 mil de doações bém produziu documento (http://goo. as disparidades entre diferentes grupos No mundo, as mortes de crianças esses índices, precisamos nos concentrar
Chioro negou que tivesse conversado de planos privados na última eleição. gl/Ts3KMZ) em que afirma ser dever dos sociais, destacando que em 32 municípios menores de 5 anos caíram de 12,7 milhões, na mortalidade neonatal”, salientou Flavia
sobre sua saída com a presidenta, mas Considerado até então o favorito para governantes garantir a manutenção das a taxa de óbitos chegou a 80 para cada em 1990, para 5,9 milhões, em 2015. Esta Bustreo, vice-diretora-geral para Família,
disse que o cargo não lhe pertencia. o cargo, o deputado da Paraíba perdeu políticas de saúde em curso, não permi- 1.000 nascimentos, em 2013 — ao mesmo é a primeira vez que o índice fica abaixo Mulher e Criança da OMS, em declaração
Como informou o Valor Econômico pontos na disputa por ter sugerido, tindo retrocessos e garantindo recursos tempo em que em mais de 1.000 cidades de 6 milhões, informou a Agência Brasil. registrada pelo Portal Terra (9/9).
(24/9), Chioro teria abordado a questão em entrevista recente, a renúncia da previstos de acordo com a Constituição.

Depressão e violência interferem na expectativa de vida


ANS muda regras sobre cesarianas
N uma cruzada para estimular o parto
normal, em janeiro deste ano, a
de saúde e por médico. Também serão
obrigadas a fornecer o Cartão da Gestante
(10/7), a pesquisadora Silvana Granado,
uma das coordenadoras do estudo Nascer
S e desde 1990 o brasileiro está vivendo
mais, também é verdade que a expec-
tativa de vida saudável cresceu de uma
causa número 1 na redução da qualidade
de vida entre os homens.
À Agência Brasil (26/8), o professor
risco, como a pressão alta, que podem
ser controlados”, reforçou.
Vale ressaltar que a discrepância
Agência Nacional de Saúde Suplementar e a Carta de Informação à Gestante, na no Brasil — maior levantamento sobre maneira mais lenta no país nas últimas Jefferson Fernandes, diretor-geral da entre a expectativa de vida total e a de
(ANS) baixou a resolução 368, para coi- qual deverá constar o registro de todo o parto e nascimento já realizado no país décadas. A constatação é de uma pes- Escola Superior de Educação e Ciências da vida saudável não se deu apenas no Brasil.
bir o uso indiscriminado das cesarianas pré-natal, e exigir que os obstetras utili- — disse que todas essas questões que quisa conduzida pelo Institute for Health Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Trata-se de um fenômeno observado em
por mulheres seguradas pelos planos de zem o partograma, documento gráfico emergem da nova resolução são muito Metrics and Evaluation, da Universidade e um dos autores do estudo, lembrou que todo o mundo, como atestam os resul-
saúde. De acordo com essa normativa, os onde é registrado tudo o que acontece delicadas. Mas ela considera a decisão da de Washington, e divulgada na última o país passou por uma transição no tipo de tados da pesquisa. Segundo o estudo, a
prestadores de serviços médicos privados durante o trabalho de parto. Ao Estado ANS acertada “pois é direito da mulher a semana de agosto pela revista científica doenças no período analisado. Segundo expectativa de vida global, para ambos os
têm que seguir um protocolo para fazer de S.Paulo (6/7), o assessor da ANS, João escolha pelo tipo de parto”. britânica The Lancet. O estudo revela que, ele, em 1990, o grupo mais importante sexos, aumentou 6,2 anos (indo de 65,3
as cirurgias. A resolução passou a vigorar Luís Barroca, negou que tenha havido Silvana disse ainda que as mudanças no Brasil, entre 1990 e 2013, a expectativa era formado por doenças infecciosas e, anos em 1990 para 71,5 anos em 2013),
em 6/7, mas a ANS voltou atrás em um qualquer recuo. “Houve uma interpreta- propostas na resolução devem vir acompa- de vida aumentou 6,1 anos para homens atualmente, reúne doenças crônicas e enquanto a de vida saudável cresceu
item e decidiu que as operadoras de ção equivocada de que as cesáreas eletivas nhadas de muita informação. “As mulheres e 5,4 anos para mulheres. Mas quando se situações de violência física. Entre as dez 5,4 anos (de 56,9 para 62,3). O jornal
planos de saúde continuarão cobrindo não seriam cobertas pelos planos”, disse. precisam saber dos riscos de uma cirurgia observa a expectativa de vida saudável, o principais causas de incapacitação de O Globo (26/8) ressaltou alguns dados
as cesáreas eletivas — aquelas feitas por “A exigência do partograma e do relató- desnecessária e as consequências que uma ganho é menor: 4,9 anos para homens e ambos sexos no Brasil em 2013, o estudo animadores da pesquisa sobre a saúde
decisão da grávida e do obstetra, não por rio médico é porque hoje não há nada, cirurgia pré-agendada pode trazer para o 4,4 anos para mulheres. aponta o infarto no miocárdio, dor lombar no Brasil, informando que melhorias na
indicação clínica. O que muda agora é que nenhum documento. Não se sabe como bebê. Uma mudança radical, assim, de De acordo com a revista, a expecta- e no pescoço, agressão e acidente vascular saúde pública, no acompanhamento
as gestantes terão de assinar um termo de um parto vira cesárea ou se é decisão da uma hora para outra, talvez não resolva tiva de vida saudável leva em consideração cerebral; lesões de trânsito, depressão, médico de gestantes e crianças e no sa-
consentimento sobre os riscos da cirurgia mulher. O importante é o retorno do parto o problema”, advertiu. Ao jornal El País não apenas a mortalidade, mas também o diabetes; ansiedade, doença pulmonar e neamento básico, por exemplo, tiraram
que só poderão ser marcadas se a gesta- a níveis aceitáveis”. (15/7), Silvana complementou: “A gente impacto de condições não fatais, e resume perda da visão ou audição. as complicações decorrentes de partos
ção completar 39 semanas, para reduzir A medida ainda será detalhada em não é contra as cesáreas. Elas salvam os anos vividos com algum tipo de incapaci- O pesquisador disse ainda que as in- prematuros, as doenças diarreicas, as
os casos de bebês prematuros. instrução normativa. O Brasil é campeão vidas de mulheres e bebês. Elas só não dade e os anos perdidos em razão de morte formações da pesquisa devem servir para anomalias congênitas e as encefalopatias
Com a entrada em vigor da resolução de cesarianas. Hoje, 84,6% das mulheres podem ser banalizadas como ocorre no prematura. Foram analisadas 306 doenças apoiar questões de saúde pública, orien- neonatais da lista de principais fatores de
normativa, as operadoras de planos de atendidas por planos têm filhos por cesá- Brasil”. Para a pesquisadora da Fiocruz, o e lesões em 188 países. No Brasil, distúrbios tando sobre a distribuição de recursos e incapacitação para ambos os sexos. Em
saúde, sempre que solicitadas, deverão di- rea. Na rede pública, a proporção cai para mais importante dessas regras é que elas como depressão e ansiedade são as causas desenvolvimento de ações estratégicas. 1990, essas doenças ocupavam, respec-
vulgar os percentuais de cirurgias cesáreas 40%. No site da Escola Nacional de Saúde ajudam a promover a discussão e trazem mais relevantes para a perda de saúde entre “As doenças do coração, por exemplo, tivamente, a primeira, a terceira, a nona
e de partos normais por estabelecimento Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) informações para mulheres. as mulheres. A violência responde como podem ser prevenidas. Há fatores de e a décima posições.

[ 6 ] RADIS 157 • OUT/ 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [ 7 ]


TOQUES DA REDAÇÃO

Senado aprova indenizações ESF e tuberculose


para ruralistas na Rocinha A dor invisível
S e depender do Senado, os proprie-
tários de terras que passaram a ser
Terras Indígenas e alongar, indefinida-
mente, a espera dos índios pela garantia N a reportagem intitulada “Tuberculose
na Rocinha expõe o Brasil que esta-
E m dezembro de 1990, a 14ª edição
da Dados, publicação do programa
Radis, chamava atenção para os crescentes
consideradas reservas indígenas após 5 de seu direito à terra — já que os proprie- cionou no século XIX”, o jornal online problemas decorrentes do crescimento
de outubro de 2013 deverão ser inde- tários teriam o direito de ficar na terra até Brasil Post (12/09) mostra casos con- desordenado e desigual das zonas urbanas
nizados. É isso o que diz a Proposta de receberem suas indenizações. cretos de pessoas e famílias acometidas brasileiras. Na capa, reproduzimos a ima-
Emenda à Constituição (PEC) 71, aprovada A aprovação pelo Senado foi co- pela doença na favela que reúne 100 mil gem do corpo de uma criança anônima,
unanimemente, em segundo turno, pelo memorada pela bancada ruralista. No moradores na Zona Sul do Rio de Janeiro atropelada no Centro do Rio, estendido por
Plenário da casa em 8/9. A proposta é um entanto, um dia depois de aprovada a e é normalmente apontada como um dos longo tempo no asfalto — cena a ilustrar
dos pontos da chamada Agenda Brasil proposta, o ministro da Justiça, José principais focos da doença no país: a taxa a violência na vida e na morte de quem
— conjunto de medidas encaminhadas Eduardo Cardoso, fez críticas ao texto, de incidência registrada na comunidade vivia em nove cidades do país. Na época,
pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) como informa o site do Greenpeace Brasil é de 372 casos por 100 mil habitantes, a fotografia de Carlos Mesquita provocou
ao Palácio do Planalto, em agosto, para (11/9). “Conversei com o relator da PEC 11 vezes mais alta que a média nacional. reações diversas entre os que produziram
assegurar base parlamentar ao governo 71, o senador Maggi, ontem mesmo. Os especialistas ouvidos na reportagem e leram o material. 25 anos depois, uma
(Radis 156). Agora, a PEC será analisada Falei que precisavam mudar o texto, mas apontam no entanto, que o mesmo perfil outra fotografia, de uma outra criança,
pela Câmara dos Deputados. foi aprovado mesmo assim. Eu não acho econômico, social e urbano se reproduz produzida em um contexto completamen-
O texto final, elaborado pelo relator que seja a solução, pois vai haver ainda em outras comunidades carentes da te diferente, trouxe o mesmo incômodo à
Blairo Maggi (PR-MT), destina compensa- mais judicialização”, ponderou o Ministro. cidade e em demais áreas e grupos de cena. A imagem do menino Alyan Kurdi,
ção apenas aos títulos de terra obtidos de De acordo com a Agência Brasil pessoas vulneráveis — favelas, presídios refugiado sírio, encontrado morto no
“boa fé” e diz que as indenizações deverão (8/9), inicialmente, a PEC estabelecia que superlotados, população indígena, mora- litoral da Turquia, causou desconforto,

CARLOS MESQUITA
ser correspondentes ao valor da terra nua teriam direito à indenização os donos dores de rua, entre outros. gerou comoção e foi amplamente com-
e de acordo com as benfeitorias úteis e de títulos de domínio que os indicassem Embora alta, a taxa de incidência na partilhada nas redes sociais. Em tempos
necessárias realizadas na área. Prevê ainda como proprietários de áreas declaradas Rocinha vem sendo reduzida (455 casos de militância virtual e de visibilidade como
que o pagamento seja feito antes de o tradicionalmente indígenas e que tives- por 100 mil habitantes em 2001). A taxa sinônimo de solidariedade — algo que
produtor rural deixar a terra, em dinheiro sem sido regularmente expedidos pelo de cura passou de 66,1% em 2001 para não se imaginava em 1990 — repercutir
ou por meio de títulos da dívida agrária, Poder Público até 5 de outubro de 1988. 81,2% em 2013, enquanto que o índice uma imagem, hoje, é sinônimo de “abra-
caso seja de interesse do proprietário da Como o Poder Público não demarcou de abandono do tratamento diminuiu de çar a causa”, indignar-se com a situação. ou não, repercutem, ganham manchetes
terra. Maggi acredita que a aprovação todas as terras indígenas no prazo má- 18,2% para 11,6%. São mais de 300 novos Alguns jornais chegaram a defender que a dos jornais e “likes” nas redes sociais; en-
da PEC trará “paz ao campo” porque vai ximo de cinco anos após a promulgação, casos por ano e um índice de mortalidade foto de Alyan teria “potencial para ser um quanto isso, as mortes cotidianas nas zonas
ressarcir os produtores que tratam a terra como previa a Constituição, o relator da de 4%. A matéria credita os avanços no divisor de águas na política europeia para urbanas permanecem longe dos holofotes,
como uma empresa e, portanto, poderão matéria considerou justo que sejam inde- tratamento à ampliação da cobertura do os imigrantes”. O curioso, ao comparar as como a de Cristian Andrade, 13 anos,
produzir em qualquer lugar, como decla- nizados todos os que adquiriram a terra SUS na região, especialmente com a ex- duas situações, vai além da percepção dos morto na comunidade de Manguinhos,
rou o relator à Agência Brasil (8/9). de “boa-fé”. Para o relator, o prazo de 25 pansão da Estratégia de Saúde da Família diferentes contextos históricos, políticos e também no Rio, durante uma operação
Ainda às vésperas da aprovação da anos foi suficiente para a homologação (ESF), e aponta dificuldades na prevenção sociais de cada uma delas. É pensar sobre o policial. A dor real que acontece ao lado
matéria pelo Senado, reportagem veicu- de todas as terras indígenas, e o gover- da doença, ligada aos determinantes que se elege como visível — em detrimento não sensibiliza; a imagem daquela que
lada no site do Instituto Ambiental (2/9) no deverá indenizar aquelas que foram sociais. “A tuberculose está longe de ser daquilo que se torna invisível. As mortes vem de longe, por outro lado, se publica,
alertava que, se aprovada, a PEC 71 pode demarcadas a partir de 5 de outubro de eliminada porque se trata, principalmente, distantes (no tempo, no espaço), anônimas se compartilha e se solidariza.
alimentar uma indústria de indenizações, 2013, independentemente de quando de um problema social, histórico e urba-
paralisar os processos de demarcação de havia sido adquirida. no”. A reportagem expõe as condições
urbanas e de habitação como principal
entrave na eliminação da doença. Destaca Sem direito de ir e vir
Radis Adverte que “o tratamento é acessível e a cura é
possível. O problema é a prevenção: ela
se dissemina mais facilmente em áreas de
grandes aglomerações de pessoas e de
E stá cada vez mais difícil para quem
vive longe dos cartões postais do Rio
de Janeiro exercer seu direito de ir e vir.
após um fim de semana marcado por
assaltos, um grupo de justiceiros atacou
um ônibus da linha 474 que voltava da
situação sob outro ângulo: “Gangues
da Zona Sul cercam ônibus na saída da
praia” (21/9).
FOTO: CAROLINA NIEMEYER

alta concentração de pobreza, onde os Além da reconhecida precariedade dos praia. Aos pontapés e socos, o grupo Nas redes sociais, a repercussão foi
ambientes são fechados, sem entrada de transportes públicos na capital carioca, de supostos moradores de Copacabana imediata. Houve quem reproduzisse de-
luz solar ou circulação de ar.” outras estratégias estão impedindo que quebrou vidros e intimidou passageiros, clarações de teor fascista e de precon-
Outro desafio que a reportagem moradores de áreas pobres cheguem que tentavam fugir das agressões pe- ceito explícito, tão desumanas quanto
aponta para que o aumento da cobertura aos bairros nobres, situados na zona las saídas de emergência. Na ocasião, as cenas de violência do fim de semana.
sanitária seja efetivo, tanto na Rocinha sul da cidade. Em agosto, operações ninguém foi preso. O Globo (21/9), Mas também vieram à tona, dentro e
como no resto da cidade, é a falta de da Polícia Militar retiraram mais de 150 embora tenha estampado a foto da fora das redes, reações solidárias, re-
recursos humanos: “Não há profissionais adolescentes de ônibus que se dirigiam agressão na capa, noticiou o episódio latos e testemunhos de quem defende
suficientes no SUS, e a prefeitura vem à orla, segundo a Defensoria Pública do apenas como “reação violenta” de mo- uma mobilização cidadã, entendendo
terceirizando os serviços através de con- Rio, que considerou a ação policial uma radores, minimizando o ato criminoso que a cidade é para todos – como nas
tratos com Organizações Sociais, como a forma de segregação; em setembro, dos agressores. A matéria destacou a projeções em audiovisual que ocuparam
Ato contra a morte de
Cristian Andrade em
ONG Viva Rio, para agilizar a ampliação da outra medida restritiva foi adotada, declaração do secretário de segurança espaços públicos do Rio como forma de
operação policial em cobertura médica. “Esse tipo de contrato desta vez pela prefeitura da cidade, que José Maria Beltrame, que creditou a expressão política. “Por uma praia sem
Manguinhos (RJ) aumenta a rotatividade e não permite que decidiu extinguir 28 linhas de ônibus e onda de violência à proibição da Polícia catracas”, exibia o coletivo Projetação,
um profissional da saúde permaneça no encurtou o trajeto de 21 outras – grande Militar, pela Defensoria Pública, de agir nos Arcos da Lapa. A menos de um
território durante muito tempo — algo parte delas elos de ligação das zonas preventivamente, impedindo a detenção ano das Olimpíadas, a cidade que vai
VIOLÊNCIA POLICIAL FAZ MAL À SAÚDE essencial para o programa de Saúde da
Família”, critica a publicação.
periféricas com as praias da Zona Sul.
A situação se agravou quando,
de jovens considerados suspeitos. Em
outra direção, o jornal Extra noticiou a
sediar os jogos revela-se em toda a sua
contradição.

[ 8 ] RADIS 157 • OUT/ 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [ 9 ]


FOTO: CAROLINA NIEMEYER
MUJICA NO BRASIL

Em visita ao Rio, homens imprescindíveis, há causas imprescindíveis”, afir-


mou Mujica, em um convite à modéstia. “Não mudamos a
anfiteatro da Uerj. “É um dos poucos políticos honestos.
Gostaria de ouvi-lo falar de redução da maioridade penal,
ex-presidente uruguaio realidade fazendo comentários, sentados em um café, mas
trabalhando como gotas d´água ao longo dos anos, com
do feminismo e de tudo que a gente apoia”, opinou Eduarda
Costa, de 20 anos, estudante de Artes Visuais na universida-
defende novos valores método, com fé, com disciplina”, disse o atual senador, de
79 anos, 14 deles passados na prisão em seu país, por ter
de. Antes de sua chegada ao palco onde discursaria, o clima
era de euforia, com palavras de ordem contra a redução da
para a vida e a política participado do combate à ditadura uruguaia. Muijca só saiu maioridade penal, pela legalização do consumo de drogas e
da cadeia em 1985, com a volta da democracia. pelos direitos das mulheres. No entanto, quando Dom Pepe
Cercado por dezenas de jornalistas ao final do evento começou a falar, a multidão de jovens, em silêncio, escutava
Elisa Batalha que o homenageou, Mujica declarou que “a prisão por si só suas palavras pronunciadas pausadamente em espanhol. Em

“N
não resolve nada”, ao ser questionado sobre a proposta de grupo, era possível assistir a colegas sentados próximos que
ão há nada mais pedagógico do redução da maioridade penal no Brasil. “Não creio que esse se ajudavam na compreensão do idioma. Em seu tom ameno
que o exemplo”. A frase, proferida caminho ajude. [Com a redução], o que temos a oferecer a de voz, Mujica evocou lembranças “de tantos estudantes
pelo economista Carlos Lessa, esses jovens é uma realidade muito pior. As cadeias se tor- que foram ficando pelo caminho na América Latina” e
durante o evento em homenagem naram universidades do delito. O cárcere não ajuda a superar enfatizou a defesa da qualidade de vida e da solidariedade
a José "Pepe" Mujica, explicava bem a comoção deficiências, e sim as multiplica, pelo menos na América como valores superiores ao trabalho capitalista. E propôs à
em torno da visita do senador e ex-presidente do Latina”, disse. Nos dois discursos que proferiu durante a visita juventude um desafio: “Se o mercado vai decidir os rumos de
Uruguai ao Brasil. Mas o senhor grisalho que go- — um, na Câmara de Comércio; outro, na universidade — o vocês ou vocês mesmos vão decidir seus rumos, só depende
vernou o país vizinho entre 2010 e março de 2015 tom era de crítica ao consumismo e de resgate da ética na de vocês. A liberdade não se vende. A liberdade se ganha
e se destacou pelo despojamento na vida pessoal, política. “Melhor ser feliz e não ser desenvolvido. É preciso fazendo algo pelos demais. Isso se chama solidariedade.
ignorou a pompa reservada às grandes autoridades ter tempo para viver. Isso se chama liberdade. Tempo para o Sem solidariedade não há civilização”. O uruguaio reforçou
e optou por falar sobre simplicidade. “A política se que gostamos e não só para obrigações. Não é uma apologia seu apelo por outros valores. “Se o que buscas é dinheiro,
tornou ferramenta para a riqueza. O político tem da pobreza e da miséria. É a necessidade de ter tempo livre não te metas na política”, declarou ele, quase responden-
que viver como a maioria e não como uma mino- para as relações humanas. Porque precisamos delas”. do aos anseios da professora e da estudante ouvidas pela
ria privilegiada”, disse o uruguaio ao receber, na Para ele, não só a ética, mas o sonho e a utopia devem Radis. As declarações sobre a política de legalização de
manhã de 27 de agosto, o prêmio Personalidade ser resgatados. “Hoje sabemos que se não mudamos o drogas ressaltaram a violência gerada pela clandestinidade,
Sur 2015 na Federação de Câmaras de Comércio e pensamento, não mudamos nada. Para a realidade mudar, comparada pelo ex-presidente à Lei Seca norteamericana,
Indústria da América do Sul (Federasur), no Centro temos que mudar a nós mesmos”, defendeu, aconselhando no início do século 20. “A criminalização do consumo e o
do Rio de Janeiro. Mais tarde, "Don Pepe", como os jovens a não tomarem a “mamadeira do capitalismo”. comércio ilegal prejudicam a recuperação de dependentes.
é carinhosamente chamado no Uruguai, foi ova- Mujica criticou a “loucura do consumismo”, que estimula Mas a droga em si é uma desgraça”, disse ele.
cionado por cerca de cinco mil jovens que lotaram as pessoas a trocar de carro a cada dois anos, ou de celular O ex-presidente respondeu a diferentes perguntas for-
o anfiteatro da Universidade do Estado do Rio de a cada três meses. “Isso é felicidade? Pagar contas e mais muladas previamente por escrito pelo público e selecionadas
Janeiro (Uerj). Não sem antes provar feijoada e contas, sem tempo sequer de dar um beijo em seus filhos? O pelos organizadores do evento na Universidade. À pergunta
rabada brasileiras em um botequim muito simples individualismo é uma enfermidade. A ferramenta que temos sobre quais seriam os ídolos e livros que o influenciaram,
próximo à universidade. para isso é a política”, enfatizou. Muijica respondeu apenas que “a vida é um livro aberto”,
Grande parte da sua fama no Brasil se deve Sobre a integração na América Latina, o senador disse mas citou Dom Quixote, o cavaleiro andante de Miguel de
justamente à vida sem ostentação. Enquanto foi que é importante que os países “se juntem por socorro”, Cervantes que continua sendo um símbolo da prosaica e
presidente, Mujica recebia 12.500 dólares mensais, e reafirmou que é possível encontrar soluções próprias. necessária busca por utopias. Sobre a crise de representati-
e doava 90% de seu salário. Continuou morando em “Temos que copiar a ciência e a tecnologia [dos países vidade política no mundo, declarou: “O problema não são
uma pequena fazenda nos arredores de Montevidéu desenvolvidos], mas não os valores. Podemos formar uma os presidentes, o problema é toda a corte”, momento em
e dirigia um Fusca modelo 1978. O ex-presidente civilização distinta”. que a plateia o aplaudiu sob gritos de “Fora Cunha” e “Não
ajudou a tornar também o Uruguai um dos países vai ter golpe”.
de legislação mais avançada em relação às drogas e Apesar de ter avisado antecipadamente que não co-
José Pepe Mujica recebeu ANTICONSUMISMO E LIBERDADE
o prêmio Personalidade Sur
apoiou a legalização do aborto. “Não poderia haver mentaria sobre a situação política do Brasil, Mujica repudiou
2015 e encontrou estudantes pessoa mais representativa do que ele para receber Em tempos de mídias sociais, os posts mostrando toda e qualquer ideia sobre golpista: “Tenho que ser claro:
universitários em recente essa premiação, disse Williams Gonçalves, diretor Mujica à frente da multidão naquela noite comprovam a aventura com uniformes militares? Por favor! Golpe de esta-
visita ao Rio de Janeiro da Federasur e professor de Relações Internacionais força de um ícone. “Ele representa o sonho da integridade, do? Por favor. Esse filme já vimos muitas vezes na América
da Uerj. O encontro com os jovens naquela mesma da coerência e da liberdade”, disse à Radis a professora Latina e não pode acontecer de novo. A democracia não é
noite foi iniciativa do próprio ex-presidente. “Não Márcia Guerra, do Instituto Federal de Educação, Ciência perfeita porque não somos perfeitos. Temos que defender
há homens grandes, há grandes causas. Não há e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), na arquibancada do a democracia para melhorá-la, não para sepultá-la”.

RADIS 157 • OUT / 2015 [11]


O legado de Mujica
para a saúde
Com políticas progressistas para aborto e
drogas, país se destaca na América Latina Grafite em Montevideu mostra
apoio dos jovens às políticas sociais
implementadas no país

Bruno Dominguez e Laís Jannuzzi serviços de saúde.

N
A ditadura militar uruguaia (1973-1985) foi
ão só discurso: ação. Enquanto foi pre- um dos principais agentes na redução de inves-
sidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica timento e assistência na saúde pública do país.
apoiou mudanças legislativas que impac- Com a redemocratização, as décadas de 80 e 90
taram diretamente a saúde. A primeira apresentavam políticas de saúde fragmentadas entre
lei que despertou atenção internacional foi a os três tipos de serviços privados que caracterizam as
descriminalização do aborto, em 2012, tornando o IAMC e o frágil sistema público através do Ministério
Uruguai o segundo país da América Latina a permitir de Saúde Pública (MSP). A crise econômica de
a prática — depois de Cuba. 2002 agravou a situação dos serviços em saúde
O texto descriminalizou a interrupção da e despertou a mobilização de diversos segmentos
gravidez durante as primeiras 12 semanas de da sociedade como partidos políticos, associações
gestação, desde que a mulher manifeste o desejo profissionais e sindicatos dos trabalhadores da saúde,
de abortar para uma equipe de pelo menos três academia e comunidades organizadas. O resultado
profissionais. Ela deve estar ciente dos riscos, das começou a aparecer em 2005, com a chegada da
alternativas e dos programas de apoio à maternida- coalizão de esquerda Frente Ampla ao poder e a
de e à adoção. A candidata ao aborto ainda deve implementação de uma reforma no setor.
aguardar cinco dias para confirmar que opta por O seguro privado voluntário (SPV) foi descarta-
interromper a gravidez. Em casos de grave risco do e dois modelos complementares foram adotados:
para a saúde da mulher, de má-formação do feto Serviço Nacional de Saúde (SNSS) e Serviços Sociais
incompatível com a vida fora do útero e de estupro, de Saúde (SSS). A partir dessa dinâmica, e com ar-
o processo é dispensado e o prazo se estende para recadações provenientes tanto da seguridade social
14 semanas de gestação. quanto dos impostos, acrescidas de mecanismos

FOTO: ADRIANO DE LAVOR


Antes de a lei ser promulgada, cerca de 33 mil como o Fonasa e a Junta Nacional de Saúde, o
procedimentos do gênero eram realizados no país MSP se fortaleceu como autoridade sanitarista nas
anualmente. No primeiro ano da aplicação, houve esferas política e econômica. Entretanto, acordos
registro de 6.676 abortos legais e seguros. Segundo entre Estado e organizações privadas ainda são
a ex-diretora de Saúde Sexual e Reprodutiva do importantes para otimizar o acesso ao atendimento
Ministério de Saúde Pública do Uruguai, Letícia populacional. Um exemplo dessa nova forma de
Rieppi, a surpresa esteve no aumento das desis- relacionamento se dá em um dos itens da regulari-
tências em realizar o procedimento, contabilizado zação das IAMCs: toda instituição privada só pode
em 30%. Ela afirmou que os índices comprovam a membros e um máximo de 45, com número propor- Apesar de o Uruguai não estabelecer o oferecer uma cobertura parcial do acesso à saúde no
eficácia da lei em promover a reflexão sobre o tema, cional de pés de maconha). O processo de licitação direito à saúde em sua Constituição, as ba- percentual máximo de 10% de toda a sua clientela.
e não a promoção do mesmo. para as empresas obterem a licença para a plantação ses jurídicas criadas a partir da nova política Atualmente, com a estrutura política e eco-
O país também se colocou na vanguarda e distribuição de maconha a farmácias está em curso. sanitarista reconhecem a sua importância e por nômica mais firme, o desafio para o país está no
quando legalizou a maconha em todas as etapas, Nessas farmácias, os uruguaios maiores de 18 anos isso o Estado assume a responsabilidade de processo de descentralização da saúde. A migração
permitindo a produção, a venda e o consumo da poderão comprar até 40 gramas por mês, a preço proporcionar esse tipo de assistência à população. de recursos humanos, polos de infraestrutura e
substância — fato inédito. A Holanda permite a tabelado, próximo de 1 dólar por grama. O Sistema Nacional Integrado de Saúde (SNIS) pesquisas para o interior se fazem cada vez mais
venda e o uso; Portugal permite o uso; mas nenhum foi planejado e implementado para estabelecer urgentes. Em paralelo às necessidades do campo,
país havia enfrentado ainda o nó da produção (Radis intersetorialidade entre os novos serviços oferecidos as regiões metropolitanas precisam de maiores
SISTEMA DE SAÚDE
155). Em 2014, toda a cadeia da maconha foi estati- e os preexistentes. Dessa maneira a saúde uruguaia investimentos em infraestrutura. Em 2015, tanto o
zada. O Estado assumiu o controle das atividades de Sob a liderança de Mujica, o Uruguai ainda apresenta um caráter mutualista entre os setores Sindicato dos Médicos do Uruguai (SMU) quanto a
importação, produção, aquisição, armazenamento, aprovou o matrimônio igualitário e a adoção de públicos e privados, tendo como aspectos centrais Federação de Funcionários da Saúde Pública (FFSP)
comercialização e distribuição de maconha ou de crianças por casais homossexuais, em 2013. Foram o ASSE (Gestor Assistencial Público) e as institui- promoveram paralisações do atendimento para
seus derivados. Já vigoram a permissão para auto- modificados cerca de 20 artigos do Código Civil, ções de assistência médica coletiva (IAMC). Essa reivindicar melhorias nos contratos profissionais e
cultivo pessoal (plantio de até seis pés de maconha) definindo “o matrimônio como uma união perma- nova forma na administração sanitária permitiu aumento salarial de acordo com a inflação para os
e para clubes de cultura (com um mínimo de 15 nente entre duas pessoas de sexo igual ou distinto”. um aumento significativo na acessibilidade dos próximos cinco anos.

[12] RADIS 157 • OUT/ 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [13]
PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE

AMEAÇA DE PESO
Risco para a saúde de adultos e o futuro Arthur Chioro se disse preocupado com padrão alimentar das crianças que já se reflete
o grande número de brasileiros com excesso na população adulta. E ele precisa ser rever-
de crianças, obesidade é um dos principais de peso — já que este é um fator que eleva tido”, alertou. Segundo a pesquisa, biscoitos,
os riscos de doenças cardíacas e diabetes — e bolachas ou bolos fazem parte da alimentação
problemas revelados pelo levantamento que informou que os resultados da PNS compro- de 60,8% das crianças com menos de dois
vam, de forma objetiva, que a obesidade e o anos de idade no Brasil, percentual que é maior
avaliou a situação de 60 mil brasileiros sedentarismo são problemas sérios e devem nas regiões Centro-Oeste (65,3%), Sudeste
ser enfrentados pela sociedade brasileira. Ele (64,3%) e Sul (60,4%). Além disso, 32,3%
destacou a perigosa relação existente entre das crianças nessa faixa etária consumiam
Liseane Morosini excesso de peso e aumento da pressão arterial, refrigerante ou suco artificial. De acordo com
demonstrada por aferições realizadas em mais Chioro, a situação da infância é um aviso para

O
de seis mil unidades de pronto atendimento o futuro: “Se nós não tivermos efetividade nas
s brasileiros precisam ficar de olhos bem abertos ao subirem em uma balança. De acordo em todo o país. Os números mostraram, por políticas de prevenção e promoção de saúde,
com os dados do terceiro volume da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), coletados em meio de medidas antropométricas, que 37,7% vamos enfrentar um cenário de sobrepeso
2013 e divulgados em agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da população têm cintura aumentada (maior e de obesidade, que trarão uma carga de
a obesidade é uma das principais ameaças à saúde da população. O levantamento, feito que 88 centímetros para mulheres e 102 cen- doenças”. O então ministro lembrou que, em
em parceria com a Fiocruz, sob coordenação da pesquisadora do Laboratório de Informação em tímetros para os homens). Mais uma vez as 2012, 74% dos óbitos no Brasil ocorreram
Saúde (Lis/Icict) Celia Landmann, irá orientar a tomada de decisões dos gestores em todo o país e mulheres apresentam índices superiores aos por doenças não transmissíveis. Segundo ele,
também alertar às pessoas a adotarem hábitos mais saudáveis, explicou o então ministro da Saúde dos homens pesquisados (52,1% delas contra caso a tendência ao sobrepeso seja mantida,
Arthur Chioro. “A pesquisa orienta não só o SUS, mas também a sociedade brasileira a adotar 21,8% dos homens). Como a pesquisa aponta a população brasileira vai envelhecer sem
alimentação segura e saudável e a prática de atividades físicas diárias, em todas as faixas etárias, uma tendência de crescimento conforme a qualidade de vida. “O desafio que nós teremos
como uma forma de enfrentar esse perfil”, declarou, durante o lançamento da pesquisa, na sede idade aumenta, o problema é ainda maior para as próximas gerações é fazer com que
do IBGE, no Rio de Janeiro. para as mulheres que estão na faixa entre 55 essas crianças cresçam de maneira saudável”,
O levantamento, que está em sua primeira edição, visitou 81.767 casas em todos os estados e 64 anos, cujo índice de gordura abdominal reforçou.
brasileiros no segundo semestre de 2013. Desta amostra, 62.986 responderam ao questionário supera 70% — entre os homens da mesma Diante dos dados, Chioro orientou sobre
proposto pelo IBGE. Todos os entrevistados tiveram peso, altura, circunferência da cintura e pres- faixa etária, os números caem pela metade. A a necessidade de mudança de hábitos. Em sua
são arterial medidos, e 25% deles forneceram amostras de sangue e urina. O primeiro volume de pressão alta, também relacionada ao sobrepe- visão, o problema do excesso de peso está
dados foi divulgado em dezembro de 2014 e o segundo em junho de 2015. Neste terceiro volume, so, foi detectada em 22,3% dos entrevistados mais ligado ao modo de vida do que à oferta
os dados indicam que em 2013 a obesidade acometia um em cada cinco brasileiros de 18 anos ou no momento da pesquisa, sendo 19,5% entre de medicamentos ou serviços do SUS. Para ele,
mais, correspondendo a 20,8% da população. O número é maior entre as mulheres em relação mulheres e 25,3% entre os homens. a receita certa para perder peso é investir em
aos homens: 24,4% contra 16,8%. A pesquisa revela que o excesso de peso é um problema que Arthur Chioro chamou também a aten- alimentação saudável e segura, e praticar 30
atinge 82 milhões de pessoas, o que representa mais da metade da população (56,9%). De novo, ção para as informações sobre alimentação minutos de atividade física, em cinco dias na
as mulheres estão à frente dos homens, com 58,2% contra 55,6%. infantil. “Vemos que há uma substituição do semana. “Falo em práticas corporais: andar,

[14] RADIS 157 • OUT/ 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [15]
levar o cachorro para passear, subir e descer
escada, caminhar, correr, dançar. Cada um vai
arranjar a sua vida do jeito que puder. Mas é im-
portante combinar o que é ingerido com os gastos
da atividade física. E isso vale para todas as faixas
etárias”, orientou.
mas por falta de informação sobre a necessidade
de fazê-los”, comentou Célia. A PNS apontou que
mulheres brancas (66,2%) e com ensino superior
completo (80,9%) foram as que mais se submete-
ram ao exame, enquanto mulheres pretas (54,2%),
pardas (52,9%) e com ensino fundamental incom-
pleto ou sem instrução (50,9%) não tiveram acesso
DE
54,7
CESARIANAS
%
É preciso reagir com indignação”, disse. Segundo
ele, não se trata de criminalizar a cesariana, o
médico ou a mulher, já que em alguns casos a
cirurgia é necessária. A questão é compreender
que uma cesárea mal indicada traz 120 vezes
mais possibilidades de prematuridade da criança,
aumenta em 24% o risco de mortalidade neonatal
RECOMENDAÇÃO DA OMS:

22
ao procedimento. As estatísticas revelam também e em três vezes o risco de mortalidade materna.

15%
a desigualdade entre as regiões: menos mulheres “O que se tem é um exagero. É uma marcação
fizeram mamografias no Norte (38,7%) e Nordeste inaceitável com antecedência, a fim de atender a
(47,9%), enquanto as maiores taxas estiveram no outros interesses que não são os da natureza ou
Centro-Oeste (55,6%), no Sul (64,5%) e no Sudeste das intercorrências obstétricas que necessitariam
(67,9%). Para Célia, as desigualdades serão supera- da cesariana”, acrescentou. Os dados mostram
das paulatinamente, já que os dados se referem a ainda que 97,4% das mulheres que pariram no
várias gerações de mulheres, e as mais velhas têm período da pesquisa fizeram acompanhamento
MILHÕES DE PESSOAS COM menor escolaridade. “Essa distância vai diminuir pré-natal; 84% delas começaram o pré-natal no

EXCESSO DE PESO
com o envelhecimento da população feminina. Há nível de instrução ou com menor renda, não têm as primeiro trimestre; 58% contaram com a presença
uma década, éramos mais desiguais e aos poucos mesmas condições que as outras. Temos que olhar de acompanhante durante o trabalho de parto SAIBA MAIS
vamos conseguindo superar essas desigualdades”, para quem mais precisa sem deixar de cuidar de vaginal ocorrido em estabelecimento de saúde, Pesquisa Nacional de
considerou. cada um dos brasileiros”. De acordo com Chioro o 97,9% tiveram o último parto realizado em hospital Saúde
Em relação à desigualdade na realização investimento em campanhas, atividades educativas ou maternidade e 87,4% tiveram médicos como
• Volume 1 – Estilo de vida,
das mamografias, Chioro disse ser fundamental e de busca ativa dessas mulheres é imprescindível responsáveis pelo parto.
IDOSOS E MULHERES percepção do estado de
cumprir o princípio da equidade. “A pesquisa não para que se reverta a situação. “Assim vamos trazer saúde e doenças crônicas.
O terceiro volume da PNS 2013 também trouxe mostra apenas que nós temos um padrão Norte/ para o SUS as pessoas que resistem em participar http://goo.gl/qbZio8
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
dados sobre a saúde dos idosos, da mulher e das Nordeste desigual às demais regiões do país. Ela das atividades de promoção e prevenção à saúde”,
• Volume 2 – Acesso e
pessoas com deficiência. Segundo os dados, na mostra que mulheres pretas e idosas, com menor avaliou. A pesquisa avaliou quatro tipos de deficiên-
utilização dos serviços
população com 60 anos ou mais (13,2% dos brasi- cias: auditiva, visual, física e intelectual. Os dados de saúde, acidentes e
leiros), 6,8% das pessoas sofrem com limitações para informam que 6,2% da população brasileira violências.
PARTO E NASCIMENTO

30
fazer suas atividades cotidianas. Entre essas, 84% têm algum tipo de deficiência. Destas, aproxi- http://goo.gl/PKY8l9
precisam de ajuda para concluir essas atividades e, Outro aspecto abordado pela PNS foi a madamente 2,6 milhões de pessoas (1,3% da • Volume 2 – Ciclos de vida
dos que precisam de ajuda, 17,8% têm cuidadores situação dos partos realizados no país. Os dados população) possuem deficiência física, enquanto – Brasil e Grandes Regiões
remunerados, enquanto 78,8% recebem cuidados informam que mais da metade (53,5 %) deles são 1,6 milhão de brasileiros (0,8%) vivem com defi- http://goo.gl/jWCYrN
de familiares. Nessa faixa etária, 24,4% das pessoas cesarianas, índice superior aos 15% recomendados ciência intelectual. Dentre os tipos de deficiência
declaram participar de atividades sociais organizadas. pela Organização Mundial da Saúde. No SUS, o pesquisados, a visual é a mais representativa,
Essas informações são importantes porque avaliam agendamento do parto cesáreo corresponde a que corresponde a 3,6% dos brasileiros, sendo
os graus de autonomia e independência dos idosos 35,8% do total, enquanto no setor privado o mais comum entre as pessoas com mais de 60
no Brasil. “Os dados de funcionalidade em idosos MILHÕES DE PESSOAS COM percentual mais que dobra (74,1%). “O Brasil vive anos (11,5%). Em 2013, 16% da população com
estão consistentes com a literatura. Como a nossa
população está envelhecendo cada vez mais, a gente OBESIDADE uma epidemia de cesariana”, comentou Chioro. “É
inadmissível que tenhamos essa proporção. Não
deficiência visual apresentou grau intenso ou
muito intenso de limitações ou não conseguia
tem uma maior proporção de incapacidades”, avaliou podemos aceitar como natural aquilo que não é. realizar as atividades habituais.
Célia Landmann, ao apresentar os dados.
Em relação à saúde da mulher, a PNS revelou
FOTO: GILBERTO SANTA ROSA

informações animadoras sobre o exame preventi-

22,3
vo do câncer de colo uterino e demais infecções
(Papanicolau): 79,4% das brasileiras entre 25 a 64
anos de idade realizaram o exame nos últimos três
anos anteriores à pesquisa. Entre aquelas que não
fizeram, 45,6% declararam não achar necessário,
20,7% disseram nunca ter sido orientadas para
isso e 9,7% declararam ter vergonha de fazê-lo.
Sudeste (81,1%), Sul (83%) e Centro-Oeste (80,9%)
%
apresentaram os maiores percentuais no número TIVERAM ELEVAÇÃO DA
de mulheres que se submeteram ao procedimento,
enquanto Norte (75,5%) e Nordeste (75,1%) situa- PRESSÃO ARTERIAL
ram-se abaixo da média nacional, que é de 60% .
No entanto, os números não são positivos
quando se referem à quantidade de mamografias
(exame que detecta tumores de mama) realizadas.
A PNS indicou que o número de procedimentos
está abaixo da média mundial, que é de 70%. No
Brasil, 60% das mulheres de 50 a 69 anos de idade
realizaram exame de mamografia nos últimos dois
anos anteriores à pesquisa. “Já estamos pratica-
mente atingindo a meta de consultas e exames
ginecológicos. Muitas mulheres deixam de fazer
os exames não por indisponibilidade de serviços,

[16] RADIS 157 • OUT/ 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [17]
DIABETES

Luiz Felipe Stevanim


O diabetes mellitus é uma doença crônica

E
que afeta os níveis de glicose no sangue, uma
nrique, Gustavo e André têm algo em das principais fontes de energia para o corpo. O
comum: os três garotos adoram jogar primeiro termo indica a perda de líquido através
bola. Falante e esperto, Enrique, de 8 da urina, já o segundo vem de "mel" e lembra a
anos, também luta jiu-jitsu. Já André, de presença de açúcar no organismo. O pâncreas
13, quer alisar o cabelo como o jogador Neymar, não fabrica insulina, hormônio responsável por
mas ainda precisa convencer o pai. Para Gustavo, controlar a glicose, ou as células não utilizam essa
de 11, uma das maiores diversões depois que sai substância adequadamente. Com o desequilíbrio,
da escola é jogar videogame. Os três meninos pode acontecer tanto a elevação (hiperglicemia)
tiveram que adaptar suas rotinas e as de suas quanto a queda (hipoglicemia). Entre os primeiros
famílias a novos hábitos de vida, como alimen- sinais mais comuns, estão aumento da urina, da
tação regrada, consultas frequentes no SUS e fome e da sede e perda de peso. Os estágios mais
acompanhamento constante da glicose, depois graves podem levar a infecções na pele e nas unhas,
de receberem o mesmo diagnóstico de diabetes fraqueza muscular, feridas nas pernas e pés (que
mellitus. demoram a se cicatrizar), problemas de visão, nos
Assim como eles, cerca de 9 milhões de rins e na circulação.
brasileiros com mais de 18 anos já descobriram Existem dois tipos da doença, que determinam
a doença, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde as formas de tratamento. O diabetes de Enrique
(PNS) de 2013, mas esse número pode ser ainda é de tipo 1, quando pouca ou nenhuma insulina
maior, porque 46% das pessoas com diabetes é liberada para o corpo. Aparece geralmente na
não sabem que têm, como aponta o Atlas 2014 infância ou na adolescência, devido a uma alteração
sobre a enfermidade, publicado pela Federação genética, e corresponde a cerca de 10% dos casos.
Internacional do Diabetes (IDF, da sigla em inglês). “Todo paciente com tipo 1 precisa utilizar insulina
Esse desconhecimento faz com que a doença para sobreviver”, explica a médica endocrinologista
possa ser considerada uma epidemia silenciosa, Lenita Zajdenverg, chefe do Serviço de Nutrologia
que ainda desafia as estratégias de saúde coletiva. e Diabetes da Universidade Federal do Rio de
Em todo o mundo, são 387 milhões de pes- Janeiro (UFRJ).
soas vivendo com diabetes, número que equivale Já o caso de Solange Ferman, que coordena
à população da América do Sul, e a expectativa atividades educativas com crianças e adolescentes
é que sejam 592 milhões em 2035, segundo o que possuem a doença, foi um pouco diferente. Ela
mesmo atlas. O crescimento dos casos tem sido desenvolveu o segundo tipo durante a gravidez, há
maior em países de média e baixa renda, que já 30 anos. O diabetes de tipo 2 abrange os outros
concentram 80% da população com a doença 90% dos casos e é mais comum a partir dos 40 anos,
— evidência de que as condições de vida podem porém pode ocorrer em qualquer idade. É quando
aumentar os fatores de risco. o corpo não utiliza adequadamente a insulina que
Estimular o diagnóstico, enfrentar as infor- produz. O tratamento pode acontecer pelo uso de
mações erradas e os mitos em torno da doença medicação oral, como comprimidos, mas ao longo
e garantir o acesso a medicamentos e materiais dos anos o paciente pode precisar de insulina. Entre
essenciais para o controle da glicose, como as os fatores de risco, estão sobrepeso e obesidade,
tiras de monitoramento glicêmico, são alguns dos falta de exercícios físicos, hipertensão e colesterol
desafios para o Sistema Único de Saúde, segundo alto, além de histórico familiar.
relataram para a Radis especialistas, pacientes e Os especialistas explicam que o consumo de
familiares. Já para quem convive com a doença alimentos ricos em açúcar e gordura não leva ao
em seu dia a dia, a principal lição é aprender a aparecimento da doença, mas aumenta os fatores
equilibrar os limites de seu próprio corpo. de risco, no caso do diabetes tipo 2. Quem vive com
diabetes, precisa aprender a controlar diarimanete
os hábitos alimentares, para que o nível de açúcar
MUDANÇA DE ROTINA
no sangue não caia ou suba muito.
Foi um susto para a mãe de Enrique, Talita
Gil Tierno, quando a criança de apenas um ano de
PREVALÊNCIA CRESCE
vida ficou internada durante um mês. O menino
estava próximo do que os médicos chamam de Entre a população brasileira com mais de 18
“coma glicêmico”, causado por um nível muito anos, 6,2% declararam possuir diagnóstico de dia-
grande de alteração da glicose no sangue. Depois betes (9,1 milhões de pessoas), como revelou a PNS
do diagnóstico do diabetes, a mãe passou a definir 2013. O número é maior entre as mulheres (7%) do
sua rotina como uma “luta diária”. Com o tempo, que entre os homens (5,4%). O grupo etário mais
Talita se acostumou a acordar durante a noite para afetado são os mais idosos, com a presença de 19,9%
medir a glicemia do filho. Atualmente a criança faz entre as pessoas de 65 a 74 anos de idade. Mas esse
acompanhamento médico no Hospital Federal da dado não abrange todos os casos, porque trata-se
Lagoa, no Rio de Janeiro, e participa de atividades Diabetes mellitus é uma epidemia silenciosa que do chamado diabetes autorreferido (ou declarado
educativas em uma associação voltada para pes- por pessoas adultas).
soas que têm a doença. “Tento deixá-lo o máximo exige mudanças nos hábitos de vida e desafia o sistema Para a médica da Universidade Federal do Rio
possível bem para que ele possa crescer saudável”, Grande do Sul (UFRGS), Maria Inês Schmidt, que
conta a mãe. de saúde a garantir acesso a medicamentos e cuidados pesquisa o tema, a prevalência de diabetes continua

[18] RADIS 157 • OUT / 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [19]
COMPLICAÇÕES E RISCOS
crescendo e provavelmente seguirá essa tendência na para diabetes, em 2014, pela Farmácia Popular, de Entre as complicações que podem ocorrer
próxima década. “Os desafios persistem em controlar acordo com o Ministério da Saúde. Os doentes têm Quando controlado, é possível viver bem se não houver acompanhamento, está o parto
a epidemia de diabetes e fortalecer um modelo de acesso gratuito às insulinas humana NPH (suspen- com o diabetes. Mas sem adotar as recomenda- prematuro. “Mulheres que engravidam com ex-
cuidado para pacientes com condições crônicas”, são injetável 1 e insulina humana regular), além de ções para cuidar da doença, aumentam os riscos cesso de peso e tem predisposição para o diabe-
analisa a pesquisadora. Uma das características das outros três medicamentos que ajudam no controle das complicações, explica o médico Augusto tes, como histórico familiar, têm mais chances de
doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) é que da glicose (glibenclamida, metformida e glicazida). Pimazoni-Netto, que coordena o Grupo de desenvolver a doença”, explica Lenita. Também
o aumento da sobrevida dos pacientes e do diag- Como informou o órgão à Radis, a responsabilida- Educação e Controle do Diabetes do Hospital há o risco de má formação do feto, se a glicose
nóstico leva ao crescimento do número de casos de de aquisição desses remédios é do Ministério do Rim da Universidade Federal de São Paulo estiver alta nos primeiros meses de gravidez, o
registrados. “Na medida que os serviços de saúde da Saúde, que repassa às secretarias estaduais e (Unifesp). Entre as mais frequentes, estão os que é chamado de diabetes pré-gestacional. Por
estão disponíveis para a população, mais casos vão essas, por sua vez, encaminham aos municípios. Já problemas de vista, nos rins e na circulação. “A isso, a médica destaca a importância do plane-
ser diagnosticados”, explica Maria Inês. Segundo a aquisição do glicosímetro (aparelho para medir a manutenção de um bom controle da doença é jamento antes de engravidar.
ela, o envelhecimento populacional e a obesidade glicose) e das tiras de monitoramento da glicemia o recurso fundamental para prevenir ou retardar Não há dados recentes sobre a prevalên-
são fatores que aumentam a incidência (número de capilar cabe aos estados, Distrito Federal e muni- sua evolução de modo significativo”, pondera. cia desse tipo de diabetes, mas a Sociedade
casos novos). Já a prevalência é calculada a partir dos cípios. Radis ouviu de pesquisadores e usuários Sem controle, é maior também o risco de Brasileira de Diabetes (SBD) estima que ocorra
casos novos e antigos e indica a predominância de do SUS que o acesso a essas tiras é problemático. mortes por doenças cardiovasculares. Em 2013, entre 2% e 4% das gestações. Após o nascimen-
uma doença em determinada região. A advogada da Associação Diabetes e Juventude foram 57.322 mortes por complicações do dia- to, a mulher pode retornar a seu nível normal de
(ADJ), Ione Taiar Fucs, relata a existência de queixas betes no Brasil — no mundo, foram 4,9 milhões glicose, mas existe maior chance de desenvolver
constantes sobre a falta desse material. “Isso é mui- em 2014. Entre as pessoas que possuem o dia- a doença no futuro, alerta a pesquisadora. Esse
DIFERENÇAS SOCIAIS
to grave, pois quem tem diabetes tipo 1 necessita betes há mais de 10 anos, 36,6% declararam ter quadro pode ser evitado se a gestante fizer o
O crescimento do número de casos ao redor efetuar o controle de sua glicemia várias vezes ao algum problema na vista, segundo a PNS 2013. acompanhamento da glicose: “É possível ter
do mundo tem preocupado os governos em fun- dia para saber como está sua taxa de açúcar no Em seguida, aparecem problemas circulatórios uma gravidez com bom desfecho, mesmo com
ção do custo crescente para os sistemas de saúde, sangue”, considera. (15,5%) e nos rins (13,3%). Embora em menor o diabetes”, pondera a pesquisadora.
aponta Maria Inês. De acordo com o Atlas 2014, Também a médica Lenita avalia que existe frequência, essas complicações também podem
a doença representa 11% do gasto total com a uma desigualdade nacional na distribuição desse acontecer em quem possui a doença há menos
DESCOBRIR E COMPREENDER
saúde de adultos no mundo, no montante de 612 insumo, pois em alguns lugares funciona bem, en- tempo. Por isso, o médico alerta para a necessi-
bilhões de dólares. A prevalência é maior entre quanto em outros falta. “O acesso às fitas reagentes dade de realização de exames — nos pés e nos Moradora da favela do Pavão e Pavãozinho,
os países de média e baixa renda, que abrangem é muito irregular e desigual e existem variações olhos — com regularidade, para evitar situações no Rio, Mayra Cristina Hipolito conta que não
80% dos casos, incluindo o Brasil — o quarto regionais”, analisa. A mãe de André, Maria do como a perda da visão e dificuldades na circula- foi fácil descobrir a doença. Os primeiros sinais
em números absolutos. As diferenças sociais nos Socorro Vital, moradora de Rio das Pedras, no Rio ção, como o chamado “pé diabético”, que pode apareceram no início de 2014, quando ela ema-
números da doença mostram que as condições de de Janeiro, conhece essa realidade de perto, pois levar a casos graves que exigem amputação. greceu muito. Atendida por um clínico geral em
vida impactam nos fatores de risco. “Desde que o ela consegue metade do número de fitas que o filho O acesso a esses exames, dois serviços con- uma unidade de saúde, o diabetes não foi perce-
aumento da obesidade foi percebido em pessoas precisa todo o mês no Hospital da Lagoa, onde ele siderados essenciais para a prevenção de com- bido. Sem orientação no primeiro momento, ela
de baixa renda e menor escolaridade, também faz tratamento. Já o restante, ela economiza do plicações, ainda é um desafio para o SUS, alerta continuou se alimentando de forma errada, até
houve o aumento do diabetes nessa população”, orçamento familiar para comprar. Maria Inês. Somente 35,6% das pessoas com passar pela consulta do endocrinologista. Para
explica a pesquisadora. Ela avalia que as condições diabetes fizeram exames de vista nos últimos 12 Augusto Pimazoni-Netto, a primeira barreira a
de estresse crônico também atrapalham o controle meses, como mostra a PNS 2013. A situação é ser superada é a aceitação. “Infelizmente, um
DIABETES NO SUS
da doença, entre elas as dificuldades enfrentadas pior nos estados do Norte e Nordeste — apenas percentual elevado de pessoas com diabetes não
no dia a dia e a necessidade de viver o presente O principal local de atendimento para quem 16% em Rondônia e 18,3% no Rio Grande do consegue aceitar a doença e este é um fator que
sem pensar no futuro. tem diabetes são as unidades básicas de saúde Norte. Quanto ao exame dos pés, apenas 29,1% dificulta a adesão do paciente às recomendações
Para a médica Lenita, a maior prevalência do SUS, que respondem por 47,1% do cuidado das pessoas com diabetes passaram por esse cui- da equipe de saúde”, considera. Segundo ele, o
nessa população se deve à chamada transição desses pacientes, como mostrou a PNS de 2013. dado no último ano. Segundo a PNS 2013, 2,4% diabetes tem um certo impacto sobre o dia a dia
nutricional. Segundo ela, as pessoas que vivem nas Em seguida, aparecem os consultórios e clínicas dos pacientes há mais de 10 anos tiveram que das pessoas que vivem com ele, mas esse não é
grandes metrópoles, principalmente nos países de particulares (29,9%) e os ambulatórios dos hospi- amputar algum membro. O próprio Ministério um “obstáculo intransponível”.
renda mais baixa, vivenciam um novo tipo de des- tais públicos (9,7%). Três em cada quatro pessoas da Saúde reconhece a gravidade do problema e
nutrição. “Não é que elas não tenham acesso aos com a doença obtiveram atendimento médico nos informou à Radis ter formado um grupo de tra-
alimentos, mas sim que a dieta é inadequada, com últimos 12 meses, também mostrou a pesquisa. balho para construir instruções específicas sobre

46%
excesso de gordura e consequente ganho de peso”, Um dado positivo foi a queda de 6% no número o cuidado com os pés. O documento está em
esclarece. Geralmente alimentos mais calóricos são de internações pela doença no SUS, que passaram fase de elaboração e deve ser disponibilizado aos
mais baratos. "A ausência de prevenção da obesida- de 148,4 mil, em 2010, para 139,4 mil, em 2014, profissionais de saúde, somando-se ao “Caderno
de, somada à falta de atividade física e à ingestão segundo o Ministério da Saúde. Já 95,3% das pes- de Atenção Básica — Diabetes mellitus”.
de alimentos ricos em calorias, estão relacionados soas com diagnóstico declararam ter conseguido

dos casos s
ao aumento do diabetes entre os mais pobres e os fazer os exames complementares, quando pedidos,
NA GRAVIDEZ
menos escolarizados", aponta Lenita. de acordo com a PNS 2013. Mas ainda é baixo
em
o acesso a exames de visão e dos pés, duas das
principais e mais temidas complicações da doença.
Além dos dois tipos de diabetes, existe uma
terceira forma que ocorre durante a gravidez e diagnóstico
DIREITO AO CUIDADO
Maria Inês Schmidt analisa que o atendi- pode trazer riscos para a mãe e o bebê. É quando

57mil
O paciente com diabetes tem o direito de mento do diabetes e outras doenças crônicas na o corpo da mãe se adapta à presença do feto
receber gratuitamente medicamentos e materiais atenção básica é um fato recente, que ocorreu para aumentar a retenção de nutrientes, mas
para monitorar a glicemia capilar. É o que diz a de 2000 para cá. Mas os desafios persistem em desenvolve um quadro de resistência à insulina,
lei que regula o atendimento dessas pessoas no detectar as complicações crônicas e garantir acesso explica a pesquisadora Lenita Zajdenverg, que
Sistema Único de Saúde (lei 11.347, de 2006). O às tecnologias que auxiliam no cuidado. O direito também coordena o Programa de Diabetes e
SUS também garante o diagnóstico e o tratamento à medicação é a garantia da vida. “Quem tem Gravidez da Maternidade Escola da UFRJ. Como
da doença, nas unidades de saúde, incluindo o diabetes, depende da insulina para viver. Mas não a glicose atravessa a placenta, ela passa para o mortes por
recebimento da medicação, o acompanhamento é apenas oferecer insulina que funciona, pois os bebê, que fica “superalimentado”, com excesso
de seu uso e a avaliação dos resultados. Cerca de serviços de saúde precisam dar todo o cuidado de açúcar e pode ter ganho de peso excessivo, complicações
5,4 milhões de brasileiros obtiveram medicação preventivo”, pondera. com riscos na hora do parto.
no Brasil
[20] RADIS 157 • OUT/ 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [21]
Educação e participação complementam as orientações aos pacientes.
A participação e a conscientização, enfatiza,
começam dentro de casa. Pais e outros familiares

para viver bem


de crianças e adolescentes com diabetes devem
evitar superproteção ou discriminar os próprios
filhos, para que eles cresçam com autonomia e
como cidadãos plenos. “Esses jovens precisam ter
contato com outras pessoas com diabetes, para

M ayra Hipolito nunca poderia imaginar que


uma doença pudesse ajudar a construir laços
de amizade. Mas foi pelo diagnóstico de diabetes
APOIO EM GRUPO

Essa também é uma bandeira defendida pelo


ver que não são os únicos no mundo a ter que li-
dar com os cuidados diários da doença”, comenta.
Essa mudança de pensamento também
partilhado com outras crianças e adolescentes médico Augusto Pimazoni-Netto, integrante da envolve o abandono da palavra “diabético” por
que ela iniciou uma vivência de ajuda mútua, com Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). De acor- outras expressões que mostrem que é possível
troca de informações, experiências e apoio. Ela do com ele, a ideia segundo a qual o tratamento viver bem com essa doença. “É importante

FOTO:LUIZ FELIPE STEVANIM


conta como o grupo de amigos com diabetes que medicamentoso seria a única opção para controlar chamar a atenção para que as expressões ou
fazem parte do aplicativo de celular WhatsApp a a doença já está totalmente superada. Para tomar termos utilizados não reforcem a segregação
ajudaram na noite em que ela teve um quadro de as decisões certas sobre o próprio corpo, é preciso ou contribuam para legitimar a discriminação e
hipoglicemia (queda na glicose) e quase perdeu a informação. Entre as iniciativas que auxiliam nesse os preconceitos que envolvem as pessoas com
consciência. “Se eu sei como ajudar, não vou ficar trabalho, estão os grupos de educação e controle deficiência ou dificuldade”, aponta a jornalista
de braços cruzados”, afirma. do diabetes. da ADJ, Vanessa Pirolo.
Agora com 19 anos e estudante do Ensino O grupo que o pesquisador coordena no
Gustavo e Enrique aprendem
Médio, a moradora do Pavão e Pavãozinho, comuni- Hospital do Rim, ligado à Universidade Federal de o Plano de Enfrentamento das Doenças Crônicas
DESAFIOS PARA O CUIDADO sobre o uso correto dos
dade da Zona Sul do Rio de Janeiro participa do gru- São Paulo (Unifesp), existe há 8 anos e já atendeu Não-Transmissíveis (DCNTs), lançado para o alimentos no grupo de
po que reúne cerca de 40 crianças e adolescentes cerca de mil pacientes. Com a colaboração vo- No exercício com a educadora sobre os tipos período de 2011 a 2022, está a necessidade de educação e controle do
com diabetes, além de familiares. A iniciativa nasceu luntária de profissionais de diversas áreas, como de alimentos, quando perguntado sobre proteína amenizar os fatores de risco dessas enfermidades. diabetes com crianças da
do projeto coordenado pela educadora Solange médicos, nutricionistas, enfermeiros, psicólogos e animal, Enrique respondeu de pronto: periquito Para Maria Inês Schmidt, é preciso diminuir as Adila
Ferman com pacientes nessa faixa etária que fre- educadores físicos, a equipe busca orientar cada e cachorro. Segundo Talita, mãe do menino de iniquidades em saúde para aumentar a sobrevida
quentam a Associação de Pessoas com Diabetes paciente em sua vivência. “A educação é o remédio 8 anos, ele às vezes questiona porque precisa dos pacientes.
da Lagoa (Adila), no Rio. A instituição promove mais eficaz para o controle do diabetes”, conclui. seguir todas essas regras, mas geralmente enca- O dado alarmante da Federação
atividades educativas com pessoas que possuem a ra o diabetes com o jeito divertido da idade. O Internacional do Diabetes (IDF) é que uma a
doença e se tratam no SUS, como palestras, grupos “calouro” do grupo de crianças que frequentam cada duas pessoas com a doença não sabe que
LUTA PELOS DIREITOS
de orientação e reuniões com nutricionista. as atividades da Adila é Gustavo, de 11, morador tem. Conhecer o diagnóstico ainda é a primeira
Para a educadora, as atividades em grupo Viver com diabetes também exige que as da Zona Ozeste do Rio de Janeiro, que desco- barreira para enfrentar esta epidemia. “Por isso
permitem que as pessoas com a doença percebam pessoas possam reivindicar seus direitos, defende briu a doença há dois meses, depois que a mãe recomendamos que todo indivíduo adulto faça
que não estão sozinhas. “O problema do outro a advogada da Associação Diabetes e Juventude observou os primeiros sinais, como boca seca e uma medida de glicose, mesmo não tendo sinto-
ajuda a entender as necessidades de si mesmo, (ADJ), Ione Taiar Fucs. Para ela, as pessoas com excesso de fome. Hoje ele pega dois ônibus para mas, porque é uma doença de alta prevalência”,
principalmente para crianças e adolescentes, que diabetes e outras doenças crônicas devem ter re- fazer o acompanhamento no hospital. indica Lenita Zajdenverg. Segundo ela, mudanças
se sentem parte de um grupo de iguais”, explica. presentantes nos conselhos municipais, estaduais As pessoas que vivem com o diabetes, no estilo de vida, como dieta adequada e exercí-
Segundo ela, o quarto pilar para tratar o diabetes e Nacional de Saúde. “Essas pessoas precisam se como Enrique, Mayra, Gustavo, Solange e André, cio físico, melhoram muito o quadro da doença e
— além de medicação, alimentação e exercício — é conscientizar que devem pleitear seus direitos em precisam ter garantido um modelo de assistência permitem que a pessoa possa viver bem, mesmo
a educação, pois essa é uma doença que exige a grupo”, defende. Também ajuda a participação que integre a atenção básica aos cuidados espe- que tenha que fazer algumas alterações em seus
adaptação a novos hábitos de vida. em grupos de educação ou associações, que cializados. Entre os desafios que se colocam para hábitos. (LFS)

ENTREVISTA Reni Barsaglini

Para além das escolhas individuais seu seguimento literal contrarie os valores
cruciais. No caso da alimentação, afeta a
reduzindo sua identidade que na verdade
é multifacetada. De forma semelhante,
pública. Compreensões e intervenções
individualizantes ofuscam os determinan-

C onciliar as regras das prescrições sem


abrir mão da felicidade: esse é o de-
safio com o qual a pessoa com diabetes
Como as pessoas que têm diabetes
lidam com a doença?
As pessoas têm informações mais
sociabilidade, com duas possibilidades: os
sujeitos “transgridem” as prescrições em
situações especiais, como almoços de fim
o termo “portador” tem sido criticado,
uma vez que em se tratando de condição
crônica dá a impressão da possibilidade de
tes sociais que aumentam as estatísticas
do diabetes. Se a ação se coloca num
plano coletivo, ela passa pela noção de
precisa lidar diariamente. Porém, mais gerais sobre diabetes, que circulam por de semanas e comemorações, ou se isolam se desfazer de algo que se está portando empoderamento e emancipação, visan-
do que os dilemas individuais, a luta das diversos meios e experiências, como a para manter o rigor das prescrições, mas provisoriamente, como uma carteira, o do influenciar o destino e reivindicar a
pessoas com a doença é por reconhecê- mídia e familiares. Além disso, a questão isolar-se para evitar recusas a alimentos. que não é o caso, pois a vida da pessoa é efetivação de direitos. Também a relação
-la como um problema de saúde pública. médica é apenas uma das demandas co- com aquela condição, faz parte da pessoa adoecido-profissional deve ser de ajuda
Assim aponta Reni Barsaglini, pesquisa- tidianas e há um esforço em conciliá-las. Por que o termo “diabético” não deve e a acompanha em todos os lugares. mútua ao invés de uma relação em mão
dora do Instituto de Medicina Social da Diabetes, geralmente, remete a interdi- mais ser empregado? única, que pressupõe passividade do
Universidade Federal do Mato Grosso ções. O desafio é em que medida conciliar Um estado de saúde ou patologia não Como os direitos das pessoas com adoecido para aceitar e seguir recomen-
(UFMT), autora do livro “As representa- as “regras” de tal maneira que não com- definem uma “pessoa”. Então, “diabético”, diabetes são encarados no SUS? dações impositivas, sendo mais oportuno
FOTO: ABRASCO

ções sociais e a experiência com o dia- prometam a saúde e a qualidade de vida. “aidético”, “hemofílico”, “epilético”, “de- A militância em torno de determi- auxiliá-lo neste processo que é contínuo
betes: um enfoque socioantropológico” É comum serem propostas prescrições ficiente” entre outros, chama a atenção nadas enfermidades é a luta pelo reco- na construção de uma nova (e sempre
(Editora Fiocruz). inviáveis ao dia a dia da pessoa ou que para um aspecto, um detalhe da pessoa nhecimento como problema de saúde provisória) norma de vida. 

[22] RADIS 157 • OUT/ 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [23]
SUSTENTABILIDADE

Na noite de inauguração da
FOTO: EDUARDO DI NAPOLI

sede do Observatório, em
Paraty, Vagner Nascimento, o
Vaguinho, apresenta o projeto
que integra as lutas de caiçaras,
quilombolas e indígenas da
região

S ab e r e s cruzados Ana Cláudia Peres Batizado de “espaço tecnopolítico”, justamente por gerar é possível encontrar numa sala a coordenação indígena discutindo

A
tecnologias inovadoras sem perder de vista a luta pela constru- cultura, enquanto na outra, a coordenação quilombola debate
casa da cor do Sol está sempre com as portas e as ção de identidades, o Observatório já existe há cinco anos, mas um projeto de educação diferenciada, e no andar de baixo, os
Do diálogo entre o janelas abertas. É ali, numa ruazinha pacata do bairro só agora inaugurou a sua estação-sede. Para Vaguinho, como caiçaras argumentam sobre o turismo de base comunitária. Ou
Caboré, em Paraty, no estado do Rio, que funciona é conhecido Vagner Nascimento, o local vem se tornando uma ainda, esbarrar com representantes do Fórum conversando com
conhecimento científico e a sede do Observatório de Territórios Sustentáveis e referência para o debate e o desenvolvimento de soluções estraté- técnicos do Observatório sobre agroecologia, enquanto um outro
Saudáveis da Bocaina (OTSS). Inaugurado oficialmente em julho gicas para o território. “Estamos localizados em uma região onde grupo aponta formas de financiamento e lista parcerias para um
o saber popular, surgiu um de 2015, o local abriga encontros e reuniões que atravessam a o capital atua com força”, diz ele. “A possibilidade de construir projeto de saneamento ecológico que será desenvolvido junta-
madrugada a procura de soluções estratégicas e alternativas para uma agenda comum entre movimentos sociais, comunidades e mente com a comunidade.
projeto que vem ajudando a região, onde vivem e resistem, hoje, cerca de 50 comunidades academia, que possa fazer frente a esse modelo hegemônico,
caiçaras, indígenas e quilombolas. “A ideia é que a casa seja um tem sido estimulante e desafiadora”.
a promover a saúde nas local de diálogo e de produção de tecnologias sociais que con- Na casa, quase não existem paredes, como se lembrasse o ALÉM DA TÉCNICA
tribuam para a garantia dos direitos relacionados ao território, desafio central e o grande mérito do projeto: articular o diálogo
comunidades tradicionais à cultura, às atividades tradicionais e à qualidade de vida dessas constante entre o conhecimento científico e o conhecimento “Acredito que a única possibilidade de articular conheci-
comunidades”, explica Edmundo Gallo, sanitarista da Fiocruz, tradicional. Mas estão todos sob o mesmo teto que estampa, mento acadêmico e saber tradicional, de uma maneira prática,
da Serra da Bocaina que divide a coordenação geral do Observatório com Vagner de uma ponta a outra, o desenho de uma carta-imagem das é se existir um território de atuação”, diz Gallo, acrescentando
Nascimento, morador do Quilombo do Campinho e coordenador comunidades tradicionais da área de atuação do OTSS — que que é no território que se torna possível aproximar a produção
do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty vai do litoral sul do estado do Rio de Janeiro ao litoral norte do de conhecimento das necessidades da população. “A partir daí,
e Ubatuba (FCT). estado de São Paulo. Na rotina do Observatório, em um só turno, você consegue quebrar as barreiras hierárquicas que existem

[24] RADIS 157 • OUT/ 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [25]
Saneamento ecológico
um permacultor e um agente comunitário
envolvidos diretamente.
A ideia do OTSS é baseada na “ecologia
de saberes”, conceito cunhado pelo sociólo-

chega à praia
go português Boaventura de Sousa Santos
para se referir a articulação entre os saberes
acadêmicos e não-acadêmicos de modo a
transformar as formas de produção de conhe-
cimento. Para Boaventura, “o conhecimento
científico é importante, mas não basta”. O
que Observatório vem tentando fazer é en-
tender o território a partir das necessidades
dos sujeitos que nele habitam, em especial
A Praia do Sono é um pedaço de paraíso no planeta. Dizem
que tem esse nome porque lá, por conta das montanhas
do entorno de Paraty, o sol nasce tarde e vai embora mais
entregue aos moradores da Praia do Sono na manhã do dia 10
de julho. Para Gallo, a implantação de soluções convencionais
pode até, muitas vezes, ser mais rápida, mas só resolve uma
as comunidades tradicionais, para só então cedo. Ou seja, o tempo do sono é mais prolongado. Nessa parte do problema. “Porque se a comunidade não entende o
buscar as soluções que auxiliem no desenvol- pequena faixa de areia, com 1.365 metros de extensão, onde projeto, ela mesma não o mantém”, explica. “Por outro lado,
vimento da sustentabilidade e da saúde. De se chega de barco ou por uma trilha de 50 minutos a partir quando você constrói algo dentro da lógica sustentável, a
acordo com Gallo, que também é pesquisador da Vila do Oratório, vive uma comunidade caiçara — descen- relação é muito diferente. Você mobiliza e discute com a co-
da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio dente de índios, negros e colonizadores — em cerca de 90 munidade todas as implicações”.
Arouca (Ensp/Fiocruz), a ciência não deve casas coloridas. Azul, a Escola Municipal Martim de Sá foi a No caso do módulo de saneamento ecológico, todo
mais reproduzir a dominação, mas promover escolhida para receber o módulo de saneamento ecológico o trabalho foi realizado com construtores da própria Praia
a autonomia dos sujeitos. produzido pelo Observatório de Territórios Sustentáveis e do Sono, o que faz com que eles conheçam a aplicação e o
Saudáveis da Bocaina (OTSS) a partir dos saberes das comu- funcionamento da tecnologia para replicar em outras casas
nidades tradicionais. da região. “Na verdade, quando nós estamos fazendo uma
“CANTO DAS TRÊS RAÇAS”
“Construir algo de forma sustentável e participativa leva solução de saneamento básico ecológico, estamos discutindo
O OTSS é fruto de uma parceria en- tempo”, afirma Edmundo Gallo, coordenador do OTSS, contabi- turismo, agroecologia, educação diferenciada. Tudo isso são
tre o Fórum de Comunidades Tradicionais lizando cinco anos desde que foi definido o saneamento como mecanismos que a gente tem para pensar o uso do território”,
(FCT) — movimento social organizado que a prioridade número um do Observatório. “Nesse tempo, bus- acrescenta Gallo. A indicação da escola para receber o projeto
há uma década atua em defesa dos indíge- camos uma sustentabilidade financeira, política, de mobilização piloto também não foi à toa. A Escola Municipal Martim de Sá
nas, caiçaras e quilombolas — e a Fiocruz, e articulação com a comunidade e com outros parceiros, até fica no centro da comunidade e tem um papel simbólico forte,
com apoio da Fundação Nacional de Saúde chegar a esse resultado”, diz, referindo-se ao módulo que foi de mobilização junto às crianças.
(Funasa). Durante a inauguração da sede do
Observatório, Valcler Rangel, vice-presidente
de Ambiente, Atenção e Promoção à Saúde
da Fiocruz, fez questão de ressaltar a impor-
tância da parceria e dessa ação permanente,
ampliada e contínua na região da Bocaina.
“Ao valorizar a cidadania e desenvolver
ações para um modelo de desenvolvimento
cooperativo, justo e sustentável, nós estamos
A arte-educadora Laura Maria, do Quilombo do Campinho,
homenageia a diversidade com o "Canto das três raças" materializando o conceito de saúde amplia-
da”, disse. “Esse é o espaço da invenção, da
aventura e da democracia”.
Naquela noite, a apresentação da ar-
entre os conhecimentos”, afirmou Gallo à Radis, pouco antes teeducadora Laura Maria nem estava no roteiro, mas não poderia
da entrega do módulo de saneamento ecológico à comunidade ter sido mais adequada. Moradora do Quilombo do Campinho, ela
caiçara da Praia do Sono (ver matéria na página 27), uma das entoou o “Canto das três raças“, de Clara Nunes, oportunamente
primeiras ações concretas do OTSS. Desenvolvido pela equipe do escolhido para simbolizar a luta dos povos da região, sempre às
Observatório a partir do saber e do fazer tradicionais, o módulo foi voltas com ameaças de exclusão e vulnerabilidade, especulação
pensado para resolver um problema grave naquela comunidade: imobiliária, turismo predatório. Assistindo a tudo, seu Benedito,
o tratamento de esgoto. mestre caiçara da comunidade Picinguaba, parecia inteiramente
Para a construção do módulo, foram necessárias dezenas de à vontade. Ao falar sobre o Observatório, ele disse à Radis: “É
reuniões até que o grupo optasse pela solução da fossa séptica e sempre bom ter alguém que lute do lado da gente”.
da fossa verde, entre as alternativas de saneamento ecológico ofe- Para Laura, a casa — estação-sede do Observatório — re-
recidas. De acordo com Gustavo Machado, coordenador do projeto presenta as comunidades em muitos aspectos. “A luta cotidiana
no Observatório, esse sistema consiste na criação de fossas que não é árdua, ela é pesada. Mas quando a gente se junta, o peso da
permitem a contaminação do solo, diferente do que ocorre com os luta parece que se esvai. E é isso que estamos fazendo aqui,
sumidouros utilizados convencionalmente. “É importante criar um dividindo a luta”, diz. Arteeducadora desde os 20, aos 55 Laura
espaço de escuta. Não adianta fazer um projeto de saneamento é uma das representantes do Quilombo do Campinho no FCT
inovador no escritório e depois executar de forma impositiva à e no OTSS. “O povo tradicional é muito complexo, a gente é
comunidade. A ideia é ir além da técnica. É construir com eles”, agricultor, a gente é artesão, a gente é jongueiro, a gente borda,
afirma Gustavo. Pesquisador da Fiocruz, Gustavo hoje divide a a gente pinta, faz artesanato. A gente não sabe ser uma coisa
sua semana em três dias no Rio de Janeiro, três dias em Paraty e só”, brinca. “É muito bom descobrir que no campo da ciência
FOTOS: EDUARDO DI NAPOLI

A Praia do Sono, cenário


um na Praia do Sono. “É essa a intenção, circular pelo território”, existem pessoas que também pensam o ser humano e a saúde de
de implantação do primeiro
comenta. “A cada passo, a gente retorna pra comunidade, que forma mais ampla. Com essa parceria, a gente está conseguindo módulo de saneamento
valida o projeto, faz ajustes, participa diretamente”. Na equipe se organizar, se fortalecer, se empoderar cada vez mais na luta ecológico produzido pelo
de execução do módulo, havia três engenheiros, um arquiteto, pelo nosso território”. observatório

[26] RADIS 157 • OUT/ 2015


CONTROLE SOCIAL

De acordo com o coordenador de saneamento do OTSS,


Gustavo Machado, a ideia agora é monitorar o funcionamento
desse projeto experimental e estendê-lo a toda a Praia do Sono
e depois a outras comunidades costeiras. A partir de outubro,
previa-se a construção de novos módulos em quatro casas da
região. Desta vez, ao invés do tijolo utilizado no projeto original,
a tecnologia desenvolvida será à base de superadobe. “Você
pega a própria terra do território e agrega um pouco de cimento
para impermeabilizar. Isso vira parede”, vai explicando Gustavo.
“Assim, começamos a utilizar a matéria-prima do território. Isso
também significa fortalecer a comunidade”.

CARTAZES E POEMAS

No sábado, 10 de julho, a expectativa era imensa. Alunos da


escola e moradores da Praia do Sono encontraram-se na Escola
Municipal Martim de Sá para ver o projeto piloto do módulo de
saneamento ecológico entrar em funcionamento. Na parede, car-
tazes dos estudantes dos primeiros anos do ensino fundamental O MÓDULO DE SANEAMENTO ECOLÓGICO
contavam a história do equipamento tão bem quanto o protótipo construído na Escola Municpal Martim Sá, na Praia

ILUSTRAÇÃO: TIÊ PASSOS


montado sobre a mesa, em linguagem mais científica. “Primeira do Sono, é uma caixa de alvenaria selada/impermea-
etapa: cavaram um buraco fundo. Segunda etapa: botaram tijolos bilizada, onde ocorre a decomposição anaeróbia da
e embalsamaram. Terceria etapa: fileira de tijolos com cano por matéria orgânica, incorporando-a à sua biomassa e
onde passa a água suja”, ensinava um dos desenhos. eliminando a água por evapotranspiração.

FOTO: ARQUIVO RADIS


No palco improvisado, o presidente da Associação dos
Moradores da Praia do Sono, Jadson dos Santos, que participou Plenária da 8a Conferência
da construção do módulo, relembrava todo o processo. “Juntos, Nacional de Saúde, em
nós discutimos essa política e o saneamento adequado e viável de veraneio, heliporto e campos de golfe, que vem restringindo 1986: marco da participação
para essa comunidade a partir das nossas próprias cultura e a passagem dos moradores da Praia do Sono e impedindo o social na Saúde
tradição”, refletiu. Ao lado dele, a secretária executiva tanto do acesso à marina.
Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra, Paraty e Ubatuba Atualmente, a passagem pelo condomínio de luxo só pode
(FCT) quanto do Observatório, Marcela Cananéa, pontuou que ser feita com autorização e por meio de caminhonete modelo

Mobilização que
o saneamento básico é um direito. Kombi. Emocionada, Marcela leu os versos do caiçara Luis Perequê
Formada em Educação do Campo pela primeira turma da – “Trocamos trovas da roça por batuques e farofas / Ou silêncio
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Marcela pros burgueses / E assim começa outra história porque é o fim da
nasceu na Praia do Sono. Ela recordou o histórico de lutas da estrada / Não tem matas, não tem aves, não tem ervas, não tem
comunidade desde que Gibrail Núbile Tannus, o “grileiro da ca- nada / Tem uma cerca, um portão, um caiçara de farda / E uma
neta vermelha”, quis expulsar os caiçara de suas terras, até a mais placa, atenção: é proibido a entrada”. Ela destaca a importância

gera saúde
recente batalha, travada agora contra o Condomínio Laranjeiras, do Fórum e do Observatório para a valorização do modo de vida
uma “Ilha da Fantasia” instalada em território caiçara, com casas das comunidades tradicionais. (ACP)

FOTO: EDUARDO DI NAPOLI


Parte da equipe de pesquisadores do
observatório em frente ao módulo de
saneamento ecológico (esquema de
funcionamento no detalhe)
Conquista do SUS, participação social ainda enfrenta
desafios para tornar efetivas reivindicações da população
Luiz Felipe Stevanim secretário-executivo do Conselho Nacional de Saúde (CNS), João
Palma, o SUS foi construído pela luta dos movimentos populares,

A
ainda nos anos 1970. “A gente só vê o SUS porque ele tem parti-
menos de dois meses da 15ª Conferência Nacional de cipação social”, destaca. Para reivindicar a criação de postos de
Saúde, mais de 4.700 conferências municipais já foram saúde e a garantia de acesso, as primeiras mobilizações surgiram
realizadas, além de plenárias livres e populares por nas periferias das grandes cidades, como na zona leste de São
todo o Brasil. Com a proximidade deste momento em Paulo, e criaram os primeiros conselhos populares. “Dali nasceu
que mais pessoas debatem as políticas de saúde, que acontece o embrião do que viriam a ser os conselhos de saúde”, completa.
a cada quatro anos, é hora de fazer uma pergunta: Como anda Maria Valéria Correia, professora da Universidade Federal de
a participação social no SUS e quais os desafios para tornar Alagoas (Ufal) e autora do livro “Desafios para o controle social”
realidade as reivindicações expressas em conferências e outros (Editora Fiocruz), concorda que foi graças às lutas sociais do
espaços de controle social? Movimento da Reforma Sanitária que se conseguiu institucionali-
A história do Sistema Único de Saúde está ligada às zar o SUS e seus princípios. É preciso lembrar que essa mobilização
conquistas no campo da participação social. Como lembra o também foi marcada pelo combate à ditadura e pela recusa a

RADIS 157 • OUT / 2015 [29]


um modelo assistencial privatista da previdência serviço. Para João Palma, na história do SUS, a
social. “A participação social foi importante para a entrada dos trabalhadores e gestores também foi um espaço cartorial, preparado para que uma par- formulação, acompanhamento e avaliação das po-
construção do SUS e é decisiva no contexto atual uma conquista popular, pois os usuários cobravam ticipação controlada legitime as ações da gestão”, líticas públicas. Quem perde, portanto, é a própria
de ameaça à sua existência”, ressalta. Mas ela alerta que todos os lados estivessem representados. A lei enfatiza. Ela lembra que, na última Conferência democracia. Já Maria Valéria critica o que chama
para o fato de que esses espaços estão localizados também determina a realização de conferências de Nacional de Saúde, ocorrida em 2011, os partici- de “participação por decreto”, principalmente por
dentro do Estado, o que pode subordiná-los a ape- saúde a cada quatro anos para avaliar a situação do pantes aprovaram a rejeição à Empresa Brasileira de este ter sido editado menos de um ano após as ma-
nas atender às demandas dos gestores. setor e propor as diretrizes para os próximos anos. Serviços Hospitalares (Ebserh) e, poucos dias depois, nifestações de junho de 2013. “Pareceu uma forma
Atualmente são 42 Conselhos e Comissões ela foi criada pela lei 12.550/2011. de amortização dos conflitos, frente às demandas
Nacionais com participação social, em diferen- Outras “vozes” ignoradas na última confe- apresentadas nas ruas”, declara.
CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO
tes áreas de políticas públicas. De acordo com a rência reivindicavam o fim da Desvinculação das
Controle social e participação popular são Secretaria Geral da Presidência da República, que cui- Receitas da União (DRU), que retira dinheiro da
CAMINHADA PELO SUS
muitas vezes tratadas como a mesma coisa, mas na da da Política Nacional de Participação Social (PNPS), previdência social (Radis 150). Mesmo com a rejei-
realidade é possível apontar algumas diferenças. O estão marcadas 15 conferências nacionais entre 2015 ção dos participantes, a medida foi renovada. Ainda Na pauta da 15ª, tanto João Palma quanto
controle social no SUS abrange práticas de fiscali- e 2016, 12 delas já convocadas. Entre aquelas com assim, Maria Valéria considera que, em muitos mu- Maria Valéria apontam que devem estar as ameaças
zação e participação nas decisões relacionadas às datas definidas, estão a de Política Indigenista (17 a nicípios, têm ocorrido conferências de caráter popu- recentes ao SUS, vindas de projetos que favorecem
políticas de saúde, como esclarece o manual “O SUS 20 de novembro de 2015), de Direitos Humanos (28 lar e independente, com a mobilização de centenas os interesses privados em prejuízo da saúde pública.
de A a Z” (Ministério da Saúde). Quem exerce o e 29 de abril de 2016) e LGBT (25 a 27 de abril de de representantes de movimentos sociais, como Segundo João, é preciso resgatar o espírito presente
controle é a própria sociedade, por meio 2016). Ainda estão previstas, mas não convocadas, no caso de Belo Horizonte. “A importância desses na 8ª conferência e nas origens do SUS, por meio da
da representação de seus segmentos, as de esporte, turismo e segurança pública. espaços é o processo pedagógico e formativo que garantia de atenção de qualidade e que inove com
nos Conselhos e Conferências de podem desencadear, trazendo informações, temas práticas emancipadoras e humanizadas. Uma das
Saúde, mecanismos garantidos pela e debates que mobilizam os setores organizados na propostas a ser levada aos participantes é a criação
RUMO À 15ª
Lei 8.142/1990. sociedade civil”, explica. da Frente Popular em Defesa do SUS. Também está
Para o jurista Ayres Britto, que foi Segundo João Palma, o Conselho Nacional de De acordo com Maria Valéria, é preciso ter marcada uma caminhada na abertura da conferên-
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Saúde tem dois objetivos a concretizar na 15ª: am- atenção nas propostas em disputa, porque elas cia até o Congresso Nacional, como gesto simbólico
até 2012, o controle social é uma forma de pliar a participação popular e aumentar a potência são carregadas de interesses que podem fortalecer das lutas em defesa da saúde pública.
fiscalização de fora para dentro do Estado, pois “a em termos de resultado. Para alcançar o primeiro o sistema público ou desmontá-lo em favor do
população tem satisfações a tomar daqueles que intento, o conselho instituiu um mecanismo para mercado. Ela também considera que a participação
formalmente se obrigam a velar por tudo que é de garantir que 40% dos delegados não dependam não pode se circunscrever aos espaços instituciona-
todos”. Já Maria Valéria Correia aponta, em seu do número de habitantes do estado, o que daria lizados. Por isso, a pesquisadora cita a necessidade
livro sobre o tema, que essa prática existe porque mais representação a regiões menos populosas de fóruns alternativos, formados pelos movimentos
a população paga indiretamente pelos serviços e distantes dos grandes centros, como Norte e sociais, como o caso da Frente Nacional contra a
públicos, por meio dos impostos. Por isso, o povo Centro-Oeste. “Estamos em um esforço de incluir Privatização da Saúde.
tem o direito de decidir onde e como os recursos vozes pouco representadas nas políticas públicas,
devem ser gastos. como populações indígenas e quilombolas, ribeiri-
POLÍTICA DA PARTICIPAÇÃO
A professora ressaltou à Radis que o “controle nhos, estudantes, LGBT e outros”, pondera.
social” sobre o Estado surgiu no Brasil no contexto Também a realização de conferências livres Quando o governo federal publicou o decreto
de luta contra a ditadura, em que a participação não — experiência trazida dos espaços da juventude 8.243, em maio de 2014, que criou a Política Nacional
somente era proibida, como fortemente reprimida. — abriu o “microfone” para novos atores. Segundo de Participação Social (PNPS), houve reações da
Segundo ela, é preciso desmistificar a ideia de que a Palma, a participação de estudantes e jovens este imprensa e de parte do Congresso Nacional que
sociedade civil e os Conselhos são neutros, porque ano tem sido a mais efetiva na história das con- chamaram a medida de “bolivarista” e “golpista”. A
esses espaços são atravessados pelos interesses tan- ferências. “Esperamos fazer a 15ª com a cara do iniciativa organizava instrumentos de participação
to do mercado quanto dos setores que defendem povo brasileiro: uma conferência mais feminina, social já existentes, como consultas públicas, conse-
os direitos sociais. mais negra, mais indígena, mais jovem, em que a lhos, conferências e ouvidorias, por meio da criação
Já a participação popular é um processo diversidade da população brasileira esteja repre- de um sistema nacional. No entanto, o decreto foi
mais amplo de inclusão dos cidadãos nas políticas sentada”, ressalta. derrubado pela Câmara, em outubro do ano passa-
públicas. Como Radis abordou em sua edição 144, Ele também aponta que, desde a 8ª conferên- do, e aguarda apreciação do Senado.
as formas de participação estão garantidas pela cia, em 1986, o número de propostas aprovadas A secretaria da Presidência da República,
Constituição Federal de 1988. Como exemplos de tem crescido exponencialmente. Por isso, o conselho responsável pela política, informou à Radis que a
espaços de diálogo entre o Estado e a população, criou uma metodologia para que o material dos esta- iniciativa tem se mostrado efetiva na consolidação
estão conselhos e conferências de políticas públicas, dos e municípios passe por um debate amplo e venha de plataformas digitais, como a Dialoga Brasil e a
ouvidorias, consultas populares, reuniões e mesas consolidado pelos delegados. “Com isso, teremos Participa.br, que buscam oferecer espaço para que
de negociação. propostas mais densas e com maior capacidade de a população possa opinar sobre ações do governo
execução”, explica. O conselheiro também destaca federal. Na Plataforma Dialoga Brasil (www.dialoga.
que o processo da conferência não termina na etapa gov.br), os usuários podem fazer sugestões sobre
PARTICIPAÇÃO EM NÚMEROS
nacional, em Brasília, entre 1º e 4 de dezembro. É temas em discussão, comentar ou curtir propostas.
Por todo o Brasil, são cerca de 80 mil conse- preciso, segundo ele, iniciar o acompanhamento das De acordo com a secretaria, cerca de 22 mil pessoas
lheiros de saúde somente na instância municipal, principais diretrizes e propostas aprovadas, para que já utilizaram a plataforma, em um total de 9.075
calcula o CNS. Esse número é maior do que o de elas passem a compor os planos de saúde do governo propostas. Entre outras ações promovidas pela
vereadores existentes no Brasil, que é de 57.420 federal e dos estados. Essa é uma forma de dar poder política, segundo o órgão, está a consolidação do
eleitos em 2012, aponta João Palma. Segundo ele, de fato às instâncias de controle social. Fórum Interconselhos (formado pelos conselhos
essa característica dá capilaridade à representação nacionais de políticas públicas) como espaço perma-
social no SUS. “Nenhuma outra política pública tem nente de debate do governo com a sociedade civil.
DESAFIOS DA PARTICIPAÇÃO
esse grau de participação social”, ressalta. Em artigo publicado no site “Observatório
De acordo com a lei da participação no SUS Nem sempre o que é decidido é cumprido da Imprensa”, o pesquisador da Universidade de
(8.142 de 1990), metade da composição dos con- pelos governos municipais, estaduais e federais, Brasília (UnB), Venício Lima, defende que os setores
selhos deve ser de usuários. O restante divide-se aponta Maria Valéria Correia. “As conferências conservadores da sociedade sempre rejeitaram for-
entre trabalhadores, gestores e prestadores de têm muita importância, desde que elas não sejam mas de democracia direta e interferência popular na

[30] RADIS 157 • OUT/ 2015 RADIS 157 • OUT / 2015 [31]
HEPATITES

Campanha reforça a importância do diagnóstico


precoce das hepatites virais, doenças silenciosas que
atingem milhões de pessoas em todo o mundo
Ana Cláudia Peres quando esses ocorrem, incluem cansaço, tontura,
enjoo, vômitos, febre, dor abdominal, pele e olhos

E
amarelados, urina escura e fezes claras. “O diagnós-
las atacam o fígado e são capazes de agir tico da doença é realizado por exame de sangue e
silenciosamente por décadas sem a mani- não existe tratamento específico na fase aguda da
festação de sintomas. Se diagnosticadas infecção. A cura geralmente ocorre de forma espon-
tardiamente, podem levar a um quadro tânea e as recomendações médicas são importantes
avançado de cirrose ou câncer. Classificadas como para evitar quadros graves”, complementa.
hepatites A, B, C, D (ou Delta) e E, a depender do
tipo viral e da estrutura molecular, ainda atingem
milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, CAMPANHAS E TESTES
em 13 anos de assistência no Sistema Único de
Saúde (SUS), foram notificados e confirmados 120 Em relação aos outros tipos da doença, Lia
mil casos de hepatite do tipo C — cuja forma mais informa que, no Brasil, muitos pacientes com he-
comum de transmissão é a parenteral (exposição patite C contraíram a doença através da transfusão
da pele diretamente ao sangue, hemoderivados ou de sangue contaminado antes de 1993, época em
instrumento cirúrgico contaminado). que não havia triagem do sangue para detectar este
A fim de chamar a atenção para a doença, vírus — daí a importância da campanha lançada
incentivar o diagnóstico e reforçar a importância pelo Ministério da Saúde, que incentiva pessoas
da informação no combate a esses agravos, foi nessa situação a fazer o teste para hepatite C.
instituído o Dia Mundial de Luta contra Hepatites Além disso, também é possível a transmissão pelo
Virais, celebrado a cada 28 de julho. Em 2015, a compartilhamento de seringas no uso de drogas
data marcou o anúncio do protocolo terapêutico ou de objetos de higiene pessoal, como lâminas de
assinado pelo Ministério da Saúde, que prevê a barbear ou alicates de unha. “Raramente, este vírus
oferta de um novo tratamento contra a hepatite C também pode ser transmitido por relações sexuais
e estará disponível no SUS até dezembro, e o lan- sem preservativo”, informa.
çamento de campanhas de prevenção às hepatites Outro foco da campanha é a hepatite tipo B.
virais, que incluem incentivo à vacinação contra a Tem como público-alvo os jovens e como slogan,

FONTE: MINISTÉRIO DA SAÚDE: HTTP://WWW.AIDS.GOV.BR/HEPATITES-VIRAIS


hepatite B e à testagem da hepatite C. “Eu me amo, eu me previno, eu tomo a vacina”.
A chefe do Ambulatório de Hepatites Virais No caso da hepatite B, acrescenta Lia, além da
do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Lia Lewis, informa transfusão de sangue contaminado, o vírus é trans-
que a vacina é a principal forma de prevenção contra mitido frequentemente por relações sexuais sem
hepatite B e que é disponibilizada gratuitamente para preservativo e da mãe infectada para o filho durante
o grupo de maior vulnerabilidade e para pessoas a gestação, o parto ou a amamentação. Segundo
de até 49 anos. Já a vacinação contra a hepatite a especialista, o diagnóstico destas infecções é
A é recomendada somente em situações especiais feito por meio de exames de sangue específicos sensibilizar a população para a realização dos testes de diagnóstico, principalmente para
como pacientes com fibrose cística, transferência de e o tratamento, que depende de outras respostas identificação das hepatites B e C. “O diagnóstico precoce pode evitar a progressão para
medula óssea e portadores de outras doenças crôni- do organismo, pode ser feito por meio de compri- formas mais graves da doença. Eles podem ser realizados com amostras de soro, plasma
cas do fígado. Lia esclarece sobre as características midos. “Para evitar o contágio, a recomendação ou sangue total, e o paciente tem acesso ao resultado em cerca de 30 minutos”, diz,
da doença. “As hepatites A e E são contagiosas, de é usar preservativo em todas as relações sexuais acrescentando que existe cura para as hepatites virais, mas que a evolução do paciente
transmissão fecal-oral, por meio do contato entre e não compartilhar objetos de uso pessoal como varia conforme o tipo de vírus. O tipo A, por exemplo, apresenta apenas formas agudas
indivíduos ou por meio de água ou alimentos conta- barbeadores e alicates de unha”, aponta. de hepatite, ou seja, o indivíduo pode se recuperar completamente, eliminando o vírus
minados”, diz. “Como são agravos que costumam se Já a hepatite D, também chamada de Delta, de seu organismo. “A maioria dos casos de hepatite E tem este mesmo perfil, porém já
propagar em regiões sem tratamento de água e es- é mais comum na região amazônica do Brasil. O foram identificadas formas crônicas da doença em pacientes transplantados”, diz. “Já
goto, a prevenção principal é voltada para a melhoria vírus causador depende da presença do tipo B para os vírus B, C e D podem apresentar tanto formas agudas quanto crônicas de infecção,
do saneamento básico e dos hábitos de higiene”. Ela infectar uma pessoa, por isso, as suas características o que exige um acompanhamento médico em busca do controle da doença, ou seja, o
acrescenta que, no caso dos vírus A e E, os pacien- gerais são semelhantes. Por se tratar de uma doença estágio em que o organismo do indivíduo convive com o vírus, sem prejuízos, por conta
tes muitas vezes não apresentam sintomas e que, silenciosa, Lia diz ainda que é importante informar e do uso de medicamentos”, conclui.

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PÓS-TUDO

FOTO: MIDIA NINJA


SERVIÇO

#popmujica
PUBLICAÇÕES

A dor que não passa Sertanismo indigenista

U m ponto de vista mais pessoal


e menos clínico. É o que pro-
põe Paúra — um mergulho na
O jornalista Felipe Milanez reuniu
em Memórias sertanistas:
cem anos de indigenismo no
síndrome do pânico, que reúne Brasil (Edições Sesc São Paulo),
12 relatos em que as pessoas di- depoimentos de 12 dos maiores
videm suas experiências, medos e sertanistas do país, que narram
superações. Os quatro autores, as suas experiências e refletem sobre
jornalistas Daniella Cronemberger a luta pela sobrevivência física e
e Lara Haje, o fotógrafo José Maria espiritual de povos que ainda não
Palmieri e a artista plástica Daniela foram engolidos pela atual engre-
Ktenas, abrem a sequência de de- nagem de consumo desenfreado,
poimentos, transformando dores de voracidade tecnocrática e de
em palavras, fotografias e bordados destruição da natureza. A publi-
(que ilustram o livro). Com idades, profissões e históricos distintos, cação resgata a história e o futuro da tradição sertanista no
as 12 personagens contam como encararam e conviveram com Brasil e inclui a perspectiva de líderes indígenas, que analisam
o transtorno e revelam como a síndrome é capaz de transformar a convivência com a cultura dos warazu (invasores).
as pessoas — as vezes para melhor.
Publicação internacional
Saúde global

A
partir de um olhar histórico, o
pesquisador Marcos Cueto, da
A s sinado p elo p e squis ador
Gilson Volpato, o Guia prá-
tico para redação científica
Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) (Editora Best Writing) traz orien-
apresenta, em Saúde Global: uma tações para pesquisadores de Laís Jannuzzi luta da esquerda brasileira é ultrapassada. Ou que ela é corrupta.

A
breve história (Editora Fiocruz), diferentes áreas do conhecimento É por isso que, para mim, escrever sobre Pepe é um desafio. O
o confronto entre os conceitos de e níveis de formação na produção e ansiedade parecia ter ido embora ao esperar na terceira risco do uso dos clichês pode gerar um efeito contrário ao que o
saúde internacional e saúde global, a publicação de artigos com impacto fileira do auditório da Associação Brasileira de Imprensa uruguaio diz e faz. Porque seu discurso ultrapassa fronteiras, não
partir das mudanças e continuidades internacional. O guia orienta o (ABI), no Centro do Rio de Janeiro, a solenidade de pre- busca atacar partidos ou pessoas. Sua sabedoria está exatamente
das agências e programas interna- leitor desde a concepção da pes- miação da Personalidade Sur, eleita pelos integrantes da em criticar procedimentos que permitem a existência de partidos
cionais envolvidos com a saúde da quisa até o acompanhamento do Federasur. Ao redor do homenageado, de terno e óculos escuros e pessoas corruptos e ultrapassados.
população entre 1850 a 2010. “Este impacto do artigo na comunidade estilo aviador, um batalhão de fotógrafos o esperava sentar-se à O ex-presidente afirmou, convicto, que nenhuma pessoa é
livro expressa a esperança de que o científica internacional, auxiliando mesa. Sem as lentes escuras, seus olhos pareciam se espremer capaz de continuar fiel aos seus princípios quando passa a viver
estudo da história da saúde global também na estruturação do texto e como se tentassem enxergar algo longínquo, durante os longos uma realidade totalmente diferente da qual estava acostumado.
seja de utilidade para os encarre- na sua adequação para publicação. discursos proferidos por convidados ilustres. Por isso ele prega que os políticos têm que viver como a maioria e
gados da elaboração de políticas públicas e para os estudiosos Também inclui um guia com 139 respostas a perguntas frequen- Quando chegou a sua vez de falar, as mãos deixaram de não como uma minoria privilegiada, já que quando isso acontece,
dos sistemas de saúde, auxiliando-os no controle das doenças tes e um panorama dos periódicos internacionais e requisitos apoiar a cabeça, os olhos se arregalaram e os aplausos se tor- eles passam a representar essa minoria e adquirem seus valores. A
alimentadas pela pobreza”, define o autor. para publicação. naram frequentes. Mujica falou rápido e o protocolo não abriu política se transforma em um caminho para obter riqueza, o que
espaço para perguntas. Sua saída foi tumultuada, com jornalistas para ele “é uma doença”. A cada frase dita, a multidão aplaudia,
pedindo análises, declarações ou previsões sobre a política bra- volta e meia cantava e os elogios sussurrados por mim e por muitos
EVENTOS sileira. Desviando de microfones e gravadores, consegui chegar outros se perdia. Aquela figura parecia ser mentira de tão incrível!
perto dele, mas sem sucesso para fazer qualquer pergunta. Ele Mujica apertava os olhos outra vez, provavelmente por
entrou no elevador e a porta não fechou, parecia que todo temer que a “tietagem” desviasse a atenção da mensagem que
4ª Conferência Nacional dos Direitos da 21ª Conferência Internacional sobre Aids mundo queria caber ali. Como se até a máquina estivesse sem ele queria transmitir. Empolgado com a calorosa recepção, fre-
Pessoa com Deficiência Depois de 16 anos, paciência, começou a descer com a porta aberta, fazendo com quentemente sorria e perguntava o que a multidão cantava. E
Anteriormente mar- o encontro, que que um dos repórteres, afoito, quase perdesse a perna ao arriscar sorria de novo, sem deixar de advertir: “Não estou aqui para ser
cado para dezembro acontece a cada entrar. Momento de tensão. aplaudido”. Ele falou sobre a importância dos jovens conhecerem
de 2015, o evento é dois anos, volta à À noite, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), as diferentes culturas de seus próprios países; sobre a importância
parte das conferências cidade de Durban, o clima era totalmente diferente. A única pressão que parecia em desenvolver, junto com o conhecimento técnico, o senso crí-
nacionais conjuntas quando especia- existir se resumia à dificuldade em conseguir um lugar para sentar. tico para que o trabalho não se torne apenas um meio de pagar
de direitos humanos, e lis t as, ges tores, O pessoal estendia bandeiras de partidos, movimentos sociais e contas e mais contas. E alertou: “Minha geração cometeu erros.
terá como tema “O de- ativistas e pessoas times, enquanto integrantes do staff, composto por estudantes Tentamos mudar o sistema através da força. Não repitam os nos-
safio na implementação das políticas da pessoa com deficiência: vivendo com HIV e membros da Marcha da Maconha, distribuíam papéis onde a sos erros, mas cometam os erros de vocês. Para que a próxima
A transversalidade como a radicalidade dos direitos humanos”. O compartilharão os avanços na prevenção e tratamento do vírus plateia escrevia perguntas destinadas ao ex-presidente do Uruguai. geração possa cometer outros, e assim a evolução aconteça.
temário central foi dividido em três eixos: Gênero, raça e etnia, causador da aids. Além da troca de experiências, a conferên- A capacidade de 2 mil lugares da Concha Acústica já havia sido Nós só podemos mudar alguma coisa de fato através da cultura”.
diversidades sexual e geracional; órgãos gestores e instâncias cia — que prevê a participação de 20 mil delegados e 1000 ultrapassada quando ele apareceu; não houve como ficar sentada. Mesmo não tendo respondido as perguntas elaboradas
de participação social; e a interação entre os poderes e os entes jornalistas — também servirá para que a África do Sul possa Músicas sobre a legalização da maconha, o direito da mulher sobre por mim e pela repórter Elisa Batalha sobre a saúde pública na
federados. A previsão é que as etapas municipais e estaduais apresentar os progressos nas estratégias que vem implemen- o próprio corpo e a crise política foram entoadas fervorosamente. América Latina, seguimos na esperança de receber sua resposta
aconteçam ainda este ano, até dezembro. tando no país, que em 2012 registrou 450 mil novas pessoas Estava ali parte dos jovens que sacudiu o país em 2013, que sentiu por e-mail (surgiu um boato que Pepe responderia a todas) e saí-
infectadas pelo HIV. na pele como é ser tratado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro mos de lá mais otimistas com a certeza de que mais vale remediar
Data 25 a 29 de abril de 2016 e não vislumbra perspectivas de melhoras na política do país. A a democracia do que sepultá-la.
Local Brasília Data 17 a 22 de julho de 2016 vinda de José “Pepe” Mujica não poderia ter sido mais oportuna.
Info http://goo.gl/uSXrv6 Local Durban, África do Sul Muitas pessoas acham que esse encontro foi um momento Laís Jannuzzi é estudante de Jornalismo na Universidade Federal do
Info www.aids2016.org de utopia, que não é possível comparar Uruguai e Brasil, que a Rio de Janeiro (UFRJ) e estagiária na revista Radis

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