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Aids Tuberculose Financiamento

Richard Parker adverte que Documentário valoriza Capital estrangeiro: mais um


estigma piora epidemia papel dos ACS passo na mercantilização do SUS

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EXPRESSÕES E EXPERIÊNCIAS

Sentidos compartilhados
Coletânea explora as interfaces contemporâneas
entre os campos da saúde e do jornalismo
Elisa Batalha convidar professores e pesquisadores de diferentes

V
instituições para participar da publicação”, contou.
iver é prejudicial à saúde. A frase — título Os doze capítulos da obra estão dispostos em
de um livro do escritor paranaense Jamil duas seções. Na primeira, “Perspectivas Teórico-
Snege — sintetiza o modo como a cober- Metodológicas”, figuram os textos acerca de um
tura midiática dos temas de saúde aborda determinado conjunto de teorias e procedimentos
o conceito de risco. A forma dos corpos, envelhe- analíticos acionados para o estudo da mediação
cer, adoecer, alimentar-se, ter ou não bem estar... jornalística no contexto da cobertura de temas da
Fenômenos da vida que, na sociedade contempo- saúde. Nessa seção, são discutidas metodologias
rânea, passam a ser enquadrados e perpassados frequentemente utilizadas na análise do jornalismo:
pelo discurso da medicalização e da patologização, a narratologia, a análise de discursos, o enquadra-
dos quais o jornalismo é a instância legitimadora. mento, o agendamento e o newsmaking.
O conceito de risco e as visões de saúde A segunda parte, “A saúde como objeto
e doença no discurso midiático são alguns dos midiático”, contempla análises específicas sobre
temas analisados na coletânea os modos como o campo
Saúde e Jornalismo: interfaces jornalístico produz sentidos e
contemporâneas, lançada pela representações sobre a saúde
Editora Fiocruz. Organizada e a doença no contexto con-
pelos professores e pesqui- temporâneo, abordando um
sadores Kátia Lerner, coorde- diversificado panorama de
nadora do Observatório de questões sobre as implicações
Saúde na Mídia e professora do das narrativas jornalísticas na
Programa de Pós-Graduação construção do cuidado com a
em Informação e Comunicação saúde, na preocupação com
em Saúde (PPGICS/Icict), e epidemias e com os riscos de
Igor Sacramento, da Escola de adoecer e sofrer, na obsessão
Comunicação da Universidade pelo bem estar e pela boa
Federal do Rio de Janeiro (Eco/ forma e nas percepções sobre
UFRJ), a coletânea é resultado o SUS e os serviços públicos
do desdobramento dos traba- de saúde.
lhos do Observatório Saúde “Temos uma visão crítica
na Mídia, do Laboratório de do conceito de saúde, o que
Comunicação e Saúde (Laces/ não quer dizer que seja homo-
Icict), e conta com artigos gênea. Partimos do conceito
de vários de seus integrantes de saúde pública, entendida
e pesquisadores dos campos não só como o oposto de
da Comunicação e da Saúde Coletiva, como Paulo doença. Ela contempla as desigualdades sociais
Vaz, Valdir Castro, Kleber Mendonça, Carla Baiense, e como se materializam no campo da saúde,
Luisa Massarani, Izamara Bastos Machado, Janine as questões de acesso à comunicação e a bens
Cardoso e Marcelo Robalinho. materiais e a violência simbólica perpetrada por
“Os discursos jornalísticos repercutem e refor- determinadas abordagens e discursos ou silen-
çam esta noção de risco, e isso traz uma mudança ciamentos”, explica Igor. Por essa ótica, segundo
na nossa relação com o futuro, no equilíbrio entre ele, até mesmo o conceito de promoção da saúde,
as noções que temos de liberdade e de opções tão difundido pela mídia, pode ser problematiza-
individuais e a noção de segurança”, explica Igor. do. “Promover também tem o sentido de tornar
“Há a expansão de discursos e saberes médicos comercial”, exemplifica.
para diferentes fenômenos”, acrescenta. O livro, de acordo com Igor, considera todos
A ideia do livro surgiu, de acordo com o esses aspectos da discussão e é voltado para
pesquisador, a partir do curso de especialização pesquisadores, profissionais e estudantes que se
realizado em 2011 no PPGICS, quando professores interessem pela interface entre saúde e jornalismo.
convidados, especialistas em novos formatos e “São poucas as publicações que abordam comu-
em metodologias de análise, iniciaram um deba- nicação e saúde. É um universo muito restrito.
te sobre as formas discursivas do jornalismo em Queríamos dar acesso aos leitores a variedade de
suas múltiplas plataformas. “Foi muito proveitoso temas deste campo e desejamos que a publica-
observar a multiplicidade no campo do jornalismo ção incite novas ideias e pesquisas a serem feitas
e saúde, e consideramos que seria interessante dentro dessa interface.”

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Nº 151
EDITORIAL ABR. 2015

Direitos sob pressão Expressões e Experiências


•Sentidos compartilhados 2

E stamos longe de ser uma nação que


tem na educação um valor central para
governos e a própria sociedade. Mesmo
da espalhafatosa saída de Cid Gomes do
ministério da Educação, a reportagem
levanta, post scriptum, a questão: quem
Editorial
•Direitos sob pressão 3

quando há proposições construídas de está realmente comprometido em tirar o Cartum 3


forma participativa por representações Plano Nacional de Educação do papel?
sociais, ou políticas oficiais sintonizadas Não são poucas as notícias de Voz do leitor 4
com essas deliberações e recomendações, reveses para a saúde da população.
é grande a dificuldade da sociedade em Sanitaristas alertam para a inconstitucio- Súmula 5
se interessar por políticas públicas e nalidade e o perigo de mercantilização na
pressionar, exigindo o direito de todos à abertura da saúde para o capital estran- Radis Adverte 8
educação pública (gratuita) e de qualidade geiro. Ativistas veem no sensacionalismo
Toques da Redação 9
para todos. Vive-se a ilusão de que é pos- da cobertura da mídia um reforço ao
sível prosperar com professores mal pagos estigma e à discriminação contra pessoas
Capa / Educação
e ambientes degradados num ensino que vivem com HIV e aids. Artigo na se-
público de qualidade e acesso limitados, ção Pós-Tudo comenta a superficialidade •Sem investimento não há educação 10
ou refém de caras escolas privadas, com da mídia ao interpretar como notícia de •Compromissos e prazos do PNE 12
qualidade ainda limitada e professores trânsito, e não como sinal de crise social, •Conae: espaço de participação
também desvalorizados. o fato de centenas de trabalhadores sem consolidado 16
Quanto aos governos, são raros emprego e dinheiro para comida se ma-
os que, no nível municipal ou estadual nifestarem nas vias públicas. Financiamento
priorizam orçamentos e planos que Na seção Súmula, planos de saúde •Capital estrangeiro: O perigo arromba
transformem a realidade de atraso na dão calote contra o SUS, inviabilizam a porta da Saúde 18
educação pública. Mesmo no nível federal, planos individuais e familiares e têm na •Entenda como a entrada de capital
estrangeiro na Saúde foi aprovada 20
no momento em que o lema declarado presidência da Câmara de Deputados o
é “pátria educadora”, as políticas centro do lobby que contraria o preceito
Desertificação
econômicas circunstanciais seguem constitucional de que saúde é direito
tolhendo e adiando a transformação e de todos e dever do Estado. Enquanto •Conviver com a seca 21
o gigantesco investimento necessários aumenta a vergonhosa concentração de
Entrevista Richard Parker
a curto e médio prazo. Sem falar que, terra no país, deputados ruralistas assu-
assim como na saúde, parte dos recursos mem o controle da comissão que analisa a •"Estigma e discriminação pioram
epidemia de aids" 24
públicos alimentam os serviços privados. Emenda Constitucional que altera — para
Nossa matéria de capa discute o pior — regras de demarcação das terras Tuberculose
dia (ano) seguinte à realização da 2ª indígenas. No Senado, felizmente, tramita
•Agentes da cura 27
Conferência Nacional de Educação e à o Projeto de Lei nº 2447/2007, que regu-
aprovação do Plano Nacional de Educação lamenta política sobre a desertificação
Saúde do Trabalhador
(PNE). Para especialistas e ativistas ouvidos dos solos, que tem o apoio de mais de mil
•Visibilidade contra doença 30
por Radis, faltam, além de mobilização organizações sociais reunidas na ASA, a
social, recursos e maior compromisso e ar- Articulação no Semiárido Brasileiro.
Serviço 34
ticulação por parte das três esferas de go-
verno, para o alcance das 20 metas do PNE Rogério Lannes Rocha
Pós-Tudo
nos próximos dez anos. Apurada antes Editor-chefe e coordenador do Programa Radis
•'É a crise social, estúpido!' 35

CARTUM

JOGO DOS 7 ERROS Capa Carolina Niemeyer

RADIS . Jornalismo premiado


pela Opas e pela A s foc-SN

RADIS 151 • ABR / 2015 [ 3 ]

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VOZ DO LEITOR

2018. É preciso cuidado com a construção esforço para que Radis equilibre bons
Doenças raras da identidade. Como bem pontuado na temas com boa apresentação gráfica!

Q uero parabenizar pelo tema das doen-


ças raras na capa da edição de fevereiro.
Dar visibilidade a quem muitas vezes não
reportagem, há um sofrimento muito
grande de quem convive com alguma DR.
Utilizar a nomenclatura de “raro” é tipificar
Obrigado, doutora Júlia!
consegue nem se movimentar, a pessoas
que ficam relegadas
à sua própria sorte e
parte da população que não consegue os
seus direitos e colocá-la à parte de outras
lutas que buscam a melhoria da cidadania
G ostei do desabafo de Júlia Rocha, mé-
dica residente no Hospital Municipal
Odilon Behrens, em BH. Médicas como
que têm, finalmente, em nosso país. O foco na divulgação de você são escassas! Mas, ainda bem, exis-
despertado o mundo pesquisadores da região Sul e Sudeste, tem! Continue assim sempre fazendo bem
para suas afecções. principalmente RJ e SP, bem como das o seu trabalho: com tratamento humano,
Sou por tador de associações civis deste espaço, invisibiliza acredito que dormirá muito melhor em
doença rara que tem toda a luta que é travada por milhares de ajudar o próximo paciente.
a felicidade de ainda pessoas no restante do Brasil. • Ana Clecia Silva Rios, psicóloga, São
me mobilizar para fa- • Rogério Lima Barbosa, sociólogo, João Del Rei, MG
zer alguma coisa em Coimbra, Portugal
prol de quem for possível ajudar. E vocês
A equipe da Radis agradece os elogios,
Saúde Mental
ajudaram, com a reportagem “13 milhões
de raros”, mais do que se possa imaginar.
Muito grato.
• Cristiano Melo, dentista, Fortaleza CE
comentários e sugestões! Dar visibilidade
a temas e mobilizar a sociedade na busca
de caminhos que garantam cidadania e
M uito importante a matéria sobre saú-
de mental (Radis 146), oportunidade
para que os leitores tenham melhor co-
saúde para todos é o que move o traba- nhecimento dos êxitos alcançados com a

L eitor assíduo e, no bom sentido, um


viciado nas informações da Radis, gosta-
ria de parabenizá-los, em especial ao Bruno
lho de nós todos! reforma psiquiátrica no Brasil nas últimas
décadas. Os desafios ainda são grandes
para que se possa garantir à população
Água, bem de todos assistência em saúde mental de qualida-
Dominguez, pela espetacular matéria sobre
doenças raras. Acredito que a divulgação
destas doenças nem tão raras nos 82 mil
exemplares da revista realmente busque,
G ostaríamos de parabenizá-los pela ma-
ravilhosa capa do mês de dezembro.
Paisagens bonitas e alegres como estas
de — entre estes, a medicalização do
cotidiano deve ganhar destaque. Um dos
maiores obstáculos é o senso-comum de
a partir de agora, nos setores responsáveis atraem os leitores e dão mais ênfase ao que os transtornos mentais têm como
por investimentos, pesquisas e medica- conteúdo da revista. O conteúdo informa- fundamento um suposto desequilíbrio
mentos um olhar mais intenso do que o tivo é de fundamental importância, mas químico a ser corrigido por drogas (psi-
famoso desafio do balde de gelo, e que os uma bela capa com paisagens (como a da quiátricas). Desconstruir os fundamentos
13 milhões de raros se sintam vistos por nós edição de dezembro) contribui para atrair desse senso-comum implica em romper
leitores. Vamos ficar atentos. o leitor, unindo assim o útil (conteúdo) ao com a aliança dominante entre psiquiatria
• Pauliran Freitas, coordenador técnico da agradável (capa). e indústria farmacêutica, que resulta em
VideoSaúde, Rio de Janeiro, RJ • Josefa Rosa de Oliveira Pereira e Robergues transformar manifestações de sofrimen-
Costa, enfermeiros, Crato, CE to psíquico em uma mercadoria como

G ostaria de parabenizar a Radis por ex-


por a problemática das doenças raras
na edição de fevereiro. Para contribuir A água é um recurso natural de valor
inestimável. Estamos tão habituados
qualquer outra.
• Fernando Freitas, psicólogo, Rio de
Janeiro, RJ
com o debate, envio uma correção e duas a sua presença que só damos conta da
sugestões: A suposta falta de interesse sua importância quando ela nos falta. Por
da indústria farmacêutica é errônea. A isso, gostaria de parabenizar toda a equipe NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA
informação é antiga e não cabe mais para da revista pela excelente matéria de capa A Radis solicita que a correspondência
a realidade de hoje. Há grande interesse da da edição n°147. Sou muito grata por ser dos leitores para publicação (carta,
indústria para o desenvolvimento desses assinante deste meio de informação. e-mail ou facebook) contenha nome,
medicamentos: em 2013 já se assinalava • Laís dos Santos, universitária, Floriano-PI endereço e telefone. Por questão de
a euforia da indústria, com a previsão de Muito obrigado pelo retorno, Josefa, espaço, o texto poderá ser resumido.
crescimento de 7,4% ao ano, entre 2012 e Robergues e Laís. Fazemos o maior

EXPEDIENTE
www.ensp.fiocruz.br/Radis
é uma publicação impressa e online da Documentação Jorge Ricardo Pereira e Sandra
Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo Programa Benigno
Radis de Comunicação e Saúde, da Escola /RadisComunicacaoeSaude
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp). Administração Fábio Lucas e Natalia Calzavara

Presidente da Fiocruz Paulo Gadelha Estágio Supervisionado Diego Azeredo (Arte), USO DA INFORMAÇÃO • O conteúdo da
Diretor da Ensp Hermano Castro Laís Jannuzzi (Reportagem) e Juliana da Silva revista Radis pode ser livremente reproduzido,
Machado (Administração) acompanhado dos créditos, em consonância com
a política de acesso livre à informação da Ensp/
Editor-chefe e coordenador do Radis Fiocruz. Solicitamos aos veículos que reproduzirem
Assinatura grátis (sujeita a ampliação de
Rogério Lannes Rocha cadastro) Periodicidade mensal | Tiragem 83.500 ou citarem nossas publicações que enviem
Subcoordenadora Justa Helena Franco exemplares | Impressão Rotaplan exemplar, referências ou URL.

Ouvidoria Fiocruz • Telefax (21) 3885-1762


Edição Adriano De Lavor
• www.fiocruz.br/ouvidoria
Reportagem Bruno Dominguez (subedição), Fale conosco (para assinatura, sugestões
Elisa Batalha, Liseane Morosini e Luiz Felipe e críticas) • Tel. (21) 3882-9118
Stevanim • E-mail radis@ensp.fiocruz.br
Arte Carolina Niemeyer (subedição) e Felipe • Av. Brasil, 4.036, sala 510 — Manguinhos,
Plauska Rio de Janeiro / RJ • CEP 21040-361

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SÚMULA

Planos de saúde devem 1 bilhão de reais ao SUS


S e um cidadão é atendido no Sistema
Único de Saúde em um procedimen-
to coberto pelo seu plano particular, a
dos planos e para o qual os consumidores
já pagaram. Ela cita o exemplo dos trans-
plantes de córnea, que têm cobertura nos
SUS, que é ainda maior, pois o Tribunal
de Contas da União (TCU) tem apontado
reiteradamente a ilegalidade praticada
operadora tem a obrigação de ressarcir o planos, mas geralmente são realizados no pela ANS de não cobrar os procedimentos
SUS. É o que determina a lei de planos de SUS. “O nosso alerta é porque os planos ambulatoriais”, explica à Radis o professor
saúde (lei nº 9.656 de 1998). No entanto, vendem um serviço e cobram mensalidade. do Departamento de Medicina Preventiva
estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro Quando os consumidores não encontram da USP, Mário Scheffer, que estuda o poder
de Defesa do Consumidor (Idec) mostra cobertura adequada, eles acabam recor- político e financeiro dos planos de saúde.
que mais de 63% do valor devido não foi rendo ao SUS”, alertou. Segundo os dados da pesquisa,
quitado pelas operadoras, o que corres- De acordo com a ANS, a primeira co- apenas 359 operadoras (24% do total)
ponde a cerca de R$ 1 bilhão. Esse total brança é administrativa, quando a agência não possuem débitos com o SUS. Entre as
inclui tanto os valores parcelados (mais verifica todos os procedimentos em que maiores inadimplentes estão a operadora
de R$ 331 milhões) ou que não foram cabe ressarcimento e manda a conta para Geap Autogestão em Saúde (que devia
nem pagos nem parcelados (mais de R$ a operadora. No caso do valor não ser R$ 72 milhões e parcelou cerca de R$ 37
742 milhões). pago, como acontece na maior parte dos milhões), a Hapvida Assistência Médica
O estudo, divulgado no site do casos, o débito é inscrito em dívida ativa e Ltda. (que deve R$ 39 milhões) e a Central
Idec (5/3) e repercutido pela Associação começa a cobrança judicial. Porém, Joana Nacional Unimed (R$ 21 milhões).
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), alerta que essa via de cobrança demora O Idec, associação voltada para a
aponta que do valor de R$ 1,6 bilhão mais e pode prescrever. “Com isso, fica a defesa dos direitos dos consumidores,
cobrado pela Agência Nacional de Saúde questão da impunidade das operadoras alerta ainda para a falta de transparência
Suplementar (ANS) aos planos, apenas e de prejuízo para o financiamento do da ANS na divulgação dos dados relativos
37% foram pagos até dezembro de sistema público”, destaca. às dívidas dos planos de saúde. A agência
2014. O dado denota que as operadoras O estudo apontou que, das 1.510 divulgou essas informações pela primeira
não estão cumprindo o que determina a operadoras cobradas pela ANS, 76% ainda vez em 2014, mas como informou Joana
legislação. O ressarcimento está previsto devem valores ao SUS. Como noticiou o Cruz à Radis, essa publicação dos dados
no artigo 32 da lei de planos e, de acordo Portal IG (10/3), o Ministério Público vai deveria ter sido feita em formato aberto
com a própria ANS, trata-se da obrigação apurar a conduta da agência do Ministério e não fechado, como recomenda a Lei de
legal das operadoras de planos privados de da Saúde na condução das cobranças. A Acesso à Informação (Lei 12.527 de 2011).
assistência à saúde reembolsarem o SUS matéria informa ainda que a maior parte Segundo a advogada da associação, da
caso seus beneficiários sejam atendidos dos casos em que usuários de planos forma como foi feita, a divulgação dificulta
no sistema público em procedimentos particulares recorreram ao SUS foram em a análise das informações por pesquisado-
cobertos pelo contrato. procedimentos de urgência e emergência res e cidadãos e prejudica o princípio da
A responsável pelo estudo, Joana (68,46% dos atendimentos, entre 2008 e transparência que deve reger os órgãos
Cruz, advogada do Idec, explicou à Radis 2012, segundo dados da própria ANS), o públicos. Em nota à matéria do IG, a ANS
que o ressarcimento é uma forma impor- que supera os 30,32% de procedimentos informou que vem aprimorando e dando
tante de compensação para o SUS, porque em caráter eletivo. agilidade à identificação e cobrança de
cobre o prejuízo do sistema público ao aten- “O estudo do Idec mostra uma ressarcimento ao SUS.
der casos que estão previstos nos contratos parte do calote dos planos de saúde ao Saiba mais: http://goo.gl/LbyDCU

A ameaça da PEC 451 Consumidor refém


O site da revista Carta Maior alertou
(22/3) para o risco de uma proposta
de emenda à constituição de autoria do
Cunha foi relator de uma emenda à Medida
Provisória 653/2014, posteriormente ve-
tada pela presidenta Dilma Rousseff, que O peradoras não querem mais ven-
der planos individuais e familiares,
presidente da Câmara, Eduardo Cunha anistiava os planos em R$ 2 bilhões em obrigando o consumidor a contratar
(PMDB-RJ) que, se aprovada, poderá sig- multas e, ao assumir a presidência da casa, planos coletivos, denunciou o Jornal do
nificar o mais duro golpe contra o SUS. A engavetou o pedido de criação da CPI dos Commercio (15/3). A cada ano, a insatis-
PEC 451/2014 obriga as empresas a paga- Planos de Saúde, de autoria do deputado fação com esse tipo de contrato cresce,
rem planos de saúde privados para todos Ivan Valente (PSOL-SP). levando muitos usuários aos tribunais. As
os seus empregados, o que desobriga o Com a PEC 461/2014, ele amplia ações na Justiça dizem respeito principal-
Estado a investir para que o SUS garanta consideravelmente o mercado dos planos mente a reajustes abusivos e quebras de
atendimento de saúde de qualidade para privados, que já alcança 50 milhões de contrato — justamente os dois aspectos
todos, na avaliação da revista. usuários. “Grosso modo, a matéria legis- que não são totalmente regulados pela
A matéria descreve Cunha como “um lativa propõe a privatização do sistema Agência Nacional de Saúde Suplementar
dos mais legítimos representantes dos de saúde do trabalhador brasileiro, em (ANS). “Os consumidores, sob a ilusão de
planos de saúde”, informando que só nas detrimento de maiores investimentos no pagarem mais barato, são estimulados a
últimas eleições, as empresas administrado- SUS, que beneficia não só àqueles que abrir CNPJ ou ingressar em determinada
ras distribuíram R$ 52 milhões em doações disputam atendimento médico direto, associação ou sindicato, utilizando qual-
para 131 candidaturas de 23 partidos; mas também a criança que é vacinada quer CNPJ para conseguir um contrato
Cunha foi o que recebeu o terceiro maior contra a pólio ou mesmo o cidadão que coletivo. Essa foi a forma encontrada pelas
“incentivo”: R$ 250 mil, repassados à sua compra um simples pãozinho, que teve empresas de planos de saúde para fugir da
campanha pelo Saúde Bradesco, segundo a sua manufatura antes inspecionada pela legislação e da fiscalização da ANS”, decla-
revista. A contrapartida seria uma atuação Agência Nacional de Vigilância Sanitária rou a advogada Joana Cruz, do Instituto
parlamentar em favor dos planos privados: (Anvisa)”, advertiu a Carta Maior. Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

RADIS 151 • ABR / 2015 [ 5 ]

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A disputa pelos Direitos Humanos Feminicídio agora é
crime hediondo
A eleição para o comando da Comissão
de Direitos Humanos e Minorias
(CDHM) na Câmara dos Deputados rece-
salientando que Sóstenes, ligado à banca-
da evangélica, teria sido eleito no mesmo
dia para presidir a Comissão Especial que A pós aprovação no Senado e na
Câmara dos Deputados, o Projeto
beu ampla cobertura dos meios de comu- analisa a proposta do Estatuto da Família de Lei 8305/14 — que transforma o
nicação, pelo caráter polêmico das pautas (PL 6583/13). Entre outros pontos a pro- assassinato de mulheres em razão do
que trata e consequente visibilidade que posta só reconhece como família aquelas gênero em homicídio qualificado e crime
promove para aqueles que lá militam. formadas por casais heterossexuais e hediondo — foi sancionado pela presi-
Última das 23 comissões permanentes a proíbe a adoção de crianças por casais denta Dilma Rousseff em 8 de março, no
definir seu presidente, a CDHM será presi- gays. A matéria não deixou de citar o Dia Internacional da Mulher. A Agência
dida pelo deputado Paulo Pimenta (PT/RS), debate que se seguiu à posse de Pimenta, Câmara informou (8/3) que a medida
eleito após acordo do seu partido com a quando deputados evangélicos reclama- enquadra nestas categorias os casos de
bancada evangélica, como informou o G1 ram ser vítimas de preconceito religioso violência doméstica e familiar, discrimina-
(12/3). O portal UOL noticiou que a vitória e rechaçaram rótulos de homofóbicos. ção e menosprezo contra a condição de
de Pimenta resultava de acordo entre “lí- “Homofobia é uma patologia clínica, é mulher e prevê maior tempo de reclusão.
deres partidários” (12/3) e destacou depoi- completamente diferente. Eu discordar de A pena será aumentada em 1/3 no caso
mento do deputado Sóstenes Cavalcante algo não quer dizer que eu queira odiar e de a vítima ser gestante ou estar dentro
(PSD-RJ) — preterido na disputa — que matar outras pessoas”, disse o deputado do período de três meses após o parto,
acusou o PT de “estuprar e violar” partidos Pastor Eurico (PSB-PE). A deputada Erika ter idade inferior a 14 e maior que 60
para manter o comando do órgão. A EBC Kokay (PT-DF), que milita em defesa das anos, apresentar deficiência ou o crime
(12/3) registrou com mais profundidade a causas homossexuais, retrucou afirmando ser cometido na presença de parente
eleição, sinalizando para o desejo do novo que há um preconceito entre deputados ascendente ou descendente da mulher.
presidente de combater a intolerância — com políticas relativas à igualdade de gê- A decisão atende a reivindicações da
“Não podemos nos calar diante das ma- nero ou identidade de gênero. “Criou-se Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
nifestações de ódio. Não teremos medo uma generofobia, se houver um projeto (CPMI) da Violência contra a Mulher, que
de enfrentá-las. Compartilhamos uma que traga a palavra gêneros alimentícios, indicou que o Brasil está na sétima posi-
visão moderna de direitos humanos” — e é possível que não passe”, disse. ção mundial de assassinatos de mulheres.

Ruralistas à frente da PEC 215


A ameaça aos direitos dos povos in-
dígenas está de volta ao Congresso
Nacional, com o desengavetamento da
Supremo Tribunal Federal (STF) processo
que investiga possível envolvimento de
Serraglio e Leitão, em um esquema de
conservação, tenha sido elaborado pela
Confederação Nacional da Agricultura e
Pecuária (CNA). Na prática, se aprovado, a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) invasão de terras indígenas e de arre- medida significará a paralisação definitiva
215/2000 e a eleição de um dos deputados cadação de R$ 30 mil para direcionar da oficialização dessas áreas protegidas.
mais atuantes da bancada ruralista para a parecer na comissão da Câmara que trata No mesmo dia, foi instalada, também na
presidência da Comissão Especial que vai de demarcação de territórios. Câmara, a Frente Parlamentar de Defesa
analisá-la, noticiou o site do El País (17/3). Também há suspeitas de que o dos Povos Indígenas, que recebeu a assina-
Nilson Leitão (PSDB/MT) é considerado relatório de Serraglio, que transfere do tura de 211 parlamentares e será presidida
“inimigo declarado dos povos indígenas” Executivo para o Congresso Nacional o pelo deputado Ságuas Moraes (PT-MT), que
— como registrou o Portal de Políticas poder de demarcar Terras Indígenas, ter- criticou duramente a PEC 215, informou o
Ambientais (17/3) — que também informou ritórios quilombolas e criar unidades de Portal de Políticas Ambientais.
que o parlamentar chegou a protocolar
pedido de criação de uma CPI para inves- Índios insatisfeitos com a posse
tigar a Funai e o Incra (não acatado pelo do deputado Nilson Leitão na
presidente da Câmara), votou a favor da Comissão da PEC 215
alteração do Código Florestal e é alvo de
inquérito que apura crimes de formação
de quadrilha, corrupção passiva e crimes
da Lei de Licitações.
Foram mantidos os deputados
Osmar Serraglio (PMDB-PR) como re-
lator e Valdir Colatto (PMDB-SC) como
FOTO: FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

sub-relator. “Se eu quisesse acabaria


com isso hoje mesmo colocando para
a aprovação o relatório”, disse o novo
presidente, prometendo votar o relató-
rio em dois meses. Houve protestos de
líderes indígenas durante a abertura dos
trabalhos da comissão, que chegaram
a estender uma faixa com os dizeres
“Ruralistas Lava Jato”. Dois dias antes
da posse, O Globo noticiou que a Justiça
Federal do Mato Grosso havia enviado ao

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Assassinatos com cor e classe Mulheres contra
transgênicos
E m comemoração ao Dia Internacional da
Mulher (8/3), integrantes do Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST)
promoveram a Jornada Nacional de Lutas
das Mulheres para denunciar a violência,
o capital e o agronegócio. Por meio de
ocupação de empresas, terras, bancos e
órgãos públicos, passeatas e fechamento

R elatório anual da Anistia Internacional,


divulgado em fevereiro, evidencia cri-
se na segurança pública nacional. A esti-
nos últimos 12 anos, o número de presos
cresceu 620%, enquanto o populacional
foi em torno de 30%; no período entre
de estradas, as camponesas pediram pela
democratização da propriedade da terra e
da produção agroecológica. Em São Paulo,
mativa é de que ocorrem 154 mortes por 2004 e 2007, morreram mais pessoas cerca de mil mulheres invadiram o centro
dia em todo o país causadas por violência no país do que nas 12 maiores zonas de de pesquisas da FuturaGene Brasil, ligada
policial, tortura perpetrada por agentes guerra do mundo: foram 192 mil brasi- à Suzano Papel e Celulose, destruindo es-
públicos, falência do sistema prisional e leiros mortos, contra 170 mil pessoas em tufas, mudas e material genético, além de
confusão entre justiça e vingança, quadro países como Iraque, Sudão e Afeganistão. pichar o local, como noticiou O Estado de
que, segundo a ONG, indica uma realida- O estudo da Anistia revela ainda que jo- S. Paulo (5/3). Sem revelar o total de mudas
de preocupante para os brasileiros. “Com vens negros de baixa renda e moradores transgênicas destruídas, criadas desde 2001,
a filosofia do ‘bandido bom é bandido da periferia são as maiores vítimas. Em o jornal publicou que oito anos de pesquisa
morto’ todos saem perdendo. Perde o 2012, das 56 mil pessoas assassinadas foram perdidos com a ocupação.
Estado que coloca a vida de seus agentes no Brasil, 30 mil eram jovens, entre eles, Tal como os demais veículos, o jornal
de segurança em risco e abre mão de en- 77% negros. não contextualizou a luta das mulheres pela
frentar o crime com inteligência; e perde O envolvimento da religião com soberania alimentar e por um modelo de
a sociedade, brutalizada e acuada pelo questões políticas e a homofobia também agroecologia mais justo e sem abrir espa-
medo da violência”, declarou Atila Roque, aparecem no relatório, conforme sinali- ço às consequências geradas pelo uso de
diretor executivo da Anistia Internacional zou o portal de notícias Brasil Post (24/2). transgênicos. Em nota, o MST divulgou que
no Brasil, ao site da Carta Capital (24/2). Os crimes de ódio contra a comunidade o plantio em escala do eucalipto transgênico
Segundo o relatório, o Brasil tem LGBT tem ocorrido com frequência e contamina a produção de mel brasileira
a terceira maior população carcerária o aborto tem sido criminalizado como e necessita de mais água e agrotóxico se
do mundo e não apresenta uma política resultado da pressão de setores políticos comparado com a espécie natural. De
consistente de reinserção de presidiários; conservadores e religiosos. acordo com o G1 (5/3), os resultados das
pesquisas seriam apresentados no mesmo
dia pela Comissão Técnica Nacional de
Aumenta concentração de terras no Brasil Biossegurança (CTN-Bio), em Brasília (DF).
Contudo, 70 camponeses ocuparam o au-

R elatório produzido pela Comissão


Pastoral da Terra (CPT) entre os anos
de 2011 e 2014 e divulgado em março
a Reforma Agrária seja efetiva, é preciso
aumentar o número de assentamentos e
reduzir a concentração da propriedade
ditório o que levou a Comissão a suspender
o encontro com receio de que “a segurança
das pessoas que acompanhavam a sessão
apontou retrocesso na política de Reforma rural, orienta o documento da CPT. fosse colocada em risco”. Como destacou
Agrária, noticiou o portal Brasil de Fato De acordo com uma das coordena- ainda o Estadão (5/3), a polícia foi chamada,
(3/3). O documento, ignorado pela gran- doras da comissão, Isolete Wichinieski, mas a manifestação acabou sem confronto.
de mídia, registrou redução nos números o Brasil sempre apresentou um histórico Mesmo assim, duas variedades de milho
de novos assentamentos rurais ou de de alta concentração de terras, mas nos geneticamente modificados foram aprova-
titulação de territórios indígenas e de últimos anos esse aspecto cresceu junto das e a análise pela liberação do eucalipto
quilombos (comunidades de descenden- com o desenvolvimento do agronegócio. seguiu para a pauta da nova reunião, no
tes de escravos africanos) e estimou que Isolete criticou a política do Ministério início de abril.
a população camponesa sem área para da Agricultura, representada pela minis- As camponesas realizaram novos
cultivar gira em torno de 200 mil pessoas. tra Kátia Abreu, e afirmou que a visão protestos com passeatas e ocupações em
Pouco foi feito para mudar essa retrógrada do órgão não estimula um 15 estados (O Globo, 10/3). Em abril, o MST
realidade durante o primeiro mandato da desenvolvimento agrícola sustentável. vai intensificar as mobilizações criando um
presidenta Dilma Rousseff, indica o relató- Em contrapartida, o portal apontou o “caldeirão de lutas” quando promete invadir
rio, denunciando que os dados divulgados ministro do Desenvolvimento Agrário 150 fazendas em todo o Brasil, registrou a
pelo governo sobre este período (con- (MDA) Patrus Ananias como alguém que Folha de S. Paulo (11/3). O movimento é
tabilizando o assentamento de 103.746 aposta na Reforma Agrária e defende os uma das 30 organizações que constituem a
famílias) são enganosos, pois 73% desse benefícios sociais da agricultura familiar, Frente das Reforma Populares.
total já participavam de processos em reproduzindo sua opinião sobre o assunto:
andamento e haviam sido quantificados “Nós sabemos que a agricultura familiar
nos anos anteriores. Se computadas cumpre um papel importante na produção
apenas as novas famílias assentadas em de alimentos para consumo interno e na
novas áreas, o número cai para 28 mil. produção de alimentos saudáveis. Então,
Em 2014, o governo reconhece ter regu- nós defendemos o princípio da função
larizado apenas 6.289 famílias. Para que social da propriedade”, avalia.

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Ligação de donos de mídia com Liberdade não
esquemas de corrupção admite ódio

D uas listas com nomes de donos de em-


presas de rádio e televisão ganharam
face perversa do chamado ‘coronelismo
eletrônico’: as concessões públicas, para
E m artigo publicado no site do Estadão
(16/3), o colunista Roldão Arruda
traçou um paralelo entre dois episódios
repercussão recentemente e mostraram além de moedas de troca, se constituem que considerou “lições de civilidade”: a
a ligação dos empresários da mídia com como instrumentos de defesa dos interes- condenação de Levy Fidelix (PRTB-SP),
esquemas de corrupção. De acordo com ses da elite brasileira”, disse à Radis. ex-candidato à Presidência da República,
matéria assinada por Augusto Diniz, divul- Depois de ganhar as manchetes dos em razão de suas agressões à população
gada no blog Luís Nassif Online (8/3) e no jornais europeus, revelando esquemas de LGBT, e as vaias que recebeu o deputado
Observatório da Imprensa (10/3), ao menos sonegação fiscal em contas bancárias na Jair Bolsonaro (PP-RJ), defensor da dita-
10 políticos investigados na operação Lava Suíça, o escândalo do Swissleaks chegou dura militar, durante os atos de protesto
Jato da Polícia Federal controlam empresas ao Brasil com a publicação de uma lista contra o governo da presidenta Dilma
de radiodifusão. Segundo o artigo 54 da por meio de um acordo entre O Globo Rousseff, no Rio de Janeiro.
Constituição Federal de 1988, deputados e o Portal UOL (14/03), que levanta a Roldão elogiou a sentença profe-
e senadores estão impedidos de ser pro- suspeita de que donos de mídia no Brasil rida pela juíza Flávia Poyares Miranda,
prietários, controladores ou diretores de sonegavam impostos em contas do banco de São Paulo, quando afirmou que “não
empresa que tenham contrato com o poder HSBC suíço. O tema havia sido discutido se pode, em nome da liberdade de ex-
público, caso das rádios e TVs. em 10 de março na edição especial do pressão, pregar o ódio” e considerou a
Entre os nomes que compõem a programa Observatório da Imprensa (TV condenação de Fidelix como mais uma
lista de 47 parlamentares investigados Brasil), que mostrou a investigação reali- lição de civilidade que o Judiciário dá
no esquema de corrupção envolvendo a zada por um consórcio de 185 jornalistas ao Congresso, no momento em que na
Petrobras e grandes empreiteiras, estão de 65 países, reunidos em uma associação Câmara são gestados projetos destina-
Fernando Collor (PTB-AL), Renan Calheiros internacional de jornalismo investigativo dos a reduzir os direitos de homossexuais
(PMDB-AL), Eduardo Cunha (PMDB-RJ), (International Consortium of Investigative e mulheres.
Romero Jucá (PMDB-RR), Edison Lobão Journalists – ICIJ), representada no Brasil Em relação à atitude de Fidelix
(PMDB-MA), Dilceu Sperafico (PP-PR), pelos repórteres Fernando Rodrigues (do durante debate entre os candidatos à
Aníbal Gomes (PP-PR), Sandes Junior UOL) e Chico Otávio (de O Globo). Presidência na TV (quando disse que
(PP-GO), Roberto Britto (PP-BA) e Pedro Na lista de 8.667 brasileiros com “dois iguais não fazem filho”; que “apa-
Henry (PP-MT), todos ligados a empresas contas na Suíça, entre 2006 e 2007, estão relho excretor não reproduz”, e também
de radiodifusão, registradas no próprio os donos do Grupo Folha, ao qual pertence comparou a homossexualidade à pedofi-
nome ou no de parentes e aliados. o UOL e quatro integrantes da família Saad lia, afirmando que a população LGBT de-
Para a pesquisadora do Grupo de (dona da TV Bandeirantes). Também apare- veria ter atendimento psicológico, “bem
Pesquisa em Políticas e Economia Política ce a viúva de Roberto Marinho, dono da TV longe da gente”), a juíza considerou,
da Informação e Comunicação (PEIC/ Globo, Lily Marinho, além do apresentador no texto da sentença, que “o candidato
UFRJ), Janaine Aires, essas denúncias re- de TV Carlos Massa, conhecido como ultrapassou os limites da liberdade de
centes mostram que o sistema brasileiro Ratinho, controlador da afiliada do SBT no expressão, incidindo sim em discurso de
de comunicação reflete as confusões entre Paraná, entre outros donos de grupos de ódio, pregando a segregação.”
público e privado. “O silêncio da cobertura mídia. Segundo a matéria, os correntistas A outra lição de civilidade a que
jornalística para estes casos nos expõe a localizados negaram irregularidades. Roldão se referiu foi a atitude de mani-
festantes do Rio de Janeiro, em relação
à presença do deputado Jair Bolsonaro
Radis Adverte nas manifestações contra o governo.
Segundo o colunista, repórteres que
acompanhavam os protestos na cidade
registraram que Bolsonaro (PP-RJ), ape-
sar de festejado e procurado para selfies,
recebeu vaias quando convidado para
subir num dos carros de som e discursar.
Roldão aplaudiu a atitude dos manifes-
tantes, “ocorrida no exato momento em
que grupos de extrema-direita tentam
a todo custo ganhar espaço no bojo
das manifestações democráticas contra
a corrupção e o governo”, lembrando
“a quem já esqueceu ou desconhece a
história”, que o regime impôs uma férrea
censura à imprensa e perseguiu, torturou
e assassinou seus opositores.

SÚMULA é produzida a partir do acompanha-


mento crítico do que é divulgado na mídia
impressa e eletrônica.

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TOQUES DA
REDAÇÃO

Velho Oeste
A desivo em carro, no Mato Grosso do
Sul, divulga campanha dos ruralistas
contra a demarcação de terras indígenas.
O clima continua tenso na região, onde
ruralistas têm ameaçado realizar despejo de
grupos indígenas “com as próprias mãos”,
segundo denúncias do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi). A entidade alerta que
caso providências não sejam tomadas, o
desfecho para esta situação será novamente
uma tragédia há muito anunciada.

Sem limites O crime e a piada (I)


C ausou revolta nas redes sociais a nota
publicada na coluna Gente Boa, do
jornal O Globo (12/3), divulgando um
propunha, a consultora defendeu que o
uniforme representa “símbolo de status”
para as profissionais e naturalizou as duras
E pisódio envolvendo a narração de um
suposto caso de violência sexual mo-
bilizou discussão sobre os limites do que
curso que a “consultora” Lisa Mackey condições de trabalho a que são impostas se veicula na televisão e no rádio. Na en-
criou para empregadas domésticas, que as profissionais: “As condições no Brasil trevista que concedeu ao programa Agora
"perderam a noção do limite”. Ela citou não favorecem a vida sem as empregadas”. é tarde, apresentado por Rafinha Bastos
como exemplos práticas como pendurar Para além dos preconceitos e absurdos que na Rede Bandeirantes de Televisão, o ator
o pano de prato no ombro, falar muito ao permeiam a fala da consultora, mais difícil Alexandre Frota narrou o suposto estupro
celular, se recusar a usar touca e unifor- é perceber o limite entre o que os jornais de uma mãe de santo, suscitando risos do
me e falar das tragédias do bairro onde consideram notícia e aquilo que é humor apresentador e da plateia. A entrevista já
moram. Sem perceber o absurdo que de péssima qualidade. havia sido exibida em maio de 2014, mas
foi sua reprise que gerou grande número
de manifestações, considerando que as
Estampa reincidente declarações ofendiam mulheres e religio-
sos de matriz africana. Após os protestos,

A pós ter sido acusada de oportunista ao


lançar uma camiseta com os dizeres
“Somos todos macacos”, em 2014, a marca
adultos teria sido, por engano, estampada
em uma destinada a crianças.
apresentador e entrevistado alegaram se
tratar de “uma história fictícia” ou “uma
piada”. As explicações não convenceram
de roupas do apresentador Luciano Huck se internautas, que criaram uma petição on-
envolveu em nova polêmica, ao lançar um line (http://goo.gl/Ru3qbq) com o objetivo
novo modelo para o público infantil com de reunir assinaturas e encaminhar denún-
uma estampa onde se lia “Vem ni mim que cia ao Ministério Público. Diz o texto: “Esta
eu tô facim” (sic). Acusada por usuários das petição solicita a rigorosa investigação dos
redes sociais de promover a sexualização fatos narrados por Alexandre Frota com
precoce e o abuso de crianças, a marca incentivo do apresentador Rafinha Bastos,
pediu desculpas pelo “injustificável” e além da severa punição, seja para o caso
creditou o erro a um problema técnico de de estupro, seja para o caso de apologia
e-commerce: a arte de uma camiseta para à violência sexual”.

Mobilização veta regalia O crime e a piada (II)


A insatisfação da sociedade influen-
ciou a mesa diretora da Câmara dos
Deputados para que revogasse o ato que
atividade parlamentar no custeio de pas-
sagens para cônjuges no trajeto entre o es-
tado de origem e Brasília. A revogação foi
Q ualquer cidadão que avaliar que
emissoras cometeram abusos em sua
programação pode encaminhar denúncia
permitia aos parlamentares utilizarem anunciada depois que um abaixo-assinado ao Ministério Público Federal (www.mpf.
recursos da cota para o exercício da reuniu mais de 420 mil manifestações mp.br) ou ao Ministério das Comunicações
contrárias à proposta na Internet. “Houve (denuncia@comunicacoes.gov.br). A emis-
um entendimento equivocado, cristalizou- sora pode ser obrigada a se retratar abrin-
-se uma versão de um benefício, de uma do espaço na programação para veicular
regalia, que não era o caso”, declarou o campanhas educativas ou que deem voz
presidente da Câmara, Eduardo Cunha aos grupos que se sentirem atingidos pelo
(PMDB-RJ), admitindo que a mobilização conteúdo. Apesar dos movimentos em
em torno do tema interferiu na decisão. direção de uma regulação mais eficaz dos
Além de passagens aéreas para deputados meios de comunicação pela sociedade, a
e assessores, a cota para o exercício da atual legislação proíbe as concessionárias
atividade parlamentar também reúne re- de “transmitir programas que atentem
cursos para gastos com telefonia, correios, contra o sentimento público, expondo
aluguel de escritórios de apoio à atividade pessoas a situações que, de alguma forma,
parlamentar, hospedagem, combustíveis e redundem em constrangimento, ainda que
fretamento de carros, entre outros. seu objetivo seja jornalístico”.

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CAPA

Sem investimento n
Efetivar Plano “O plano não só diz que o governo tem
Nacional de que participar, como diz a forma como deve
participar”, aponta Daniel Cara, que esteve à
Educação depende frente da organização da 2ª Conae e é coor-
denador da Campanha Nacional pelo Direito
de regulamentação e à Educação, responsável pela elaboração do
Custo Aluno Qualidade (CAQ), que norteia no
cumprimento de metas plano a constituição do Sistema Nacional de
e vai exigir maior Educação (SNE) e a distribuição dos recursos
educacionais.
aporte de recursos Os desafios, no entanto, são muitos —
ainda que enfrentados em meio ao favorável
públicos lema do novo mandato da presidenta Dilma,
Brasil: Pátria Educadora, anunciado em seu
discurso de posse no Congresso Nacional. Boa
Eliane Bardanachvili parte da implementação do PNE vai depender

A
do cumprimento de prazos intermediários (ver a
hora é de mobilização e ação. O ce- partir da pág. 12) e de regulamentação por meio
nário da Educação brasileira compõe- de leis e decretos, fazendo com que seu sucesso
-se, hoje, de uma grande conquista e dependa de tornar-se ou não uma prioridade no
de muitos desafios. Como conquista, Legislativo e no Executivo. “Há questões que
contabiliza-se a aprovação e publicação do dependem de decretos governamentais e ou-
Plano Nacional de Educação (PNE), para o tros que precisam passar pelo Congresso. Essas
decênio 2014-2024, que virou lei (nº 13.005) abrem chance de nós nos mexermos”, considera
em 25 de junho de 2014. O plano tramitou Daniel, referindo-se à necessária mobilização das
por quatro anos no Congresso (Radis 140); entidades da sociedade civil.
e deveria estar aprovado em 2010, a partir
das deliberações da 1ª Conferência Nacional
de Educação (Conae). A aprovação acabou RECURSOS PÚBLICOS
ocorrendo somente alguns meses antes da 2ª “A aprovação do PNE exigirá forte do-
Conae, realizada entre 19 e 23 de novembro, tação de recursos públicos para viabilizar as
tendo o plano como tema — O PNE na arti- metas”, lembra o professor Luiz Araújo, da
culação do Sistema Nacional de Educação: Faculdade de Educação da Universidade de
participação popular, cooperação federativa Brasília (UnB), ex-secretário de Educação de
e regime de colaboração. Belém (PA), delegado na 2ª Conae. Ele dá como
Salvo, em especial, dois pontos da lei, exemplo a demanda de se criar um milhão de
que abrem espaço para pagamento de bônus novas vagas federais no ensino superior, nos
para estimular o bom desempenho das esco- dez anos de vigência do plano, pelo menos
las (uma das estratégias de implementação 400 mil neste segundo mandato de Dilma
da Meta 7) e para que sejam considerados
recursos públicos aqueles destinados a
programas que beneficiam instituições pri-
vadas — como o Fundo de Financiamento
ao Estudante de Ensino Superior (Fies) e o
Programa Universidade para Todos (Prouni)
—, o PNE, aprovado sem vetos pela presi-
denta Dilma Rousseff, representa uma vitória
para organizações, movimentos sociais, enti-
dades, redes e fóruns da sociedade civil. São
20 metas, cada uma correspondendo a uma
série de estratégias para seu cumprimento.
O avanço mais importante diz respeito à
participação do Governo Federal na Educação
Básica, que é de responsabilidade de estados
e municípios: o plano enfatiza o regime de co-
laboração entre os entes federados, de modo
a garantir um mesmo patamar de qualidade
em todo o país.

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o não há educação
Rousseff. “Não será possível fazer isso com en- elaborar ou adequar seus planos de Educação,
xugamento dos gastos públicos”, considerou. em consonância com as metas e estratégias
Cálculos realizados por técnicos da nacionais, “promovendo a pactuação e a
Consultoria de Orçamento e Fiscalização cooperação federativa”.
Financeira da Câmara dos Deputados, di- No artigo 2015: PNE em risco, publicado
vulgados em reportagem do jornal O Globo no site de notícias UOL, em 2 de fevereiro,
(28/1), indicaram que, entre as áreas sociais, a Daniel Cara alertou, no entanto, para o risco de
Educação poderá ter, em 2015, o maior corte a atual conformação do Congresso Nacional,
de gastos nominais do governo, de R$ 14,52 de perfil conservador, e a correlação de forças
bilhões. Os cortes levam em conta despesas entre governistas e oposição afetarem direta-
de custeio (relativas à aquisição de bens e ma- mente a área da Educação, trazendo insegu-
teriais de consumo e à contratação de serviço rança quanto às chances de se implementar
para a realização de atividades de manuten- o novo plano. “O melhor indicador para o
ção) e investimentos diretos em programas e acompanhamento da execução do PNE é o
ações da pasta da Educação, além de recursos envio para o Congresso Nacional do projeto
voltados a construção de escolas. do Sistema Nacional de Educação”, analisa
Daniel, em entrevista à Radis, em menção à
almejada “cooperação entre União, estados,
SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Distrito Federal e municípios, tendo em vista o
No âmbito do Ministério da Educação, a equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar
importância e as especificidades do PNE são em âmbito nacional”, expressa nos artigos 23 e
reconhecidas, garantiu à Radis o secretário 211 da Constituição, mas até hoje não atingida.
de Articulação com os Sistemas de Ensino Na lei do PNE, o regime de colaboração entre
(Sase/MEC), Binho Marques, em fevereiro. os entes federados é citado sete vezes em seus
Ele ressaltou que o PNE 2014-2024 tem força 14 artigos, e 26 vezes no anexo dedicado às
especial, uma vez que, por conta da Emenda metas e estratégias de cumprimento.
Constitucional 59/2009, passou a ser uma Seja partindo do Executivo, seja do
iniciativa do Estado, obrigação constitucional. Legislativo, o importante é que o SNE se
“Até então, tínhamos planos de educação concretize e tramite na Câmara e no Senado,
plurianuais, de governo, ou planos decenais ressalta Daniel. Na prática, trata-se de distri-
transitórios”, observou. Também constitucio- buir recursos de forma equânime, de modo
nalmente, lembrou, o PNE está vinculado a um a garantir o acesso de todos os estados e
percentual, de 10%, do Produto Interno Bruto municípios a uma educação de qualidade. “A
(PIB), a ser investido no decênio, para que as desarticulação que temos até hoje prejudica
metas sejam alcançadas. o cidadão”, diz Daniel. “A educação tem ilhas
Marques apontou, ainda, a importância de excelência no país. O objetivo é caminhar
de o PNE ter passado a cumprir papel de ar- rumo ao cenário da Saúde. Não cabe um SUS
ticulador do Sistema Nacional de Educação, na Educação, mas cabe termos a ideia de sis-
comprometendo estados e municípios a tema como norte”, analisa, traçando paralelo
com o Sistema Único de Saúde.
Daniel observa que o fato de o presidente
da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ter
acenado como prioridade da Casa para a dis-
cussão sobre o Pacto Federativo e os direitos
de estados e municípios na divisão de tributos
pode ser visto como positivo, mas faz um alerta:
“É importante acompanhar qual será o projeto
de pacto federativo. Não adianta pensar indis-
criminadamente em transferência de recursos”.

CUSTO ALUNO QUALIDADE


No que diz respeito à Educação, o critério
norteador do sistema e da distribuição de re-
cursos é o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi)
e, posteriormente, o Custo Aluno Qualidade
(CAQ). Concebido pela Campanha Nacional
pelo Direito à Educação, já aprovado desde a 1ª

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mais a serem transferidos da União para estados
e municípios, por meio do Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Essas cifras deverão aumentar gradativamente, à
medida que forem sendo cumpridas as metas do
PNE, que preveem, entre outros, a universalização
da pré-escola e da Educação Infantil, já em 2016.
Entre as conquistas obtidas com o PNE destaca-se,

FOTO:FORUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO-CONAE


justamente, a ampliação do investimento público em
educação — de 5,7% para 7% do PIB, nos primeiros
cinco anos do decênio, e para 10%, até 2024.
Está expresso no PNE que caberá à União a
complementação de recursos financeiros a todos
os estados, ao Distrito Federal e aos municípios que
Daniel alerta para a
não conseguirem atingir o valor do CAQi e, poste-
importância da mobilização riormente, do CAQ. O mecanismo inverte a forma
da sociedade civil para de se lidar com o financiamento em educação, defi-
efetivação do PNE nindo o custo a partir das demandas por um ensino
de qualidade, em vez de adequar demandas aos
recursos disponíveis em cada estado ou município.
Conae, e base para o cumprimento da meta 20 do “Queremos um novo formato de investimento, com
PNE (“Ampliar o investimento público em educação o CAQi”, diz o professor Heleno Araújo, secretário
de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional
do Produto Interno Bruto do país no quinto ano de dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que assu-
vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a miu em 2014 a coordenação do Fórum Nacional de
10% do PIB no final do decênio”), o CAQi determina Educação (FNE), instituído durante a 1ª Conae, em
os padrões mínimos de funcionamento de todas 2010, para monitorar e acompanhar o cumprimento
as escolas públicas do país, no que diz respeito a do PNE e até então presidido por representantes
aspectos como o tamanho das turmas, formação do MEC. “É a condição da escola que determina a
continuada para os educadores, salários e carreira, transferência de recursos”, explica Daniel Cara.
laboratórios, bibliotecas, quadras poliesportivas e Luiz Araújo ressalta a vitória que a inserção
material didático, entre outros. do CAQi no PNE representa. “Isso exigirá des-
Dados da Campanha apontam que apenas tinação maior de recursos para as regiões mais
para se atingir, em 2016, o patamar de qualida- pobres do país, elevando o padrão de qualidade
de estabelecido pelo CAQi serão necessários R$ da oferta educacional nessas localidades”, diz. “O
37 bilhões de “dinheiro novo”, isto é, recursos a CAQi força redirecionamento de parte do fundo

2015
• Elaboração dos planos de educação de estados, municípios
Compromissos e prazos e DF (art.8º).
• Elaboração/aprovação do Plano Plurianual (PPA) 2016-2019
do PNE (2015-2019) (art. 10).
• Normas, procedimentos e prazos para definição de mecanis-

A s metas do PNE serão objeto de monitoramento mos de consulta pública da demanda das famílias por creches
contínuo e de avaliações periódicas por parte de (Estratégia 4, da Meta 1).
cinco instâncias: o Ministério da Educação (MEC); a • Melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a
Comissão de Educação da Câmara dos Deputados; a atingir médias nacionais para o Ideb, com aferição a cada dois
Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado anos, de acordo com o indicado (Meta 7).
Federal; o Conselho Nacional de Educação (CNE) e • Elevação da taxa de alfabetização da população com 15
o Fórum Nacional de Educação (FNE). Para acompa- (quinze) anos ou mais para 93,5% (Meta 9).
nhar o exercício dessa tarefa é importante conhecer • Política nacional de formação dos profissionais da educação
os prazos intermediários das metas e estratégias do (Meta 15).
plano. A maioria dos prazos concentra-se nos anos • Fórum permanente para acompanhamento da atualização
de 2015 e 2016. Observar seu cumprimento ajudará progressiva do valor do piso salarial nacional para os profis-
a avaliar como o restante do plano se encaminhará sionais do magistério público da educação básica (Estratégia
durante todo o decênio. Veja ao lado como ficam os 1 da meta 17).
prazos dos cinco primeiros anos (2014-2019).

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público, hoje alocado em outras prioridades, para
a educação básica”.
Binho Marques destaca que a discussão do
CAQi é “da maior relevância” para o MEC. “Tanto
a Constituição Federal quanto a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9394/96)
apontam a necessidade de uma equalização de
oportunidades educacionais através do estabeleci-
mento de um padrão mínimo de qualidade”, lem-
bra, observando que, por determinação do então
ministro da Educação, Cid Gomes [Reportagem
editada dias antes da renúncia do ministro e da
indicação de um novo nome para a pasta], a
Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino

FOTO: JOEL RODRIGUES


(Sase) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Heleno chama atenção para
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) assumiram a o cumprimento de prazos,
por parte do MEC, para
responsabilidade de coordenar os trabalhos de pes-
que o CAQi saia do papel
quisa, estudos e audiências públicas relacionados e integre a Lei de Diretrizes
ao CAQi e que “irão subsidiar o posicionamento Orçamentárias
conceitual e metodológico do MEC”.

PARECER NÃO HOMOLOGADO de Diretrizes Orçamentárias do ano que vem. “Não


podemos perder os prazos”, diz Heleno.
De acordo com o que ficou aprovado na 2ª Uma vez em vigor, o CAQi deverá ser progres-
Conae, para implementação e regulamentação do sivamente reajustado até a implementação plena
CAQi até 2016, como prevê o PNE, o MEC deve do CAQ, a ser definido após três anos de vigência
homologar o parecer nº 8/2010, do Conselho do PNE, e continuamente ajustado, sob acompa-
Nacional de Educação, expedido há quase cinco nhamento do Fórum Nacional de Educação (FNE),
anos, que normatiza os padrões mínimos de Conselho Nacional de Educação (CNE) e Comissões
qualidade da educação básica nacional, seguindo de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados e
a metodologia desenvolvida pela Campanha. É de Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal.
necessário, ainda, que o ministério institua até o “Se é lei, tem que ser cumprida”, foi o que
próximo mês de maio um grupo de trabalho, en- Daniel e Heleno ouviram do então ministro da
volvendo governos estaduais e municipais, secreta- Educação, Cid Gomes, a respeito do PNE e do
rias de Educação e representações de movimentos CAQi. Ambos receberam a visita do ministro, res-
ligados à Educação. O cumprimento desse prazo pectivamente na sede da Campanha Nacional pelo
garante que o CAQi saia do papel e integre a Lei Direito à Educação e em reunião do Fórum Nacional

2016 anos com deficiência, transtornos globais e altas habilidades


ou superdotação (Meta 4 – não há definição de prazo no PNE,
mas deve ser observado o ano de 2016 definido pela Emenda
• Publicação de estudos pelo Inep para aferir a evolução das Constitucional 59 para universalização da educação básica
metas (art. 5º). obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos).
• Aprovação da Lei de Responsabilidade Educacional (Estratégia • Reestruturação dos procedimentos de avaliação, regulação e
11 da Meta 20) e de leis específicas disciplinando a gestão supervisão para autorização de cursos e instituições, no âmbito
democrática da educação pública nos estados, municípios e do sistema federal de ensino (Estratégia 19 da Meta 12).
Distrito Federal (art. 9º) e estabelecendo o Sistema Nacional • Planos de carreira para os profissionais da educação básica
de Educação (art. 13º). e superior pública de todos os sistemas de ensino (Meta 18).
• Regulamentação, por lei complementar, do parágrafo único • Realização a cada dois anos de prova nacional para subsidiar
do art. 23 e o do art. 211 da Constituição Federal, que tratam do estados, Distrito Federal e municípios, na realização de con-
Regime de Colaboração entre a União, estados, Distrito Federal e cursos públicos de admissão de profissionais do magistério da
municípios (Estratégia 9 da Meta 20). educação básica pública (Estratégia 3 da Meta 18); realização
• Universalização da pré-escola para as crianças de 4 e 5 anos (Meta anual do censo dos profissionais da educação básica que não
1) e do ensino médio para a população de 15 a 17 anos (Meta 3). os do magistério (Estratégia 5 da Meta 18).
• Avaliação da educação infantil, a cada dois anos, com base • Recursos e apoio técnico da União para a efetivação da gestão
em parâmetros nacionais de qualidade (Estratégia 6 da Meta 1). democrática da educação, associada a critérios de mérito e de-
• Elaboração pelo MEC de proposta de direitos e objetivos de sempenho e à consulta pública à comunidade escolar (Meta 19).
aprendizagem e desenvolvimento para os alunos do ensino • Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi), com financiamento
fundamental (Estratégia 1 da Meta 2). calculado com base nos insumos indispensáveis ao processo
• Universalização do acesso à educação básica e ao atendi- de ensino-aprendizagem e que será reajustado até a imple-
mento educacional especializado para a população de 4 a 17 mentação plena do Custo Aluno Qualidade (CAQ) (Meta 20).

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sociais”, aponta o professor Luiz Araújo. Para ele,
os movimentos sociais foram “muito comportados”
perante a presidenta Dilma Rousseff, na 2ª Conae
(ver box na pág.16), podendo dar a impressão de que
“ali não se encontram problemas políticos dignos de
preocupação, que mereçam sinalizações concretas”.

PLANOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS

FOTO: FORUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO-CONAE


A concretização do PNE está relacionada tam-
bém a que estados e municípios façam sua parte. O
artigo 8º da lei 13.005 fixa o prazo de 24 de junho
próximo para que aprovem as leis que criam seus
planos estaduais e municipais de educação (PEE e
PME), com diretrizes e metas a serem alcançadas
Binho: preocupação para
que os prazos não ponham até 2024. “Temos dois temas no PNE que são de
em risco a legitimidade e inteira responsabilidade da União, os que tratam
a construção democrática da Educação Profissional [Meta 11] e da Educação
do PNE Superior [Metas 12, 13 e 14]. As demais metas de-
mandam os três entes federados atuando juntos”,
lembra Heleno.
de Educação. “Foi uma visita cordial, na qual O balanço, no entanto, não parece promis-
apresentamos o que estamos pensando. Ele não sor. Dados de fevereiro do site do MEC mostram
encaminhou soluções, mas afirmou que a lei tem que, entre os estados, apenas Mato Grosso,
que ser cumprida e se mostrou aberto ao diálogo, Mato Grosso do Sul e Maranhão tinham seus
diferente dos outros ministros”, conta Daniel, que, planos constituídos por lei. Os demais estavam
no entanto, diz, está preocupado, uma vez que a em diferentes fases do processo (Distrito Federal
agenda do PNE, em sua fase inicial, depende mais e Rio Grande do Sul haviam enviado projetos de
da Presidência da República e da área econômica lei para apreciação do Legislativo; Rondônia e
do que do Ministério da Educação. Roraima haviam concluído os projetos; Acre, Rio
De qualquer forma, o plano estratégico do de Janeiro e Santa Catarina estavam ainda na
MEC está “completamente atrelado ao PNE”, como etapa de fechamento do documento-base, e São
afirma Binho Marques. “Para cada meta, há uma Paulo e Tocantins, de realização do diagnóstico;
secretaria com liderança e responsabilidade priori- os demais haviam apenas constituído comissões
tária no acompanhamento e execução de um plano de coordenação). Em relação aos municípios, dos
tático operacional, em fase de conclusão”, diz. 5.570, apenas 37 haviam cumprido todas as fases
“O que vai garantir o cumprimento das deci- do processo e tiveram suas leis sancionadas. Cerca
sões é a mobilização autônoma dos movimentos de 1,4 mil não haviam iniciado o trabalho e 2.843

2017 2018
• Nova aferição do desempenho dos alunos no • Estudos do Inep para aferição da evolução das metas do
Ideb (Meta 7). PNE (art. 5º).
• Definição do CAQ, a ser continuamente ajus- • Realização da 3ª Conferência Nacional de Educação (art. 6º).
tado, com base em metodologia formulada pelo • Nova avaliação da educação infantil, com base em parâme-
MEC e acompanhado pelo FNE, CNE e comissões tros nacionais de qualidade (Estratégia 6 da Meta 1).
de Educação da Câmara dos Deputados e de • Melhorar o desempenho dos alunos da educação básica
Educação, Cultura e Esportes do Senado Federal nas avaliações da aprendizagem tomando como instrumento
(Estratégia 8 da Meta 20). externo de referência o Programa Internacional de Avaliação
de Estudantes (Pisa), de acordo com as projeções indicadas
(Estratégia 11 da Meta 7).
• Realização de nova prova nacional para subsidiar estados,
Distrito Federal e municípios na realização de concursos públi-
cos de admissão de profissionais do magistério da educação
básica pública (Estratégia 3 da Meta 18)

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estavam na fase inicial, de constituição de uma
comissão coordenadora.
Binho Marques explica que o Plano de Ações
Articuladas (PAR), principal instrumento de pac-
tuação do MEC com os estados e municípios, será
o grande aliado do PNE, fortalecendo as ações
previstas nos planos estaduais e municipais de
Educação que estejam em consonância com as
metas nacionais. O PAR, de âmbito local (estadual
ou municipal), deve estar em consonância com o
respectivo plano de Educação do estado ou muni-
cípio, o que incidirá diretamente no fluxo de finan-
ciamento por parte do ministério. “É extremamente
importante que todos os secretários de Educação,

FOTO: AÇÃO EDUCATIVA


prefeitos e governadores estejam atentos ao prazo
Luiz comemora a inserção
de aprovação de seus planos”, avisa. do CAQi no Plano Nacional
Ele lembra que não há sanção específica pre- de Educação: mais recursos
vista na lei para o ente federativo que descumprir para regiões mais pobres
o prazo. No entanto, o descumprimento estará em do país
desacordo com a nova lógica de financiamento.
“Os mecanismos de planejamento educacional
estão sendo aperfeiçoados”. Binho Marques coordenadores atendem as secretarias de Educação
alerta para que a busca de se cumprir o prazo com esse objetivo. Foi também aberta uma agenda
não implique a elaboração de planos “de forma de visitas aos secretários que estão em maior difi-
aligeirada ou não democrática”, que coloque em culdade para cumprir o prazo.
risco sua legitimidade e, consequentemente, a Daniel Cara diz não estar otimista quanto ao
mobilização da sociedade em busca de seu cum- cumprimento por estados e municípios do prazo
primento. “Planos construídos em gabinetes ou final para concretização de seus planos. “Foi estabe-
por consultores alheios à realidade local tendem lecido um prazo muito curto”, avalia. “Os planos que
ao fracasso, mas planos submetidos ao amplo já estão prontos praticamente não tiveram debate”.
debate incorporam a riqueza das diferentes visões Ele dissocia o sucesso da implementação do PNE do
e vivências que a sociedade tem sobre a realidade fato de os estados e municípios terem ou não seus
que deseja alterar”. planos prontos e tornados lei. “Ainda que os planos
Em ambiente virtual, o Portal do PNE, o minis- não estejam prontos, se os estados e municípios
tério, por intermédio da Sase, pôs à disposição das observarem as metas nacionais, buscando atingi-
unidades da federação cartilhas e outros materiais -las, estarão dando um grande passo”, considera. “A
de orientação à elaboração dos planos. Além concretização ou não, dentro do prazo, dos planos
disso, uma equipe de 300 técnicos, supervisores e estaduais e municipais não paralisam o PNE”.

SAIBA MAIS

Portal do PNE

2019
Construindo os planos de Educação
http://pne.mec.gov.br

Observatório do PNE
tas do • Elaboração/aprovação do PPA 2020-2023 (art. 10º). www.observatoriodopne.org.br
• Nova aferição do desempenho de alunos no Ideb (Meta 7).
Prazos intermediários do PNE
rt. 6º). • Universalização do acesso à rede mundial de compu- http://goo.gl/2dcf0W
râme- tadores em banda larga de alta velocidade (Estratégia 15
da Meta 7). Parecer CNE/CEB nº 8/2010 - Ministério da Educação
(aguardando homologação) http://goo.gl/JvnR2Q
básica • Ampliação do investimento público em educação pública
mento de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Documento final da Conae
liação Interno Bruto (PIB) do país (Meta 20). http://goo.gl/V2o0wX
icadas Documento Referência da Conae
Fonte: Ana Valeska Amaral Gomes e Paulo Sena / Consultoria http://conae2014.mec.gov.br/images/pdf/doc_referencia_
tados, Legislativa da Câmara dos Deputados. Quadro completo dos conae2014.pdf
públi- prazos intermediários do PNE em http://goo.gl/tFXDcr
Embates pela educação pública de qualidade (Radis
cação 140 / 2014)
http://goo.gl/d6miA9

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FOTO: FORUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO-CONAE

Conae:
espaço de
participação
consolidado
Plenária da 2ª Conae, agora
legitimada como espaço
de participação popular no
campo educacional

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aprovadas nas etapas estaduais, e que orientou os debates
da etapa nacional.
Foram condensados pela Comissão Especial de
Monitoramento e Sistematização do FNE 11.488 registros
de inserções recebidos por meio dos fóruns estaduais
de Educação, resultando em aproximadamente 30 mil
emendas aos parágrafos existentes (ou novos parágrafos)
no Documento-Referência, das quais foram contempladas
5.970. As conferências municipais, estaduais e distrital mo-
bilizaram cerca de 3,6 milhões de pessoas no debate sobre
políticas de educação. “O documento da Conae aponta
o que queremos da educação”, diz o presidente do FNE,
Heleno Araújo. “A Conae arma o movimento social para
cobrar uma postura mais efetiva do governo”, considera
o professor Luiz Araújo.

DELIBERAÇÕES POSITIVAS
Pontos como tramitação e implementação do Plano
Nacional de Educação, articulação do sistema Nacional
de Educação, implementação do Custo Aluno Qualidade
(CAQ), valorização do magistério com ampliação da hora-
-atividade para 50% da carga horária foram discutidos e
consolidados tanto na primeira quanto na segunda edição
da Conae. Embora não seja deliberativa, uma vez que não
tem poder executivo ou legislativo, a Conae expressa os
anseios da sociedade, como lembra Arlindo. “Tudo o que
foi deliberado na conferência foi aprovado por unanimi-
dade na plenária final”, relata.
Para Luiz Araújo, embora os movimentos e entida-
des representados na conferência fossem de forma geral
“alinhados com o governo” e, assim, menos fortalecidos
para “enfrentar a ofensiva conservadora” que afeta não só
a área da Educação, as deliberações da conferência foram

A 2ª Conferência Nacional de Educação (Conae), cuja


realização chegou a ser adiada de fevereiro para no-
vembro (Radis 140), acabou por consolidar-se como espaço
positivas. Como exemplo, ele citou o prazo estabelecido
para regulamentação CAQi, após dois anos de vigência
do PNE, e do CAQ, após três anos. “A Conae empresta
de participação popular no campo educacional. Até então, enorme legitimidade ao deliberar um prazo negociado
com a realização apenas da primeira conferência, em 2010, com o governo”.
o evento ainda corria o risco de ser algo apenas episódico. Um ponto que é alvo de polêmica é a relação
“Conseguimos estruturar e manter esse espaço”, considera público-privado na educação, presente em alguns pontos
Arlindo Queiroz, secretário executivo adjunto do MEC. do PNE e discutido na Conae. “De um lado, temos uma
A continuidade agora está garantida por lei. O artigo clara maioria favorável a que recursos públicos sejam
6º do PNE estabelece que a União promoverá pelo menos destinados exclusivamente à educação pública, mas,
duas conferências nacionais de Educação até o final do de outro, devido à postura dos movimentos em relação
decênio, com intervalo de até quatro anos entre elas. ao governo, há uma defesa também majoritária dos
Assim, os anos de 2018 e 2022 já estão nas agendas da programas federais que direcionam recursos para setor
comunidade educacional. “Temos agora, além da prática, privado e que estão associados à inclusão de segmentos
um instrumento legal que dá suporte ao Fórum Nacional de sociais excluídos no ensino. Assim, a Conae não reforçou
Educação (FNE), organizador das conferências”, diz Arlindo, os conveniamentos em creches, mas não fez crítica ao
lembrando que as 20 metas do PNE e suas estratégias Prouni e ao Pronatec”, analisa Luiz Araújo, referindo-se
resultaram, a maioria, de deliberações da Conae 2010. a programas do Governo Federal que destinam recursos
públicos a entidades privadas. “O PNE vive nesta contra-
REFERÊNCIA dição e a Conae também”, considera.
De acordo com o coordenador da Campanha
O Documento Final da 2ª Conae ficou pronto em Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, durante
fevereiro e está disponível no site da conferência (http:// a Conae a presidenta Dilma limitou-se a pedir sugestões
conae2014.mec.gov.br). O texto sistematiza o debate tra- aos delegados, sem, no entanto, estabelecer compro-
vado em âmbito nacional durante o evento e mantém-se missos em sua fala. “Nosso objetivo não é dar suges-
como norte para educadores e entidades da sociedade tões. Não somos uma estrutura de aconselhamento,
civil. Além disso, tem grande importância na elaboração mas de disputa de projetos”, diz Daniel, para quem os
dos planos estaduais, municipais e distrital de Educação. movimentos sociais presentes aproveitaram-se pouco
A preparação do Documento Final levou em conta dois da presença da presidenta, para “puxar a rédea para
outros textos — o Documento-Referência, discutido nas o caminho pelo qual nós lutamos”. Ele ressalvou, no
etapas estaduais e municipais, e o Documento-Base, entanto, que os delegados foram coesos na aprovação
construído com as emendas ao Documento Referência, das emendas e do relatório final.

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FINANCIAMENTO

Luiz Felipe Stevanim radiodifusão, desoneração fiscal e abertura ao capi-

M
tal estrangeiro na saúde. Após ser votada em caráter
esmo com a oposição de entidades de urgência, em dezembro, a mudança foi aprovada
do Movimento Sanitário, o Congresso pela presidenta em janeiro, apesar dos setores que
Nacional aprovou e a presidenta Dilma apontavam a abertura como inconstitucional.
Rousseff sancionou a lei que abre as No mercado de planos de saúde, a participa-
portas para o capital estrangeiro na saúde. A nova ção de capital estrangeiro já é permitida desde 1998
legislação altera a chamada lei orgânica do SUS com a lei 9.656. O que mudou com a nova legisla-
(lei 8.080, de 1990) e permite que empresas de ção é que o dinheiro vindo do exterior passa a poder
outras nacionalidades possam atuar em serviços de atuar nos serviços de assistência à saúde, por meio
saúde, como hospitais e clínicas, o que até então de hospitais e clínicas, pesquisas de planejamento
não era permitido pela Constituição Federal de familiar, serviços de saúde mantidos por empresas
1988. Mas de acordo com parecer da Advocacia e doações vindas de organismos internacionais e
Geral da União (AGU) ao qual Radis teve acesso, de financiamento e empréstimos.
a mudança é inconstitucional porque transforma Os argumentos dos setores contrários à mu-
em regra aquilo que o texto constitucional previa dança se baseiam em um parágrafo do artigo 199
apenas como casos excepcionais. da Constituição Federal de 1988, que diz que “é
A abertura ao capital estrangeiro também vedada a participação direta ou indireta de empre-
foi condenada por um manifesto assinado pe- sas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde
las entidades do Movimento Sanitário, como o no País, salvo nos casos previstos em lei”. A inter-
Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), a pretação dada ao texto constitucional pelo parecer
Associação Brasileira da Saúde Coletiva (Abrasco) da AGU, emitido em 15 de janeiro, portanto, antes
e a Associação Brasileira de Economia da Saúde da assinatura de Dilma, é clara: a mudança amplia
(ABrES), ao denunciarem que “o domínio pelo aquilo que deveria estar previsto apenas em casos
capital estrangeiro na saúde brasileira inviabiliza excepcionais, justificados pelo interesse nacional.
o projeto de um Sistema Único de Saúde e conse- “O parecer entende que há uma ampliação de
quentemente o direito à saúde, tornando a saúde tal modo que o que era para ser exceção passa a
um bem comerciável, ao qual somente quem tem ser regra, sendo permitido em todos os casos de
dinheiro tem acesso”. Na visão do movimento e de instalação, operacionalização ou exploração de
especialistas ouvidos pela reportagem, é mais um hospital geral, hospital especializado, policlínica,
passo rumo à mercantilização do SUS. clínica geral e clínica especializada”, diz o parecer
ao qual Radis teve acesso.
POR CIMA DA CONSTITUIÇÃO
PALAVRA DO CONSELHO
Sancionada pela presidenta Dilma em 19 de ja-
neiro, a lei 13.097 teve origem na Medida Provisória Um dia após a aprovação da medida no
656, de outubro de 2014, publicada pelo governo Congresso, o Conselho Nacional de Saúde (CNS)
para tratar somente de assuntos tributários e de divulgou nota afirmando que “não concorda que
importação. Ao passar pela análise do Congresso o parlamento, ao apagar das luzes do ano legisla-
Nacional, o texto sofreu 386 emendas e ampliou tivo, e sem debate, tome essa decisão”. À Radis,
sua abrangência para assuntos dos mais diversos, a presidente do Conselho, Maria do Socorro de
como dívidas de clubes esportivos e empresas de Souza, reafirmou que tanto a votação no Congresso

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quanto a assinatura de Dilma não levaram em conta adequado mas sobretudo de legitimação política, a
o controle social do SUS. “A partir de uma medida entrada do capital estrangeiro estimula a fragmen-
provisória, sem debate mais claro, mais transparen- tação do sistema de saúde”, aponta.
te, como o governo vai regular, vai controlar e ter De acordo com a análise de Lígia Bahia, dife-
regras claras para definir o papel e os limites desse rente do contexto de 1998 quando os planos de
capital?”, questiona. saúde foram autorizados a receber investimentos
Segundo a presidente do CNS, que se prepara do exterior, o atual momento mostra um cenário
para organizar em novembro a 15ª Conferência em que os projetos políticos defendem o SUS no
Nacional de Saúde, abrir para o capital estrangeiro discurso, mas adotam práticas que o desmon-
é ceder ainda mais aos interesses corporativos e ter tam. Como exemplo ela cita os subsídios fiscais
menos poder de regulação sobre a saúde privada. para planos de saúde e a aprovação da Proposta
“Para a defesa da saúde pública como uma política de Emenda Constitucional 358 na Câmara, que
voltada para a cidadania, tem que ser muito mais representa perdas de financiamento para o SUS
forte a presença do Estado, com financiamento (Radis 150). Para ela, aprovar a entrada de capital
efetivo”, defende Maria do Socorro. Para ela, ha- estrangeiro “goela abaixo” da sociedade deve-se à
verá consequências negativas para o SUS, com o forte pressão do setor empresarial no Congresso e
aumento da ingerência de empresas multinacionais no governo. “Empresários da saúde apresentaram
com grande poder de pressão. a proposta para ambas as candidaturas majoritárias
[nas eleições de 2014], no entanto a proposição não
foi submetida a debate público”, destaca.
CAPITAL SEM LIMITES
Em reunião com o próprio Conselho Nacional
MERCANTILIZAÇÃO DO SUS
de Saúde, em janeiro de 2015, o ministro da pas-
ta, Arthur Chioro, defendeu a entrada de capital A abertura ao capital estrangeiro na saúde
estrangeiro no setor, pois, segundo ele, melhora a foi comemorada por dirigentes e representantes
concorrência e corrige distorções. Mas a professora dos hospitais privados. Em artigo publicado pela
da Faculdade de Medicina da UFRJ e especialista em Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de
saúde coletiva, Lígia Bahia, discorda que a legisla- Serviços de Saúde do Rio de Janeiro (Feherj), o pre-
ção aprovada pretenda beneficiar a concorrência e sidente da instituição, Armando Carvalho Amaral,
diminuir os preços dos serviços privados de saúde. afirma que a mudança deve dar “alívio financeiro”
“A nova lei sequer propõe qualquer restrição à for- ao mercado privado de saúde. Segundo ele, “sem
mação de monopólios, efeito que tende a ocorrer novas fontes de investimento dificilmente a rede
se grandes empresas decidirem investir no Brasil e privada hospitalar teria condições de expandir sua
que qualquer um sabe que afeta a competitividade”, estrutura de acordo com a necessidade da popu-
enfatiza a pesquisadora. lação”, destacou. O mesmo argumento havia sido
Para Lígia Bahia, ao contrário do que defen- utilizado pelo presidente da Associação Nacional de
dem os empresários do setor saúde e até mesmo o Hospitais Privados (Anahp), Francisco Balestrin, em
governo, não se trata de uma “abertura dos portos”. artigo publicado em O Globo, em julho de 2014.
Segundo ela, a entrada de capital estrangeiro deve Entretanto, segundo dados da própria institui-
representar desvio de recursos públicos do SUS, tan- ção, os 55 hospitais privados associados à Anahp
to em termos financeiros quanto simbólicos. “Como no final de 2013 tiveram um faturamento de 17,3
o SUS necessita não apenas de financiamento bilhões de reais naquele ano. Já o setor de planos

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de saúde teve crescimento em todos os anos desde SAÚDE PÚBLICA AMEAÇADA
SAIBA MAIS 2003, de acordo com a Agência Nacional de Saúde
Como tramitam as Suplementar (ANS). Somente em 2013, a receita A saúde pública numa encruzilhada: é assim
medidas provisórias total do setor teve um crescimento de cerca de 16% que Maria Angélica vê o SUS, com a participação
em relação ao ano anterior. cada vez maior do mercado no sistema. Segundo
http://goo.gl/aDXIfR Para Maria Angélica Borges dos Santos, ela, outra consequência da entrada de capital
pesquisadora da Escola de Governo em Saúde, estrangeiro deve ser o aumento do chamado
vinculada à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio turismo médico, com a vinda de estrangeiros
Porque todos nós
Arouca(Ensp/Fiocruz), a mudança deve acentuar a para se tratar no Brasil. Com a medicina de alto
precisamos do SUS
e sem abertura do
onda de fusões dos planos de saúde, hospitais e nível existente no Brasil, os preços passarão a ser
capital estrangeiro laboratórios, que já vinham ocorrendo desde os nivelados em bases internacionais. “Se os bra-
na saúde – Isabela anos 2000. Como consequência de um cenário de sileiros não puderem pagar, os americanos e os
Soares Santos oligopólios, deve ocorrer aumento dos preços dos australianos vêm se tratar aqui e pagam”, aponta.
http://cebes.org. serviços para os cidadãos. “Para o argumento que Mas, na visão da pesquisadora, o “golpe
br/2015/01/ate-quando- diz que o capital estrangeiro desenvolve o país, é de morte” da entrada do capital estrangeiro foi
-aceitaremos-isso-cara- preciso colocar a questão: qual país e em qual setor em um dos princípios organizativos do SUS: a
-palida/ da economia?”, pontua, ao alertar que o objetivo da participação social. Segundo ela, a aprovação
chamada “medicina de mercado” não é ampliar a desta mudança aconteceu sem nenhuma dis-
capacidade instalada, como número de leitos e hos- cussão com o controle social, desconsiderando
pitais, e sim incentivar o consumo dos seus serviços. o histórico de mobilização social na saúde pú-
De acordo com a pesquisadora, a entrada de blica. “Durante muito tempo pensamos o SUS
capital estrangeiro faz parte de um processo mais como um sistema blindado e garantido pela
amplo de mercantilização do SUS, que inclui as Constituição, mas no momento em que o texto
desonerações fiscais concedidas ao setor privado constitucional é ignorado, ainda temos poucas
e o fortalecimento do mercado de planos (Radis ferramentas para analisar o novo cenário”,
150). A consequência para o cidadão, segundo ela, alerta. O desafio para quem defende o SUS é
é aumento de preços dos serviços privados e queda saber como proteger a casa depois que a porta
na qualidade das opções oferecidas. foi arrombada.

ENTENDA COMO A ENTRADA DE CAPITAL

FOTO: MDS
ESTRANGEIRO NA SAÚDE FOI APROVADA

PRIMEIRA PORTA ABERTA: CAMINHOS DA MP 656:


Lei 9.656 de 1998 - autoriza a participação
de capital estrangeiro em planos de saúde. 1º passo: Medida Provisória 656 de 2014 publicada
em 08 de outubro no Diário Oficial da União, para
TENTATIVA DE ARROMBAR A FECHADURA: tratar somente de questões tributárias e assuntos
Projeto de Lei do Senado 259 de 2009 de importação.
(senador Flexa Ribeiro):
ampliar a participação para todos os serviços 2º passo: A MP sofre 386 emendas no Congresso
de assistência à saúde. Arquivada em dezem- Nacional, inclusive o acréscimo do artigo 142, que
bro de 2014. trata da abertura do capital estrangeiro na saúde.

3º passo: A MP é transformada em Projeto de Lei


PORTAS ARROMBADAS:
de Conversão (PLC) nº 18 e votada em 17 de de-
Medida Provisória 656
zembro em caráter de urgência.
Uma medida provisória é sancionada pelo pre-
sidente com força de lei e tem vigência de 120 4º passo: Apesar da oposição do Movimento Sa-
dias. Nesse período, deve ser votada no Con- nitário e da mobilização pelo “VETA DILMA”,a
gresso. A MP 656 permite a operação de capi- presidenta sanciona o PLC no dia 19 de janeiro,
tal estrangeiro em todos os serviços de saúde, aprovando a Lei 13.097. Estão abertas as portas
inclusive hospitais e clínicas. para o capital estrangeiro na saúde.

[20] RADIS 151 • ABR / 2015

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DESERTIFICAÇÃO

Crianças aprendem desde


cedo a conviver com a seca
como preservar a caatinga e
armazenar água em cisternas

Projeto de lei que cria a


Política Nacional de Combate
à Desertificação reafirma luta
e saberes de quem vive no
Semiárido brasileiro
FOTO: MDS

Luiz Felipe Stevanim da convenção, a desertificação é o processo de

A
degradação ambiental causada principalmente pela
canção do maranhense João do Vale, na ação humana e pelo uso inadequado dos recursos
voz de Clara Nunes, fala de um sertão naturais em espaços áridos, semiáridos e subúmi-
onde “Quase ninguém tem estudo / Um dos secos, comprometendo a biodiversidade e a
ou outro que lá aprendeu ler”, mas em vida nesses ambientes, como na África subsaariana
que os habitantes reconhecem os sinais da natu- e no Nordeste brasileiro. Entre os objetivos da
reza para antecipar o que vai acontecer. O grau de política a ser aprovada, estão a prevenção e o com-
instrução na região já não é o mesmo, mas é com bate a este fenômeno, a promoção da educação
essa sabedoria popular que a Política Nacional de socioambiental e a melhoria das condições de vida
Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das populações afetadas.
da Seca, aprovada na Câmara no fim de fevereiro e Morador da cidade que tem o mesmo nome
que segue para nova discussão no Senado, precisa da música de Clara Nunes, Ouricuri, na divisa de
aprender a dialogar para formular estratégias de Pernambuco com Piauí, e integrante da Articulação
convivência com a seca. no Semiárido Brasileiro (ASA), o agrônomo Paulo
O projeto de lei (PL 2.447), que tramitava Pedro de Carvalho defende que a sociedade civil
no Congresso desde 2007, regulamenta a política tem um papel central na construção dessa agenda
sobre o tema da desertificação, que no Brasil era de convivência com a semiaridez. “É preciso apro-
tratado apenas por meio de um Programa de veitar um conjunto de experiências de agroecologia
Ação Nacional (Pan-Brasil), embora o país seja que já existem e estabelecer um outro modelo de
signatário da Convenção das Nações Unidas de desenvolvimento para o Semiárido, produzindo
Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos alimentos, garantindo qualidade de vida e gerando
da Seca (UNCCD) desde 1997. Segundo os termos renda para as pessoas”, acredita (Radis 94).

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SABERES TRADICIONAIS A valorização dos saberes tradicionais é um
dos princípios observados na política proposta pelo
O tema da desertificação entrou na agenda projeto de lei. Paulo destaca que o conhecimento
das Nações Unidas depois da Conferência sobre popular acumulado ao longo de anos, ao esto-
Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), ocor- car água, preservar a caatinga e fazer o manejo
rida em 1992 no Rio de Janeiro, para se referir aos sustentável do solo são tecnologias sociais para a
processos de degradação do solo em zonas áridas, convivência com a seca. “O Congresso insiste em
semiáridas e subúmidas, que abrangem 55% das chamar de ‘combate à seca’. Isso para nós é uma
terras do planeta. Segundo dados do Ministério aberração. Não se combate um fenômeno natural,
do Meio Ambiente, as áreas suscetíveis a esse por isso falamos em ‘conviver’”, enfatiza.
processo representam 16% do território brasileiro
e abrangem 11 estados do Nordeste e Sudeste
TECNOLOGIAS SOCIAIS
(Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais,
Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande A demora para se aprovar uma política na-
do Norte e Sergipe). A discussão também é estra- cional para este tema se deve, segundo Paulo, aos
tégica porque 2015 foi declarado pela ONU como interesses econômicos presentes no Congresso
o Ano Internacional dos Solos. Nacional, ligados ao agronegócio e à exploração da
terra. “O combate à desertificação passa por ações
de preservação do meio ambiente, que estabele-
“O Congresso insiste em chamar de çam o manejo responsável dos recursos naturais e
promovam o desenvolvimento sustentável e o com-
‘combate à seca’. Não se combate um bate à pobreza — e por isso mexe com interesses
fenômeno natural, por isso falamos em econômicos e políticos”, explica.
Uma das críticas dos movimentos sociais
‘conviver’”, enfatiza Paulo de Carvalho que trabalham com o tema da seca, como a
Articulação no Semiárido (ASA), ao projeto de
lei é a ênfase dada às técnicas de irrigação. Para
Coordenador de projetos da ONG Caatinga, Paulo, existem experiências que mostram que essa
que integra a ASA, e um dos principais articulado- prática também pode levar à degradação do solo.
res desta questão, Paulo enxerga com esperança a No entanto, outros princípios da política vão ao
aprovação de uma política para o tema, que deve encontro das reivindicações da sociedade, como
permitir o planejamento e a execução de ações a gestão integrada e participativa entre os entes
concretas para o enfretamento da desertificação. federados e as comunidades, a democratização
O Brasil contava até então apenas com a Comissão do conhecimento científico e a valorização das
Nacional de Combate à Desertificação, criada em experiências e saberes tradicionais.
2008 e vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, Paulo enfatiza a necessidade de diálogo per-
com representantes da sociedade civil e das três manente e mais efetivo da sociedade civil com o
esferas de governo. governo e as instituições de pesquisa. “A pesquisa
participativa valoriza o conhecimento das famílias
construído de geração para geração, vivendo no
Semiárido”, destaca. Uma das estratégias popula-
res a serem absorvidas são as tecnologias sociais
de estocagem de água, alimentos e sementes —
mas não de qualquer semente e sim das espécies
“crioulas”, adequadas à realidade de cada um dos
RODRIGUES

territórios. “Estocar água, alimentos e sementes é


uma estratégia essencial para ter uma vida digna
e sustentável com a semiaridez”, explica.
O
FOTO: EDUARD

SINAIS DO TEMPO
A sabedoria sertaneja ensina que a caatinga
se renova. Para o pesquisador do Instituto Nacional
do Semiárido (Insa), ligado ao Ministério da Ciência
e Tecnologia, Aldrin Martin Perez Marin, respon-
sável por monitorar o avanço da desertificação
no Nordeste brasileiro, o conhecimento popular
tem dado muitas lições de como recuperar uma
área ameaçada. “Só é possível a convivência com
o Semiárido com a caatinga em pé, por isso a
O sertão de Gilbués, no estratégia de plantio de árvores nesses agroecos-
Piauí, é um dos seis núcleos sistemas”, pontua.
em que a desertificação
Segundo Aldrin, existem várias tentativas de
se encontra avançada no
Nordeste Brasileiro,de
mensurar o avanço da desertificação no Semiárido
acordo com o Insa. A área brasileiro, mas nenhuma delas conclusiva, por
total ameaçada é maior causa da ausência de dados a respeito do uso do
que o estado do Ceará solo e de um sistema que considere a multiplicidade

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L/ M D S
A M A RA
RG IO
FOTO : SE
Cisternas para armazenar
água representam
uma das tecnologias
sociais usadas para
manter a vida no
sertão e combater a
desertificação, como
mostra Seu Francisco
Alves, beneficiário
do programa Água
para Todos

“Comunicação, cultura
e educação precisam 200 mil quilômetros quadrados, maior do que o SAIBA MAIS
ser cúmplices”, estado do Ceará, foi atingida pela desertificação
de forma grave ou muito grave, tornando suas “Um novo olhar sobre
destaca Aldrin Marin, terras imprestáveis para a agricultura. São seis
o Semiárido” (Radis
pesquisador do Insa, para núcleos de desertificação, onde o processo é mais
96/2010):
http://www6.ensp.fiocruz.br/
defender o diálogo entre o acentuado: Seridó (RN/PB), Cariris Velhos (PB), radis/revista-radis/94
Inhamuns (CE), Gilbués (PI), Sertão Central (PE) e
conhecimento científico e Sertão do São Francisco (BA). Somada à área onde
Articulação no
Semiárido Brasileiro:
os saberes tradicionais o processo ainda é moderado, são 600 mil quilô- http://www.asabrasil.org.br/
metros quadrados ameaçados pela desertificação
Desertificação e mudan-
(cerca de 1/3 do território nordestino).
ças climáticas no semiári-
dos aspectos implicados no conceito de desertifi- O Ministério do Meio Ambiente reconhece do brasileiro (INSA):
cação. Mas ele ressalta que todos os sinais dados que 1.480 municípios brasileiros estão suscetíveis a http://www.insa.gov.br/wp-
pelo tempo apontam que o principal responsável essa ameaça no chamado Semiárido brasileiro, com -content/themes/insa_theme/
por esse processo é a ação humana. Segundo ele, uma população de mais 31 milhões de habitantes acervo/desertificacao-e-
é preciso diferenciar essa forma de degradação do e onde se concentra 85% da pobreza do país. A -mudancas-climaticas.pdf
solo, que o torna inadequado para a agricultura, necessidade de uma política ambiental específica “Núcleos de
dos desertos naturais. para essa região é mais do que urgente, como desertificação no semiá-
Por isso, combater a desertificação não é apontam Paulo e Aldrin. rido brasileiro: ocorrência
apenas lutar contra a erosão e a salinização do “A participação da sociedade civil na cons- natural ou antrópica?”
(Aldrin Martin Perez-Ma-
solo e o assoreamento dos rios. “As causas que trução de qualquer política é indispensável para
rin, Arnóbio de Mendonça
provocam este fenômeno estão relacionadas ao que ela atenda aos seus verdadeiros objetivos”, Barreto Cavalcante, Salo-
próprio ser humano e a um modelo de desenvol- destaca Paulo. Segundo ele, a convivência com o mão Sousa de Medeiros,
vimento voltado para o consumo. Uma política Semiárido passa pelo diálogo entre pesquisadores, Leonardo Bezerra de Melo
orientada para esse tema precisa entender que as órgãos públicos e as famílias que vivem na região. Tinôco, Ignácio Hérnan
pessoas que moram na área urbana não pensam Aldrin concorda: “Comunicação, cultura e educação Salcedo):
http://www.cgee.org.br/
nas consequências de seu estilo de vida para as precisam ser cúmplices no processo de formação e
atividades/redirKori/8472
áreas rurais”, aponta. o parâmetro para tal é o diálogo com os conheci-
Pela ausência de dados sobre o tema, o Insa mentos locais, com os saberes da tradição”. Combate à Desertifica-
A preservação da caatinga é a lição colhida ção (Ministério do Meio
iniciou o monitoramento desse processo e somou-
Ambiente):
-se aos esforços da ASA, que reúnem mais de mil pelo povo sertanejo, pois favorece a infiltração da http://www.mma.gov.br/
organizações sociais do Semiárido, na luta por uma água no solo e o reabastecimento do lençol freáti- gestao-territorial/combate-a-
política de combate a este fenômeno. O órgão foi co. Em tempos em que se fala da falta de água nas -desertificacao
escolhido para ser o representante científico do grandes metrópoles (Radis 148), a população do
Convenção das Nações
Brasil na 3ª Conferência Científica Internacional da Semiárido já convive com essa questão há séculos. Unidas de Combate à De-
Convenção das Nações Unidas para o Combate à “São milhares de experiências espalhadas pelo sertificação e Mitigação
Desertificação (UNCCD), ocorrida no México entre Semiárido, que mostram que o caminho para a dos Efeitos da Seca:
9 e 12 de março. sobrevivência é estocar água, preservar a caatinga, http://www.mma.gov.br/
guardar as sementes e montar sistemas produtivos gestao-territorial/combate-
-a-desertificacao/convencao-
pelo manejo sustentável do solo”, destaca Paulo.
CAATINGA VIVA -da-onu
Como já dizia a música de Clara Nunes, “São se-
Em artigo publicado em 2012, Aldrin e outros gredos que o sertanejo sabe/ E não teve o prazer
pesquisadores do Insa apontam que uma área de de aprender ler”.

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ENTREVISTA

Richard Parker
“Estigma e discriminação
pioram epidemia de aids”
Bruno Dominguez

“C
lube do Carimbo”. O termo até então
desconhecido virou tema de dezenas de
reportagens a partir do final de fevereiro,
alardeando a existência de grupos de so-
ropositivos que trocariam “táticas” para transmitir inten-
cionalmente o vírus HIV. “Carimbar” seria o mesmo que
contaminar alguém, por meio do sexo sem camisinha,
também conhecido como bareback. As notícias provoca-
ram, de um lado, alarme na sociedade e, de outro, repul-
sa de organizações e redes de pessoas vivendo com HIV/
aids. “Sensacionalistas”, classificou em nota o Programa
Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids),
alertando que as denúncias veiculadas nos meios de co-
municação tiveram como base informações contidas em
fontes de credibilidade questionável. Segundo o texto,
as matérias são equivocadas, criminalizantes, baseadas
em estigmas e discriminação.
A Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia)
também se manifestou, afirmando que a imprensa criou
clima de pânico moral e falhou ao ignorar pesquisas,
informações qualitativas e diversas técnicas de prevenção
disponíveis no Brasil e no mundo. Em entrevista à Radis,
o diretor-presidente da Abia, o antropólogo americano
Richard Parker, reforça que afastar, estigmatizar e crimi-
nalizar as pessoas não vai parar a epidemia de aids, mas
piorá-la. Para o professor da Universidade de Columbia,
em Nova Iorque, e da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, há novas ferramentas disponíveis que permitem
controlar a expansão da doença, mas os fantasmas do
conservadorismo e da discriminação aumentam os riscos.

Como avalia a divulgação dos chamados clubes


do carimbo, em que homens soropositivos pra-
ticam sexo bareback (sem camisinha) suposta-
mente com a intenção de transmitir o vírus HIV?
É muito importante recuperar a história para descontruir
a ideia de que esses comportamentos são novos, que
surgiram agora. Na primeira década da epidemia, nos
anos de 1980, quando ainda não havia tratamento e
nenhuma resposta eficaz em termos biomédicos, as
comunidades afetadas — sobretudo a gay — já tinham
criado uma resposta: adotaram o uso da camisinha. O
vírus HIV ainda não havia sido identificado mas elas já
FOTO: CAROLINA NIEMEYER

desconfiavam que a infecção era transmitida via sangue,


sexo e drogas e, por isso, estabeleceram formas de se
fazer sexo dentro de uma epidemia. O “sexo seguro”
surgiu como uma série de técnicas para se evitar o
risco. Uma maneira de se reduzir danos — apesar de

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essa expressão ser mais usada quando se fala em drogas em suas vidas, a partir de circunstâncias particulares. O que
— e manter uma vida sexual prazerosa, satisfatória, livre da me preocupa quando surgem tantas notícias sobre o clube
opressão da sociedade. do carimbo, é essa confusão que trata o barebacking como
uma intenção de infectar os outros ou de ser infectado, o
O sexo seguro surgiu, então, por iniciativa da própria que não é verdade.
comunidade.
Os especialistas ficaram fora dessa primeira década de epi- Mas como se deve entender essa prática de carimbar?
demia. O sexo seguro era uma prática comunitária. Naquela Para todos que valorizamos o cuidado, é difícil de compreen-
época, não vinha de uma intenção egocêntrica — “eu vou me der. É a antítese da intenção solidária dos anos 1980 de pro-
proteger” — mas de uma intenção solidária — “como eu vou teger os parceiros. Mas também me preocupa essa tendência
proteger os meus parceiros”. No final dos anos 1980, começa- de julgar sem entender, de fazer uma leitura moral que leva
ram a se formar os programas nacionais de aids, incluindo o diretamente à criminalização. O estigma e a discriminação
do Brasil. Entre 1987 e 1990, 129 países criaram seus progra- são as variáveis mais consistentes ao longo de 35 anos de
mas. Só então os especialistas começaram a entrar na jogada. epidemia de aids, o que mais tem dificultado o enfrenta-
Eles transformaram a lógica do sexo seguro, que passou a ser mento da epidemia. É por causa de estigma que governos
uma “prática saudável”, centrada na proteção individual. Em não querem fazer campanhas, foi por causa de estigma que
meados dos anos de 1990, finalmente surgiu um tratamento levou tanto tempo até serem criados os programas de aids,
eficaz, com a terapia combinada de vários antirretrovirais. é por causa de estigma que as pessoas com HIV ainda hoje
Onde havia sistema de saúde adequado para oferecer acesso são marginalizadas em todos os setores. Tem sido mais fácil
universal aos medicamentos, se abriu mudar o comportamento das pessoas
a possibilidade de o HIV não ser mais do que mudar o estigma. Vendo isso
uma doença inevitavelmente fatal, "O estigma reforça as reproduzido na discussão do clube do
com morte terrível, e sim uma doença carimbo, fico muito preocupado.
crônica controlável. Foi justamente estruturas desiguais
nessa época em que, em uma escala da sociedade. Sua Por que o estigma permanece?
pequena, em alguns setores da O que faz com que o estigma e a
comunidade gay, mas também entre
função é efetivamente discriminação sejam tão difíceis de se
heterossexuais, começou a haver os justificar a desigualdade. enfrentar é o fato de terem diversas
questionamentos: “será que vale a Transforma o que podia raízes. Desigualdades de gênero, se-
pena usar camisinha se a aids não é tão xual, de raça e etnia, econômica... A
terrível quanto era? eu preciso sacrificar ser simplesmente diferença epidemia caminha justamente onde
meu prazer sexual por isso?”. em desigualdade." esses diversos eixos de desigualdade
se cruzam. Um dos pioneiros no ati-
Que é o chamado bareback... vismo LGBT no Brasil, Herbert Daniel,
Foi aí que surgiu a prática do bareback, por uma parcela de tinha análise brilhante da aids: ele dizia que a aids caminhava
pessoas que haviam adotado o uso do preservativo, mas pelas fissuras, pelas rupturas da sociedade. Onde a sinergia de
não lidavam bem com ele. No barebacking, a intenção de desigualdades é maior, a vulnerabilidade é maior e o estigma
transar sem a camisinha é fundamental. Não é uma categoria é mais devastador. O estigma não é tão forte com um homem
em que devem ser incluídas pessoas que de repente transam gay branco de classe média. Mas a travesti negra da favela
sem proteção, por uma circunstância; é usada para descrever sofre com a desigualdade de gênero, da opressão sexual, do
pessoas que transam intencionalmente sem preservativo. racismo, da pobreza... Tudo isso se junta e por aí a epidemia
vai. As pessoas não nascem discriminando, elas são ensinadas
E qual a diferença entre barebacking e clube do a discriminar. O estigma tem que ser reproduzido em cada
carimbo? geração, para manter as relações de poder distribuídas em
Em comparação com o clube do carimbo, a diferença do uma sociedade. Se usa o estigma para afastar e excluir as
barebacking é que não há intenção de infectar nem ser pessoas que estão à margem. Nesse entendimento, o estig-
infectado. Ao contrário: há várias estratégias de redução de ma reforça as estruturas desiguais da sociedade. Sua função
danos. Por exemplo, o serosorting, quando se escolhe fazer é efetivamente justificar a desigualdade. Transforma o que
sexo com uma pessoa sabidamente da mesma sorologia podia ser simplesmente diferença em desigualdade. Acredito
(positiva ou negativa). Quando os parceiros têm a mesma que uma das coisas que levantou essa poeira toda com as
sorologia, a necessidade de se usar o preservativo não é tão reportagens do clube do carimbo foi a oportunidade de o
grande. É claro que há um risco, porque eventualmente um estigma — mais ou menos existente, mas não barulhento
que acredita ser negativo pode ter sido infectado depois de — vir à tona.
passar pelo teste. Outra estratégia é chamada de negotiated
safety, muito comum em casais homo e heterossexuais, que A sociedade tem dificuldade de lidar com a diversi-
decidem não usar preservativo dentro da relação — caso um dade sexual?
deles transe com uma terceira pessoa, usa camisinha para O problema continua sendo a sexualidade. Quando se trata
não trazer risco para o casal. Obviamente, todo mundo que da sexualidade, surgem todos os fantasmas. Em termos
escolhe transar sem preservativo sabe que não é uma prática gerais, penso que o Brasil, historicamente em comparação
100% sem risco — mas a camisinha também não oferece com outras sociedades, tem caminhado relativamente bem.
100% de proteção. O barebacking acaba sendo uma escolha Conseguiu abrir um debate público razoavelmente respeitoso
para pessoas que não procuram se infectar nem infectar os sobre questões da sexualidade. Mas, nas beiradas, sempre
outros mas que, avaliando suas circunstâncias, decidem correr tem preconceito, medo, fobia, terror, todos esses fantasmas
certo risco. Assim como um skatista que não usa capacete psicológicos que o tema traz à tona. Daí surgiram histórias de
ou um motorista que dirige sem cinto de segurança. Cada que pessoas estavam botando sangue infectado no catchup e
um de nós avalia e decide o grau de risco que pode assumir tantas outras de uns supostamente tentando infectar outros.

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Essas histórias voltam. E o estigma afasta as pessoas, as leva de diversos tipos, o conservadorismo religioso tomou conta.
para longe do sistema de saúde, para longe dos centros de E não só na área da saúde, com a censura de campanha de
apoio. Alguém que se identifica como soropositivo pode per- carnaval, mas também em outras áreas, vide a censura à cam-
der o trabalho, ser hostilizado na rua. Parece óbvio que essa panha contra homofobia na escola. Materiais mais dirigidos a
pessoa não vai querer mostrar a cara, nem fazer a testagem subgrupos, como os transexuais ou os jovens de homens que
com medo de ser positivo e ficar sujeito a discriminação. Os fazem sexo com homens, foram tirados de circulação. Isso já é
direitos humanos são tão importantes na história da aids não um ato de discriminação. Quando isso acontece, as pessoas a
só porque é o correto eticamente mas também porque são quem são negadas essas informações já entendem que estão
eficazes em termos de saúde pública. sendo discriminadas. Se o país quer criminalizar alguma coisa,
que seja a bancada conservadora. Quantas pessoas morrem
Em que sentido? porque essas campanhas são tiradas do ar? Eu acredito que
Se você evita que a pessoa sofra as consequências da discri- mais que pelo clube do carimbo. São pessoas que não medem
minação e do estigma, você a traz para dentro do sistema as consequências de suas posturas políticas. Desde o começo,
de apoio, faz a testagem, oferece medicamentos, transforma o que de fato mais apoia a epidemia é o conservadorismo,
a infecção em uma doença crônica, abaixa a carga viral, seja do governo Reagan nos Estados Unidos, do governo
diminui as chances de ela infectar outros... Por uma série de Mbeki na África do Sul, ou o governo Dilma no Brasil. São
razões, quando as pessoas são acolhidas, são protegidas, exemplos de como a política eleitoral pode reverter ganhos
se reduz a probabilidade de a epidemia avançar. Por isso, do campo da saúde. É importante dizer que a culpa não é dos
podemos estar muito preocupados com um pequeno clube técnicos da área, mas das forças políticas que impedem que
em que supostamente as pessoas têm intenção de infectar façam bem seu trabalho. Devemos falar em criminalização
outras, mas temos que entender o que está acontecendo de deputados que querem combater os direitos sexuais e
a partir da perspectiva delas e não transformá-las em alvo que impossibilitam que a sexualidade seja tratada de maneira
para criminalização. positiva. É um desserviço para o país.

A Polícia Civil de São Paulo se Um dos avanços recentes na


mostrou disposta a abrir inqué- "Devemos falar em prevenção da aids internacional-
rito para investigar os clubes do
carimbo. criminalização de deputados mente foi a profilaxia pré-expo-
sição (PrEP, que consiste no uso
No começo da epidemia, em vá- que querem combater os de remédios antirretrovirais, por
rias partes do mundo, houve uma direitos sexuais e que pessoas que não têm HIV, como
grande discussão sobre as saunas forma de evitar a infecção), mas
gays. Os mais moralistas pediam o impossibilitam que a o Brasil ainda não a incorporou
fechamento das saunas alegando sexualidade seja tratada ao SUS.
que eram antros de infecção, onde O Brasil tem demorado, sim, a adotar
as pessoas transavam adoidada-
de maneira positiva. É um
a profilaxia pré-exposição e outras
mente. No outro lado desse debate, desserviço para o país" tecnologias novas. Hoje, há muitas
os ativistas falavam que as saunas opções para se trabalhar com preven-
podiam ser locais de intervenção ção, mas ainda estamos congelados
para se reduzir o risco de transmissão, oferecendo camisi- no tempo. A prevenção pós-exposição (uso de medicamentos
nha, gel, intervenções educativas. Se você fecha a sauna, os que fazem parte do coquetel utilizado no tratamento da aids
frequentadores vão procurar outro lugar para transar e se logo após uma situação de risco), por exemplo, está disponível
perde a oportunidade de fazer promoção da saúde naquele no SUS, mas muitas pessoas não sabem disso — e provavel-
contexto. No caso do clube do carimbo, o argumento é o mente o Estado não divulga porque é caro. O Brasil ainda
mesmo. Afastar, estigmatizar e criminalizar não vai parar a não incorporou a prevenção pré-exposição, do tipo Truvada,
epidemia, mas piorá-la. não sei por que razões. Provavelmente porque é caro, mas já
há testes de um PrEP injetável que protege por seis meses.
Campanhas que tratam da diversidade sexual têm Os Estados Unidos adotaram esse tipo de prevenção, como
sido censuradas no Brasil. Isso se deve a um crescente carro-chefe de sua campanha nacional e também em nível
conservadorismo, especialmente no Congresso? estadual, como em Nova Iorque. Temos que começar a pensar
Nos anos 1990, o Brasil conseguiu se construir como uma a prevenção como uma caixa de ferramentas. Existem várias
grande liderança no enfrentamento da epidemia de aids em ferramentas que podem ser usadas, por diferentes pessoas
escala internacional, por seu programa de acesso universal em diferentes situações de risco. Cada uma vai avaliar a sua
aos antirretrovirais mas também por sua ousadia em lidar situação de risco e saber quais são as metodologias melhores
com a sexualidade com certa abertura e franqueza. Mas, na para ela. Isso nos obriga a ter um grau de informação sobre
última década, isso tem ficado cada vez mais difícil. O con- essas ferramentas e a conscientizar as pessoas sobre como
servadorismo na sociedade brasileira vem se manifestando avaliar sua situação de risco. Sem abandonar o preservativo
mais claramente via conservadorismo religioso — que não é como ferramenta central, precisamos reconhecer que não
exclusivo dos evangélicos. O resultado é que o Congresso tem são todos que conseguem usar, por diversas razões. Em vez
bancadas que defendem valores conservadores e fica cada vez de adotar uma postura de avestruz, enfiar a cabeça na areia
mais difícil trabalhar a sexualidade da maneira ousada como para não ver, devemos reconhecer a realidade, parar de pla-
já se fez. A sexualidade vai sumindo da prevenção da aids, nejar em cima de fantasmas e fantasias. Trazer a prevenção
sendo marginalizada. A discussão sobre prevenção acontece para o século 21, para a realidade, e não para o conto de
quase que independente da discussão sobre sexualidade. fadas. Assim, podemos voltar a vencer a epidemia. Enquanto
Alguns acham que repetir o mantra “use camisinha” é discutir isso, com certeza a epidemia vai continuar vencendo, com o
a sexualidade. Não é. É simplesmente uma ordem. Com a aumento da infecção em populações-chave, como os jovens
eleição da presidenta Dilma Rousseff, sendo talvez menos gays e a população trans. Uma epidemia fora de controle
hábil politicamente e por isso muito mais sujeita a pressões quando há armas capazes de controla-la.

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TUBERCULOSE

Agentes da cura
Documentário reforça importância dos agentes comunitários
no enfrentamento de doenças e na promoção da saúde
Liseane Morosini

A
história de quem trabalha cuidando de pessoas
doentes é o fio condutor do documentário
Doenças Negligenciadas — Tuberculose tem
cura, da cineasta Ieda Rozenfeld, produzido pelo
selo Fiocruz Vídeo e previsto para ser lançado no segundo
semestre. Filmado em locações no Rio de Janeiro, no Recife
e na Amazônia, o documentário apresenta o trabalho de
agentes comunitários e suas equipes, que atuam na preven-
ção e na promoção da saúde dos afetados pela tuberculose.
No Rio de Janeiro, na comunidade da Rocinha, si-
tuada na zona sul da cidade, a protagonista é Rita Smith,
uma agente comunitária de saúde (ACS) que entende que
o tratamento vai muito além da medicação. Ex-usuária de
drogas e álcool, Rita teve tuberculose duas vezes e perdeu
sua mãe para a doença, o que a motivou a desenvolver uma
outra visão da enfermidade. “Ser ex-paciente foi tudo no
meu processo de vida. Eu vejo o mundo de outra forma. E
sei que o amor e a amizade estão acima de qualquer outra
coisa, principalmente para quem está debilitado e incapaz”,
declarou em entrevista à Radis.
Afastada do trabalho por questões de saúde, Rita
se mantém à frente do Grupo de Apoio aos Pacientes e
ex-Pacientes de Tuberculose (Gaexpa-TB), organização
não-governamental que ela criou em 2010 para garantir
direitos e dar assistência às pessoas doentes e em trata-
mento. Moradia, insalubridade, má ventilação nas casas,
pobreza, uso de drogas e álcool fazem com que a Rocinha
apresente alto índice de doenças respiratórias. De acordo
com Rita, 80% das pessoas que vivem no local de alguma
forma tiveram contato com o bacilo de Koch [bactéria
que causa tuberculose]. Além disso, informalidade e de-
semprego são fatores que ameaçam a continuidade do
tratamento. “O tempo previsto de seis meses para a cura

Rita Smith é uma das ACS da


Rocinha retratada no filme
sobre tuberculose
ILUSTRAÇÃO: DIEGO AZEREDO

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da tuberculose é muito longo para quem está pôde conhecer de perto o trabalho dos Agentes
doente”. Doação de cestas básicas, assistência Comunitários Indígenas de Saúde (ACIS).
social e apoio a familiares e vizinhos estão entre A cineasta aponta que, no caso dos indíge-
os trabalhos desenvolvidos pelo Gaexpa. Sem nas, qualquer ação de saúde deve levar em conta
precisar o número de pessoas já atendidas direta questões particulares, o que reforça a importân-
e indiretamente pela ONG, Rita aposta que o cia do papel desempenhado pelos ACIS. Entre
filme é um instrumento eficaz para diminuir o eles, ela destaca a moradia em locais remotos,
preconceito sobre a tuberculose. “Por meio do o que dificulta o acesso dos médicos; o fato de
filme a informação pode ser espalhada. E eu sei os índios não gostarem de deixar a família para
a importância da informação”, reforça. buscar tratamento fora da aldeia; e a dificuldade
Diretora do vídeo, Ieda Rozenfeld reconhece de a “medicina dos brancos” aceitar as crenças
que a liderança de Rita fez com que sua lente se indígenas como práticas de saúde. “O indígena
voltasse para os ACS. “Rita é da comunidade. já percebeu, da pior forma possível, perdendo
Quanto mais pessoas locais estiverem envolvidas pessoas de suas famílias, que o remédio do
no processo de transformação, mais eficiente ele branco é importante. Mas faltam remédios,
será”, diz a cineasta, que dividiu a direção do filme equipamentos e estrutura física adequada ao
com Andre Di Kabulla. Segundo ela, ao contrário tratamento”, destaca a diretora, lembrando que
do que a maior parte da população acredita, a no local não há equipamento radiológico, o que
tuberculose não está erradicada, mas sim “ativa, obriga pacientes debilitados a enfrentarem lon-
atuante e ocorrendo em progressão geométrica”. gas viagens pelo Rio Amazonas para chegarem
Ela fala com o conhecimento de quem perdeu um aos postos de atendimento, debilitando-os ainda
irmão para a doença há 20 anos. mais. Neste contexto, torna-se essencial a figura
e o trabalho do ACIS, defende.
IMPORTÂNCIA DOS ACIS
PROJETO TRANSMÍDIA
No Recife, as lentes do documentário se
voltaram para as pessoas em situação de rua e Ieda explica que o projeto que deu origem a
indivíduos vivendo com HIV. As gravações foram Tuberculose Tem Cura é realizado a partir de um
feitas com a ajuda da equipe do Consultório na conceito transmídia, o que significa dizer que ocupa
Rua e no ambulatório do Hospital Correia Picanço, diversas plataformas e redes sociais. “Eu utilizo a web
no bairro da Tamarineira — no qual há um tra- como uma forma de comunicação. Assim, veiculo
balho de referência em prevenção e tratamento questões sobre a tuberculose em diferentes ambien-
da tuberculose — e no Centro de Observação e tes como Facebook, Instagram, Twitter e Vimeo. Isso
Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), um pre- permite uma maior troca de informação”.
Roberto Carlos e os
sídio de segurança máxima. Já no Amazonas, as Ela informa que filme, dados e informações
Munduruku no Amazonas
(abaixo), gravação com Rita filmagens ocorreram em Nova Olinda do Norte, sobre a pesquisa, roteiro, personagens, fotos e
Smith, na Rocinha (centro) a 126 quilômetros de Manaus, na tribo do povo depoimentos são postados na internet para que
e no Cotel, no Recife (na Munduruku, que teve aldeias dizimadas por tenham longo alcance e possam ser acessados,
próxima página): bastidores doenças, incluindo-se a tuberculose. Lá, a equipe comentados e compartilhados por pessoas em
do documentário
FOTOS: REPRODUÇÃO DE VÍDEO

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todo o mundo, como por exemplo, em países da percebendo que a experiência cubana é apoiada em
África onde a doença é muito severa. uma ideologia. “É como se os cubanos fossem de- SAIBA MAIS
Foi na web que a diretora encontrou referên- volver ao mundo aquilo que eles têm de melhor, que
cias em relação à tuberculose. “Foram três meses é a solidariedade e a expertise em saúde pública”. "Tuberculose —
de pesquisa na internet sobre a doença no Brasil e Ainda uma doença
negligenciada" (Radis 69
no mundo. Além da busca inicial, usei a web para
BRASIL PROFUNDO / 2008)
o e-mail ou para fazer entrevistas”. Ela ressalta que http://goo.gl/aYkqAv
é no ambiente virtual que o projeto se materializa Formada pela Universidade Federal Fluminense,
inicialmente e continua a ser desenvolvido depois Página no Facebook
em 2000, foi no Acre, em 2010, que Ieda teve con-
www.facebook.com/docume
que o filme é lançado. “A melhor forma de comba- tato com o que ela chama de “Brasil profundo” ao ntarioTuberculoseTemCuraFI
ter o preconceito é falar sempre sobre a situação. Se dirigir o vídeo Vigilância em Saúde nos desastres OCRUZ?fref=ts
você incentiva as pessoas a darem seu depoimento, – a experiência de Rio Branco. No curta de 20 mi-
Vídeo promocional
a gravar um vídeo pelo celular, por exemplo, e nutos, produzido pela VideoSaude – Distribuidora
documentário Mais
veicular na web, o trabalho não acaba”. da Fiocruz para a Secretaria de Vigilância Sanitária Médicos
(SVS), Ieda mostra o trabalho dos ACS que percorrem http://vimeo.
a região, orientando a população sobre higienização com/111849682
MAIS VÍDEOS
de moradias e a prevenção de doenças em áreas
Vigilância nos desastres
Foi numa das visitas que fizeram aos alagadas. “Eu me surpreendi e fiquei apaixonada https://vimeo.com/18818585
Munduruku que a equipe conheceu Roberto Carlos, pela figura do ACS, vi o quanto são comprometidos
médico cubano que atende à tribo a partir do e envolvidos. Eles carregam conhecimento e, além Portfolio de Ieda
http://vimeo.com/18818585
posto de Laranjal, em Nova Olinda do Norte (AM), dele, o afeto que muitas vezes falta no atendimento.
que logo se integrou ao grupo. A experiência de Sem o ACS eu acho que a saúde pública não vive. Cineclube Gigóia
Roberto vai integrar um filme que Ieda está produ- Ele é o elo fundamental entre a política pública e a www.facebook.com/
zindo sobre o programa Mais Médicos, do governo comunidade”, ressaltou. cineclubegigoia
federal. Ainda em fase de captação de recursos, o Em paralelo, Ieda investe em outras áreas. Há
roteiro vai mostrar também a vida de Xenia Zamara, um ano ela toca o Cineclube da Gigóia, localizado
médica cubana que trabalha em Guarabira, interior na ilha onde mora, na zona oeste da cidade do Rio
da Paraíba, desde 2013. A família de Xenia já foi de Janeiro. Destinado ao público infanto-juvenil, o
entrevistada em Cuba. cineclube reúne 50 crianças e jovens da localidade
Entre tantas questões que levaram a cineasta todo primeiro domingo de cada mês para sessões
a proceder a esta investigação, uma delas ainda sobre temas variados. A ideia é utilizar o espaço
está presente: o que leva um profissional a deixar também para levar pessoas como Rita Smith para
o seu país e se lançar em um mundo desconheci- debater com a plateia, transformando o espaço
do? “Tenho muita curiosidade em saber porque educativo-cultural em um local de promoção da
eles deixaram suas famílias. Muitas médicas são saúde. Ieda revela que, dentre tantas atividades,
mães com filhos pequenos. Mas os profissionais é movida por um ideal. Seu desejo é que os ACS
não vieram para o Brasil só pelo dinheiro, pois são cheguem à Ilha da Gigóia, cuja população também
pessoas que já realizaram missões em outros países enfrenta dificuldade de acesso à promoção e à
e não ganharam o que estão ganhando aqui”, diz, assistência à saúde.

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SAÚDE DO TRABALHADOR
FOTO: ASCOM/CNS

Ministro Arthur Chioro


reforçou que a Vigilância
de Saúde do Trabalhador
deve ser fortalecida
paranotificar 100% dos
acidentes de trabalho

Visibilidade contra doença


Conferência cobra intersetorialidade entre instâncias do governo e
maior atenção para agravos decorrentes das atividades laborais
Liseane Morosini socioeconômico na saúde dos trabalhadores, em

O
especial as mortes e os acidentes de trabalho. De
Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial forma inovadora, deu destaque às mulheres, pas-
de acidentes de trabalho, com cerca de três sando a incluir as trabalhadoras já em seu título.
mil mortes anuais, segundo informações
do Ministério da Saúde (MS). De acordo
PREVENÇÃO E VIGILÂNCIA
com dados da Previdência Social, um acidente
de trabalho ocorre a cada três horas, totalizan- A PNST conta com a Rede Nacional de
do sete por dia em todo o país. Os números da Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast),
Confederação Nacional dos Trabalhadores na que é composta pelos Centros Estaduais e
Saúde (CNTS) também são impactantes: 491 mil Regionais de Referência em Saúde do Trabalhador
acidentes de trabalho e 102 mil brasileiros inválidos e Trabalhadora (Cerest). São estes centros os res-
a cada ano. ponsáveis por implementar ações para melhorar
A conta fica ainda maior com os milhares de as condições de trabalho e a qualidade de vida do
trabalhadores incapacitados ou limitados, além profissional por meio da prevenção e da vigilância.
dos que adquiriram doenças devido às funções Os delegados referendaram a importância dos
laborais — o MS relaciona mais de 200 patologias Cerests, recomendando que, dos 210 centros atuais
associadas ao trabalho. A CNTS contabiliza que já habilitados, eles passem para 467, a fim de que
estes números custam R$ 32 bilhões ao país por funcionem em cada regional de saúde do país. “É
ano, boa parte pagos pelos contribuintes. como se estivéssemos refundando o Cerest”, disse
Esses foram os números que nortearam a 4ª o metalúrgico Geordeci Souza, coordenador da
Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador e
da Trabalhadora (CNSTT), realizada em dezembro, da Trabalhadora do Conselho Nacional de Saúde
em Brasília. O evento aprovou propostas para a (CNS) e coordenador do evento, ao comentar que os
implementação da Política Nacional de Saúde do delegados recomendaram critérios mais democráti-
Trabalhador e da Trabalhadora (PNST), lançada cos para a composição e funcionamento dos cen-
em 2012, discutiu os reflexos do desenvolvimento tros como, por exemplo, a exigência de concurso

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público para os servidores que ali trabalham. entre as patologias que mais acometem os tra-
Um dos pontos que mobilizou delegados du- balhadores se destacam as Lesões por Esforço
rante a conferência foi a defesa do fortalecimento Repetitivo (LER), também chamadas de Distúrbios
da área de saúde do trabalhador e da sua inter- Osteomoleculares Relacionados ao Trabalho
setorialidade com outros órgãos públicos. Isso se (DORT), segunda causa de afastamento do tra-
refletiu na aprovação de resoluções que não estão balho no Brasil. A doença atinge profissionais na
somente ligadas às competências do Ministério faixa etária de maior produtividade, entre 30 e 40
da Saúde, se estendendo às áreas de educação, anos de idade, e ataca principalmente bancários,
previdência e trabalho. “O SUS geralmente atende metalúrgicos e operadores de telemarketing.
o trabalhador por conta de acidente de trabalho.
Este, dependendo da situação, tem de ficar afas-
tado. Mas a Previdência Social não reconhece os

FOTO: ASCOM/CNS
exames já realizados, o que acarreta em demora na
concessão do benefício e desgasta o trabalhador,
que é obrigado a refazer os exames segundo exi-
gências do INSS”, salientou Geordeci.
O coordenador da conferência também citou
como exemplo de intersetorialidade as ações de
fiscalização do ambiente de trabalho, que são
responsabilidade do Ministério do Trabalho. Ele
propõe interlocução entre as áreas: “São ministé-
rios que dialogam muito pouco criando situações
que geram demora e gastos desnecessários”,
acredita, sinalizando que a falta de integração
entre órgãos do governo representa um alto custo
para os cofres públicos.

AGRAVOS INVISÍVEIS
R o q u e M a n o e l Ve i g a , a s s e s s o r d a
Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador da
Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério
da Saúde (SVS/MS), afirmou que, embora a saúde
do trabalhador seja uma área visível dentre as
políticas do MS, seus agravos são invisíveis. Para
Para Geordeci Souza, a
ele, o fato de a saúde em geral estar focada na Previdência Social não
APOSENTADORIAS
doença faz com que a população deixe de lado a reconhece os exames
cultura da promoção, o que aumenta o número A conferência também promoveu dis- realizados pelo SUS
de acidentes de trabalho. cussões sobre a relação entre os acidentes de acarretando em demora na
“Nós precisamos mudar esse paradigma e trabalho e o alto índice de aposentadorias. Para concessão do benefício e
desgaste do trabalhador
trabalhar com a atenção integral da saúde tanto o delegado Luiz Antonio Pereira, conhecido
dos trabalhadores quanto de usuários do SUS”, como Luizinho de Ubá, cidade de Minas Gerais,
ponderou. Roque entende que a cobrança feita a aposentadoria deve vir por “tempo de serviço,
sobre o SUS é por mais assistência, mas a saúde com qualidade de vida”. Luizinho, coordenador
vai além dela. “Uma coisa é clara: o gasto maior da região Sudeste e representante dos usuários,
em saúde não se reflete em saúde de qualidade. lembrou que o evento, apesar de dirigido a todos
A saúde hoje está muito permeada e dependente os trabalhadores, mostrou que também os cuida-
dos determinantes sociais como violência, falta dores da saúde precisam de cuidado. “Às vezes,
de saneamento básico e de infraestrutura”, o povo e o próprio governo não reconhecem o
comentou. trabalho estressante e o total da carga horária,
Se a Previdência Social consegue mensu- que é grande”. Marli de Medeiros Nóbrega, de-
rar o impacto dos acidentes na saúde entre os legada pelo Rio Grande do Norte, representante
trabalhadores formais, é o SUS que pode dar a dos usuários, falou que o trabalhador não quer
medida daqueles que acontecem também no tra- apenas salário. “Ele quer justiça social. Gente tem
balho informal, já que é o sistema que os atende, que ser tratada como gente”, ressaltou.
independente de terem vínculo empregatício ou José Adelino Alves, coordenador do Cerest
não. “No Brasil, 50% dos trabalhadores estão na Municipal de Concórdia (SC), disse que nos úl-
informalidade e a saúde é a área que pode aten- timos tempos os legisladores transferiram para
der todos eles, sejam formais, informais, rurais e dentro do SUS o grosso da responsabilidade da
urbanos”, disse Antonio Augusto Albuquerque, saúde do trabalhador. “O problema é efetivar
coordenador da Área Técnica de Saúde do esses procedimentos”, afirmou, lembrando que
Trabalhador do Amazonas e representante os movimentos sociais dos trabalhadores tam-
dos gestores na 4ª CNSTT. Ele considerou ser bém têm barreiras para se articular com outras
fundamental perceber o impacto de atividades instâncias. “Eles têm uma grande dificuldade
econômicas que acidentam e adoecem os traba- de entender o conselho de saúde no SUS, tanto
lhadores, como os grandes empreendimentos. estadual como municipal, e de encaminhar suas
De acordo com informações do INSS, demandas para os órgãos do governo”, reforçou.

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ainda terceirizados, informando que uma moção
CONCORRÊNCIA DE DEMANDAS
havia sido encaminhada com o pleito de mais de
A conferência também procurou abrir es- 17 mil profissionais de todo o Brasil. “Perdemos
paço para estas e outras demandas levadas por bons profissionais por conta da falta de legaliza-
grupos. Apesar do esforço, a palestrante Elionice ção. Não há como desenvolver um bom trabalho
Sacramento, pescadora da Bahia, comentou sobre a correndo o risco de os direitos trabalhistas não
dificuldade de as propostas dos povos do campo, da serem respeitados”, assegurou. Em outra frente,
floresta e das águas ganharem repercussão, tendo o trabalhador rural José Wilson Gonçalves, diretor
em vista o grande número de grupos. “Esses povos de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos
querem ser vistos; demandamos um olhar específico Trabalhadores na Agricultura (Contag), reclamou
para essa população”, defendeu. Trabalhadora da que a rede de apoio à saúde está melhor instalada
saúde em Palmeira dos Índios (AL), a índia Xucuru- nos centros urbanos do que no campo. “A média
Kariri Graciliana da Silva reivindicou a absorção e a alta complexidade ainda estão muito distantes
dos trabalhadores que atuam na saúde indígena do campo. Precisamos melhorar isso”.

Compromisso com a articulação


institucional
N a solenidade de abertura, o ministro da saúde
Arthur Chioro ressaltou o compromisso do go-
verno com uma Política Nacional de Saúde cada vez
segundo mandato da presidenta Dilma, todas as
regiões do Brasil tenham acesso a algum centro.
Maria do Socorro de Souza, presidente do
mais integrada ao SUS. Chioro falou que o êxito na Conselho Nacional de Saúde, vinculou os debates
implementação da PNST depende da participação da conferência com a reforma democrática do
das secretarias municipais e estaduais de saúde Estado. “Queremos discutir o modelo do desen-
e todos os atores que efetivamente constroem o volvimento que mata e adoece. Não queremos
SUS no dia-a-dia. Além disso, reforçou a neces- desenvolvimento em cima do silêncio e do adoeci-
sidade de fortalecimento da Vigilância em Saúde mento do trabalhador que põe a comida na mesa
do Trabalhador para notificar 100% dos acidentes da população”, afirmou.
de trabalho. “Somente essa atitude será capaz de O procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo,
mostrar a dimensão do problema, fazendo com que reafirmou que um novo olhar deve ser dirigido ao
sejam alocados recursos para pesquisas de causas trabalho. “No Brasil, estamos produzindo um
e prevenções destes acidentes”, afirmou. exército de mutilados, de adoentados. Porque o
Sobre os Cerest, o ministro disse que é fun- processo produtivo, como está estabelecido, leva
damental “a articulação desses centros com toda a ao acidente de trabalho. Esse processo deve ser
rede de saúde para identificarmos, cada vez mais, o modificado, substituído por um novo, focado no
que deve ser melhorado no ambiente de trabalho desenvolvimento do ser humano, na sustentabili-
do trabalhador e da trabalhadora”. Além disso, re- dade e na saúde das pessoas”, ressaltou.
conheceu que os centros precisam ser qualificados,
pedindo o diálogo permanente sobre a saúde do
AGROTÓXICOS
trabalhador em outras agendas públicas.
Eleonora Menicucci, ministra da Secretaria de O último dia da conferência foi marcado por
Políticas para as Mulheres, ressaltou que, por conta um ato político contra os agrotóxicos e a favor da
da tripla jornada, o adoecimento feminino é “muito vida. Maria do Socorro, considerou que hoje os
mais visível”, advertindo que é vergonhoso adoecer defensivos agrícolas são os maiores causadores de
por causa do trabalho, já que esse é o centro que doenças na população brasileira. Segundo ela, “te-
estrutura a vida de mulheres e de homens. “Quero mos que definir uma posição clara para questionar
que um dia não precisemos mais fazer saúde do o modelo produtivo e o impacto desses produtos
trabalhador e da trabalhadora falando em doença, na população”. Para Geordeci, é preciso ter cla-
mas sim em saúde. As mulheres têm a responsabi- reza da gravidade do uso de pesticidas no Brasil.
lidade de colocar esses temas em debate, porque “Já somos o maior consumidor de agrotóxicos do
se formos esperar pelos homens, é melhor nem mundo e o governo brasileiro permite a entrada
saírmos de casa”, alertou a ministra. de produtos que já são banidos em vários países”,
Jarbas Barbosa, secretário de Vigilância em disse ele, pedindo por maior mobilização entre os
Saúde, afirmou que a garantia de proteção ao trabalhadores rurais e urbanos. O coordenador-
trabalhador será dada por meio da integração -geral de Saúde do Trabalhador do Ministério da
entre diferentes segmentos. “O fundamental é Saúde, Jorge Machado, informou à Radis que a
perceber que o Brasil vem fazendo uma articulação luta contra agrotóxicos materializou os esforços
melhor entre os ministérios da Saúde, do Trabalho da conferência, pois o tema perpassa todos os
e Emprego e da Previdência Social”. Segundo ele, segmentos ali discutidos. José Adelino, da Contag,
os sistemas de registro devem ser coordenados de reafirmou que o Brasil está agindo em função do
modo que, em caso de morte ou acidente de tra- desastre por conta do uso abusivo do produto e do
balho, os ministérios passem a agir conjuntamente. número de lesionados. “Deveríamos ter um trabalho
Para o secretário, os Cerests devem articular em sistemático e científico para detectar onde é que
rede todos os serviços de uma região. A meta, estão os possíveis riscos e eliminá-los na fonte. Mas
segundo ele, é que até 2018, quando termina o não estamos fazendo isso”, lamentou.

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FOTO: ASCOM/CNS
Organização de olho na 15ª
O uso de keypads dinamizou
e acelerou o proceso de
votação de propostas nas
salas e na plenária final

A CNSTT foi utilizada como balão de ensaio para


a organização da 15ª Conferência Nacional
de Saúde, ocasião em que a coordenação pode
delegação do Amapá só chegou no segundo dia
à noite, pois o governo emitiu as passagens fora
do prazo. O Piauí viveu um episódio lamentável”,
verificar pontos positivos e negativos do evento. disse Geordeci, explicando que apenas parte da
Entre os acertos, o coordenador Geordeci de Souza delegação foi a Brasília, com recursos próprios,
chamou a atenção para o uso da tecnologia que pois o governo não bancou as passagens aéreas.
ajudou a dinamizar o evento e diminuiu o número Questões como a falta de estrutura da rede ho-
de problemas desde a inscrição até a participação teleira e de acolhimento da equipe do receptivo,
nas salas. Ele declarou que a 4ª CNSTT acertou ao problemas com transporte, horário extensivo da
disponibilizar sete totens para os delegados reali- abertura e uma oferta única de alimentação — que
zarem o credenciamento, se assim o desejassem, o não contemplou as necessidades de todos — tam-
que diminuiu as filas no momento da retirada dos bém estiveram no rol de reclamações.
crachás. “Na 14ª Conferência Nacional tentamos Houve ainda protestos quanto a falta de
usar o sistema e ele acabou não funcionando”, lem- acessibilidade física e de comunicação durante a
brou. O coordenador explicou que o próprio sistema conferência, o que levou à apresentação de uma
direciona o participante para um grupo de trabalho moção por parte das pessoas com deficiência,
obedecendo a paridade proposta pela lei entre os que se sentiram desrespeitadas por não terem
delegados usuários, trabalhadores e gestores. garantido seu direito de acesso. Apesar disso,
A entrada nas salas foi acompanhada por Carlos Ferrari, deficiente visual, presidiu uma
meio da leitura de código de barras, permitindo o mesa em um grupo de trabalho e valorizou a
ingresso apenas de inscritos e convidados. “Tivemos experiência. Ele declarou que é preciso reco-
mais de 100 pessoas que quiseram participar sem nhecer com clareza a limitação das pessoas com
inscrição e que não puderam entrar”, revelou deficiência. “No caso do deficiente visual, é im-
Geordeci. Nas salas, o uso de keypads (sistema de portante ter junto uma pessoa que enxergue para
votação interativa eletrônica) acelerou o processo o caso de algum participante levantar a mão, um
de discussão das propostas. “Os resultados obtidos caderno de proposta em braile, que permite que
foram dados em tempo real e enviados diretamente acompanhe o debate e, óbvio, a compreensão da
para a comissão de formulação e relatoria, o que plenária. O fato de sermos diferentes, não nos
conferiu mais agilidade”, garantiu. Ele ressaltou torna incapazes de estar à frente de qualquer
que os destaques, quando aprovados nos grupos, que seja o processo democrático”.
foram logo sistematizados e inseridos no relatório Carlos se disse satisfeito com os recursos
final. Assim, com os filtros determinados pelo regi- apresentados pela conferência, como o caderno
mento, poucas propostas seguiram para o crivo da de propostas em braile. Mas reconheceu que
plenária final. “O importante é que a comissão pode muito ainda precisava ser feito, como a tradução
acompanhar o andamento individual das propostas para a linguagem brasileira de sinais (Libras) para
e de cada um dos 12 grupos de trabalho”, disse. as pessoas com deficiência auditiva e o material
Entre os problemas, foram registradas algu- da conferência em braile, como a programação
mas falhas no deslocamento de representações. e o regulamento. “Já estamos discutindo essas
O evento foi iniciado sem a participação de questões no Conselho Nacional de Saúde visando
delegados do Piauí e do Amapá, que enfrenta- à 15ª Conferência Nacional de Saúde”, ressaltou
ram barreiras em seus respectivos estados. “A o conselheiro. (L.M.)

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SERVIÇO

EVENTOS WEB Guia alimentar


Estruturada em cinco capítulos, o Guia
67ª Reunião Anual da SBPC Informativo sobre o ebola
Alimentar para a população brasi-
O documento informativo do Centro leira, do Ministério da Saúde, apresenta
Europeu de Prevenção e Controle de um conjunto de informações, análises,
Doenças (ECDC) “Ebola and Marburg recomendações e orientações sobre es-
fevers: Factsheet for health pro- colha, combinação, preparo e consumo
fessionals” foi traduzido para a língua de alimentos que objetivam promover a

A Reunião Anual da Sociedade Brasileira


para o Progresso da Ciência, em sua
67ª edição, terá como tema “Luz, ciência e
portuguesa pelo Instituto de Higiene e
Medicina Tropical da Universidade Nova
de Lisboa, em Portugal. O objetivo é
saúde de pessoas, famílias e comunidades
e da sociedade brasileira como um todo.
O guia é para todas as pessoas, indivi-
ação”, em referência ao Ano Internacional contribuir para o esclarecimento dos dualmente e como membros de famílias
da Luz. O objetivo do encontro é criar um profissionais da saúde sobre a doença. O e comunidades, e considera os fatores do
ambiente propício para a difusão e o de- texto aborda temas como epidemiologia, ambiente que favorecem ou dificultam a
bate das questões e avanços envolvendo transmissão, diagnóstico, controle e pre- colocação em prática dessas recomenda-
todas as áreas do conhecimento. Eventos venção. Além do documento, o instituto ções, indicando formas e caminhos para
simultâneos, como o SBPC Jovem e o SBPC disponibiliza outros textos de referência aproveitar vantagens e vencer obstáculos.
Cultural, pluralizam o foco da reunião. A em uma página específica para a doen- Acesse em http://goo.gl/GiO154.
programação conta com mesas redon- ça em seu site. Entre eles, uma série de
das, conferências, minicursos e outras respostas a “perguntas frequentes” e
PERIÓDICOS
atividades. As inscrições para quem não uma checklist de preparação para conter
vai apresentar trabalho podem ser feitas o vírus ebola. O informativo do ECDC pode
até 6 de julho. ser lido em http://goo.gl/A6jC9U. Revista Fitos
online
Data 12 a 18 de julho
Local Campus da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP
LIVROS
A Revista Fitos, perió-
dico científico edita-
do pelo Núcleo de Gestão
Informações
Legado social
em B i o di ver si dad e e
http://goo.gl/B9Pwyi Um dos maiores nomes Saúde de Farmanguinhos/
da Saúde Coletiva, Cecília Fiocruz, também tem
Donnangelo e sua me- sua versão eletrônica. A nova platafor-
I Simpósio Internacional de todologia mais humana ma é resultado da Política de Acesso
Gerenciamento da Resposta dentro da área da saúde Aberto ao Conhecimento da Fiocruz e do
em Catástrofes são o foco do livro Social Movimento Internacional de Acesso Livre ao
na Epidemiologia: um Conhecimento Científico. O periódico traz
legado de Cecília Donnangelo. A obra informações da área de Inovação (gestão
aborda questões levantadas pela cientista e CTI em saúde), Botânica, Farmacologia,
social, ainda com grande relevância para Agroecologia, Etnofarmacologia e Química,
os dias de hoje. Temas como a epidemio- que poderão ser identificados através do
logia crítica dentro da Saúde Coletiva e DOI (Digital Object Identifier). Esse sistema

O simpósio organizado pelo Hospital


Israelita Albert Einstein apresenta o
objetivo de otimizar a resposta dos órgãos
a relação entre o social defendido pela
antropóloga e o ethos tecnocrático da
medicina atual fazem parte do livro. A
é capaz de localizar e acessar materiais na
web atribuindo um número exclusivo a
qualquer conteúdo disponibilizado para
responsáveis pelo resgate e atendimento obra está disponível na página http://goo. garantir sua segurança online. O primeiro
às vítimas de possíveis catástrofes. O gl/rjNiXO. exemplar digital pode ser lido em http://
preparo vai desde o mapeamento dos goo.gl/rGfe3v.
recursos disponíveis, avaliação de riscos,
remoção, triagem e primeiro atendimento,
Agricultura camponesa
definição das rotas rápidas possíveis ao O livro Agriculturas Trabalho, Educação e Saúde
socorro e remoção a locais específicos de
atendimento médico, além de controle e
proteção à população de forma a evitar
campesinas en
Latinoamerica: pro-
puestas y desafios
A primeira edição de 2015 do periódico
Trabalho, Educação e Saúde aborda
assuntos como a internacionalização da
ocorrência de novos eventos. A progra- reúne uma série de es- produção científica brasileira, modelos
mação inclui aulas práticas e teóricas com tudiosos e seus relatos de gestão do trabalho no setor público
diferentes líderes de entidades envolvidas sobre os mais diferentes de saúde e política nacional de humani-
no assunto e instituições renomadas no ce- aspectos da relação entre os latino-ame- zação em hospitais públicos. A iniciativa
nário internacional como Cruz Vermelha, ricanos e o campo. Entre os pesquisado- da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Médicos Sem Fronteiras e o Serviço de res estão os brasileiros Antônio Thomaz Venâncio/Fiocruz tem como objetivo
Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Júnior e Bernardo Mançano Fernandes, analisar de forma crítica a formação, quali-
Inscrições até 10 de maio. professores da Universidade Estadual ficação e o processo de trabalho na saúde.
Paulista (Unesp). A obra foi produzida no O público-alvo da revista é composto por
Data 14 a 16 de maio âmbito do Consejo Latinoamericano de pesquisadores, trabalhadores, estudan-
Local Auditório Kleinberger, Morumbi, Ciencias Sociales e está disponível para tes e docentes da área. O conteúdo do
São Paulo, SP download gratuito no site do Instituto de periódico pode ser encontrado no site
Informações Altos Estudios Nacionales. Para baixar o http://www.revista.epsjv.fiocruz.br/index.
http://goo.gl/foW3tz exemplar, acesse http://goo.gl/Sd4Hm5. php?Area=NumeroAtual.

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PÓS-TUDO

‘É a crise social, estúpido’


Flávia Oliveira* patrocinados, das escolas de samba da Sapucaí ao
cinema nacional e a projetos sociais Brasil afora.

U ma artéria de mobilidade urbana da Região


Metropolitana entupiu e interrompeu a circu-
lação entre Rio e Niterói, uma semana atrás. Foi
Diretamente, a Petrobras emprega 86 mil
trabalhadores. Mas seu peso no mercado de tra-
balho é muito maior, levando-se em conta a cadeia
uma passeata contra violações trabalhistas de uma produtiva. A empresa está relacionada a 13% do
fornecedora da Petrobras o motivo da obstrução PIB. Qualquer pane nessa estrutura tem reflexo na
da ponte, por mais de duas horas, debaixo do sol atividade econômica do país. A Central Única dos
quente de um início de tarde de verão. Análises Trabalhadores (CUT) já se deu conta do tamanho
apressadas viram no movimento um fenômeno de do problema. Dia 24 de fevereiro, participou do
desordem urbana, incompetência da concessionária lançamento de um manifesto de trabalhadores em
CCR Ponte e da Polícia Rodoviária Federal, supressão defesa da estatal. E organizou para 13 de março
do direito de ir e vir da coletividade, caos no trânsito. uma série de manifestações em capitais brasileiras.
Nada disso. “Foi a crise social, estúpido!”, numa Um senso de urgência e compaixão deve per-
adaptação da frase que deu fama a James Carville, mear as reações da sociedade aos atos de trabalha-
então estrategista da primeira campanha de Bill dores em vias públicas, não só no Rio, mas no país
Clinton à presidência dos EUA, em 1992. inteiro. Em resposta ao protesto da semana passada,
A manifestação dos trabalhadores da Alumini o Ministério Público Federal anunciou abertura de
Engenharia foi o primeiro sinal visível de um cenário inquérito para investigar a legalidade do protesto. A
que vai se agravar, se a Petrobras não sair do breu Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)
em que está metida desde a eclosão do escândalo conseguiu na Justiça liminar proibindo o bloqueio
de corrupção. Sem emprego, salário ou indenização, da Ponte Rio-Niterói por qualquer tipo de manifes-
eles marcharam até a sede da estatal para chamar tação. A punição é multa de R$ 500 mil por hora
atenção para o drama familiar que, até então, viviam de interrupção.
silenciosamente. Por parecer uma coisa e se tratar de Não há notícias de políticas públicas para lidar
outra, o episódio remete à fila dos candidatos para com essa crise aguda — e ainda em andamento.
um concurso de garis, também no Rio, em 2003. Prefeitos, governadores, União e entidades patronais
No primeiro dia de inscrições, apenas para nomes cobram providências da estatal. Mas não ativaram o
iniciados com a letra “A”, apareceram 15 mil candi- arsenal de recursos próprios que têm para defender
datos. O Centro da cidade deu um nó. Só depois de trabalhadores com meses de salários atrasados ou
reclamar do trânsito, os cariocas enxergaram a crise demitidos sem indenização. As redes de proteção
do desemprego, àquela altura em 12% na média social, via transferência de renda, aluguel social ou
(em 2014, fechou em 4,8%). distribuição de itens básicos, ajudariam durante a
A Petrobras é locomotiva de uma cadeia de 20 intempérie. O papel nesse drama é grande demais
mil fornecedores, entre fabricantes de máquinas e para ter só o protagonista. Falta elenco de apoio.
equipamentos, estaleiros, prestadores de serviços.
Sem falar nos bancos, que têm mais de R$ 100 * Flavia Oliveira é jornalista. Artigo publicado em O
bilhões pendurados com a estatal e sua rede, e nos Globo, em 18/2/2015

Trabalhadores se manifestam
FOTO: TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL

na Ponte Rio-Niterói, no
Rio de Janeiro: salários
atrasados e demissões sem
indenização na pauta

RADIS 151 • ABR / 2015 [35]

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Atenção: meninas de 12 a 13 anos que ainda não foram vacinadas devem
procurar uma Unidade de Saúde do SUS para receber a vacina.
Lembre-se: a proteção só acontece com a 2ª dose.

2a DOSE 3a DOSE
1a DOSE 60 meses depois
6 meses depois
da primeira dose

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atenta ao período de vacinação na escola.
Leve a caderneta de vacinação.

Secretarias Estaduais
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