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3
Direitos
Humanos e
Cidadania
Textos Sobre
Crianças e
Adolescentes
Organização:
Nivia Valença Barros
PROEX / UFF
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 1
Projetos Associados
Ética e Cidadania - Ações Mais Humanas - PROEX-UFF
Formacão de Agentes de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente -
PROEXT/SESu-MEC / PROEX-UFF
Observatório de Violação de Direitos - Hospital Universitário Antônio Pedro - CNPq
Observatório da Violência Social e Intrafamiliar Contra Criança e Adolescente na
Área da Saúde de Niterói - PIBIC-CNPq / PROPP/PROEX - UFF
Organização
Nivia Valença Barros
Colaboração
Jacques Sochaczewski
Apoio
FEC / PROEX / OFICINA DO SABER – UFF
SESu-MEC
COPY&GRAF – São Domingos, Niterói
Editoração
Revista MaisHumana
(21) 2629-2755
mhprojetos@vm.uff.br
OS AUTORES
Sumário
Apresentação 5
MESAS
ARTIGOS
Gravidez na Adolescência 86
Apresentação
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 5
Apresentação
Mesas
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 7
9/11/2005 - 17h
MESA 1: MÃES EM LUTA - ÉTICA E CIDADANIA
Local: Campus do Gragoatá - Instituto de Letras, Bloco D - Sala Paulo Freire
COORDENADORA:
Vilnia Batista de Lira
Assistente Social formada pela Universidade Federal Fluminense, Mestranda do
Programa de Estudos Pós Graduados em Política Social da Escola de Serviço
Social/UFF. Em seu trabalho de Conclusão de Curso estudou o movimento de
mães que tem filhos cumprindo medidas sócio-educativas. Hoje, no mestrado dá
continuidade a esse tema.
MEDIADORA:
Prof. Dra. Rita de Cássia Santos Freitas
Professora Adjunta da Escola de Serviço Social/UFF. Teve como objeto de estudo
em seu doutorado a temática “mães em luta”, ao estudar o movimento que ficou
conhecido como as Mães de Acari.
DEBATEDORES CONVIDADOS:
Vera Lúcia Flores Leite
Representando a AMAR (Associação de Mães e Amigos de Crianças e
Adolescentes em Risco)
A violência é uma realidade de nosso dia-a-dia. Ela atinge os mais variados estratos
sociais, sem discriminação de gênero, raça/etnia ou idade. Porém, não se pode
negar que atinge de forma devastadora as camadas mais populares – e mais
carentes – de nossa sociedade. Não se pode dizer que a violência seja algo
essencial à natureza humana, mas não podemos negar que faz parte de nossa
sociedade e temos que, de alguma forma, construir maneiras de lidar com ela. O
tema desta mesa aponta algumas maneiras que a sociedade conseguiu estabelecer
para lidar com essa violência. Estamos trazendo para o debate dentro da
universidade algumas mulheres que – repudiando um destino de classe e gênero –
construíram formas de enfrentamento à violência sofrida por elas.
O massacre de Acari iniciou os anos 90, quando em julho deste ano, 11 jovens
foram seqüestrados e até hoje não se sabe o que aconteceu com eles. Desaparecidos
– mas até quando? Mortos? Mas onde estão seus corpos? Foi na tentativa de buscar
saber o que aconteceu com seus filhos – mesmo que fosse das suas mortes (mas
enfim ter um corpo para enterrar) – que essas mulheres se organizaram e
protagonizaram um movimento que alcançou repercussão internacional. O objetivo
de suas lutas é saber o que aconteceu (quem sabe até encontrar?) com seus filhos.
Nessa luta, seus objetivos se expandiram e hoje continuam na luta, pelos seus
filhos, pelas inúmeras crianças que desaparecem cotidianamente, contra a
impunidade, pela justiça, para que coisas como essas não mais aconteçam com os
filhos de qualquer mulher. As Mães de Acari são, hoje, presença constante nos
movimentos contra a violência e pelos direitos humanos.
O Brasil possui um Sistema de Atendimento Socioeducativo para auxiliar crianças
e adolescentes em conflito com a lei. Entretanto, o dia-a-dia das unidades onde se
encontram esses jovens é marcado por rebeliões e denúncias de maus tratos,
revelando a falência dos modelos de tratamento e de instalação propostos pela
instituição. A Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco
(AMAR) surge em São Paulo em 2000 e possui um papel de fiscalização e de
mediação entre as instituições de atendimento sócio-educativo, as crianças e suas
famílias a partir do fortalecimento social e político das mães dos internos. A
AMAR promove também ações judiciais, individuais ou coletivas, que buscam
compensações financeiras para jovens prejudicados pelo sistema, assim como a
fiscalização e fechamento de unidades de internação sem condições adequadas de
funcionamento.
A experiência de ter um filho cumprindo uma medida sócio-educativa não é uma
experiência nada agradável para nenhuma mãe. Porém, o cotidiano das instituições
de atendimento a jovens cumprindo esse tipo de medida é uma realidade
assustadora. Foi a partir dessa constatação e do entendimento que seus filhos –
mesmo que tenham estado em conflito com a lei – não deixam de serem cidadãos e,
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 9
10/11/2005 – 14h
MESA 2: INFÂNCIA E JUVENTUDE NA AMÉRICA LATINA -
FORMAÇÃO DE AGENTES DE DEFESA DOS DIREITOS DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Local: Campus do Gragoatá - Instituto de Letras, Bloco B - Auditório Ismael Coutinho
COORDENADORA:
Prof. Dra. Nivia Valença Barros
Professora Adjunta da Escola de Serviço Social - UFF. Doutora em Educação,
Mestre em Serviço Social, Graduada em Serviço Social. Coordenadora do Núcleo
de Direitos Humanos, Sociais e Cidadania - NUDHESC/ESSN/UFF. Pesquisadora
do Núcleo de Pesquisa Histórica sobre Proteção Social - NPHPS/CRD- ESN/UFF.
Coordenadora do Projeto Formação de Agentes de Defesa dos Direitos da Criança
e do Adolescente - SESu/MEC/PROEX/UFF.
MEDIADORA:
Prof. Dra. Deise Gonçalves Nunes
Professora Adjunta da Escola de Serviço Social – UFF. Doutora em Psicologia,
Mestre em Educação, Graduada em Serviço Social. Coordenadora do Núcleo de
Pesquisa e Extensão sobre Poder Local, Políticas Públicas e Serviço Social da
Escola de Serviço Social - UFF
TEMA 1:
Passado partilhado, futuro deslumbrado. Perspectivas educacionais
na América Latina
Maria Euchares de Senna Motta
Professora do Departamento de Psicologia - PUC-Rio. Pesquisadora do Projeto
Formação de Agentes de Defesa dos Direitos da Criança e adolescente. Doutorado
em Psicologia (Psicologia Clínica). PUC-RJ, 1987. Mestrado em Psicologia
Experimental. University of Kansas, KU, Estados Unidos. 1972. Graduação em
Formação de Psicólogos. PUC-RJ, 1965.
TEMA 2:
Análise da questão dos direitos humanos e sociais de crianças,
adolescentes e jovens na América Latina na contemporaneidade
Carlos Nicodemos
Professor Adjunto e Coordenador da Escola de Direito da Universidade do Grande
Rio, UNIGRANRIO. Doutorado em Criminologia pela Universidad Complutense
de Madrid, U.C.M., Espanha. 2003. Especialização em Direito Penal. Universidade
de Salamanca, SALAMANCA, Espanha. 1999. Especialização em Direitos
Humanos. Universidad Complutense de Madrid, U.C.M., Espanha. 1999.
Especialização em Docência para o Ensino Superior. Faculdade Bittencourt da
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 11
TEMA 3:
Reflexões sobre a violência doméstica contra criança e adolescente
na América Latina
Hebe Gonçalves Signorine
Psicóloga da UFRJ e pesquisadora do NIPIAC/UFRJ. Doutorado em Psicologia
(Psicologia Clínica). PUC-RJ, 2001. Mestrado em Psicologia (Psicologia Clínica).
PUC-RJ, 1993. Especialização em Violência Doméstica Contra Crianças e
Adolescentes. USP, 1997. Especialização em Psicologia Jurídica. UERJ, 1990.
Graduação em Psicologia. USP, 1975.
TEMA 4:
Adolescência e Juventude: Sexualidade e Direitos Reprodutivos na
América Latina
Elaine Ferreira do Nascimento
Doutoranda em Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher. Instituto
Fernandes Figueira Fundação Oswaldo Cruz, IFF/FIOCRUZ. Mestrado em Pós-
Graduação em Saúde da Criança e da Mulher. IFF/FIOCRUZ, 2002.
Especialização em Serviço Social e Política Social. Universidade de Brasília, UNB,
2001. Aperfeiçoamento em Educação e Saúde. Fundação Oswaldo Cruz,
FIOCRUZ, 1999. Graduação em Serviço Social. Universidade Federal Fluminense,
UFF, 1997.
TEMA 5:
O Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da Proteção de
Integral - novos paradigmas para a infância e adolescência
Alexandre Nascimento
Conselheiro Tutelar do I Conselho Tutelar de Niterói, psicólogo. Mestrando em
Psicologia pela Faculdade de Psicologia UFF, graduado em Psicologia - UFF.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 12
1
Rede Andi América Latina – 19/11/2004.
2
http://www.scslat.org/news/por/noticias.php?_cod_146 Acesso em 29 de outubro de 2005.
3
Declaração de Buenos Aires, maio de 2005.
4
WIEVIORKA, M., O novo paradigma da violência. Tempo Social, 9, 1997.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 13
10/11/2005 – 16h30min
MESA 3: A POLÍTICA DE ATENDIMENTO SÓCIO-EDUCATIVO PARA
ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI - UMA
QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS
Local: Campus do Gragoatá - Instituto de Letras, Bloco B - Auditório Macunaíma
COORDENADORA:
Ana Ribeiro
Membro da Secretaria Executiva do Fórum DCA Niterói - Fórum Popular
Permanente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do município de
Niterói. Conselheira Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente. Mestranda
em Política Social na Escola de Serviço Social da UFF.
MEDIADORA:
Dra. Nívia Valença Barros
Núcleo de Direitos Humanos, Sociais e Cidadania - NUDHESC - Escola de
Serviço Social / UFF - Núcleo de Pesquisa Histórica sobre Proteção Social -
NPHPS - Escola de Serviço Social / UFF.
DEBATEDORES CONVIDADOS:
Dr. Paulo Marques
Coordenador Geral da Subsecretaria de Direitos Humanos e da Subsecretaria de
Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente
Artigos
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 16
1
CEPAL, 2005.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 17
Gráfico 1
Gráfico 2
A taxa de mortalidade
de menores de um ano
de idade no Brasil é a
terceira mais alta da
América do Sul.
As violações dos direitos das crianças, dos adolescentes e dos jovens fazem parte
de uma cruel história sócio-político-cultural de toda a humanidade, mas os aspectos
de complexidade e multiplicidade que a violência passou a manifestar de forma
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 18
2
Em 1994, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) reconheceu como prioridade a violência
social e doméstica para a elaboração do seu plano de ação regional, Desde então, solicita que os
governos efetivem ações preventivas em relação às violências (1993).
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 19
Diante deste panorama bastante significativo deve-se tomar cuidado para que as
próprias desigualdades sociais não sejam a forma encontrada para criminalizar as
camadas mais pobres de nossa sociedade latino-americana. É das mais perversas a
associação de pobreza com violência. As noções das violências como derivadas
diretamente da população pobre são amplamente divulgadas em nossa sociedade,
num processo que constitui uma dupla violência: já punidas pelas violências
geradas pela própria pobreza, as camadas pobres de nossa sociedade sofrem por
serem consideradas “classes perigosas”3. Soares (2004) acredita ser preciso
reconhecer que há laços prováveis entre determi-nadas realidades que,
“conseqüentemente, tendem a conviver (ou seja, quando encontrarmos uma delas,
será mais provável que encontremos as demais)”. Estas consonâncias são mais
facilmente evidenciadas em situações de:
3
Ver: Zaluar (1997), Rua (1998), Wacquant (2001), Castro & Abramovay (2002).
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 23
4
Ver: Camarano et al. (2004: 6)
5
Camarano (2004: 6).
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 24
Homicídios com armas de fogo são a forma mais relevante de mortalidade entre a
população de jovens, como também o meio mais freqüentemente utilizado,
incluindo-se acidentes, homicídios e suicídios. A Venezuela ocupa o primeiro e o
segundo lugar em mortes por armas de fogo, segundo dados do BID, 2005.
São fatores determinantes para a violência nas últimas décadas e o aumento
considerável de morbi-mortalidade por causa externas: a vulnerabilidade social de
grandes camadas sociais; as desigualdades socioeconômicas; os baixos salários e as
deficitárias rendas familiares que levam à perda de poder aquisitivo; a ausência de
políticas públicas integradas e condizentes com as necessidades da população em
relação a saúde, falta de condições educacionais, falta de condição de moradia e de
segurança; a prioridade para o desenvolvimento econômico em detrimento do social,
com sacrifício da população e maior ônus para os pobres; o intenso apelo ao
consumo, conflitando com o empobrecimento do país.
Bibliografia
ANDI - REDE ANDI – AMÉRICA LATINA, Resenha América Latina – Infância e
Adolescência na Mídia. Ano 1, n°1, 10 a 16 de setembro de 2005.
ANDI - REDE ANDI – AMÉRICA LATINA, Resenha América Latina – Infância e
Adolescência na Mídia. Ano 1, n°2, 17 a 23 de setembro de 2005.
ANDI - REDE ANDI – AMÉRICA LATINA, Resenha América Latina – Infância e
Adolescência na Mídia. Ano 1, n°3, 24 a 30 de setembro de 2005.
ANDI - REDE ANDI – AMÉRICA LATINA, Resenha América Latina – Infância e
Adolescência na Mídia. Ano 1, n°4, 01 a 07 de outubro de 2005.
ANDI - REDE ANDI – AMÉRICA LATINA, Resenha América Latina – Infância e
Adolescência na Mídia. Ano 1, n°5, 08 a 14 de outubro de 2005.
ANDI - REDE ANDI – AMÉRICA LATINA, Resenha América Latina – Infância e
Adolescência na Mídia. Ano 1, n°6, 15 a 21 de outubro de 2005. ANDI – Agência de
Notícias dos Direitos da Infância. Rede Andi Brasil. Infância na Mídia. 2005.
CAMARANO, A. A.; MELLO, J. L.; PASINATO, M. T.; KANSO, S. Caminhos para a
vida adulta: as múltiplas trajetórias dos jovens brasileiros. In: IPEA - Texto para discussão,
N° 1038. Rio de Janeiro, agosto de 2004. ISSN 1415-4765.
CASTRO, M. G., ABRAMOVAY, M. Por um novo paradigma de fazer políticas públicas -
políticas de/para/com juventudes. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, São Paulo,
v. 19, n. 2, jul./dez. 2002, p.19-46.
CECRIA - Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes. A
exploração sexual comercial de meninos, meninas e adolescentes na América Latina e
Caribe - (Relatório Final – Brasil), 2ª edição. Consultora: Maria Lúcia Pinto Leal. Brasília,
1999.
CEPAL/Unicef. Desafios. Boletin de la infancia y adolescencia sobre el avance de los
objetivos de desarrollo del milenio, n 1, setembro de 2005.
FRANCO, S. A. La violencia: un problema de salud publica que se agrava en la región.
Bol. Epidemiol OPS, 1990.
MINAYO, M. C. S.; SOUZA E. R. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do
campo da saúde pública. Ciência e Saúde Coletiva, 1999. p. 7-23.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 26
Guia de Fontes:
•Rede Latino-americana e Caribenha pelos Direitos da Criança
•Comitê dos Direitos da Criança da ONU
•UNICEF
•Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
•Agências da Rede ANDI América Latina•Argentina Periodismo Social
•Bolívia - Agencia Nacional de Noticias por la Infancia – ANNI
•Costa Rica - Agencia de Noticias de Niñez y Adolescencia – ANNA•Colombia -
Fundación para un Nuevo Periodismo (FNPI)
•Guatemala - Asociación DOSES
•Nicarágua - Dos Generaciones
•Paraguay - Asociación GLOBAL. Infancia
•Venezuela - Centros Comunitários de Aprendizaje (CECODAP)
•ANDI - REDE ANDI – AMÉRICA LATINA, Resenha América Latina – Infância e
Adolescência na Mídia.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 27
A violência é uma dura realidade de nosso dia-a-dia. Alguns dizem que ela é bastante
“democrática”, já que atinge os mais variados estratos sociais, sem discriminação de
gênero, raça/etnia ou idade. Porém, seus rebatimentos ferem de forma devastadora as
camadas mais populares – e mais carentes – de nossa sociedade. Viemos de um
século que foi violento ao extremo. Resta saber que tipo de sociedade e de relações
humanas nós queremos para esse século que se inicia.
Minha aproximação com a temática “mães em luta e a violência” se deu no
momento de meu doutorado. Fiquei entusiasmada com a perspectiva de mostrar um
“novo” modelo de mãe e, por implicação, de mulher que estava sendo gestado em
nossa sociedade: mulheres nas ruas, as mães em luta. No ímpeto do envolvimento,
imaginei encontrar verdadeiras “super-mulheres”. Na verdade, encontrei mulheres
simples. Mais tarde é que pude perceber que era exatamente isso que as faziam ser
realmente grandes.
Comecemos falando de Acari. O significado teórico do Caso Acari se estabelece
quando pensamos nas ações (e reações) que suscitou. Fenômenos como esses são
vitais para estudarmos, por um lado, a violência da sociedade em que nos
inserimos. E por outro lado, é interessante para pensarmos em como as pessoas
reagem a um evento desse porte. A reação a uma tragédia – principalmente dessa
magnitude – gera uma infinidade de respostas. Não existe uma reação “única” ou
“certa” para momentos assim. Existe, isso sim, uma infinidade de respostas que
vão sendo construídas.
Especialmente acredito que o Caso Acari colocou como elemento de reflexão a
possibilidade de estabelecimento de novas formas de sociabilidade e novos
componentes para a agenda política.
Cantando uma esperança e apostando na alegria; revirando a noite e rebelando o
dia, noite e dia. Assim, invadiram as ruas. Elas prepararam a tinta e enfeitaram a
praça. Dessas imagens que o poeta me trouxe surgiu a figura dessas mulheres. Foi a
partir desse mote, que começou, para mim, a ganhar sentido minha tese. Tentei
mostrar imagens de mulheres nas ruas. Não porque considerasse esse fato algo
extraordinário, mas porque tal fenômeno ultimamente vem sendo bastante
enfatizado. Por isso, quis me debruçar sobre esse assunto. Retratei, dessa forma,
imagens de uma época. Nesta, uma “nova” figura de mãe surge. Da figura
tradicional ainda encontramos seus grandes traços: a imagem de uma mãe
sofredora, responsável pelos filhos, abnegada e altruísta ainda persiste. De novo,
temos a figura de uma mãe lutadora sendo realçada.
Se as mulheres estiveram sempre nas ruas, lutando, essa imagem, no entanto, nunca
foi muito enfatizada para a construção de um modelo feminino – no entanto, essas
mães invadiram a mídia. Essa é uma das diferenças que nossos tempos vêem
trazendo e que busquei retratar.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 28
Contudo, ao me debruçar sobre esses fatos deparei-me com uma realidade que
ainda não percebera: a formação de redes. Acredito que o modo como essas
mulheres se articulam historicamente suscitou a formação de uma rede de
solidariedades e reciprocidades que apontam para a formação de uma agenda de
valores comuns - valores que determinam um padrão de sociabilidade e de
costumes que tem como substrato idéias e referências acerca da solidariedade e dos
direitos humanos. Tais valores não são muitas vezes verbalizados com toda força
argumentativa; mas eles podem ser buscados aqui e ali ao fazerem referências aos
seus cotidianos.
Uma existência (de longa duração) as levam a ver com extrema naturalidade a
socialização dessas formas de redes de proteção social aos seus. É comum o
intercâmbio e a troca de favores, bem como a circulação de suas crianças. Nesse
sentido, a noção de “circulação de crianças” cunhada por Cláudia Fonseca foi
fundamental para que pudesse entender o cotidiano dessas mulheres pobres, mas
também para ver como isso perpassa igualmente o dia-a-dia das mulheres de nossas
camadas médias urbanas. É essa vivência e (con)vivência que possibilita suas
incursões no mundo público.
É importante enfatizar que as mulheres foram/são vistas como as protagonistas
desses movimentos. E fazem isso a partir da dimensão materna. São como mães e a
partir do que esse papel suscita que elas se lançaram às ruas. Mesmo no espaço
público, é a imagem da mãe, daquela que cuida, que organiza, que é priorizada. E
isso aparece também em seus discursos. A maternidade, assim como o amor
materno aparece como algo determinante em suas vidas. Se elas ressaltam isso, é
essa mesma imagem também que a mídia vem conformando.
Junto com as mães em luta, a palavra chacina surge como um símbolo dos anos
1990. No entanto, mesmo um evento tão negativo pode se transformar em um
encontro fundamental na vida dessas mulheres: o encontro entre elas e de cada uma
consigo mesma. Mães nas praças deve ser visto como um fenômeno de longa
duração.
Minhas pesquisas nessa área se iniciaram ainda nos anos 1990, ao estudar as
mulheres que ficaram conhecidas como as Mães de Acari. Mas essa realidade
prossegue nos anos 2000, conhecendo outras mulheres que, a partir da violência
sofrida por seus filhos, partem para um movimento de contestação e de busca por
um mundo melhor.
Como lidar com essa realidade? Em todos esses casos, a primeira pergunta é o que
eu poderia ter feito para evitar isso? A culpa aparece sempre. Mas o importante é
que elas não aceitaram o papel nem de culpadas nem de vítimas. Essas mulheres
foram às ruas para lutar pelos direitos de seus filhos. Quando começaram, muitas
sequer conheciam o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Foi no dia-a-dia
que se organizaram, que se capacitaram e daí nasceu a preocupação – não mais
individual, afinal não se trata apenas de seus filhos – de construção de políticas e
formas de enfrentamento aos maus tratos sofridos por seus filhos.
Desse processo de dor se dá a criação de laços de solidariedade. Da mãe, nasce a
cidadã. Estranhamente, é como se os filhos parissem novas mães. Mães que
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 29
Bibliografia
FONSECA, Cláudia (1990). Crianças em circulação, Ciência Hoje, nº 66, vol. 11, São
Paulo: Cortez.
FREITAS, R. C. S. Mães de Acari: preparando a tinta e revirando a Praça: um estudo
sobre mães que lutam. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.
NOBRE, Carlos. Mães de Acari: uma história de luta contra a impunidade, Rio de Janeiro:
Relume-Dumará.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 31
Mas, afinal, o que é ser mãe? Quem são essas mulheres? O que elas têm a ver com
a figura materna que construímos? Em que esta se constitui? Essas mulheres
aparecem nas praças, invadem nossas televisões, os gabinetes oficiais, até as
embalagens dos supermercados, conversando com autoridades estrangeiras,
buscando seus filhos. Essa é uma história de longa duração: Chico Buarque já
cantava, há tempos atrás, a odisséia de Zuzu Angel, mãe que protestou contra a
ditadura militar, exatamente pelo desaparecimento de seu filho. Zuzu acabou morta
num estranho “acidente” de carro. Edméia, uma das mulheres que ficou conhecida
como “As Mães de Acari” também morreu, em 1993 – assim como a primeira líder
das Madres de la Plaza de Mayo, nos marcos dos anos 70. Podemos dizer, junto
com o poeta, que ontem como hoje, continuamos perplexos perante essas mulheres:
afinal, quem são essas mulheres? O que as fez irromper tão intempestivamente no
espaço público?
Aqui se insere a temática da mesa “Mães em Luta – Ética e Solidariedade” que or-
ganizamos na Semana de Extensão de 2005. Neste escrito, retomo temas da minha
tese onde estudei um movimento de mães (as “Mães de Acari”) e de onde surgiu a
expressão “mães em luta”. Nesta expressão estão incluídas as lutas, as falas, as
dores e as vitórias de muitas mulheres que foram “à luta” depois de um aconteci-
mento violento que atingiu seus filhos. Esta expressão retrata mulheres que apare-
cem “fora” do que seriam os seus espaços ditos normais. São mulheres que estão
nas ruas, que estão no mundo público afirmando uma luta e se colocando na luta.
Na verdade, a imagem socialmente construída para as mulheres possui algumas
características que a realidade sempre demonstrou não serem tão verdadeiras
assim. Penso aqui, por exemplo, no mito da passividade feminina, afinal, estamos
falando de mulheres nada passivas. Fico me perguntando que passividade será
essa? Por que essas “loucas” invadiram as nossas praças? De onde tiraram
legitimidade para suas lutas que conseguem atingir todos os setores sociais? É na
própria idéia de mãe que devemos buscar o entendimento para essas questões. É
comum a associação entre a mulher e a natureza, deslocando-nos do espaço da
cultura, da política e reservando, a nós, mulheres, o espaço privado, o espaço da
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 32
casa. No entanto, vou falar de mulheres que fizeram essa “viagem1” para fora de
suas casas e nada passivamente tomaram as ruas e praças, demonstrando o quanto
esses espaços estão inter-relacionados.
Para uma melhor aproximação da figura da mãe, Lúcia Rito2 (1998) buscou até no
Novo Dicionário de Aurélio Buarque de Hollanda uma definição para a palavra
mãe:
Dessa forma, entende-se que mãe não é só aquela que gera os filhos. Ela é a fonte,
a origem de tudo, onde tudo começa e para onde todos se voltam para conseguir
força, substância, vida. No “Aurélio – Século XXI” pude ler que mãe é também
uma “pessoa muito boa, dedicada e desvelada”.
Na verdade, são várias as imagens de mães recorrentes em nossa sociedade. A
imagem da Mãe-terra3 significa proteção. Mas a mãe-d’água vivifica. A imagem da
mãe é contraditória, a mãe que alimenta, que dá abrigo é a mesma que briga, que
faz coisas que, às vezes, parecem incoerentes como os maremotos e os terremotos
(mães também são temperamentais!). As mães, às vezes, se revoltam e soltam
chamas como vulcões - ou ocupam as praças, lançando seus gritos. Podemos
mesmo fazer uma pequena (e incompleta, devo dizer) “incursão” por algumas
imagens através do tempo. Penso por exemplo, em algumas figuras de Goya,
retratando cenas da guerra entre a Espanha e a França; penso especificamente numa
figura em que uma mãe com um de seus braços enfrenta os soldados, tendo no
outro braço, que esconde atrás de si para protegê-lo, o seu filho4. A imagem é de
uma força aterradora. Se olho um pouco acima da mesa onde trabalho, vejo uma
reprodução de Guernica - como esquecer a dor daquela mãe que vejo abraçando
seu filho, possivelmente morto? Como esquecer todos aqueles olhares estupefatos
ante a violência incompreensível que os atingiu?
Se recuarmos no tempo, também encontramos nos mitos relatos sobre mães. Já é
clássica a utilização de Antígona para se reportar à força da mulher, desvirtuando a
razão masculina e política. Mas também temos algumas figuras de mães, basta
pensar em Deméter, destruindo a vida na terra, enquanto não lhe devolvessem sua
filha; penso também em Clitemnestra e toda a tragédia que tem seu ápice quando
1
Termo que tomo por empréstimo à Michelle Perrot (In Perrot e Duby, 1991, vol. 4).
2
Este livro não é propriamente um tratado teórico, mas é uma agradável leitura sobre o tema. E não
deixa de ser demonstrativo da sua atualidade. Na livraria onde fui comprá-lo soube, pela vendedora,
que sua venda foi grande próximo ao dia das mães, em 1999.
3
O mito de Ísis e Osíris é emblemático nesse sentido; a imagem da terra como a mãe; sendo a figura
do pai representada pelo rio Nilo, que a fecunda.
4
Se esse autor pode ser visto como misógino, e de fato, concordo que em muitas situações, essa é
uma interpretação possível, não podemos negar, entretanto, que em algumas de suas gravuras,
especialmente naquelas que fala sobre as desventuras da guerra (a série “Desastres da guerra”), ele
se redime, mostrando fortes - e belas - imagens de mulheres, ainda que em forma alegórica,
simbolizando a terra de Espanha. Dominique Godineau (In Perrot e Duby, 1991, Vol. 4) sinaliza para
outra imagem dessa mesma coletânea, onde, sobre um monte de cadáveres, é uma mulher que se
ergue, acendendo a mecha do canhão, para dar continuidade a guerra.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 33
seu marido entrega sua filha para a morte. Façamos uma pequena pausa para ouvir
esses mitos, não porque os considere “arquétipos” femininos, o que significaria
retirá-los de seus contextos históricos. Mas sim porque retratam imagens que,
efetivamente, foram frutos da imaginação de mulheres e homens em determinados
momentos históricos e que, ainda hoje, possuem a força de nos fazerem refletir
sobre nós mesmos, afinal não seria essa a “função” dos mitos? Talvez seja por isso
que Pauline Schmitt (in Perrot e Duby, 1991) na introdução que tece ao livro
História das mulheres, vol. 1 (que abrange a Antigüidade), coloque em evidência a
necessidade de se estudar os mitos e os modelos antigos que povoaram, e
continuam a povoar, o imaginário ocidental.
Ouçamos a história de Deméter. Ela é a deusa da fertilidade, reforçando a imagem
da mãe (e, por implicação, da mulher) sempre como aquela que dá a vida. Hades, o
Senhor dos Mortos seqüestra Perséfone, sua filha, com o apoio de Zeus (que, na
verdade, é o pai de Perséfone). Inconsolável, Deméter descobre o rapto e se põe a
andar por dias e dias, até encontrar, numa fonte, as filhas do rei de Elêusis a quem
Deméter, fazendo-se passar por mortal, diz que procura trabalho. A rainha lhe
entrega seu filho para criar, sem saber que Deméter é uma deusa. Esta passa a
cuidar do filho da rainha como se fosse seu e a lhe dar tratamento que o
transformariam num imortal. Contudo, numa noite, a rainha descobre e não permite
a continuidade do ritual (ela não deve querer fazer de seu filho um deus, pois sabe
que o perderia, enquanto seu). Mas o gesto de Deméter não deixa de ser pungente;
longe de sua filha, ela busca cuidar de outra criança, um outro filho5. Ao ser
descoberta, ela se mostra então como deusa e se recolhe a um templo criado em sua
honra. Com Deméter enclausurada, nada brota sobre a terra, que ela domina:
Sobre a terra nutridora, ela trouxe um ano mais terrível e mais duro para os
homens, nenhuma semente brotou na terra, pois era escondida por Deméter
em sua linda coroa (...) Ela disse que nunca mais poria os pés no perfumado
Olimpo e nunca permitiria que o grão brotasse na terra enquanto seus olhos
não vissem sua filha de belo rosto6.
Zeus enfim convence Hades (em nome do “bem comum”) a devolver a Deméter
sua filha, para que a vida voltasse a nascer sobre a terra. Seu enclausuramento, sua
revolta ainda que muda, mas implacável, trouxe sua filha de volta7.
Clitemnestra é também um mito forte, mas contraditório. Gosto muito dele. Sua
revolta explode espetacularmente. Vejamos um pouco de sua história. Seu
casamento com Agamêmnon já se inicia sob maus auspícios, pois este matara seu
primeiro marido e um filho recém-nascido. Ela casa-se obrigada e desse casamento
nascem quatro filhos: Ifigênia, Electra, Crisótemis e Orestes (talvez o cuidar desses
filhos - tal como Deméter cuidara do filho de uma mortal - tenha servido para
apaziguar Clitemnestra). Entretanto, devido a malogros durante a guerra de Tróia, e
5
Esse gesto é reatualizado por muitas dessas mulheres, ainda que simbolicamente. Todas apontam
como o fato de cuidar dos filhos de outras mulheres traz, de alguma forma, seus filhos de volta.
6
Homero - Hino a Deméter.
7
É interessante realçar, contudo, que em seu reino, Hades dá um romã para Perséfone comer, o que
faz com que ela tenha que passar um terço do ano com ele. Por isso, durante uma parte do ano, há
seca e morte na natureza; quando Perséfone volta, ela traz a primavera.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 34
8
No entanto, o que continua faltando é a imagem do homem, do pai, associado mais intimamente ao
privado, aos espaços da casa. Essa é uma dimensão que vem, paulatinamente, aparecendo.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 36
9
Interessante também é o slogan hoje utilizado por setores da Igreja Católica: “Peça à Mãe, que o
Filho atende”.
10
Mas apesar disso, é à Cristo que cabe a palavra final. A mulher, a mãe é a intermediária, mas quem
detém o poder efetivo é representado por um homem.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 37
Higonnet11 enfatiza que a cultura visual do século XIX produziu um grande número
de imagens de mulheres que, consistentes ou contraditórias, contribuíram para a
definição, “sempre em mudança”, do que significava ser mulher12. No entanto,
estas imagens não devem ser entendidas apenas enquanto refletindo algum “ideal
de beleza”, mas constituíram-se/constituem-se em modelos efetivos de
comportamento; “a sua capacidade de persuasão, embora específica das artes
visuais, era (é) ativada pelo seu contexto cultural” (Higonnet, In Perrot e Duby,
1991, vol. 4: 298). Assim, hoje, a mídia é também responsável pela construção de
uma imagem feminina - uma imagem que não está imune aos acontecimentos reais
onde as mulheres vivem seus cotidianos.
Voltemos a Eva e Maria. Há tempos, Chico Buarque utiliza poeticamente essa
dicotomia, cantando “umas e outras”, mulheres que se cruzam toda madrugada
“olhando-se com a mesma dor”. Uma vem cansada de tanta calçada “pra se
caminhar”; a outra, vem cansada de tanto rezar e sonhar com Deus. Duas imagens,
duas mulheres vivendo realidades opostas, mas intimamente relacionadas. Uma se
reflete na outra. Será bom refletirmos um pouco mais sobre a construção dessas
imagens e o modo como elas influenciaram/ influenciam a condição feminina. Das
imagens que marcam a história das mulheres, principalmente se pensamos no
mundo ocidental, um capítulo essencial é marcado pela figura de Eva. A mulher foi
condenada (e sua maldição afetou toda a humanidade) devido ao “mau passo”
desta. Por muito tempo essa maldição pesou sobre as mulheres, advindo dela, a
sustentação ideológica da menoridade da mulher, seus malefícios e sua suposta
falta de firmeza. As culpas que recaem sobre Eva são inúmeras. Ela seduziu Adão,
e é de certa maneira, também responsável pela morte do Salvador, já que se não
tivesse cometido sua falta, este não precisaria morrer na cruz. Na história da
criação do mundo, a mulher teria sido criada depois do homem. Eva nasceria a
partir de uma costela de Adão13. Só aqui duas desvantagens cercariam o
aparecimento das mulheres. O homem foi criado primeiro, o que demonstraria sua
maior importância. A mulher só veio depois e a partir daquele - e detalhe, criada a
partir da sua costela, um osso curvo, o que levaria à suposta falta de retidão de seu
caráter14. Sobre Eva recai a parte mais pesada dos vaticínios divinos: “Eu
11
Mulheres e imagens. Aparências, lazer, subsistência,. Trabalhei também com outro texto dela
pertencente a essa mesma edição, intitulado Mulher e imagens. Representações. Ambos estão no
volume 4 da Coleção História das Mulheres, organizada por Michelle Perrot e Georges Duby (1991).
Utilizo, ainda, o texto Mulheres, imagens e representações, pertencentes ao volume 5.
12
Segundo a autora, as mulheres, especialmente as mulheres burguesas, pintaram a princípio, o
mundo doméstico, a si próprias e a seus filhos. Já as pinturas ou fotografias sob a ótica masculina
traziam sempre imagens de mulher que pudessem proporcionar algum prazer visual aos homens,
sendo difícil imaginar imagens de mulheres idosas, por exemplo. Foi aos poucos que a fotografia
começou a dar a conhecer as condições de vida e de trabalho da população mais pobre, mas mesmo
assim, continuaram a representar as mulheres proletárias mais como mães e como vítimas do que
como membros ativos e produtivos da força de trabalho (Higonnet, In Perrot e Duby, 1991, vol. 4: 317).
13
No entanto, existem interpretações conflitantes, que afirmam que Adão não teria um sexo definido.
Segundo Phyllis Trible, a palavra hebraica há-‘adam, de onde deriva o nome Adão é na verdade, um
nome genérico para a humanidade. Dessa forma, Adão não seria ainda um homem; é apenas quando
Deus tira sua costela que se cria o homem e a mulher, portanto, os dois nascem juntos. Cf.,
demonstrando a atualidade do tema, a Revista Cláudia, 28/04/99.
14
No entanto, será que isso não caracterizaria que a falta de retidão já está presente no interior do
próprio homem?
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 38
15
“Darás a luz com dor e muitas vezes com morte”: essa não é uma realidade comum apenas à Idade
Média. Hoje, ainda presenciamos esses fatos.
16
Chiara Frugoni nos fala muito bem dessa mulher imaginada: à Eva com um papel tão ativo no
pecado, opõe-se a Virgem Maria, cuja passividade se exalta no momento de se tornar instrumento da
redenção: o Ave do anjo da Anunciação, tal como é explicado num canto anônimo provavelmente do
século IX, é o inverso de Eva. Maria, que dá o seu filho ao mundo mantendo-se virgem, e que, única do
seu sexo, precisamente porque o seu corpo não conhece a união do matrimônio pode ser exaltada na
sua maternidade, constitui o modelo que cada mulher deve procurar imitar, segundo uma proposta que
nega acima de tudo o corpo feminino e as suas funções (Frugoni, In Perrot e Duby, 1991, Vol. 2: 462).
17
No entanto, existem interpretações que buscam valorizar um cariz revolucionário na vida de Maria,
afinal, ela aceitou ser mãe de um filho sem pai e sem ser casada. A figura de José surge depois; e é
difícil uma leitura mais profunda acerca da família tendo como exemplo a Sagrada Família (Maria, José
e o Cristo). Quando se procura um ideal de esposa é a imagem de Sara que surge: boa esposa, boa
mãe, boa nora. Cf. Silvana Vechio (In Perrot e Duby, 1991, Vol. 2).
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 39
pólos opostos à Eva e à bruxa; elas nos resgatam da maldição eterna a que Eva teria
nos levado18. Assim, já que a mulher é pecadora por essência da carne, é o
arrependimento que possibilita a salvação. Arrependimento, obediência, dor -
palavras presentes no universo feminino em todas essas imagens “salvadoras”. A
carne terá que ser castigada, por isso, a dor na hora do parto, o arrependimento e
uma vida de servilidade e inferiorização, arrependimento e penitência. É essa
imagem que resgata a mulher. As mulheres, hoje, têm que passar até pelo suplício
de seus filhos.
Outra imagem recorrente - e também negativa - que envolve a figura feminina é a
da feiticeira, a bruxa: a mulher com poderes ocultos que encanta e seduz os homens
e conhece todos os mistérios da natureza. Nesse tipo de interpretação, toda mulher
teria algo de “oculto”, sobrenatural, posto que ela viveria mais perto da natureza.
Dessa forma, em toda mulher se esconderia uma bruxa, porque esta é sempre
associada à figura feminina. Existem bruxos, mas a maioria é mulher. Segundo
Sallmann (In Perrot e Duby, 1991, vol. 3), foram os inquisidores que lentamente
empurraram a mulher para o culto do diabo, gerando uma degradação ainda maior
na imagem social da mulher. Mesmo quando o crime de feitiçaria19 foi abandonado,
o estatuto cultural da mulher não foi revalorizado20.
Contraditoriamente, no imaginário popular, essa dimensão é afirmada de forma
positiva, como se as mulheres pudessem contar sempre com essa dimensão
“mágica”. Joana, por exemplo, (outra Mãe de Acari), “sentia” as dores que seu
filho sofria. A maioria das mães teve (e algumas ainda têm) sonhos com seus
filhos, e acreditam que esses possuem algum significado oculto. Uma das mães que
entrevistei conta que começou a chorar sem motivos aparentes: “comecei a chorar.
Olha só. Não sabia de nada. Comecei a chorar”; intuição? Mas não podemos
esquecer que uma vida de miséria e violência acompanha essas mulheres desde o
seu nascimento. O atraso de um filho pode muitas vezes significar a diferença entre
a morte ou a vida. Essas incertezas se transformam em certeza no momento em que
a tragédia acontece. Com o passar do tempo, ganham o estatuto de intuição21. A
18
Embora muitos estudiosos não tenham dúvidas em afirmar que Maria Madalena nunca existiu, mas
foi uma personagem criada a partir de outras mulheres na bíblia. Cf. Dalarun (In Perrot e Duby, 1991,
Vol. 2).
19
Que na história dos crimes nem ocupa uma posição tão importante assim, se pensarmos em termos
numéricos. Mas a ênfase que recebeu, principalmente dos historiadores pode ter contribuído não
apenas como forma de denúncia (afinal, efetivamente, um número quatro vezes maior de mulheres
foram processadas), mas também como reforço da mulher como sedutora e traiçoeira (Sallmann, In
Perrot e Duby, 1991, Vol. 3).
20
O crime de feitiçaria foi desqualificado de fato mas não de direito. Por isso, a feiticeira teria deslizado
insensivelmente do domínio da heresia para o da doença. Ela, que outrora tinha feito um pacto com
Satanás, torna-se vítima da sua imaginação. O mito demonológico deu lugar à histeria, um outro mito
criado para a mulher. Resta saber, como diz o autor, se a imagem da mulher ganhou com a “troca”:
quando era feiticeira, a forca ou a fogueira manifestavam, na sua crueldade, a sua total
responsabilidade penal. Vítima da sua imaginação ou tomada de loucura, ela transforma-se (hoje) num
ser juridicamente diminuído, com responsabilidade pessoal limitada (Sallmann, In Perrot e Duby, 1991,
Vol. 3: 533).
21
Rosiska Oliveira, utilizando uma citação de Clarice Lispector (Fora por causa da resposta contínua
que eu, em caminho inverso, fora obrigada a buscar a que pergunta ela correspondia), argumenta que
haveriam respostas que habitam nossos espíritos, antes da pergunta ser formulada; dessa forma, ao
contrário de toda razão, são as respostas que buscariam as perguntas: antes mesmo que se localize
uma questão, ajudando a formulá-la, há uma resposta intuída que nos habita e que se atualiza pouco a
pouco (Oliveira, 1992: 108). Afirma ainda a autora, que quase todas as descobertas científicas passam
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 41
dimensão mágica aparece, assim, na fala de todas como uma dimensão “natural” (e
positiva) da mulher. Por outro lado, não se pode negar que esta imagem de mulher
reafirma a mística de um “eterno feminino”, absolutamente descolada do mundo
masculino, racional por excelência. A imagem de um poder mágico desperta medo,
principalmente num mundo que preconiza a racionalidade, a especialização e a
transparência dos espaços.
E, assim, essas mulheres foram à luta. Como afirma Arlette Farge (in Perrot e
Duby, 1991, vol. 3), historicamente, é necessário se render à evidência de que as
mulheres estiveram presentes em quase todas as revoltas (ainda que apareçam em
maior número nas rebeliões alimentares). No entanto, são poucos os trabalhos que
mencionam a presença das mulheres nesses movimentos e, mes-mos esses
trabalhos, salvo exceções, dedicam poucas linhas para tentar compre-ender o que
tornou possível a atividade “conseqüente” das mulheres nesse período; e ainda
menos palavras gastam para perguntar como se fez e se faz para estas o regresso à
vida quotidiana depois de viver momentos tão “emble-máticos”. Fazer esse retorno
não é uma tarefa fácil. Neste momento, talvez se misture o orgulho por ter
participado de uma experiência das mais ricas de suas vidas, mas também o que a
autora chama de um movimento de “consenti-mento”, de aceitação para que as
coisas continuem como estão, para que permaneça a ordem. A verdade é que é
difícil precisar o que determina essa volta.
De forma pouco otimista, Farge se pergunta, embora ela reconheça que esta é uma
visão demasiado linear da história, se cada revolta não transformaria as coisas,
mantendo, ao mesmo tempo, o consenso tradicional? Essa é uma leitura pessimista,
mas não se pode dizer que seja infundada. Às vezes, olhando para trás, é difícil não
ter a impressão que pouca coisa mudou. Porém, nada melhor que o recurso à fala,
ao dia-a-dia dessas mulheres para tentarmos ver o modo como a participação
nesses movimentos, ainda que de forma diferenciada marcou o cotidiano delas.
Falando de mães, de mulheres-mães, é importante enfatizar a sua existência nesses
múltiplos espaços, da casa e da rua, no trabalho e na família.
Pretendo começar enfatizando o entendimento da história da família como uma
história de transformações contínuas: transformações entre os espaços públicos e
privados, transformações na forma dos relacionamentos, transformações na
construção dos afetos. Devemos pensar a família como um processo de articulação
de diferentes trajetórias de vida, que se constrói a partir de várias relações, como
classe, gênero, etnia, idade; ou seja, um fenômeno em constante transformação.
Ana Maria Goldani nos confirma que
por esse estágio, contudo, quando estas são comprovadas, conta-se uma história linear, em que a
intuição desaparece como um “fato anedótico”.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 42
22
Vale ressaltar que foi no interior do ideário individualista, que enfatiza os valores da igualdade e da
liberdade, que se desenvolveu como nunca a problemática feminina, demonstrando, assim, os estreitos
laços que unem os processos de liberação da mulher e o individualismo moderno. Boaventura Santos
ressalta a relação contraditória entre capitalismo e movimento feminista: se o capitalismo se aproveitou
do patriarcado para se apropriar do trabalho não pago das mulheres, por outro lado, “liberou
parcialmente a mulher de submissões ancestrais, mesmo se só para a submeter à submissão moderna
do trabalho assalariado (...) Em qualquer caso, a politização do espaço doméstico - e, portanto, o
movimento feminista - é um componente fundamental da nova teoria da democracia” (1994: 234).
Como afirma Bila Sorj, apesar de algumas tendências feministas apostarem numa leitura pós-
modernizante do gênero, existem elementos que aproximam inexoravelmente a discussão do gênero
da modernidade. Cf. Sorj (1992).
23
A vida nas cidades, segundo Georges Simmel, seria inimaginável sem a integração de todas as
atividades e relações mútuas, resultando numa estrutura da mais alta impessoalidade juntamente a
uma objetividade altamente pessoal. Exemplo disso é o que o autor chama de “atitude blasé” (“a
incapacidade de reagir a novas sensações com a energia apropriada” caracterizando um embotamento
do poder de discriminar) e a “atitude de reserva” (uma outra forma de “proteção” que resulta no fato de
que, freqüentemente, nem sequer conhecemos de vista os nossos vizinhos). Podemos pensar, no
entanto, que essas mulheres, com suas práticas, questionam exatamente esses tipos de atitudes, ao
sair da reserva e da atitude blasé, que seria esperada.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 43
uma realidade que podemos perceber nos dias de hoje, demonstrando a persistência
de uma visão de mundo descolada dos aspectos “legais”.
No entanto, ao contrário das mulheres entrevistadas por Lins de Barros ou por
Bosi, Ana, Joana e Teresa não gastam muito tempo de suas memórias para falar da
infância ou juventude. É o advento da tragédia que atinge seus filhos – seja o
desaparecimento em Magé, no caso Acari, seja o assassinato de seus filhos, seja a
descoberta que o filho cometeu uma infração, como no caso das mães de filhos em
conflito com a lei – que se torna o ponto chave de suas vidas; nele se concentram
suas memórias24. O que acontece antes e depois quase não é lembrado ou, quando é
lembrado, é sempre referenciado a esses eventos.
As marcas do gênero estão presentes em seus discursos. O mundo da casa, o espaço
privado é parte permanente de suas memórias. É a partir dessa dimensão que
contam suas vidas. Alguns itens são recorrentes e característicos de um discurso de
gênero - o que não significa uma naturalização desses espaços como espaços das
mulheres. Mas são os espaços onde historicamente vivem as suas vidas e que
deixam marcas nessa vida e na forma como podem narrá-las. Os filhos, o
casamento, a casa, as preocupações com a família – e principalmente o sentimento
de culpa – fazem parte tradicionalmente do discurso feminino. Porém, cada vez
mais, o trabalho, a sociedade, a política vem também fazendo parte desse
repertório. Isso é bastante concreto no que se refere a essas mulheres.
Outros caminhos foram sendo percorridos por essas mães. Nesse caminhar, elas
foram vivendo outras realidades, vivendo novos valores. A morte, a dor, o luto são
experiências indescritíveis. Em torno da dor elas foram reconstruindo suas vidas.
Não é por acaso que a figura da mater dolorosa é extremamente presente em suas
falas. A culpa por ser feliz – ou melhor, por ter momentos felizes – aparece na fala
de todas elas, de qualquer idade e mesmo atravessando classes25.
Marilene é uma das Mães de Acari e para ela, uma das coisas que têm a seu favor é
que se tornaram a presença viva de uma história. É a elas que cabe resgatar essa
memória: “nós somos presenças viva. Nós somos testemunhas, testemunha não do
que aconteceu. Mas somos presença viva de um acontecido. Nós temos na pele
isso”. E o contato com as pessoas passa a não ser uma coisa tão dolorida porque é
assim que conseguem mobilizar as pessoas. A mesma preocupação que
encontramos nas Madres de la Plaza de Mayo (já nos idos dos anos 70) reaparece
nessas mulheres: fazer com que a memória se reproduza e, nesse sentido, ganhar os
jovens para defenderem a bandeira delas é crucial. A juventude é sempre vista
como portadora de uma dimensão positiva. O que as ajuda é, em seu entender, que
são descontraídas, conseguindo minimamente lidar com o riso e a lágrima: “a gente
chora; daqui a pouco a gente está enxugando a lágrima e está rindo, sabe? Está
fazendo rir. A gente consegue mobilizar e sensibilizar”. Essa mesma fala pude
24
Esse não é um fenômeno incomum. No texto de Lins e Barros (1997) encontra-se referências a um
estudo feito junto à mulheres judias imigrantes que enfatizam o momento da imigração, um momento
de mudanças e rupturas como o momento central de suas lembranças.
25
Cf. Freitas (2000).
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 44
ouvir de Mônica Suzana26, quando seu filho estava em privação de liberdade: “eu
botava o prato de comida na minha casa, mas como eu ia comer?” Toda essa
reflexão surge fazendo-nos pensar que a projeção alcançada por elas aparece como
um atenuante para a dor que sentem.
A dor passou a ser uma realidade eternamente presente em suas vidas e, por
implicação, em suas falas. Essa dor se manifesta de várias formas. Joana “sentiu”
em seu corpo as dores que seu filho sofria (ou que ela pensava que ele estava
sofrendo). A culpa também aparece na fala das outras mães: “eu não posso colocar
isso [em público], porque eu ensino as mulheres a não colocar isso para elas, essa
culpa... eu não posso colocar isso para elas, tá?, mas assim,eu não tenho culpa, mas
eu tenho parceria... tenho muita parceria”. A autopunição também se fez presente e
praticamente todas desenvolveram algum tipo de doença.
Todas as mães afirmam que a vivência da maternidade e da tragédia, ou seja, de uma
maternidade estraçalhada gera uma solidariedade e uma união muito forte entre elas
porque, no fundo, suas perdas foram iguais e irreparáveis, já que perderam filhos e
filhas de forma violenta. Porém, existe também a construção de uma relação que é
fruto de uma luta comum: uma relação de amizade; de estar juntas, de jantarem
juntas, de conversar. Esse é um dos lados positivos dessa história que trouxe tantas
coisas ruins.
Em um programa exibido na Rede Record, Vera de Acari aparece séria, afirmando
que “a gente quer encontrar os nossos filhos”. E em tom explicativo, continua: é
um pedaço de mim; é um pedaço de todas as mães. A visão de uma mãe “partida”,
é uma imagem que retorna em quase todas as falas. Vera Carneiro é enfática. Em
tom professoral, resume o drama:
O grito de uma mãe, ele não vem da garganta, ele vem do útero; é um pedaço
da mãe que se vai então, é aquele instante maior, é uma perda muito grande,
porque vai junto aquele pedaço da mãe, vão junto os projetos que a mãe
depositou naquele filho, então, todo o projeto de vida desaparece nesse
momento.
26
Em ouro extrato social temos uma entrevista de Vera Carneiro (cujo filho morreu em um acidente de
carro envolvendo o ator Felipe Camargo que dirigia embriagado) com Iliane Martins (que teve a filha
morta também em um acidente de carro protagonizado pelo jogador Edmundo) reafirmando essa
mesma questão (JB, 05/04/98).
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 45
mães. A esperança de reencontrar o filho talvez não exista mais para muitas dessas
mulheres, contudo, permanece a luta, nem que seja pelos outros filhos, pelos filhos
de todo mundo, para que isso “não volte nunca mais a acontecer”, para que o
sistema melhore e possa realmente atender as crianças e adolescentes do futuro.
O discurso efetivamente não é mais o de uma “pacata dona de casa”. Os temas já
supõem um conteúdo político e a repetição de alguns “slogans”, como a
socialização da maternidade e a visão de nascimento a partir do filho. Segundo
Marilene, é o amor de mãe o que as impulsiona e que cimenta essas relações. Esse
amor não é em nenhum momento questionado. E se a todo o momento existe a
referência a uma “nova” figura de mãe; desse amor não se questiona as várias
formas que este pode assumir. Esse amor é naturalizado e inquestionável para elas.
É esse amor que justifica. A participação nasce dessa mistura. Do amor de mãe, das
suas dores nasce o lema/mote/a motivação para a ação/a luta. É exatamente isso
que essa fala de Hebe Bonafini reafirma, mostrando que da dor nasce à vontade de
transformar a dor em luta; das tragédias vividas por essas mães é que nasceram as
cidadãs - é como se os próprios filhos parissem suas mães, novas mães-cidadãs.
Claro que este é um processo contraditório. A cidadania não é obtida de
uma vez para sempre, e nem a sua posse significa mudanças em todas as esferas da
vida. Normalmente, a mãe-cidadã continua convivendo com a esposa-escrava, a
mulher oprimida, e mesmo com outros tipos de mães tradicionais: a mãe
autoritária, a mãe boazinha, a mãe vítima27. Aqui se estabelece uma contradição na
vida dessas mulheres. Elas obtiveram, a partir de todo o movimento que
protagonizam um grande aprendizado. Hoje, sabem mais dos seus direitos do que
sabiam há pouco tempo atrás (“eu não conhecia nem o ECA”, é o que nos confessa
Mônica Suzana). Contudo, sofrem a limitação (de classe, gênero, etnia) de não
poder exercê-los em sua plenitude. Marilene e Vera em palestra realizada na Escola
de Serviço Social /UFF são enfáticas ao falarem do modo como transformaram a
dor em ação. A solidariedade das mães nasceria dessa dor partilhada e que se torna
combustível para a luta política. Essa união é celebrada por todas as mães,
atingindo inclusive as mães pertencentes às camadas médias.
Richard Rorty é um autor que vem se preocupando com a questão da solidariedade.
Não vou me deter aqui num estudo exaustivo de sua obra, nem em buscar resgatar
o substrato teórico que permeia o discurso acerca da solidariedade, hoje abundante
em nossos movimentos coletivos28. Quero, contudo, pontuar uma questão.
Efetivamente, a solidariedade aparece como pano de fundo de muitos discursos
hoje, especialmente àqueles voltados para uma leitura crítica da sociedade e
preocupados com uma alternativa política que busque congregar os mais diversos
agentes sociais. Ao apelar para valores universalizantes e humanitários esta noção
consegue “amarrar” as mais diferentes coletividades.
27
Cf, nesse sentido, com o livro de Maria Lúcia Rocha-Coutinho (1994) acerca das diversas formas de
poder direto e indiretos vividos historicamente pelas mulheres.
28
Uma interessante ajuda nesse sentido é a tese do professor-doutor João Bôsco Hora Góis,
“Vestígios da força das palavras: escritos sobre a Aids”, especialmente seu quarto capítulo (“A
reconstrução do Outro e os dilemas da solidariedade). Cf. Góis (1999).
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 46
No entanto, vale ressaltar que apesar de sua perspectiva englobante, esse discurso
surge historicamente a partir de grupos organizados. Se a solidariedade é vista
como um sentimento universal, na prática, ela precisa ser “ativada”. Foi utilizando
a categoria “mãe” e tudo que ela acarreta em termos de significados sociais, bem
como utilizando um saber-fazer que lhe é próximo que essas mulheres construíram
os seus discursos, que não podiam estar alheios às discussões que então se
realizava na sociedade. Por isso, elas partiram de uma conclamação às mães, não a
uma humanidade indiferenciada. Ao invés da universal, a solidariedade aparece
demarcando o pertencimento ou não pertencimento a um grupo (e a uma agenda de
interesses específica, ainda que preocupada com o “todo social”). Ela é vista como
a única forma de garantia de um futuro melhor, de uma união que se afasta dos
valores mais individualistas e repousa numa visão de sociedade (e de futuro) onde
os diferentes sujeitos sociais possam ser respeitados. Como afirma Góis, a
solidariedade tornou-se um verdadeiro “estilo de vida”, estabelecendo parâmetros
tanto para os atos públicos como privados, tornando-se um elemento central para a
construção de uma agenda de interesse público - e que vai além de uma discussão
de interesses meramente materiais (Góis, 1999).
De um lado, a violência que nos circunda, a perda de valores com a qual
convivemos, assim como a descrença em nossas instituições formais contribuiu
para essa busca de alternativas. Por outro lado, as raízes religiosas, bem como essa
cultura de redes de apoio mútuo e de proteção social, assim como a crença em
ideais humanitários (como o apelo à maternidade), podem ser entendidos como um
importante terreno para a disseminação dessa tão alentada solidariedade. Bem
como explica porque foi tão bem assimilada. Nesse sentido, a coletividade ganha
uma importância. A união que se estabelece como uma força ajuda a confiar nos
caminhos futuros; é desse modo, que a solidariedade se coloca como alternativa à
barbárie (Góis, 1999). As palavras ajudam a conformar nossas ações; não estamos
imunes aos seus conteúdos. O fato é que essa preocupação com a solidariedade
surge num momento de vital importância enquanto alternativa para a paisagem
devastadora que a alternativa neoliberal nos coloca enquanto proposta de
sociedade. Falar em solidariedade, falar na união de mães, numa luta contra a
impunidade significa um trabalho em aberto para a reconstrução de valores, tão
caros para a continuidade da vida em sociedade; pois, como afirma Góis, “seja lá
quais forem os chãos intelectuais da construção da solidariedade, trata-se sempre
do esforço de erigir valores sociais ou de inventar tradições ético-morais, algo tão
mais importante quando se pensa no caráter organizador dos valores nas nossas
vidas e sociedades” (1999: 263). Talvez seja esse o viés que devamos perseguir
para o entendimento desses movimentos.
CONCLUINDO: Da mãe, nasce a cidadã: justiça, política e cidadania
Na verdade, o direito mínimo, o mais elementar da cidadania, que é o direito à vida
pouco a pouco vem sendo usurpado. Isso é confirmado por Elisabeth Jelin (1994).
Segundo esta autora, se a cidadania, teoricamente seguiu o caminho dos direitos
civis para os políticos e sociais; dos anos oitenta para cá, mesmos os direitos civis
não estão mais garantidos. Prova disso é que no correr desta década os direitos
humanos básicos e os direitos civis tornaram-se o eixo da militância política. Isso
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 47
29
Cf. nesse sentido, o texto - já clássico de Marshall (1967). Trata-se de algo também confirmado por
Norberto Bobbio (1992), ao mostrar o caráter processual da cidadania e as novas cores com que vem
se emoldurando.
30
Nesse sentido, vale ressaltar também a contribuição de Dagnino (1994), ao salientar o caráter da
cidadania enquanto estratégia política: afirmar a cidadania como estratégia significa enfatizar o seu
caráter de construção histórica, definida portanto por interesses concretos e práticas concretas de luta
e pela sua contínua transformação. Significa dizer que não há uma essência única imanente ao
conceito de cidadania, que o seu conteúdo e seu significado não são universais, não estão definidos e
delimitados previamente, mas respondem à dinâmica dos conflitos reais, tais como vividos pela
sociedade num determinado momento histórico. Esse conteúdo e significado, portanto, serão sempre
definidos pela luta política (p. 107 - grifos meus)
31
Em relação aos novos movimentos sociais, afirma que a novidade maior destes, reside em que
constituem tanto uma crítica da regulação social capitalista como uma crítica da emancipação social
socialista tal como ela foi definida pelo marxismo. Ao identificar novas formas de opressão que
extravasam das relações de produção e nem sequer são específicas delas, como sejam a guerra, a
poluição o machismo o racismo ou o produtivismo, e ao advogar um novo paradigma social menos
assente na riqueza e no bem-estar material do que na cultura e na qualidade de vida, os novos
movimentos sociais denunciam, com uma radicalidade sem precedentes, os excesso de regulação da
modernidade (Boaventura Santos, 1994: 222).
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 48
Importante aqui é destacar, também para este autor, a noção de cidadania como não
monolítica, mas processual. Se a cidadania liberal está assentada na noção de
igualdade, esses movimentos sociais poderiam representar um novo equilíbrio entre
subjetividade e cidadania, ao enfatizarem a noção da diferença. Se nos atemos ao
ideário liberal, a igualdade faz parte constitutiva da noção de cidadania, o que
colidiria, de frente, com a subjetividade, cuja marca é a diferença, o pessoal. A
subjetividade, para este autor, deve abranger, além das idéias de autonomia e
liberdade, as noções de auto-reflexividade e auto-responsabilidade (Boaventura
Santos, 1994).
Importante também nessa discussão, é a sugestão de Paola Cappellin de introduzir
a diferença sexual (uma diferença social e não apenas biológica) na definição da
cidadania. Isso possibilitará perceber de que maneira mulheres e homens entendem
e usufruem dos direitos civis, sociais e políticos (In Pandolfi, 1999). Em pesquisa
realizada por esta autora vemos que as mulheres chefes de família enfatizam mais
que os homens, a importância de uma participação social e política, seja em
associações de moradores seja em outros tipos de movimentos. Segundo a autora,
essas informações ajudam a questionar o senso comum de que essas mulheres,
devido à sobrecarga de atividades que possuem, tenderiam a manter-se afastadas de
qualquer participação social ou política: a pesquisa evidencia, ao contrário, um
envolvimento direto que, às vezes, é mais alto que a média geral. Esta maior
adesão, afirma a autora, parece ter como objetivo a melhoria do padrão de vida32. O
associativismo feminino é uma prática de longa duração. Na nossa história, as
mulheres sempre estiveram presentes, se reunindo aqui e ali para poderem trocar
(confidências, bens simbólicos ou econômicos) ou para reivindicar esses bens. Faz
parte de nossa cultura esse “caminhar conjunto”. Para as Mães de Acari, por
exemplo, o discurso da cidadania é fluido, assim como o dos direitos humanos. É
um símbolo que as unifica entre si e a outras pessoas, mas fora Marilene e Vera –
que podem ser vistas como liderança no movimento – para as outras mães é difícil
estabelecer uma reflexão sobre essas questões. Elas aparecem mais como um pano
de fundo para a unidade do grupo. Uma fala mais do que uma prática vivida.
Entendo que as pessoas vão, pouco a pouco, “se fazendo”. Foi a partir de suas
experiências, suas trajetórias de vida que essas mulheres foram se construindo. É a
partir da vivência do que Manzini-Couvre (1995) chama de “formas fragmentárias
de relações utópicas”, que elas podem ir construindo uma nova vivência da
cidadania. Para isso, a autora aponta a necessidade do rompimento da noção de
identidade enquanto uma categoria fixa. A identidade é histórica; ela é diretamente
relacionada ao momento presente da pessoa, bem como as memórias que traz do
passado. É assim que podemos nos aproximar de uma noção de cidadania
vinculada à experiência concreta das pessoas, uma cidadania aberta às diferenças,
ou seja, sem a preocupação da conversão33 das ditas camadas populares a um ideal
distante de cidadania formal.
32
Sua presença na campanha eleitoral de 1994, maior que a dos homens e mulheres em geral, ajuda-
nos a pensar na complexidade da rede de relações em que ocorre a participação política dos
indivíduos (In Pandolfi, 1999: 218).
33
Cf. Duarte (1993)
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 49
34
Quero ressaltar que devo muito dessas reflexões às discussões desenvolvidas junto ao professor
João Bôsco Hora Góis.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 50
Bibliografia
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Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 51
“(...) essa sociedade via mal a criança, e pior ainda o adolescente. A duração
da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote do
homem ainda não conseguia basta-se; a criança então, mal adquiria algum
desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus
trabalhos e jogos. De criancinhas pequenas ela se transformava
imediatamente em homem jovens sem passar pelas etapas da juventude (...)”
(Áries, 1978:10)
Elas eram vistas, portanto como objetos nas mãos de seus pais/responsáveis. Santos
(1987) ilustra, muito bem, essa questão quando diz que: “Durante muito tempo,
razões de ordem social, política e religiosa negaram e, muitas vezes até hoje,
negam à criança direitos fundamentais como a integridade do corpo, a
independência da mente, controlando-a como uma propriedade privada”. (Santos,
1987:13).
Apesar desta trama de violências - de não direitos -, muitas lutas já foram travadas
para fazerem valer os direitos básicos das crianças e adolescentes.
Cronologicamente, ao longo do século XX, temos:
A grande caminhada dos Direitos da Criança, com início em 1923, quando a União
Internacional “save the children” redigiu e aprovou um documento que ficou
conhecido como Declaração de Genebra. Essa Declaração de cinco pontos continha
os princípios básicos da Proteção à infância.
No ano seguinte, 1924, a quinta Assembléia da Sociedade das Nações aprovou a
Declaração de Genebra e propôs aos países membros que pautassem a sua conduta
em relação à infância pelos princípios nela contidos. Terminada a II Guerra, a
ONU aprova uma declaração que amplia ligeiramente os direitos constantes no
texto de 1924.
A Assembléia Geral, órgão máximo da Organização das Nações Unidas, em 1959,
aprova a Declaração Universal dos Direitos da Criança, um texto contendo dez
princípios, aumentando assim substancialmente, elenco dos direitos aplicáveis à
população infantil.
Em 1978, o Governo da Polônia apresenta à Comunidade Internacional uma
proposta de Convenção dos Direitos da Criança.
A convenção é um instrumento de direito mais forte que uma declaração. A
declaração sugere princípios pelos quais os povos devem orientar-se no que diz
respeito aos direitos da criança. A convenção vai mais além. Ela estabelece
normas, isto é, deveres e obrigações aos países que a ela formalizarem sua adesão.
Ela confere a esses direitos a força de lei internacional.
A comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 1979, examina a
proposta da Polônia e cria um grupo de trabalho para, a partir dela, produzir um
texto definitivo.
Durante os dez anos que se seguiram, o texto foi intensamente debatido pela
comunidade internacional. Para participar deste esforço, organizações não-
governamentais criaram Um Grupo de Ad Hoc de ONGs para auxiliar a comissão
encarregada pelas Nações Unidas de elaboras uma proposta de texto final.
Em 1989, o Grupo de trabalho apresenta a redação definitiva do Projeto de
Convenção à Comissão de Direitos da ONU. Em 20 de Novembro desse mesmo
ano, a Assembléia Gera, aprova por unanimidade, o texto da Convenção
Internacional dos Direitos da Criança. Nesse dia, o mundo comemora os 30 anos de
Declaração Universal de 1959 e o décimo aniversário do Ano Internacional da
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 54
Criança. Mas somente em entra em vigor em 02 de setembro de1990, após ter sido
ratificada por 20 países, a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças.
No Brasil a historia da criança desde o período colonial, foi marcada, por contínuos
descasos, seja em virtude de questões culturais, como acontecia com alguns povos
indígenas, seja em razão do cunho sócio-econômico.
O período escravagista, também, foi marcado pela morte e abandono de crianças.
Os filhos de escravos, que geralmente viviam em péssimas condições nas senzalas
ou em áreas urbanas, nem sempre eram criados por suas mães e costumavam
crescer sem qualquer referência paterna, pois o senhor de escravos separava pais e
filhos como bem entendesse.
No plano mundial, o conceito de infância começa a sofrer alterações no final do
século XVII, entretanto, ganha mais força e visibilidade do século XVIII e no
século XIX. Rizzini afirma que a criança:
Nesse período, sobre a ótica higienista e saneadora da sociedade, zelar pela criança
passa a significar garantia da ordem social. O homem adquire através das
concepções vigentes o poder de manipular destinos e influir no futuro da
humanidade. Não só isto, a autoridade paterna, instituída pelo Direito Romano-
Pater Famílias - colide com a autoridade do Estado; perde seu caráter de
intocabilidade e passa a ser regulada pelo poder público.
Estas transformações chegam, paulatinamente, ao Brasil, tendo-se instaurado mais
precisamente no período republicano. Também aqui a criança passa a simbolizar a
esperança. Se educada ou retirada do seu meio e reeducada, ela se tornaria útil a
sociedade. Rizzini lembra que “em nome da manutenção da paz e do futuro da
nação, diversas instâncias de intervenção serão firmadas, de modo a classificar
cada criança e colocá-la em seu devido lugar (...) a conexão jurídico-assistencial
atuará visando um propósito comum: ‘salvar a criança’ para transformar o Brasil.”
(Rizzini e Baker, 2001:30).
A elite da época denunciava a situação de abandono da infância inflamando o
cenário político; porém, apesar dos discursos, no plano das ações, a elite, como diz
Rizzini , 1997:”tinha diante de se uma opção a fazer: promover a educação(para
‘civilizar’), sem no entanto, abrir mãos de privilégios ‘herdados’ (Rizzini.
1997:32). Ou seja, como discutem Carvalho (1995) e Rizzini (1997) mantendo o
povo sob vigilância e estrito controle, como uma necessidade política de preservar
a ordem pública.
Desta maneira, proteger ou conter ou, mesmo entender a infância, principalmente a
empobrecida, com em perigo ou perigosa, passa a dominar o imaginário da elite da
época. Com isto a infância passa a ser dividida em dois termos: de um lado, a
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 55
Bibliografia
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RIZZINI, I. O século perdido: Raízes históricas das políticas públicas para a infância no
Brasil. Rio de Janeiro: CESPI/USU/EDUSU, 1997.
SANTOS, M. Fim de século e globalização. São Paulo: Hucitec, 1997.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 56
1
Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados
Americanos. 123ª Seção Ordinária de 25 de outubro de 2005.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 57
“Nicaragua está atravessando por uma grave crisis institucional, situación que
fue objeto de audiencias el marco del presente período ordinario de
sesciones.”
2
idem
3
Idem
4
Idem
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 58
5
NOVOA MONREAL, Eduardo. El Derecho como obstáculo al cambio social. Editorial Siglo Veintiuno
Editores. P. 106. Mexico, DF.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 59
“São poucos os países no mundo nos quais, como o Brasil a mortalidade por
armas de fogo supera as taxas de óbito em acidentes de transporte. Entre os
57 países analisados, só em seis casos isso acontece.”
“Artigo 2.
1. Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente
Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua
jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de raça, cor, sexo,
idioma, crença, opinião política ou de outra índole, origem nacional, étnica
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 61
Assim, por mais que os direitos humanos das crianças e dos adolescentes da
América Latina estejam internacionalmente consagrados pelo Pacto de José da
Costa Rica, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos da OEA-
Organização dos Estados Americanos e, especialmente pela Convenção
Internacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes da ONU – Organização
da ações Unidas, permanecem historicamente os processos de vitimização
institucional nos Estados, onde milhões de crianças são submetidas a toda forma de
violência, sendo até mesmo criminalizadas pela absoluta falta de condições
materiais para o pleno exercício da cidadania.
6
Dos Santos, Juarez Cirino. A Criminologia Radical. Editora Forense. P. 32. Rio de Janeiro. 1981.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 62
7
Bourdieu, Pierre e Wacquant, Loïc. De L’É tat Social à L’É tat Pénal. Discursos Sediciosos – Crime,
Direito e Sociedade. Instituto Carioca de Criminologia. Editora Revan. 1998. Rio de Janeiro.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 63
Entendemos que a reverão deste quadro que desenhamos nos parágrafos anteriores
passa necessariamente por uma grande mobilização da sociedade em duas frentes.
A crise do Estado reflete uma crise da própria sociedade civil, organizada ou não.
Mesmo o conjunto das organizações não governamentais, grande parte delas,
especialmente aquelas que desenvolvem ações voltadas para os direitos infanto
juvenis na América Latina são seduzidas e naturalmente conduzidas pela agenda
neoliberal dos Estados e transformadas em agentes do “bem”, dirigidos ao
aperfeiçoamento das superestrutura política e jurídica do Estado.
A falta de um projeto político de Estado, sociedade e ou direitos, que possa
enfrentar o processo de exclusão que está em curso é o principal sintoma da crise
que passamos.
É preciso pautar no conjunto da sociedade civil, uma reflexão sobre que cidadania
e, neste sentido, estamos lutando e trabalhando, como num movimento de
politização do jurídico.
Somado a falta deste projeto, identificamos a minúscula compreensão sobre a,
necessária e indispensável, protagonização das crianças e dos adolescentes na luta
pelos seus próprios direitos.
O protagonismo que esperamos não é aquele pautado numa simples visibilidade
dos direitos infanto-juvenis, mas efetivamente fundado na construção de espaços
que assegurem a viabilidade de direitos por ação própria das crianças e dos
adolescentes.
Estas duas vertentes, a construção de um projeto político de Estado, sociedade e
direitos humanos pela sociedade civil organizada, somado a construção dos
espaços de protagonização da cidadania infantil na América Latina, é a retomada
dos meios da verdadeira transformação social que poderá, certamente neutralizar o
processo vitimizador contra criança e adolescentes na América Latina que está em
curso, e anunciar uma nova ordem, mais justa e fraterna.
Bibliografia
Relatório da Comissão InteramerIcana de Direitos Humanos da OEA – Organização dos
Estados Americanos. 123º Seção Ordinária de 25 de outubro de 2005.
Relatório sobre o Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo da Secretaria Especial
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1981.
Bourdieu, Pierre e Wacquant, Loïc. De L’É tat Social à L’É tat Pénal. Discursos Sediciosos
– Crime, Direito e Sociedade. Instituto Carioca de Criminologia. Editora Revan. 1998. Rio
de Janeiro.
Convenção Internacional dos Direitos da Crianças da ONU.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 64
1
“Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as
seguintes medidas: I- advertência; II- obrigação de reparar o dano; III- prestação de serviços à
comunidade; IV- liberdade assistida; V- inserção em regime de semi-liberdade; VI- internação em
estabelecimento educacional” (ECA – art.112- Capítulo IV –Das Medidas Sócio-Educativas)
2
Adolescente autor de ato infracional e/ou aquele a quem se atribui autoria de ato infracional.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 65
3
Sistema de Informação para a Infância e Adolescência – sistema nacional de registro e
tratamento de informação criado para subsidiar a adoção de decisões governamentais
sobre políticas para crianças e adolescentes da Subsecretaria de promoção dos Direitos da
Criança e do Adolescente, ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos e ao
CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Disponível em:<
http://www.mj.gov.br/sipia/ > Acesso em 31 de outubro de 2005
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 66
4
Portaria interministerial MS/SEDH/SEPM nº 1.426, de 14 de julho de 2004 no DOU
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 67
5
Deliberações do CEDCA publicadas no DO RJ em 30 de maio de 2003.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 68
Referências Bibliográficas
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Organização Panamericana de Saúde/OMS. La salud del adolescente y el joven em las
Américas. Washington DC, 1985 (489).
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 70
1
“O direito a um meio ambiente equilibrado inscreve-se entre os chamados Direitos [Humanos] de
Terceira Geração”. É, portanto, um direito da humanidade. SOCHACZEWSKI, J. Água de beber ainda
é um direito a conquistar. In Revista MaisHumana, n. 8, nov. 2005, p.7.
2
SOCHACZEWSKI, J. Educação para o ambiente: quadro negro ou mudança de paradigma escolar?.
In VALENÇA-BARROS, SOUSA e SOCHACZEWSKI, 2005.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 71
A resposta de seus setores populares mais combativos tem sido buscar arrancar dos
diferentes governos, dos diferentes níveis de governo, a adoção e a manutenção de
políticas públicas que sejam os trilhos sobre os quais a locomotiva sócio-
econômica movimente-se em nova e acelerada direção. Tal ânsia, justíssima, por
vezes faz-nos esquecer que grandes políticas são, sempre, aplicadas por pessoas,
mesmo que através de mecanismos institucionais.
Este detalhe é particularmente verdadeiro quanto tratamos de questões ambientais.
O macrouniverso, embora potencialmente mais perigoso, por oferecer riscos e
ameaças de maiores proporções, não é sempre o maior poluidor. Exemplo disso é a
aplicação do PDGB (Programa de Despoluição da Baía da Guanabara) no Estado
do Rio de Janeiro, que adotou como foco mais problemático o despejo de esgotos
domésticos não tratados no mar. Em suma, o conjunto de moradias do município
de Duque de Caxias suja mais a Baía que as indústrias de seu entorno. O
microuniverso residencial é de dificílima fiscalização, enquanto um punhado de
grandes ou mesmo gigantescas indústrias pode ser mais facilmente ajustado e
vigiado.
Por que, entretanto, ocuparmo-nos dos chamados ambientes in-door públicos
(escolas, hospitais) ou domésticos quando tantos agentes mais perniciosos infestam
o mundo contemporâneo? É momento desta pergunta.
Para começar, é o principal ambiente da criança. Ademais, resolver ou minimizar
um problema ambiental doméstico, do lar, está próximo ao nosso campo pessoal de
poder – ou seja, é bem possível.
Costumamos temer ameaças de contaminação nuclear, guerra bacteriológica, redes
de alta tensão, antenas de telefonia. Na mesma medida, tendemos a ignorar a
chamada saúde ambiental doméstica in-door, a que invade nossas casas à revelia:
água encanada contaminada ou clorada em excesso; químicas não especificadas ou
acima das especificações, agregadas a alimentos; mas ignoramos também a que
carregamos para lá por opção própria: gás de cozinha, usado em ambiente
impróprio; vapores residuais de aerossóis e de produtos inseticidas e de limpeza em
geral; restos nocivos de detergentes, especialmente deixados por máquinas de lavar
louça. São componentes na maioria novos, cuja quantidade de uso só aumenta e
que quando do filme Guerra dos Mundos eram desconhecidos do organismo
humano.
Contaminantes como esses vêm sendo estudados. Publicações surgem em número
razoável numa consulta a bases de dados como o Medline. Contudo, a maior parte
dos trabalhos dedica-se a estudar os ambientes coletivos; do restante, a maior parte
estuda ambientes in-door de uso público. A pequena porcentagem de estudos que
entra em nossas casas dedica-se na quase totali-dade a investigar a existência deste
ou aquele resíduo (inclusive de metal pesado) no ar, na água, em aparelhos de ar
condicionado, na louça, na comida, nos estômagos. Sobram muito poucos que
tentem relacionar esses contaminantes aos tipos de produto consumidos, ou ainda a
possíveis patologias. Entretanto, acompanhamentos clínicos esparsos e empíricos já
indicam que, além das sabidas alergias, a exposição a certos elementos é capaz de
induzir o aparecimento precoce de doenças degenerativas em seres humanos.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 72
Exemplo: morar em uma casa em obras pode desencadear alergias sérias, além de
contaminação por amianto, chumbo, entre outros materiais utilizados em
construções.
Não faltam motivos que indiquem a necessidade de mais atenção a nossas
moradias. Entre tais motivos, relacionamos: a efetiva possibilidade de
transformarmos nosso habitat sem depender de ações governamentais,
incrementando a partir do privado um aspecto importante de saúde pública; a
grande quantidade de pessoas que podem ser atingidas – no mínimo, todas as que
têm onde morar; o tempo que permanecemos em ambiente doméstico fechado,
tempo que, sem dúvida, é cada vez maior no que diz respeito às crianças e jovens.
Para isso, depende-se de um mesmo ponto de partida: informação.
Entendemos este texto como uma simples reflexão e proposta de reflexão, na qual
fazemos um breve apanhado geral do tema, com pinceladas de desdobramentos.
Instiga-nos, principalmente, a uma futura revisão detalhada do assunto, como base
a estudos futuros que, reiteramos, são cada vez mais necessários à manutenção de
nossa saúde com destaque para as crianças, que já nascem e vivem em ambiente
poluído por nosso excesso de desinfecção.
PANORAMA CONTEXTUAL
1
CECRIA , 2001.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 75
2
Categoria trabalhada por Castel: "A vulnerabilidade social é uma zona intermediária instável, que
conjuga a precariedade do trabalho e a fragilidade dos suportes de proximidade. A zona de
vulnerabilidade alimenta as turbulências que fragilizam as situações conquistadas e desfazem os
estatutos assegurados. A vulnerabilidade nascia do excesso de coerções enquanto agora aparece
suscitada pelo enfraquecimento das proteções.” (Castel, 1998:24).
3
Destacamos como relevante na pressão exercida para a consolidação do ECA a participação do
MNMMR, o apoio do UNICEF, Pastoral do Menor - CNBB, Centros de Defesa dos Direitos Humanos,
OAB e ONGs em geral. OLIVEIRA, 1999: 44
4
ECA - Lei 8.069 - 13/07/1990
5
SUS - Lei 8.080 - 19/09/1990
6
LDB - Lei 9.394 - 20/12/1996
7
LOAS - Lei 8.742 - 07/12/93
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 76
A família mantém interações com o contexto social em que está inserida, de forma
dinâmica. É uma organização complexa, espaço de intimidade e socializações,
constitutiva de identidades pessoais e grupais, de conflitos e conquistas. Na família
se organizam, se formam, se produzem e reproduzem as interações de seus
membros e destes com a sociedade em geral.
Os conflitos familiares são permeáveis às experiências individuais e destes com
outros segmentos sociais, permitindo interações sociais e socializações,
caracterizando uma estrutura dinâmica.
A desconstrução de um modelo familiar idealizado e estático pressupõe uma visão
de família como uma unidade dinâmica inserida em relações sociais, que interagem
com as transformações cotidianas da realidade social e não podem ser
uniformizada nem universalizada enquanto paradigma único de funcionamento da
sociedade. A idealização da família faz com que pareça que em seu interior as
relações sejam um bloco, todo harmônico e solidamente construído, as relações
estabelecidas desfiguradas em um todo estruturado, onde as diferenças e conflitos
devem ser camuflados em nome de uma aparente perfeição. E se os conflitos
inerentes a todas as relações sociais são camuflados, as distorções destas relações
são ainda mais veladas.
De acordo com Bilac8, a família pode ser vista na sociedade brasileira de maneira
diversa nos diferentes grupos e classes sociais. Diversidades que, muitas vezes,
foram obscurecidas pelos modelos de análise adotados, principalmente pela
tipologia de família que servia de base a estas análises e explicações. Não existem
apenas modelos diferentes de famílias, mas as relações destas famílias com os seus
Membros, com o Estado, com o Trabalho e com o Consumo são estabelecidas de
forma diferenciada. A partir da constatação dessa diversidade é que podemos
escapar aos perigos de uma naturalização da família, entendendo-a enquanto um
8
Bilac, E. D. 1995.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 77
9
AFONSO e FILGUEIRAS, 1995: 6.
10
Rifiotis, T., 1999: 155.
11
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14
SALEM, 1986
15
SARTI, 1995.
16
SARTI, 1995: 52.
17
Utilizando o pensamento de Marcel Mauss, afirma que não há relações com parentes de sangue, se
com eles não for possível dar, receber e retribuir, as três obrigações fundamentais que compõem este
universo moral fundado no princípio da reciprocidade.
18
SARTI, 1995: 49.
19
SARTI, 1995: 47
20
SARTI, 1995
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 80
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Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 82
4
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Responsabilização do Agressor. São Paulo: Cortez, 2002.
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Poder. São Paulo: Iglu, 1989.
7
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8
FALEIROS, Vicente de Paula e FALEIROS Eva Teresinha Silveira (Coords.). Circuito e Curtos-
circuitos: Atendimento, defesa e Responsabilização do Abuso contra Crianças e Adolescentes. São
Paulo: Veras, 2001.
9
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Adolescente. Niterói: PROEX/UFF, 2005
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 84
“As vítimas do incesto quando não são protegidas e não têm a chance de ser
tratadas, tendem a reproduzir a relação incestogênica, podendo continuar com
o ciclo perpetuador do incesto. Mas se lhes for apresentada a chance de ter
seus direitos respeitados, de serem compreendidas e terem um tratamento
adequado, sua história de vida poderá ser escrita sob outro ponto de vista,
refazendo relações com base na afetividade e não na violência”. (CRAMI,
2002 p.39)
Na realidade são poucas as instituições legítimas para o trato com a questão, que
realizam um efetivo acompanhamento da vítima e promovem o resgate dos
vínculos afetivos familiares desenvolvendo medidas de apoio à reestruturação
familiar como: visitas domiciliares; acompanhamento social; estudo dos casos e
encaminhamento das famílias, em grupo ou individualmente para psicoterapia,
proporcionando às famílias um espaço de reflexão e ação rumo a uma
reestruturação familiar.
Bibliografia
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Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 86
Gravidez na Adolescência
Camila Fernandes Pinto
que já tinha começado sua vida reprodutiva chegava a 55% entre as que não tinham
nenhuma escolaridade; 19% entre as que tinham de 5 a 8 anos de estudos, e menos
de 10% entre as que tinham de 9 a 11 anos de estudo. (Benfam, 1996). Além do
mais sabe-se que muitas das jovens que engravidam abandonam suas escolas e
projetos pessoais. Formam-se redes sociais informais de suporte ao novo filho.
Caracterizando arranjos domésticos precários e uma forte ausência do Estado na
assistência destas famílias.
Os motivos para a não interrupção de uma gravidez são vários, que vão desde a
ingenuidade, submissão, dificuldade de acesso de obter algum método
contraceptivo, até mesmo a expectativa de mudança de status social, o tornar-se
mãe muitas vezes representa mais respeito e credibilidade diante da comunidade
que se está inserida. Porém há aquelas jovens que optam pelo aborto, e não são
poucas. A maioria feito em condições clandestinas resultam em mortalidade
materna. O número de adolescentes que passam pelos serviços do SUS para
corrigir as seqüelas de um aborto malfeito vem crescendo a cada ano. De 1993 a
1997, as curetagens pós-aborto em adolescentes passaram de 19% para 22%, do
total de procedimentos. Em 1996, o número estimado de abortamentos em jovens
de 10 a 19 anos foi de 241.392 casos. (Fonte: Progama saúde do
Adolescente/ministério da Saúde, 1996.) Mais um indício que reforça a inclusão
dos adolescentes em geral nas pautas dos programas sociais, como também impacta
as discussões sobre aborto no Brasil.
Neste contexto os adolescentes homens devem ser inseridos da mesma forma no
atendimento as suas demandas sexuais e reprodutivas. Discussões sobre
paternidade nas escolas devem ser provocadas. Nos hospitais públicos a apartação
de gênero nos serviços de saúde é brutal. Estudos sobre masculinidades há pouco
tempo realizados revelam esta exclusão dos homens nos serviços de saúde. O que
contribui para apartação nas relações de gênero, e consequentemente no
enfrentamento a uma gravidez na adolescência. Moças e rapazes devem ter
igualdade no acesso aos programas e políticas públicas, mesmo que estes sejam
efetivados de maneiras distintas.
Todas essas informações trazem a tona a urgência de se pensar alternativas para o
trabalho com determinados grupos sociais. Tendo em vista as particularidades das co-
munidades, o perfil do adolescente, e os serviços públicos que estão sendo oferecidos.
Articulando esferas estatais e não estatais, público e privado, para que possamos
realizar nossas ações em sintonia com a realidade social há que estamos inseridos.
Bibliografia
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Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 88
Podemos verificar que um dos problemas que mais atingem profissionais que
atuam com políticas sociais públicas, principalmente com as políticas sociais
desenvolvidas como forma de enfrentamento da violência contra a mulher, criança
e adolescentes é a questão da falta de planejamento de trabalho. Não pesquisar e
estudar as demandas reais dos usuários, não conhecer as instituições que prestam
assistência a estes segmentos. Como planejar o trabalho que será feito para atender
de forma mais efetiva aos usuários, é uma questão que está sendo debatida entre
profissionais de diversas áreas. E este debate é de extrema relevância para o
melhoramento destes serviços públicos que são oferecidos à população usuária, em
especial, os que exigem um “olhar” mais apurado e sensível, como é o caso dos
que sofrem violência.
O planejamento pode ser considerado como um conjunto de ações intencionais
coordenadas e orientadas para tornar realidade um objetivo futuro, de forma a
possibilitar a tomada de decisões antecipadamente. Deve ser um processo contínuo
e dinâmico.
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Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 91
1
Sob orientação da Profª Drª Cecília Coimbra.
2
Os Conselhos de Direitos possuem formação paritária – metade formada por representantes da
sociedade civil organizada e metade formada por representantes dos órgãos governamentais.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 92
responsável por intervir nesses casos aplicando medidas de proteção3 que devem
restituir os direitos violados ou evitar que assim o sejam. Para tanto, o órgão possui
a prerrogativa de requisitar os serviços públicos nas áreas de educação, saúde,
assistência social, segurança, previdência, dentre outros. Além de esses serviços
ficarem muitas vezes apenas no papel, quero dar visibilidade ao perigo desses
mecanismos, em realidade, poderem estar reproduzindo formas de controles
neoliberais baseadas na gestão da pobreza. Um outro mecanismo foi o atendimento
em meio aberto, ou seja, o funcionamento em rede dos serviços de atendimento,
que deve constituir um conjunto de ações articuladas dos setores governamentais e
não-governamentais das três esferas da federação.
Nos interessa aqui refletir sobre uma forma de controle exercido no âmbito das
relações comunitárias cotidianas, uma vez que os Conselheiros Tutelares são
representantes escolhidos pela comunidade e investidos de um poder legal para
zelar pelos direitos da criança e do adolescente estabelecidos no ECA. Aqui, o
controle pode passar a se exercer em espaços abertos e não mais somente em
instituições disciplinares fechadas.
Foucault (2003) nos mostra como as práticas do inquérito, da prova e do exame
emergiram e se fortaleceram ao longo dos séculos enquanto prática judiciária e se
disseminaram em nossa cultura de produção de conhecimento enquanto método de
produção de verdade presente na sociedade contemporânea. Nos interessa dialogar
com o autor sobre as práticas ditas de proteção à infância e juventude pobres,
enquanto produções ainda fortemente influenciadas pela justiça. Tomo como pano
de fundo, as reflexões suscitadas no âmbito da Rede Municipal de Atenção Integral
à Criança e ao Adolescente de Niterói, campo de minha pesquisa.
Esta Rede se constitui numa ação articulada de diferentes órgãos / serviços focados
na atenção à criança e ao adolescente atingidos pela violência. Destaco que maus
tratos se insere na legislação penal enquanto crime e se corporifica na violência
física, violência psicológica, violência sexual e negligência. Cabe à Rede proteger a
“vítima” e responsabilizar o autor dos maus tratos. Tem-se então aí estabelecida
uma relação, que podemos dizer, entre os campos da proteção social e o da
criminalização. É nessa interface entre os especialistas dessas duas áreas que
tecemos algumas considerações.
Ficamos atentos para o quanto é forte a tendência em oferecermos à criança e ao
adolescente – atingidos pela violência ou não – um “atendimento social” em uma
perspectiva policial e penal. Ao nos referirmos a essa camada da população
atendida pelos “órgãos públicos de proteção”, nós profissionais de psicologia,
serviço social, pedagogia, dentre tantos outros, caímos na tendência da ortopedia
social e somos levados a definir nossa prática a partir das demandas do judiciário
no sentido de reunir provas que vão dar materialidade à acusação. Bem sabemos
que as ditas ciências humanas emergiram e se fortaleceram na perspectiva da
competência do exame, da detenção de saberes que deram sustentação subjetiva à
formação da sociedade capitalista influenciada pelas formas jurídicas de produção
3
As medidas de proteção estão previstas no ECA, nos artigos 101 (aplicadas à criança e ao
adolescente) e 129 (aplicadas aos pais ou responsáveis).
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 93
4
A Carta Precatória é um instrumento utilizado pelo juiz de uma Comarca que aplica uma medida e
solicita a um juiz de outra Comarca para determinar a execução da medida em estabelecimento que
ofereça programa de execução da medida aplicada, por esse atendimento não estar disponível ou
impedido de ser oferecido pela rede do local de origem da criança.
5
Essa exigência também se aplica aos casos de abrigo de crianças e adolescentes fora do município
de origem.
6
Medida de Proteção prevista no artigo 101, inciso I, do ECA.
7
O Código de Menores teve sua primeira versão em 1927 e a segunda em 1979.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 95
O ECA rompe legalmente com antigos vícios de nossa cultura política oligárquica,
autoritária e populista ao instituir os Conselhos como espaços de controle social da
política de atendimento. Outrora, a gestão dessa política era prerrogativa quase que
exclusiva do Poder Executivo. Mas, como vêm se consolidando as práticas
instituídas a partir deste novo paradigma? Quais os efeitos destas práticas no
campo político e social?
O Sistema de Garantia de Direitos proposto com o ECA tem os Conselhos
Tutelares e de Direitos como atores estratégicos fundamentais para a
municipalização da política de atendimento. A escolha popular8 dos Conselheiros
Tutelares e a paridade entre governo e sociedade civil na composição dos
Conselhos de Direitos, legitimam esses órgãos como impulsionadores da
transformação da realidade de ameaça e violação dos direitos do segmento em
questão. Contudo, devemos observar como esses órgãos estão sendo
implementados na prática.
Os Conselhos Tutelares têm sofrido com processos de escolha conturbados e de
baixa participação social, com infra-estrutura precária e com a falta de qualificação
para o exercício das funções. Não muito diferente, os Conselhos de Direitos sofrem
com o problema de representatividade de seus Conselheiros; a ausência ou
desligitimação de suas deliberações e as pressões políticas no exercício de suas
atribuições. Em geral, esses órgãos estão localizados na administração municipal
como mais um setor, programa ou projeto governamental e são tratados como tais,
tendo como efeito a “prefeiturização” dos mesmos.
Destacamos ainda, como assinalado acima, a forte influência das práticas
judiciárias nos Conselhos. O projeto de transferência da justiça dos ditos casos
sociais para o Conselho Tutelar tem sofrido resistências de juízes e promotores que
interferem na autonomia do órgão de aplicação e acompanhamento de suas
medidas, tendo como efeito a continuidade da “jurisdicionalização” da atenção à
infância e juventude.
8
Em geral, os Conselheiros são escolhidos em pleito aberto a todos os cidadãos eleitores do município.
9
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 96
10
Os Conselhos de Direitos das três esferas federativas tem como uma das atribuições a gestão dos
Fundos da Infância e Juventude, que recebe dotações orçamentárias do tesouro, doações de pessoas
físicas e jurídicas, bem como, soldos advindos de multas da Justiça da Infância e Juventude.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 97
11
Coordenadoria Regional de Assistência Social – unidades de atendimento previstas no Sistema
Único de Assistência Social.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 98
Os rumos que vem tomando a implantação do ECA são preocupantes e não podem
ser ignorados. Fazemos aqui uma reflexão sobre os efeitos das práticas vigentes
para que diante das análises possamos romper com o nosso passado oligárquico,
clientelista e populista. Não podemos reproduzir as velhas práticas assistencialistas
e punitivas da pobreza que marcaram os Códigos de Menores, porém a mudança da
lei não é suficiente. Vivemos a sofisticação dos mecanismos de criminalização da
pobreza, agora sob o discurso dos Direitos Humanos e da Proteção Integral sob a
tutela da política de Tolerância Zero.
Direitos Humanos e Cidadania: textos sobre crianças e adolescentes 99
Essas são algumas considerações que temos feito no âmbito de nossa pesquisa de
Mestrado, que longe de se constituir pensamento consolidado, é apenas ensaio de
uma reflexão crítica sobre a forma em que vem sendo implementada a política de
atendimento dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, mais
especificamente no Estado do Rio de Janeiro. E, portanto, aberta a intervenção dos
leitores.
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