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John Ramage .

Micheal Callaway
Jennifer Clary-Lemon . Zachary Waggoner

A
construção
DO argumento
A
John Ramage . Micheal Callaway
Jennifer Clary-Lemon . Zachary Waggoner

construção
DO argumento
Tradução de Clemilton Lopes Pinheiro, Erik Fernando
Martins, Felipo Bellini Souza, Karine Alves David, Marcus
Mussi, Maria Hozanete Alves de Lima, Sílvio Luis da Silva

Pipa comunicação
recife, 2018
Copyright 2018 © PIPA COMUNICAÇÃO. Reservados todos os direitos desta edição
publicada exclusivamente para distribuição gratuita autorizada pela Parlor Press.
É proibida a reprodução total ou parcial dos textos e projeto gráfico desta obra
sem autorização expressa dos autores, organizadores e editores.

Originally published as Argument in Composition © 2009 by Parlor Press and The WAC
Clearinghouse. http://parlorpress.com. Translated and distributed by permission

tradução
Clemilton Lopes Pinheiro . Erik Fernando Martins
Felipo Bellini Souza . Karine Alves David . Marcus Mussi
Maria Hozanete Alves de Lima . Sílvio Luis da Silva

coordenação de tradução
Clemilton Lopes Pinheiro

CaPa, Projeto Gráfico e DIAGRAMAçÃO


Karla Vidal e Augusto Noronha. Pipa Comunicação (www.pipacomunica.com.br)

Revisão linguística
Karla Geane de Oliveira

Catalogação na publicação (CIP)


Ficha catalográfica produzida pelo editor executivo

R1409

RAMAGE, J. et al.

A construção do argumento / John Ramage, Micheal Callaway, Jennifer Clary-Lemon,


Zachary Waggoner; tradução Clemilton Lopes Pinheiro, Erik Fernando Martins, Felipo Bellini
Souza, Karine Alves David, Marcus Mussi, Maria Hozanete Alves de Lima, Sílvio Luis da Silva . –
Pipa Comunicação, 2018.
266p. : Bibliografia. (e-book)

1ª ed.
ISBN 978-85-66530-81-0

1. Linguística. 2. Retórica. 3. Argumentação. 4. Escrita.


I. Título.

410 CDD
41 CDU
c.pc:03/18ajns
Prefixo Editorial: 66530

Comissão Editorial

Editores Executivos
Augusto Noronha e Karla Vidal

Conselho Editorial
Alex Sandro Gomes
Angela Paiva Dionisio
Carmi Ferraz Santos
Cláudio Clécio Vidal Eufrausino
Cláudio Pedrosa
Leila Ribeiro
Leonardo Pinheiro Mozdzenski
Clecio dos Santos Bunzen Júnior
Pedro Francisco Guedes do Nascimento
Regina Lúcia Péret Dell’Isola
Ubirajara de Lucena Pereira
Wagner Rodrigues Silva
Washington Ribeiro
Apresentação à edição brasileira

A argumentação é um fenômeno que recobre diferentes conceitos e é objeto


de estudo de diferentes disciplinas, desde as mais antigas – Lógica, Retórica, Dia-
lética, até as mais recentes no domínio das Ciências Humanas e Sociais, incluindo
a Linguística. São inúmeras as obras escritas sobre o tema, mas se reconhece que,
mesmo assim, ainda há muito a se dizer. Nesse sentido, a ideia de publicar uma
versão em português da obra Argument in Composition de John Ramage, Micheal
Callaway, Jennifer Clary-Lemon e Zachary Waggoner, publicada em 1999, pela Parlor
Press, nos Estados Unidos, tem como propósito fomentar a discussão sobre o tema
entre os pesquisadores brasileiros.
A obra focaliza a construção do argumento no contexto do ensino da escrita
na universidade e se apoia em um quadro teórico amplo e diversificado, em parte
bastante conhecido pelo público brasileiro, como a nova retórica de Chaim Perel-
man e Lucie Olbrechts-Tytecha; em parte, não muito, como é o caso da abordagem
retórica de Kenneth Burke. Assim, além da relevância do tema, a obra permite a
ampliação de um aporte para pensar a questão da argumentação e da construção
do argumento no ensino da escrita na universidade, e prepara o caminho para
práticas educativas também relevantes para o ensino superior brasileiro, ainda
carente de inclusão e de qualidade.
Essa versão em português só foi possível graças ao primoroso trabalho de
tradução e empenho do(a)s colegas que se envolveram no projeto. Nosso muito
obrigado a todo(a)s. Agradecemos também ao professor Charles Bazerman da
Universidade de Santa Bárbara-Califórnia, que colaborou em muitas faces acadê-
micas e legais da tradução. Da mesma forma, deixamos nosso agradecimento a
David Blakesley e Michel Palmquist, representantes da Parlor Press, responsável
pelos direitos autorais da obra em inglês, pela autorização gratuita da publicação.

Boa Leitura!
Clemilton Lopes Pinheiro

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Prefácio do coordenador da coleção
Refere guides to Rhetoric and Composition
(Guia de Referência para a Retórica e a Escrita)1

Na ampla e crescente casa da retórica e da escrita, a argumentação e sua


irmã persuasão compartilham um grande e digno quarto que vem sendo cons-
truído desde a fundação da Retórica, na Grécia antiga. Os principais interesses
da Retórica clássica são todos fundados com base no argumento: debate sobre
governo e cidadania, julgamento de culpa ou inocência, declaração de direitos
e deveres, formação de alianças e acordos, protesto contra inimigos, desenvol-
vimento de compromisso comunitário. As principais instituições sociais foram
formadas para criar condições (como procedimentos, princípios e exigências)
de apontar argumentos para soluções bem sucedidas da ação comunitária: altas
cortes, congressos de legisladores, religiões, democracia eleitoral.
O grande quarto da argumentação e da persuasão tem uma larga entrada
para os quartos vizinhos que se veem em diferentes condições. A própria Filoso-
fia, opositora de longa data do argumento, estrutura suas discussões com base
nele. As disciplinas acadêmicas são campos argumentativos, embora organiza-
dos como esforços cooperativos. As escolhas de grupos sobre planejamento e
escolhas – sejam estruturais, médicas ou militares – dependem da expressão de
diferentes visões, embora enquadradas elipticamente em conhecimentos, obje-
tivos e papéis específicos.
A argumentação também pode servir para finalidades individuais. Graças
ao ato de argumentar com os outros, um indivíduo pode trabalhar suas cren-
ças pessoais, valores, envolvimentos e opções de vida. As ocasiões sociais de
argumentação oferecem aos indivíduos a oportunidade de pesquisar e refletir
individualmente em um contexto de pontos de vista divergentes. Os conceitos

1. Tradução: Clemilton Lopes Pinheiro


modernos sobre o desenvolvimento individual do conhecimento, da consciência
e da responsabilidade dependem de um indivíduo que tem acesso e participa da
construção de argumentos e chega a crenças pessoais.
Enquanto alguns veem o engajamento a um argumento como um fenômeno
oral, a capacidade de confrontar pontos de vista opostos na escrita transformou
o alcance e a profundidade dos argumentos, as evidências disponíveis e as situ-
ações em que os argumentos ocorrem. Assim como os argumentos usados nos
tribunais tenham se convertido em leis escritas, textos com jurisprudências,
resumos de audiências, depoimentos, tratados fizeram do Direito uma profissão
liberal. Muitos domínios de letramento escrito que facilitam o contato à distância
na sociedade moderna dependem do argumento, a exemplo de um investimento
financeiro, um projeto eficaz de preservação do meio ambiente ou um projeto
beneficente sem fins lucrativos. No mundo acadêmico da escrita, argumentar
facilita a aprendizagem de maneira clara, inteligente, bem fundamentada, disci-
plinada e articulada.
Este Refere guides to Rhetoric and Compositionc (Guia de referência para a
Retórica e a Escrita) fornece uma ampla gama de recursos para o ensino da es-
crita. As ideias dos principais teóricos da Retórica clássica e contemporânea, de
Aristóteles a Burke, Toulmin e Perelman, e sua relevância para a instrução são
apresentadas sucintamente. Os autores classificam de forma clara e expõem suas
posições sobre a pedagogia das falácias informais, da propaganda, e apresentam
as razões para preferir uma abordagem a outra entre as disponíveis para o en-
sino da escrita. Os autores igualmente destacam o papel da argumentação em
abordagens que não são diretamente vinculadas ao tema, como as que destacam
o movimento feminista, a retórica da libertação, os estudos culturais críticos, o
movimento escrita através do currículo, as novas tecnologias e a retórica visual.
A relação de leituras suplementares e as referências bibliográficas dão a opor-
tunidade de aprender mais sobre essas abordagens.

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Grande parte do livro ilustra o valor de uma perspectiva e defende aberta-
mente seu uso no ensino da escrita em relação a outras. Dessa forma, o livro con-
vida os leitores a tirar suas próprias conclusões sobre o valor da argumentação e
sobre como melhor incorporá-la em sua didática. Eu particularmente recomendo
aos leitores considerar o raciocínio contra o engessamento dos sistemas argu-
mentativos e as situações específicas em que cada argumento ocorre.

Charles Bazerman

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Prefácio1

A construção do argumento é um livro direcionado a todos os professores, in-


cluindo os que não são exatamente professores de produção de textos, que desejam
incorporar o ensino do argumento em suas aulas. Ao delineá-lo, tentamos atingir
um nível de generalidade entre um livro didático sobre argumento e uma teoria
do argumento. Ou, nos termos de Kenneth Burke, nossa abordagem está situada
em um nível de “falar sobre” o argumento em oposição ao argumento “que fala”
ou “falar sobre” o argumento “que fala”.
Os leitores que desejam uma discussão mais específica devem consultar quais-
quer dos inúmeros bons livros didáticos dedicados ao assunto. Os que buscam uma
compreensão mais restrita e mais profunda sobre o argumento podem consultar
as muitas fontes às quais nos referimos ao longo do livro. Nossa ênfase no nível da
generalidade mediana decorre de nosso propósito: ajudar professores a traduzir a
teoria em prática de ensino e fazer escolhas conscientes de livros didáticos sobre
o argumento (caso existam) que fazem mais sentido para suas aulas. Esperamos
que os três primeiros capítulos de A construção do argumento subsidiem nossos
leitores para formular suas próprias abordagens do argumento em sala de aula e
a ler mais criticamente o material apresentado no restante do livro.
Como a alusão anterior à Kenneth Burke pode sugestionar, A construção do
argumento é profundamente influenciado pela abordagem retórica desse autor.
Embora a teoria de Burke tenha recebido pouca ou nenhuma atenção na maioria
dos livros didáticos que abordam o argumento (além do tratamento muitas vezes
simplificado do seu esquema pentagonal), nós acreditamos que ela é a estrutura
mais coerente e compreensível disponível para unificar as diversas abordagens do
argumento – o esquema de Toulmin, a Stasis Theory, as falácias informais, a situa-
ção retórica etc. –, que compõem a espinha dorsal da maioria dos livros didáticos

1. Tradução: Sílvio Luis da Silva

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atuais. Uma vez que Burke serve como as primeiras lentes ou “tela fina” através
das quais nós enxergamos o argumento, alguns termos comumente utilizados não
são detalhados no corpo principal do texto. Em alguns casos, esses termos, sem
que sejam problemáticos em si mesmos, são incongruentes ou periféricos à nossa
abordagem. Não damos atenção demasiada, por exemplo, ao entimema. Nós citamos
em nosso glossário e, mais importante, citamos as análises racionais dos termos
feitas por John Gage. Certamente, reconhecemos o lugar de destaque da noção de
entimema na história do ensino do argumento e seu potencial de utilidade para
alguns professores em sala de aula. Apenas tivemos problemas de encaixá-lo na
nossa abordagem. Outros termos não são especialmente discutidos, porque senti-
mos que já estão contemplados nos diferentes termos de nossa própria rubrica. No
caso da situação retórica, por exemplo, discutimos a noção de exigência de Lloyd
Bitzer, porque acreditamos que ela descreve perfeitamente um conceito funda-
mental para os estudantes do argumento. Por outro lado, não mencionamos outro
elemento da situação retórica de Bitzer, as limitações e restrições (constraints),
pela crença de que alguns outros elementos que discutimos, notadamente a Stasis
Theory, cumprem mais clara e adequadamente o papel desempenhado pelas limi-
tações e restrições de Bitzer.
A construção do argumento é, inevitavelmente, em si mesmo tanto um argu-
mento como um compêndio de abordagens sobre argumentação. Tentamos apresen-
tar nosso argumento sem sermos muito argumentativos. Ao mesmo tempo, somos
os primeiros a reconhecer que nosso campo, “retórica e escrita”, está longe de ser
claramente definido. De fato, há argumentos a serem traçados a favor e contra a
inclusão da escrita expressiva nas aulas de argumento (nós tentamos apresentar um
argumento a favor da inclusão). Há, ainda, argumentos a favor e contra a inclusão do
argumento visual nessas aulas. No caso do argumento visual, nossa posição é mais
complexa. Aplaudimos os objetivos e reconhecemos a importância do argumento
visual. Citamos os trabalhos que estão sendo feitos na área, mas criticamos a falta
de ferramentas utilizáveis – ou um vocabulário comum para esse propósito –, que
torne esse trabalho acessível para graduandos. Por hora, sugerimos aos professores

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a esperar que as melhores ferramentas sejam disponibilizadas ou desenvolvam as
suas próprias. Enquanto isso, vemos o argumento visual como aqueles sites da web
intrigantes que nos recebem com a mensagem na tela “em construção”.

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Sumário
19 Introdução
Por que argumentar é importante?

22 Um entendimento sobre o argumento


24 Discussão de Leo e Fish – parte I: perspectiva teórica
35 Discussão de Leo e Fish – parte II: passando da dualidade
ao compromisso
38 Leo e Fish – parte III: os elementos do argumento
47 Argumento e a “purificação da guerra”
54 Por que os estudantes precisam argumentar?
55 Argumento e letramento crítico
61 Argumento e identidade
67 Ética e argumento

77 CAPÍTULO 1
A história da argumentação

78 Filosofia versus Retórica
93 O problema do engessamento da Retórica
99 Figuras-chave da teoria moderna da argumentação
99 Introdução a Kenneth Burke
102 O realismo de Burke
107 Introdução a Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca
109 Um panorama de A Nova Retórica
113 A Stasis Theory e a Nova Retórica
124 Introdução a Stephen Toulmin
125 O esquema de Toulmin – o não silogismo
128 A aplicação do modelo de Toulmin
134 Resumo
137 CAPÍTULO 2
Questões sobre argumentação

137 O debate sobre a falácia
143 A abordagem pragma-dialética das falácias
147 Alternativas para focalizar a argumentação em uma aula
de escrita: estudos crítico-culturais
151 Pedagogia expressivista
163 Retórica processual
168 Ensinar ou não ensinar propaganda
170 O que é propaganda? Burke e Ellul
186 A propaganda em resumo

191 CAPÍTULO 3
Introdução a algumas boas práticas

191 O que funciona no ensino de escrita
196 Boas práticas
200 Retórica da libertação
206 Feminismo e argumento
211 Aprendizagem-serviço e Argumentação
215 Escrita através do currículo (writing across the curriculum – WAC)
e Escrita nas disciplinas (writing in the disciplines – WID)
219 Computador e escrita
223 Retórica visual

229 Glossário
249 Referências
263 Sobre os autores
264 Sobre os tradutores
AxBxC
introdução
Por que argumentar é importante?1

Qualquer um que hoje ainda é cético sobre a importância do argumento nos


currículos dos cursos de escrita das faculdades do país precisa apenas olhar a
abundância de livros dedicados ao assunto. Cada grande editora possui pelo menos
três ou quatro obras sobre o tema. Além disso, a qualidade da atual geração de
textos sobre argumento certamente excede o padrão – embora não tenha sido, é
verdade, um padrão particularmente alto – estabelecido por gerações dos textos
antes de meados da década de 1980. Enquanto uma série de livros de pensamento
crítico escritos ​​por filósofos foram adaptados com sucesso para cursos de escrita
durante os anos setenta, os textos padrão sobre argumento compreendem um
grupo bastante significativo.
Na verdade, o tema foi pouco ensinado de forma autônoma em aulas de escrita,
antes da década de 1980. Normalmente, era ensinado como parte de algum esque-
ma taxonômico, comum no chamado currículo “tradicional corrente”. O currículo
tradicional corrente, ou cursos de escrita baseados em modelos que dominaram os
currículos universitários durante décadas, era organizado em torno de categorias
supostamente funcionais de escrita, como narração, descrição, cada uma das quais
concebida com um formato prescritivo.
A característica mais marcante desses modelos era o caráter retórico. Os
alunos tinham pouca ideia sobre a razão de alguém precisar de uma descrição de
um animal de estimação ou de um professor favorito, bem como de um resumo
detalhado de uma receita de sanduíche. A principal coisa dita sobre audiência
era, em geral, a suposição de que as pessoas são desinformadas e precisavam ler
enunciados claros e detalhados. Os alunos progrediam ao longo do semestre de

1. Tradução: Clemilton Lopes Pinheiro e Karine Alves David

19
A construção do argumento

tarefas simples a tarefas complexas com base em uma teoria de aprendizagem


essencialmente behaviorista. Por ser considerado o mais complexo dos modelos, o
argumento era o último ponto do programa do curso. Dessa forma, recebia pouca
atenção, ou era mesmo totalmente esquecido.
Muitos professores ficavam, de fato, aliviados por não precisarem ensinar
sobre argumento, já que seus alunos tinham muita dificuldade no contexto do en-
sino tradicional. Em síntese, essas dificuldades não eram surpreendentes. Embora
a relação entre modelo e objetivo fosse bastante explícita quando se tratava de
descrever o processo de fazer um sanduíche, essa mesma relação se complicava,
por várias razões, quando se pretendia persuadir um público sobre a proibição
constitucional do casamento entre pessoas do mesmo sexo ser ou não uma grande
ideia. Qualquer mudança que ocorresse nessas tarefas parecia parar abruptamente
quando se tratava de argumentar. Como se sabe, quando as demandas cognitivas
de uma tarefa ficam fora da “zona de desenvolvimento proximal” dos alunos, todos
os outros problemas – ortografia, gramática, sintaxe e estilo – despontam como
uma virose. Muitos professores de escrita, relutantemente, concluíram, com base
em suas tristes experiências, que o argumento deve ser ensinado mais tarde ou
em qualquer outro momento na universidade.
Assim, muitos dos problemas enfrentados pelos alunos ao aprenderem a
construir argumentos em um curso de escrita tradicional poderiam ser atribuídos
à abordagem de ensino. Era como se tentássemos preparar os alunos para o cál-
culo, atribuindo-lhes uma série de problemas aritméticos, prevendo que a tarefa
de resolver problemas de adição, subtração, multiplicação e divisão os preparasse
para resolver equações de segundo grau.
Nem todos os cursos de escrita eram, no entanto, organizados em torno dos
princípios tradicionais. Poucos textos aparentemente destinados a ser usados​​
em cursos independentes sobre argumento eram mais promissores. Eles eram
constituídos principalmente de antologias de argumentos canônicos interligados

20
A construção do argumento

a conselhos inúteis e apontamentos vagos. Os prefácios e introduções, geralmente


breves – e raramente se desejava que fossem mais longos –, ensaiavam alguns ter-
mos clássicos, falácias informais e modelos de silogismos, e convidavam os alunos
a aplicar o material, de alguma forma, aos ensaios que se seguiam. É desnecessário
dizer que as complexidades dos ensaios não esclareciam as dúvidas do capítulo
de abertura, deixando estudantes e professores se perguntarem se, talvez, o ar-
gumento não estava além do alcance dos meros mortais.
O que fez tudo isso mudar nos últimos vinte anos? Aqui, nós enfrentamos uma
questão do tipo quem vem primeiro: o ovo ou a galinha?. Nossas abordagens sobre
o argumento ganharam em sofisticação e em utilidade por causa de um reconhe-
cimento crescente da sua importância no mundo, ou a sofisticação e a utilidade
crescentes de nossas abordagens nos tornam progressivamente mais conscientes
dessa importância no mundo? Provavelmente, os dois fenômenos ocorreram mais
ou menos simultaneamente e se reforçaram mutuamente. Ou, mais precisamente,
nossa tardia consciência das muitas boas ferramentas disponíveis para os estu-
dantes de argumento, as quais foram, em muitos casos, adaptações das usadas há
dois mil anos, tornou o seu estudo mais fecundo e a transmissão de habilidades
de argumentar mais confiáveis. Por qualquer que seja a razão, nos encontramos
hoje em meio a uma espécie de era de ouro da história do ensino do argumento.
Mais adiante, examinaremos o passado para ver como isso aconteceu e como
situar a época atual na história do ensino desse tema. Por enquanto, queremos
nos concentrar em nossa compreensão atual do argumento e na nossa motivação
para ensiná-lo.

21
A construção do argumento

Um entendimento sobre o argumento

Em nossas aulas, pretendemos fazer uma abordagem inicial sobre o argumen-


to, de forma direta e indutiva, pelo exame de dois ou mais argumentos sobre uma
mesma questão, treinando com nossos alunos quais são as características de nossos
exemplos mais prováveis ​​de serem aplicadas a outros casos. Essa abordagem de
ensino é ilustrativa de outra mais geral que defendemos, bottom-up, a aprendiza-
gem baseada em problemas, fundamentada na aplicação e ascensão de princípios;
em oposição ao modo tradicional, top-down, modo expositivo de transmissão de
conhecimento (isto é, aulas expositivas).
Há, com certeza, vantagens e desvantagens na nossa abordagem indutiva
de aprendizagem. Em nome da aprendizagem ativa de importantes elementos do
argumento, perdemos de vista, embora de forma passiva, a “cobertura” de nosso
tópico. O melhor que podemos esperar de nosso exame inicial do argumento é
uma melhor compreensão de algumas de suas características mais proeminentes
e um senso mais eficaz de como pensar criticamente sobre o tópico. Esse é um dos
pontos do exercício e do nosso curso: os significados de termos complexos como
argumento são sempre contestáveis, porque eles são, de fato, inesgotáveis.
Qualquer que seja o perigo que os alunos possam encontrar com a seleção de
partes do todo, os benefícios de nossa abordagem, na nossa opinião, superam sig-
nificativamente os potenciais custos. Embora pudéssemos transmitir muito mais
conhecimento assertivo sobre o argumento através da exposição, não há garan-
tia de que o conhecimento que transmitimos chegaria ao seu destino, ou que, se
chegasse, seria suficientemente livre de ruído para não confundir nosso sinal, ou
que os alunos teriam uma noção clara do que “fazer” com o conhecimento retido
durante a transmissão. Nossa experiência com exposições sobre a definição de
argumento sugere que a pergunta mais comum que conseguimos provocar sobre
o material apresentado é a seguinte: O que vai cair na prova?. Não consideramos
que isso seja positivo. Definir os problemas sobre os quais há um consenso é, entre

22
A construção do argumento

outras coisas, chato. Definir problemas que são incertos e contestáveis é conside-
ravelmente mais interessante.
Em nossas discussões iniciais sobre argumentos, queremos que nossos alu-
nos percebam que a definição de qualquer noção complexa como a de argumento
é contestável, que os valores e crenças que trazemos para o exercício de definir o
termo influenciam nossa forma de definir, e que a forma como definimos, por sua
vez, determina a maneira de analisar.
A cada semestre, no final de nosso exercício indutivo de definição, não che-
gamos ao mesmo conjunto de conclusões sobre o significado de argumento que
ensaiamos em nossas aulas, mas a conclusões diferentes, muitas vezes inesperadas,
decorrentes de conversas livres. Com certeza, dirigimos essa conversa o suficiente
para assegurar que pelo menos alguma coisa sobre argumento seja feita, e que
nem todos os pontos abordados em nossas aulas sobrevivam às questões às quais
os submetemos (como disse o antigo mestre da dialética, Sócrates, às vezes não
estamos acima das correções). Mas cada semestre produz novos insights sobre
o significado do argumento. Um ponto importante para lembrar é o fato de que
depois haverá muito tempo para abordar as questões mais cruciais da questão
deixada sem resposta. Ao esperar, os alunos estão mais propensos a se envolve-
rem e mais preparados para aplicar as ideias que eles têm na mão quando tiverem
que produzir.
Os argumentos que se seguem (textos 01 e 02) não são os que usaríamos em
uma classe de graduação típica. As questões que eles levantam são apropriadas
para uma discussão mais teórica do argumento do que a que buscamos promover
no início de uma aula de graduação. Certamente não os consideramos exemplos de
argumento. Mas tampouco são escolhidos aleatoriamente. São meta-argumentos de
um tipo que levanta questões sobre a natureza do argumento central para a nossa
abordagem e preveem as questões que se repetem nas páginas que se seguem. Os
dois argumentos e a discussão subsequente obviamente não podem ser reproduzi-
dos em uma aula, pois as discussões serão sempre abertas. Para se ter pelo menos

23
A construção do argumento

uma ideia sobre essa experiência, convidamos ao leitor a ler esse material da ma-
neira como pedimos aos nossos alunos. Antes de analisar nossa discussão, convém
observar como as duas coisas são diferentes e semelhantes, tanto na discussão
quanto nas conclusões a que chegam. As conclusões podem então ser usadas para
interrogar nossas próprias conclusões sobre os dois argumentos.

Discussão de Leo e Fish


parte I: perspectiva teórica

Texto 01
O relativismo cultural deixa algumas pessoas cegas para o mal
(John Leo, Universal Press Syndicate, 15/10/2001)

O governo episcopal da Igreja Episcopal emitiu uma declaração vergo-


nhosa sobre os ataques terroristas. Depois de estimular os crentes à recon-
ciliação (isto é, a dizer não à guerra), os bispos disseram: “A afluência de
nações como a nossa contrasta com outras partes do mundo arruinadas
pela esmagadora pobreza que causa a morte de 6.000 crianças durante
uma manhã”. O número 6.000 e a referência a uma única manhã, é claro,
evocam o dia 11 de setembro em um espírito de equivalência moral.

De forma clara, os bispos parecem pensar que os americanos não estão


em posição de queixar-se do massacre de Manhattan, já que 6.000 crian-
ças em todo o mundo podem morrer em um único dia. Os bons bispos
aparentemente estão dispostos a tolerar 6 mil assassinatos em Nova York2,
porque o Ocidente não conseguiu eliminar a pobreza mundial e talvez de-
vesse ser culpado por causá-la. Mas o ataque terrorista não tem nada a ver
com a fome ou a doença no mundo. E a declaração dos bispos é um enga-

2. O número de vítimas dos atentados de 11 de setembro não havia ainda sido fixado em 3.000, quando Leo
escreveu este texto.

24
A construção do argumento

no moral. Quantos assassinatos o episcopado pode ignorar por causa da


existência de uma esmagadora pobreza? Se 6.000, por que não 60.000?

Esse é um pequeno exemplo do que poderia ser um grande problema a


longo prazo. Um grande número de nossos líderes culturais e morais são
incapazes de dizer claramente que o mal existe no mundo e que ele deve
ser desafiado. Em vez disso, eles se contentam em falar sobre “ciclos de
violência” e sobre como a prática do “olho por olho dente por dente” torna
o mundo cego, como se o policial que prende o criminoso violento é de
alguma forma também culpado pelo crime.

Parte dessa filosofia surge da cultura terapêutica. Acusar alguém de ser


mau é uma forma ruim de pensar. Não há mal, nem certo e errado, só mal-
-entendidos que podem desaparecer, se retermos o julgamento e formos
tocados emocionalmente pelos outros. Tudo pode ser mediado e discutido.

Outras coisas se originam no relativismo moral, que foi cerne da filosofia


multicultural dominante nas nossas escolas durante toda uma geração. O
multiculturalismo vai muito além da tolerância e apreciação de outras cultu-
ras e nações. Ele prega que todas as culturas e todas as expressões culturais
são igualmente válidas. Isso elimina as normas morais. Toda cultura (exceto
a americana, é claro) está correta, segundo suas próprias normas, e não
pode ser julgada pelos outros.

Professores de todos os níveis advertiram durante anos para onde isso se


dirigia. Estamos vendo um grande número de jovens incapazes ou indis-
postos a fazer as distinções mais simples entre o certo e o errado. Mesmo
atos horrendos – o sacrifício humano em massa pelos astecas e genocídio
pelos nazistas – são declarados indiscutíveis. “É claro que eu não gosto
dos nazistas”, disse um estudante do estado de Nova York a seu professor.
“Mas quem pode dizer que eles estão moralmente errados?”. O mesmo
argumento, ou não argumento, pode também se aplicar aos terroristas de
11 de setembro.

25
A construção do argumento

Apenas uma minoria dos estudantes pensa dessa maneira, mas o mul-
ticulturalismo, com seu relativismo cultural radical, está se tornando um
problema sério. Isso deixa muitos estudantes em dúvida sobre os valores
americanos tradicionais e desinteressados em qualquer sentimento de sen-
so comum ou solidariedade. É particularmente o caso do acréscimo a tudo
isso do mantra de que a esquerda cultural americana é “racista-sexista-
-homofóbica”.

Essa filosofia híbrida – nenhum julgamento de outras culturas, mas um jul-


gamento severo – já está começando a colorir muitas respostas aos ataques
terroristas. Ela olha para o lado de fora do argumento das “causas-raiz” e
da necessidade de “entender” os terroristas e ver seus atos “no contexto”.
Muitas vezes, o que as pessoas entendem por causa-raiz é o fato de que a
impiedosa e imperialista América trouxe os ataques contra si mesma.

A filosofia também brilha através de muitas declarações de preocupação


com o viés contra os muçulmanos americanos. Naturalmente os muçulma-
nos não devem ser escolhidos para o ataque ou o desprezo. Mas muitas
declarações oficiais sobre o 11 de setembro fizeram apenas uma breve refe-
rência ao horror dos ataques antes de lançar uma longa e desigual atenção
à possibilidade de um viés anti-muçulmano.

O terrorismo é a pior ameaça que a nação já enfrentou, e, no momento, os


americanos estão solidamente unidos para enfrentá-lo. A esquerda multi-
cultural-terapêutica é pequena, mas concentrada em instituições que fazem
a maior parte da pregação para a América – as universidades, a imprensa,
as principais igrejas e a indústria do entretenimento. Eles terão de ser em-
purrados para afastar-se do multiculturalismo desleixado e do relativismo
universal. Deixem a empurrão começar.

26
A construção do argumento

Texto 02
Condenação sem absolutos
(Stanley Fish, New York Times, 15/10/2001)

Durante o intervalo entre os ataques terroristas e a resposta dos Estados


Unidos, um repórter telefonou para me perguntar se os acontecimentos de
11 de setembro significavam o fim do relativismo pós-modernista. Parecia
bizarro que eventos tão sérios tivessem alguma relação causal com uma
forma rara de discurso acadêmico. Mas, nos dias que se seguiram, um nú-
mero crescente de comentaristas apresentou importantes variações sobre
o mesmo tema: as ideias apresentadas pelos intelectuais pós-modernos
enfraqueceram a solução do país. O problema, de acordo com os críticos,
é o fato de que, como os pós-modernistas negam a possibilidade de des-
crever objetivamente as questões, eles não nos deixam bases firmes para
condenar os ataques terroristas ou lutar contra eles.

Não é exatamente assim. O pós-modernismo sustenta apenas que não


pode haver um padrão independente para determinar qual das muitas in-
terpretações diferentes de um evento é a verdadeira. A única coisa contra a
qual o pensamento pós-moderno se opõe é a esperança de justificar nossa
resposta aos ataques em termos universais que seriam convincentes para
todos, inclusive para nossos inimigos. Invocar as noções abstratas de justiça
e verdade para apoiar nossa causa não seria, de qualquer forma, eficaz,
porque nossos adversários reivindicam a mesma coisa (Ninguém se declara
apóstolo da injustiça).

Em vez disso, podemos e devemos invocar os valores particulares vividos


que nos unem e são assumidos pelas instituições que valorizamos e dese-
jamos defender.

Em momentos como esses, a nação retoma, com razão, o registro de as-


piração e realização que compõe nossa compreensão coletiva do que vi-
vemos. Esse entendimento é suficiente, e longe de minar sua suficiência, o

27
A construção do argumento

pensamento pós-moderno nos diz que temos bases suficientes para a ação
e condenação justificadas nos ideais democráticos que abraçamos, sem
entender a retórica vazia de absolutos universais a que todos subscrevem,
mas que todos definem diferentemente.

Mas é claro que não é realmente com o pós-modernismo que as pessoas se


incomodam. É a ideia de que nossos adversários não emergiram de algu-
ma antiga escuridão, mas de uma história que os dotou de razões e motivos
e até mesmo de uma versão pervertida de algumas virtudes. Bill Maher,
Dinesh D’Souza e Susan Sontag começaram a ter problemas ao assinalar
que “covarde” não é a palavra para descrever os homens que se sacrificam
por uma causa em que acreditam. A Sra. Sontag lhes dá a coragem, e tem
o cuidado de dizer que é um termo “moralmente neutro”, uma qualidade
que alguém pode exibir na execução de um ato ruim (Satanás de Milton é o
melhor exemplo literário.) Você não tolera esse ato, porque o descreve com
precisão. Na verdade, você se posiciona melhor para responder a ele, to-
mando sua verdadeira medida. Tornar o inimigo menor do que ele é cega
para o perigo que ele apresenta e dá-lhe a vantagem que vem junto por ter
sido subestimado.

É por isso que o que Edward Said chamou de “falsos universais” deve ser re-
jeitado: eles estão no caminho do pensamento útil. Quantas vezes ouvimos
estes novos mantras: “Vimos a face do mal”; “Estes são loucos irracionais”;
“Estamos em guerra contra o terrorismo internacional”. Cada um é impre-
ciso e inútil. Não vimos o rosto do mal. Nós vimos a cara de um inimigo
que nos apresenta uma lista cheia de queixas, de objetivos e de estratégias.
Se reduzimos esse inimigo ao “mal”, evocamos um demônio que muda de
forma, um anarquista moral de caráter selvagem além de nossa compreen-
são, e, portanto, fora do alcance de qualquer contra estratégia.

A mesma redução ocorre quando imaginamos o inimigo como “irracional”.


Os atores irracionais, por definição, não têm um objetivo claro, e não há ra-
zão para raciocinar sobre a forma de combatê-los. O melhor é pensar nes-

28
A construção do argumento

ses homens como portadores de uma racionalidade que rejeitamos, porque


seu objetivo é a nossa destruição. Se tomarmos o trabalho de entender essa
racionalidade, poderíamos ter uma melhor chance de descobrir o que seus
adeptos farão a seguir e prevenir.

E o “terrorismo internacional” não descreve adequadamente o que en-


frentamos. O terrorismo é o nome de um estilo de guerra a serviço de
uma causa. É a causa, e as paixões que a informam, que nos confrontam.
Concentrar-se em algo chamado terrorismo internacional – destacado de
qualquer agenda específica – só confunde as coisas. Isto deveria ter sido
evidente quando o presidente Vladimir Putin da Rússia insistiu que qualquer
guerra contra o terrorismo internacional deve ter como um dos seus objeti-
vos a vitória contra os rebeldes na Chechênia.

Quando a Reuters decidiu tomar cuidado ao usar a palavra “terrorismo”,


porque, segundo seu diretor de notícias, o terrorista de um homem é o luta-
dor pela liberdade de outro homem, Martin Kaplan, decano associado da
Escola Annenberg de Comunicação da Universidade do Sul da Califórnia,
criticou o que ele viu como mais um exemplo de relativismo cultural. Mas
a Reuters está simplesmente reconhecendo quão inútil é a palavra, porque
nos impede de fazer distinções que nos permitem ter uma imagem melhor
de onde estamos e o que poderíamos fazer. Se você pensa em si mesmo
como o alvo do terrorismo com um T maiúsculo, seu oponente está em toda
parte e em nenhuma parte. Mas se você pensa em si mesmo como o alvo
de um terrorista que vem de algum lugar, mesmo que ele opere interna-
cionalmente, você pode, pelo menos, tentar antecipar seus futuros ataques.

É este o fim do relativismo? Se pelo relativismo se entende um elenco de


opiniões que torna você incapaz de preferir suas próprias convicções às do
seu adversário, então o relativismo dificilmente poderia terminar, porque
nunca começou. Nossas convicções são, por definição, preferidas. Isso é o
que as torna nossas convicções. Relativizá-las não é nem uma opção nem
um perigo.

29
A construção do argumento

Mas se pelo relativismo se entende a prática de se colocar no lugar do ad-


versário, não para se tornar igual a ele, mas para ter alguma compreensão
(muito longe da aprovação) sobre o porquê de alguém mais querer ser,
então o relativismo não vai, e não deve terminar, porque é simplesmente
outro nome para o pensamento fundamentado.

Começamos com o elemento mais controverso da nossa discussão: nossa cren-


ça de que o argumento de Fish é o mais forte e que nossos motivos para o preferir
não são apenas ideológicos, mas também profissionais e técnicos. A primeira parte
dessa afirmação é provavelmente menos surpreendente para a maioria do que a
segunda. Muitos leitores deste livro acharão o argumento de Leo menos persua-
sivo, assim como muitos leitores do, digamos jornal conservador, The Washington
Times, provavelmente achariam o argumento de Fish menos convincente. A base
para essa divisão é congruente com as diferentes suposições sobre os argumentos
colocados pelos dois autores. Leo certamente afirmaria que nossos leitores leram
mal seu artigo e foram enganados por Fish porque eles – isto é, “você” – estão
presos ao “relativismo moral”.
Da mesma forma, Leo não teria dúvida de achar os leitores do The Washington
Times mais perspicazes, em grande parte porque eles conseguiram, de alguma
forma, evitar a doutrinação por uma “cultura terapêutica” supervisionada pela
elite intelectual – ou seja, mais uma vez, “você”. Nossas duas leituras hipotéticas
têm diferenças tanto de interpretação quanto de significado. Leitores competentes
e não corrompidos encontrarão o significado correto em cada um dos textos, os
leitores incompetentes e corrompidos não. Não há espaço, no mundo de Leo, para
as “interpretações rivais” de Fish sobre textos eventos, porque, no final, há apenas
uma leitura correta.
Fish, entretanto, iria achar as diferenças nas duas leituras insignificantes, e
certamente não veria motivo para querelas. Enquanto ele estaria preparado para
se pronunciar contra uma leitura que julga seu argumento inferior ao de Leo – na

30
A construção do argumento

verdade, imagina-se que ele seria muito influenciado por tal julgamento –, ele não
deixaria de relutar em reconhecer a superioridade de sua posição como um sinal
de corrupção moral.
Os leitores do The Washington Times simplesmente constituem uma comuni-
dade de leitores que compartilham crenças diferentes e atribuem diferentes signi-
ficados a termos como “verdade” e “justiça”. Ele estaria preparado para apresentar
argumentos que mostram por que esses leitores estão errados e ele certo – na
verdade, ele faz isso em seu texto – mas ele aceitaria, desde o início, que, em seus
argumentos, ele não poderia apelar para qualquer conjunto de padrões univer-
sais defendidos pelos seus apoiantes e pelos apoiantes de Leo que confirmariam
suas conclusões e fortaleceria as de Leo aos olhos de todas as partes da discussão
(Porque Fish vê os limites entre as comunidades muito menos permeáveis, ​ele é
menos otimista quanto às perspectivas do diálogo intercomunitário do que nós).
Leo, entretanto, assume que esses universais, conhecidos de todos e ignorados
perversamente por alguns, existem, embora ele tenha o cuidado de não nomeá-
-los ou falar sobre suas relações. Os extremos de Leo, a ser nomeados mais tarde,
como divindades religiosas cujos nomes nunca devem ser citados, impressionam
mais na ausência do que na realidade.
Nossa própria visão nos inclina menos para Leo e mais para Fish por várias
razões. Em primeiro lugar, as hipóteses de Leo sobre a natureza da verdade e do
significado são incompatíveis com as hipóteses compartilhadas pela maioria dos
membros de nossa própria comunidade. O mais importante dessas hipóteses é a
crença de que o argumento tem poder heurístico, realizado pelo diálogo com nós
mesmos ou com outras pessoas, fazendo o que Aristóteles chamou de “provar
opostos”. Nós não apenas defendemos a verdade e vencemos o erro, modificamos
as verdades aceitas e descobrimos novas. Nessa visão está implícita a crença de
que a verdade não pode ser, como Leo parece assumir que é, independente do jul-
gamento humano ou da linguagem que usamos para formar esse julgamento. Se a
verdade é absoluta, independente de nós e incorrigível por nós, e se a linguagem é

31
A construção do argumento

meramente um meio de expressão transparente, não o que Burke chama de “tela


terminológica” que molda o que revela, a retórica é um negócio trivial merecedor
do tipo de indignação que o primeiro absolutista adepto ao platonismo sentiu pelo
primeiro de nossa raça, os sofistas.
Embora a nossa posição aqui, uma posição consistente, se não idêntica à da
maioria dos membros de nossa comunidade, possa parecer com a posição que Leo
caracteriza como “relativismo moral”, não acreditamos que ela seja. Dizer que nós
mesmos ou Fish somos relativistas morais é mais uma caricatura do que uma re-
presentação de nossa posição. O fato de aceitarmos a inevitabilidade de posições
múltiplas sobre qualquer questão de significado não quer dizer que aceitamos –
como o aluno desafortunado de Leo que “não gosta” dos nazistas, mas não pode
se denunciar – a equivalência moral ou cognitiva de todas as posições sobre uma
questão. Como retóricos, não podemos pedir a adesão ao “Eu estou bem”, “Você
está OK”, quando debatemos relações humanas.
De fato, se isso prevalecesse, os retóricos ficariam sem trabalho. A retórica e
o argumentação não têm lugar em nenhum dos dois mundos que, para Leo, repre-
sentem a soma de todas as possibilidades: o mundo da Uma Verdade, ou o mundo
onde ele imagina habitar, onde existem inúmeras verdades equivalentes. No mundo
da Uma Verdade, a retórica e a argumentação podem servir tanto para propagar
uma única fé verdadeira como para levar as pessoas para longe dessa fé, mas não
poderia ter efeito legítimo nas verdades que fundamentam a fé. Em um mundo de
múltiplas verdades equivalentes, não somente seríamos impotentes para mudar a
posição uns dos outros, também não haveria nenhuma razão para querer ter boas
razões para assumir uma posição e não outra.
Nossa posição, portanto, não é absolutista nem relativista. Preferimos consi-
derá-la como “realista”, tal como Kenneth Burke usa esse termo. Em um mundo re-
alista, a retórica e a argumentação são atividades essenciais, precisamente porque
é um mundo que reconhece o papel significativo, embora não limitado, que a ação
humana desempenha na solução dos problemas do mundo e a parte importante

32
A construção do argumento

que a linguagem desempenha para permitir ao ser humano atingir seus objetivos.
Em particular, a linguagem tem a capacidade real de “favorecer a cooperação” en-
tre os seres humanos, mesmo se falta o poder mágico de “provocar o movimento
nas coisas” (BURKE, 1966). Embora Burke (1966) reconheça o enorme poder da
linguagem para efetuar a mudança, seu realismo também exige a crença em um
mundo independente do poder de formação da linguagem.
Nosso conhecimento desse domínio extra verbal é adquirido negativamente,
através do poder das coisas, eventos e corpos para resistir a nossas afirmações
e reivindicações e frustrar nossos projetos. Esse poder de “desobediência” no
mundo encoraja uma atitude de humildade como a que Burke (1996) encontra no
pragmatista William James, a quem ele se refere como “um especialista no grau
comparativo de adjetivos de valor”. James rejeitou o absolutismo (que é realmente
o superlativo, identificando o Um como o Melhor) e preferiu pensar “[...] em termos
de mais e não de todos”. Entre otimismo ou pessimismo, ele preferia o “melio-
rismo” (BURKE, 1984). Enquanto os absolutistas como Leo, às vezes, permitem
que o perfeito se torne o inimigo do bem, julgando qualquer coisa menos do que
tudo insuficiente e corrupta, os realistas procuram melhorar as coisas por grau,
induzindo a cooperação entre as pessoas e trabalhando em direção a finalidades
coletivamente definidas que são constantemente redefinidas. Nesse mundo, a re-
tórica e as artes da persuasão não são ferramentas insignificantes para distrair
as massas, são “equipamentos para viver”.
No mundo que descrevemos, a justiça e a verdade são termos importantes,
ainda que pouco presentes em nosso vocabulário. O que as palavras significam para
um determinado grupo de pessoas em um dado momento pode não ser exatamen-
te o mesmo em outro momento, em circunstâncias diferentes, ou para um grupo
diferente de pessoas em um mesmo tempo e um mesmo lugar. Mas cada grupo,
em todas as circunstâncias, imagina que está em busca da justiça e da verdade.
Ou, como diz Fish, de maneira mais marcante: “Ninguém se declara apóstolo da
injustiça”, mesmo aqueles cujos métodos nos podem parecer hediondos. Diferentes

33
A construção do argumento

grupos podem usar diferentes meios para chegar a significados diferentes para
termos importantes como verdade e justiça, mas essas diferenças não são mais
“subjetivas” do que o significado de Leo para “objetivo”. Apenas o fracasso de Leo
em articular um significado específico para sua noção de verdade pode preservar
sua aura de universalidade.
Tanto a comunidade de Leo como a de Fish elaboraram uma definição do
termo consistente com seus próprios princípios. Mas, ao contrário de Fish, Leo e
os membros de sua comunidade parecem rejeitar em primeiro lugar o processo
que produziu sua versão da verdade. Ao chegarem ao reino dos Absolutos, eles
desfazem o caminho que percorreram e impendem outros de chegar. Como o
mundo platônico das Formas Puras, a Verdade de Leo parece existir separada do
mundo, não afetada pelas interações dos mortais. As almas excepcionais podem
ocasionalmente perceber uma essência em meio aos acidentes da vida, e depois de
experimentar essas epifanias podem tentar compartilhá-las com os outros, mas,
além disso, os seres humanos não têm nenhum papel na construção da verdade.
A diferença entre as duas posições foi bem capturada pelo filósofo Richard Rorty.

Se vemos o conhecimento não como uma essência, descrita por cien-


tistas ou filósofos, mas como um direito, segundo os padrões atuais, de
acreditar, estamos no caminho para ver a conversação como o último
contexto a partir do qual o conhecimento pode ser entendido. Nosso foco
se desloca da relação entre os seres humanos e os objetos de sua inves-
tigação para a relação entre padrões alternativos de justificação e daí
para as mudanças reais nesses padrões que compõem a história intelec-
tual (RORTY, 1979, p. 389-90).

Nos termos de Rorty (1979), o debate entre Leo e Fish pode ser enquadrado
como um debate entre aqueles que representam o conhecimento como uma descri-
ção precisa da essência versus aqueles que o entendem como “um direito segundo

34
A construção do argumento

os nossos padrões atuais de acreditar”. Aqueles que defendem a primeira posição


relegam a retórica e a persuasão a um status decididamente secundário. A desco-
berta do conhecimento deve ser deixada para cientistas e filósofos especializados
na “relação entre os seres humanos e os objetos de sua investigação”. Aqueles que
defendem a segunda posição colocam retórica e persuasão no centro da produção
do conhecimento. Através da “conversação”, eles elaboram “a relação entre padrões
alternativos de justificação”. Isso é o que, mais ou menos, os retóricos têm feito há
mais de dois milênios.

Discussão de Leo e Fish


parte II: passando da dualidade ao compromisso

Nesta segunda parte da nossa discussão sobre os artigos de Fish e Leo, que-
remos voltar nosso foco para a sala de aula, e mostrar, como professores, de que
forma poderíamos usar esses artigos para elaborarmos uma definição provisória
de argumento e aplicar as lições do debate ao ensino. Do ponto de vista do ensino, o
que é especialmente interessante sobre o argumento de Leo é quão perfeitamente
sua posição e o status atribuído a ela reproduzem a mentalidade de dois grupos
problemáticos de estudantes que encontramos frequentemente em nossas aulas.
A partir do esquema de desenvolvimento cognitivo e moral de William Perry, de-
nominamos essas duas posições de “dualidade e multiplicidade”. Essas posições
correspondem a dois dos primeiros estágios do esquema de desenvolvimento de
Perry (1999) e representam desafios marcadamente diferentes na sala de aula.
Um aluno em dualidade supõe que há respostas certas e erradas para cada
pergunta, e que o trabalho do professor é apresentar essas respostas de forma
clara e depois testar os alunos para saber se eles lembram a resposta correta.
Nessa posição, os problemas surgem quando: a) desafiamos os alunos a apresen-
tarem as suas próprias respostas e/ou, b) os alunos acreditam que estamos dando

35
A construção do argumento

respostas conflituosas em relação as respostas anteriormente dadas por outros


professores. Se fizermos o nosso trabalho, acontecerão as duas coisas, o que fará
que os alunos retornem para suas antigas convicções ou arrisquem a colocar suas
crenças – religiosa, política ou ideológica – em dúvida. Estudantes em dualidade
podem muito bem nos ver como ameaças à sua própria identidade, assim como
sombrios e desconhecidos como os terroristas de Leo em nossas tentativas de
desestabilizar sua visão de mundo. É importante, portanto, ter em mente o quão
alto as apostas e os grandes riscos podem ser para esses estudantes, quando
lhes pedimos para “provar o que está em contradição” e verdadeiramente ouvir
argumentos opostos.
Os alunos que estão na multiplicidade, entretanto, adotam o laissez-faire, vivem
e deixam viver as diferenças intelectuais, tudo o que Leo atribui aos “multicultu-
ralistas”. Como os alunos em dualidade, os em multiplicidade também subvertem
o processo dialético, mas por meios diferentes. Os em dualidade subvertem o
processo dialético, pronunciando Uma Tese Verdadeira e descartando todas as al-
ternativas possíveis. Os que estão na multiplicidade, entretanto, proclamam todas
as teses alternativas igualmente válidas e as veem como possibilidades paralelas,
que nunca se cruzam. Em nenhum dos casos uma tese pode engendrar uma antí-
tese para produzir qualquer tipo de síntese. Os que estão na multiplicidade estão
abertos a novas ideias, mas são incapazes de engajar criticamente essas ideias, de
escolher as que fazem melhor sentido em um dado conjunto de circunstâncias ou
de combinar elementos de várias ideias para construir uma melhor.
Na medida em que a faculdade é um lugar onde os estudantes abandonam a
dualidade pela multiplicidade – embora, na verdade, poucos parecem entrar na
faculdade na dualidade –, Leo está em parte certo ao afirmar que as faculdades
encorajam os alunos a adotar algo como uma “ética difusa” como visão de mundo.
Provavelmente em um momento ou outro, a maioria dos estudantes universitá-
rios – incluindo alguns de nós – abraçaram um tipo de tolerância fraca a ideias
diferentes, a que Leo ironicamente se refere como “relativismo moral”, como uma

36
A construção do argumento

alternativa às formas mais maléficas de intolerância intelectual produzidas por


dualismo. Mas, ao contrário de Leo, a maioria de nós vê nossa tarefa como estu-
dantes em deslocamento das duas etapas para uma de raciocínio moral de ordem
superior que abrange a complexidade e a contrariedade sem cair na indiferença.
Perry (1999) chama esse último estágio de “compromisso no relativismo”.
Trata-se de uma posição não muito diferente da que Fish assume no seu artigo.
Embora permaneça um ideal mais do que uma possibilidade realista para a maio-
ria das pessoas, é uma aspiração interessante de argumento para os professores
levarem para seus alunos. Aqueles que alcançam o compromisso no relativismo
reconhecem a impossibilidade de uma certeza perfeita equilibrada pela sua neces-
sidade de agir sobre o conhecimento imperfeito. Eles estão firmemente compro-
metidos com seus princípios e conscientes de que nenhum conjunto de princípios é
infalível ou incorrigível. O conhecimento, eles passaram a entender, é um processo
infinito, não uma posse definitiva, e o preço que se paga por esse conhecimento é
a dúvida e o questionamento.
Ao afastarem-se do que é absoluto, aceitarem a necessidade de escolher a me-
lhor entre alternativas imperfeitas e assumirem que a responsabilidade por essas
escolhas as faz prosseguir pelo mundo, aqueles do compromisso no relativismo
são perfeitamente capazes de não apenas condenar posições contrárias aos seus
próprios princípios, mas de se colocarem no lugar de seus adversários e alcançarem
algum nível de identificação com eles.
É claro que não há uma maneira clara de atrair os estudantes que estão envol-
vidos no relativismo (estágio em que a maioria dos estudantes universitários de
nível básico se encontra, de acordo com Perry, 1999) para a classe do compromisso
no relativismo. Poucos alunos se aproximarão desse último estágio ao concluírem
a carreira universitária. Mas, desde que o objetivo seja claro, e nossos métodos de
ensino e nossa maneira de interagir com nossos alunos sejam congruentes com esse
objetivo, temos mais chance de levar aos alunos alguma coisa mais satisfatória para

37
A construção do argumento

eles e para nós mesmos3. Se preferimos o argumento de Fish ao de Leo, e se nossas


preferências estão fundamentadas nos imperativos de nossa disciplina e de nosso
modelo pedagógico, deveríamos ser livres para compartilhar essa preferência e o
motivo de escolhê-la com nossos alunos.

Leo e Fish
parte III: os elementos do argumento

Um dos primeiros desafios que enfrentamos ao apresentar nossa noção de


argumento para os alunos é dissipar as suposições erradas sobre o argumento
que eles trazem para nossas salas de aula. Afinal de contas, eles adquiriram suas
próprias noções de argumento muito antes de começarem o estudo formal do as-
sunto. Eles tiveram contato com argumentos em casa e na escola, leram sobre isso
em livros e jornais, viram na televisão, escutaram no rádio e assistiram nos filmes
incontáveis v​​ ezes antes de entrarem na sala de aula onde pretendemos ensinar-lhes
a escrever. Dada a maneira não sistemática como os alunos adquirem muito cedo
o conhecimento sobre o argumento, não surpreende que eles possam precisar ser
“desatados” de algumas suposições antes de começar o ensino.
No caso dos ensaios de Leo e Fish, a primeira coisa que pode surpreender os
alunos é o fato de que os dois ensaios não dialogam entre si, não estão em condição
de debate de ideias. Embora os artigos de Leo e Fish tenham sido publicados no

3. Ao usar o quadro de Perry (1999) para essa discussão sobre o desenvolvimento do aluno, não queremos
dizer que isso implica uma aceitação sem crítica de sua teoria. Uma série de críticas incisivas ao esquema de
Perry foi feita nos anos setenta e oitenta, particularmente por estudiosos feministas (por exemplo, Gilligan,
Belenky e outros), que observaram o forte viés masculino da pesquisa de Perry e sua incapacidade de explicar
as diferenças de gênero. As formas de conhecimento das mulheres, devemos reconhecer, são, de fato, diferentes
das dos homens, particularmente quando se trata de questões éticas. Dito isso, as reações dos estudantes
universitários, em especial os estudantes de nível inicial, tanto do sexo masculino como feminino, aos desafios
colocados pelas aulas focadas no argumento, parecem semelhantes às do esquema de Perry, o que nos permite
usá-las como um suporte para a presente discussão.

38
A construção do argumento

mesmo dia, 15 de outubro de 2001, tratem do mesmo assunto e chegem a conclu-


sões completamente diferentes por meio de raciocínios também completamente
diferentes, parecem ter sido escritos sem alusão de um ao outro. Um artigo não
refuta ponto a ponto a ideia do outro, e quando se contradizem, o fazem pela inter-
seção aleatória de ideias contrárias, sem intenção de assumir uma postura oposta.
Quando afirmamos que os argumentos mais importantes do dia são cons-
truídos de maneira semelhante, muitos estudantes, surpreendentemente, não
acham estranho. As experiências pessoais desses estudantes os levam a entender
o argumento segundo um “modelo de debate” em que duas (ou algumas) pessoas,
inclinadas a ganhar, disputam diretamente ideias opostas. Alguns se atentam a
tais argumentos pelo lado divertido – a possibilidade de que eles podem acabar
violentamente lhes dá vantagem – ou para apostar em um dos lados da disputa.
Outros não se engajariam em tais argumentos – ou em versões falsas de um mesmo
programa de TV ou rádio – para avaliá-los com cuidado, observar os menos persu-
asivos e criar novos a partir do confronto. O modelo dominante de argumento não
é, em suma, um modelo dialético, pois trata-se de algo semelhante a um jogo cujo
resultado é zero a zero, um esporte em equipe que não possibilita a participação
ativa dos que assistem ou a busca das verdades mais críveis4.
Nosso modelo preferido de argumentação permite a busca por melhores ideias
a partir do que Burke chama de “busca de vantagens”. Mas, como Burke, reconhe-
cemos que pelo menos algum elemento da busca de vantagens pode ser encontrado
em todos os argumentos, por mais civilizado que seja o tom, não importa o grau
de flexibilidade em relação à oposição de opiniões. Ninguém discute simplesmente

4. No caso do debate entre Fish e Leo, parece que estamos nos contradizendo e declarando nossa preferência
pelo argumento de Fish. Mas é preciso lembrar que o seu desacordo tem mais natureza de um "meta-argumento"
do que de um argumento regular, e como tal, a razão de nossa preferência remonta ao fato de que Leo
não oferece nenhuma razão para "ouvir" argumentos opostos, enquanto Fish especificamente apela a uma
abordagem dialética para o desacordo como a que estamos apoiando aqui.

39
A construção do argumento

para encontrar as melhores ideias. É importante, no início do semestre, desacos-


tumar os alunos de suas ideias de argumento excessivamente violentas, para não
exagerar no teor da nossa própria empreitada, e, assim, deixá-los mais desiludi-
dos. O argumento, afinal, normalmente envolve algum investimento do ego e do
coração, bem como da mente e do julgamento. A maioria de nós assume os riscos
do argumento – o risco de alienar as pessoas, de suscitar a oposição, de perder o
ponto e de ter isso apontado, nem sempre gentilmente, em um ambiente público
– somente se nossas crenças ou interesses mais caros estão em jogo. Até mesmo
o mais altruísta dos argumentadores deseja, se não ganhar um argumento, pelo
menos “acertar”. Perder um argumento, ou mesmo ter um argumento colocado
em dúvida, pode muito bem exigir que voltemos e reexaminemos as crenças que
ancoram nossa identidade.
Portanto, o argumento é arriscado, em parte porque estamos buscando vanta-
gem para nossos interesses e crenças ou estamos lutando para impedir que outros
tirem vantagem em relação aos seus interesses e crenças. No entanto, dito isso, a
maioria de nós mesmos – ou talvez sobretudo os terroristas – acredita verdadei-
ramente que a serviço de nossos próprios interesses são mobilizados interesses
maiores, e que a transmissão de nossas crenças direciona a verdade e justiça para
os outros. Certamente, todos nós nos encontramos às vezes na posição de após-
tolos de, senão da injustiça, de ideias que são, pelo menos, as injustas de conjunto
ruim. No entanto, mesmo nessa busca, há uma certa nobreza, e os alunos devem
ser lembrados disso, no início do semestre.
O que gerou os argumentos de Fish e Leo foi um evento, o 11 de setembro, que
levou muitos americanos a mudar suas percepções e hipóteses sobre o mundo. Até
11 de setembro de 2001, há séculos, nenhum poder estrangeiro conseguiu invadir
os Estados Unidos ou matar um número significativo de cidadãos americanos em
solo americano. Após o 11 de setembro, nosso senso de invulnerabilidade e do nos-
so papel no mundo exigiu um reexame, enquanto nossas crenças sobre a atitude
do resto do mundo em relação a nós tiveram que ser radicalmente revisadas. Em

40
A construção do argumento

suma, os acontecimentos do 11 de setembro representam um exemplo clássico do


que na retórica é referido como uma “exigência”. De acordo com Bitzer (1995, p.
304), que cunhou o termo há quarenta anos como parte de seu olhar revisionista
sobre a situação retórica, “qualquer exigência é uma imperfeição marcada pela
urgência. É um defeito, um obstáculo, algo que espera ser feito, algo que é diferente
do que deveria ser”. Uma exigência não pode ser, na linguagem do debate, um pro-
blema “inerente”, um aspecto imutável da condição humana, digamos, que desfia
a solução; e não pode ser um problema que possa ser resolvido diretamente por
meios extra verbais. “Uma exigência é retórica, quando é capaz de ser modificada
positivamente e quando essa modificação requer um discurso ou pode ser assistida
pelo discurso” (BITZER, 1995, p. 304).
O ataque terrorista de 11 de setembro exigia um “discurso” de cada um de
nós, quer em nossas respostas em silenciosos solilóquios, quer em voz alta ou
impressas para conhecimento público. O que nós fizemos do ataque? Como deve-
mos responder, como nação e como indivíduos? A maioria dos americanos tentou
articular seus sentimentos sobre o ataque e encontrar algum modo de formar um
julgamento ético sobre ele. Muitas vezes olhávamos para especialistas de confian-
ça como Leo, e acadêmicos como Fish, que compartilhavam seus pensamentos na
mídia, em busca de ajudar para encontrar a expressão dos pensamentos que nos
iludiram e das ideais que poderiam nos guiar.
Tanto Fish quanto Leo compartilham o necessário senso de urgência sobre o
que precisa ser feito em resposta ao problema. Para Leo, a lição do 11 de setembro
é a de que chegou o momento de começar a empurrar a “esquerda multicultural-
-terapêutica” para longe de seu relativismo superficial e oferecer uma frente unida,
presumivelmente “monocultural” em oposição à ameaça terrorista. É uma linha
de pensamento que parece antecipar algumas linhas de pensamento seguidas
posteriormente por nossa liderança política: o mundo mudou em 11 de setembro
através de um chamado para uma revisão de nossas prioridades políticas e de nosso
sistema de valores (ou um retorno aos nossos valores fundamentais), incluindo o

41
A construção do argumento

sacrifício de algumas liberdades em troca de uma melhor segurança. Nosso inimigo


é o “terrorismo” ou alguma variação dele (“fascismo islâmico”, “movimento ter-
rorista internacional”, “extremistas muçulmanos”), que tem natureza monolítica,
sombria e niilista. Em oposição a esse inimigo, nós devemos ser intransigentes,
mesmo sozinhos, se outros membros da comunidade internacional não compar-
tilham de nossa visão.
Da mesma forma, o ensaio de Fish parece antecipar muitos dos argumentos
apresentados por eventuais críticos da guerra no Iraque, depois que o Iraque se
tornou, de fato, um campo de testes para ideias muito parecidas com as apoiadas
por Leo. O que resultou é um exemplo clássico do que aconteceu ao longo da história,
quando as ideias absolutistas foram testadas na realidade. O modelo monolítico
do mal correu contra a natureza heterogênea de uma sociedade profundamente
dividida. Embora os grupos terroristas tenham entrado na briga depois da ocu-
pação americana, a maior parte da violência, após 2003, foi a sectária, infligida
por grupos específicos, cada qual “com uma lista completa de queixas, metas e
estratégias”, buscando vantagem para seus interesses.
Uma das questões interessantes levantadas pela noção de exigência é o grau
em que o “defeito” ou o “obstáculo” está no mundo em relação ao que é percebido.
Nossa própria leitura “realista” dos dois artigos imporia uma exigência nos dois
lugares. Ou seja, os artigos de Fish e Leo são, ao mesmo tempo, respostas a um
acontecimento no mundo, independente do poder da linguagem para mudá-lo ou
invertê-lo, e continuações da formação dos dois escritores para a vida a partir
dos seus sistemas de crenças. Enquanto Leo sugere que o 11 de setembro mudou
o mundo (o mundo que ele descreve no rastro do que houve em 11 de setembro é
um mundo que tem muito em comum com a distopia que ele descreveu por mui-
tos anos), e sua receita para lidar com o pós 11 de setembro é consistente com as
propostas de reforma que ele realizou desde os anos de 1960.
Da mesma forma, a resposta liberal de Fish (embora Fish normalmente esca-
pa a rótulos como liberal/conservador, sua posição sobre essa questão particular

42
A construção do argumento

alinha-se com a posição que muitos liberais finalmente tomaram sobre a questão)
ao problema do 11 de setembro ecoa ideias que ele tem articulado por mais de
trinta anos nos domínios da teoria literária e jurídica. Sua insistência de que de-
vemos atender às particularidades das queixas de nossos inimigos para entender
suas motivações as quais somos confrontados é uma parte da sua insistência de
que devemos ficar atentos aos detalhes dos textos para elaborar seu sentido no
contexto das intenções dos autores. Sua afirmação de que, ao justificar nossas res-
postas ao 11 de setembro, só podemos apelar para aquelas verdades contingentes
que compartilhamos com outros membros de uma comunidade que compartilha
nossas crenças - “o registro de aspiração e realização que compõe nossa compre-
ensão coletiva do que vivemos” - é uma parte da sua crença de que as comunidades
de leitores elaboram padrões de sentido e interpretação entre si.
Nosso interesse em relacionar os argumentos de Leo e Fish sobre o 11 de
setembro com a visão de mundo mais ampla deles vai além de qualquer interesse
em rotular corretamente suas posições políticas. Entender a fonte de suas rei-
vindicações é, diríamos, fundamental para entender o tom que os dois escritores
assumem ao se expressarem. Estabelecer cedo uma maneira razoavelmente clara
de falar sobre questões de tom nas aulas de argumento é fundamental em virtude
das dificuldades que muitos estudantes enfrentam para encontrar uma tonalida-
de apropriada para seus argumentos. Parte dessa dificuldade ocorre em função
dos diferentes estágios de desenvolvimento nos quais os estudantes chegam em
nossas aulas.
Os estudantes inclinados para o dualismo, por exemplo, podem adotar um tom
excessivamente agressivo em seus argumentos (embora poucos dualistas com-
pletos apareçam no primeiro dia em nossas aulas, é uma posição da qual alguns
estudantes, particularmente os de primeiro ano, se retiram, quando se sentem
ameaçados intelectualmente). É importante lembrar que muita coisa está em jogo
para um dualista quando precisa justificar ideias que ele julga injustificáveis. Um
sintoma dessa ansiedade será uma certeza com tom agressivo, mas sem convicção.

43
A construção do argumento

As posições, independente do grau, serão pouco defendidas, pouco qualificadas e


sem convicção absoluta. Os julgamentos categóricos controversos, particularmente
os julgamentos morais, serão respondidos como se fossem ordens. Os argumentos
opostos serão descartados, mesmo que pareçam fortes para uma terceira pessoa.
Qualquer leitor que não esteja totalmente de acordo com o autor de um argumento
pode se sentir mais intimidado do que persuadido.
Os estudantes que estão no estágio da multiplicidade, entretanto, também
tendem a ver suas posições e julgamentos como evidentes, não porque eles são a
Única Verdade, mas porque todo mundo acreditar em tudo o que quer. O tom ado-
tado pelos estudantes em multiplicidade será consideravelmente menos belicoso
do que o dos seus pares em dualismo. Eles não são ameaçados pelo desacordo,
afinal, as pessoas inevitavelmente veem as coisas de forma diferente. Um argu-
mento para eles é apenas uma maneira de deixar as pessoas saber “de onde elas
vêm”. Na verdade, muitas vezes é difícil discordar de suas posições. Quanto mais
abstrata a posição que assumem, no final das contas, mais difícil é contestar sua
premissa básica, a de que não há necessidade real de diferenciar posições. Se o
dualista tende para um tom excessivamente belicoso, o adepto da multiplicidade
tende para um tom excessivamente brando.
Para ajudar os alunos a reconhecer as origens intelectuais do tom e as limi-
tações que enfrentam se eles são incapazes de moderar o tom, é útil analisar as
questões de tom em artigos como os de Fishs e Leo. Como esses escritores são
consideravelmente mais sofisticados do que a maioria dos escritores aprendizes,
suas diferenças de tom, embora significativas, são menos rígidas do que as que
vemos em nossas aulas. O tom de Fish pode ser atribuído à sua crença de que a
verdade deve ser redescoberta e renegociada à medida que os textos mudam, e a
de que a verdade não consiste em uma correspondência entre seu vocabulário e o
estado de coisas do mundo, mas da justificativa mais persuasiva entre as versões
concorrentes de verdade. O tom de Leo, por sua vez, deriva de sua crença de que
existe uma verdade universal, que não é alterada pelas circunstâncias. Aqueles que

44
A construção do argumento

pensam em linha reta, como Leo, possuem a verdade e o bem absolutos. Os que
pensam como os bispos obscurecem nossa visão de verdade e de bem e permitem
que o erro e o mal penetrem no mundo.
Correndo o risco de exagerar nessas diferenças, descreveríamos o tom de Fish
como o mais próximo do de um mentor ou guia, alguém preocupado simultanea-
mente em esclarecer dúvidas e complicar a compreensão de seus leitores sobre as
coisas. Trata-se de uma relação assimétrica, para ser mais preciso. Fish é o pro-
fessor e nós somos seus alunos, mas à medida que ele parece acreditar que somos
capazes de seguir uma linha complexa de raciocínio, ele não é condescendente. O
tom de Leo, ao contrário, parece mais com o de um avaliador ou julgador, rápido e
crítico. Sua preocupação é esclarecer questões simplificando-as a fim de facilitar
um julgamento moral sólido.
O tom de Leo se estabelece, no início de sua primeira frase, ao usar a expressão
“vergonhosa”, antes mesmo de nos informar sobre a declaração dos bispos. Depois,
após retomar dois trechos da declaração, ele diz aos seus leitores o que os bispos
dizem, “de forma clara”, antes de concluir que é “um engano moral”. A clareza moral
e linguística são uma peça importante para Leo. Ele se preocupa pouco, portanto,
com aqueles que se interessam pelas “causas-raiz” e pela compreensão dos atos “no
contexto”. Para fixar a história, ele oferece uma tradução “de forma clara” dessa
conversa moral e linguisticamente absurda. Os bispos realmente querem dizer
que “a impiedosa e imperialista América trouxe os ataques contra si mesma”. Ao
longo de sua crítica, Leo oferece pouca evidência para suas generalizações e poucos
detalhes para ajudar seu público a identificar os multiculturalistas, os relativistas
morais e os cidadãos de cultura terapêutica.
A citação de “um estudante de Nova York” é a única que apoia uma ampla
generalização sobre as práticas educacionais lastimáveis ​​da educação superior
americana, enquanto a declaração dos bispos é apresentada como “um pequeno
exemplo do que poderia ser um grande problema”: a incapacidade dos líderes mo-
rais “para dizer claramente que o mal existe”.

45
A construção do argumento

Se a opinião de Leo sobre a declaração dos bispos é, na verdade, acurada e


justa, o tom de seu artigo pode ser atribuído mais à indignação moral legítima do
que aos costumes concernentes ao seu sistema de crenças. No entanto, mesmo um
simpatizante do ponto de vista de Leo teria problemas para alinhar o resumo da
declaração dos bispos com o texto integral dessa declaração. Começa-se, de fato,
anunciando que “[...] uma nova solidariedade com aqueles de outras partes do
mundo para quem as forças malignas do terrorismo são um medo e uma realidade
contínuos” (bispos). Para ter certeza de que Leo e os bispos não parecem definir
o mal da mesma maneira, os bispos não parecem satisfeitos em deixar o epíteto
“mal” servir de explicação completa para a motivação do ato dos terroristas. No
entanto, eles dizem que “claramente o mal existe” e que atos terroristas como o
de 11 de setembro são qualificados como atos malignos.
Nossa preocupação aqui não é desconsiderar a crítica que Leo faz aos bispos.
Nossa preocupação é enfatizar até que ponto o tom do artigo de Leo não deriva de
uma consciência “objetiva” de um mundo independente de suas percepções, mas
do sistema de crenças através do qual ele percebe esse mundo. Enquanto Leo, sem
dúvida, consideraria essa controvérsia excessiva, uma bobagem relativa, Fish não.
As diferenças de tom entre os dois escritores, diríamos, não é uma consequência
do fato de um ser menos objetivo do que o outro, mas de um ser mais conscien-
te do que o outro de que a objetividade total é atrativa e enganosa. Em lugar da
verdade absoluta e da objetividade, Fish abraça alguma coisa da ordem da inter-
subjetividade. Em sua opinião, estamos unidos por “valores particulares vividos”
e compartilhamos “o registro de aspiração e realização que compõe nosso enten-
dimento coletivo do que vivemos”. A visão pragmática de Fish da verdade como
falível e particular reflete-se em seu tom, que rivaliza com o dinamismo de Leo,
mas é menos julgador e mais cauteloso quanto à nomeação das coisas. No cerne
de seu artigo, de fato, reside sua rejeição da rotulagem redutora, sua preocupação
em complicar as versões do pós-modernismo, do relativismo e do terrorismo. En-
quanto Fish diz que ele encontra a pergunta do repórter sobre “o fim do relativismo

46
A construção do argumento

pós-moderno”, que começa seu artigo “bizarro”, ele passa a oferecer uma resposta
cuidadosa, atribuindo a interpretação errônea que o repórter faz do termo não a
algum lapso moral, mas como “uma forma rarefeita de conversa acadêmica” com
a qual o repórter não é normalmente acostumado.
Ao expressar nossa preferência pelo estilo de Fish, estamos, evidentemente,
reafirmando nossa simpatia pela sua visão de mundo. Essa preferência, no entanto,
não é simplesmente “subjetiva”, no mesmo sentido que alguém como Leo usaria
esse termo. Nossa simpatia com o ponto de vista de Fish e seu modo de expressão
é profissional e pessoal. As ideias que ele expressa e a forma como expressa estão
mais em harmonia com nossos propósitos disciplinares do que as de Leo. Os pen-
samentos e o tom de Fish são, em nossa opinião, mais propensos a oferecer uma
melhor abordagem sobre o assunto em questão do que os pensamentos e o tom
de Leo. A hipótese de um argumento valer mais que o outro no mercado de ideias
é outra questão. Esses julgamentos são mais difíceis de fazer e mais específicos
para o público do que o julgamento dos efeitos dos argumentos sobre a compre-
ensão da questão. Para entender melhor essa relação complexa, muitas vezes mal
compreendida, entre os argumentos preferidos em um dia pelo público e os que
levam o público a reexaminar os problemas, passamos agora a considerar um
continuum de práticas de argumento e a medida usada para organizá-los ao longo
desse continuum.

Argumento e “a purificação da guerra”

O subtítulo para esta seção foi tirado da epígrafe latina da A Grammar of Motives
(Uma Gramática dos Motivos) de Burke (1966) – Ad bellum purificandum. Trata-se,
ao mesmo tempo, de um sentimento muito modesto – afinal, muito cedo, viu-se
a guerra acabar completamente – e um muito ambicioso – à medida que a guerra
cresceu exponencialmente de forma mais selvagem no novo século, desejamos o que
pudesse atenuar seus terríveis efeitos. É também uma epígrafe que poderia servir

47
A construção do argumento

para introduzir a obra inteira de Burke, pois capta claramente o objetivo primário
da retórica, como ele imagina, a transformação de impulsos destrutivos em atos
criativos e cooperativos, da inimizade em identificação, da guerra em argumento.
Como observamos anteriormente, Burke é bastante realista para sustentar
que essa transformação nunca poderá ser completa: em todos os argumentos
permanecerá um elemento residual de agressão e busca de vantagens, por mais
nobre que seja a causa em nome da qual o argumento é feito. No entanto, Burke é
também muito idealista para acreditar que outros interesses de quem argumenta
são sempre servidos pelo argumento. O único caso em que as necessidades e cren-
ças de um público podem ser ignoradas é o do argumentador que se convence de
que sua cooperação será garantida pela força se o seu argumento falhar e passa a
argumentar praticamente pelas mesmas razões pelas quais os ditadores realizam
eleições. Joseph Heller capta perfeitamente o espírito do “poder da força” disfar-
çado de argumento, uma prática hegemônica muito familiar para o público do
século XXI, em um diálogo do romance Catch-22. O diálogo apresenta a conversa
entre o protagonista do romance, Yossarian, com seu inimigo, Milo Minderbinder
sobre o fato de Milo ter oferecido a um ladrão italiano algumas tâmaras em troca
de um lençol e depois ter se recusado a entregar as tâmaras quando o ladrão lhe
deu o lençol.

“Por que você não bateu na cabeça dele e tomou o lençol?” Yossarian per-
guntou.
Pressionando os lábios com dignidade, Milo balançou a cabeça. “Isso te-
ria sido muito injusto”. Repreendeu com firmeza. “Usar a força é errado
e dois erros nunca formam um acerto. Foi muito melhor a maneira como
eu agi. Quando eu segurei as tâmaras para ele e peguei o lençol, ele pro-
vavelmente pensou que eu queria negociar”.
“O que você estava fazendo?”
“Na verdade, eu estava negociando, mas como ele não entende inglês, eu
posso negar sempre”.

48
A construção do argumento

“Supomos que ele está bravo e quer as tâmaras?”


“Por que, vamos bater na cabeça dele e tomar as tâmaras”. Milo respon-
deu sem hesitar. (HELLER, 1961, p. 68)

Esse é, então, o argumento que aparece na extremidade esquerda do continuum,


onde a força aparece de forma ameaçadora por trás de cada artimanha persuasiva.
Quais os tipos de práticas argumentativas se encontram no final desse continuum?
A propaganda e a publicidade vêm imediatamente à mente. Os argumentos dos pais
que terminam com aquela frase honrosa que anuncia simultaneamente a vitória e
admite a derrota (Porque eu disse!) certamente caem em qualquer lugar do lado
esquerdo das coisas. Então, à medida que se avança para a direita em direção a
formas mais “purificadas” de combate, encontra-se a prática do direito, da nego-
ciação do trabalho e da educação. Por fim, na posição mais distante da força, há as
mais puras práticas persuasivas que parecem não ser persuasivas. O exemplo que
Burke usa é a escrita de um livro. Vamos examinar mais de perto as características
dessas diferentes práticas, mas antes disso, precisamos articular o princípio usado
para distinguir entre essas várias formas de persuasão, um princípio a que Burke
se refere de várias maneiras: “interferência” ou “autointerferência”.
Para entender esse princípio, é útil ter em mente uma das metáforas favoritas
de Burke para a persuasão responsável, a prática do namoro, que é em si uma versão
“purificada” de práticas consideravelmente menos aparentes. Se o namoro reina
no extremo direito do continuum, espera-se encontrar o equivalente persuasivo a
algo como assédio sexual na extremidade esquerda. O assédio sexual é uma relação
predatória baseada na assimetria através da qual uma das partes usa seu poder
sobre o outro para coagir o afeto. No entremeio, as artes da sedução entram em
jogo, como o sedutor finge ser o que sua presa deseja que ele seja e diz a ela o que
quer ouvir, a fim de alcançar sua própria gratificação. No lado direito do continuum,
entretanto, há um casal de namorados, com uma relação respeitosa, baseada na
mutualidade, que inevitavelmente inclui o sexo e muitos outros desejos. Com cer-

49
A construção do argumento

teza, cada pessoa, em um namoro, fará o que puder para se tornar desejável para
a outra, para persuadi-la como base na sua melhor característica como parceiro.
Certamente a atração sexual desempenhará um papel na relação, mas cada um está
disposto, no momento, a adiar sua satisfação em nome do aumento do seu senso de
identificação com a outra pessoa, superando os distanciamentos de classe, gênero,
nacionalidade, religião ou qualquer categoria que possamos usar para classificar a
raça humana. Enquanto que nos casos anteriores as relações são apenas um meio
para a satisfação sexual de um dos parceiros – na formulação de Martin Buber, uma
clássica relação “Eu-Isso” (BURBER, 2001) –, no namoro, a relação é um fim em si
(“Eu-Tu”) para ambos os parceiros. Se alguém estender a metáfora do namoro para
além da extremidade esquerda do continuum, encontrar-se-ia no escuro reino do
estupro e da agressão sexual. No extremo direito do continuum, encontrar-se-ia no
reino luminoso do celibato, quando uma freira se declara noiva de Cristo. Todas as
práticas que encaixam ao longo do continuum, entretanto, são uma combinação de
interesse próprio e desejo físico, e uma vontade de interferir nos impulsos naturais
de uma pessoa para outros fins.
Voltando agora às práticas reais de persuasão que se inscrevem no continuum
da autointerferência, começamos pela propaganda e pela publicidade. Essas práticas
são, diz Burke, muito “endereçadas”, já que são obsessivamente focadas no público.
Trata-se de uma relação assimétrica com o anunciante ou publicitário que tem pelo
menos algum controle, no caso de alguns publicitários, um monopólio virtual, sobre
o acesso do público à informação e à compreensão. Embora os anunciantes e os pu-
blicitários sejam rápidos no elogio ao seu público, especialmente à sua inteligência,
seus conselhos sobre como conquistar o público demonstram pouca importância à
inteligência das pessoas. Eles gastam muito tempo e quantidades extraordinárias
de dinheiro para explorar a psique e os pontos fracos emocionais de seu público.
Nenhum outro grupo entre aqueles que praticam a arte da persuasão se preocupa
em gastar tanto tempo para descobrir maneiras de explorar a vulnerabilidade do
púbico como os anunciantes e os publicitários. O livro Mein Kampf (Minha Luta) de

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A construção do argumento

Hitler, por exemplo, é um clássico da teoria da propaganda e uma análise completa


da psicologia do público. Observando a habilidade de Hitler na manipulação de seu
público, Burke chama a atenção para a maneira muito calculada como “ele mede
resistências e oportunidades com a ‘racionalidade’ de um profissional qualificado
que planeja uma nova campanha de vendas. A política, diz ele, deve ser vendida
como sabão – e o sabão não é vendido em transe” (BURKE, 1941, p. 216). Os publi-
citários contemporâneos, durante esse tempo, são implacáveis, quando buscam
as conexões entre informação demográfica e psicográfica (há sessenta e quatro
grupos distintos de consumidores dispostos em uma grade psicográfica usada por
anunciantes) e hábitos de compra do consumidor.
Enquanto os estilos antigos de teorias comportamentais estão fora de moda
entre a maioria dos psicólogos acadêmicos nos dias de hoje, os anunciantes e pu-
blicitários ainda trabalham com a manipulação de estímulos para obter a resposta
desejada. Como engenheiros que ainda se baseiam no antigo paradigma newtoniano
para construir pontes e arranha-céus, os publicitários e os behavioristas parecem
achar que o paradigma mecanicista ultrapassado funciona muito bem quando se
trata de vender sabão e política.
Embora toda a propaganda seja, por definição, predatória, como sugerimos
anteriormente, vamos considerar, mais adiante, os usos recentes da propaganda,
que abrange uma gama mais ampla de práticas, algumas das quais são bastante
benignas. A publicidade, por exemplo, é usada para promover as contribuições tanto
de obras de caridade como as utilidades de uma marca de sabão. De fato, dentro
de cada categoria de práticas persuasivas, encontrar-se uma série de práticas, que,
em vários graus, são úteis, por um lado, ou “negativas”, por outro.
Alguns anúncios podem fazer pouco mais do que apresentar referências po-
sitivas sobre seu produto para pessoas desinteressadas. Às vezes, a propaganda
pode servir a um objetivo de política pública altruísta, e, em vez de contar “a Grande
Mentira”, como Goebbels (o Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista entre
1933 e 1945) recomenda, pode simplesmente reter informações que complicariam

51
A construção do argumento

seu argumento. No entanto, tomadas como um todo, essas práticas não promovem
a auto interferência de forma grave, apenas na medida em que alguém altera o seu
próprio roteiro em reconhecimento de que um roteiro diferente favorece mais a
aceitação do seu público e interfere nas próprias vontades. Mas isso é mais uma
questão de subordinar uma forma de satisfação à outra. No final, seu público é
sempre um meio para atingir seus fins.
À medida que se avança para o centro do continuum, as práticas jurídicas
persuasivas servem como modelo. Embora muitos colocariam a arte dos juristas
mais à esquerda em nosso continuum, o argumento legal é consideravelmente mais
limitado em sua capacidade de seduzir ou enganar seu público do que a propaganda
e o anúncio. Há, aliás, consideravelmente mais paridade entre argumento e público
na arena legal do que na arena da política e do consumo. A retenção de informações,
por exemplo, que pode ser bem vista como elemento de uma campanha virtuosa
para mudar o rumo das coisas no domínio da política e da publicidade, pode ser
uma infração punível no âmbito da lei. Devido ao caráter contraditório do sistema
jurídico, os lapsos de seus argumentos são vulneráveis à divulgação e à exploração
(nosso sistema político é nominalmente contraditório, mas há poucas regras para
controlar o discurso político, e a tolerância pública para o raciocínio falacioso e até
mesmo para a hipocrisia quase serve para encorajar a interferência entre políticos).
A lei oferece todo tipo de restrições formais para os advogados que manipulam
seu público. Os advogados mais atentos podem usar informações demográficas e
psicográficas para defender seu ponto de vista quando conhecem os critérios de
escolha dos jurados. Apesar de todas as suas falhas, o raciocínio jurídico impõe
várias formas de ingerência aos participantes ao logo de todo o sistema de julga-
mento, até o topo em que os juízes da Suprema Corte esperam escrever opiniões
para a posteridade.
Burke usa a curiosa metáfora da escrita de um livro para explicar a forma
“mais pura” de persuasão, o equivalente a um grande namoro. Aqui, o princípio
da auto-interferência não é imposto por preocupações com o público, nem por

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A construção do argumento

regras, convenções e receios de punição ou exposição. A restrição exigida da pura


persuasão é inteiramente auto imposta. A auto interferência de um autor responde
às exigências do livro que está criando, “[...] as exigências são condicionadas pelas
partes já escritas, de modo que o livro se torna, de certa forma, algo não previsto
pelo autor, e exige que ele interfira nas suas intenções originais” (BURKE, 1969, p.
269). Essa interferência não é mais estética do que ética, e a pureza da persuasão
pura é mais a pureza formal da “arte por causa da arte” do que a pureza moral da
santidade.
Dito isso, Burke (1969, p. 271) atribui à pura persuasão “um alto valor ético”
na medida em que impõe uma ordem diferente de obrigações àqueles que a ex-
perimentam, algo como “verdade pelo amor à verdade”. As formas mais puras de
argumentação são de natureza dialética, uma abordagem de ideias com um mo-
vimento e uma integridade próprios, que não leva em conta as necessidades e os
desejos de um público. Assim como a arte pela arte, que produz arte frequentemen-
te arte de forma a tocar o público sem criar expectativas de reação, o argumento
da extrema direita do continuum pode ter pouco sucesso escasso no mercado. No
entanto, como as melhores obras que surgem do movimento da arte pela arte, os
argumentos puramente persuasivos podem eventualmente ter uma aceitação tar-
dia pelo público, em parte porque eles mudam a forma como as pessoas pensam
sobre um dado assunto.
No fim, claro, a persuasão pura desse tipo não é uma meta para os estudantes
de, mas é uma tendência dentro do argumento, um contrapeso às tendências opos-
tas para um foco exclusivo – e muitas vezes predatório – no público. Ao apresentar
os alunos o conceito de persuasão pura, é bom lembrar um sentido alternativo
para o termo argumento – o “cerne” ou a “essência” de uma parte de um grande
discurso. Procurar o cerne, de qualquer que seja o discurso, é um hábito comum a
todos os leitores críticos. Quanto mais complexo é o discurso que estamos lendo,
mais provável será a identificação de argumentos opostos, menos encontraremos
uma tese inequívoca ou uma afirmação principal na última frase do primeiro pa-

53
A construção do argumento

rágrafo – onde muitos de nossos alunos foram ensinados a procurar – A essência é


uma síntese de ideias díspares e um produto comum aos poderes interpretativos
do leitor/ouvinte e às propriedades do discurso que é interpretado. Não é o que
resta quando uma ideia supera a outra, um troféu ou os louros para o vencedor, é
um ato criativo, uma versão retórica da essência no sentido ontológico. No final
das contas, ensinamos argumento para isto: para estimular o pensamento dos
nossos alunos sobre o mundo, para ajudá-los a aprender a compreender o julga-
mento (para cultivar a arte do debate) de suas próprias ideias, bem como das dos
outros, para testá-lo de forma suficiente no rebate de ideias opostas e respeitar o
resultado dessa combinação.

Por que os alunos precisam argumentar?

Até aqui, apresentamos uma definição de argumento congruente com nossos


propósitos disciplinares e crenças pessoais. Nesta próxima seção, mudamos nosso
foco para as habilidades que podem ser esperadas dos alunos que fazem um curso
baseado no argumento. Qual o papel do estudo do argumento no currículo e na vida
dos alunos? À medida que projetamos nossos cursos e nossos objetivos, precisamos
ter em mente esse papel e moldar nossa pedagogia em torno dele. A seguir, vamos
nos concentrar em três funções particularmente importantes do argumento: um
meio de ensinar mais facilmente o conjunto de competências que se pode aprender
em um curso de escrita; um meio de construção e defesa da identidade; e um meio
para o desenvolvimento do raciocínio ético.

54
A construção do argumento

Argumento e letramento crítico

Embora não haja um único nome para o grupo altamente heterogêneo de habi-
lidades que os alunos podem aprender em um curso de escrita focado no argumento,
vamos nos referir a esse conjunto aqui como “letramento crítico”: um conceito que
apresenta diferentes contornos, e, como veremos em breve, é um pouco contro-
verso. Tentaremos precisar uma definição próxima da forma como vamos usar e
que minimize alguns de seus aspectos mais controversos. Ao definir o letramento
crítico, convém dizer que sabemos mais sobre o que não é do que sobre o que é.
Certamente não é o que era feito com a escrita na escola tradicional: a ênfase em
formas pré-fabricadas e em leitores passivos. O currículo tradicional não só não
encorajava os alunos a pensar “fora da caixa”, como também os encorajava a pensar
em tudo como robôs, até mesmo no que diz respeito à escrita, que é um fenômeno
inerentemente complexo e singular. Seu objetivo aparente era o letramento no
sentido mais antigo de competência mínima, embora fosse sendo ampliada até a
faculdade. Não encorajava o engajamento ou a reflexão pessoal. Certamente, não
oferecia aos alunos muitas habilidades de compreensão que pudessem ser usa-
das fora da escola. Poucos cursos de Filosofia na universidade exigem a escrita
de narração, assim como cursos de Sociologia enfatizavam a função da descrição
(alguns outros cursos aboliram as aulas de escrita do primeiro ano, exatamente
porque acreditam que o modelo tradicional de escrita ou alguma variante dele é o
modelo usado na vida profissional. Se alguém acredita na existência desse modelo,
está certo).
Talvez a principal característica distinta do letramento crítico, tal como o
compreendemos e a que mais claramente o diferencia de sua versão mais antiga
e minimalista, é sua ênfase no conhecimento reflexivo, a capacidade que o poeta,
crítico e ensaísta inglês Samuel Taylor Coleridge chama de “conhecer seu conheci-
mento” em relação ao simplesmente possuir o conhecimento. Isso significa dizer
que em vez de focalizar as exigências para a escrita de um bom artigo, é preferível

55
A construção do argumento

considerar as dificuldades enfrentados pelos alunos para construir um bom ar-


gumento. Eles devem ser capazes de imaginar os contra-argumentos, antecipar a
resposta do público, em particular o ceticismo e o desconhecimento, e mover-se
habilmente entre as pretensões de verdade, as razões que justificam as alegações
e as evidências que apoiam as razões.
Os alunos devem avaliar a adequação da defesa à sua reivindicação e analisar
seu grau de conformidade. Eles devem aprender a avaliar os elementos das provas,
resumir e questionar a autoridade a partir de pontos de vista diferentes. Talvez o
mais importante é preparar os alunos para arriscar suas crenças e suposições sobre
o mundo. Não é possível, na arena do argumento, simplesmente “conectar [em uma
fórmula] e arriscar [uma resposta]”. Os alunos precisam entender as questões no
contexto de uma conversa, aceitando, desde cedo, que, como Stanley Fish sugere,
nem todas as partes dessa conversa compartilharão as mesmas crenças e hipóteses.
No intuito de esclarecer ainda mais o conceito de letramento crítico, pode ser
útil compará-lo com outra abordagem de ensino de escrita que sucede ao modelo
tradicional. O movimento de reflexão crítica na escrita foi proposto por Hayes e
Flower (1980). Os autores mostram como os métodos de resolução de problemas
podem ser aplicados na sala de aula para o ensino de escrita. Eles estão entre os
primeiros, no campo dos estudos sobre a escrita, que tratam, de forma plenamen-
te desenvolvida, a escrita como um “modo de pensar”, e veem que a aquisição da
escrita implica um raciocínio de ordem superior. Porém, enquanto o movimento
de reflexão crítica foi útil para ajudar a disciplina a superar as abordagens tradi-
cionais, não possibilitou uma reflexão sobre a capacidade de compreensão como
o letramento crítico se propõe a fazer. Além disso, as habilidades de resolução de
problemas focalizadas eram ensinadas sem um juízo de valor, como um conjunto
de habilidades não muito diferentes das que são necessárias para resolver um
quebra-cabeça. Isso limitou sua aplicabilidade ao ensino do argumento, um gê-
nero que muitas vezes nos leva longe em problemas que são carregados de valor
e emoção.

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A construção do argumento

Uma das maneiras mais fáceis de distinguir a abordagem da reflexão crítica


de ensino de escrita da abordagem do letramento crítico é focar na noção de re-
solução de problemas. Dito de maneira simples, os proponentes da reflexão crítica
se concentram na maneira de resolver problemas, enquanto os proponentes do
letramento crítico se concentram na maneira de descobrir problemas. Uma das
figuras mais importantes ligadas ao letramento crítico, nos anos 80, o filósofo
brasileiro Paulo Freire, cunhou o termo “problematização” para descrever o que
ele pretendia fazer com seu programa educacional na América do Sul.
O trabalho de Freire com as populações do campo provou ser tão polêmico
que o governo resolveu interditá-lo. No processo de alfabetização básica, Freire
ensinava a política revolucionária, fazendo que o pensamento “mítico” da pré-
-alfabetização desse lugar ao letramento crítico. O poder de nomear situações,
que os camponeses de Freire cedo descobriram, contém as sementes para desafiar
e redefinir essas situações. Em um nível, as experiências pedagógicas de Freire
confirmaram uma das ideias mais importantes de Kenneth Burke: os provérbios,
que constituem uma espécie de enunciado com poucas palavras para nomear
situações recorrentes, constituem “estratégias para lidar com essas situações”
(BURKE, 1941, p. 296). Para Burke e Freire, as palavras nunca são neutras. Antes
de dizer qualquer coisa, devemos primeiro dimensioná-la, “discernir o geral que
está atrás do particular” (BURKE, 1941, p. 301), e a palavra que escolhermos, por
sua vez, implica uma atitude em relação a ela. Na medida em que uma atitude é um
ato incipiente, a linguagem e a política estão indissoluvelmente ligadas.
Os educadores têm relutado em abraçar a dimensão política do letramento
crítico por razões óbvias. Conforme testemunhou a antipatia de John Leo pelas
simpáticas políticas “terapêuticas”, “multiculturalistas” da faculdade, já existe um
grande receio sobre a possibilidade de as escolas serem doutrinadoras em vez de
educar os alunos. O fato de o letramento crítico pertencer a uma antiga tradição
de educação que defende que “a vida sem consciência não vale a pena ser vivida” e
que encoraja as virtudes não partidárias como autorreflexão e autoquestionamento

57
A construção do argumento

não desencorajou críticos conservadores de denunciá-la como uma ferramenta de


propaganda. Enquanto alguns dos mais fervorosos defensores do letramento crítico,
como os mais verdadeiros crentes de alguma causa, parecem às vezes acreditar que
a única verdadeira fé é a sua, e os não crentes estão em aliança com os “John Leo”
do mundo, muitos dos nossos mais reflexivos praticantes e professores inovadores
professam lealdade ao letramento crítico em bases essencialmente pedagógicas.
Além disso, aqueles que são tentados a acreditar que, ao ensinar os alunos a
desafiarem o status quo, ao questionar a tradição e a autoridade e ao refletir dia-
leticamente sobre o mundo, asseguram a formação de uma geração de estudantes
comprometida com políticas progressistas, se sentirão orgulhosos. O letramento
crítico é um instrumento muito complexo para servir simplesmente como uma
ferramenta eficiente de doutrinação. A ênfase na forma de pensar, nos processos
de primeiro plano e de compreensão tácita, combinada com sua atitude cética
em relação ao conteúdo e à sua abordagem, deixa inteiramente aberta a questão
sobre o que os estudantes podem fazer com sua formação. As muitas qualidades
desenvolvidas através do letramento crítico, que podem ser prontamente aplicadas
a outros cursos, e o torna bastante adaptável aos cursos de História, Economia
e Sociologia, são as mesmas que o tornam um mal instrumento de doutrinação.
Como lembra Michael Berude, citando o que ele chama de “reversibilidade”, não há
como garantir que a formação de estudantes em letramento avançado possa ser
“[...] um veículo unidirecional para a mudança política” (BERUDE, 1998, p. 145).
Nossos pensadores mais críticos podem se ser tanto grandes conhecedores de
Hedge Fund (Fundo de multimercado) como, certamente, revolucionários políticos.
Para além do medo de parecermos partidários em nossa abordagem de ensino
de escrita, há um estímulo mais profundo para o ensino reflexivo que não o super-
ficial papel político. O filósofo Hans Blumenberg, por exemplo, observa a crescente
pressão sobre os educadores para deixar de lado o objetivo de vida consciente e
“abandonar a ideia que é governada pela norma de que o homem deve saber o que
está fazendo” (BLUMENBERG, 1987, p. 446) em nome da busca de meios cada vez

58
A construção do argumento

mais parcimoniosos de resolver os problemas. Em resposta, Blumenberg (1987, p.


446) pede uma volta à Retórica, alegando que ela representa “[...] um modo de re-
alização consumada do atraso [do tempo]. A circunstancial idade, a inventividade
processual, a ritualização implicam uma dúvida na maneira de saber se o ponto
mais curto para ligar dois pontos é também o caminho humano de um para o outro”.
O motivo que explica a volta de Blumenberg para a retórica ressoa, aqui, um
tema abordado por Burke, que frequentemente expressa uma atitude céptica em
relação à Lei da Parcimônia e ao nonsense de Occam (por exemplo, o behaviorismo
e o monetarismo), que resulta na seguinte conclusão:

[...] se uma grande parte do serviço foi obtido seguindo a lei de Occam
segundo a qual “as entidades não deveriam ser multiplicadas para além
da necessidade”, uma falta de serviço surgiu na ignorância de uma lei,
que ser enunciada da seguinte maneira: as entidades não devem ser re-
duzidas para além da necessidade (BURKE, 1966, p. 324).

Para Burke (1966), a idade moderna é caracterizada muito mais por crimes
contra a segunda lei do que contra a primeira. Se o pensamento crítico implica
uma capacidade de resolver problemas de forma eficiente através da simplificação,
o letramento crítico implica uma capacidade de gerar complexidade através da
reflexão. Além disso, implica também a capacidade de não só escrever com clare-
za quando se pode, mas de maneira complexa quando é preciso, de se referir aos
limites de um público quando convém e desafiar e expandir esses limites quando
a deferência vence os objetivos. Embora os objetivos que buscamos no letramento
crítico sejam de fato altos, e, embora não tenhamos chegado a um consenso sobre
a melhor maneira de alcançá-los, é claro que ensinar os alunos a escrever argu-
mentos é uma dessas maneiras. Nesse processo, as lições que os alunos aprendem
em um curso sobre argumento, com base nos princípios do letramento crítico são
mais fáceis de serem levadas para outras áreas do currículo.

59
A construção do argumento

Essa última afirmação é corroborada pela experiência de muitos de nós que


trabalham na área da escrita através do currículo (WAC – writing across the curri-
culum – escrita através do currículo). O que muitos de nós descobrimos quando am-
pliamos nossa atuação para ajudar os professores de outras disciplinas a melhorar
a escrita de seus alunos foi o fato de que realmente estávamos ajudando seus alunos
a escrever melhores argumentos. Ou, para dizer, de forma mais precisa, estávamos
ajudando os professores de outras disciplinas a ensinar seus alunos tanto a argu-
mentar sobre um assunto de uma disciplina, como a escrever sobre esse assunto.
Ensinar os formatos de textos em Psicologia ou Física era relativamente simples.
Ao contrário, ao sensibilizar os alunos sobre os pressupostos desses formatos, as
hipóteses sobre o peso relativo da evidência relativa, os diferentes formatos em
concordância às fontes primárias e secundárias, aos dados experimentais, à teoria,
à anomalia etc., provaram ser uma tarefa consideravelmente mais desafiadora.
Nós, os agentes do movimento WAC, estávamos retomando o papel de nossos
ancestrais sofistas; nós éramos os metecos, os estrangeiros que passeiam por um
lugar, simultaneamente incapacitados e capacitados por nosso status de estrangeiro.
O que pareceu talvez para um membro de uma comunidade disciplinar como uma
demonstração de verdade, para muitos de nós, sob nosso olhar, foi uma artimanha
persuasiva. Como o Senhor Jourdain de Molière, que se surpreende ao saber que
falava sempre em forma de sermão, muitos de nossos colegas de outras disciplinas
ficaram surpresos ao saber que eles estavam usando e ensinando retórica o tempo
todo. Quando alcançaram essa consciência, muitos desses colegas se tornaram
grandes defensores do foco no argumento não apenas em seus próprios cursos,
mas também nos cursos de escrita nos quais preparamos os alunos para suas dis-
ciplinas. Como demonstraremos no capítulo dois, as abordagens usadas nos cursos
de argumento contemporâneos são perfeitamente adaptáveis a​​ outras disciplinas.

60
A construção do argumento

Argumento e identidade

Um dos aspectos mais controversos do letramento crítico diz respeito às


conexões que ele estabelece entre pensamento crítico e identidade. Ao incentivar
os alunos a se tornarem pensadores mais reflexivos, os defensores do letramento
crítico chamam a atenção para várias forças no mundo que minam o senso de ca-
pacidade de ação das pessoas e os incitam a querer atingir seus propósitos. Eles
chamam também a atenção para o fato de que as formas como tomamos decisões,
como consumidores, trabalhadores e cidadãos, decisões sobre o que comer, sobre
como progredir no trabalho, sobre em quem votar, revelam quem somos e refor-
çamos, para o bem ou para o mal, nossa autocompreensão. Vendedores de sabão,
gurus de gestão e consultores políticos têm um interesse não só de compreender
quem somos, mas em formar uma identidade compatíveis com seus interesses. Os
alunos precisam, portanto, ser reflexivos sobre essas escolhas, conscientes das
implicações de algumas de suas escolhas e alertas para as artimanhas persuasivas
comuns àqueles que os encorajam a assumir essas identidades.
Isso pode revelar-se uma tarefa desafiadora. Os alunos são, muitas vezes,
fortemente resistentes a estabelecer relação entre quem eles são e as escolhas
diárias que eles fazem. Eles não gostam da sugestão implícita de que eles podem
ser as vítimas de algum grupo sombrio de “perseguidores ocultos”, nem da ideia
de ter que prestar atenção tanto nas escolhas como nas decisões que até então
têm feito de forma simples. Não estamos fazendo uma montanha de um pequeno
morro, dizem eles, para que essa intensa atenção crítica para um simples anúncio
ou para escolher um livro de negócios pop?
Qualquer um que tenha ensinado em um curso de literatura reconhecerá a
resposta. Eles são céticos quanto ao fato de uma coisa tão simples superficialmen-
te poder ter toda essa profundidade de significado. As várias preocupações que
os alunos expressam sobre a aplicação das lições de letramento crítico para sua
vida cotidiana precisam ser levadas em conta. Por um lado, eles têm o direito de

61
A construção do argumento

insistir na sua própria maneira de resolver as coisas e na sua própria capacidade


de se distanciar das influências de grupos de interesses diferentes. Muitos deles
têm pensado criticamente sobre pelo menos algumas dessas escolhas e sempre
encontramos alguns, em cada classe, que estão de fato militantemente atentos
contra os ataques externos à sua identidade. Por outro lado, muitos subestimam a
hábil capacidade dos que criam identidades “prontas para o uso” de utilizar do hu-
mor, da ironia, da autodeclaração depreciação e autorrevelação, e de muitos outros
recursos para desarmá-los. Ao abordar a relação entre argumento e identidade,
portanto, é importante respeitar a posição e experiência dos alunos nessa área e
conduzi-los lentamente até o final. Nós gostamos de começar a discussão da iden-
tidade com um olhar sobre algumas das técnicas mais comuns usadas por aqueles
que vendem identidades “pronta para o uso”, às quais todos somos vulneráveis.
Consideremos, por exemplo, um dos recursos mais eficazes usados por
​​ publici-
tários, consultores políticos e gurus de gestão para desarmar o público americano:
o apelo ao individualismo poderoso. Seja como político que ignora as pesquisas e
segue seu instinto, como gestor que desdenha a sabedoria convencional e ousa ser
genial, ou como o modelo masculino em traje de vaqueiro que acende um cigarro
e ri da morte, os americanos têm sido muito suscetíveis aos encantos do indivíduo
poderoso em todos os seus muitos disfarces. Na verdade, a maneira mais fácil de
vender a um grande público americano comportamentos ou escolhas que têm
consequências duvidosas ​​é apresenta-los como uma expressão de individualis-
mo poderoso. Esse individualismo constitui o que Perelman e Olbrechts-Tyteca
(1969, p. 84) chamam de loci, “[...] premissas de natureza geral que podem servir
de base para valores e hierarquias”. A premissa representada por esse modelo de
indivíduo é talvez sintetizada pelo imperativo categórico do código do herói: “Um
homem tem que fazer o que um homem tem que fazer”. Ouve-se a masculinidade
interior para intuir o melhor plano de ação, e segue-se esse plano orientação face
à convenção, à popularidade, à legalidade e ao risco pessoal.

62
A construção do argumento

Como todos os loci, o modelo de indivíduo poderoso se desenha em muitos


caminhos, em particular, na história americana e na cultura popular americana.
Um país nascido da revolução e nutrido da “conquista” de uma fronteira recuada,
um país cujo sistema econômico é baseado no risco econômico e na competição,
um país cuja indústria de entretenimento forneceu um fluxo constante de cowboys,
bandidos misteriosos, ricos e influentes empresários, e gangsters em todos os meios,
é um país com o individualismo poderoso profundamente marcado no seu DNA. Por
isso o simples ato de associar uma marca, um produto, uma escolha, uma pessoa,
um candidato ou uma proposta a esse modelo de individualismo áspero tem sido
tão eficaz ao longo dos anos na transmissão dos interesses de seus patrocinadores.
Através do ato de escolher o que quer que seja que o patrocinador deseja que esco-
lhamos, reforçamos o imaginário nacional, asseguramos sua repetição contínua e
o status do indivíduo poderoso como um modelo de comportamento.
No entanto, é sabido que essa visão de indivíduo – a versão John Wayne – tem
um apelo limitado para os diferentes grupos de compradores da segmentação psi-
cográfica. Assim, elaboram-se variações no modelo central para atingir de forma
mais específica o grupo para o qual um produto é lançado. Para alguns, a versão
“macho” não cai muito bem, por isso exigem uma versão mais gentil, mais suave.
Consideremos, por exemplo, a campanha publicitária encantadora e divertida da
Apple Computing que exibe personificações das linhas de computador MAC e PC.
Enquanto o PC é apresentado com um homem gordo, vestido de terno escuro, com
uma visão estreita do seu trabalho, que reclama das muitas demandas dos seus
usuários, o MAC é personificado como um homem magro, jovem, vestido de forma
despojada, aberto a novas possibilidades, intrigado com as queixas de PC sobre
as demandas de seus usuários e perplexo com essa personalidade. Trata-se de um
conflito clássico, ainda que suavizado, entre o “homem de negócios” e o rebelde,
o burocrata e o inovador.

63
A construção do argumento

Esse anúncio é uma versão muito mais marcante do clássico anúncio da Apple
Super Bowl, de 1984, da linha Mac de computadores, em que uma mulher escapa
de uma guerra para quebrar uma enorme tela de televisão onde o Big Brother é
enaltecido diante de um auditório cheio de figuras curvadas (embora seja tentador
pensar que a escolha dos anunciantes por uma figura feminina para o papel de um
indivíduo forte como um sinal de avançada consciência social, é mais provável que
isso seja um reflexo da preocupação para atingir um determinado grupo de consu-
midor). A versão do anúncio com a oposição entre conservadores e rebeldes sugere
que está muito mais em jogo a escolha entre conformismo e individualidade, e, por
implicação, entre a escolha da Apple e qualquer outra marca de computadores. A
escolha do computador é uma escolha política, não somente prática ou de estilo
de vida. Como a marca Apple, em 1984, era pouco conhecida, quando a IBM domi-
nou o mercado, a diferença de tom é compreensível. As implicações ideológicas
do estereótipo do individual poderoso na publicidade tendem a ser cada vez mais
precisas, quanto mais inesperadas são as escolhas que os consumidores podem
fazer (vejamos o exemplo do Homem Marlboro).
Não há nada inerentemente ruim sobre a criatividade da Apple de mobilizar
os personagens do imaginário americano para vender seu produto. Como toda
simplificação mítica, ela exagera nas diferenças entre os dois produtos, para não
mencionar as diferenças entre as duas grandes empresas americanas, mas toda
propaganda é para ser entendida em um piscar de olhos, e o exagero não é um pe-
cado. O mal está em dar a uma premissa questionável o status de hipótese inques-
tionável, e a um papel que todos nós ocasionalmente podemos querer interpretar
o status de ideal essencialista a que todos deveriam aspirar. O mal também reside
no constante reforço dos valores individualistas sobre os coletivos. Se os valores
representados por MAC parecem irrelevantes no contexto do anúncio, podem não
parecer se ampliados para o domínio das virtudes das pessoas. Indivíduos pode-
rosos, no final das contas, não se relacionam bem com os outros. Seu questiona-

64
A construção do argumento

mento da autoridade raramente se estende ao questionamento da autoridade de


seus próprios sistemas de valores.
Qualquer quer seja a razão pela qual usem o adesivo “Questione a autoridade
(Question authority)”, eles, na verdade, acreditam na sua própria autoridade e não
estão preparados para questionar a sua finalidade de promover uma ação coletiva
que assegura um bem comum. De toda maneira, a capacidade ou incapacidade dos
políticos de se venderem de maneira plausível como indivíduos poderosos tem sido
decisiva no seu sucesso, no país, durante grande parte das últimas três décadas.
Na análise do anúncio, nós mesmos estamos levantando uma hipótese sobre
a identidade, com a qual nem todos, certamente nem todos os nossos alunos, po-
dem estar satisfeitos. Assumimos o sentido de identidade conforme Burke (1989)
chama de “parlamentar”, uma identidade variável, não unitária, não essencial e
reparável. Conforme essa visão de identidade, desempenhamos muitos papéis e
a autenticidade não é tanto uma questão de permanecer fiel a um eu central, mas
uma questão de selecionar conscientemente os papéis que desempenhamos e se
envolver totalmente nesses papéis. As hipóteses dos retóricos sobre a identidade
humana são tão fundamentais para a prática de sua arte quanto as dos economistas
neoclássicos – personificadas no modelo de identidade seletiva dos economistas
neoclássicos, o do homo economicus – para a fundamentação da sua própria prá-
tica. A verdade literal da hipótese de uma ou outra disciplina é sempre aberta à
conjectura, ainda que as hipóteses da retórica contemporânea sobre a identidade
pareçam se ajustar melhor as atualmente dominantes nos campos da Psicologia e
da Filosofia. A hipótese dos economistas de que os agentes humanos tomam deci-
sões apenas com base no interesse pessoal racional combina bem com as hipóteses
utilitárias do século XIX sobre a natureza humana, mas parece muitas vezes estar
em desacordo com o comportamento humano real. Ainda assim, apesar de todas as
suas falhas, o modelo continua a funcionar bem o suficiente para servir de ponto
de partida para a análise microeconômica e continua a ser usado até pelos mais
céticos, mesmo com alterações e modificações crescentes.

65
A construção do argumento

Embora estejamos preparados para defender a validade do modelo remanes-


cente da retórica de identidade humana, não devemos pensar que temos de provar
aos nossos alunos ou colegas de outras disciplinas que é inquestionável. Como o
modelo muito mais simplificado dos economistas, ele serve para explicar uma
série de comportamentos observados na análise retórica e fornecer um quadro
claro para a teoria retórica.
Então, quais são algumas das implicações do modelo “parlamentar”, não es-
sencialista de identidade? Primeiro, e acima de tudo, o modelo implica um forte
senso de agente por parte de cada ator retórico.
O modelo supõe que as pessoas têm a liberdade de fazer escolhas, não apenas
escolhas de comportamento, mas de identidade, e a retórica é uma forma principal
pela qual essas escolhas podem ser sistematicamente examinadas, realizadas e
defendidas. A liberdade assumida pela retórica pode ser vista de um ponto de vista
essencialista como uma maldição, na medida em que nunca é “acabada” e segura.
Como o herói existencialista de Sartre, o homo rhetoricusé “condenado à liberdade”.
Nesse sentido, Blumenberg (1987) compara os seres humanos a outros animais e
observa que, ao contrário de outros membros do reino animal, estamos privados
de instintos que nos permitem saber ou ser qualquer coisa im-mediately. Até mesmo
o autoconhecimento ou autocompreensão tem a estrutura da “autoexternalidade”.
Um “desvio” é necessário para adquirir esse conhecimento, um ato de mediação
para o outro – o phoros de uma analogia, o veículo de uma metáfora, o segundo
termo de uma relação, as relações que mantemos com outros seres humanos. Em
alguns casos, iniciamos esse processo de construção da identidade. Em outros, nos
encontramos selecionando ou resistindo opções que nos são oferecidas ou impostas.
Nesse último caso, a retórica desempenha um papel particularmente crucial
na medida em que “[...] não é apenas a técnica de produção... um efeito, é sempre
também um meio de manter o efeito transparente” (BLUMENBERG, 1987, p. 435-
36). Essa segunda capacidade, a capacidade de interpretar os efeitos sobre nós
mesmos, bem como de produzir efeitos sobre os outros, faz que o domínio da retó-

66
A construção do argumento

rica seja particularmente crucial para nossos alunos, neste momento da história,
quando tantas forças atuam, fazem circular identidades disfuncionais para eles e
negativizam processos perfeitamente funcionais.

Ética e argumento

O modelo de identidade que prevalece na retórica, na medida em que enfatiza


a ação e a escolha do ser humano, assegura a centralidade da ética na nossa tarefa.
Como o filósofo Charles Taylor (1989) observou, “[...] a individualidade e o bem, ou de
outro modo, a individualidade e a moralidade, se tornam temas inextricavelmente
interligados” (TAYLOR, 1989, p. 3). Ainda segundo Taylor (1989), falhamos ao levar
formalmente em conta essa conexão, principalmente por causa do fascínio da filoso-
fia moral em “[...] definir o conteúdo da obrigação em vez da natureza da boa vida”
(TAYLOR, 1989, p. 3). A vida boa, conforme entende o autor, é fundamentalmente
social na medida em que o eu é fundamentalmente uma construção social. Eu sou
quem eu sou em virtude de meus relacionamentos com outros seres humanos e a
felicidade não pode ser entendida para além desses relacionamentos. Trata-se de
uma visão que contrasta com aquelas visões que equiparam a felicidade ao prazer
ou maximização da utilidade, ou, no caso do individualista poderoso, à completa
autossuficiência. Ao contrário do modelo dos economistas neoclássicos de vida
boa, modelo que domina o imaginário popular americano, o benefício social não
é um subproduto acidental da ganância individual. Para que um benefício social
tenha um significado ético ou retórico, deve ser um produto da intenção. A vida
boa é, na simpática caseira de Kenneth Burke, “[...] um projeto para se dar bem
com as pessoas” (BURKE, 1984, p. 256). Entender-se uns com os outros implica
a identificação coletiva desses “valores particulares vividos que nos unem e são
assumidos pelas instituições que valorizamos e desejamos defender”, como disse
Stanley Fish. Não existe um padrão universal que dita esses valores e funda essas
instituições – ou, mais precisamente, nenhuma das várias normas defendidas por

67
A construção do argumento

seus adeptos como universais são universalmente subscritas – daí a necessidade


de articulá-las e estabelecer as diferenças entre elas através do único meio mais
fácil, ou como alguns filósofos preferem, o “diálogo”.
Quanto mais se considera a ética não apenas em termos das escolhas corretas
dos indivíduos, mas em termos de uma determinação coletiva sobre essas esco-
lhas individuais, mais o estudo da retórica equivale ao estudo da ética. Dito isso,
qualquer um que ensinou argumento reconhecerá a ligação fundamental entre
retórica e ética. As questões éticas surgem de todo tipos de argumento, até mesmo
de alguns que parecem à primeira vista muito distantes da esfera do pensamento
ético. A questão não é se devemos abordar a dimensão ética do argumento, mas
saber a melhor maneira de estudar a ética em classe de argumentos. Falaremos,
mais tarde, de argumentos éticos em si, quando discutiremos uma teoria dos tipos
de argumento conhecida como Stasis Theory. Trataremos agora dos argumentos
éticos, ou seja, daqueles cujos princípios gerais constituem um julgamento ético,
um argumento especial de avaliação que utiliza uma parte da linguagem tradicio-
nalmente usada pelos filósofos quando determinam o “conteúdo da obrigação” em
uma dada circunstância e sistematizam os meios para se chegar a decisões éticas.
Agora, interessa-nos mais amplamente a relação entre ética e retórica. A seguir,
nos deteremos nas características comuns do raciocínio ético e retórico e da ética
do debate.
Uma maneira de ressaltar o quanto têm em comum a retórica e a ética é
considerar a questão da melhor forma de se inserir a ética em um currículo. O
processo que consiste em provar a ética da ética em um curso de escrita focado
no argumento mostra o quanto as duas atividades estão intimamente relaciona-
das. Tradicionalmente, a ética tem sido ensinada na faculdade, seja nos cursos
de Filosofia dedicados à consideração das teorias éticas, sua história e aplicação,
seja nos seminários de teologia nas aulas de religião focadas na aplicação dos
princípios e crenças das religiões. Taylor (1989) apontou algumas das limitações
da ética ensinada nos cursos de Filosofia, porque ela se concentra no “conteúdo

68
A construção do argumento

da obrigação”, em vez de determinar em que consiste uma boa vida. Ao analisar


várias “experiências de pensamento” construídas em torno de problemas morais,
os filósofos tendem a ajudar os alunos a compreender mais as limitações de teorias
morais existentes do que ajudá-los a definir para si uma vida digna de ser vivida.
Como os cursos de argumento não têm a obrigação de “cobrir” nenhum conjunto
particular de teorias morais, estamos livres para oferecer aos alunos a oportuni-
dade de buscar suas próprias definições.
Uma das maneiras mais eficazes de iniciar uma conversa entre os alunos sobre
sua própria concepção de vida boa – ao contrário da maneira como vários filóso-
fos definiram essa concepção – é fazê-los discutir o belo conto de Ursula LeGuin
(Aqueles que caminham longe de Omelas). Omelas é um reino utópico imaginário
onde pareceria que a vida boa, conforme todas as medidas tradicionais, foi atingi-
da. O único problema é o fato de que a felicidade constante de toda a comunidade
depende do sofrimento constante de uma criança que vive em um porão e nunca
deve ver nenhum gesto de bondade. Toda criança, em Omelas, entre oito e doze
anos, tomam conhecimento da existência da criança que sofre. Aqueles que, poste-
riormente, vão embora, muitas vezes perplexos pela história, para a perplexidade
do narrador – aparentemente decidiram que a grande felicidade da comunidade
não justifica o sofrimento de uma criança. Sua escolha, por sua vez, reflete a cren-
ça na natureza parlamentar da identidade, ou seja, a identidade é relacional e não
essencial. Portanto, todos os que vivem, em Omelas, e conhecem o sofrimento da
criança estão implicados nesse sofrimento e sua vida boa aparente é tão imperfeita
como sua individualidade.
Nesses dias, é claro, os cursos de Filosofia estão longe de ser o único lugar onde
a crescente demanda em matéria de ética está sendo respeitada. Como alternati-
va aos cursos de Filosofia, muitos cursos hoje oferecem suas próprias disciplinas
de ética, que enfatizam as questões éticas recorrentes na área e os cânones de
comportamento derivados das normas da profissão. Por mais bem intencionados
que sejam esses cursos, e, embora, claramente, constituam um reconhecimento

69
A construção do argumento

da necessidade de instrução ética dentro da academia, eles são, diríamos, espaços


problemáticos de instrução ética, precisamente, porque não há conexão funda-
mental entre os objetivos da disciplina e objetivos éticos. Por outro lado, tudo o
que pudesse haver nos cursos de ética para o equilíbrio dos estudantes em relação
às formas tácitas de ética, pode ser ofertado em outros cursos. Como os alunos de
muitas faculdades de artes liberais filiadas à igreja resistiram, ao longo do último
século, à frequência obrigatória à “capela”, esses cursos apresentam uma infeliz
tendência para tocar esses alunos, da melhor maneira, como um conselho paternal,
para uma correção moral, ou da pior maneira, para se distraírem do seu verdadeiro
caminho acadêmico.
O campo dos negócios, por exemplo, é o mais publicamente lembrado quando
se fala de ética, nos últimos anos, graças a uma série de escândalos empresariais
altamente divulgados na mídia. Considerando as teorias econômicas de maior
influência na América, hoje, é provável que os estudantes sejam ensinados, direta
e indiretamente, em muitos cursos diferentes, supervisionados por pessoas dife-
rentes, que os mercados são mais sábios do que os agentes humanos. Se alguém
pretende tomar uma decisão prudente sobre as possíveis consequências de uma
política, é aconselhável estudar o desempenho do mercado em situações seme-
lhantes no passado. Se alguém quer saber o que funcionou e está funcionando, a
única opinião que realmente conta é a do mercado. Um preço “justo”, portanto, é
o que o mercado suportará, enquanto um salário “justo” é o mínimo que o mer-
cado permite pagar. No contexto desse respeito quase onisciente pelo mercado,
qualquer curso de ética que introduza critérios estranhos à dinâmica do mercado
dinâmico no processo de tomada de decisão, provavelmente terá pouco efeito sobre
as prioridades ou os comportamentos dos alunos.
O que falta em um curso de ética empresarial é a ligação clara entre “indi-
vidualidade e moralidade”. Qualquer curso que comece com um sentimento de
individualidade, um tipo de “auto personal business”, inevitavelmente deixará uma

70
A construção do argumento

visão enviesada de obrigação ética. Burke (1968) aborda a natureza da relação


entre identidade e obrigação ética no processo de definição de sua noção central
de “identificação”.

O ser humano, como agente que é, não é motivado unicamente pelos


princípios de uma atividade especializada, mas esse poder especiali-
zado, em seu papel de sugerir imagem, é capaz de afetar seu caráter.
Qualquer atividade especializada participa de uma unidade de ação
maior. “Identificação” é uma palavra usada no lugar de atividade au-
tônoma nesse contexto mais amplo, um lugar em que o agente pode
ser indiferente. O pastor, enquanto pastor, age para o bem das ovelhas,
para protegê-las do perigo e do mal. Mas ele pode ser “identificado”
com um projeto que está criando as ovelhas para o mercado. (BURKE,
1968, p. 27)

Da mesma maneira, a administração corporativa pode agir de forma conscien-


te no interesse de seus acionistas para aumentar o retorno de seu investimento,
realizando ações que, simultaneamente, “os identificam” tanto com a degradação
quanto com a necessidade de preservar o meio ambiente.
Mesmo uma consideração breve das conexões entre os modos de pensar
promovidos ao mesmo tempo tanto pela ética como pela retórica ressalta as
vantagens de integrar o ensino da ética em uma aula de argumentos. Uma das
características mais importantes compartilhadas pela ética e pela retórica é o foco
no processo e na compreensão do processo – “como fazer” – mais que o conhe-
cimento declarativo – “o que é”. É essa preocupação com o processo que permite
que, tanto ética como retórica, envolvam “atividades especializadas” de qualquer
espécie e se movam facilmente entre os campos pessoal e profissional. Em ambos
os casos, os processos que envolvem a ética e a retórica envolvem duas etapas:
um processo de seleção – que identifica o melhor argumento/a escolha mais de-
fensível, e um processo de comunicação – a formulação de uma justificativa para

71
A construção do argumento

o argumento ou escolha e/ou a promoção de uma forma mais ampla de adotar.


De acordo os pontos de vista mais comuns da retórica, o primeiro processo que
termina na escolha é o único necessário. Não há obrigação de explicar as razões
para se fazer a escolha ou de compartilhar o processo pelo qual se chegou a ela.
No entanto, como há argumentos para determinadas escolhas éticas, há uma ética
do argumento que exige que se crie uma situação para as escolhas. A diferença,
aqui, entre argumentos éticos e outros tipos de argumentos é o grau, não o tipo.
Embora seja sempre útil explicar as razões de se fazer escolhas, e, embora seja
prudente fazer, sempre que alguém quer contar com o apoio de outrem, é neces-
sário optar pela escolha é ética.
A fonte dessa restrição é a natureza das escolhas éticas. Ao opinarmos, por
exemplo, sobre uma faculdade para as pessoas que precisam escolher uma, expli-
camos nossos critérios para ajudá-las a se decidirem sobre a escolha da faculdade.
No entanto, se estamos fazendo uma escolha ética, sobre, digamos, justificativas
para a tortura, estamos falando sobre alguma coisa muito mais forte. Ao reali-
zarmos escolhas éticas, a escolha não é apenas para nós mesmos, no aqui e agora,
mas para os outros e para nós mesmos em situações futuras semelhantes. Quando
qualificamos um ato como ético, não estamos simplesmente dizendo Eu fiz isso,
mas também Isso deve ser feito.
Se alguém é, de início, obrigado, sob a ética do argumento, a explicar um
raciocínio sobre suas escolhas éticas, também é obrigado a assegurar que seus
motivos são verdadeiros. Isso significa dizer que a justificativa do raciocínio,
para que sirva de guia para outros atos éticos, não deve ser apenas verdadeira,
mas extensiva. É preciso estar preparado para reconhecer toda a gama de esco-
lhas – não necessariamente todas, mas todas que possam parecer plausíveis ou
prováveis para a quem interessa – possíveis antes de se fazer a seleção. As razões
para descartar ou hierarquizar alternativas prováveis ​​e selecionar a ação final
devem ser claramente indicadas.

72
A construção do argumento

Os princípios que orientaram a avaliação dessas escolhas e as evidências que


apoiam essa avaliação devem ser claramente explicados. O grau de certeza sobre a
melhor escolha de uma pessoa deve ser explicitamente registrado (essas condições,
assim como o termo “legitimidade”, que derivam do modelo de Stephen Toulmin,
serão discutidos mais detalhadamente no próximo capítulo). Embora não haja
um código formal de comportamento retórico que obriga alguém a oferecer uma
justificativa, simultaneamente honesta e legítima, para o argumento, presume-se
a obrigação de fazer caso seja solicitado. Além disso, a falha na condição de legiti-
midade de um argumento pode potencialmente torná-lo menos eficaz. Um argu-
mento que tende a revelar o que se deixou de dizer ou que chama a atenção para
as questões ignoradas pelo opositor pode enfraquecer a adesão do público a esse
argumento tão prontamente como se ele tivesse mostrado sua própria falsidade.
O processo de seleção em ética é homólogo ao que os retóricos chamam, às
vezes, de estágio de invenção. O processo de descoberta e avaliação das escolhas
compreende grande parte da técnica da retórica e da ética. Como vimos ante-
riormente, Blumenberg (1987) associou esse processo ao “atraso” do tempo, que
compreende a preocupação de explicar a “circunstancialidade”, as diferenças
particulares entre a situação dada e outras para as quais se procura orientação.
Enquanto enfatizamos anteriormente as recompensas cognitivas associadas a essa
rejeição de meios parcimoniosos de compreensão, destacamos aqui as restrições
éticas para tal movimento. Onde prevalece a automaticidade, não há lugar para a
ética ou para a retórica. Pode-se apenas fazer ou dizer “o que alguém precisa fazer
ou dizer”, sem hesitação. A ética e a retórica exigem escolha, e escolha implica deli-
beração. Ao chegar a essa conclusão, não rejeitamos a ideia de que o fim apropriado
da instrução ética é o de tornar a virtude um hábito. Os hábitos éticos da mente,
por oposição ao mero conhecimento da teoria ética e da história, são certamente
os limites apropriados da instrução ética. Isso não quer dizer, todavia, que esses
hábitos sejam melhor expostos pela forma como as pessoas fazem suas escolhas
éticas. Pode-se interpretar a noção de hábito de uma forma ampla, rejeitando um

73
A construção do argumento

acento behaviorista, como resposta imediata a um estímulo familiar. Pode-se in-


cluir nos hábitos éticos da mente a inclinação para buscar a dimensão ética das
escolhas, a consideração de tantas alternativas plausíveis quanto possíveis e a
avaliação cuidadosa dessas escolhas.
Combinando a instrução ética e a instrução retórica, com ênfase nessa última
na “inventividade processual” e no exame disciplinado das alternativas, podemos
esperar melhorar as escolhas éticas, tornando mais complexas e aumentando o
número de escolhas para os nossos alunos. Em vez de se concentrar na adequação
da escolha final, uma ética retoricamente influenciável enfatizaria as alternativas
inventadas ou descobertas no processo de seleção e nas respostas únicas da escolha
final às particularidades do seu dilema ético. É aí onde a natureza controversa da
retórica é mais evidente.
Para alguns, a medida da instrução ética é exatamente ajudar os alunos a che-
gar, da maneira mais parcimoniosa possível, à boa escolha que está posta à espera
deles. Qualquer coisa que possibilita uma pessoa reconhecer e fazer essa escolha
resulta de lacunas no seu caráter. Somente se se acredita que a melhor escolha
pode ser um produto das deliberações antes de algo que existia a priori dessas
deliberações pode ser um “atraso” do tempo, a recusa de reduzir “as entidades para
além da necessidade” é justificável. Nesse ponto, aqueles que equiparam a virtude
a uma injusta e rápida rejeição da tentação acusarão alguém de relativista. Para
os absolutistas morais – e, certamente, o absolutismo moral é uma posição ética
que um número significativo de pessoas adota, por mais diferentes que sejam os
absolutismos – as provas de Satanás devem ser respondidas com uma questão dis-
cursiva, com o verdadeiro ou o falso. Preparar-se para essa prova, familiarizando-se
com as respostas certas, repetindo-as, memorizando-as e depois recordando-as
instantaneamente quando os desafios se apresentam. Somente os inimigos devem
deliberar e só os infiéis imaginam que poderiam, por seu próprio poder da razão,
chegar a uma escolha melhor do que a prescrita pelos absolutos transmitidos pela
leitura literal de alguns sacerdotes da sagrada escritura.

74
A construção do argumento

O fracasso do absolutismo a partir da perspectiva da ética como retórica é


um fracasso da imaginação5. É a incapacidade de imaginar qualquer outra leitura
de escritos sagrados diferente da que é sugerida por quem está no púlpito. É a
incapacidade de imaginar uma maneira de identificação entre si e qualquer outra
forma de realismo. O fracasso do absolutismo também envolve o simples equívoco
em observar coisas: o equívoco de não observar que as respostas derivadas da es-
critura sagrada ao longo dos séculos mudam de tempos em tempos e de lugar para
lugar, e o equívoco de não constatar que não há um tribunal com o poder de julgar
as diferenças entre os absolutismos nem de anular os recursos dos relativistas. O
problema principal que surge do fracasso dos absolutismos éticos é o fato de que,
em última instância, eles acabam por se fazer ouvir e nos fazem voltar ao lugar
onde a ética e a retórica surgem, o lugar onde o poder é certo. Acima de tudo, a ética
e a retórica compartilham a rejeição da força como meio de resolver a diferença.
A retórica começa, como Burke (1969) argumenta, como um namoro, na cria-
ção de um senso de identificação entre pessoas pertencentes a diferentes classes,
seja de gênero, grupo socioeconômico, posição política etc. As obrigações da ética
surgem do reconhecimento do eu nos outros, da capacidade de assumir a posição
do outro. O absolutismo cria um mundo binário (Nós/Eles, Bom/Mal, Correto/
Errado) – e não oferece meios civilizados para superar esses binarismos. De fato,
o absolutismo aconselha a não falar com o Outro, nem mesmo identificá-lo. Para
ser fiel à visão absolutista do mundo, é preciso permanecer sempre no interior
das suas fronteiras. Deixar o reino dos absolutos é ser desafiado a cada passo por
ideias e costumes diferentes e ter poucos recursos para negociar essas diferenças.
Nós aprendemos, todavia, desde muito tempo, com os ​​sofistas, a atravessar vários

5. Empregamos o termo Absolutismo para expressar uma mentalidade, não uma ideologia ou sistema de
crença. Dentro de qualquer religião, portanto, há absolutistas que praticamente atuam dessa forma. Há também
pessoas com mais imaginação que conseguem conciliar suas crenças religiosas com uma preocupação pelo
bem-estar dos que não compartilhar suas crenças.

75
A construção do argumento

reinados no processo de múltiplas realidades sempre amarrados à nossa sanidade


e segurança. Se esse antepassado mais benigno dos absolutistas, Platão, venceu os
sofistas em seus diálogos. Ele, de fato, sobreviveu para discutir novamente e nos
ensinar a fazer o mesmo. Em um mundo acometido por muita certeza sobre muitas
ideias irreconciliáveis ​​e pouca vontade de não usar força e tentar a conciliação,
nossos alunos se serviriam bem da instrução ética influenciada pelo espírito dos
sofistas.

76
Capítulo 1
A história da argumentação6

Nosso objetivo, neste capítulo, não é o de apresentar uma história exaustiva


da argumentação, mas o de construir essa história que possa ser bem usada por
professores na contemporaneidade. É certo que nosso esboço contempla algumas
boas histórias da Retórica e do ensino da escrita, e nossos leitores podem consultar
nossas referências caso desejem explorar essas histórias com maior profundidade.
Mas, no breve espaço disponível para essa discussão, preferimos a economia ao
detalhamento, e a utilidade à novidade. De modo a deixar o texto o mais utilizá-
vel possível, o dividimos em duas partes. Na primeira, apresentamos uma “fatia”
ou amostra representativa da Retórica pré-moderna sob a forma de dois temas
recorrentes – ou, mais precisamente, duas tensões recorrentes – que marcam a
evolução da teoria do argumento. Tais tensões sobrevivem até hoje e continuam a
promover controvérsias. A primeira tensão centra-se sobre o antigo antagonismo
entre a Retórica e a Filosofia, enquanto a segunda está focada na resistência da
Retórica ao engessamento, nem sempre bem-sucedido. Após revisar essas tensões,
destacando sua aplicabilidade às escolhas que os professores ainda enfrentam,
realizamos, na segunda parte, uma discussão mais aprofundada sobre as teorias
modernas da argumentação, responsáveis por alterar – ou que têm potencial para
alterar – a maneira como é ensinada.
Em função da pequena mudança, nos últimos 50 anos, de nossa compreensão
sobre o argumento, e nos últimos 25, das nossas abordagens para o ensino, dedi-
camos maior tempo à história mais recente da argumentação. Ao fazer isso, não
temos a intenção de deixar de lado as contribuições dos sofistas, de Aristóteles, de
Cícero, de Erasmo, de Santo Agostinho, de Campbell, entre outros. De fato, como

6. Tradução: Erik Fernando Martins

77
A construção do argumento

a maioria dos teóricos contemporâneos aqui citados admite, o conhecimento de


nossos antepassados ainda resplandece nos melhores trabalhos desenvolvidos
recentemente. Na medida em que nosso objetivo é criar um passado utilizável, ao
indicar as fontes de nossa abordagem para o argumento, o que segue compreende
o coração deste livro.

Filosofia versus Retórica

Em certo sentido, tudo que é discutido, neste capítulo, pode ser compreendido
através das lentes da oposição entre Filosofia e Retórica. É por meio dessa velha
briga que muitas de nossas batalhas, antigas e recentes, surgiram. Se antigamente
muitos filósofos definiam a si próprios através de suas diferenças em relação à
Retórica, atualmente muitos filósofos e críticos, como Hans Blumenberg, Hayden
White, Richard Rorty, Charles Taylor, Stanley Fish, Terry Eagleton, entre outros,
definem-se e distinguem-se de seus pares ao abraçar, em alguns casos, explicita-
mente a Retórica e, em outros, ao abraçar ideias consoantes à Retórica contempo-
rânea. Na segunda parte deste capítulo, na qual destacamos as contribuições dos
retóricos modernos, veremos que um número considerável delas possui raízes
na Filosofia. Abordaremos essas tentativas recentes de redefinir a Filosofia em
um momento posterior deste capítulo. No entanto, na presente discussão sobre a
divisão Filosofia/Retórica, vamos nos limitar aos temas principais que emergem
da antiga ruptura entre essas duas disciplinas.
A antiga batalha entre Filosofia e Retórica se reveste de muitas tensões, mas
nosso foco aqui é a tensão principal entre elas e a ousada reivindicação dos filóso-
fos de oferecer demonstrações irrefutáveis sobre a verdade para audiências ideais,
contra a mais modesta reivindicação dos retóricos para persuadir uma audiência
específica de que uma conclusão particular garante anuência. O fato de que, mesmo
hoje, dois mil e quinhentos anos depois do início desse debate, o prestígio recai
sobre aqueles que reivindicam demonstrar a verdade aos especialistas contra

78
A construção do argumento

aqueles que reivindicam persuadir audiências gerais enfatiza a difícil batalha que
a Retórica encontra em sua luta com a Filosofia, para garantir um nicho legítimo
dentro das ciências humanas. Parte do problema reside no fato de que a Filosofia
foi declarada vencedora da batalha há muito tempo e, consequentemente, de que
a história desse debate foi escrita desse ponto de vista. Como nos aponta Jarratt
(1991), uma teórica da Retórica, é difícil entender os primeiros retóricos, os Sofis-
tas, através das lentes dos filósofos antigos, em particular Platão e Aristóteles, com
quem a história alinhou-se por dois milênios (JARRATT, 1991). A história recente
tem sido mais gentil com a Retórica, em parte graças a intelectuais como Jarratt.
Assim, tornou-se possível entendê-la em outros termos que os impostos pela Fi-
losofia. Isso não significa dizer que as tensões desapareceram. Elas simplesmente
foram reconfiguradas dentro do campo da Retórica. Uma manifestação particular
dessa batalha, por exemplo, pode ser vislumbrada na tentativa de “profissionalizar”
a disciplina Retórica, de transformá-la em uma ciência social capaz de apresentar,
se não demonstrações irrefutáveis, conclusões confiáveis sobre o mundo baseadas
em dados, e de tornar-se mais “autônoma” ou menos parasitária de outras disci-
plinas. A resistência a essas tentativas envolve a já mencionada observação de
filósofos contemporâneos – em sua maioria rejeitam as tradições filosóficas que
demonizam a Retórica – que casam perspectivas pragmáticas e construtivistas
como uma atividade transdisciplinar e sem apologias.
A tensão entre Filosofia e Retórica, ou entre demonstração e persuasão, às
vezes, é caracterizada como uma tensão entre verdade e efeito. Em termos mais
simples, é o conflito entre aqueles que veem a verdade como independente da per-
cepção humana e aqueles que entendem a anuência da audiência como condição
necessária para tornar algo verdadeiro. Em nossa discussão sobre os artigos de
Fish e Leo, cujo meta-argumento é, com efeito, uma retomada contemporânea da
disputa aqui considerada, cunhamos a visão antiga como “absolutista”, no sentido
de que era não contingente e não relacional. O filósofo Hans Blumenberg (1987)
rejeita essa visão nos seguintes termos:

79
A construção do argumento

No relacionamento dos gregos com os gregos, diz Isócrates, o meio apro-


priado é a persuasão, enquanto no trato com os bárbaros é o uso da for-
ça. Essa diferença é compreendida como sendo entre linguagem e edu-
cação, porque a persuasão pressupõe a partilha de horizontes, alusões
a materiais prototípicos e uma orientação providenciada por metáforas
e símiles. A antítese entre verdade e efeito é superficial, porque o efeito
retórico não é uma alternativa a ser escolhida em oposição a um insight
que pode ser tido, mas uma alternativa à evidência definitiva que não
pode ser obtida, que ainda não pode ser obtida, ou que em nenhuma me-
dida pode ser obtida aqui e agora (BLUMENBERG, 1987, p. 435-6).

O que os filósofos sugeriram por séculos ser possível é justamente o que Blu-
menberg (1987) está aqui dizendo ser impossível – evidências definitivas para
a veracidade de asserções no aqui e agora. A recusa de Blumenberg (1987) em
separar verdade de efeito aponta para uma aceitação do fato de que, como coloca
Burke (1969), vivemos na “Babel depois a queda”, onde a única alternativa à força
é estabelecer uma identificação entre falantes, uma condição que é conquistada
através de considerável exercício e astúcia graças a todas as barreiras impostas
pela linguagem, pelo gênero, pelas classes etc., que sempre existiram.
Tanto para Blumenberg (1987) quanto para Burke (1969), apenas quando
falantes partilham um horizonte, a conversação, e ainda menos a persuasão e a
identificação se tornam possíveis. Em um mundo pós-lapsário (depois do lapso, da
entrada do pecado), a verdade é social. Alguém é certamente livre para afirmar que
as “evidências definitivas” para seu ponto de vista existem fora da consciência ou
do entendimento das almas perdidas com quem se conversa, mas essa afirmação
em si não carrega a força da disposição dos outros em concordar. Uma verdade
sem efeito no mundo não é bem uma verdade. Um número considerável de debates
contemporâneos confirma a inutilidade de se apelar para fontes não autorizadas
pelos objetivos do argumento de alguém. O debate entre criacionistas (ou os pro-
ponentes do intelligent design – projeto inteligente) e evolucionistas, por exemplo,

80
A construção do argumento

é um choque entre linguagens incomensuráveis e entre horizontes incongruen-


tes. Não apenas a resolução da questão é inimaginável, como uma conversação
significativa entre esses adversários é de difícil visualização. Se a minha verdade
baseada em uma teoria coerente apoiada durante um século por dados empíricos
ou por uma poesia do texto sagrado, ela não será vista como verdade se a audiên-
cia não partilhar desse mesmo horizonte. Até as provas geométricas podem ser
“demonstradas” apenas se os axiomas nas quais se apoiam estejam garantidos. A
natureza incomensurável das várias verdades e vocabulários tem dado origem,
recentemente, não apenas a debates públicos rancorosos e inúteis, mas a violentos
e sanguinários conflitos entre sistemas de crença incomensuráveis.
O primeiro grande nome da perspectiva à que Blumenberg e Burke se opõem
aqui foi Platão, que, obviamente, criticou a mais antiga escola retórica, a dos so-
fistas. Ironicamente, a postura de Platão em relação aos filósofos está articulada
a uma série de conjuntos de peças oratórias nas quais ele propaga uma gama de
práticas retóricas um pouco semelhantes às de seus adversários. Para piorar as
coisas, as práticas de Platão são menos respeitáveis do que as dos filósofos alvos
de sua crítica. Em particular, a retórica de Platão é marcadamente assimétrica,
para adotarmos um termo cunhado por Conley (1990), na medida em que o locutor,
Sócrates, é ativo, versado e possui uma agenda, enquanto o interlocutor, especial-
mente os poetas ou os sofistas, são tipicamente passivos, ingênuos e prenhes de
conhecimento falso. De maneira claramente ostensiva, o Sócrates de Platão possui
no coração os interesses mais nobres de seus interlocutores e o objetivo de suas
perguntas é educá-los, salvá-los dos erros de percurso, tal como uma parteira que
arranca a verdade de suas consciências agastadas. Em teoria, Platão não possui
um modelo de sua audiência e é o mais puro dos persuasores. Mesmo assim, ele
não consegue persuadir sua audiência a reconhecer as verdades que vão além de
seus horizontes. A conversa não pode transportar sua audiência para as verdades
inquestionáveis que ele deseja compartilhar. Ele precisa recorrer ao mesmo tipo de
práticas manipuladoras que ele atribui a seus adversários. A genialidade de Platão

81
A construção do argumento

não está na habilidade em compor argumentos logicamente herméticos, mas em


sua inigualável habilidade de disfarçar sua retórica assimétrica como diálogo.
Em oposição à dependência de Platão a retórica assimétrica, atribui-se a
Protágoras o desenvolvimento de uma forma de “antilógica” que torna o diálogo
aberto, o que permite que as crenças (doxa) de cada locutor exerça um papel na
resolução de um problema.

A visão de Protágoras parece ser bilateral, no sentido de que os dois la-


dos de uma questão devem exercer pressão umas sobre as outras para
que se atinja uma resolução à questão em voga. Como nenhum lado é
privilegiado a priori, e ambos estão fundamentados na doxa dos ou-
vintes, podemos caracterizar a relação entre orador e audiência como
“simétrica” (CONLEY, 1990, p. 6-7).

A manipulação de Platão dessa forma de diálogo deixa clara a dificuldade


de conciliar uma fé absolutista em uma crença e um diálogo genuíno. Caso sejam
privilegiadas a priori algumas crenças em detrimento de outras antes do início de
um diálogo, é impossível garantir que essas crenças transcendentais possam ser
alteradas no curso desse diálogo. A única maneira pela qual um diálogo pode subs-
tituir crenças privilegiadas a priori por outras é criar um tipo de barreira. Todas
essas questões nos levam de volta ao debate entre Fish e Leo do capítulo anterior.
Apenas os “relativistas” e os inclinados perigosamente aos “multiculturalistas”
podem acreditar na possibilidade de que um diálogo genuíno entre adversários
possa ser um evento positivo ou na de alguém poderia mudar de opinião nesse tipo
de discussão. O fato de que o “absolutismo” na versão moderna do debate entre
platônicos e sofistas não defende universais absolutos e específicos é sintomático
da diferença entre o mundo de nossos antepassados e o nosso.
Os absolutismos de hoje, como nota, de maneira irônica, o crítico americano
M. H. Abrams, carecem de absolutos. Como Leo, a maioria dos platônicos recentes
tende a apoiar-se em lamentações como principal veículo de persuasão. Ao focar o

82
A construção do argumento

ataque – e a atenção da audiência – em tudo que deu errado desde 1968, quando os
relativistas tomaram conta do asilo, Leo e sua personagem podem evitar referên-
cias a outros absolutos além dos que desapareceram. O tratamento desses valores
universais é muito mais um exercício nostálgico do que uma análise.
Implícitas à oposição entre os antigos filósofos e retóricos, e suas versões
atuais, estão diferentes assunções sobre as finalidades da razão. A rejeição pelos
antigos filósofos do efeito como um aspecto da verdade é parte da mais significativa
diferença entre as duas abordagens. O fim da razão para a filosofia é algum tipo
de descoberta – da verdade, da realidade, ou do bem – que será então conhecida
e partilhável. Por outro lado, para a retórica, o fim da razão é uma escolha, é ter a
certeza de que a escolha pode nos aproximar da verdade, da realidade ou do bem
(e se alguns dos três é privilegiado pela retórica seria o bem, como indicamos), mas
é o ato em si, executado em um lugar e hora específica e com um resultado par-
ticular, e não o conhecimento em si, que motiva o processo. De fato, como propõe
Blumenberg (1987, p. 441), a situação retórica é como “[...] uma (falta) de provas
e (é) compelido à ação”, ao contrário de Platão, que “institucionalizou” a noção de
que o “conhecimento é a virtude”, desse modo tornando “[...] o que é evidente em
norma de comportamento” (BLUMENBERG, 1987, p. 431). À luz de Platão, quando
alguém detém o conhecimento correto é compelido a ações virtuosas, enquanto os
retóricos entendem que a virtude deve ser compelida outra vez em cada situação
nova, usando informações incompletas e meios específicos para essa situação.
Uma das principais vantagens dos filósofos ao promover o conhecimento em
detrimento da ação, já que o fim da razão, em muitos casos, reduz as escolhas a
duas, é o fato de que a escolha recomendável se aplica a todas as situações. Como
aponta Crosswhite (1996, p. 36), esse processo pode gerar uma ideia redutora
dos produtos da retórica: “A necessidade da ação, de onde vem a necessidade de
uma escolha, às vezes, força a uma bivalência – isto é, demanda um sim ou não às
reivindicações colocadas nos argumentos – mas isso não deve ser confundido com
as demandas da razão”. O que a razão demanda e o que a retórica é destinada a

83
A construção do argumento

produzir é um campo amplo de escolhas selecionáveis, e um senso de critério claro


e transparente para realizar a escolha. Isso ocorre, porque os filósofos não pre-
cisam necessariamente agir sobre o conhecimento descoberto; porque o máximo
que eles se aproximam do par escolha-ação é a tradução ocasional de princípios
em regras (caso da ética aplicada), eles estão a salvo do considerável luto que vem
após as escolhas errôneas. Enquanto isso, a História apresenta diversos casos de
argumentos retoricamente brilhantes e vencedores que levaram a consequências
malsucedidas, não intencionais ou até mesmo desastrosas.
Da perspectiva dos retóricos, filósofos como Platão rotineiramente despreza
a injunção proverbial que não permite o perfeito ser inimigo do bem. Enquanto
os filósofos tradicionais conjuraram respostas perfeitas às perguntas mais pro-
fundas da vida, eles precisaram colocar o pé fora da história para consegui-lo, e
suas respostas raramente são retomadas de maneira intacta. Os retóricos, por
outro lado, sempre se restringiram a respostas imperfeitas, porém viáveis para
o aqui e agora. Ao recusar o passo em direção a um passado dourado, um futuro
transcendente ou a algum paradigma novo e inimaginável, os retóricos tornam a
si próprios úteis à esfera pública.
De fato, muitos retóricos antigos eram figuras públicas dignas de nota que
arguiram em casos legais, ajudaram a passar leis e a definir os valores da própria
sociedade. O sólido sistema dos filósofos antigos ofereceu frameworks compreensi-
vos e capazes de explicar inteiramente os sentidos do mundo e antecipou todas as
perguntas importantes sobre a vida, apesar de raramente apresentarem impacto
significativo (com exceção, porém, dos filósofos morais) das atividades cotidianas
do mundo em que viviam. Hoje em dia, poucos filósofos arriscam-se a oferecer
teorias unificadas das coisas. Mas isso não significa que seu papel tradicional no
debate entre filosofia e retórica desapareceu. Hoje em dia esse papel é preenchido
por uma classe de pensadores, um subconjunto de absolutistas, às vezes referidos
como ideólogos.

84
A construção do argumento

Enquanto “ideólogo” é um termo muitas vezes usado para designar uma pessoa
radical, tendenciosa em oposição a uma pessoa racional, desprovida de caracte-
rísticas subjetivistas, empregamos esse termo de maneira mais restrita. Nós não
equacionamos racionalidade com objetividade e admitimos que todos possuem
preconceitos, pontos de vista e crenças que constroem e suas percepções. “Uma
maneira de ver”, como nos lembra Burke (1984, p. 49), “[...] é também uma maneira
de não ver”. Também admitimos que nossas crenças e assunções são corrigíveis,
que elas podem e irão mudar, e que, às vezes, uma mudança na crença é um epi-
fenômeno que segue uma mudança na experiência, outras vezes é um resultado
previsível de uma busca disciplinada e intencional de novas perspectivas ou de
evidências de provas, e de intercâmbio com os outros.
Assumimos que a última possibilidade representa uma condição necessária
à retórica. Também nos juntamos a Aristóteles ao admitirmos que é mais fácil
mudar as mentes aos poucos, e que a maneira mais prática de mover as pessoas
em direção a crenças não familiares é através de crenças familiares.
Isto posto, também admitimos a existência daqueles que detém firmemente
suas próprias crenças e são tão resistentes à mudança que merecem uma de-
signação especial. Em casos extremos, podem ser conhecidos como fanáticos.
No entanto, dentro do esquema ordinário das coisas, o termo ideólogo parece
bastante aplicável. Os ideólogos detêm, com notável tenacidade, um bocado de
ideias, suficientes para explicar, exaustivamente, algum aspecto do mundo, ou
uma semente de uma explicação universal. Eles são raramente afetados por ar-
gumentos a que se opõem ou por evidências que invalidam suas crenças. Face a
fatos pouco cooperativos ou a contra-argumentos fatais, eles podem optar por
descaracterizar ou ignorar a oposição. Enquanto aceitam a remota possibilidade
de que suas crenças possam ser, em um momento posterior, estremecidas, o ônus
da prova imposto aos críticos é quase inalcançável. A crença em Deus (o deles,
não o seu), no Livre Mercado, no Indecidível, ou no Novo Paradigma é completa e
quaisquer consequências maléficas que possam resultar do agir em nome de sua

85
A construção do argumento

força-motriz são postas de lados ou racionalizadas. Eles enxergam quem prati-


ca a “antilógica” e promovem a retórica simétrica como fracos e perigosamente
vulneráveis a ideias que ameaçam o nosso – vale dizer, o deles – estilo de vida.
É por isso que ensaiar alguns dos principais argumentos de Platão contra a
retórica prova ser uma importante preparação para o debate com os ideólogos
de hoje e para antecipar argumentos que nossos estudantes incorporaram das
inúmeras e bem divulgadas ideologias disponíveis hoje em dia no mercado de
ideias. Enquanto alguns dos ideólogos mais poderosos da atualidade defendem
suas convicções com a mesma sinceridade que Platão usava ao defender as suas,
outros criaram nichos lucrativos em mercados midiáticos ao se tornarem o que
designamos “ideo-treinadores” (ideo-trainers), oradores profissionais que fazem
declarações rigorosas, geralmente extravagantes, mais úteis para a venda de li-
vros e para ganhar tempo de exposição na mídia do que para expor uma posição
legítima ou até mesmo coerente. Nos anos recentes, com o crescimento de canais
pagos de notícias e blogs de Internet, a linha que separa entretenimento e notícia
quase desapareceu, transformando em estrelas pessoas que atendem aos anseios
de determinados grupos. O tipo de ideólogos artificiais que emergem nesse mer-
cado e os diferentes crentes verdadeiros que operam principalmente no mercado
impresso oferecem um modelo de argumento profundamente assimétrico para
nossos estudantes. Por isso, dedicar-se à antiga habilidade da “antilógica”, ou dia-
lética, pode ser uma habilidade crucial de sobrevivência.
Uma figura da retórica antiga a quem vale a pena dedicar um pouco mais
de espaço, na nossa história, é Aristóteles. Pode-se alegar que tudo o que é ne-
cessário à compreensão do argumento está em Aristóteles. O resto é nota de
rodapé. Embora nossa admiração por esse pensador seja enorme, reconhecemos
a necessidade de “dar um desconto” ao tratamento aristotélico do argumento
para os estudantes de hoje em dia. Além disso, achamos que um bom número de
intelectuais recentes citados neste capítulo fez exatamente isto: expandiram a
compreensão aristotélica sobre o argumento, deixando de lado alguns de seus

86
A construção do argumento

julgamentos pontuais sobre a audiência, e revendo suas ideias afim de dar conta
de perspectivas sobre o efeito da mídia na comunicação e sobre o papel ativo que
a linguagem desempenha na compreensão.
Aristóteles transcende a eterna batalha entre filosofia e retórica, e torna a
retórica uma ferramenta respeitável, embora de segundo nível, para realizar nos-
sos trabalhos sobre o mundo. Ele é o primeiro grande sistematizador da retórica,
o primeiro a oferecer uma análise profunda de sua dinâmica, bem como sobre
a taxonomia de seus elementos. Evita também o problema crônico do filósofo
de permitir a busca pela perfeição – representada pela ciência e pela filosofia
– para esconder a busca da retórica pelo que é útil. Cria um espaço intelectual
para a retórica, apontando para o reconhecimento de verdades prováveis e para
o reconhecimento do impacto das circunstâncias sobre a verdade. Ele deixa
claro ainda que o maior poder da retórica não reside apenas na concepção dos
argumentos vencedores, mas também na capacidade de “se enxergar os meios
de persuasão disponíveis”. Um elemento importante dessa capacidade reside na
habilidade de argumentar de maneira persuasiva em qualquer um dos lados de
uma discussão. Não que isso seja um ensinamento, já que não se deve persuadir
sobre o que está aviltado, mas para que não nos escape o real estado de coisas
e para que possamos ser capazes de evitar que outra pessoa use o discurso de
forma injusta (Retórica, Livro I).
Aristóteles fez também do estudo da audiência uma ciência rudimentar. En-
quanto sua psicologia da audiência atinge provavelmente um leitor contemporâneo
imperfeito e estereotipado, a precursora da “psicologia dos humores”, ele define um
caso claro e convincente sobre a importância de se estabelecer uma base comum
com a audiência, considerando suas crenças e convicções. Quaisquer que sejam
as limitações de visão de Aristóteles sobre a psicologia da audiência, seu desejo
em tomar a audiência como elemento relevante representa um grande avanço em
relação à posição de Platão.

87
A construção do argumento

Aristóteles, portanto, privilegiou a arte da dialética e da demonstração sobre


a arte da persuasão, e foi consideravelmente menos igualitário do que boa parte
dos sofistas. Ele também suspeitava das dimensões emocionais e não racionais
da verdade. Parece que ele partilhou da desconfiança popular da tendência dos
sofistas de que “tornar-se fraco parece ser a melhor causa” (Retórica, Livro II).
Nesse último caso, ele claramente tinha em mente o “equivocado” uso da antilógica
pelos sofistas, que, após argumentar de maneira persuasiva em qualquer um dos
lados de uma discussão, elege o lado mais fraco, porque serve a seus interesses,
não aos da verdade. Porém, a quem cabe julgar qual é o lado mais forte e o mais
fraco? Evidentemente, qualquer argumento que frustre ou enfraqueça os nossos
nos parecerá mais fraco. O argumento de Aristóteles nesse ponto pode ser circular:
ele presume conhecer o que pode apenas ser determinado ao testar os argumentos
de um lado contra o outro. Deixando de lado alguns pontos fracos de Aristóteles
no tocante aos sofistas, dedicamos nossa atenção a algumas das razões pelas quais
ele continua importante, e, ainda mais, à adaptação do seu pensamento ao ensino
do argumento na atualidade.
A descrença aristotélica sobre os meios não racionais de persuasão é certa-
mente compreensível no contexto de sua época. Assim como Platão, ele via a filo-
sofia como um meio de substituir as formas retrógradas de raciocínio herdadas
dos mitos gregos sob os quais os sofistas debruçaram-se enquanto fonte de doxa.
Como defendeu Jarratt (1991), a hostilidade dos filósofos antigos em relação à re-
tórica pode ser entendida como uma hostilidade a qualquer forma não racional de
persuasão. Sobre Platão, por exemplo, a autora aponta que ele temia “[...] a trans-
ferência poética de informação cultural crucial, por conta dos efeitos hipnóticos, e
defendeu que ela abrigava uma absorção acrítica da ideologia dominante” (1991, p.
xxi). Embora a oposição de Aristóteles tenha sido mais silenciosa que a de Platão, e
embora ele certamente reconhecesse um lugar para as emoções na argumentação –
desde que, pelo menos, essas emoções sejam categorizadas de maneira apropriada
e exaustiva e triadas em pares opostos com a virtude na posição medial – parece

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A construção do argumento

que ele nunca esteve completamente confortável com a emoção e o espetáculo, duas
das ferramentas primárias dos bardos e sofistas, e apenas hesitou a reconhecer
explicitamente seu valor. Ele inclui o espetáculo, nessas condições, como um dos
seis elementos do drama na Poética, mas relega a ele a menor importância entre
esses elementos, incluindo-o mais como trabalho do operador de palco do que como
arte do poeta. Além disso, discorda de quem atribui mais valor ao espetáculo do
que ao funcionamento interno da trama na criação de efeitos dramáticos.
Na Retórica, ele atribui aos autores de manuais, isto é, os sofistas, a ênfase
demasiada na retórica forense ou de tribunal: “[...] ataque verbal, a prece, a raiva
e outras emoções da alma não estão relacionadas ao fato, mas são apelos ao júri”
(Retórica, Livro I). Ao contrário, propõe maior ênfase sobre a retórica deliberativa
com seus apelos mais racionais. Implícita à crítica de Aristóteles ao espetáculo e à
emoção está a desconfiança sobre as opiniões populares, desconfiança potenciali-
zada por sua tendência, nas palavras de Burke (1969, p. 64), em ver a “[...] audiência
como algo puramente dado”, ao invés de, em arte, uma construção do orador. De
modo particular, ele lembra, em diversos momentos, as habilidades limitadas desse
tipo de audiência de compreender cadeias complexas de raciocínio.
O segredo para ajudar a superar a descrença de Aristóteles com o não racional
é olhar para além da tendência de desprezar a opinião pública. Enquanto a audiên-
cia for associada a pessoas preconceituosas e emotivas, as opiniões não racionais
na construção do argumento serão vistas com ressalva. Os estudantes precisam
ser expostos a um entendimento mais complexo de audiência. De modo particular,
precisam entender que a audiência, como vários teóricos reconhecem, é ao mesmo
tempo direcionada, suplicada, servida e criada. Por isso gostamos de dar início a
nossas aulas, desde o primeiro dia, ressaltando a metáfora do argumento como
uma conversa e o processo de invenção colaborativa. Essa noção da plasticidade
da audiência, como conceito puramente intelectual que pode ser difícil para os
estudantes compreender, é mais acessível no nível da interação entre pares.

89
A construção do argumento

Um segundo elemento útil das ideias de Aristóteles que precisa ser destacado
em sala de aula diz respeito às situações de uso do argumento. Parece que ele ima-
gina um número limitado de eventos e ocasiões em que o argumento é utilizado
(sessões legislativas, tribunais, ocasiões solenes), mas o argumento, atualmente,
está muito mais difundido. Pode-se ter contato com ele através da televisão, do
rádio, dos jornais impressos ou on line. Ele pode durar um longo período de tempo e
pode se consolidar aos poucos, através de chavões, réplicas, e anúncios de ataque e
contra-ataques. Às vezes, os argumentos, na esfera pública, tomam formas fluidas,
e expressam apoio ou crítica a uma posição, fazendo alusão a outra, e defendem
uma alternativa sem designar a outra à qual ela se opõe. Os argumentos polêmicos
não evoluem como evolui uma metástase, ou os interessados nas disputas dos talk
shows, nos noticiários, blogs, propagandas, editoriais, no vazamento de insinuações
maldosas e assim por diante, que oferecem novas, nem sempre confiáveis, revela-
ções “factuais” e linhas de raciocínio. Geralmente esses tipos de argumento incluem
mais de duas posições possíveis, às vezes, mais de duas. Nesse sentido, considera-
mos útil que os estudantes conservem jornais nos quais observem controvérsias
em andamento em vez de se concentrarem estritamente em argumentos escritos
descontextualizados. É interessante, a propósito, observar como novas linhas de
argumentação que aparecem em seções de revistas e editoriais são retiradas da
Internet e reproduzidas sem a identificação da fonte. Um dos nossos estudantes
deu um exemplo recente a esse respeito. Ele observou que a controvérsia sobre a
guerra no Iraque foi comparada ao Vietnã – que não é um fato comumente evocado
pelos apoiadores da guerra – nos argumentos de diversos conservadores pró-guerra
que apontaram o colapso quase imediato do exército Sul-Vietnamita após a saída
dos americanos. Como todas as analogias, essa sugere possibilidades múltiplas de
conclusão, incluindo a de que mesmo se permanecêssemos no Iraque, ou no Viet-
nã, ou mesmo se perdêssemos todas as vidas como as que perdemos, ainda assim
isso não garantiria a soberania do governo iraquiano. Os apoiadores da guerra, de

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A construção do argumento

maneira unânime, rejeitaram essa possibilidade ao favorecer a sugestão de que a


retirada das tropas seria responsável por todas as catástrofes ocorridas no Iraque.
Por fim, a argumentação de hoje em dia, se comparado ao da época de Aris-
tóteles, debruça-se mais fortemente sobre elementos visuais. Particularmente no
domínio da publicidade e do marketing, o apelo argumentativo pode ser puramen-
te visual. Em muitos domínios, o suporte visual provê um contexto crítico para a
mensagem textual. Em parte, é evidente, isso tudo tem a ver com o ambiente alta-
mente midiático em que vivemos. Raramente presenciamos um debate ou ouvimos
um argumento de primeira mão. Estamos muito mais inclinados a apreender as
coisas através de uma maneira que trata e filtra intencionalmente a mensagem.
Alguém pode passar um dia inteiro no Youtube e ver incontáveis postagens sobre
controvérsias atuais, versões editadas de vídeos de figuras públicas que apresen-
tam argumentos. Esses vídeos amadores podem ser ao mesmo tempo partidários
e divertidos. Outro motivo pelo qual o visual suplanta o textual na apresentação
do argumento atualmente tem a ver com um fenômeno já percebido por Aristóte-
les: os argumentos que não parecem ser têm maior chance de passarem desper-
cebidos por nossos filtros cognitivos do que os apelos racionais explícitos. Esses
argumentos podem apoiar-se substancial ou inteiramente no próprio “espetáculo”,
criticado por Aristóteles, no cenário, no pano de fundo, nos recursos visuais, nos
ângulos da câmera e assim por diante, e oferecem pouca ou nenhuma proposição
argumentativa. A maioria dos manuais atuais sobre argumento dedica alguma
atenção aos seus elementos visuais, particularmente na propaganda impressa.
Assim, recomendamos fortemente a dedicação de tempo da aula para discutir
e aplicar algumas dessas lições. Dito isso, o vocabulário especializado necessário
à análise séria dos argumentos visuais, em suas diferentes modalidades, é tão
grandioso que, nas aulas de escrita focadas na argumentação, podemos esperar
fazer um pouco mais que sensibilizar os estudantes para as dimensões visuais dos
argumentos.

91
A construção do argumento

Em suma, a retórica de Aristóteles permanece como uma excelente fonte para


o entendimento da produção de textos e discursos persuasivos, embora ofereça
pouca ajuda para compreender como os eventos e os comportamentos não pro-
posicionais funcionam de forma persuasiva. Aristóteles privilegia os elementos
racionais, ocasionais e textuais da argumentação, e, certamente, esses elementos
continuam importantes para qualquer discussão contemporânea sobre persuasão
– em detrimento das dimensões visuais, midiáticas e não racionais. Se considerar-
mos o assunto a partir da própria terminologia de Aristóteles (Retórica, Livro II),
o equilíbrio entre os três modos “artísticos” de persuasão (em oposição aos modos
não artísticos, como a tortura), mudou radicalmente, nos últimos anos, do logos para
o ethos e para o pathos. Na apresentação aristotélica sobre a forma como interagem
esses modos, o ethos ou o caráter do orador – a situação retórica é invariavelmente
oral para Aristóteles – é empregado para a elaboração das observações da forma
mais clara possível, e, desse modo, chamar a atenção da audiência. Ao despertar
as emoções da audiência (pathos), o orador possibilita a ação ou uma boa recepção
das decisões dessa audiência. O logos ou o argumento lógico é, por sua vez, empre-
gado para tornar provável a causa do orador e as alternativas improváveis. Ethos
e pathos cumprem aqui uma função importante, mas suplementar nesse esquema.
O cerne da questão é a concepção da estrutura argumentativa e a seleção das
razões e evidências que irão ter maior peso para a audiência. O logos atua de ma-
neira central na retórica de Aristóteles, assim como o enredo na sua poética, por
razões similares. É a alma da peça, a força-motriz do argumento. No entanto, como,
hoje em dia, o ethos pode ser derivado da celebridade assim como da experiência
ou da virtuosidade linguística, e como o pathos pode ser evocado por uma música
ou uma imagem forte, a persuasão pode ser alcançada com muito menos esforço
pelo logos, como nos tempos de Aristóteles. Assim, os estudantes precisam estar
mais atentos a essas dimensões não racionais do argumento.

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A construção do argumento

O problema do engessamento da Retórica

A eterna batalha entre Retórica e Filosofia apresenta implicações importantes


para o nosso segundo tema da história da Retórica: a transformação recorrente
dos poderes imaginativos da Retórica em fórmulas e sistemas rígidos. A questão
colocada pelo engessamento contínuo da Retórica é a seguinte: em que medida a
Retórica pode ser metódica sem se tornar inerte. Burke (1984, p. 225) considera
essa questão à luz da “burocratização da imaginação”, entendida como um “pro-
cesso histórico básico” que pode apenas ser desacelerado, mas nunca paralisado ou
superado. Esse processo emerge quando uma das possibilidades geradas por um
princípio ou insight é colocada de lado em detrimento de outras. É evidente que,
para qualquer possibilidade se tornar factual, outras devem ser ignoradas ou me-
nos exploradas. Todos passamos por experiências desse tipo. Quando precisamos
escolher uma pessoa com quem iremos ficar ou o que fazer, isso nos força a colocar
de lado outras escolhas. Se sonhos devem tornar-se realidade, se as promessas dos
políticos devem tornar-se políticas públicas, se os projetos devem tornar-se insti-
tuição ou produtos, se crenças filosóficas e religiosas devem tornar-se leis, outras
possibilidades devem ser superadas ou abandonadas. Assim como toda maneira de
ver é também uma maneira de não ver, toda maneira de atualizar uma perspectiva
é também uma maneira de não atualizar outra.
No entanto, por mais inevitável que seja esse processo, ele pode, com o tempo,
apresentar implicações negativas. Ideias originais tornam-se gradualmente em
ortodoxia e os sistemas que elas nos oferecem engendram hierarquias que definem
e dão prioridades a elementos nela presentes de acordo com o princípio originário.
Eventualmente, a hierarquia muitas vezes problemática torna-se um peso
burocrático, dedicada mais à autoperpetuação do que à realização do princípio de
origem e às possibilidades sobre as quais a estrutura foi fundada. Os que estão no
topo da burocracia reivindicam a ortodoxia como a posse de um título que lhes é
próprio e oferecem-se como personificação do princípio subordinante, a tal ponto

93
A construção do argumento

que “os subprodutos não intencionais” (BURKE, 1984, p. 226) de suas ações sobre-
põem-se às gloriosas possibilidades que deram suporte ao princípio originário. Um
exemplo clássico de burocratização diz respeito à inversão da doutrina puritana
da eleição, cujos sinais são convertidos em causas, e, simultaneamente, os “eleitos”,
quem quer que seja, a empregam para herdar seus benefícios, tidos como presentes
divinos, enquanto o fracasso dos não eleitos é atribuído à falta de piedade divina.
Um programa religioso destinado a encorajar a humildade e a abnegação é assim
transformado em apologia do status quo e um exercício insípido de melhoria de
posição social. A lógica básica por trás dessa enganação de trezentos anos ainda
pode ser observada em argumentos presentes no discurso político americano atual.
Como aponta Burke (1984), todos os sistemas designados para transformar ideais
em ação, eventualmente, atingem um ponto de rendimento decrescente quando a
manutenção do status dentro do sistema torna-se a razão de ser do próprio sistema.
Infelizmente, as observações de Burke (1984) sobre a burocratização tornam-
-se verdade em todas as tentativas de sistematização, até mesmo em tentativas
de sistematizar o entendimento retórico. Adotar uma metodologia da invenção
significa “[...] que os desenvolvimentos são treinados pela rotina. Ciência, conhe-
cimento, é a burocratização do saber” (BURKE, 1984, p. 228). A rotina, para ser
útil, deve apresentar um caráter axiomático. Ou, nas palavras simples de Burke, a
rotina torna-se o “caminho da roça” que foi “conservado não porque foi criticado,
avaliado e julgado como o melhor processo possível, mas simplesmente porque
nunca foi questionado” (BURKE, 1984, p. 228). Nem mesmo a metodologia de Burke
está excluída dessa crítica.

Nossa fórmula, “a perspectiva pela incongruência”, é uma “metodologia


da invenção” paralela em uma esfera puramente conceitual. Ela buro-
cratiza um recurso confinado a uma escolha de alguns de nossos pen-
sadores “reais”. Ela torna a perspectiva barata e fácil (BURKE, 1984, p.
228-29).

94
A construção do argumento

Embora esse movimento acarrete alguma deterioração de ideias produzidas


pelo método, também resulta em “[...] um desenvolvimento correspondente na
qualidade da sofisticação popular” (BURKE, 1984, p. 229), que, para Burke (1984)
justifica a mudança. Talvez o exemplo mais conhecido da metodologia desse au-
tor, em sala de aula de escrita, é a difundida abordagem dramática, na forma de
pentágono, como um dispositivo heurístico: ação/ato, agente, agência, propósito,
cenário e, às vezes, atitude. De nosso ponto de vista, muitas tentativas de adaptar
a abordagem dramática de Burke (1984) às aulas de escrita resultam em um mal
uso das ideias e perda de conexão com o contexto mais amplo no qual ela se ori-
gina. Dissociado do conceito de ratio (a relação entre os conceitos do pentágono),
o sistema proposto por Burke funciona de maneira similar às perguntas típicas
do lead no campo do jornalismo: O que? Quem? Quando? Onde? Por quê?, e , às ve-
zes, Como?. Porém, no final das contas, cada professor deve pesar os ganhos com
a compreensão em oposição às perdas com “sabedoria”, na adoção de qualquer
metodologia em sala de aula.
Esse prefácio estendido das ideias de Burke sobre o engessamento da retórica
tem por função colocar o assunto em perspectiva já que ele está ausente quando
o tema do método é levantado no contexto do ensino do argumento. No campo da
escrita, o processo pelo qual os insights são convertidos em rotina e as heurísticas
em fórmula é tipicamente visto como injustificado, desnecessário e negativo. A
importância de democratizar um recurso é consequentemente omitida e a mera
presença de uma rotina em um sistema levará alguns a demonizá-la enquanto uma
“corrente tradicional”. Para ser justo, em nossa história, há uma abundância de
casos nos quais pedagogias desenhadas para ajudar iniciantes a dominar a arte da
retórica metamorfoseiam-se em sistemas que sufocam a imaginação das pessoas,
deformam a prosa e afastam os assuntos que nos interessam.
No entanto, se não aprendermos a tolerar um certo elemento de burocratiza-
ção em nossas aulas, corremos o risco de tornar a retórica em uma arte elitista (e

95
A construção do argumento

essencialmente incompreensível) dependente, em grande parte, do olhar aguçado


de cada indivíduo para a representação – o que, no século XVII, seria referido como
“preferência” – ao invés de uma maneira racional, social e replicável de construir
sentido. O problema do engessamento, ao cabo, levanta questões fundamentais
para o ensino do argumento, incluindo a mais fundamental de todas: o que de fato
ensinamos quando ensinamos estudantes a produzir argumentos?
Algumas evidências desse engessamento já aparecem nas referências depre-
ciativas aos primeiros manuais de retórica, precursores dos atuais livros didáticos.
Apesar de parte dessa crítica ocorrer em função do desdém geral dos filósofos pela
retórica, uma parte dela parece ter mérito. Depois de Aristóteles, de acordo com
Kennedy (1999), a urgência em codificar e sistematizar a Retórica cresceu junto
ao declínio intelectual que atingiu o mundo antigo.

A aceitação de regras para a arte, de respostas certas e erradas, signifi-


cou o início de um processo de engessamento que sufocou toda a criati-
vidade antiga. A prática dentro das artes foi controlada mais e mais por
regras restritas. O artista era cada vez mais um virtuoso exultante no
jogo e nas regras. O único lugar para o crescimento estava dentro das
próprias regras, de modo que podemos encontrar a execução dos temas
desenhada nos primeiros manuais. [...] O desenvolvimento da retórica
em um sistema fechado foi prelúdio para o conceito de vida e pensamen-
to enquanto sistemas fechados (KENNEDY, 1999, p. 124).

Enquanto Aristóteles elaborava os elementos da Retórica, explicava sua di-


nâmica e a situava no contexto de outras abordagens para o entendimento, seus
sucessores geralmente se contentavam com a enumeração de elementos, ignoran-
do as preocupações mais importantes. Por consequência, geraram terminologias
elaboradas e cada vez mais distantes da linguagem cotidiana, pouco aplicáveis
às preocupações práticas, enfatizadas pelos primeiros retóricos. Tudo o que era
necessário saber para argumentar com êxito eram as regras do argumento e as

96
A construção do argumento

partes de um discurso persuasivo. Cada caso era previsto pelas regras e catego-
rias da retórica enquanto as “circunstâncias mitigadas da vida” (KENNEDY, 1999,
p. 267) eram ignoradas em prol do encaixe dos casos nas devidas categorias e do
encontrar uma solução ditada pela categoria. Assim, quando a Retórica abandona
as circunstâncias mitigadas e particulares de uma situação, deixa de ser Retórica
em qualquer sentido válido.
Em outras palavras, esse foco que a Retórica atribui às regras se dá em função
da atenção à unicidade de cada situação retórica, uma preocupação que os pri-
meiros gregos chamavam de kairos (oportunidade). O kairos era particularmente
importante porque servia como ferramenta para resolver antinomias aparentes
geradas pela abordagem antilógica de compreensão dos sofistas. A propósito da
preocupação de Górgias com o kairos, Kennedy (1999, p. 66) assinala: “[...] qualquer
problema posto envolve escolha ou compromisso entre duas antíteses de modo que
a consideração do kairos, isto é, do tempo, lugar e circunstância [...] pode resolver
o dilema e levar à escolha da verdade relativa e à ação”. Quando as leis e princí-
pios (ou regras dos retóricos) se contradizem, a lógica e os sistemas engessados
deixam de ajudar a solução do impasse. As hierarquias cujos valores são dados a
priori não poderão ajudar a decidir qual regra legítima, entre duas ou mais, é mais
apropriada para um conjunto particular de circunstâncias. A menos que se possa
tomar tais decisões, não se pode agir e a Retórica torna-se uma atividade cerimo-
nial virtualmente inútil na esfera pública, exceto enquanto forma degradada de
entretenimento. Algo que aprendemos, a partir de práticas derivadas das várias
versões históricas do problema do engessamento, diz respeito ao entendimento
de que a Retórica é a “ciência das instâncias particulares”, e de que, ao cabo, os
métodos devem acomodar as circunstâncias.
Nossa tendência em esquecer a centralidade da circunstância para o entendi-
mento na Retórica é literalmente visível em aulas de escrita há séculos. Qualquer
um que tenha ensinado escrita na faculdade por mais de vinte anos irá reconhecer

97
A construção do argumento

na pedagogia dos modelos tradicionais de escrita um resquício do “sistema fechado”


da Retórica que prevalece há mais de dois mil anos. O argumento recebeu pouca
atenção nesses cursos em grande parte porque, a partir do momento em que se
atribui as questões sobre letramento crítico a outros campos, restou pouco material
interessante para falar sobre persuasão, exceto dizer que a estrutura organiza-
cional composta por cinco é a essência de um bom argumento. Os estudantes não
eram estimulados a trabalhar uns com os outros porque os modelos e estruturas
dos cursos eram visuais, e, portanto, prontamente disponíveis para reprodução.
Além disso, os aspectos inferíveis da escrita, da conversação e todos os processos
precedentes ao produto eram abolidos, e o processo de criação ficava reduzido a
exercícios de estruturação de sentenças.
Para os professores de hoje, a lição a ser aprendida a partir dessa batalha
centenária tem duas faces. De um lado devemos tomar grande cuidado em nossas
aulas para salvaguardar contra a adoção ou o desenvolvimento de métodos de en-
sino que transformam a construção do argumento em processo muito “simples e
rápido”, reduzindo-a a algo um pouco mais que o exercício de “espremer e encaixar”.
De outro lado, devemos encontrar maneiras de materializar e tornar disponíveis
aos iniciantes as ferramentas para produzir insights e sentidos. Se falharmos de
um lado, nossa disciplina continuará como um formalismo inútil; se falharmos do
outro, nossos estudantes não terão acesso ao mais poderoso e menos misterioso
“instrumento de sobrevivência” disponível às pessoas comuns.

98
A construção do argumento

Figuras-chave da teoria moderna da


argumentação

Introdução a Kenneth Burke

A influência de Kenneth Burke em nossa abordagem sobre o ensino do ar-


gumento, como já deve estar claro, é enorme. Valemo-nos bastante de sua termi-
nologia e de seu vocabulário, às vezes, peculiar, para articular as ideias centrais
em torno de teorias retóricas e pedagógicas. Burke é a lente que nos permite uma
visão, tanto estreita quanto ampla, do empreendimento retórico e do papel da
argumentação nesse empreendimento. Ele é, podemos dizer, o único desde Aris-
tóteles a circunscrever o escopo da teoria retórica dentro do contexto mais amplo
das preocupações filosóficas. Ao mesmo tempo, também podemos dizer, ele não é
um “sistematizador” filosófico, dada a inabalável atenção à relação entre o geral e
o particular, a concepção e a percepção, a cena e o ato.
Essa é, basicamente, a maneira como temos usado suas ideias até o momen-
to. Nós utilizamos o conceito de “autointerferência” para esboçar uma escala de
práticas argumentativas em curso focadas na audiência, de anunciantes e publi-
citários centrados nos atos e de conselheiros que visam seus próprios interesses.
Admitindo que, no mundo, há sempre a busca de vantagens em cada argumento,
a visão geral de Burke sobre as práticas argumentativas dá menos importância a
conquista da audiência do que a busca por verdades mais sólidas capazes de en-
globar as posições inicialmente antagônicas e a guerra “purificada” na dialética.
Reiteramos a ideia de que uma maneira de ver é também uma maneira de não ver,
e de que nossos instrumentos para ver são terministic screens (enquadramento de
termos), filtros linguísticos que tornam a percepção e a avaliação simultâneas. É
esse foco na linguagem enquanto instrumento do conhecimento que nos leva a
colocá-lo ao lado de filósofos chamados de “edificantes” por Rorty (1979, p. 12),

99
A construção do argumento

ou seja, aqueles cujo foco é “[...] ajudar os leitores, ou a sociedade como um todo,
a se livrar de vocabulários e atitudes ultrapassadas, ao invés de prover uma base
para as intuições e costumes do presente”.
A principal questão colocada por esses filósofos edificantes é a de saber como
evitar que nos tornemos vítimas da própria linguagem, da qual precisamos para
ter acesso ao mundo. Ou, como o Lord de Burke lembra ao diabo no diálogo con-
clusivo de The Rhetoric of Religion (A Retórica da Religião): “Onde as pessoas são
implicadas, qualquer terminologia é suspeita na medida em que ela não permite
a crítica dela mesma” (BURKE, 1970, p. 303). Para Burke (1970), o segredo para
atingir esse tipo de autoconsciência autocrítica é a sua abordagem dramática da
compreensão, por ele alcunhada, nos primeiros trabalhos, como “perspectiva por
incongruência”. Hans Blumenberg (1987, p. 439) refere-se a algo muito parecido
com a perspectiva por incongruência, quando cita “[...] o procedimento de entender
uma coisa por meio de outra”.
Para Burke (1970), entender algo não significa entender enquanto algo, um
membro de uma categoria, mas significa ver uma coisa nos termos de outra. Disso
decorrem os ratios do seu método, chamado dramatismo. De acordo com o drama-
tismo, há cinco (eventualmente seis) elementos que contribuem para um entendi-
mento bem definido das motivações humanas: ato, cena, agente, meios, propósito, e,
por último, atitude (que é um ato incipiente). Ao analisar um discurso para entender
por que algo foi feito, ou por que deveria ser feito, considerar-se idealmente todas
as combinações possíveis dos elementos; ato-cena, cena-ato, agente-cena, e assim
por diante. A relação entre quaisquer dois elementos é expressa como um ratio. Em
qualquer ratio, o segundo termo funciona como um tipo de parte essencial provi-
sória para o par. Assim, por exemplo, em um ratio ato-cena, o ato é entendido “nos
termos da” cena, que, de fato, é a lente através da qual o ato é compreendido. Várias
escolas filosóficas se caracterizam pela tendência de privilegiar um dos termos,
continuamente enxergando todos os outros elementos “nos termos” do elemento

100
A construção do argumento

privilegiado. Assim, o naturalismo privilegia a cena de modo que os atos humanos


são entendidos como consequências das condições cênicas.
O “paradoxo da substância”, proposto por Burke (1966, p. 23), segundo o qual
uma palavra “[...] usada para designar o que algo é deriva da palavra para designar
o que algo não é”, nos distancia da Lei da Identidade (A é A) e nos aproxima de um
modo mais metafórico de entendimento. Por fim, há ainda a noção de “anedota
representativa”, “[...] preocupação tão dramática que pode ser definida como abor-
dagem dramática do dramatismo” (BURKE, 1966, p. 60), através da qual o todo
é representado por uma de suas partes. Para entender qualquer coisa, devemos
entendê-la em contexto, à luz de assuntos extrínsecos e de termos apropriados que
não são idênticos à essa coisa, mas estão identificados com ela. A relação elementar
representada na linguagem é, portanto, metafórica (categoria Y é melhor entendida
através da Parte X) ao invés de categórica (tudo que precisamos saber é que Parte
X é/pertence à Categoria Y).
Quando nossas terminologias não nos permitem fazer críticas progressivas
delas mesmas, quando desistimos de buscar a perspectiva por incongruência,
tornamo-nos presas, entre outras coisas, da tendência, já discutida anteriormen-
te, de burocratizar a imaginação. Embora a burocratização da imaginação seja
um processo necessário em Burke, nossa capacidade de autocrítica nos permite
evitá-la e manter viva o maior tempo possível nossa consciência imaginativa dos
princípios originais que definem a boa vida e nos animam a buscar realizá-la. Se
tudo isso parece distante do ensino, retornemos aos ensaios de Fish e Leo, discu-
tidos no primeiro capítulo. Nossa crítica à posição de Leo e a preferência pela de
Fish podem ser diretamente traçadas a partir das posições tomadas em direção à
autocrítica progressiva. A rejeição de Leo ao “multiculturalismo” como uma frente
ao antiamericanismo é parte da rejeição geral às tentativas de entender os eventos
do 11 de setembro nos termos de “causas-raiz” ou “da necessidade de entender o
terrorismo e ver seus atos em contexto”. Qualquer alternativa à visão do 11 de se-

101
A construção do argumento

tembro “nos termos” de outra coisa ameaça a visão de mundo de Leo, que passa a
ser desconsiderada. Fish, por outro lado, vê que a tarefa, diante de nós, ultrapassa
os vários “falsos universais” que nos impedem de ver o mundo que eles nomeiam e
de nos “colocar no lugar do adversário”. Apenas com essa maneira de desconstruir
uma visão de mundo é possível manter-se atento aos princípios fundantes dessa
visão, “os valores particulares vividos que nos unem e são assumidos pelas insti-
tuições que valorizamos e desejamos defender”. O argumento de Fish contra Leo,
em suma, ilustra muitos dos princípios básicos do argumento que Burke delineou
tão eloquentemente em sua longa carreira.

O realismo de Burke

Burke (1969) oferece talvez a caracterização mais econômica de sua aborda-


gem da retórica na conclusão da seção de abertura do livro A Rhetoric of Motives
(The Range of Rhetoric – O alcance da retórica). Para ele, a Retórica está “arraigada
a uma função própria da linguagem, uma função totalmente realista e em contínua
renovação; o uso da linguagem como meio simbólico de induzir a cooperação entre
seres, que por natureza respondem aos símbolos” (BURKE, 1969, p. 43). O “realismo”
de Burke refere-se aqui ao realismo filosófico, entendido à luz do debate medieval
entre nominalistas e realistas. O mais destacado proponente do nominalismo nesse
debate, Willian de Occam. Segundo a proposição hoje conhecida como Navalha de
Occam, as “entidades não devem ser multiplicadas além do necessário” (BURKE,
1966, p. 324). O realismo de Burke, enquanto isso, requer igualmente que “[...] en-
tidades não devem ser reduzidas além do necessário”. No tocante à desnecessária
multiplicação de entidades, o alvo primário de Occam é a linguagem empregada para
além da nomeação do assunto imediato. Todos os termos genéricos e abstrações
são responsáveis por nomear toda sorte de entidades supérfluas. Esses termos são
vistos pelos nominalistas como “conveniências da linguagem” e não “substâncias
reais” (BURKE, 1966, p. 248). No entanto, o paradoxo da substância, definido por

102
A construção do argumento

Burke, sugere que não se pode usar a linguagem simplesmente para nomear um
assunto imediato. Toda palavra que designa o que algo é necessariamente designa
o que algo não é. Consequentemente, a conotação de uma palavra é tão crucial para
Burke quanto o que ela denota.
De fato, não temos acesso ao que é individual exceto através do que é simbólico
ou categórico: “[...] homem, qua homem é um usuário de símbolo. A esse respeito,
qualquer aspecto de sua ‘realidade’ é possível ser visto através de uma névoa de
símbolos (BURKE, 1969, p. 136). Enquanto animais usuários de símbolos, os huma-
nos experienciam “[...] diferenças entre esse fato e o que constitui uma diferença
entre um tipo de ser e outro” (BURKE, 1969, p.282). Essa tensão entre o particular
e o geral, entre a função denotativa e a conotativa da linguagem, precisamente,
nos leva à ressonância simbólica e nos permite ver uma coisa “nos termos” de
outra. Sem essa ressonância e a capacidade de “multiplicar entidades” além do
aqui e agora, seria impossível a linguagem induzir à cooperação entre indivíduos,
marcados simultaneamente por similaridades e diferenças.
Outra vez, essa discussão sobre o realismo filosófico de Burke pode parecer
distante do ensino. Certamente não é. Tomemos, por exemplo, a noção de politi-
camente correto. Como termo ostensivamente neutro, tem sido manejado, recen-
temente, de maneira mais eficaz pelos conservadores no debate público nacional.
Liberais reticentes, assim argumenta-se, são incapazes de “dizer como as coisas
são”. Estão sempre a inventar expressões eufemísticas para encobrir suas várias
“agendas”. Em tom rude, os sábios conservadores “de fala simples” passam a atingir
o verbalismo pretensioso dos liberais e a substituí-lo por uma linguagem “clara e
simples como a verdade”, transformando “ações afirmativas” em “discriminação
reversa” e assim por diante (o comediante Steven Colbert, do programa “Colbert
Report”, faz paródias sobre a franqueza do comentarista conservador Bill O’Reilly,
no quadro “Palavra do dia”.

103
A construção do argumento

Nesse quadro as palavras e expressões aparentemente inofensivas são desvir-


tuadas para além do reconhecimento de Colbert enquanto um contraponto textual
acompanhada silenciosamente os esforços de Colbert para defini-las e expõe suas
próprias intenções). Essas pessoas estão operando na tradição de Occam, ansiosos
em reduzir a multiplicação desnecessária de sentidos, e também na tradição mais
recente de Jeremy Bentham, que se dedicou a desarraigar a insidiosa “pergunta
apelativa” (BURKE, 1969, p. 92), que nomeia mais de uma coisa, colocando o assunto
sob uma luz “elogiosa” ou “pejorativa” e prejudicando-o da mesma maneira que os
arrazoados circulares antecipam a premissa principal da conclusão.
Subjacente ao uso politicamente correto e ao pensamento de Occam e Bentham
está a crença em uma linguagem neutra e puramente denotativa que nomeia a rea-
lidade “objetiva”, e que, de fato, diz como as coisas são sem apontar o que elas não
são. O que a definição de Retórica proposta por Burke deixa imediatamente claro é
a inexistência dessa linguagem7. Toda palavra porta indícios de sentidos “positivos”
e “negativos”, e, para se entender um termo, deve-se entendê-lo em uso, dentro de
um contexto, e apropriadamente atualizado. Como diz Burke, até o vocabulário
utilitário de Bentham garante a certos termos nuanças “positivas” independente
do uso, escapando ao mito da linguagem neutra que ele próprio promovia.
O realismo de Burke não é apenas filosófico, mas também um realismo cotidia-
no. Para todo poder atribuído à linguagem, ele também reconhece o considerável
poder de veto que a realidade extralinguística possui sobre as palavras. Qualquer
que seja nossa visão e quão persuasivo seja nosso vocabulário, a falha do mundo
material em ratificar nossos argumentos é fatal para Burke. A esse respeito, o rea-
lismo linguístico de Burke deve ser distinguido de solipsismo e de visões mágicas

7. Burke (1969, p. 183-4) assinala uma “ordem positiva dos termos”, capaz de nomear as coisas no aqui
e agora, e recomenda manter-se nessa ordem sempre que possível. Mas além de terminologias altamente
convencionalizadas, como nas ciências, que evitam a linguagem natural e estipula termos nativos para o
discurso, as oportunidades para limitarmo-nos na ordem positiva são extremamente limitadas.

104
A construção do argumento

sobre a linguagem. O autor explicitamente rejeita a crença de que o “[...] universo


é mero produto de nossas interpretações”, precisamente, porque “[...] as interpre-
tações em si mesmas devem ser alteradas enquanto o universo apresenta a elas
vários tipos de recorrência” (BURKE, 1984, p. 256). Enquanto a linguagem, nossa
“névoa de símbolos”, recobre tudo o que positivamente sabemos, o universo detém
o poder de negar e reformar nossas interpretações. De fato, para Burke (1966), a
diferença primária entre a falsa e a verdadeira magia da retórica é o fato de que
os praticantes da falsa usam os símbolos para induzir movimentos na natureza,
enquanto os praticantes da verdadeira usam os símbolos para induzir atos coope-
rativos entre as pessoas. O julgamento sobre a adequação de instituições políticas
e econômicas, para Burke, não está baseado em um padrão ideal e fixo, mas na
sua capacidade de atender às demandas materiais das pessoas a quem servem. De
acordo com a métrica realista de Burke, tais instituições apresentam um “[...] valor
relativo pragmaticamente dependente, no sentido darwinista, da capacidade de dar
conta de problemas de produção, distribuição e consumo atinentes às condições
temporais e espaciais peculiares” (BURKE, 1969, p. 279).
Como apontamos em nossa discussão sobre a “burocratização da imaginação”,
o papel social mais importante da Retórica é resistir à conversão de possibilidades
imaginativas que transformam as instituições em dogmas resistentes à realização
dessas possibilidades. Enquanto ideólogos fazem vista grossa às falhas de seus
programas de dar conta de problemas de produção, distribuição e consumo no
aqui e agora, a tarefa da Retórica é adaptar o programa à situação, debruçando-se
sobre os princípios originadores para delinear novas estratégias.
Por fim, o realismo de Burke não é apenas um realismo filosófico ou atrelado
ao senso comum, é também um realismo no sentido que é, às vezes, empregado
em círculos de políticas internacionais. É um tipo de realismo que nos encoraja a
selecionar e escolher nossas lutas, pesando as consequências de nossas escolhas
umas em relação às outras, em vez dos nossos princípios, independente de para onde
nos levem. É um realismo que reconhece escolhas duras, difíceis. É esse aspecto do

105
A construção do argumento

seu realismo que o leva a valorizar alguém como Willian James, considerado um
“meliorista” (BURKE, 1984, p. 3), alguém famoso por escolher em aceitar o universo
ao invés de contestar, e que prefere acreditar em bases bastante pragmáticas, cuja
fé “o permitiu ter o senso de mover-se em direção a algo melhor” (BURKE, 1984, p.
5). Com frequência, o expresso ceticismo de Burke em relação ao perfeccionismo é
a contraparte de sua admiração pelo meliorismo. Da mesma forma, sua destituição
como um “perfeccionismo reverso” (BURKE, 1966, p. 100), uma crítica bastante
dura que extirpa as bases de uma posição tomada, é sintomática de um realismo
balanceado que sempre encontra elementos das pessoas e sistemas que ele critica
em sua própria pessoa e crenças. Não há oposições simples no realismo de Burke,
não há certos ou errados absolutos, não há diferenças categóricas. Toda substância
contém elementos de substâncias extrínsecas a ela mesma. Em todos os pontos
dos vários contínuos que Burke supõe, residem elementos de ambos os extremos
do contínuo. Burke (1969, p. 23) aceita o fato de que vivemos em um mundo pós-
-Babel, e que, por consequência, a Retórica deve perseguir seus temas “[...] dentro
da lúgubre região da malícia e da mentira”. Dado que as soluções perfeitas nunca
estão disponíveis,

[...] a pessoa escrupulosa nunca abandonará um propósito que ela consi-


dera absolutamente bom. Porém, irá escolher os meios mais ideias dis-
poníveis na situação. Assim como na retórica ideal de Aristóteles, ela irá
considerar uma gama de meios, mas escolherá o melhor permitido por
um conjunto particular de circunstâncias (BURKE, 1969, p. 155).

Todos que ensinam argumentação deveriam saber um pouco sobre Burke,


no mínimo para ajudar a entender o lugar da argumentação e da retórica na or-
dem mais ampla dos empreendimentos intelectuais e para lembrar o que entra
em jogo para ensinar bem. Ele nos oferece tanto uma teoria da Retórica como um
“caminho” para se fazer retórica, como hábitos mentais que nos ajudam a evitar

106
A construção do argumento

modos simplistas de pensar e modos agressivos de argumentar. Brummett (1984,


p. 103), em ensaio fortemente apoiado sobre o pensamento de Burke, sumariza
com precisão nossa tarefa:

Se levarmos em consideração as pessoas comuns (estudantes) como au-


diência primária da teoria retórica e suas críticas, então o objetivo final
e a justificativa são pedagógicos: ensinar as pessoas a experienciar seus
próprios ambientes retóricos de maneira mais rica”.

Certamente, também ensinamos a nossos estudantes a “tirar vantagem” dos


seus próprios argumentos, e que sempre há um elemento vantajoso para buscar: o
mais claro dos argumentos. No entanto, ao desafiá-los constantemente a submeter
sua terminologia – ou ideologia, se preferirmos – a “uma crítica progressiva de si”,
estamos desafiando-os a reconsiderar sobre o que e para que eles deveriam buscar.
A Retórica, lembra-nos Burke (1984, p. 102), é um domínio no qual os “testes de
sucesso existem para serem testados”. Ao cabo, quando alargamos a capacidade dos
estudantes de encontrar os modos disponíveis de persuasão em uma dada situação
e os encorajamos a escolher o meio mais claro, estamos ensinando a argumentar
tanto de maneira ética como eficiente.

Introdução a Chaim Perelman e Lucie


Olbrechts-Tyteca

A Nova Retórica (Perelman; Olbrechts-Tyteca, 1969) é um compêndio


enciclopédico de pequenas histórias retóricas, citações, exemplos e estratagemas
organizados segundo um sistema extremamente fluido e flexível, por um lado, e
extremamente confuso por outro. Gage (1996, p. 13) liga esse sistema ao de Burke
na medida em que compreende uma “perspectiva das perspectivas”, tratando a
argumentação não como uma coleção a priori de partes de silogismos, mas como

107
A construção do argumento

um sistema cujas partes são “[...] derivadas de processos de associação e disso-


ciação, ligamento e desligamento, que torna o argumento uma rede de partes em
relação de variedade infinita”. Do lado negativo, Perelman e Olbrechts-Tyteca
(1969) parecem muitas vezes nomear cada uma das infinitas relações possíveis
do sistema através de um sem-número de termos – às vezes inventados, às vezes
emprestados de fontes desconhecidas – que dificultam mais do que facilitam um
acesso rápido ao sistema. Para o termo locus, por exemplo, pode-se encontrar vinte
e quatro variedades listadas no índice; e sessenta e oito figuras “tradicionais” são
mencionadas, a maioria de passagem, em adição a quinze tipos diferentes, presu-
midamente não tradicionais.
A versão reduzida do tratado de Perelman ao tratado (The Realm of Rhetoric)
(PERELMAN, 1982) transforma o sistema em algo ligeiramente mais acessível, e
oferece uma versão esquemática do corpus, mas em detrimento da profundidade e
da grande diversidade do original8. A utilidade da NR se deve, sobretudo, ao fato de
que é um livro de sabedoria, de razão prática ou phrónesis. Assim, é um livro para
ser lido, consultado mais do que um tratado para ser estudado. Por outro lado, The
Realm of Rhetoric é muito mais útil após a leitura de A Nova Retórica, e não deve
ser lido em substituição ao seu extenso e complexo progenitor.
Assim como o sistema de Burke, o sistema de Perelman e Olbrecht-Tyteca
empresta-se ao uso parcial, mas de maneira muito distinta. Apesar de toda comple-
xidade do pensamento de Burke, muito pode ser feito com algumas poucas grandes
ideias que constituem uma “perspectiva por incongruência”. No caso de A Nova
Retórica, entretanto, a obra pode ser melhor usada, e, de fato, pode-se explorá-la,
extraindo ideias úteis, estratégias e citações, da mesma forma que alunos tiram
ideia promissoras de livros comuns.

8. O ensaio de Perelman publicado em 1970, The New Rhetoric: A Theory of Practical Reasoning, reimpresso
em 2001 (PERELMAN, 2001), representa uma síntese ainda mais eficiente do sistema.

108
A construção do argumento

De maneira a tornar útil a nova retórica aos professores, nós seguiremos


dois passos. Primeiro, faremos um breve panorama dessa abordagem e de seu
lugar no campo das teorias modernas da argumentação. Em seguida, de modo
a apresentar tais ideias de maneira coerente, apesar de menos ortodoxa, adap-
taremos alguns dos seus insights a uma abordagem consideravelmente menos
pesada, a Stasis Theory.

Um panorama de A Nova Retórica

Assim como a maioria dos filósofos que romperam barreiras e se voltaram


para a Retórica em meados do século XX, Perelman e Olbrechts-Tyteca basearam
sua dissidência na rejeição ao modelo lógico-formal de argumento tradicional-
mente privilegiado pelos filósofos, particularmente pelos positivistas lógicos da
época. Ao citar a fusão da dialética de Petrus Ramus com a lógica e o subsequente
rebaixamento da Retórica a uma arte ornamental, Perelman (2001) reivindica a
Dialética para a Retórica e a declara complementar à demonstração, definida como,

[…] um cálculo feito de acordo com as regras previamente dispostas.


[…] Uma demonstração é considerada correta ou incorreta de acordo
com sua conformidade, ou não, às regras. Uma conclusão é tida como
comprovada se ela pode ser atingida por meio de uma série de opera-
ções corretas e iniciadas nas premissas aceitas como axiomas. Se tais
axiomas são considerados evidentes, necessários, verdadeiros ou hipo-
téticos, a relação entre eles e o que é demonstrado permanece intacta.
Para passar da inferência correta à verdade ou à probabilidade com-
putável da conclusão, deve-se admitir tanto a verdade das premissas
como a coerência do sistema axiomático (PERELMAN, 2001, p. 1390).

109
A construção do argumento

Ao distinguir a argumentação retórica da demonstração formal, Perelman


e Olbrechts-Tyteca (1969, p. 5) sublinham as seguintes características. O ponto
de início de um argumento não é um axioma invariante e universal, mas uma
premissa ou “opinião geralmente aceita”. Os autores, então, distinguem dois tipos
de premissas: “a primeira concernente ao real, que compreende fatos, verdades, e
presunções, e a segunda concernente ao preferível, que compreende valores, hie-
rarquias e linhas de argumentação (ou loci) relativas ao preferível” (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 1969, p. 66). As premissas não são objetivas ou impessoais,
como é o caso dos axiomas lógicos, mas intersubjetivos ou pessoais na medida em
que sua força depende do grau de verdade, coerência, plausibilidade, e assim por
diante, a partir do qual a audiência o aceita. Por conta da natureza contingente das
premissas, distintas audiências oferecerão diferentes graus de aprovação, em mo-
mentos distintos, sob condições distintas. Trata-se de um estado de coisas que quem
argumenta deve levar em consideração. Enquanto o movimento de demonstração é
o de estender o alcance de verdades axiomáticas a uma verdade particular e com-
pelir o consentimento em direção a essa verdade, o movimento de um argumento
é o de aumentar a “intensidade da adesão” (Perelman; Olbrechts-Tyteca,
1969, p. 45) de uma audiência a uma conclusão, ao enviar as premissas para “[...]
dentro de um conjunto de processos associativos e dissociativos” (Perelman;
Olbrechts-Tyteca, 1969, p. 65), responsável por dar forma ao entendimento
da audiência sobre a relação entre as premissas e a conclusão. O argumento pode
aumentar o grau em que uma audiência aceita uma conclusão, mas ela não conse-
gue compelir o consentimento da mesma maneira que a demonstração. Enquanto
a finalidade da demonstração é a descoberta de uma verdade, a finalidade de um
argumento é a de construí-la, na “comunidade de mentes” (PERELMAN, 2001, p.
1388), de modo a “[...] colocar em movimento a ação intencionada [...] ou, ao menos,
criar nos ouvintes um desejo de agir que aparecerá no momento certo” (Perel-
man; Olbrechts-Tyteca, 1969, p. 45).

110
A construção do argumento

O ponto de partida da abordagem presente em A Nova Retórica à argumen-


tação não foi uma teoria tomada da Filosofia, mas uma questão sobre a forma
como as pessoas, de fato, discutem os valores no mundo real. Consequentemen-
te, os autores examinaram milhares de exemplos de argumentos sobre valores
extraídos de uma infinidade de fontes, incluindo trabalhos políticos, jurídicos,
filosóficos, religiosos e científicos de diferentes épocas. Se o exame dessas fon-
tes tornou a teoria mais potente é algo contestável, mas não há dúvidas de que
a enriqueceu9. Em certo sentido, os exemplos sobrepõem-se ao quadro teórico
de modo a impossibilitar a redução da teoria a um conjunto de preceitos. Por
conseguinte, a linguagem da nova retórica é decididamente não categórica, mais
nuançada e metafórica que a linguagem típica da retórica da metade do século.
Algumas ideias-chave demonstram esse fato. Ao invés de acarretamento lógico,
os autores falam em “ligações” entre ideias; em vez de contradições, preferem
“incompatibilidades”; em vez da certeza ou até de probabilidade da conclusão,
preferem mencionar a “razoabilidade”; em vez de falar em concordância ou discor-
dância da audiência sobre uma conclusão, falam sobre o aumento ou diminuição
da intensidade da adesão a um argumento.
Talvez o mais interessante dos possíveis efeitos dessa metodologia é o lugar
privilegiado da noção de “presença” na teoria, a importância de trazer ideias às
audiências em todo seu imediatismo. De forma muito conveniente, a maior vir-
tude da Nova Retórica é a abundância de exemplos de “presença” que ilustram o
quadro teórico.

9. É claro que Lucie Olbrechts-Tyteca, como pessoa “erudita em ciências sociais e literatura europeia” (Bizzell;
Herzberg, 2001, p. 1371), merece um crédito especial por encontrar e selecionar exemplos pertinentes que
tornam a teoria de Perelman significativamente mais útil e mais atrativa.

111
A construção do argumento

Em muitos aspectos, o movimento de Perelman e Olbrechts-Tyteca da Ló-


gica tradicional em direção à Dialética segue o percurso tomado por Burke, que
também entende a Retórica como expressão do pensamento dialético. O próprio
Perelman assinala essa conexão ao citar a noção de identificação, proposta por
Burke, como o modelo para que o uso da Retórica forme uma “comunidade de
mentes” e assim “despertar a disposição para a ação” (PERELMAN, 2001, p. 1388)
de uma audiência. Além disso, a tensão essencial, na Nova Retórica, entre parte
(exemplos) e todo (teoria) é, como vimos, uma peça crítica da abordagem de Burke
à Retórica. Entender uma coisa “em termos de” outra, em vez de “como” outra, leva
Burke a procurar “pequenas histórias representativas” (BURKE, 1966, p, 523)
em vez de regras, leis ou narrativas que exaustivamente dão conta do todo. Esse
mesmo modo sinedóquico de entendimento leva Burke (1996) a rejeitar contra-
dições aparentes entre ideias e a favorecer algo como as incompatibilidades que
ele deseja superar através de acordos, em vez de aboli-las através do desmonte.
Além disso, Burke, assim como Perelman e Olbrechts-Tyteca, também en-
fatiza a dimensão inventiva da Retórica em detrimento da função ornamental.
Enquanto Burke subordina a função persuasiva à inventiva, Perelman e Olbrechts-
-Tyteca, após reconhecerem a importância da invenção, continuam a assinalar
a função persuasiva. Tanto na Nova Retórica quanto na A Rhetoric of Motives, de
Burke, somos sempre lembrados do contexto mais amplo que define as ativida-
des de uma pessoa. Para Burke, o dever de uma pessoa enquanto cidadã precede
o dever de uma pessoa enquanto especialista, não importando quanta “psicose
ocupacional” nos leve a confundir obrigações éticas e profissionais. Já Perelman
e Olbrechts-Tyteca baseiam seu estudo sobre retórica na noção de justiça social
e a enfatizam em todo o tratado.
Por fim, a controversa noção de “audiência universal” empregada na Nova
Retórica pode ser melhor entendida no contexto da noção burkeana de “persuasão
pura”. Assim como não existe uma instância da persuasão pura, não existe, de

112
A construção do argumento

fato, uma audiência universal. Ambas são ideais que norteiam quem argumenta
para além da persuasão “direcionada” – “o que me fará trazer essa audiência
para minha posição? ” – em direção ao trabalho de um entendimento completo
do tema. A audiência universal não é necessariamente uma audiência mais po-
pulosa que a particular. Quando escrevemos para audiências eruditas e críticas
em nossas especialidades, presumimos seu ceticismo e sua perspicácia que nos
leva aos melhores e mais razoáveis argumentos. Os publicitários que empurram
cerveja suave para homens brancos na faixa dos 18 aos 29 anos querem, sem
dúvida, atingir faixas menores.

A Stasis Theory e a Nova Retórica

Ao adaptar a Nova Retórica às nossas aulas, tentamos identificar esquemas


simples que servem como veículos para selecionar e organizar os ricos insights do
livro em um todo coerente de alcance razoável. De nosso ponto de vista, o esque-
ma que melhor serve a essa função é a Stasis Theory. Originalmente, essa teoria
emergiu na Grécia antiga como uma categoria do discurso jurídico (ou forense),
que junto ao discurso epidítico (ou cerimonial) e ao deliberativo (ou legislativo)
compreendem as três formas do discurso. Nos anos recentes, a ideia de Stasis tem
sido retomada e modificada para uso em aulas de argumento, em reconhecimen-
to ao fato de que, como aponta Fulkerson (1996, p. 40), é “[...] incrivelmente útil
[...], porque não se sobrepõe e é sequencialmente progressiva, e [...] porque pode
funcionar como uma heurística geradora que pode ajudar os estudantes a criar os
argumentos necessários em um artigo”. Os dois estudiosos mais responsáveis pelo
renascimento da Stasis como uma característica integral da instrução argumenta-
tiva são Jeanne Fahnestock e Marie Secor. O artigo Teaching Argument: A Theory of
Types (FAHNESTOK; SECOR, 1983) levou muitos professores de escrita a integrar a
Stasis às aulas e muitos autores a incluir a discussão em livros. O artigo representa

113
A construção do argumento

um caso exemplar de acadêmicos contemporâneos que adaptaram teorias antigas


da Retórica em aulas de escrita10.
Antes de demonstrarmos como usar a ideia de Stasis para organizar estraté-
gias, narrativas e princípios da Nova Retórica, apresentaremos um breve panorama
dessa ideia.
De acordo com Aristóteles, cada uma das três categorias originais do discurso
que antecipam as categorias da Stasis possuem um foco temporal distinto. O discurso
deliberativo lidava com propostas para o futuro, particularmente as propostas legis-
lativas; o epidítico lidava com o elogio e a culpa, e apresentava ao público ocasiões
para reforçar os valores comunitários no presente; o forense – de onde vêm a Stasis
– lidava com vereditos atribuídos a eventos passados tipicamente na esfera legal.
Por conta da associação primária com a lei, a antiga Stasis tendia a seguir o modelo
procedimental dos tribunais. Desse modo, o promotor em um caso era requerido a
fazer três tipos de teses reivindicatórias, representando três pontos em questão ou
Stasis: que a pessoa acusada cometeu o crime em questão (reivindicação do fato),
que o ato cometido constitui um crime (reivindicação da definição), e que o ato não
pode ser mitigado pelas circunstâncias (reivindicação de valores)11.

10. A contribuição do ensaio produzido por Fahnestock e Secor (1983) às teorias contemporâneas do argumento
é exemplar tanto em termos do importante impacto no campo quanto da abordagem particular sobre a
teoria. Boa parte dos melhores trabalhos recentes sobre retórica e escrita se desenvolveu como adaptação de
abordagens antigas ou como uma adaptação de abordagens de outros campos às necessidades do argumento
contemporâneo. Além do trabalho de Fahnestock e Secor (1983), o criativo trabalho de John Gage (1983) sobre
o entusiasmo dos estudantes com a escrita exemplifica o primeiro tipo de contribuição, enquanto a adaptação da
psicanálise ao domínio da retórica, promovida por Richard Young, Alton Becker e Kenneth Pike, é um exemplo
da segunda. Um grande número de livros e artigos interessantes e úteis sobre retórica e escrita vem sendo
escrito nos últimos anos por intelectuais do campo, mas ainda não presenciamos o desenvolvimento pleno de
teorias do argumento para confrontar com as que são desenvolvidas no campo da comunicação e da Filosofia.
À medida que consideramos essas últimas de utilidade limitada à sala de aula, apreciamos o intercâmbio rico
e apaixonado sobre argumento regularmente desenvolvido nesses campos.

11. A taxonomia da Stasis aqui utilizada provém, em grande parte, de Ramage, Bean e Johnson (2007).

114
A construção do argumento

O esquema desenhado por Ramage, Bean e Johnson (2007) possui cinco ele-
mentos e inclui: definição (X é/não é uma instância de Y), semelhança (X é/não é
como Y – os autores definem duas variedades de semelhanças, as precedentes e
as analogias), causa (X é/não é a causa de Y), avaliação (X é/não é um bom Y) e
ética (X é/não é bom)12. As três últimas Stasis são derivadas dos dois primeiros
tipos de discurso, o deliberativo e o epidítico, enquanto as duas primeiras são
derivadas do jurídico. Os autores enfatizam que cada uma é um tipo de reivin-
dicação oposto a um tipo de argumento (apesar de dispor de uma reivindicação
maior que pode ser usada para caracterizá-lo como um todo), e isso tipicamente
inclui inúmeras reivindicações dos mais variados tipos. O objetivo das Stasis
não é servir como uma taxonomia dos argumentos, mas ajudar os estudantes a
entender as demandas peculiares dos arrazoados e das evidências geradas por
um tipo de reivindicação.
Entender isso pode ser usado para antecipar as necessidades persuasivas
dentro dos próprios argumentos e para reconhecer os lugares dos outros nos
quais tais demandas são ou não são atendidas. Os breves traços associados a cada
tipo de reivindicação servem para representar o impulso geral das proposições
incluídas na categoria. Nos argumentos reais tais reivindicações geralmente to-
mam diferentes formas, exigindo em alguns casos uma interpretação significativa.
Como foi dito em nossa discussão sobre o possível engessamento da Retórica,
sempre há um tipo de troca entre a facilidade com a qual uma metodologia pode
ser aplicada e o perigo de que as conclusões dessa aplicação sejam simplificadas
em excesso. Defendemos que o benefício de oferecer aos estudantes uma abor-
dagem coerente ao argumento supera os perigos do engessamento, mas deve-se

12. Em versões mais recentes das Stasis, Ramage Bean e Johnson também esboçam uma distinção entre Stasis
categoriais e definidoras a depender se os critérios compõem a categoria Y ou se a correspondência entre
critérios e características de um X particular constituem o foco do debate. Aqui continuamos a tratar ambos os
casos sob a rubrica de definição.

115
A construção do argumento

ter em mente o imperativo metodológico de Burke (1970, p. 303), segundo o qual


“[...] qualquer terminologia é suspeita na medida em que ela não permite a crítica
dela mesma”. A esse respeito, um papel importante da Nova Retórica em relação
ao esquema das Stasis diz respeito a sua capacidade de nos lembrar os contextos
argumentativos mais importantes dos argumentos, bem como sua capacidade de
complicar nosso entendimento da tarefa ao identificar o ônus da prova associado
a cada uma das Stasis. Sem dúvida, muitos dos princípios e estratégias da Nova
Retórica podem ser utilmente aplicados em conjunção com as Stasis.
Na sequência, no entanto, dispomo-nos a ilustrar o papel que a Nova Retóri-
ca pode assumir para evitar que as Stasis se transformem em fórmula, ao focar
em um pequeno número de questões centradas nas reivindicações de definição
e semelhança, por um lado, e, por outro, nas reivindicações éticas e avaliativas.
As distinções cuidadosamente esboçadas na Nova Retórica entre valores
argumentativos e demonstração lógica nos lembram do limite entre a reivin-
dicação da definição e da semelhança, e reforçam a importância de qualificar,
com cuidado, tais reivindicações e de suportar as conexões mais tênues aqui
realizadas. A seção da Nova Retórica que introduz a regra da justiça (seres ou
situações do mesmo tipo devem ser tratadas de maneira idêntica) é dedicada aos
“argumentos Quase-lógicos”, um título que chama a atenção tanto para as simi-
laridades aparentes como para as diferenças importantes entre a demonstração
formal e a argumentação substantiva. A regra da justiça adapta-se à descrição
“quase-lógica” na medida em que é uma regra formal ou equação na qual pode-se
substituir muitos valores particulares. Porém, os argumentos dessa natureza são
menos rigorosos como classe de argumentos lógicos na medida em que a classe
requer que “[...] os objetos aos quais se aplica devem ser idênticos, isto é, comple-
tamente intercambiáveis” (Perelman e Olbrechts-Tytecha, 1969, p. 219).
Esse nunca é, entretanto, o caso no domínio dos valores humanos, nos quais a
igualdade “substancial”, como quis Burke, é o máximo que podemos esperar. Ao
cabo, deve-se fazer a mais retórica das determinações: o quanto os objetos em

116
A construção do argumento

questão são parecidos e o quanto desse parentesco é suficiente para justificar a


evocação da regra da justiça.
De fato, assim, todas as reivindicações de definição na Nova Retórica po-
dem ser consideradas reivindicações de semelhança. À media que aceitamos em
princípio essa equação – se a linguagem é fundamentalmente metafórica, todas
as relações assumidas de identidade tornam-se, em um exame detalhado, rela-
ções de identificação – retemos a distinção entre a reivindicação de definição e
de semelhança por razões pragmáticas (o que Burke chamaria de “realista”). A
distinção entre definição e semelhança é parte da linguagem ordinária e nomeia
uma distinção real de graus ou, como implicado, de parentesco. Enquanto as
reivindicações de definição obliteram as diferenças entre os termos definidos,
as reivindicações de semelhança colocam-nas em primeiro plano.
Consequentemente, a relação entre “seres ou situações” para quem reivin-
dica semelhanças é mais tentadora, e o ônus da prova é mais fraco no tocante
às relações estabelecidas sob as reivindicações de definição. De modo inverso,
quanto mais relação reivindicada dos termos for definida ou comparada, menos
uma exceção ou um contraexemplo serão inferiores à versão da regra da justiça.
É pragmático reter essa distinção aos estudantes, desse modo, tanto porque a
distinção é significativa no cotidiano da linguagem natural como porque assina-
lar essa distinção leva os estudantes a reconhecer as significativas diferenças no
ônus da prova decorrentes do tipo de Stasis adotado.
Outra distinção do mesmo tipo pode ser esboçada entre os dois diferentes
tipos de reivindicação de semelhança: os precedentes e os analógicos. No pri-
meiro caso, a conexão entre os termos é sequencial, e “[...] os termos reunidos
estão no mesmo plano fenomênico” (Perelman; Olbrechts-Tytecha, 1969,
p. 293). Assim, por exemplo, quando pensamos em precedentes, temos em mente
dois ou mais casos legais, duas ou mais situações históricas, e assim por diante.
Assim que um precedente é estabelecido, a extensão da regra da justiça, no caso
em questão, é, desse modo, razoavelmente clara. Já no caso das analogias, não há

117
A construção do argumento

clareza que pode equacionar entidades radicalmente diferentes. De acordo com


Perelman e Olbrechts-Tytecha (1969, p. 381), analogias compreendem “trans-
ferência de valores” de um termo a outro ou “do phoros ao tema”, mas, quando
se clama que dois termos como “amor” e “rosas vermelhas” apresentam valor
aproximadamente igual, isso não implica estender a regra da justiça de um para
outro e concluir que se deve, por exemplo, fertilizar o companheiro de alguém
ou ter um encontro com uma rosa.
Em suma, ao escolher entre reivindicações de definição, de precedência
ou de analogia para preparar a extensão da regra da justiça de um termo a ou-
tro, deve-se considerar o nível de suporte disponível para uma reivindicação e
determinar o grau de qualificação apropriado para uma conclusão. Enquanto
a reivindicação por definição, que implica igualdade substancial entre termos,
requer suporte maior; analogias, que implicam valores partilhados entre termos,
requer menor suporte.
É importante que os estudantes entendam essas distinções entre os tipos
de reivindicação e as suas implicações para a regra da justiça. Muitas das con-
trovérsias atuais, de fato, sustentam-se em termos de definição e semelhança
e nas diferenças entre ambas. Talvez a ilustração mais expressiva e clara da
importância de se distinguir entre reivindicações de identidade e de semelhan-
ça é o conflito entre os juízes da Suprema Corte quando a partir de uma regra
da justiça aplicável na sociedade norte-americana atual. Boa parte dos debates
da Suprema Corte podem ser caracterizados como ruminações sobre o grau de
similaridade entre casos variados, “seres e situações”, e sobre como determinar
que são suficientemente similares para evocar a regra da justiça. Entre os juízes,
alguns – conhecidos como originalistas ou strict constructionists – concordam
com o papel de destaque das reivindicações por definição e sustentam que as
diferenças com as reivindicações por semelhança não são apenas de grau, mas

118
A construção do argumento

de natureza. Para eles, a definição original do termo, como foi entendido pelos
que pensaram a Constituição, é imanente ao texto, que é a única fonte legítima
de sentido13.
Historicamente, as posições mais literais sobre a interpretação jurídica são
difíceis, quando não impossíveis de serem mantidas, daí ser frequente juízes “de
esquerda” defenderem uma visão menos rígida da interpretação, durante anos,
sobre assuntos extremamente complexos de reivindicação de definição e de se-
melhança14. Entre os fatores que claramente influenciam os juízes a tornarem-se
mais flexíveis em procedimentos interpretativos em face ao protesto de pares ori-
ginalistas são as mudanças das circunstâncias históricas que envolvem os casos.
Aqui o axioma de Burke “as circunstâncias alteram os argumentos” é um guia útil.
Por exemplo, muitos anos após a Corte ter rejeitado as leis de Jim Crow e outras
que previam diferenças categóricas entre afro-americanos e brancos, e, assim, não
contemplados pelos mesmos direitos e garantias, leis contrárias ao casamento entre
raças continuaram ativas. Finalmente, no despertar do movimento dos Direitos
Civis dos anos sessenta, a última dessas leis foi derrubada. Enquanto o princípio
de igualdade racial foi abraçado um século antes, a lei foi mais lenta para estender
a regra da justiça a práticas como a miscigenação, pois os hábitos tornavam as leis
antimiscigenação parecerem “naturais”, e foi necessário um levante histórico para
ajudar a Corte a elaborar uma nova perspectiva sobre o assunto.

13. Em mais de uma ocasião, alguns juízes citaram o Dicionário de Sam Johnson, publicado em 1756, o único
dicionário de língua inglesa existente, quando a Constituição foi esboçada, como uma tentativa de divinizar como
os constituintes estavam empregando determinado termo. Presumivelmente, esses mesmos juízes optaram por
não citar a definição de “democracia” de Johnson, presente nesse dicionário, e ilustrada com uma citação do
Dr. Arbuthnot: “Como o governo britânico possui uma mistura democrática dentro de si, o direito de inventar
tensões políticas reside parcialmente no povo”.

14. Talvez, sem surpresa, a mais notável exceção a essa regra, o juiz Antonin Scalia, que, após mais de duas
décadas na Suprema Corte, mantem-se um originalista ardente, é o filho de um crítico formalista, a versão
literal da teoria strict constructionism.

119
A construção do argumento

O processo continua. Quando a Suprema Corte derrubou posteriormente as


leis estaduais que criminalizam as práticas homossexuais, argumentou-se, citando
a lei prévia do casamento entre raças, que a decisão constituía precedentes para
derrubar o banimento do casamento gay. Enquanto alguns tribunais estaduais – e
diversos tribunais estrangeiras – de fato, decidiram que as similaridades entre os
dois fenômenos eram suficientes para estender a regra da justiça da diversidade
racial à diversidade sexual, a Corte Suprema não fez o mesmo. De maneira suficien-
temente apropriada, oponentes dessa extensão, mas sofisticados o suficiente para
reconhecer as incompatibilidades de suas próprias posições, valem-se de outras
das várias ferramentas disponíveis na Nova Retórica para o trabalho de “vinculação
e desvinculação” de argumentos que servem a determinados propósitos. Nesse
caso, o dispositivo empregado por aqueles que delimitam uma linha nítida entre
casamento inter-racial e o casamento gay é o “par filosófico”. Enquanto dispositivo
para categorizar fenômenos similares, os pares filosóficos inevitavelmente elevam
um em detrimento do outro. O mais notável desses pares, “aparência/realidade”
– originalmente designado a desconectar a percepção sensorial da busca pela ver-
dade – serve aos oponentes do casamento gay ao diminuí-lo a uma versão falsa da
coisa real, o casamento heterossexual.
Reivindicações avaliativas (X é/não é bom) e reivindicações éticas (X é/não
é um bom Y) podem ser enriquecidas ao valer-se da Nova Retórica. Muito da obra,
de fato, é tomado por discussões sobre o valor, e os autores são particularmente
eficientes em articular distinções entre reivindicações por valores éticos e por
avaliações. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1969) discutem, inicialmente, os valores
no contexto dos “tipos de acordo” entre os membros de um auditório que podem
ser empregados como premissas argumentativas. De maneira interessante, os au-
tores identificam as características únicas dos valores e as que os distinguem de
outros tipos de premissas – fatos, verdades e presunções – como sendo de natureza
local, rejeitando, desse modo, a noção de valores universais do tipo que pessoas
como John Leo nos garantem que existem. Em revés direto à Lógica adotada por

120
A construção do argumento

Leo, os autores da Nova Retórica afirmam que, enquanto outros tipos de premissa
apelam a uma audiência universal, os valores reclamam “apenas a adesão a gru-
pos particulares” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTEXA, 1969, p. 74). No tocante às
reivindicações da universalidade de valores como “o Verdadeiro, o Bom, o Belo e
o Absoluto”, os autores dão a seguinte resposta.

A alegação de um acordo universal [...] parece-nos devido apenas à sua


generalidade. Eles podem ser tratados como válidos por uma audiência
universal apenas sob a condição de que o conteúdo não seja especificado;
assim que entramos nos detalhes, temos contato apenas com a adesão
de audiências particulares (Perelman; Olbrechts-Tytecha, 1969,
p. 76).

De modo a ilustrar como a Nova Retórica pode nos ajudar a articular a diferença
entre reivindicações avaliativas e reivindicações éticas, consideraremos o papel
do médico e ex-senador Bill Frist no caso Terry Schaivo. Cumpre lembrar que esse
caso ocorreu na Flórida e envolveu um conflito entre os pais da mulher e o marido
sobre a remoção de tubos de alimentação, que a levaram à morte. Um número de
médicos responsáveis por Schaivo declarou seu “estado vegetativo permanente”,
condição sob a qual as leis da Flórida permitem a eutanásia. O estado interveio a
favor dos pais e os tribunais deram decisão contrária, a tal ponto que membros
do Congresso Norte-Americano tentaram intervir em favor dos pais. O senador
Frist chegou a alegar que Schaivo não estava em estado vegetativo permanente
ao assistir a um breve vídeo.
Com esse pano de fundo, consideremos as diferenças entre um julgamento
avaliativo das habilidades médicas de Frist e o julgamento ético de sua interven-
ção no caso. A excelência de Frist como médico é melhor mensurada por padrões
gerais da profissão médica e pelos padrões de sua especialidade (cirurgia cardía-
ca) dentro dessa profissão. “Comparado a quem” ele é um excelente cirurgião? Os
julgamentos implícitos em reivindicações avaliativas são sempre condicionados

121
A construção do argumento

a esse tipo de perguntas. Ao formar uma resposta para essas questões, é nossa
incumbência selecionar o menor grupo de referência aplicável e tirar daí nossos
critérios, e agirmos com prudência para que esses critérios cumpram sua função
no grupo a que servem. Desse modo, enquanto todos os médicos deveriam possuir
uma confortante relação médico-paciente e um grau razoável de destreza manual,
os médicos de família devem ser julgados mais pela relação médico-paciente do
que pela destreza manual. Na medida em que as pessoas se opõem às funções da
classe e aos pesos atribuídos por diferentes critérios, o debate ultrapassa o domínio
médico e sua avaliação. Quem discorda tem de apresentar valores de seu repertório
pessoal e fazê-los valer na profissão médica.
Em relação à oposição de Frist de remover os tubos de alimentação de Ter-
ry Schaivo, por outro lado, o julgamento dessa ação não é condicional na mesma
medida em que as reivindicações de avaliação do tipo precedente costumam ser.
A ação tomada por ele não pertence à classe mais ampla de ações portadoras de
critérios derivados da função da classe. Os critérios para julgamento da qualidade
da ação devem vir de crenças pessoais e valores de quem julga. Essa é a dimensão
“local” do julgamento ético aludida pelos autores da Nova Retórica. A fonte do jul-
gamento é local, mas as implicações do julgamento são universais. Certamente há
casos, como o do dos Nazistas citado por John Leo, no qual a proporção dos que
concordam com o julgamento é tão ampla que chega a ser virtualmente universal.
Porém, poucas questões éticas seriam pertinentes se a concordância com todos os
julgamentos fosse tão assimétrica.
Desse modo, enquanto apenas uma parcela de pessoas pode concordar com
Frist no que diz respeito à remoção do tubo de alimentação de uma pessoa em
permanente estado vegetativo por quatorze anos, a reivindicação implica que to-
dos devem concordar com o julgamento. O fato de ele ser médico, nesse tempo, dá
a ele pouco poder no debate moral sobre eutanásia. Qualquer argumento por ele
oferecido à população norte-americano, da qual três quartos discordaram quando
ele se opôs à morte de Schaivo, teria fundamento moral. Enquanto em um nível

122
A construção do argumento

geral todos podem concordar com esse médico de que uma “cultura da vida” é
uma boa ideia, o caso de Schaivo compeliu o público a “entrar em detalhes” sobre
o significado desse princípio, e, quando assim o fizeram, houve muita dissidência.
Esse resultado é previsível por qualquer leitor da Nova Retórica.
No contexto da teoria proposta por Perelman e Olbrechts-Tyteca, o que po-
deria parecer à primeira vista ser uma tarefa simples no contexto da teoria das
Stasis é, ao fim, bastante complicado. De acordo com a Nova Retórica, as pessoas
não subscrevem monoliticamente a valores. Indivíduos e grupos hierarquicamente
mantêm valores, e é por isso que dois indivíduos que pertencem nominalmente
ao mesmo grupo e admitem os mesmos valores podem ranqueá-los de maneiras
significativamente diferentes. Duas pessoas, desse modo, que admitem os valores
sobre a “cultura da vida” podem concordar que o aborto é algo muito ruim, e, ao
mesmo tempo, se dividir sobre o papel da pesquisa com células-tronco. Por sua
vez, tais diferenças sobre a questão do uso de células-tronco podem refletir outra
distinção de tipos de valores discutida por Perelman e Olbrechts-Tyteca, a distinção
entre valores concretos e abstratos. Não importa o quão ardentemente alguém se
oponha ao sacrifício de vidas humanas em termos abstratos, pode-se abrir uma
exceção para o caso da pesquisa com células-tronco, quando algum ente querido
é atingido por uma doença grave cuja possibilidade de cura é aumentada por esse
tipo de pesquisa. Novamente, o que a Nova Retórica nos ensina sobre a reivindica-
ção por valores é que o julgamento sobre o nível de bondade ou maldade é guiado
pela natureza local dos valores em questão. Os valores em questão raramente são
tomados como simplesmente bons ou maus. Eles são melhores ou piores que outros
e a interação entre eles pode atenuar ou intensificar os julgamentos baseados neles
mesmos. Por isso a probabilidade de alguém diminuir a adesão da audiência a um
valor ao evocar uma alternativa mais estimada é maior se comparada à tentativa
de desacreditar e desmerecer o valor contestado.

123
A construção do argumento

Introdução a Stephen Toulmin

A última de nossas figuras da Retórica contemporânea, o filósofo britânico


Stephen Toulmin, talvez seja o mais controverso. A abordagem desse autor já foi
considerada a-retórica – e certamente sua escolha infeliz de casos ilustrativos dão
suporte a essa acusação – e com frequência a aplicação em sala de aula é evitada.
Alguns professores descrevem tal abordagem como muito limitada, outros recla-
mam que é confusa. Da mesma forma que as outras figuras discutidas neste capítulo,
deve-se estar atento às expectativas para a aplicação desse autor. O que se espera
da sua abordagem? Quando se responde a essa pergunta de maneira específica e
com expectativas modestas em mente, em geral, não há frustração. Comumente,
problemas com essa abordagem decorrem de expectativas não realistas. Os autores
deste livro nunca se apoiam primariamente, e, menos ainda, exclusivamente, na
abordagem de Toulmin – muito tempo de aula dedicado a analisar argumentos a
partir do esquema desse autor pode ser uma experiência enlouquecedora. Sempre
lembramos nossos estudantes de que essas análises acarretam uma boa interpre-
tação, e que, assim como os comerciais confessam suas mentiras discretamente no
canto da tela, “os resultados apresentados podem não ser típicos”, quando deixam
de ser ilustrações ad hoc para ser casos reais. Essa abordagem é melhor utilizada
em conjunção com a reivindicação mais importante de um argumento como meio
de “checar” e ter certeza de que essa reivindicação diz algo muito similar àquilo
que alguém tem por intenção deixar claro, além de clarificar as obrigações impos-
tas a si ao realizá-la. Por consequência, geralmente pedimos a nossos estudantes
que submetam a reivindicação mais importante à análise de Toulmin, depois de
completados os rascunhos. Assim como na Nova Retórica, funciona bem em com-
binação com a abordagem sobre as Stasis, em parte, porque ambas enfatizam a
reivindicação. Enquanto as Stasis são eficazes para a expansão das reivindicações,
a proposta de Toulmin é particularmente eficaz para refiná-las e delimitá-las. Ao
fim, a força peculiar da abordagem de Toulmin, o acesso que ela permite ao fun-

124
A construção do argumento

cionamento interno do argumento e a consciência sobre as nuances linguísticas


do argumento fazem valer a pena evocá-la. Isso posto, vejamos as origens dessa
abordagem e seus princípios fundamentais.

O esquema de Toulmin – o não silogismo

Assim como na Nova Retórica, o ponto de partida de Toulmin em Os usos do


argumento é a demonstração lógico-formal (TOULMIN, 1958). O que distingue a
abordagem desse autor é o fato de que ele se mantém próximo ao modelo lógico,
inventando uma variação do silogismo categorial para apontar as deficiências do
arrazoado silogístico – em particular, a não atenção dada às circunstâncias e à in-
diferença sobre verdades substantivas e analíticas – enquanto preserva algumas
características, especialmente, a habilidade de tornar os argumentos mais trans-
parentes. A abordagem de Toulmin, mais estreita que as outras tratadas neste
capítulo, supre sua falta de riqueza com a capacidade de tornar os argumentos
mais coerentes e mais transparentes.
Em oposição ao silogismo categorial e seus três elementos (premissa maior,
premissa menor e conclusão), Toulmin evoca seis: (1) dado, (2) garantia, (3) tese
(4) reforço, (5) reserva, (6) qualificador. Para ilustrar um esquema típico de Toul-
min, tomaremos emprestado um dos famosos exemplos “a-retóricos”. Em poucas
palavras, o “argumento”, tal como é, segue este caminho: Petersen é sueco, e como
sueco pode ser considerado quase certamente como não católico, Petersen é quase
certamente não católico. O argumento inclui quatro dos seis elementos. “Petersen
é sueco” é o dado, ou “o que permanece”. “Um sueco pode ser considerado quase
certamente como não católico” é a garantia, a generalização ou a regra que licen-
cia as inferências sobre o dado e leva à tese “Petersen não é católico”. O “quase
certamente” representa o qualificador ou medida de confiança que se pode ter
na conclusão baseada na força da garantia e no poder do dado. Um argumento
pode também incluir os outros dois elementos, “reserva” e “reforço”. O primeiro

125
A construção do argumento

aponta para exceções à regra implicada pela garantia. No caso de nosso amigo
sueco, a possibilidade, digamos, de ter passado férias na Itália, ter-se apaixonado
por uma católica e converter-se para poder casar na igreja. Já o “reforço” inclui
todas as certezas de que a garantia por nós usada é aceitável. Nesse caso, podem
ser dados estatísticos que apontam para a pequena proporção de suecos adeptos
do catolicismo.
É usual encontrar o esquema de Toulmin reduzido a apenas três dos elemen-
tos: dado-garantia-tese, ou, como proposto em alguns livros didáticos, evidência-
-razão-conclusão. Esse trio é provavelmente menos difícil para os novatos, mas
quando se simplifica o esquema dessa maneira, perde-se muita da precisão da
abordagem do autor: muitas garantias podem ser definidas como razões, mas é
impossível converter razões em garantias. Além disso, razões também servem
como motivação. A simplificação do esquema acarreta igualmente uma perda de
transparência ou aquilo que o autor cunhou como a “sinceridade”. A função primária
desses elementos, afinal, é extrair informações das partes de um argumento, que
podem passar despercebidas. Quando solicitamos aos estudantes para indicarem
o qualificador e o reforço, convém lembrar que esses elementos operaram no do-
mínio das probabilidades e das contingências e não são categóricos, forçando-os a
calibrar cuidadosamente o grau de confiança na tese e assinalar as possibilidades
sob as quais ela não se sustenta.
Indo mais ao ponto, o esquema de Toulmin pode “substituir” um auditório
cético, ou aquilo que o autor se refere como um “desafiante”. A esse respeito, Os
Usos do Argumento, assim como a Nova Retórica, é fortemente influenciado pelo
modelo jurídico de argumento. Ao passo que o silogismo categorial representa em
última instância um argumento por autoridade – o sistema da lógica não oferece
uma maneira de questionar a veracidade dos termos ou de desafiar suposições –
o esquema de Toulmin antecipa questões sobre a veracidade, levantadas por um
“conselho opositivo”, em cada circunstância. Dito de outra forma, os slots no esque-

126
A construção do argumento

ma de Toulmin representados pela reserva e pelo qualificador antecipam desafios


que podem ser postos em relação à adequação das motivações e da relevância da
garantia. Já o reforço antecipa o desafio à legitimidade da garantia. Dada a dificul-
dade que muitos de nós – especialmente os estudantes – apresentam para desafiar
os próprios argumentos, Toulmin provê uma maneira sistemática de antecipar
desafios, reforçando nosso argumento de acordo com eles (Sem mencionar, óbvio,
a crítica aos argumentos alheios).
No entanto, Toulmin também é cuidadoso ao delimitar os desafios que podem
ser colocados aos argumentos. Se em teoria, todos os elementos de um argumento
estão abertos a desafios, de fato, a vulnerabilidade dos seis elementos é a limitação
pela convenção. Ou seja, Toulmin aceita que diferentes campos do argumento apre-
sentam acordos – alguns tácitos, outros explícitos – sobre o que constitui dados
suficientes e relevantes, reforços legítimos e o que tornam irrelevantes muitos dos
desafios colocados ao argumento. De fato, em alguns casos, nomear as garantias e
os reforços pode ser um insulto à audiência. Por convenção, os elementos do modelo
de Toulmin são menos questionáveis do que parece à primeira vista. Além disso,
o autor impõe um padrão rigoroso ao reforço, exigindo um status de “como um
fato” a ele, presumidamente para evitar o prospecto inapropriado de um infinito
regresso de justificativas, de reforços empilhados. Mesmo dentro da mais rigoro-
sa das convenções disciplinares, entretanto, a lógica do modelo de Toulmin está
longe de ser utilitarista e estreita como a imposta pelo silogismo categorial. Como
mostram os trabalhos de pessoas como a economista Deirdre McCloskey, em anos
recentes, até os argumentos quantitativos da economia e de outros campos das
ciências sociais são menos objetivos e convincentes do que faz crer as estruturas
pseudo-logísticas.
Por fim, o modelo de Toulmin tem sido aplicado e usado livremente a argu-
mentação sobre ética e políticas públicas nas quais poucos elementos carregam
definições aceitas por todas ou quase todas as partes do debate. De fato, nessas

127
A construção do argumento

instâncias, o valor principal do modelo reside no poder de revelar a vulnerabili-


dade das premissas (garantias e reforço) sobre as quais se assenta o argumento e
na capacidade em oferecer uma ideia mais clara do quanto pode ser provável uma
conclusão.

A aplicação do modelo de Toulmin

Para ilustrar a abordagem de Toulmin é preciso que nos movamos das teses
diretas e pouco controversas de que ele se vale em direção a teses mais contro-
versas e abertas que os estudantes podem, de fato, empregar ou encontrar em
um discurso persuasivo. Para tomarmos emprestada uma controvérsia recente
no discurso político norte-americano, consideremos a seguinte: “uma parte da
contribuição dos trabalhadores norte-americanos à seguridade social deve ser
colocada em contas de investimento pessoal”. Como geralmente é o caso, essa tese
aparece com o mínimo de reserva ou qualificação. De maneira a acessar a validade
da tese, devemos perguntar o que o orador pode ter em mente para servir de dado,
garantia, reforço, qualificador ou reserva. Em outros casos, como nesse, devemos
supri-las ou inferi-las de outras declarações feitas pelo mesmo orador.
O mais proeminente dos dados aduzidos para justificar a tese é algo da se-
guinte ordem: “o sistema de seguridade social estará falido em breve”. A primeira
coisa a ser notada sobre esse dado em particular é o fato de que ele próprio é
uma tese. De fato, as bases para os argumentos do mundo real são geralmente
reivindicações não imunes a questionamentos, particularmente quando se está
engajado em temas relativos a políticas públicas, diferente das controvérsias de
outros campos bem definidos cujas regras são explícitas e acordadas por con-
venção. Os dados raramente sobem ao nível dos “fatos” (mantendo-se em mente
que “fatos” são aqui entendidos como medida de concordância de uma audiência,
e não da correspondência entre uma proposição e a realidade extralinguística)
e são suscetíveis a desafios. São, para ficarmos seguros, uma reivindicação mais

128
A construção do argumento

amplamente aceita do que a que serve como conclusão do argumento. No entanto,


muitas pessoas questionaram esses dados levando em conta as definições: qual o
significado de “em breve” e de “falir”?
Ambas as perguntas poderiam ser respondidas por predições econômicas
de longo prazo, que são notoriamente instáveis. Isso posto, um consenso sobre
opiniões econômicas concluiu que se nada fosse feito, o sistema começaria a gas-
tar mais do que recebe a partir de 2017, e que teria de reduzir os benefícios entre
20% a 30%, em algum momento entre os anos de 2042 e 2052. Outra previsão,
mais terrível, dos defensores da mudança foi rejeitada com base no fato de que
eles se valeram de um conjunto de suposições diferentes, se comparadas a outras
previsões econômicas, para chegar à conclusão. O sistema nunca foi projetado
para falir. De fato, diversas análises econômicas das propostas mais severas que
envolvem contas pessoais indicaram que, em 2042, os beneficiários receberiam
quantia similar ou inferior ao pior caso, o cenário do “nada a fazer”. O termo “fali-
do”, desse modo, revelou relativo em oposição ao julgamento categorial. Na mesma
moeda, oponentes da proposta enfatizaram que, “em breve”, também é um termo
relativo e perguntaram: “comparado a quê?” a seguridade social está em um beco
sem saída e “comparado a quê?” essa ameaça é urgente? Como vimos em nossa
discussão sobre a Nova Retórica, o valor de uma reivindicação será afetado pelas
reivindicações associadas por questões como essas. Por consequência, quando os
oponentes da privatização da seguridade social mediram os perigos que ela enfrenta
face ao seguro de saúde, o público considerou esse último muito mais preocupante.
Comparado ao impacto da crise do sistema de saúde, os problemas da seguridade
social pareceram eminentemente mais administráveis.
Quaisquer que sejam os problemas com a adequação dos dados à urgência
e magnitude da tese, os problemas mais interessantes com a proposta, segundo
a perspectiva assumida no esquema de Toulmin, concernem ao ato que poderia
justificar a passagem do dado tese movimento que vai das bases – iremos assu-
mir por ora a adequação dos dados para justificar a instável condição financeira

129
A construção do argumento

do sistema de seguridade social – à tese. Como alguém pode ir da afirmação “o


sistema de seguridade social em breve estará falido” à tese “parte da contribui-
ção dos trabalhadores norte-americanos à seguridade social deve ser colocada
em contas de investimento pessoal”? Como é geralmente o caso em questões de
políticas públicas, nenhuma garantia foi articulada, deixando a tarefa àqueles
que questionam a tese. Ao imaginar uma garantia adequada à tarefa, o desafiador
precisa discernir o grau de certeza dos que fazem as reivindicações em relação
à sua adequação. No caso da tese em questão, o fato de que não foi acompanhada
por qualificadores ou reservas sugere a necessidade de uma garantia de força
considerável. Ou seja, qualquer regra ou princípio aduzido deve fazer a conclusão
ser altamente provável ou certa.
Para alguns, inferir uma garantia é uma questão muito simples uma vez que
já se estimou o grau de certeza que ela deve possuir. Basicamente, deve-se reafir-
mar em nível mais geral a relação entre os dados e a tese, algo como “sempre que
dado, então tese” ou “sempre que dado, frequentemente tese”. No exemplo prosaico
de Toulmin, em Os usos do argumento, a garantia parece autoevidente a ponto de
ser supérflua. No caso em questão, porém, a declaração da garantia pode ser ao
mesmo tempo autoevidente e controversa. Há, como esperado, boas razões para
não declarar o óbvio. No caso da proposta sobre a seguridade social, um candidato
óbvio para a garantia é algo do tipo “quando um programa público está com pro-
blemas, privatizar ao menos parte dele é a melhor solução”. Tudo o que fizemos foi
converter os dados (o sistema social em breve estará falido) e a tese (uma parte
da contribuição deve ser colocada em contas de investimento pessoal) em versões
um pouco mais gerais e combiná-las. Os proponentes do plano abandonaram os
termos “privado” e “privatizar”, porque os julgaram demasiado controversos. Mas,
quando o fizeram, já empregavam-no por mais de duas décadas para descrever a
proposta que promoviam e os sinônimos que julgavam ultrapassados.

130
A construção do argumento

A vantagem de reafirmar as coisas à moda de uma garantia é tornar o racio-


cínio subjacente ao argumento muito mais transparente. Nesse processo, é inevi-
tável o surgimento de questões que podem passar despercebidas desde que o foco
seja o caso particular em apreço. Assim, garantias para teses propositivas como a
proposta da seguridade social implicam uma relação causal entre um problema e
uma solução (problema X, portanto solução Y). Estabelecer tais relações de forma
tipicamente requer o recurso a precedentes históricos (solução Y é muito parecida
com solução Z que já funcionou em situação similar) e conexões físicas (solução Y
funciona do seguinte modo: A, então B, então C). Essas preocupações empíricas
estão ausentes nos exemplos pouco problemáticos de Toulmin nos quais o reforço
é uma simples questão de conferir dados censitários. No caso da seguridade social,
o reforço à garantia implicada de que a privatização irá resolver os problemas é
necessariamente menos “factual” e mais aproximado de uma reivindicação por
semelhança (nos casos em os programas X tiveram problemas, a privatização
os salvou). Os exemplos de Toulmin não requerem muito reforço empírico, em
parte pela similaridade com os silogismos categoriais. Nesses, a premissa maior
simplesmente afirma pertencimento a uma categoria. No exemplo de Toulmin, a
garantia – “Suecos raramente são católicos” – serve à função prosaica. Apesar de
não ser, estritamente falando, uma proposição categórica, a garantia é suficien-
temente similar a um fato para tornar o reforço algo supérfluo. A garantia para o
argumento sobre a seguridade social é consideravelmente menos factual e requer
reforço significante para garantir a adesão. Em que casos a privatização foi tentada
no passado, onde funcionou ou não e por quê? Como a privatização da seguridade
social é parecida com esses casos precedentes? Exatamente como, passo a passo,
a privatização levará à salvação do programa?
As várias tentativas de responder tais questões se mostraram pouco convin-
centes para a grande maioria do público norte-americano. De fato, criaram mais
questões do que respostas. Como as contas privadas teriam apoio sem cortar con-

131
A construção do argumento

tribuições aos benefícios a que eram destinadas? Qual o efeito da perda de trilhões
de dólares em contribuições para a saúde financeira dos programas de seguridade
social existentes? Ao cabo, proponentes das contas privadas recuaram na alegação
de que resolveriam os problemas da seguridade social e as recomendaram por
razões distintas.
Ter garantias explícitas significa que podemos ser mais específicos sobre os
requisitos para um reforço apropriado. Quais evidências há, de fato, de que a pri-
vatização é um meio eficaz para solucionar problemas com programas públicos?
Aqui os proponentes poderiam se voltar para um conjunto misto de evidências, os
casos nos quais a privatização foi ou não eficaz. Um precedente frequentemente
citado que pode servir de reforço à nossa garantia é o caso do Chile, que privatizou
integralmente o sistema no final da década de 1970. No entanto, mesmo esse pre-
cedente falhou em prover um reforço sólido à garantia que a tese desqualificada
parecia apelar. No geral, o sistema chileno funcionou bem, mas muitas análises
sugerem que funcionou melhor para a classe média e para a classe alta do que
para os mais pobres, cuja maioria teria se beneficiado mais com o programa social.
Considerando que a seguridade social é um instrumento para diminuir a margem
de pobreza entre idosos norte-americanos a mais ou menos dois terços (de cerca
de 30% para 10%) desde a década de 1970, esse foi um aspecto preocupante da
experiência chilena. Além disso, a vida do programa chileno, em paralelo, ofere-
ceu condições para o maior aumento de preço de ações na história da negociação
de bens públicos, o que levou algumas pessoas a questionarem o valor preditivo
dessa ação. O programa chileno está, neste momento, sendo reformulado de modo
a tentar atenuar a tendência de encurtamento de benefícios aos mais pobres.
Hoje em dia, a proposta de privatização do sistema de seguridade social nos
Estados Unidos está parada em função do crescente volume de críticas, mas ainda
permanece como uma possibilidade no horizonte das políticas públicas. As reivin-
dicações ousadas e não modificadas que defendem as contas privadas falharam na
tarefa de ganhar amplo apoio público, apesar do grande volume de capital financeiro

132
A construção do argumento

e político investido. Quanto mais o público ouvia os argumentos dos proponentes,


menor era o apoio à proposta. A fraqueza dos argumentos poderia ser facilmente
expressa sem o modelo de Toulmin. No entanto, a linguagem do autor oferece uma
maneira precisa de expressar problemas de articulação entre áreas distintas.
Retroceder à falha geral da qualificação da tese maior serve para se reconhecer
o ônus da prova assumido pelo argumento. No contexto dessa certeza, os dados
que reforçam tanto a urgência quanto a magnitude do problema parecem insu-
ficientes. Além disso, a incompatibilidade entre o problema (a seguridade social
está falindo) e a solução (investir parte da contribuição em contas privadas) pode
ser mais visível após a desconstrução do argumento. Mais do que isso, a falta de
qualquer elemento próximo a um fato para a garantia erodiu a confiança pública
no argumento.
Apesar dos pesares, o sucesso ou fracasso de um argumento correlaciona-se
com a sonoridade, tal qual estabelecida por Toulmin. Ao final da análise, o contex-
to mais amplo, as circunstâncias nas quais os proponentes deveriam “encontrar
meios disponíveis para a persuasão”, provavelmente está associado ao fracasso
do argumento. Um sem número de eventos recentes levaram as pessoas a serem
mais adversas aos riscos, em particular no que toca à renda da aposentadoria. As
quedas dos mercados de ações em 2002, seguidas de três anos de fraca recupe-
ração, deixaram as pessoas muito preocupadas em relação a qualquer proposta
que transferissem renda para esse mercado. Mais do que isso, ao longo da década
anterior, muitos descobriram que os planos privados de aposentadoria eram insol-
ventes ou severamente subfinanciados, quase ao ponto de serem abolidos, ou ainda
o silencioso fato de que os benefícios definidos foram convertidos em benefícios
flutuantes, dependentes da performance das ações no mercado. Por fim, entre os
fatores que levaram aos problemas do mercado, em 2002, estava o relaxamento
de políticas regulatórias do governo federal, que levaram à falência da Enron e
de muitas outras operadoras de serviços financeiros. A maioria dos argumentos
emerge ou afunda com base em assuntos “substanciais” como esses, em oposição

133
A construção do argumento

à fraqueza “analítica” ou formal dentro de um argumento. Porém, ao assumir que


se pode recorrer ao contexto mais amplo e a familiaridade com circunstâncias re-
levantes, a proposta de Toulmin permanece uma ferramenta poderosa para checar
se um argumento é a melhor expressão desses elementos.

Resumo

Em síntese, o que os professores podem extrair dessa breve história? Das anti-
gas contendas com a Filosofia, podemos aprender a abraçar as bases “realistas” de
nosso empreendimento, a aceitar o fato de que não podemos prometer certezas ou
verdades com “v” maiúsculo como efeito da argumentação. Podemos, entretanto,
oferecer meios para atingir um entendimento mais completo e mais complexo do
mundo e uma probabilidade maior de que esse entendimento será traduzido em
ações e decisões. Podemos lembrar o fato de que o primeiro livro abrangente de
teoria retórica, A Retórica de Aristóteles, é um manual para a participação cidadã
na democracia grega, e que, de início, precisamos preparar não especialistas a
cumprir com suas obrigações como cidadãos. Podemos oferecer, sem desculpas,
meios sistemáticos para a formulação e teste de argumentos, mesmo se nos man-
temos cautelosos de que esses meios não oferecem soluções baratas e rápidas.
Podemos, na aurora da “virada linguística” da Filosofia em que o poder da lingua-
gem em construir e também representar a realidade é algo reconhecido, aceitar a
responsabilidade em ajudar as pessoas a “quebrar as correntes de um vocabulário
desgastado” e assegurar que qualquer terminologia por nós empregada é capaz de
um “progresso crítico de si mesma”. Quando a linguagem é entendida como funda-
mentalmente metafórica e carregada de valor em vez de literal e neutra, quando
o entendimento é compreendido como maneira de ver uma coisa em termos de
outra (identificação) e não como consciência de que uma coisa é outra (identidade),
a interpretação deixa de ser um exercício de desambiguação de linguagem pouco

134
A construção do argumento

elaborado e passa a ser um requisito básico de todo o entendimento, uma tradução


de uma compreensão geral para algo específico e circunstanciado.
Na mesma moeda, a relação entre regras ou princípios gerais e casos particu-
lares é tal que os princípios não são assumidos para explicar os casos, no modelo
de conversão de leis para a explicação de fenômenos físicos. Na Retórica, a relação
entre princípios e casos é de mão dupla. À medida que os princípios oferecem meios
para interpretar os casos, esses desafiam e alteram os princípios. Em suma, as
mudanças recentes na Filosofia moveram a Retórica das margens em direção ao
centro e transformaram os focos maiores da disciplina, argumentação e interpre-
tação, em operações essenciais, e não mais acessórias.
Em termos das práticas em sala de aula, a Retórica nos ensina que as lições
da história são muito úteis para irmos além da própria história. Os antigos e os
primeiros modernos, os grandes sistematizadores dos séculos passados, podem
nos levar longe, mas temos de adaptar seus princípios gerais às circunstâncias que
enfrentamos. A Retórica tradicional era vista – através das lentes distorcidas da
Filosofia – como versão de baixa qualidade da demonstração lógica, um inquérito
para obtenção de provas. A esfera do argumento foi cuidadosamente delimitada e
o modelo de persuasão era a ocasião, uma apresentação oral e formal operada em
poucos locais. Pouca atenção era dada aos meios através dos quais as mensagens
eram transmitidas e os seus possíveis efeitos. As audiências eram tratadas como
dadas, como algo a ser estrategicamente endereçado, seguindo um modelo de com-
preensão da natureza humana que lembra uma versão crua das grades psicológicas
aplicadas por publicitários para a manipulação da audiência.
Ao transmitirmos as lições da história em sala de aula, muitas generalizações
úteis são aplicáveis. A argumentação contemporânea raramente é operada em
apenas um lugar ou mídia. Ela avança em muitas frentes através de meios diver-
sos, cada qual responsável por colocar demandas únicas a quem argumenta. Em
particular, os efeitos dessas mídias vão do texto, escrito ou falado, ao modo de apre-

135
A construção do argumento

sentação, aos filtros através dos quais as mensagens são direcionadas ao público, à
maneira pela qual câmeras, microfones, iluminação e cenários prendem a atenção
em determinadas características em detrimento de outras. Devemos atentar às
maneiras pelas quais os gêneros – discurso político, editorial, carta ao editor, talk
shows, anúncios impressos e televisionados etc. – afetam nossa percepção do texto.
Muitas vezes as dimensões não racionais – não confundir com “irracionais” – do
argumento são mais importantes do que os fatores racionais para determinar a
eficácia de um dado argumento. Por isso devemos aprender uma maneira de ler
isso. Devemos oferecer oportunidades aos nossos estudantes para trabalharem com
os argumentos em suas diferentes facetas e não limitá-los a operar com coleções
antológicas de argumentos muito longos, geralmente direcionados a audiência de
escopo muito limitado.
Ao adaptar as teorias contemporâneas para a sala de aula, nossos desafios
são mais específicos. Como organizar uma aula focalizada em torno das diversas
abordagens aqui discutidas? Sem sermos muito doutrinários, encorajamos algo
da seguinte ordem. Ler profundamente a obra de Burke, em especial A Rhetoric of
Motives, e Perelman e Olbrechts-Tyteca, especialmente o Tratado da Argumentação
– A Nova Retórica, de forma a desenvolver um quadro conceitual a partir do qual se
ensina a argumentar. Entretanto, a abordagem mais adaptável e útil para o ensino,
a nosso ver, é a abordagem da Stasis Theory. Ela tem espaço de sobra para acomodar
qualquer assunto, funciona bem para a formulação e análise do argumento, e ofe-
rece aos novatos uma linguagem razoavelmente simples para discutir argumento.
Por fim, recomendamos o uso cuidadoso e limitado de Toulmin em conjunção com
a leitura profunda das reivindicações maiores nos argumentos dos estudantes.
A aplicação das ideias desse autor pode ser muito útil para o segundo estágio do
esboço na escrita, quando os estudantes conhecem o argumento o suficiente para
perceber os pontos fortes e fracos, e estão suficientemente comprometidos a ponto
de serem desafiados, mas não derrotados, pelas severas interrogações advindas
do esquema proposto por Toulmin.

136
Capítulo 2
Questões sobre argumentação15

Neste capítulo, vamos examinar quatro questões conexas que delineiam nosso
entendimento sobre o argumento e seu valor em sala de aula. Primeiro, criticamos
a prática tradicional de “falácias informais”, dando especial atenção à lacuna entre
os modelos formais de falácias e sua aplicação atual. Segundo, vamos estender essa
crítica à pragma-diáletica, influente escola de teoria do argumento, e seu esforço
para construir um paradigma em que as falácias podem ser mais precisamente
definidas e avaliadas. Terceiro, usando a taxionomia das práticas composicionais
de Fulkerson (1996), recentemente atualizada, vamos verificar as principais al-
ternativas para o ensino do argumento em aulas de escrita, e situar o ensino do
argumento entre essas práticas. Finalmente, vamos considerar os prós, os contras
e os desafios do ensino da propaganda em uma aula dedicada à construção do
argumento.

O debate sobre a falácia

O tratamento de falácias informais nas aulas de escrita sobre argumento é


muito frequente. Apesar dos esforços de muitos da área em pôr fim a essa prática,
e a despeito de alguns autores de livros didáticos que gostariam de bani-las de
seus livros, as falácias permanecem. Há, aparentemente, uma espécie de apelo
inerente às falácias, como é o apelo à gramática prescritiva nas aulas de escrita.
Em uma área tão fluídica e complexa, as falácias são finitas, concretas e oferecem

15. Tradução: Sílvio Luis da Silva

137
A construção do argumento

aos praticantes a perspectiva perturbadora de permitir um julgamento positivo


ou negativo, de ser capaz de proclamar argumentos não simplesmente fracos ou
fortes, mas completamente errados ou certos. Assim, exatamente como o professor
de escrita solitário e preocupado em justificar uma nota ao estudante pode achar
pertinente a chance de apontar a ocorrência de concordância verbal inadequada
ou construções sem paralelismo (não discuta com o livro, meu amigo), a crítica
distraída de um argumento inconsistente do aluno pode igualmente apontar a pre-
sença absolutamente inequívoca do argumento ad hominem, tu quoque (não discuta
com o latim, meu amigo). Ao passo que ajudar os alunos a entender que uma tese
é evidente ou vaga ou que as suas evidências são irrelevantes para o que pretende
pode ser difícil e levar tempo, penalizá-los pelas falácias e erros gramaticais gasta
menos tempo e exige menos justificativas.
Por certo, aqueles que usam as falácias informais no ensino do argumento têm
um motivo mais nobre. Há uma longa tradição na maneira de ensinar as falácias
que remonta aos seus primórdios. A gênese da abordagem das falácias pode ser
atribuída a Aristóteles, que primeiramente em De Sophisticis Elenchis (e também
em Prior Analytics e Rhetoric) tratou das falácias como uma coleção de argumentos
intencionalmente enganadores, propostos pelos sofistas para confundir e cativar
seus oponentes. Algumas das treze falácias enumeradas por ele são completamente
dependentes de artimanhas linguísticas, mas outras são independentes da lin-
guagem. Contudo, os problemas de obscuridade que envolvem as falácias através
dos séculos estão presentes desde a primeira vez que se fez essa distinção. Como
mencionado por Eemeren et al. (1996), os exemplos de falácias linguísticas e não
linguísticas de Aristóteles não são particularmente esclarecedores. Na verdade,
muitos estudantes atuais de falácia são pressionados a encontrar algumas que
não sejam dependentes do uso evasivo, alterado ou ambíguo da linguagem. Con-
sideremos o seguinte argumento sofístico, retirado do Euthydemus, de Platão, que
é mencionado como um exemplo de falácia dependente da linguagem: você tem
um cachorro; seu cachorro é pai dos filhotes; seu cachorro é seu pai (citado por

138
A construção do argumento

Eemeren et al., 1996, p. 58-59). Posto dessa forma, o argumento pareceria ser o
mais completo absurdo e incapaz de enganar o mais crédulo dos interlocutores.
Até em seu formato original de diálogo parece ser completamente evidente. À luz
do pensamento de Aristóteles, essa é uma falácia dependente da linguagem ba-
seada em “uma mudança ilegítima de um atributo de uma propriedade acidental
de um sujeito [...], ao próprio sujeito ou vice-versa. O que Aristóteles entende aqui
por ‘acidental’ não é claro” (EEMEREN et al., 1996, p. 59). Mesmo se pudéssemos
imaginar o que precisamente Aristóteles tinha em mente ao designar um atributo
“acidental”, a maioria de nós acharia a sua explicação desnecessariamente tortuosa
e complexa. O simples fato de um cachorro ser o pai de alguns filhotes não o faz pai
de toda pessoa no mundo, assim como designar alguém como esposa não implica
designar todo o resto no mundo como seu marido. Essa é uma grande categoria de
erro do tipo que pessoas, na vida real, simplesmente não cometem.
A única razão para classificar isso como uma “falácia dependente da lingua-
gem” é o fato de que é tão absurdamente grosseira que poucas pessoas são passíveis
de serem enganadas pela artimanha linguística que transforma “seu” e “pai” em
propriedades universalmente aplicáveis. De fato, muitos dos exemplos de falácias
paradigmáticas de hoje são por si mesmos mal engendrados como os exemplos
antigos. Isso não surpreende, uma vez que muitos deles parecem ter sido retirados
de exemplos de falácias de livros didáticos também antigos.
Mesmo assim, as falácias continuam a ser um ponto essencial nas aulas de
escrita dedicadas ao argumento, a despeito do fato de que, como Fulkerson (1996,
p. 96) ressaltou, “[...] nunca houve uma definição consensual ou uma classificação
utilizável de falácias”, e o número atual de falácias mencionado nos livros didáticos
varia demais, inclusive com nomes diferentes. Na tentativa de tornar o estudo das
falácias mais útil para os professores de escrita, Fulkerson (1996) cita o trabalho
da lógica informal, em especial uma definição de falácia desenvolvida por Kahane
(1971). De acordo com a análise de Fulkerson (1996, p. 97) dessa definição, existe
uma falácia se alguém não puder responder “sim” para as seguintes questões:

139
A construção do argumento

1. As premissas – tanto as explícitas quanto as implícitas – são aceitáveis?


2. Todas as informações relevantes e importantes são levadas em con-
sideração?
3. A forma do argumento satisfaz as regras relevantes da lógica?

Fulkerson (1996) deixa de lado a terceira questão com base no fato de que
ela trata das regras de dedução formal que a torna difícil de ser aplicada sem se
dispensar um tempo extenso com o ensino de lógica, tempo que poderia ser melhor
utilizado em questões mais relevantes. Além disso, problemas de lógica formal ra-
ramente ocorrem em argumentos do mundo real. Ele, então, passa a citar as onze
maiores falácias que define como “relevante” no sentido de que elas são não formais
e enquadram-se nas duas questões apresentadas pela definição de Kahane (1971).
A discussão de Fulkerson (1996) é útil e clara e qualquer pessoa determinada
a ensinar falácias nos argumentos deveria se referir a ela. Como o autor esclarece,
desde o início, e ao longo de sua discussão, que “a falácia das falácias”, por assim
dizer, é confundir um defeito relevante com um defeito formal. Pressupõe-se, como
muitos fazem, que “[...] qualquer argumento cuja falácia não é identificável seja um
bom argumento” (FULKERSON, 1996, p. 15), é semelhante a presumir que qualquer
argumento sem erros factuais seja aceitável. A ausência de falácia não garante
um argumento persuasivo da mesma maneira que a ausência de erros formais na
dedução garante um argumento aceitável. Da mesma forma, encontrar um argu-
mento particular apresentado da mesma maneira que um argumento falacioso
não garante que seja falacioso. No caso de um argumento “em cadeia”, se alguém
argumenta que fazer A leva a B, que levará a C, e assim por diante, esse argumento
pode ou não ser defeituoso. Algumas cadeias são, afinal, de fato escorregadias e
algumas cadeias casuais, mesmo as muito longas, são herméticas.
O simples fato de um argumento seguir um padrão, que geralmente é seguido
por argumentos que acabam por ser falaciosos, não garante que o argumento em
questão seja falacioso. O erro que alguns cometem ao pensar assim é o mesmo da

140
A construção do argumento

falácia de post horc ergo proper hoc (depois disso, portanto por causa disso). Even-
tos conectados em ordem sequencial são apenas um indício de causalidade, e até
que alguém possa realmente mostrar a relação causal, não se tem nada provado.
O mesmo acontece com argumentos falaciosos. Ao final, deve-se sempre mostrar,
com bases sólidas, exatamente por que eles são falaciosos. Uma vez mostrado
conclusivamente que uma linha específica de raciocínio é falaciosa, tipicamente
apenas se enfraqueceu um argumento geral, não o anulou.
Porém, como as objeções anteriores à abordagem das falácias sugerem, alguns
insights úteis podem surgir ao se observarem os argumentos com as lentes das
falácias. Vista como heurística ou como sintoma que levanta as questões aponta-
das sobre dado argumento, ao invés de um algoritmo que classifica ou avalia um
argumento, a falácia pode nos levar a uma linha de investigação frutífera. Muitas
falácias realmente aparecem em argumentos do mundo real sob formas reconhe-
cíveis. Por exemplo, as falácias mencionadas na conjunção com causalidade, as
veneráveis post hoc, ergo propter hoc e as falácias “em cadeia” aparecem, frequen-
temente, especialmente em conjunção com argumentos políticos/incitativos. De
forma diferente, os argumentos nas ciências, por causa das regras mais rígidas de
evidência e dos meios mais precisos de se medir, e por causa de uma tradição de
se fazerem afirmações cuidadosamente qualificadas, tendem a produzir afirma-
ções menos controversas (ou pelo menos em relação às do domínio público). Os
argumentos de causalidade no cenário político público tendem a ser tanto mais
difíceis de qualificar quanto mais fáceis de manipular para fins políticos. No caso
das provas escolares, por exemplo, o estabelecimento de provas mais elaboradas
nas escolas primárias e secundárias é tido como uma evidência de que algo está
sendo feito para melhorar o sistema escolar, e, ainda melhor, para garantir que
“nenhuma criança [seja] deixada para trás”. Nesse contexto, o aumento de dois ou
três pontos nas notas escolares é entendido como uma validação de um “movimen-
to de prestação de contas”. No entanto, um aumento na nota que vem “depois das
provas” não garante nem que as melhores notas sejam “por causa da prova”, nem,

141
A construção do argumento

mais importante, que a prova meça aprendizagem e proficiência reais. O resultado


da prova pode muito bem indicar que os professores estão ensinando melhor para a
prova e que os estudantes estão indo melhor nas provas ou que estão sendo fáceis.
Quando os resultados das provas estaduais, usados para medir o progresso do
aluno, são contestados pelos resultados de provas nacionais, projetados para medir
a proficiência do aluno sem vínculos com o financiamento ou o credenciamento
escolar, o “progresso” na prova estadual precisa ser reexaminado. Como um número
considerável de críticos do movimento das avaliações educacionais tem mostrado,
as provas por si mesmas nada fazem para melhorar a aprendizagem dos alunos.
Ou como alguns críticos têm ilustrado, “não se engorda um porco pesando-o”.
Exemplos desse raciocínio falacioso podem ser encontrados em vários deba-
tes públicos, e, para dizer a verdade, não são desconhecidos pela impressa. Ter em
mente padrões falaciosos pode potencialmente ajudar as pessoas a reconhecer os
sinais de raciocínio falacioso, quando se deparam com eles e a organizar a resposta
para os argumentos que eles trazem nas entrelinhas. A decisão de se discutir ou não
as falácias informais, em uma aula de escrita, tem menos a ver com a prevalência
do problema que elas engendram, ou da utilidade das falácias para detectar tais
problemas, do que com os desafios pedagógicos que elas trazem. Para os conhece-
dores de falácias, as que são reais são facilmente distinguíveis das aparentes. Por
outro lado, a forma é facilmente confundida com a substância pelos inexperientes.
Alguém que procura argumentos post hoc, ergo propter hoc pode achar um que faz
adequadamente uma alegação tímida de relação causal baseada em correlações es-
tatísticas altamente persuasivas e ainda assumir que todo o argumento é falacioso.
Há mais problemas pedagógicos com a abordagem das falácias. O filósofo
Michael Scriven, um antigo líder do movimento do pensamento crítico, opôs, de
acordo com Eemeren et al. (1996, p. 182), “[...] o uso de falácias com o objetivo de
criticar o argumento, alegando que fazer isso requer construir, durante o processo
de identificação do argumento, todas as habilidades necessárias para a análise”.
Por que ensinar os estudantes o vocabulário “técnico das falácias”, Scriven ques-

142
A construção do argumento

tiona, se determinar o estado real do argumento pode ser feito da mesma maneira
na “linguagem natural” de alegação, evidência, razão, e assim por diante, usada
na análise retórica tradicional? Aprender a terminologia latina das falácias é, na
visão de Scriven, um passo desnecessário. A “precipitada generalização” universal
das falácias, por exemplo, não oferece nada de novo no sentido de fornecer uma
ferramenta para se saber o quão bem embasado um argumento é. Evidência fraca
não é apenas uma falácia, é a base de enfraquecimento de muitos argumentos. É
prudente julgar a adequação de uma sustentação no âmbito da compreensão e no
grau de ceticismo que uma determinada audiência empresta ao argumento.
Em linhas gerais, então, nós partilhamos do ceticismo de Scriven a respeito
da utilidade da terminologia das falácias em nossas aulas. Da mesma forma, sem-
pre tentamos oferecer pelo menos uma breve exposição de um grupo selecionado
de falácias como aquelas que lidam com a causalidade que realmente surgem no
mundo real e que podem se tornar mais reconhecíveis com o uso do vocabulário
das falácias. Na nossa experiência, pelo menos alguns alunos acreditam que a
abordagem é útil.

A abordagem pragma-dialética das falácias

A criação da Sociedade Internacional para o Estudo do Argumento (ISSA), com


sede na Universidade de Amsterdã e composta majoritariamente por linguistas
europeus e canadenses, filósofos, retóricos e teóricos da comunicação, é um tema
que merece atenção apenas porque os principais membros publicaram muito sobre
o assunto e são frequentemente citados por estudantes americanos de argumento16.
Em certa medida, a pragma-dialética (P-D) representa uma tentativa de resgatar a

16. O extremamente útil Fundamentals of Argumentation Theory, que temos citado, tem a participação de dez
membros do ISSA, e os dois autores principais, van Eemeren e Grootendorst, são os fundadores da abordagem.

143
A construção do argumento

abordagem das falácias das várias críticas apresentadas anteriormente e dá con-


tinuidade ao trabalho promissor iniciado pela lógica informal e os movimentos do
pensamento crítico dos anos 1970 e 1980.
A maioria dos estudantes americanos de argumentação vai achar o nome
dessa abordagem, no mínimo, um pouco intrigante. A tradição pragmática da filo-
sofia americana, que inspira o trabalho de muitos retóricos americanos e muitos
filósofos americanos contemporâneos que apoiam as abordagens retóricas do
argumento, vai muito além do que os defensores da P-D parecem ter em mente.
Para os pragmatistas americanos, a adoção de uma abordagem pragmática impli-
ca certas assunções a respeito da centralidade da linguagem para a compreensão
do mundo, e, consequentemente, modelos de construção do conhecimento como
a “conversa da humanidade” de Oakeshott (1975) e Rorty (1979), e a metáfora da
“sala” de Burke (1941)17. Isso implica uma rejeição às abordagens formalistas e sis-
temáticas da Filosofia em favor de uma abordagem “edificante” e interativa. O fim
da Filosofia em favor do pragmatismo se repousa não em uma maior quantidade
de conhecimento ou maiores certezas a respeito da Verdade, mas em decisões e
atos que levam alguém substancialmente para mais perto de uma visão da “boa
vida”, uma visão que pragmatistas continuamente questionam e modificam em
respostas às mudanças na base. O movimento P-D, entretanto, parece identificar
“pragmática”, principalmente, com o ato de considerar premissas não expressas de
argumentos de acordo com “padrões de discurso fundamentado” (EEMEREN et al.,
1996, p. 14). A parte pragmática da P-D, portanto, licencia as pessoas a consultar
“informações contextuais e conhecimento prévio” (EEMEREN, 1966, p. 15) para a
avaliação da validade de um argumento, e a teoria dos atos de fala para determinar
a função de uma dada afirmação.

17. Burke (1941) se utiliza da metáfora da “sala” para esclarecer que, quando entramos em uma sala na qual há
outras pessoas e tentamos participar da conversa, precisamos ouvir e tentar compreender o que está acontecendo,
e que só conseguimos participar da conversa depois de termos informações suficientes a respeito do assunto.

144
A construção do argumento

Essa compreensão mais modesta da Pragmática pode ser levada ao ponto de


partida para a abordagem P-D, a abordagem dedutivista tradicional do argumen-
to baseada inteiramente em regras internas para os argumentos bem formados.
Comparada à essa última abordagem, o desejo dos analistas de P-D de consultar
o extraverbal, os elementos não formais do argumento e considerar os motivos e
propósitos, pode ser visto como significativo, porém a sua semelhança é mínima
com compreensões mais robustas de pragmatismo por estudantes americanos de
argumento.
Da mesma forma, a parte “dialética” da análise P-D é, quando comparada com
os usos americanos do termo, igualmente modesta. A abordagem dialética de Burke
para a compreensão, como exemplificado em seu método dramático, é, por exem-
plo, um grande instrumento de compreensão. Enxergar algo – leia-se “ato” – em
termos de outra coisa – leia-se “agente” – resulta em uma única compreensão do
fenômeno em questão. A inversão do par em questão ou a substituição por termos
diferentes resulta em uma compreensão radicalmente diferente. Isso é um meio
de compreensão do mundo que resiste à conclusão e certeza, o que é acima de
tudo heurístico. A compreensão do termo P-D, entretanto, se baseia na assunção
de que “[...] toda argumentação se dá entre dois (ou mais) participantes que estão
engajados em uma interação mútua e sincrônica com o objetivo de solucionar
um problema” (FULKERSON, 1996, p. 15). É uma compreensão entusiasmada de
argumentação – de acordo com EEMEREN et al. (1996, p. 277), mais um exercício
de “resolução conjunta de problemas” do que de persuasão – e, não por acaso, di-
ficilmente encontrado no mundo real. Enquanto os propositores da P-D poderiam,
felizmente, garantir que poucos argumentos atingem seu ideal – “por muitas razões,
a realidade argumentativa nem sempre se assemelha com o ideal de uma discussão
crítica” (EEMEREN et al.,1996, p. 295) – eles defenderiam o modelo na medida em
que isso fornecesse um padrão útil que avaliasse o mundo real dos argumentos.
Isso nos leva de volta ao início da discussão, a tentativa da P-D de salvar fa-
lácias. Eles dizem que faltava nas abordagens tradicionais de falácia um padrão

145
A construção do argumento

para distinguir os argumentos que se parecem com argumentos falaciosos dos


que são realmente falaciosos. Embora seu próprio padrão seja, eles diriam, muito
rigoroso, não é irrealista. Eles podem estar certos. O maior obstáculo para usar a
abordagem com a maioria dos estudantes americanos de argumento, que opõem
Retórica à Filosofia ou à Linguística, é a grande complexidade do modelo. Se al-
guém usa P-D, em sua aula, deve estar preparado para usá-la sozinha, porque boa
parte do semestre vai ser dispensada para elucidar os elementos do sistema e
ilustrar esses elementos com exemplos extremamente simples e muito distantes
dos tipos de controvérsias que os alunos realmente encontram no mundo. Como
a P-D é útil para interpretar a apresentação de um argumento mais simples, ela
lembra a abordagem de Toulmin. No entanto, nesse aspecto, ela requer a aquisição
de uma gama maior de vocabulário necessário para traduzir a linguagem natural
da argumentação em padrão P-D apropriado, o que é algo como Toulmin elevado
ao quadrado. Talvez ao cubo. Consideremos os elementos do sistema: há quatro
princípios teóricos dos quais derivam normas para o estudo do argumento; há
quatro estágios de “resolução diferentes”; há dez regras de discussão crítica; há
quatro tipos de atos de fala usados em vários estágios para se chegar à solução;
treze usos possíveis de cinco atos de fala nos quatro estágios; e quarenta e três
possíveis regras de violação.
Está aberto o debate sobre o fato do benefício da enorme complexidade que
a P-D defende para esclarecer quando um argumento não é apenas formalmente,
mas substantivamente falacioso leva a uma análise mais efetiva. Para a maioria
dos professores, a ideia de que os meios justificam os fins é, aparentemente, menos
questionável. Na medida em que a P-D é uma ferramenta para análise de argumento,
ela é, por hora, provavelmente melhor aplicada por profissionais.

146
A construção do argumento

Alternativas para enfatizar a argumentação em uma


aula de escrita: estudos crítico-culturais

Em um artigo sobre a escrita na virada do século XXI, Fulkerson (2005)


procura estabelecer o cenário dos estudos da escrita, contrastando o panorama
atual com o que encontrou em 1990, quando ele realizou um trabalho parecido, na
década de 1980. O autor descobre, em sua última leitura profunda sobre o assunto,
que a escrita “[...] se tornou uma disciplina menos unificada e mais controversa no
início do século XXI do parecia ser nos anos 1990” (FULKERSON, 2005, p. 654). Ele
identificou três axiologias ou teorias de valor que dão origem a três abordagens
distintas da escrita18. As três axiologias incluem a visão de “construção social”, que
dá origem à abordagem dos “estudos crítico-culturais” (ECC), uma visão expressi-
vista, que dá origem ao expressivismo, e uma visão “retórica multifacetada”, que
origina o que ele define como “retórica processual” (FULKERSON, 2005, p. 655).
Essa última abordagem é, entretanto, dividida em três formas de “retórica proces-
sual”: “[...] escrita como argumentação, escrita baseada em gêneros e escrita como
introdução ao discurso da comunidade acadêmica” (FULKERSON, 2005, p. 671).
Segundo o autor, no ambiente atual “menos unificado e mais controverso”, escolher
uma dessas abordagens pode facilmente se constituir em um ato controverso.
Concordamos com Fulkerson (2005, p. 681) sobre a divisão da disciplina,
um estado que talvez seja melhor captado na sua citação da contenção de Gary
Olson de que os estudos da escrita estão à beira de uma “guerra de novas teorias”.
Somos também simpáticos com a sua clara preferência à retórica processual, em
geral, e a uma ênfase argumentativa, em particular. Somos, por outro lado, menos
críticos a abordagens alternativas do que ele parece ser, e, em alguns casos, nossa

18. Uma quarta abordagem, a aparentemente imortal corrente tradicional, é relutantemente reconhecida, mas
pouco discutida por Fulkerson (2005).

147
A construção do argumento

fundamentação para preferir o foco no argumento e não em outra abordagem é


diferente. Parte dessas diferenças indubitavelmente se deve à inevitável redução
de perspectiva que Fulkerson teve de fazer para construir um mapa legível. Como
ele reconhece, todas essas abordagens são mais complexas e heterogêneas do que
se pode abarcar no âmbito de uma visão geral. Além disso, não está claro para
nós se uma ênfase no argumento é pedagogicamente, em vez de ideologicamente,
incompatível com algumas dessas abordagens19.
De qualquer maneira, atualmente, a decisão de enfatizar, ou em certa medida
simplesmente incluir, a argumentação em uma aula de escrita é uma escolha política
para a qual se deve estar bem preparado para defender dos defensores de outras
abordagens. Em programas cujas decisões curriculares são feitas coletivamente,
esse debate aqui ensaiado pode ser feito muito rapidamente, às vezes arduamente.
Certamente, a maior mudança na ênfase da escrita nos últimos vinte anos
envolve o surgimento das abordagens dos ECC. Defendida mais notadamente por
James Berlin, essa abordagem engloba uma gama de ênfases diferentes, incluindo
o feminismo, a aprendizagem de serviço ou serviço comunitário e a pedagogia
crítica (que não deve ser confundida com as abordagens de pensamento crítico de-
cididamente neutros dos anos 1970 e 1980). Fulkerson (2005, p. 660) é crítico dos
ECC essencialmente por enfatizar demais questões de justiça social e “libertação
dos discursos dominantes” e pela sua tendência a privilegiar o empoderamento
dos alunos em detrimento da melhora da escrita como um resultado do curso. Ele
também é reticente ao foco na interpretação de textos e artefatos culturais em
oposição às estratégias de inventividade e revisão dos textos dos alunos. Ele vê
uma inquietante semelhança entre os cursos de ECC,

19. No próximo capítulo (Introdução a algumas boas práticas), na verdade nos atentamos a uma gama de
diferentes abordagens pedagógicas para o ensino da escrita que parecem perfeitamente compatíveis com o
foco no argumento.

148
A construção do argumento

[...] e os cursos de escrita baseados em literatura popular e de resistên-


cia. Em ambos os tipos, os alunos leem textos que os professores julgam
importantes. Eles escrevem a respeito desses textos, e o seu trabalho é
avaliado a partir do quão bem demonstram que eles entendem e podem
fazer uma abordagem interpretativa” (FULKERSON, 2005, p. 662-63).

Cursos desse tipo, supõe Fulkerson (2005), são motivados, em parte, pelo que
ele define como “ciúme de conteúdo” dos professores de escrita.
Nossa preferência por cursos de escrita baseados na argumentação à abor-
dagem ECC não implica uma rejeição total a cursos de escrita ricos em conteúdo,
mesmo quando esse conteúdo é compatível com o ensinado em um curso típico
de ECC. Oferecer aos alunos um conjunto de textos e/ou artefatos para serem
lidos e discutidos não impede uma instrução direcionada para a argumentação
ou a escrita. Além disso, em uma aprendizagem baseada na colaboração ou coo-
peração, textos e assuntos comuns podem ser extremamente úteis na promoção
da discussão e negociação de sentido. Dito isso, nós partilhamos de algumas das
reservas de Fulkerson (2005) quanto ao que muitas vezes realmente acontece
em cursos ricos em conteúdo, especialmente quando o conteúdo em questão é
uma paixão do professor. A discussão de textos selecionados e de artefatos pode
custar a discussão dos próprios textos dos alunos e o tempo dedicado à invenção
e à revisão de seu trabalho. Poucos livros didáticos aparentemente feitos para o
uso em cursos de ECC oferecem o bastante na forma de instrução ou invenção, ou
revisão, e menos ainda discutem seriamente princípios retóricos. Muito do que se
demanda dos alunos em cursos assim é a escrita baseada em argumentação, além
disso, há pouca instrução clara em como produzir um argumento ou como pensar
sobre ele, e os exercícios, como os exercícios sobre a construção do argumento,
nem sempre são claramente focados.
Certamente, muitos professores que usam essa abordagem criam o seu próprio
material por razões não relacionadas ao seu compromisso com o foco em ECC. De
qualquer forma, qualquer um que usa uma abordagem ECC que deseja garantir um

149
A construção do argumento

equilíbrio entre o foco no conteúdo e o foco na escrita do aluno deve estar prepa-
rado para realizar um levantamento pedagógico bem extenso.
Em alguns casos, os cursos de ECC baseados em um único tema podem apre-
sentar temas e artefatos com o mesmo ponto de vista e apontar para uma única
direção, desencorajando as discordâncias racionais e a reflexão crítica a respeito
dos assuntos em questão. Até mesmo cursos essencialmente pensados para criar
uma consciência crítica podem dificultar o desenvolvimento dessa capacidade à
medida que ignoram a máxima de Burke de que qualquer terminologia é suspeita
à medida que não permite uma crítica progressiva de si mesma. Ao desmerecer e
criticar o vocabulário dos outros, é importante que nos mantenhamos atentos aos
nossos próprios limites vocabulares, que serão mencionados e questionados por
muitos alunos, cuja visão política pode ser decididamente diferente daquela dos
defensores típicos da ECC.
Reiteramos que não achamos que os cursos de ECC necessariamente incorrem
nessas falhas não mais do que acreditamos que os cursos baseados na argumen-
tação necessariamente incorrem no formalismo vazio ou noções panglossianas
de pluralismo. Certamente, como deixamos claro no primeiro capítulo em que
discutimos a instrução crítica em sentido mais genérico, partilhamos muitos dos
objetivos libertadores anunciados pelos defensores de ECC. Acreditamos que os
alunos podem ser empoderados pelos cursos de escrita e que eles podem se tornar
mais conscientes dos modos como o discurso e a ideologia dominantes reduzem
o círculo do pensamento crítico. Acreditamos que podem fazer isso até mesmo
à medida que se tornam melhores escritores. No entanto, devemos concordar, é
possível se alcançarem esses objetivos sem usar exclusivamente ou mesmo signi-
ficativamente os materiais comumente vistos nos cursos de ECC. Na verdade, em
alguns casos, os alunos tendem a achar ambiciosos os objetivos delineados pelos
defensores da ECC em um ambiente que dá mais ênfase aos processos de leitura,
reflexão, escrita, discussão e escuta dos próprios alunos do que nos materiais pri-
mários e secundários normalmente encontrados no curso.

150
A construção do argumento

Qualquer curso que deseja combinar com sucesso uma ênfase nos materiais
de ECC e na melhora da escrita dos alunos deve deixar clara a ligação do trabalho
entre a interpretação de textos e dos artefatos feitos pelos alunos e a construção
de seus próprios textos a respeito desse material. Aqui, novamente, nossa pers-
pectiva se diferencia da de Fulkerson. Enquanto ele tende a tratar a interpretação
como uma atividade separada que prejudica as habilidades de escrita dos alunos,
nós tendemos a ver as duas atividades como complementares, e concordamos com
Berthoff (1983) para quem interpretamos como escrevemos. No contexto de um
curso de escrita, a interpretação pode se tornar uma atividade inventiva, um meio
de gerar o texto original. No entanto, isso só pode funcionar se ficar claro para
os alunos que não existe “uma maneira certa” de ler o material e se as múltiplas
formas de leitura do texto são delineadas para eles pelo professor, pelos colegas
e pelo material que eles estão interpretando. Se somos tentados a limiar o desen-
volvimento dos alunos como pensadores independentes em nome de conclusões
corretas, talvez desejemos cutucá-los ou até mesmo empurrá-los, faríamos bem se
nos lembrássemos mais uma vez do conceito de “reversibilidade” de Berude (1998)
e da nossa incapacidade de prever os fins aos quais nossos alunos dão aos meios
intelectuais que pomos à disposição deles.

Pedagodia expressivista

A crítica de Fulkerson (2005, p. 655) às abordagens expressivistas, que “[...]


a despeito dos vários golpes dos canhões do pós-modernismo e dos decorrentes
elogios, está, de fato, silenciosamente expandindo seu campo de atuação”, indica
que elas incluem “[...] um aumento da conscientização e a chegada de uma ala com
voz” (FULKERSON, 2005, p. 666), que, em nome de uma saúde psicológica, comete
os mesmos pecados contra o ensino da escrita cometidos pelos defensores da ECC
em nome da libertação política. O fato de Fulkerson dedicar menos da metade do
espaço que usa para criticar o expressivismo do que dedica à crítica da ECC ou aos

151
A construção do argumento

procedimentos retóricos parece refletir um pouco de desprezo por essa abordagem.


Ao comentar o principal exemplo um estudioso defensor do currículo expressivis-
ta, ele rejeita a premissa básica do autor com base na “[...] inclusão de uma única
narrativa autobiográfica no primeiro curso ser uma prática completamente padrão
e não justifica designar o curso como ‘expressivo’” (FULKERSON,2005, p. 668).
Nossa visão sobre o expressivismo é mais positiva do que a de Fulkerson. Na
verdade, vemos como uma estratégia convincente a ser adotada para pedir aos
alunos que componham narrativas pessoais nas aulas de escrita focadas na argu-
mentação e para ensinar a ler narrativas pessoais como uma forma de argumentar.
Enquanto vemos cursos baseados em argumentação melhor delineados para atingir
os fins da Retórica, e, em longo prazo, para servir a ambos os objetivos cognitivos
e de desenvolvimento dos alunos, nós aceitamos a importância do engajamento
da pessoa nos cursos de escrita e reconhecemos as contribuições dos estudiosos
feministas e expressivistas dos últimos tempos para alcançarmos esse objetivo.
Embora a crítica ao expressivismo de Fulkerson (2005) seja bem formulada, ele
ignora alguns trabalhos interessantes que vêm sendo feitos pela “segunda geração”
de acadêmicos expressivistas, e relega a segundo plano um dos mais poderosos e
igualitários instrumentos de persuasão.
Na verdade, um trabalho árduo deve ser feito no desenvolvimento de meios
de avaliar, interpretar e responder a narrativas pessoais para atingir seu total
potencial em aulas de argumentação. Alguns acadêmicos expressivistas contem-
porâneos já começaram a trilhar esse caminho. Na sequência, oferecemos algumas
das nossas próprias observações destinadas a identificar armadilhas das narrativas
pessoais persuasivas e formas de abordar essas armadilhas.
A esse respeito, citamos o artigo Argument and Evidence in the Case of the
Personal de Spigelman (1993) como um caso exemplar que situa o expressivismo
na tradição retórica (especialmente a tradição Aristotélica) e o concebe como uma
teoria contemporânea que explica o papel do pessoal no contexto da escrita persu-
asiva. Spigelman (1993) usa a escrita pessoal “[...] para fazer referência aos modos

152
A construção do argumento

com os quais os escritores atribuem sentido a suas vidas por meio da organização
de suas experiências em histórias em primeira pessoa” (SPIGELMAN, 1993, p. 65).
Independentemente de sua extensão, essas histórias “[...] servem a finalidades
que ultrapassam a pura expressão de suas opiniões ou de confissões cartárticas”
(SPIGELMAN, 1993, p. 66). Uma das finalidades mais importantes a que essas nar-
rativas servem é mostrar comprovações. O que conta como comprovação, enfatiza
Spigelman (1993), é qualquer elemento que um auditório se dispõe a permitir
como tal. Nas disciplinas tradicionais, isso significa que apenas aquelas formas de
comprovação reconhecidas pelos especialistas da área serão contabilizadas. Isso
significa, por outro lado, que quem está de fora dessas disciplinas tradicionais –
frequentemente as mulheres – cujas experiências pessoais contradizem as conclu-
sões dos especialistas, não serão facilmente reconhecidas por esses especialistas.
A narrativa pessoal então “é entendida como ‘um ato significativo e subversivo’,
que dá voz e autoridade às reivindicações das mulheres para o conhecimento ao
nomear as suas experiências como dados admissíveis e relevantes” (SPIGELMAN,
1993, p. 66).
Ainda que a narrativa, de fato, desempenhe um papel importante para em-
prestar autoridade às reivindicações dos excluídos, pode parecer que não é sub-
versiva. Na sequência desses desenvolvimentos como a thick description (descrição
consistente)20 na Antropologia, no novo historicismo, na Literatura e na própria
História, sem mencionar os trabalhos de vários teóricos como Paul Feyerabend
e Michel de Certeau, as narrativas hoje possuem a função de comprovação tanto
para os incluídos quanto para os excluídos. Por certo, como enfatiza Spigelman
(1993, p. 69), alguns “[...] pós-modernistas questionam a representação [das nar-

20. O termo thick description(descrição consistente) se tornou conhecido pelo trabalho de Clifford Geertz e
é entendido como uma forma de escrever que inclui não apenas a descrição e a observação, geralmente do
comportamento humano, mas também as circunstâncias em que esse comportamento se dá. Assim, se vale
mais do que das aparências, pois inclui o contexto, as emoções, os detalhes e toda a rede de relações sociais.

153
A construção do argumento

rativas pessoais] de sujeitos como indivíduos”, mas esses questionamentos são


mais frequentemente direcionados para a maneira como a qual a representação é
construída do que para a legitimação da narrativa pessoal como tal. Certamente,
muitos de nossos alunos vão encontrar narrativa pessoal e várias formas de pes-
quisa etnográfica na universidade e devem estar preparados para responder a isso
criticamente e a reproduzi-las inteligentemente.
Como Fulkerson (2005, p. 662) ressalta, nossa própria área tem adotado “um
construtivismo vagamente interacionista”, nos últimos vinte anos, e, no processo
legitimado, até mesmo privilegiado, a narrativa pessoal comprova a nossa pesquisa.
Como era de se esperar, Fulkerson (2005) não é otimista a respeito dessa evolução.
Após termos brevemente mostrado as suas considerações a respeito da corrente
expressivista, e da nossa versão significativamente revisitada dessas considera-
ções, vamos retornar à defesa de Spigelman (1993) da narrativa pessoal como uma
ferramenta educativa e persuasiva, e ponderar as formas como essa defesa deve
ser expandida para tornar a narrativa pessoal mais prontamente útil em aulas de
escrita com ênfase no argumento.
Citando pesquisas realizadas por teóricos da ECC, Fulkerson (2005, p. 662)
aponta que “o apelo pedagógico, embora algumas vezes seja baseado em estudos de
caso etnográficos, nunca é geral, mas sempre local. Seu status epistemológico é o da
erudição sofisticada. ‘Eu vi isso acontecer’ ou ‘Eu fiz isso e isso ajudou meus alunos’”.
O questionamento de Fulkerson aqui nos parece um tanto quanto ultrapassado. A
primeira imperfeição da pesquisa etnográfica, ele defende, é a de que ela não pode
ser generalizada. No entanto, é evidente que ela pode ser generalizada, não pelo seu
autor, mas pelo auditório. De fato, essas pesquisas geralmente são generalizadas
seja por aqueles que a conduzem ou por aqueles que a citam. Nossa preocupação
a respeito do uso de estudos de caso é o fato de que não fica exatamente claro até
que ponto ou para qual direção as generalizações podem nos levar, uma vez que os
limites explícitos são raramente conhecidos ou articulados no âmbito dos estudos

154
A construção do argumento

propriamente ditos21. Nesse sentido, as pesquisas etnográficas não são diferentes


de tantos outros substratos de narrativas pessoais que intencionalmente ou não
deixam obscuro exatamente a função para a qual a narrativa está a serviço ou quais
regras ou generalizações podem ser legitimadas pelas evidências que apresentam.
De fato, os auditórios de narrativas literárias poderiam considerar esse co-
mentário inoportuno, desnecessário e até mesmo completamente ofensivo. Como
forma de esclarecer a função e o real status de casos de narrativa em pesquisa,
retomamos Perelman e Olbrechts-Tyteca (1969, p. 350) e a sua discussão sobre a
confusão a respeito de três funções diferentes de “casos particulares”: exemplos,
ilustrações e modelos. O caso particular que eles mencionam é o das revistas ame-
ricanas. O perfil de celebridade nas revistas tem a seguinte característica:

[...] descreve a carreira de pessoas de negócios, políticos ou estrelas de


cinema sem explicitamente tirar proveito dele. Os fatos são evidenciados
apenas como uma contribuição para a história ou são uma complementa-
ção a ela? Os exemplos estão sugerindo uma generalização espontânea?
Eles são ilustrações de receitas conhecidas para o sucesso social? Ou as
figuras centrais estão, nessas narrativas, sendo elevadas a modelos ex-
traordinários a serem imitados pelo público? É impossível de ter certeza.
Provavelmente uma história como essa tem a intenção de – e com frequ-
ência efetivamente fazem – satisfazer todos esses papéis para diferentes
classes de leitores. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1969, p. 351).

21. Um dos exemplos recentes mais conhecidos do fenômeno que citamos aqui, o fato de pesquisador se
basear fortemente em evidências e narrativas não comprovadas para estabelecer uma categoria de julgamentos
quantitativa sobre o seu tema, é trabalho de Debora Tannen. Enquanto a maioria de seus pares no campo da
Sociolinguística baseia a “direção” de suas descobertas nas diferenças na forma como os homens e mulheres
se comunicam, alguns se preocupam com a intensidade do impacto e a universalidade dessas diferenças.
Para concluir, a partir das descobertas de que os homens são 5% ou 10% mais propensos do que as mulheres
a responder a uma situação específica de uma maneira específica, que há categóricas diferenças nas suas
respostas (ou seja, que eles tipificam “estilos” de respostas masculinas ou femininas) parece ser exagerado.
Para análises retóricas mais completas da metodologia de Tannen, consultar Ramage (2005).

155
A construção do argumento

Dadas as diferenças de escopo de generalizações legitimadas por diferentes


tipos de casos particulares, o prejuízo que resulta de relatar um caso e então cui-
dadosamente evitar “tirar uma lição dele” pode ser significativo. O caso em ques-
tão é primeiramente um exemplo que sugere um padrão maior mesmo se ajudar a
estabelecer a existência desse padrão? Ou é um modelo, um ideal inquestionável
que o auditório deveria desejar? Ou talvez seja uma ilustração de um padrão es-
tabelecido que é aceito como tal? Deixar dúvida a respeito dessa questão é dar
espaço para se oferecer ostensivamente um evento único para o entretenimento
de um auditório que eventualmente se torna uma regra imposta a esse auditório.
Ao mesmo tempo em que reconhecemos alguns dos problemas de empregar
casos particulares e narrativas pessoais na pesquisa, acreditamos que esses proble-
mas são sobrevalorizados pelos valores da narrativa pessoal. As narrativas pessoais
são uma ferramenta de pesquisa útil e, também, uma ferramenta de persuasão po-
derosa – assim, é o poder da narrativa pessoal que torna o seu abuso tão perigoso.
Ao invés de distanciar os alunos das narrativas pessoais, então, nós defendemos
que eles devem ser ensinados a construí-las e a criticá-las. Dito isso, voltamo-nos
agora para o artigo de Spigelman (1993) e para algumas das preocupações que ela
partilha sobre os perigos da narrativa no contexto da escrita persuasiva. Iremos,
então, tentar desenvolver o que a autora começou a esboçar.
Spigelman (1993, p. 79) está particularmente preocupada com “[...] a proble-
mática de teste de validade em pesquisas empíricas”, e cita a questão que Richard
Flores levanta a respeito de seu próprio trabalho.

Como os meus colegas avaliadores fazem para acessar o meu trabalho


acadêmico que está ligado à minha experiência de crescer no Texas sob
o olhar atento daqueles cujas visões dos mexicanos eram abertamente
racistas? Os meus colegas poderiam escrever nas suas resenhas que mi-
nhas considerações são incorretas e que eu deveria reconsiderar a mi-
nha prática? (SPIGELMAN, 1993, p. 79).

156
A construção do argumento

Para responder à questão levantada por Flores, Spigelman (1993) se volta


para duas narrativas sobre a escrita, uma de uma professora de escrita de uma
faculdade comunitária, outra do contista Raymond Carver.
As conclusões contraditórias a que chegaram os dois escritores ilustram a
“problemática do teste de validade”, pelo menos para aqueles que leem as nar-
rativas na esperança de se depararem com insights sobre seu próprio trabalho
em oposição àqueles que leem por puro entretenimento. No caso da professora, a
maior generalização ou alegação que emerge da história aponta para a futilidade
de comentar a respeito da escrita dos alunos. A afirmação se baseia na discussão
que a professora teve com seu marido a respeito de um texto que ele escreveu
durante o ensino médio e obteve a nota 95 sem nenhum comentário. No caso de
Carver, entretanto, a maior generalização ou afirmação que emerge da história diz
respeito ao feedback detalhado e à avaliação baseada em aulas que ele teve com
o romancista John Gardner. Como poderia alguém avaliar essas duas conclusões
aparentemente contraditórias a partir de experiência pessoal?
Sigelman se volta para a abordagem de James Raymond oriunda das discussões
de Aristóteles sobre exemplo e entimema. Ele direciona a atenção dos alunos para
as premissas que subjazem à narrativa e à questão Em que o leitor deveria acredi-
tar para aceitar que os argumentos são persuasivos?. Spigelman, então, expande as
análises de Raymond, voltando-se ao paradigma da narrativa de Walter Fisher e
a sua assunção sobre as narrativas:

[...] podem ser avaliadas e criticadas por sua validade ou racionalidade,


aplicando-se os princípios da probabilidade narrativa, o que constitui
uma história coerente, e fidelidade narrativa, se as histórias que eles [o
auditório] experienciam conectam realidade com histórias que eles sa-
bem serem reais em suas vidas (SIGELMAN, 1993, p. 80).

157
A construção do argumento

Para avaliar a probabilidade narrativa, é preciso prestar especial atenção às


ações e às falas dos personagens à medida que o padrão de adequação é oriundo
das suas ações e falas anteriores e dos valores que implicam. A fidelidade narrativa,
entretanto, demanda que examinemos as suposições subjacentes às alegações do
escritor a respeito da importância e do significado de sua história e confrontemos
essas suposições com nossas próprias suposições e com as que partilhamos com
outros. Quando aplica essa métrica às duas histórias, Spigelman descobre que a
história da professora ignora muitas variáveis possíveis, que, baseadas em suas
próprias experiências como professora/pesquisadora, poderiam explicar bem
mais a eventual fluência na escrita de seu marido advogado do que a nota 95 sem
comentários que conseguiu com o seu professor de inglês do segundo ano.
A pesquisa de Carvey, por outro lado, parece mais consistente com as suposi-
ções a respeito do ensino da escrita do que ela partilha com muitos de sua área, e
apresenta, por conseguinte, maior fidelidade narrativa. A habilidade de Spigelman
em avaliar os dois textos sem parâmetros impressionistas enfatiza a sua crença
de que se pode ensinar a outros como fazer esse trabalho. Além disso, como ela
enfatiza depois, “a narrativa pessoal não questionada e não avaliada é sedutora, e,
consequentemente, perigosa” (SPIGELMAN, 1993, p. 83), e não podemos permitir
que não se ensine a escrita pessoal retoricamente constituída em nossas aulas.
Acreditamos que o artigo de Spigelman é sugestivo, e, ao que parece, persu-
asivo. No entanto, como ela admite, há ainda muito trabalho a ser feito no campo
da avaliação de alegações provenientes de experiência pessoal. Ainda que sempre
possamos avaliar as alegações (quase sempre explícitas) em artigos expositivos
com maior grau de certeza do que podemos avaliar em alegações (geralmente
tácitas) oriundas de exposições pessoais, com certeza, podemos conseguir um
maior grau de confiança do que o estado da arte atual permite. Talvez a melhor
maneira de iniciar o trabalho que resta a ser feito nessa área seja perceber algumas
das limitações dos critérios avaliativos de Spigelman (1993). O primeiro passo é
considerar a sua principal razão para criticar o trabalho da narrativa pessoal da

158
A construção do argumento

professora – o seu descuido na fidelidade narrativa. A professora tira conclusões


de sua experiência pessoal sobre a falta de importância do feedback que não coin-
cide com as crenças e valores de Spigelman (1993, p. 80) ou dos seus colegas. A
professora parece “[...] ignorar mais de vinte anos de pesquisas sobre a escrita em
favor de uma nota rápida”. No entanto, Spigelman não menciona nada a respeito de
“mais de vinte anos de pesquisa sobre a escrita” que subsidiam o que é consensual
a respeito da importância dos comentários nos textos dos alunos, nem que essa
lacuna é significativa. Certamente, há um vago consenso a respeito da importância
da revisão e do feedback, e há conhecimento acadêmico desse consenso, mas: a)
o conhecimento em questão é menos unânime do que Spigelman sugere tanto na
questão sobre para onde os professores devem direcionar seus comentários quanto
a respeito da quantidade de feedback que devem oferecer, e b) pouco ou nenhuma
dessas pesquisas são muito recentes.
Talvez o mais frequentemente citado ensaio sobre a resposta à escrita dos
alunos, Minimal Marking, de Haswell (1983), não encoraja a resposta zero, mas
efetivamente defende uma resposta econômica à escrita dos alunos. Mais pontu-
almente, os valores e as premissas da obra de Haswell estão muito longe das que
motivam as dez revisões de Carver de um conto e as respostas cuidadosas de Gard-
ner a cada um (HASWELL, 1983). O artigo de Haswell (1983) parece assumir que
poucos professores de escrita na universidade teriam tempo de oferecer a todos
os seus alunos o grau de atenção que Gardner dispensa para Carver, e que poucos
alunos teriam a habilidade e o compromisso de aproveitar os apontamentos da
forma como Carver o faz. Para fazer justiça com os alunos, poucos deles possuem o
tipo de vocabulário técnico requerido por Gardner para processar as observações
meticulosas que Gardner faz. Em suma, o caso de Carver poderia funcionar mais
como um exemplo fascinante de uma relação de aprendizagem entre dois escritores
extremamente talentosos do que um exemplo de relação professor-aluno aplicada
a aulas de escrita na graduação.

159
A construção do argumento

Além disso, a maioria das pesquisas a respeito da revisão e do feedback tem


vinte anos ou mais, em boa parte por causa das “voltas pessoais” nas pesquisas em
escrita às quais fizemos alusão anteriormente. Independentemente de suas falhas
– e reconhecemos muitas delas – a pesquisa empírica realmente proporcionou aos
membros da comunidade da escrita uma base para o consenso nas preocupações
básicas da pedagogia como revisão e feedback, e hoje muitos de nós, incluindo os
que desdenham a pesquisa empírica, continuamos a contar com ela como base
para um consenso instruído contra a “erudição sofisticada”. Talvez uma parte do
trabalho que mais claramente articula esse consenso, o artigo de Hillocks (1984),
What Works in Teaching Composition: A Meta-analysis of Experimental Treatment
Studies, tem mais de vinte anos. Ele não poderia ser repetido, atualmente, justamen-
te porque não haveria estudos empíricos suficientes a respeito do que funciona e
do que não funciona na escrita para se chegar a qualquer conclusão significativa.
Assim como o artigo pessoal da professora ignora certas variáveis importan-
tes que poderiam explicar melhor o desenvolvimento do marido como escritor,
a análise comparativa de Spigelman (1993) das duas narrativas também ignora
certos aspectos que poderiam desempenhar um papel importante na sua avaliação
final. Em primeiro lugar, ao discutir a fidelidade narrativa, ela trata o padrão de
julgamento – “[...] as histórias que [nós] sabemos serem verdadeiras nas [nossas]
vidas” (SPIGELMAN, 1993, p. 80) e os valores e crenças partilhados em nossa
comunidade – como relativamente não problemáticos. Ela dispensa pouco tempo
para justificar esse padrão e foca a sua avaliação nas falhas dos valores implícitos
na história da professora para combinar com o padrão que ela traz à tona. No en-
tanto, como Fulkerson (2005) deixa claro, a nossa própria comunidade é menos
homogênea do que era, e, hoje, poucos de nós nos sentiríamos confiantes de que
nossas próprias práticas, valores e crenças coadunam com a maioria dos outros
da área. No lugar desse consenso, os críticos de uma narrativa pessoal devem se
basear mais profundamente nas histórias que sabem serem reais em suas próprias

160
A construção do argumento

vidas para o julgamento. Para contabilizar as alegações implícitas questionáveis em


uma narrativa, eles são provavelmente incentivados a basear suas contra-alegações
em suas experiências, algo que Spigelman não faz, e talvez sabiamente. Mesmo
não sendo algo ruim, a prática de responder a narrativas com narrativas significa
que nossas alegações serão dotadas de menos certeza e nossa evidência de menor
autoridade do que se pudéssemos evocar uma visão consensual.
Um segundo aspecto não salientado na análise de Spigelman diz respeito à
desproporcionalidade entre a autoridade de suas duas fontes. É inevitável que não
se preocupe com o papel que o ethos desempenha na sua avaliação dos dois relatos
e da nossa própria resposta ao seu julgamento. O relato pessoal de uma professo-
ra universitária sobre seu marido é contrastado com o relato pessoal de um dos
mais ilustres representantes da literatura americana do final do século XX e seu
igualmente ilustre mentor. De certa forma, Carver e Gardner são o tipo de pessoas
– “modelos”, nas palavras de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1969) – cujos atos são
autoautorizados na medida em que eles definem ideais que os meros mortais se
esforçam para alcançar. Se um professor universitário viola uma norma consen-
sual da comunidade, temos menos tendência a questionar nossas normas do que a
pessoa; mas se uma figura importante viola a mesma norma, podemos nos voltar
para a questão ou ignorar essa norma. O ethos que atribuímos a escritores do cali-
bre de Carver e Gardner tem mais a ver com uma função do que com sua essência.
O ethos desses escritores, como o de todo escritor, depende muito da qualidade
de sua escrita apresentada no texto específico que está sendo avaliado. A qualida-
de da prosa de Carvey é muito boa. Apresenta histórias ardilosamente complexas,
contadas de maneira direta, quase de maneira espontânea. Enquanto nós tende-
mos a concordar com Spigelman e outros que a qualidade da prosa Carver se deve
mais ao trabalho consciente e minucioso (veja as suas dez revisões) do que a um
dom misterioso, também percebemos que poucos escritores, por quaisquer razões
que sejam, produzem um trabalho de qualidade comparável. Muitos efetivamen-

161
A construção do argumento

te tentam escrever narrativas pessoais com os modelos de Carver em mente. Na


verdade, muito mais pessoas sentem-se compelidas a escrever narrativas pessoais
do que a lê-las.
A distância entre quem escreve e quem ler, na universidade, tem a ver com
a promessa ilusória de que a escrita pessoal é destinada às pessoas cansadas de
trabalhar com a impessoalidade, e serve para falar sobre assuntos que não são
de sua própria escolha, em línguas que não suas, seguindo roteiros que não são
criações suas – o que diz respeito ao que é feito no mundo todo dia. Voltar-se para
a narrativa pessoal garante às pessoas uma oportunidade de dizer o que importa
a elas sobre assuntos de sua própria escolha, na sua língua materna, seguindo ro-
teiros tão perfeitamente assimilados através dos anos que eles não sentem que são
roteiros. No entanto, como o espaço entre o escritor e o leitor na narrativa pessoal
é sugerido, a promessa permanece ilusória. Narrativas pessoais são relativamente
fáceis de escrever, mas narrativas pessoais legíveis são difíceis de escrever e nar-
rativas pessoais engajadas são muito mais difíceis de escrever.
Exemplos de narrativas pessoais ruins estão à nossa volta, nas universidades,
nas salas de aula e até mesmo nas listas de best-sellers. Elas são, certamente, ruins
de diferentes maneiras. As piores narrativas pessoais de nossos alunos tendem a
ser não muito coerentes, releituras de mitos populares não muito plausíveis, textos
de 750 palavras para um anúncio da MasterCard. A pior das narrativas pessoais
de um colega, por sua vez, tende a apresentar homilias religiosas, contos previsí-
veis, lentos, que terminam com uma admirável, se não óbvia, moral. Ao ler essas
palavras as pessoas se lembram de que a liberdade da narrativa pessoal tem um
preço significativo, e uma boa parte desse preço é a obrigação, nas palavras do
famoso ditado de Henry James “acima de tudo ser interessante”. Para que não nos
desanimemos com a leitura dos piores trabalhos de nossos colegas e alunos, ler os
seus melhores trabalhos – para não mencionar aqueles de pessoas como Raymond
Carver – nos lembrará por que é tão importante continuar tentando.

162
A construção do argumento

Essas são apenas duas das muitas complicações que enfrentamos ao propor
avaliar alegações oriundas das narrativas pessoais. Com a ajuda de Spigelman, ape-
nas começamos a separar os problemas. Qualquer padrão que eventualmente seja
desenvolvido para nos ajudar a fazer julgamentos plausíveis nos parecerá razoável.
Nós devemos desenvolver esse padrão. Há algumas verdades que apenas podem
ser descobertas ou adequadamente justificadas por meio da narrativa pessoal. São
tipos de verdades muito importantes para serem excluídas das aulas de escrita
argumentativa em nome da rejeição ao retorno do ensino da escrita como terapia.

Retórica processual

Quando três possibilidades são exploradas por um estudioso da escrita, a ter-


ceira é frequentemente a escolhida, seja por devoção à ordem nestoriana ou pelas
lembranças de Cachinhos Dourados de deixar as coisas “exatamente” nessa esco-
lha. É evidente que Fulkeson (2005) está mais à vontade para discutir e elaborar
a seu próprio tertium quid, “abordagem retórica processual”. Por isso, ele inicia a
discussão da abordagem citando um documento da associação Council of Writing
Program Administrators (WPA)22, “[...] oficialmente aprovado pelo corpo de pessoas
que efetivamente dirigem os programas” (FULKESON, 2005, p. 670). A declaração
de “resultados” da WPA, enfatiza Fulkeson (2005), em sua maior parte, exclui os
objetivos da ECC e as abordagens expressivas dos resultados esperados e focaliza
os objetivos retóricos tradicionais. O autor acrescenta ainda que a desatenção à
retórica processual nos principais jornais tem mais a ver com a natureza estabe-
lecida com o status quo da abordagem do que com qualquer falha inerente a ela.
Como ele sugere, a argumentação pode parecer uma das abordagens dominantes

22. NT: A WPA é uma associação de escritores profissionais que defendem e sediam conferências, workshops
e programas acadêmicos. A organização representa professores e pesquisadores cujo enfoque acadêmico são
os aspectos intelectuais e pedagógicos do planejamento do ensino da escrita e de sua gestão.

163
A construção do argumento

efetivamente ensinadas na sala de aula. Em adição à argumentação, ele menciona


duas outras abordagens retóricas sob esse título geral: “[...] a escrita baseada em
gêneros, e a escrita como introdução ao discurso de uma comunidade acadêmica”
(FULKESON, 2005, p. 671).
A escrita baseada em gêneros recebe grande atenção acadêmica. Para que não
seja confundida com as antigas abordagens de gênero ou com seus parentes mais
temidos, os “tipos” (narração, descrição, processo etc), é consideravelmente mais
flexível e teoricamente mais sofisticada. Oriunda em parte de Bakhtin e de antro-
pólogos como Clifort Geertz, essa abordagem foi adaptada para o trabalho com a
escrita por vários teóricos da comunicação e da escrita. Em particular, o artigo de
Miller (1984), Genre as Social Action (Gênero como ação social), é frequentemente
citado por acadêmicos da nossa área, juntamente com os trabalhos subsequentes de
Carol Berkenkotter e Thomas Huckin, Aviva Freedman e Peter Medway. A definição
de gênero de Miller (1984, p. 164), desenvolvida para descrever especificamente os
gêneros orais, é “[...] contextual/situacional [...] e oposta à ideia anterior de gênero
como uma forma/função”. A relação entre os membros de uma classe de gêneros é
entendida como mais familiar do que homogênea. A abordagem de gênero assume
que a maioria dos eventos de escrita acontece em situações recorrentes. As simi-
laridades dessas situações no que tange a assuntos, objetivos e audiência criam
discursos muito parecidos, adaptados às especificidades da situação.
Dessa forma, estamos muito distantes dos tipos, que são, antes de tudo, for-
mas estruturais. Tem-se pouca noção sobre o propósito de um texto descritivo ou
narrativo, ou sobre o auditório para o qual são dirigidos. Geralmente o que se sabe
é apenas o que se passa. Enquanto a abordagens baseada em gêneros não necessa-
riamente exclui as considerações formais, ela inverte a ordem da abordagem tradi-
cional do tipo. Ao invés de começar pela assunção de que a forma motiva a escrita,
começa-se a olhar para as situações recorrentes que dão origem e condicionam as
escolhas formais – e outros inúmeros tipos de escolhas – que os escritores fazem

164
A construção do argumento

em uma dada situação, para determinar qual “família” de escolhas formais podem
ser adequadas. Por causa do foco em situações recorrentes, a audiência “típica”
para um dado gênero gera determinadas expectativas a respeito da resposta apro-
priada, e os escritores devem trabalhar com essas expectativas, satisfazendo-as
ou habilidosamente desrespeitando-as para obter um máximo efeito.
Assim como a abordagem ECC, a abordagem de gênero enfatiza a importância
de ler cuidadosamente os modelos textuais dos gêneros que os alunos devem pro-
duzir. Como a ECC, ela “[...] presume que os textos são socialmente construídos em
relações intertextuais” (MILLER, 1984, p. 165). Para compreender a instância de
um gênero é preciso ter não apenas informações formais a respeito desse gênero,
mas compreensão substancial da sua importância ou modelos paradigmáticos que
escritores e audiência devem ter em mente ao escrever ou interpretar qualquer
instância específica do gênero. Enquanto a abordagem de gênero enfrenta alguns
dos perigos que os cursos de ECC enfrentam quando se pesa a atenção dispensa-
da aos textos e a atenção dispensada aos processos dos alunos, o foco retórico da
abordagem assegura que atividades de interpretação realizadas em sala devem
se traduzir mais diretamente na construção do texto do aluno.
Diante disso, a abordagem baseada em gênero talvez seja a mais fácil entre
as abordagens alternativas para se unir ao foco no argumento. A compreensão do
argumento na abordagem baseada em gênero é desenvolvida em praticamente
todas as principais abordagens da argumentação e nos principais livros didáticos
do assunto. A Stasis Theory na verdade, é uma teoria de gênero segundo a maneira
de entender por grande parte dos teóricos contemporâneos. A maioria das Stasis é
derivada indutivamente dos tipos de situações recorrentes e dos objetivos recor-
rentes dos locutores nessas situações. O valor da Stasis, como qualquer abordagem
baseada em gênero, não é o fato de que ela dita uma estrutura específica, mas o de
permitir que se antecipem as respostas do auditório e dos pontos importante na
construção de um argumento. Não se trata exatamente de uma forma pré-fabricada

165
A construção do argumento

que surge de uma preocupação com a Stasis em questão – ainda que, dependendo
do contexto do argumento, uma forma preestabelecida pode ser necessária – mas
de uma série de movimentos, adaptados às especificidades da situação.
Ensinar em um curso de escrita baseado no argumento usando a Stasis theory
também permite que se adapte mais rapidamente à abordagem “escrita como intro-
dução ao discurso de uma comunidade acadêmica”. Nesse sentido, Fulkeron (2005,
p. 672) cita a posição de Gerald Graff, em Clueless in Academe, segundo a qual “[...]
todo discurso acadêmico é um argumento caracterizado por certos ‘movimentos’
intelectuais preferidos que poderiam ser explicitamente compartilhados com os
estudantes”. O estudante que entende o argumento como semelhante a uma série
de movimentos realizados em resposta a uma Stasis, que pede uma alegação causal
ou avaliativa, tem pouca dificuldade em se adaptar a uma abordagem que enfa-
tiza os modos particulares como um sociólogo entende avaliação ou um químico
entende causalidade.
Dito isso, a escrita como introdução ao discurso de uma comunidade acadêmica
é problemática por uma série de razões. Como diz Fulkerson (2005), essa abor-
dagem tem sido criticada por focalizar certos valores e padrões que favorecem os
estudantes brancos da classe média. De fato, ela tem estado sob crescente ataque
nas disciplinas nos últimos anos. Além disso, as dificuldades práticas de introduzir
os estudantes ao discurso acadêmico genérico trazem alguns problemas para o
professor. Indubitavelmente, o melhor lugar para se aprender o discurso acadêmico
é a comunidade onde ele é usado. Por que perder tempo em querer saber habilidades
e competências que não podem ser transpostas para outras disciplinas? Deixemos
que essas disciplinas ensinem os estudantes a forma apropriada de escrever. Para
aprender como escrevem psicólogos, físicos ou cientistas políticos, precisaríamos
aprender o vocabulário, a metodologia e o raciocínio reconhecido pelos membros
de cada uma dessas comunidades, o que é uma atividade impossível para uma única
aula. Na realidade, na medida em que se compreende que a função precípua de um
curso de escrita do primeiro ano é apresentar os alunos ao discurso acadêmico, não

166
A construção do argumento

se pode exigir mais que isso. Os membros do chamado movimento “abolicionista”,


um movimento que reivindica a extinção da escrita do primeiro ano, e, em alguns
casos, da extinção de cursos de escrita no primeiro, constantemente mencionam
a ausência de convenções e normas disciplinares nessas aulas como razão para
extingui-las.
Embora não tenhamos tempo ou espaço, neste trabalho, para apresentar um
exemplo completo de ensino de argumento em aulas de escrita como um antídoto
para os vários males mencionados pelos abolicionistas, podemos perceber, nas
entrelinhas, que seus argumentos apresentam as mesmas fragilidades que Burke
(1941, p. 171) observa nos argumentos vagos, como testemunham as falhas que
ele encontra em The Folklore of Capitalism (O folclore do capitalismo) de Thurman
W. Arnold: “Para atacar as sustentações subjacentes dos argumentos de seus
opositores, ele aperfeiçoa um modelo de argumento que poderia, se levado a cabo
consistentemente, também atacar as sustentações subjacentes aos seu próprio
argumento”. Dessa forma, se alguém rejeitar a importância da escrita no primeiro
ano de todos os outros cursos universitários, poder-se-ia, com a mesma funda-
mentação, negar a importância da retórica para o argumento em todas as outras
disciplinas. Realmente, o que é mais surpreendente a respeito do renascimento da
retórica nos últimos anos é o ganho que esses estudos trouxeram para as pessoas
em outros campos, notadamente a Biologia e a Economia, para reavaliar a sua
própria prática argumentativa. Pela mesma razão, a importância da retórica para
outras disciplinas, por meio do programa Escrita através do currículo (em inglês
Writting across curriculum– WAC), proporcionou a muitos professores de outras
disciplinas revisar suas abordagens de ensino de escrita. Embora, obviamente, a
escrita e a retórica sejam sempre, em certa medida, atividades secundárias, melhor
compreendidas como escrita sobre algo e retórica de alguma coisa, essa obviedade
não contradiz a natureza transdisciplinar dessas atividades, a existência de grandes
semelhanças e coincidências entre as suas várias aplicações e a capacidade tanto
de uma como de outra de alterar as coisas às quais se ligam. Além disso, mesmo

167
A construção do argumento

que os abolicionistas estivessem corretos em sua perspectiva sobre a irrelevância


da escrita básica para a escrita acadêmica, por exemplo, ainda há uma lógica pode-
rosa para o ensino da escrita como “discurso cívico”, uma capacidade que prepara
os alunos para cumprir seus deveres como cidadãos ao invés de prepará-los para
escrever academicamente.

Ensinar ou não ensinar propaganda

Por muitos anos, os professores de escrita, compreensivelmente, se esqui-


varam de usar o termo “propaganda” em sala de aula, e, mais ainda, de ensinar
aos alunos o que o termo poderia significar. No uso comum, trata-se mais de um
termo pejorativo do que descritivo. Virtualmente, a única vez em que se ouviu o
termo sendo invocado foi no contexto de uma demissão partidária: “Eles” usam
propaganda, enquanto “Nós” oferecemos argumentos razoáveis. O termo parece
causar muito alarde para uma análise corrente da persuasão. O clima atual não
é inteiramente saudável para lidar com questões pesadas como a propaganda na
sala de aula. No nosso estado do Arizona, por exemplo, um projeto de lei que corre
no legislativo quer proibir professores de ensino médio e superior de se valer de
posições político-partidários em sala de aula. Mesmo não sendo claro o que é um
comentário “partidário”, os alunos poderiam ser estimulados a denunciar o que
eles percebem como ofensas, e as autoridades poderiam, então, resolver o caso com
os acusados. O projeto é aparentemente semelhante aos apresentados em outros
estados, na esteira de protestos de pessoas como David Horowitz, Dinesh D’Sousa
e Ann Coulter, que alegam que a “lavagem cerebral” liberal se tornou comum nas
escolas públicas americanas. Pouco importa que, em ambientes como esse, as
pessoas poderiam relutar em analisar atos particulares de discurso político como
sendo possivelmente propagandísticos.
Dito isso, a propaganda apresenta um cenário muito real de práticas persuasi-
vas, que estão, em certa medida, presentes em muitos argumentos aparentemente

168
A construção do argumento

não propagandísticos. Como visto anteriormente em nosso contínuo de práticas


de argumentação, não existe prática pura de persuasão no mundo real, e alguns
elementos das piores práticas persuasivas podem ser encontrados, ainda que fracos,
nas melhores. Nossa habilidade em detectar essas práticas no trabalho com qual-
quer argumento, e confrontá-las com os piores argumentos é cada vez mais crítica.
Não há dúvidas de que estamos mal preparados para lidar com a propaganda de
um modo racional, especialmente porque a dinâmica da persuasão na propaganda
não é amplamente compreendida – ou ainda pior, essa dinâmica é largamente mal
compreendida – e recebe pouca atenção na sala de aula.
Para ser mais específico, o uso dessas práticas tem aumentado significativa-
mente nos últimos anos, na medida em que a mídia tem assumido novas formas
mais adequadas à dinâmica da propaganda. A tentação de usá-la tem sido intensi-
ficada em uma sociedade em que se propaga a ideia de que “o vencedor leva tudo”,
e a resistência a isso tem sido enfraquecida pelo sistema público de educação cada
vez menos comprometido com o ensino do letramento crítico e cada vez mais com-
prometido com o ensino que prepara para exames padronizados.
Antes de começar a analisar exatamente o que a propaganda é, vamos ver
o que ela não é. Vamos fazer isso porque acreditamos que os erros conceituais a
respeito da propaganda a que aludimos anteriormente ainda são as maiores barrei-
ras para uma compreensão contemporânea do fenômeno. Um dos equívocos mais
recorrentes é a crença de que a propaganda é majoritariamente uma ferramenta
de um estado totalitário. A Alemanha nazista, a China comunista, a Coreia do Nor-
te, a antiga União Soviética, o Iraque na época de Sandam Russein – na cabeça da
população, esses são os modelos de uso da propaganda. Em nome do controle da
população, os monopólios midiáticos dirigidos pelo estado alimentam um fluxo
constante de “verdades oficiais”, músicas motivadoras, e mensagens pessoais de
seus “queridos líderes” do povo. “Documentários” que apresentam os inúmeros
triunfos do Estado são artisticamente construídos com a finalidade de fundir os
líderes políticos com os seus mitos. Outdoors e cartazes por toda parte apresen-

169
A construção do argumento

tam imagens de líderes e citações de heróis do passado. Os cidadãos são levados a


participar de celebrações organizadas em torno de exibições de forças militares.
Aqueles que não são receptivos às mensagens das propagandas são encaminhados
para instituições governamentais para serem “reabilitados”. As fronteiras são her-
meticamente fechadas para que os cidadãos não possam buscar as suas próprias
verdades fora disso e para prevenir que “agitadores estrangeiros” mostrem histó-
rias alternativas. Mesmo que esse modelo seja historicamente preciso, e, em alguns
casos, como na Coréia do Norte, ainda esteja em vigor, hoje é simplesmente muito
custoso mantê-lo, mesmo para um ditador mais determinado. Além disso, com o
advento da Internet, é praticamente impossível policiar a expressão de opiniões.
Hoje em dia, a propaganda é, ao mesmo tempo, mais difundida e menos óbvia do
que era no passado.

O que é propaganda? Burke e Ellul

No final desta seção, vamos deixar, resumidamente, algumas das caracte-


rísticas principais da propaganda para que as pessoas as reconheçam e possam
entender melhor seu impacto negativo. No entanto, neste momento, vamos re-
troceder um pouco e dar uma olhada mais acurada na propaganda, tendo como
nossos guias dois pensadores que, na nossa opinião, oferecem as mais profundas
análises retóricas do fenômeno: Kenneth Burke, especialmente em seu ensaio de
1941, Rhetoric and Hitler’s Battle, e o filósofo social francês Jacques Ellul. Talvez o
ponto de partida mais útil para essa análise seja a distinção de Burke (1966) entre
retórica realista e retórica mágica a que aludimos no primeiro capítulo. Ao fazer
essa distinção, Burke (1966) enfatiza a capacidade realista da retórica de “induzir
a cooperação” entre as pessoas em oposição ao poder mágico da linguagem de
“provocar o movimento nas coisas” (BURKE, 1966, p. 42). Burke rejeita essa visão
mágica da linguagem com base no fato real de que o domínio extraverbal, ao mesmo
tempo em que depende da linguagem para a sua compreensão e entendimento, é

170
A construção do argumento

independente da linguagem na medida em que ele tem o poder de contrariar nos-


sas perspectivas linguísticas sobre ele. Apenas para lembrar, Burke não faz isso.
A propaganda pode ser compreendida, nesse contexto, como uma tentativa de
reduzir as audiências a um estado de coisificação para nelas “induzir o movimen-
to” que satisfaz as necessidades do anunciante. Com esse fim, o empreendimento
da propaganda é altamente redutor: reduz a audiência ao menor denominador e
apela para os elementos básicos do caráter humano; infantiliza a audiência ao en-
fatizar a onisciência divina do anunciante e o poder que ele tem para garantir sua
segurança; limita o acesso da audiência às informações e aos contra-argumentos,
excluindo-os do apelo propaganda, descaracterizando-os ou impedindo que os
concorrentes os conheçam.
O resultado de tudo isso, de acordo Ellul (1973), é o que ele chama de “orto-
praxia”. Como o seu primo etimológico, ortodoxia, a ortopraxia se refere mais ou
menos a um número de crenças sem reflexão, mas, na medida em que a ortopra-
xia indica um vasto motor inconsciente de resposta a estímulos que “dão curto-
-circuito em todos os pensamentos e decisões” (ELLUL, 1973, p. 27), ela vai muito
além da ortodoxia. Na verdade, a ortopraxia é mais reconhecida por fazer “[...] o
indivíduo viver em um mundo separado; ele não pode ter referências exteriores.
A ele não é permitido um momento de meditação ou reflexão a respeito de como
se vê” (ELLUL,1973, p. 17). Como já sugerimos, os meios tradicionais de alcançar
esse objetivo, dados os aportes massivos de dinheiro e mão de obra necessários,
não são mais vistos como viáveis para a maioria dos governos. Nos dias de hoje,
como veremos, versões menos draconianas disso podem ser feitas relativamente
de forma mais fácil, com muito menos investimentos de recursos.
Neste ponto do nosso texto, não precisamos mais fazer uma introdução a
Burke. Jacques Ellul provavelmente precisa. Seu trabalho mais relevante, Propa-
ganda: The Formation of Men’s Attitudes (Propaganda: A Formação das Atitudes do

171
A construção do argumento

Homem), foi escrito, em 196223, mas ainda permanece indiscutivelmente como o


trabalho mais completo e racional sobre o assunto disponível para os estudantes
de retórica, especialmente pela sua explicação de como as forças sociais modernas
interagem para nos tornar mais vulneráveis aos apelos da propaganda. Certa-
mente, várias das tendências que ele menciona, nesse estudo, como responsável
pelo crescimento da propaganda em meados do século XX, ainda são evidentes
atualmente. Particularmente, ele sugere que um sistema educacional que ensina
as pessoas a ler, mas não a pensar criticamente é um pré-requisito para a difusão
da propaganda. Em certa medida isso é muito simples, porque uma população
alfabetizada – mas não crítica – é necessária para a formação de uma mídia de
massa a serviço da propaganda. Nesse sentido, a crítica de Ellul à educação anteci-
pa a crítica de Paulo Freire, nos anos 1970, que ajudou a estabelecer o movimento
de letramento crítico. Uma das maiores diferenças entre os dois pensadores, e o
nosso ponto de divergência em relação a Ellul, é o recente ceticismo em relação à
“educação de massa” e a sua capacidade de se autorreformar. Em geral, a atitude
de Ellul com “as massas” expressa sua posição como um homem do seu tempo e
do lugar onde viveu.
Então, o que é propaganda? Ellul (1973, p. 61) apresenta a seguinte definição,
que não ajuda muito na nossa perspectiva.

A propaganda é um conjunto de métodos empregados por um grupo or-


ganizado que quer promover a participação ativa ou passiva, nas suas
ações, de uma massa de indivíduos, psicologicamente unidos por meio de
manipulações psicológicas e inseridos em uma organização.

23. A edição usada, neste trabalho, é a de 1973.

172
A construção do argumento

Não nos deteremos nessa definição, mas podemos fazer uma observação. A
definição de Ellul, aparentemente, poderia ser estendida para incluir questões como
a doutrinação dos consumidores pelos anunciantes e marqueteiros. No entanto,
o seu estudo enfatiza a propaganda política, caminho que também percorremos
em nossa discussão. Seguimos esse caminho, mesmo que, como demonstraremos a
seguir, as práticas e técnicas dos publicitários e marqueteiros se sobrepõem, mais
e mais publicitários emergem da publicidade, do marketing e das relações públicas,
e a persuasão implacável na esfera do consumo, por certo torna, as pessoas mais
suscetíveis aos apelos da propaganda na esfera pública. Isso posto, os objetivos e
os impactos dos que oferecem elementos de convencimento em nome de produtos
e os que oferecem elementos persuasivos em nome de causas políticas são signi-
ficativamente diferentes.
A maior diferença entre as duas esferas tem a ver com o fato de que a esfera do
consumo, pelo menos no nível das escolhas individuais, é essencialmente amoral,
ao passo que a esfera política, em todos os níveis, é essencialmente moral. A seme-
lhança entre as esferas política e moral recebeu grande atenção mais recentemente
de Lakoff (2002, p. 41), que parte da premissa de que “[...] as perspectivas políti-
cas são derivadas de sistemas de conceitos morais”, e, exaustivamente, explora as
implicações dessa assunção para a política americana contemporânea. Por trás de
questões sobre cuidados com a saúde, aborto, segurança social, tributação, entre
outras, há questões fundamentais sobre justiça e felicidade e sobre o caráter sagra-
do da vida. Na medida em que nos distanciamos das questões morais e políticas e
priorizamos a escolha entre marcas concorrentes de cerveja, trivializamos essas
questões e potencialmente alienamos os cidadãos acerca do processo político.
O ponto mais relevante de Lakoff (2002), porém, não é tanto o fato de que
a dimensão moral da política é ignorada, nos últimos anos, mas o fato de que a
dimensão moral da política tem sido grosseiramente muito simplificada a fim
de que se manipulem as audiências de uma forma que, ao nosso ver, parece ser
propagandisticamente. Para que as questões morais digam algo corretamente às

173
A construção do argumento

questões políticas, a perspectiva moral predominante deve ser suficientemente


inclusiva para assegurar que qualquer posição moral importante seja ouvida e
que um consenso moral nasça de algum tipo de processo dialético. Na medida em
que o discurso político na esfera pública é dominado por um único conjunto de
valores morais que não tolera oposição, e na medida em que, em contrapartida,
esses valores não são vistos como um fim em si mesmos, mas muito mais como
meios de controlar aqueles que se filiam a eles e de se atingir objetivos políticos,
a qualidade das nossas decisões políticas e a precisão de nossas sensibilidades
políticas sofrerão igualmente.
Embora a definição de propaganda de Ellul (1973) abarque o uso de “mani-
pulações psicológicas” como parte do empreendimento da propaganda, conforme
acabamos de descrever, não se estende automaticamente para a prática de mentir.
De fato, a crença de que uma mensagem deve ser intencionalmente não verdadeira
para qualificar como propaganda é umas das maiores barreiras para o seu reco-
nhecimento. Embora os profissionais de propaganda possam, por vezes, recorrer
à propagação da “desinformação”, os riscos de serem apanhados numa grande
mentira são suficientemente grandes para desencorajar a disseminação de uma
mentira em larga escala. A mensagem ideal da propaganda deveria ser plena de
informações precisas e rica em insinuações especulativas, repetidas, constante-
mente, em um longo período de tempo até que as insinuações assumam o status de
fatos. Na linguagem dos anunciantes antigos, “repetição é reputação”, uma fórmula
que funciona muito por causa da nossa tendência de confundir familiaridade com
convicção, o “filme dos costumes” como verdade.
Novamente tomando emprestado o pensamento de Lakoff (2002), a propagan-
da é mais uma questão de “construir” informação de forma a induzir as pessoas a
delinearem as conclusões desejadas do que uma questão de prover as pessoas com
as informações que faltam e isolá-las da informação verdadeira. Essa construção
é tipicamente concebida como uma seleção cuidadosa de um vocabulário que faz
um prejulgamento das questões discutidas. As implicações metafóricas tácitas da

174
A construção do argumento

escolha de palavras vão direcionar a audiência para a direção desejada. Usando um


dos exemplos favoritos de Lakoff, conceber uma discussão de política tributária
sob a rubrica de “alívio fiscal” em oposição a “cortes de impostos” implica que os
impostos são uma carga opressiva sobre os contribuintes. Embora possa haver
um limite a respeito do tamanho do “corte” que querem fazer nos impostos, não
há limite quanto à questão de saber a medida que alguém pode pedir no “alívio”
de impostos.
Para nossos propósitos, esse enquadramento pode ser estendido de questões
de vocabulário e metáfora para o meio através do qual a mensagem é recebida.
Nas mídias altamente sofisticadas de hoje em dia, essas questões são literalmente
construídas pelo cenário em que são apresentadas. Para mencionar um exemplo
atual, Hannity and Colmes, um programa de notícias do canal Fox, apresenta um
ponto de vista “equilibrado” (Hannity) por intermédio de um ponto de vista liberal
(Colmes). No entanto, mesmo uma visão superficial do programa pode convencer
alguns de que uma mão pesada perturba o equilíbrio. Hannity tem a aparência
de um âncora de jornal. É um sujeito vigoroso, agitado, muito seguro, que domina
seu suposto inimigo liberal, Colmes, um sujeito fúnebre, com aparência de um
apresentador de previsão do tempo e tendência a balbuciar, que, frequentemente,
apresenta argumentos de forma melancólica e pessimista. Raramente, Colmes faz
muitos pontos nas discussões, muito menos consegue muitas vitórias. Não é preciso
“mentir” nesse formato, porque verdades ineficazes funcionam bem.
Na construção da informação, os profissionais da propaganda podem distorcer
o significado, exagerar ou amenizar as suas implicações futuras, obscurecer ou
disfarçar as intenções do falante, ou atribuir motivações duvidosas, geralmente as
menos apresentáveis aos seus adversários (ELLUL, 1973). Como alguns programas
de TV populares, os profissionais da propaganda adoram “estampar histórias nas
manchetes”, que convertem os assuntos correntes, especialmente eventos sensacio-
nalistas condizentes com os mitos populares, como se fossem crises que precisam
da atenção das massas. Nas palavras de Ellul (1973, p. 44),

175
A construção do argumento

[...] é evidente que a propaganda pode ser bem sucedida apenas quando
o indivíduo se sente desafiado. Não tem qualquer influência quando o
sujeito está equilibrado, tranquilo, sentindo-se em total segurança. Nem
os eventos passados nem os maiores problemas metafísicos desafiam o
indivíduo médio, o homem comum atual. Ele não é sensível ao que é trá-
gico na vida e não está angustiado por questões que Deus possa imputar-
-lhe. Ele não se sente desafiado, exceto por fatos políticos e econômicos
atuais. Por isso, a propaganda precisa começar pelos fatos atuais.

Vale salientar que nós não partilhamos, nem aqui nem em qualquer outro local,
o desprezo de Ellul pelo “homem comum dos dias atuais”, mas a sua alegação de
que as notícias são uma constante fonte de panfletagem propagandística parece,
pelo menos, mais verdadeira hoje na era dos ciclos de 24 horas de notícias do que
quando ele a formulou há décadas. Algumas distorções dos fatos atuais estão, é
certo, inevitavelmente, inseridos nas reportagens sobre esses fatos pelos princi-
pais meios de comunicação. No entanto, essas mídias representam uma parcela em
declínio do que é entendido como notícia atualmente. Na maioria das propagandas
sérias exibidas hoje em dia, podemos ver um segmento de difusão de notícias em
plena expansão que é “secundário” às notícias jornalísticas. Esse é um mundo de
Hanity and Colmes, de especialistas e de consultores políticos, de blogueiros, edito-
rialistas, e de analistas especializados que reviram e interpretam as notícias, por
meio de várias formas de infoentretenimento que são muito mais baratas do que
coberturas jornalísticas de verdade. Uma forma de avaliar a tendência propagan-
dística desses programas é perceber como eles são veiculados “[...] na linguagem da
indignação, um tom que é quase sempre uma marca da propaganda” (ELLUL, 1973,
p. 58). Em casos extremos – pensemos nos programas populares de rádio – esses
programas apelam para os sentimentos mais cruéis como “ódio, fome... orgulho”
(ELLUL,1973, p. 38) e temem agitar as paixões de seus espectadores.
Burke (1941) toca em muitas dessas questões na sua discussão sobre Hitler,
cuja retórica é um modelo de retórica “impura”. Ao iniciar a análise de Minha luta,

176
A construção do argumento

Burke chama a atenção simultaneamente para as impurezas da retórica de Hitler


e para a responsabilidade dos retoricistas para articular essa retórica. Os críticos
têm a obrigação de analisar livros “incômodos e até mesmo repulsivos” como os
de Hitler (BURKE, 1941, p. 191). Ele compara uma análise rápida, desinteressada
de Minha luta ao fato de queimá-lo em uma pira, como fazia Hitler com as pesso-
as. Ao fazer isso, Burke defende, nós perdemos uma oportunidade de descobrir
como Hitler conseguiu inventar um remédio que foi tomado com tanto prazer por
milhões de pessoas, e assim “[...] prevenir a invenção de um remédio parecido
na América” (BURKE, 1941, p. 191). Burke ainda destaca que, embora os norte-
-americanos possam acreditar que suas virtudes irão protegê-los das palavras de
Hitler, na verdade, isso é “o conflito no meio dos seus vícios” (BURKE, 1941, p. 192),
é a discussão parlamentar de suas diferenças – a própria retórica – que os protege
dos encantos do sistema “perfeito” do Hitler, a sua teoria de campo unificado da
natureza humana.
Um dos temas da análise de Burke que ecoou anos depois na teoria de Ellul
é a associação entre propaganda moderna e as técnicas de marketing e publici-
dade. A propaganda moderna, em oposição às suas formas mais antigas como as
“propagandas comunistas” ou invenções usadas para provocar furor partidário,
é consideravelmente mais sutil e científica. Segundo as considerações de Burke,
Hitler possui a “racionalidade” de um hábil publicitário que planeja a sua nova
campanha de vendas. “A política, ele diz, deve ser vendida como se vende sabone-
te – e não se vende sabonete em transe” (BURKE, 1941, p. 216). Elul (1973, p. 25),
na mesma direção, caracteriza os profissionais da propaganda como “[...] cada vez
mais o técnico que trata de seus clientes de várias maneiras, mas se mantém frio
e indiferente, escolhendo suas palavras e ações por razões puramente técnicas”.
O que era característica da propaganda em meados do século XX parece hoje ser
paradigmático. Graças aos avanços tecnológicos, as convergências entre a propa-
ganda e o marketing são muito mais evidentes no ambiente altamente midiático. A
linha que separa as duas atividades é ainda menos visível e muito mais atravessada

177
A construção do argumento

por um grupo “profissionalmente psicótico” de pessoas que torcem por candidatos,


políticos, guerras e veículos utilitários esportivos com a mesma serenidade e da
mesma maneira.
Uma das lições mais importantes que os profissionais da propaganda aprende-
ram com os anunciantes diz respeito às cuidadosas técnicas de separar o público,
uma arte aperfeiçoada por uma legião de pesquisadores demográficos e psicográ-
ficos que trabalham para os marqueteiros. A propaganda é, para usar o termo de
Ellul (1973, p. 212), “particionada, ou para usar a descrição retórica tradicional de
Burke, a propaganda é “direcionada”, uma retórica de “busca de vantagens”. Em
uma palestra famosa que Burke deu, em 1935, para o Congresso Americano de
Escritores, ele descreveu a relação parasitária dos profissionais da propaganda
com o seu público da seguinte maneira: “[...] não é o trabalho de um profissional
da propaganda convencer os convencidos, mas pleitear os não convencidos, o que
lhe requer o uso do vocabulário deles, valores deles, símbolos deles, tanto quanto
for possível” (SIMONS; MELIA, 1989, p. 271-72). É por isso que os profissionais da
propaganda, assim como os anunciantes, estudam seu público tão profundamente,
e sua mensagem é expressa com símbolos, valores e vocabulário apropriado que
se reflete nos grupos cuidadosamente selecionados cujas necessidades, desejos e
medos são meticulosamente mapeados.
Em uma sociedade fechada e homogênea, como a Alemanha de Hitler, isso
significa que a propaganda pode ser canalizada através de um único meio para
apelar a um grupo imenso de “incluídos”, cujas necessidades, ansiedades, aspira-
ções, sem mencionar mitos e fantasias, são integralmente compreendidas às custas
de uma minoria de “excluídos”, que representa os piores medos dos incluídos. Por
outro lado, em uma sociedade pluralista como a norte-americana, isso significa
que a propaganda, para ser efetiva, tem de ter acesso a múltiplos canais e usar
mensagens personalizadas para os consumidores e direcionadas a um eleitorado
variado. Assim, ironicamente, a nossa imprensa aparentemente livre e robusta, e os
inúmeros canais de informação que ela proporciona, pode revelar-se indispensável

178
A construção do argumento

para os profissionais da propaganda, assim como para os anunciantes na divisão


e na conquista da audiência.
Como esses últimos apontamentos sugerem, por mais inestimável que seja
uma imprensa livre para combater a propaganda, isso é apenas uma necessidade,
não condição suficiente para a resistência. Como Ellul (1973, p. 212) destaca: “Toda
propaganda tem de separar seu grupo de todos os outros grupos”, assegurando
que cada grupo tenha seu canal dedicado às suas crenças. “Eles aprendem mais e
mais que o seu grupo está correto, que seus atos são justificados” (ELLUL, 1973,
p. 213), ao mesmo tempo em que os grupos rivais são repetidamente rotulados
como equivocados e erroneamente fundamentados:

Essa crítica ao próximo, que não é ouvida por esse próximo, é conheci-
da pelos integrantes do grupo que a expressa. O anticomunista ficará
cada vez mais convencido da maldade do comunista, e vice-versa. Como
resultado, as pessoas ignoram mais e mais umas às outras. Elas não se
permitem se abrir a um intercâmbio de pontos de vista, argumentos e
raciocínio (ELLUL, 1973, p. 213).

Muitos anos depois, com o advento da TV digital e por satélite que oferece
centenas de canais e informação, a Internet, com seus inúmeros portais, blogs e
sites, sem mencionar o rádio, a crítica de Ellul parece ser ainda mais proeminente.
Nós realmente vivemos, como diz Burke, em “Babel, depois da queda da torre”, e,
na medida em que a mídia moderna multiplica e acirra a divisão entre os cidadãos,
ela devolve o antídoto retórico a esse estado – algo como a conversa de Rorty e
Oakeshott sobre a humanidade – que é muito menos eficaz.
O problema da divisão entre os cidadãos se agrava quando se leva em consi-
deração os efeitos indiretos da mídia sobre os que são eleitos para representar o
cidadão. Por causa dos custos sempre ascendentes para se ganhar eleições, devi-
do, primeiramente, pelos altos custos de se comprar tempo na mídia e produzir
os anúncios políticos que por si mesmos exibem incrivelmente tendências pro-

179
A construção do argumento

pagandísticas, os altos escalões da política tornam-se mais e mais dependentes


de interesses especiais dispostos a financiar as suas campanhas. A fidelidade a
interesses particulares, por sua vez, torna cada vez mais difícil para os órgãos
públicos suplantar as disputas partidárias e conciliar seus interesses em nome
do bem público. A redução – muitas vezes perceptível – da conversa produtiva e
cortês no Congresso Americano é um sinal de que o modelo de divisão proposto
por Ellul se expandiu do eleitorado para os órgãos legisladores. Na realidade, Burke
sugere que isso sempre aconteceu e que a mudança da natureza da mídia deve ter
simplesmente agravado uma aflição crônica dentro dos órgãos legisladores.
As conclusões de Burke quanto às causas que subjazem às divisões legislativas
surgem no contexto de sua discussão sobre a psicologia de Hitler, desenvolvida
à luz das ideias de Freud. Burke alega que o próprio “eu parlamentar” de Hitler
era profundamente cindido entre ego, superego e id. Hitler, por sua vez, projetou
as prodigiosas lutas interiores que cercam sua personalidade para o mundo, es-
pecialmente para o extremamente dividido e em colapso parlamento do Império
Habsurg. Impor a sua visão totalitária ao mundo representou uma cura mágica
para as suas divisões interiores. Todas as evidências de heterogeneidade, de dife-
renças, se tornavam, para Hitler, sintomas de “democracia falida em dias difíceis”
(BURKE, 1941, p. 200). O processo político democrático, inevitavelmente confuso,
com ênfase no debate, no compromisso e no consenso é convertido por Hitler em
uma Babel de vozes,

[...] e pelo método de fusões associativas, usando ideias como imagens,


Viena tornou-se, na retórica de Hitler, ‘Babilônia’, como a cidade da po-
breza, prostituição, imoralidade, coalisões, meias medidas, incesto, de-
mocracia (ou seja, regras da maioria que leva a ‘falta de responsabilidade
pessoal’ (BURKE, 1941, p. 200).

180
A construção do argumento

Em qualquer das conversas calorosas dos programas de rádio, pode-se ouvir


análises similares conduzidas com os mesmos tons de indignação moral dos conta-
dores de fábulas das notícias de hoje. De acordo com Burke, os editores dos jornais
de seu tempo seguiam o modelo, talvez no mesmo tom, da retórica de Hitller. Essa
é uma observação que ainda parece ressoar.

Qualquer conflito entre os porta-vozes parlamentares representa um


conflito correspondente entre os interesses materiais dos grupos pe-
los quais eles estão falando. Hitler não discute a Babel por esse ângu-
lo. Ele discutiu isso com bases puramente sintomáticas. A estratégia da
nossa imprensa ortodoxa de ridicularizar a verborragia cacofônica do
Congresso é óbvia: ao centralizar o ataque aos sintomas dos assuntos
conflituosos, como eles se revelam nos indícios das disputas políticas,
e ao deixar a causa nas entrelinhas, e os assuntos conflituosos fora de
pauta, satisfazem o povo, que poderia, de outra forma, ficar alienado; no-
meadamente, os empresários que são os membros ativos de seu público
leitor (BURKE, 1941, p. 201).

O resultado desse cenário é o enfraquecimento da crença do povo no gover-


no. Na medida em que as regras, instituições, princípios e tradições do governo
podem limitar o poder dos profissionais da propaganda ou impedir um programa
específico que eles queiram engrenar, eles não veem isso como uma coisa neces-
sariamente ruim. Daí decorre a afirmação de Ellul (1973, p. 191) de que na medida
em que os cidadãos se “desinteressam das questões políticas”, eles (o estado e/ou
os que o controlam) ficarão “abanando as mãos”. Por outro lado, ao mesmo tempo,
há um ponto de atenuação já que continuar a enfraquecer a crença do povo no go-
verno pode não ser do interesse próprio daqueles que controlam, ou gostariam de
controlar, as rédeas do poder do governo. Se o público tem receio em relação aos
entremeios do governo, a propaganda “[...] não tem absolutamente efeito nos que
vivem na indiferença ou ceticismo” (ELLUL, 1973, p. 190). Como, então, fazem os

181
A construção do argumento

marqueteiros políticos para simultaneamente enfraquecer a confiança no gover-


no como instituição e expandir os poderes governamentais que servem aos seus
propósitos?
O truque, de acordo tanto com Burke quanto com Ellul, é personalizar o go-
verno, identificando-o cada vez mais com a personalidade ou as personalidades de
seu líder. De acordo com Ellul (1973, p. 172), “[...] o culto ao herói é o complemento
absolutamente necessário para a massificação da sociedade”. Através do herói, diz
o autor, a pessoa mediana “vive vicariamente”, e o herói é uma celebridade das telas
ou o presidente. Na esfera política, Ellul vê esse tema aparecer mais claramente
nos partidos políticos cujos marqueteiros (ou publicitários, se preferem) exploram
“[...] a inclinação das massas em admirar o poder pessoal, criando a imagem de um
líder e investindo nela com atributos de onipresença e onisciência” (ELLUL, 1973,
p. 217). Para reforçar a sua argumentação, aqui, Ellul cita a corrida presidencial
americana de 1952 na qual Eisenhower explorou com sucesso essa inclinação às
custas de Adlai Stevenson, a quintessência do intelectual reservado, que viu as suas
ideias, mas não a sua pessoa, como a chave para as suas reivindicações à presidência.
Ellul (1973, p. 172), de passagem, observa como o fascismo repetidamente
afirmava ter “restaurado a personalidade ao seu lugar de honra”, uma questão, que,
por sua vez, ocupa um enorme espaço na análise de Burke sobre a propaganda de
Hitler. Em especial, Hitler é habilidoso em “espiritualizar” e “eticizar” os vínculos
materiais que une os diferentes estratos da sociedade, ao “personalizar” esses vín-
culos, tornando “grosseiro o ato de tratar empregadores e empregados como classes
diferentes e classificar de forma também diferente os seus interesses” (BURKE,
1941, p. 217). Ao invés disso, as relações entre empregador e empregado devem
se dar na base “pessoal” de líder e seguidor” (BURKE, 1941, p. 217)24. O vocabulá-

24. Pelo mesmo motivo, enquanto os que hoje apontam as injustiças entre as classes são acusados de instigar
a “luta de classes”, a população em geral é inundada com livros, fitas e seminários sobre “liderança”, uma
qualidade mística que é recompensada com montantes de dinheiro cada vez mais fabulosos.

182
A construção do argumento

rio que Hitler usa para efetivar essa transformação mágica vem da terminologia
prestigiada da religião, que ele desvia impunemente.

Aqui, novamente, o uso corrompido que Hitler faz dos padrões religiosos
vêm à tona. O pensamento religioso, primeiramente preocupado com as
questões de “personalidade”, com problemas de aperfeiçoamento moral,
naturalmente, e eu acho que corretamente, enfatiza a natureza essencial
do ato de vontade individual. Daí decorre a resistência a uma explicação
puramente “ambiental” dos males humanos. Daí a ênfase na “pessoa”. Daí
a tendência a buscar uma explicação não econômica para os fenômenos
econômicos (BURKE, 1941, p. 201).

Essa personalização de todas as relações no estado nazista é, por fim, esten-


dida para a imagem do próprio estado. Com o intuito de alcançar paz e harmonia
“a discussão do parlamentar é para ser acalmada pela concessão de uma voz para
todo o povo, a ‘voz interior’ de Hitler, tornada uniforme, em toda a Alemanha, como
a do líder, e as pessoas estavam totalmente identificadas umas com as outras”
(BURKE, 1941, p. 207). Assim, Hitler oferece ao povo alemão “[...] o conteúdo mau
de uma necessidade boa” (p. 210), ao perverter o desejo de supremacia. Ao fazer
essa unificação, Hitler se volta para a crítica de um tipo específico de propaganda.

Não um criticismo no sentido “parlamentar” de dúvida, de ouvir a oposi-


ção e de tentar amadurecer uma política à luz das contra políticas, mas o
tipo unificado de criticismo que simplesmente busca modos conscientes
de tornar a oposição de alguém mais “eficiente”, mais cheia de si (BURKE,
1941, p. 211).

O mundo que Hitler cria com a propaganda, censurando a oposição, excluindo


contradição, identificando a unidade essencial do estado com o “sangue” da raça
ariana, é a distopia da propaganda, segundo Ellul (1973), um mundo hermetica-
mente fechado no qual o indivíduo “não tem pontos de referência externos”.

183
A construção do argumento

A despeito de a propaganda ser normalmente identificada com retórica, tanto


a compreensão de Ellul quanto a de Burke do termo torna-o antirretórica. O que
acontece com a propaganda na Alemanha de Hitler e na democracia Ocidental de
Ellul é o que acontece com qualquer termo que se permite transformar-se em “um
fim em si mesmo”. Na linguagem de Burke (1941), o termo sucumbe ao paradoxo
da pureza e se torna diferente, na sua natureza, de cada uma das instâncias pelas
quais a sua última definição foi concebida. Simplesmente inverte-se o processo
pelo qual nós chegamos ao conceito de pura persuasão, eliminando toda e qual-
quer sugestão de sacrifício e impasse, de dialética e de invenção, até que se torna
puramente “direcionado”, e qualquer potencial interlocutor se transforma em um
movimento.
Para entender melhor exatamente a razão de a propaganda ter se tornado
uma força mais penetrante na nossa avançada democracia supostamente imune
aos seus encantos, voltamos a Ellul (1973, p. 129) e a um ponto importante que ele
estabelece a respeito do funcionamento da democracia ocidental. “Para o ocidental
mediano, o desejo das pessoas é sagrado, e o governo que falha em representar
esse deseja é uma ditadura abominável”. Para qualquer governo democrático
manter a sua legitimidade, ele deve manter o apoio popular na forma de opinião
pública, de apoio eleitoral ou ambos. No entanto, a opinião pública, como todos
que seguem as pesquisas sabem, é sabidamente inconstante. O apoio às políticas
militares ou econômicas de uma administração pública ou de um partido sobe e
desce dependendo de quão boas ou ruins são as notícias das esferas econômica ou
militar. Porém, para serem efetivas, as políticas devem ser estáveis e os operado-
res da política precisam enxergar mais longe, se as notícias serão contra eles – e
inevitavelmente serão contra eles por um tempo – eles devem modificar, ou até
mesmo inverter a sua política, aceitar derrotas ou persuadir as pessoas de que as
suas decisões estão efetivamente dando certo ou prestes a dar certo.
A dificuldade no âmbito político é perfeitamente capturada por Ellul (1973,
p. 132), que observa que toda administração, de qualquer filiação partidária, “[...]

184
A construção do argumento

dá a impressão de obedecer a opinião pública – depois de tê-la criado. O ponto é


fazer as massas solicitaram ao governo o que ele já tinha decidido fazer”. Em al-
guns casos, nós podemos – às vezes corretamente – atribuir um motivo sinistro
para essas tentativas ilícitas de influenciar a opinião pública. As políticas que vão
sendo promovidas podem, de fato, beneficiar interesses específicos às custas do
bem público. Até mesmo essas políticas de interesse público enfrentarão muitas
das mesmas dificuldades que enfrentam as práticas corruptas. O fato de as práti-
cas aparentemente mais civilizadas poderem ser mais facilmente defendidas com
bases racionais não garante a sua popularidade ou nega a necessidade, pelo menos
aos olhos de seus proponentes, de se utilizar a propaganda em seu benefício. Por
isso a é inevitável.
A propaganda, portanto, não é algo que podemos esperar erradicar ou, nas
palavras de Burke (1941), desbancar. Podemos retardar a sua propagação e enca-
minhá-la para formas mais legítimas de persuasão por meio do questionamento e
da crítica. Como as práticas de marketing e de publicidade às quais a propaganda
está tão intimamente ligada, ela também pode ser mais ou menos honesta, mas
apenas se falhar nas formas mais rudes – propaganda disfarçada de boletins in-
formativos do governo, que divulga os benefícios de programas duvidosos, pes-
quisas falsas financiadas pela indústria usadas seletivamente por membros do
governo para apoiar políticas duvidosas, falsos jornalistas que fazem perguntas
não embaraçosas aos membros do governo, comentaristas que dão depoimentos
falsos em apoio a programas e políticas sem dizer que são pagos para isso, e de-
putados, vereadores que realizam sessões em cenário de Potemkin Village25, com

25. O termo Potemkin Village refere-se à história de que o marechal russo Grigory Alexander Potemkin (1739-
1791), amante da imperatriz russa Catarina II (1729-1796), teria construído uma cidade falsa para impressioná-la
durante sua viagem à Criméia, em 1787. Conta-se que eram feitas construções falsas ao longo do rio Diepner
que eram desmontadas e montadas novamente à frente do trajeto da imperatriz, que as via como se fossem
novas.

185
A construção do argumento

participantes cuidadosamente escolhidos para fazer perguntas pré-estabelecidas


– porque os jornalistas de verdade fazem seu trabalho, e/ou porque o público mais
sofisticado aprendeu a “dar um desconto” para as alegações duvidosas e questionar
criticamente ações simbólicas.
Para ajudar a compreensão desse assunto, oferecemos a seguir um breve re-
sumo das práticas dos profissionais de propaganda.

A propaganda em resumo

Antes de ponderarmos os sintomas e a dinâmica das práticas da propagan-


da, deixamos a seguinte advertência: as diferenças entre a propaganda e outras
formas legítimas de práticas retóricas são de intensidade. Toda e qualquer prática
retórica é mais ou menos honesta ou desonesta e nenhuma delas pode ser aplicada
categoricamente a um ato qualquer. Se reduzirmos a coisa toda a uma única frase,
nossa visão da propaganda poderia ser chamada de “publicidade de esteroides por
razões políticas”. Muitas das condições que se seguem caracterizam tanto discursos
políticos comuns quanto a propaganda. Determinar quando um discurso político
se torna propaganda requer “disputas políticas” entre pessoas de diversas convic-
ções. Consequentemente, talvez fosse melhor pensar nessas condições mais como
dicas do que traços taxionômicos.

1. A propaganda política requer um palco, se não o placo. Sem um palco,


deixa-se de não apenas disseminar uma mensagem a uma massa, mas de
enquadrar o debate de forma a cercear as mensagens adversárias. Em-
bora nem todos os que divulgam uma mensagem precisem ter crachás
de uma organização ou ser parte interessada de um projeto para se en-
gajar na divulgação da propaganda, aqueles que criam e produzem uma
mensagem propagandística devem fazê-lo conscientemente em nome de

186
A construção do argumento

um sistema de crenças. Na forma como se encontra hoje, a propaganda


frequentemente se dissemina como uma fofoca, na cultura oral, por meio
da expansão de mensagens de propaganda conscientemente elaboradas
que se originam na mídia de massa e se proliferam pela Internet, nos
programas de rádio, em programas de TV em que os telespectadores
participam, em cartas aos editores, e assim por diante. Cada vez mais
a direção desse movimento é inversa, na medida em que os blogueiros
começam a criar mensagens propagandísticas que parodiam as mensa-
gens dos líderes “oficiais”.

2. Assim como os anunciantes, os profissionais de propaganda são exigen-


tes “integrantes” do mercado cujas mensagens frequentemente refletem
pesquisas extensas sobre a estrutura psicológica e demográfica de seu
público. Eles se baseiam muito na “artimanha” de que fala Burke (1941)
na busca de vantagens para as suas ideias, falando dos medos, anseios
e desejos específicos do seu público alvo, numa tentativa de contornar
as análises racionais e induzir o “movimento” nos sujeitos aos quais se
dirigem. Seu apelo se baseia menos nas evidências e nas razões do que
no “senso comum”, que “não tem origem”. Também como os anunciantes,
os profissionais da propaganda são adeptos da persuasão de grandes
audiências (“Você”) para as quais eles estão falando individualmente
(você) e persuadindo-as a aderir a uma linha partidária em nome de seus
próprios pensamentos.

3. Ainda que muitas das técnicas usadas para criar e promover a pro-
paganda sejam tomadas emprestadas dos anúncios, existem diferenças
cruciais. Em geral, os anunciantes conseguem seu palco em negocia-
ções comerciais diretas. Os profissionais da propaganda, por sua vez,
normalmente, usam a mídia pública, especialmente a mídia de notícias,

187
A construção do argumento

para divulgar a sua mensagem. Além disso, os anúncios são abertamente


apresentados como anúncios, ao passo que a propaganda é raramente
apresentada como propaganda. Na medida em que um público sabe que
uma mensagem é uma propaganda, a efetividade da mensagem tende
a diminuir. Às vezes, os profissionais da propaganda adotam medidas
extremas (por exemplo, plantam notícias falsas nas principais mídias e
criam falsas organizações partidárias de terceiros, e assim por diante)
para transmitir a sua mensagem enquanto dissimulam as suas intenções.

4. O texto da mensagem da propaganda normalmente é fruto de fatos


atuais. Muitas vezes, ele se concentra em um problema ou crise que
atrai a atenção do público em virtude de sua natureza dramática e/ou
sua analogia com um tema mítico popular (por exemplo, um indivíduo
humilde [Davi] toma o posto de um grande governador [Golias]). As
consequências materiais do problema são menos importantes para os
profissionais da propaganda do que sua repercussão simbólica. Em al-
guns casos, realmente, o problema é fabricado para desviar a atenção de
outros problemas que têm consequências públicas consideravelmente
maiores, mas que são menos manejáveis e/ou que refletem bem menos
nos que fazem a propaganda.

5. Ao se vincularem a um problema que já ganhou a atenção do público,


os profissionais da propaganda ampliam o tema que inspirou a sua men-
sagem. Ao adequar o significado de um evento problemático aos seus
temas ideológicos, eles podem persuadir o público de que sua interpre-
tação de um evento singular é, na verdade, a confirmação de uma ordem
subjacente. Assumir uma solução – ao contrário de simplesmente culpar
outra ideologia – reflete a ideologia dos profissionais da propaganda mais
claramente do que adequar o problema. Muitas vezes o problema é refor-

188
A construção do argumento

mulado como uma questão moral e a solução proposta será mais espiritual
ou moral do que pragmática. Consequentemente, a propaganda vai dire-
cionar nossa atenção para a dimensão pessoal do problema e para longe
das causas que o circundam. Em suas formas mais danosas, as soluções
da propaganda apelam para a punição, a exclusão, ou o impeachment de
bodes expiatórios cujos comportamentos justificam o tom de indignação
ou ultraje moral beneficiado pelos profissionais da propaganda.

6. Os profissionais da propaganda mostram pouco entusiasmo por “au-


tointerferência” ou “contraditório”. Seus argumentos são frequentemente
construídos em segredo, com poucos elementos de fontes variadas. Eles
distorcem, demonizam ou excluem por completo as visões opostas ao
assunto em questão. Falam para o menor denominador comum do seu
público. Se os argumentos dos profissionais da propaganda são depara-
dos com fatos inconvenientes ou contra-argumentos contundentes, uma
vez que eles estão postos no mundo, os que os defendem não hesitam
nem procuram apresentar justificativas. Eles vão repetir o argumento
infinitamente, mostrando firmeza de propósito, que, em alguns casos,
passa como liderança26.

7. Enquanto a propaganda em sociedades fechadas é frequentemente


criada em torno de um “culto à personalidade”, nas sociedades abertas,
tende a ser frequentemente criada em torno de um “culto à celebridade”.
As biografias das personalidades que falam em nome de uma ideologia
serão interpretadas para adaptar os mitos que permeiam essa ideologia,

26. Burke (1941, p. 212) observa que Hitler se recusou a alterar um único item de sua plataforma nazista original
de 25 itens, porque "achava que a fixidez da plataforma era mais importante para propósitos da propaganda do
que qualquer revisão de seus slogans, mesmo que as revisões em si mesmas tivessem muito a dizer a seu favor”.

189
A construção do argumento

e acabarão por personificá-la da mesma forma como as estrelas do cine-


ma frequentemente são identificadas aos personagens que interpretam.

8. Quanto mais ansioso é o público, mais efetiva é a propaganda. Para


ser bem recebida, a propaganda requer um público indeciso, frágil, e, até
mesmo, temeroso. Um sentimento de crise, a sensação de estar sob ata-
que rendem uma audiência mais tolerante a argumentos unilaterais e à
redução dos oponentes a figuras de desenhos animados. Os profissionais
da propaganda inventam crises, mas mais comumente eles simplesmente
transformam problemas reais de pequenas proporções em problemas
apocalípticos de proporções homéricas. Os críticos internos de suas cria-
ções são prontamente agrupados como seus inimigos amorfos.

Isso é, então, a propaganda em resumo. Com a intenção de sermos “justos e


equilibrados”, gostaríamos de convidar nossos estudantes a aplicar essas observa-
ções não apenas às práticas administrativas do governo, mas também aos filmes
de Michael Moore e aos programas da emissora Air America.

190
Capítulo 3
Introdução a algumas boas práticas27

Neste capítulo, vamos revisar algumas abordagens de ensino de escrita ba-


seadas na argumentação – ou que podem facilmente ser adaptadas para esse fim.
Embora os professores que se concentrem, digamos, na retórica da libertação, em
suas aulas de escrita, possam não se considerar adeptos da pedagogia do argu-
mento, sua abordagem tende a focalizar a argumentação, e, inclusive, a requerer
estratégias típicas de construção de argumento. Qualquer abordagem que facilite
o ensino da argumentação e envolva um ensino de escrita inovador será conside-
rada, aqui, como parte integral de boas práticas na área. Porém, antes de revisar-
mos essas práticas detalhadamente, ofereceremos um breve panorama geral dos
princípios básicos de um curso de escrita bem sucedido e das melhores práticas
que o integram.

O que funciona no ensino de escrita

Como já sugerimos, em diversas ocasiões, poucos pesquisadores nas áreas


de retórica e escrita ainda se dedicam à avaliação empírica das práticas adotadas
em sala de aula. Ao nos referirmos a uma determinada abordagem como “uma boa
prática”, não estamos apenas nos referindo necessariamente à didática associada
a essa prática, nem aos seus resultados. Na verdade, pouco sabemos sobre esses
resultados além do que dizem os seus criadores. Favorecemos uma determinada
prática ou abordagem apenas por sentir que ela se alinha melhor com nossa opi-

27. Tradução: Felipo Bellini Souza e Maria Hozanete Alves de Lima

191
A construção do argumento

nião sobre o ensino de escrita, e porque elas não entram em conflito direto com
os princípios básicos do ensino, que, no nosso ponto de vista pessoal, permeiam o
ensino adequado da escrita.
Ao articularmos conscientemente nosso raciocínio pessoal a respeito do en-
sino de escrita e dos princípios básicos da instrução, em geral, podemos destacar
dois trabalhos que nos influenciaram, especialmente, na elaboração deste estudo.
O primeiro, The Rhetoric of Reason: Writing and the Attractions of Argument, de
James Crosswhite (CROSSWHITE, 1996), oferece instruções filosóficas extensas
a respeito de como fundamentar o ensino de escrita baseado na argumentação.
Inspirado pelos trabalhos de diversos filósofos como Platão, Aristóteles, Heideg-
ger, Perelman e Olbrechts-Tyteca, Levinas, Cavell, Habermas, Schrag, e Gadamer,
Crosswhite (1996) desenvolve o conceito de “retórica da razão” e o posiciona como
uma alternativa ao ceticismo radical da desconstrução, como foi exemplificado
por Derrida e Man28. O livro é recomendável a todos os professores por uma série
de motivos: ele defende, com sucesso, a eficácia e a importância da educação geral
como parte da educação superior nos Estados Unidos; estabelece parâmetros para
a compreensão da argumentação, sobretudo como um ato, como forma de abordar
problemas práticos e tomar decisões corretas ao invés de defini-la apenas como um
apanhado de sugestões de comportamento; e oferece um caminho para neutrali-
zar doutrinas não essenciais – porém presentes na maior parte dos currículos – a
respeito da verdade e da identidade como forma de responsabilizar o indivíduo
por suas escolhas pessoais.
O livro de Crosswhite também aborda uma série de questões de natureza
teórica, filosófica e pedagógica de maneira muito mais completa, que são tocadas
aqui apenas brevemente. Embora haja ainda pontos de vista conflitantes entre a

28. Nesse processo, Crosswhite ainda destaca os pontos em que Derrida pode servir como base ou apoio
para a retórica da razão.

192
A construção do argumento

nossa opinião, como autores, e os conceitos defendidos por Crosswhite (fazemos


objeção, especialmente, às conclusões duramente pessimistas apresentadas no final
do livro), acreditamos que a obra oferece uma espécie de macrovisão que engloba
nossas premissas a respeito do ensino da argumentação em aula de escrita.
Da mesma forma, o livro Teaching Writing as Reflective Practice (Ensinar es-
crita como prática reflexiva), de George Hillocks (HILLOCKS, 1984) oferece uma
micro visão de nossa filosofia pedagógica. Embora seus métodos para a compre-
ensão do ensino de escrita estejam fora de moda nas áreas da retórica e escrita,
as conclusões de Hillocks e a aplicação básica de seus conceitos são relevantes
para a nossa abordagem. Como já mencionamos, os que desmerecem o autor e sua
obra continuam fundamentando o ensino de escrita com base nos seus conceitos,
ainda que inconscientemente. Na verdade, quando defendemos e explicamos, ao
longo dos anos, os fundamentos dos nossos cursos (por que vocês não dão mais
relevância aos fundamentos da escrita e da gramática em seus cursos?) e a busca
de recursos financeiros junto a gestores de instituições de ensino, verificamos que
o trabalho de Hillocks era bastante eficaz para convencer esses gestores, na sua
maioria, de formação em Ciências ou Ciências Sociais. Assim, mesmo correndo o
risco de simplificar as ideias do autor além do razoável, enumeramos os seguintes
fundamentos da prática em sala de aula baseados amplamente nos trabalhos de
Hillocks.

1. A aprendizagem ativa é muito mais eficaz que a aprendizagem passiva.


Algumas particularidades desse princípio incluem:

a. Reduza o tempo de aula expositiva (o que Hillocks chama de “módulo


de apresentação” durante o ensino) ao mínimo possível. Se você pre-
cisa dar uma aula expositiva (com grande tempo de explanação em
que apenas o professor fala, como no ensino tradicional) – às vezes,
todos nós precisamos fazer isso –, faça que essa etapa seja o mais

193
A construção do argumento

breve possível: quinze minutos ou menos. Certifique-se, o máximo


possível, de que seu tempo com exposição seja usado para interagir
com os alunos, e não como uma agenda pessoal e necessidade de
“cobrir” toda matéria.

b. Ao máximo possível, construa um curso em torno da aprendizagem


indutiva em vez de focar-se na assimilação de conteúdo ou na livre
expressão. Quando as aulas se baseiam no argumento, isso pode
requerer mais atenção a assuntos locais, pessoais, que permitam
aos alunos se concentrarem em fontes primárias e secundárias. A
aprendizagem indutiva parte da “[...] estratégia básica do questiona-
mento que integra todos os campos do conhecimento” (HILLOCKS,
1984, p. 100), não de estratégias especializadas de questionamento.
Quando falamos de um curso baseado no argumento, destacamos
os seguintes pontos do recurso à aprendizagem indutiva: a criação
de um inventário do conhecimento prévio e pressupostos existentes
a respeito de um determinado assunto; a formação de hipóteses; a
criação de uma “suposição justificada”, de uma alegação principal;
o teste dessa alegação, primeiramente, a partir de novos conheci-
mentos e informações adquiridos com a leitura, o questionamento,
a pesquisa e afins e, em um segundo momento, a partir da discussão
em grupo do conhecimento acumulado.

c. Concentre-se em estudos individualizados ou em grupo dentro da


sala de aula. O questionamento é algo que deve ser conduzido den-
tro e fora da sala de aula. Hillocks (1984, p. 55) usa o termo “ensino
ambiental” para descrever o ensino que “[...] cria ambientes que
introduzem e apoiam o aprendizado ativo de estratégias complexas
que os alunos ainda não são capazes de utilizar sozinhos”.

194
A construção do argumento

2. A transparência é tão importante para o ensino eficiente quanto o é para


o bom governo. Deixe suas expectativas e metas para cada aula – e para
cada tarefa – perfeitamente claras. Encoraje os alunos a compartilha-
rem e discutirem juntos cada rascunho e atividade durante o processo.
Quando possível, apresente hipóteses iniciais de outros alunos como
exemplo para esclarecer ainda mais os critérios e expectativas adotados.
Ofereça feedback específico, mas, ao mesmo tempo, de forma que englobe
toda a sala (por exemplo, diga que os alunos não ofereceram evidências
suficientes que justifiquem essa ou aquela hipótese, ou que a hipótese
proposta não satisfaz as necessidades do público alvo, ou que “há quebra
de paralelismo nessas frases”).

3. Estabeleça metas altas, mas crie processos que permitam aos alunos
atingi-las. Uma das bases teóricas da abordagem de Hillocks deriva de
Vygotsky – particularmente do conceito de “zona de desenvolvimento
proximal” (ZDP). Essa zona é definida como a área localizada entre a
capacidade real da pessoa e sua capacidade potencial, que pode ser
atingida com orientação e cuidado. Nesse caso, a “orientação cuidadosa”
inclui atividades em sala de aula, em especial as oportunidades de usar
a criatividade em atividades orais ou escritas, a correção intermediária
dos demais alunos ou do professor e, em seguida, a confecção de novos
rascunhos baseados no feedback recebido até então.

4. Coloque em prática seus princípios; seja também um aluno quando esti-


ver em sala de aula. Hillocks encoraja professores a praticarem a mesma
abordagem baseada no questionamento, quando estão em sala de aula.
Ao informar aos alunos os seus objetivos, antes de atribuir-lhes uma
tarefa ou atividade, você oferece, na verdade, uma hipótese inicial sobre

195
A construção do argumento

o caminho para atingir esses objetivos. Preste atenção ao que acontece


depois disso e teste a sua hipótese. Quando alguma coisa falhar, descubra
porque, e repense suas estratégias.

5. Adapte-se da melhor forma possível aos diferentes estilos de aprendiza-


do e inteligência de seus alunos. Use diferentes maneiras de pesquisar,
assimilar e apresentar informações. Se você não tiver recursos digitais
em sala de aula, faça o possível para encorajar o uso de mídias visuais e
computadores fora da sala.

6. Use seus pontos fortes, quando estiver em sala de aula (isso deriva menos
das teorias de Hillocks do que de nossa experiência como autores e pro-
fessores). Da mesma forma que fazemos o possível para nos adaptarmos
aos alunos, precisamos respeitar nossas particularidades. Alguns de nós
são palestrantes realmente brilhantes – apesar de nossa experiência
provar que os brilhantes são menos numerosos que aqueles que pensam
que são. Outros criam tarefas extraordinárias em grupo. Alguns têm um
verdadeiro talento para aulas particulares. Qualquer que seja seu maior
talento como professor, seja qual for o motivo pelo qual você escolheu
essa profissão, busque sempre uma maneira de utilizar esse talento.

Boas práticas

O que propomos a seguir não é, absolutamente, uma exaustiva lista de orien-


tações para introduzir a argumentação em sua sala de aula. Trata-se, apenas, de
uma compilação de algumas boas práticas. Acima de tudo, essa seção busca auxi-
liar professores a se valerem do argumento como forma de engajar seu público.
Qualquer pessoa que tenha lecionado e pedido a seus alunos que redijam textos

196
A construção do argumento

argumentativos sabe que não existe uma “melhor forma” de estruturar essa aula:
há diversas maneiras eficazes. Aqui, vamos apenas enumerar algumas.
Para os professores que são calouros no campo da argumentação, esta seção
oferece um mapa dessa abordagem pedagógica. Para os que já têm mais experiência
com o assunto, esta seção oferece uma lista de ideias de como reestruturar aulas
já criadas. Se pedimos a nossos alunos, constantemente, que questionem suas su-
posições acerca de argumentos por eles apresentados, precisamos também estar
dispostos a questionar as nossas suposições a respeito do ensino.
As informações a seguir representam uma abordagem eclética sobre a retóri-
ca e a construção de argumento como uma diferente forma de ver o mundo e não
apenas como fins que podem ser alcançados com a mera repetição de uma fórmula
(ainda que, em certas ocasiões, os pesquisadores que adotam essa metodologia
sugerem um processo um tanto quanto formal). Algumas das melhores práticas
partem do desejo de ajudar alunos a irem além de sua posição isolada de indivíduo
e a se colocarem em um contexto mais abrangente. Esse esforço social baseado
na identidade grupal inclui a retórica da libertação, o argumento feminista e a
aprendizagem-serviço.
A retórica da libertação é um movimento educacional que surgiu como reação
aos modelos de educação para alunos passivos. Ela foi fundamental para o esforço
de evidenciar questões ligadas à representatividade dentro da sala de aula e ao
reconhecimento da educação como um processo não neutro – a ideologia é sempre
transmitida junto com o conhecimento. Ao incorporar a retórica da libertação à
aula sobre argumento, criamos um ambiente abertamente politizado, que tem a
cultura como ponto focal de discussão, e chama os alunos a questionar, de manei-
ra crítica, o conteúdo do curso e as experiências e ideologias que eles trazem à
discussão como falantes ou escritores. A escrita é um veículo que pode ser usado
de diferentes maneiras na formação do aluno, que se engajará de forma crítica ao
mundo à sua volta.

197
A construção do argumento

O argumento feminista também contesta o status quo. Ao tentar eliminar a


oposição perdedor/ganhador de um argumento através de uma abordagem mais
ética, as feministas nos clamam a buscar estratégias menos agressivas e mais
cooperativas, especialmente focadas na importância do ouvir, compreender e
dialogar, numa troca de argumentos. Na sala de aula, as abordagens feministas
podem ser implementadas em doses homeopáticas, e não precisam ser adotadas
com exclusividade.
A abordagem aprendizagem-serviço vê a linguagem como uma atividade so-
cial, que é, ao mesmo tempo, interpretativa e construtiva. Da mesma forma que a
retórica da libertação auxilia o aluno a explorar seu potencial máximo, a apren-
dizagem-serviço busca fomentar uma simpatia precoce pelo engajamento cívico.
Em muitos casos, essa abordagem se manifesta na relação entre aulas de escrita
e interações in-loco, focadas em projetos reais desenvolvidos com organizações
ou empresas da comunidade. Essa, no entanto, não é a regra. O engajamento ou a
pesquisa aprofundados de uma questão pertinente que afeta a mesma comunidade
podem ser alternativas interessantes. A aprendizagem-serviço oferece ao aluno
a oportunidade de vivenciar uma situação hipotética com exigências e limitações
reais sobre as quais é necessário ponderar. Ela também expõe o aluno a um aspecto
da academia que não é limitado pela disciplina tradicional.
Da mesma forma, o movimento escrita através do currículo (writing across
the curriculum- WAC) objetiva diminuir as limitações das disciplinas. Tem como
princípio central a ideia de que o aluno aprende mais quando se confronta com o
conteúdo escrito do curso. No caso de professores que não ensinam língua (Inglês/
Português), essa abordagem oferece uma justificativa racional para a utilização da
escrita em todas as disciplinas, pois postula que o argumento é a pedra fundamental
de uma educação superior. As disciplinas são diferenciadas, principalmente, pelas
regras de construção de argumento e de apresentação de evidências favoráveis.
Em áreas que tradicionalmente não requerem extensiva dedicação à escrita, as
atividades de escrita podem ser usadas para fortalecer os princípios disciplinares

198
A construção do argumento

e apresentar aos alunos os métodos de questionamento que são aceitos por deter-
minada área do conhecimento.
O rápido avanço de possibilidades tecnológicas forçou os professores a reava-
liarem o papel e o impacto das diferentes tecnologias de escrita sobre o poder do
argumento. A escrita com computadores é um exemplo disso. Como os alunos da
atualidade constantemente se sentam à frente de um teclado, é importante levar
em consideração a linguagem que eles trazem à sala de aula. A tecnologia também
pode expandir os limites do que é considerado “escrita”, especialmente quando o
hipertexto é utilizado em sala de aula para mudar a perspectiva sobre um deter-
minado argumento. Os avanços tecnológicos também afetaram mecanismos de
pesquisa – a confiabilidade de fontes e autoria de ideias estão entre alguns dos
assuntos recentemente controversos.
A retórica visual também se concentra em tecnologias que impactam nossas
vidas. Ela busca ampliar as discussões sobre o argumento para incluir nelas o
exame de imagens visuais que constantemente complementam ou substituem as
palavras. Mesmo que as imagens sejam mais memorizáveis e capazes de maior res-
sonância psicológica, seu impacto passa, comumente, despercebido. Há mensagens
ocultas na mídia visual, que exigem que repensemos nossa habilidade de processar
informações. A partir da exploração da produção e consumo de textos visuais, os
alunos podem se tornar mais conscientes sobre a forma como as imagens sutis
podem transmitir conteúdos persuasivos.
Por que a construção do argumento e, mais amplamente, a retórica, deveriam
receber toda essa atenção em sala de aula? Precisamos ensinar retórica para que
possamos nos proteger dela. As mensagens persuasivas nos rodeiam a todo tem-
po – elas perfazem um amálgama de nossos “eu” coletivos. Quanto melhor nós – e
nossos alunos – identifiquemos essas mensagens em sua forma real (pontos de
vista, não verdades monolíticas) melhor atuaremos nesse mundo de “Babel após
a queda”. Essa seção de boas práticas será mais útil se for empregada como ponto

199
A construção do argumento

de partida para uma exploração mais detalhada do que essas posições teóricas e
pedagógicas têm a oferecer no contexto de uma determinada aula. Esses resumos
de práticas destacam as diferenças entre os praticantes.

Retórica da libertação

O conceito de retórica da libertação, também chamado pedagogia crítica ou


retórica da crítica, foi definido de diferentes formas no estudo da escrita. A ideia
de a pedagogia libertadora advém dos trabalhos de Paulo Freire, educador brasi-
leiro que acreditava que a educação bancária – um modelo de educação que pinta
os alunos como recipientes vazios que precisam ser preenchidos de conhecimento
por professores versados (FREIRE, 2000) – contribuía para a opressão política, ao
condicionar as pessoas a não questionarem seu entorno. O papel central da retórica
da libertação é o de ajudar na compreensão da natureza profundamente política da
educação. Essa abordagem pressupõe um mundo injusto onde as diversas formas
de afirmar, manter e distribuir poder são veladas e frequentemente ignoradas.
Dessa forma, a educação não seria neutra: professores e alunos têm pressuposições,
expectativas e valores acerca da “ideologia dominante” que frequentemente são
ignorados em sala de aula (SHOR; FREIRE, 1987, p. 13). Como as opiniões políticas
são frequentemente transmitidas de professor para aluno durante o processo de
aprendizagem, os alunos precisam assumir a responsabilidade de compreender
a natureza doutrinadora dos sistemas educacionais, se quiserem ser capazes de
questionar os princípios que norteiam o conhecimento recebido. A Pedagogia do
Oprimido de Paulo Freire surgiu a partir do trabalho com camponeses analfabe-
tos, no Brasil, um grupo verdadeiramente oprimido, e lançou a base para uma
educação realmente libertadora – fora do controle do Estado. Consequentemente,
as ideias de Paulo Freire precisam ser adaptadas aos diferentes estilos de sala de
aula, ao redor do mundo, levando em consideração as necessidades dos alunos dos
diferentes grupos sociais.

200
A construção do argumento

Na segunda metade da década de 70 e início dos anos 80, o trabalho de Paulo


Freire influenciou os campos da retórica e da escrita, conforme os professores da
época tentavam incorporar a teoria progressista ao trabalho aparentemente apo-
lítico de instrução da escrita (BIZZELL, 1997). O componente mais útil da teoria
de Paulo Freire para os professores de argumento é a atenção especial ao exame
crítico de interações problemáticas em nível local (SHOR, 1996). Em vez de se
concentrar em interações dialéticas abstratas de ideias, valores e conceitos, Paulo
Freire pede um maior foco sobre “temas geradores”, o ponto principal que funda-
menta a discussão abstrata. O tema de estudo se origina nos artefatos cotidianos
de uma comunidade específica que pertence a uma determinada cultura (FREIRE,
2000). No caso dos camponeses brasileiros com quem Paulo Freire trabalha, isso
quis dizer começar os estudos pela percepção do homem que sacia sua sede com
água, não com o conceito de justiça social.
Para os professores norte-americanos de escrita, na atualidade, os temas gera-
dores de Paulo Freire podem envolver a interação sustentável através de assuntos
que interessam aos alunos, como aumentos nas mensalidades da universidade ou
protestos contra discriminação racial divulgados pela televisão. Tal foco permite
que os alunos atuem sobre ideias em vez de consumi-las passivamente, além de
fomentar um ambiente em que a educação é inteiramente voltada à conquista do
potencial pleno. Como argumenta Berthoff (1983, p. 41), é importante “[...] (ensinar)
escrita como uma forma de pensar e aprender” e “[...] de fazer que nossos alunos se
apropriem desse incomparável recurso [...]”. Em outras palavras, “[...] a subjetivida-
de é um sinônimo de motivação […]. O material de teor subjetivo é, definitivamente,
relevante para aqueles que estudam” (SHOR, 1987, p. 24). Dessa forma, a ênfase
sobre o raciocínio crítico a respeito de questões locais provavelmente eliminará
a reflexão não crítica de assuntos banalizados pela repetição – como o aborto e a
pena de morte – e acessará a capacidade de imaginação dos alunos como ponto de
partida para a invenção de uma nova retórica (BERTHOFF, 1983).

201
A construção do argumento

A retórica da libertação não está completamente livre de críticas, no entanto.


Alguns pesquisadores questionam a politização aberta da sala de aula como for-
ma de entregar o poder aos alunos. Ellsworth (1989) faz uma ampla crítica a essa
pedagogia. Seu argumento central se baseia na crença de que a maior parte dos
cursos que se dizem adeptos dessa pedagogia, na verdade, têm intenções políticas
veladas, escondidas atrás do clamor por “consciência crítica”, o que cria, dessa
forma, mais um ambiente em que uma determinada doutrina política é defendida
em detrimento de outras. Lazere (1992, p. 9) questiona outra premissa da retórica
da libertação, ao declarar que,

[...] os esquerdistas erram terrivelmente ao rejeitar a restauração de


uma ênfase nas habilidades e conhecimentos fundamentais que podem
impulsionar a real liberação – não opressão – caso sejam transmitidos
com bom senso, abertura e pluralismo cultural, além de uma aplicação
desses conhecimentos básicos à habilidade de pensar de forma crítica,
especialmente a respeito de questões sociopolíticas, em vez de buscar a
mera memorização de conceitos.

A inquietação de Lazere é irrelevante visto que, caso um indivíduo queira


superar o poder sistemático da sociedade, ele deve poder empregar o discurso de
poder da forma correta, para se comunicar de maneira bem sucedida com quem
detém o poder. Mesmo os mais fervorosos apoiadores da retórica da liberação vis-
lumbram problemas potenciais nesses fins específicos. Bizzell (1997, p. 320), por
exemplo, critica a sugestão de que o reconhecimento da desigualdade “[...] também
desperta, automaticamente, o desejo progressivo de reforma política”. Reconhecer
o status dos alunos necessariamente atribui-lhes o poderio de se manter imóveis,
especialmente quando eles percebem que seus próprios privilégios são colocados
à prova quando o status quo também o é.

202
A construção do argumento

Apesar dos pontos de vista divergentes acerca dos valores da pedagogia liber-
tadora, estudiosos da área ainda atribuem valor à busca por lutas ideológicas na
sala de aula de escrita. A prática da retórica da liberação, no entanto, pode tomar
diversas formas de acordo com o professor e o material didático. Shor (1980, p.
162-69) parte dos artifícios cotidianos, já que integram o “universo gerador” dos
alunos. É o caso da atividade que propõe (World’s Biggest Hamburger – Atividade
do maior hambúrguer do mundo), criada quando a autora trouxe um hambúrguer
para a sala de aula, para que seus alunos o examinassem de acordo com o método
de Descrição-Diagnóstico-Reconstrução.

O hambúrguer é o nexo de muitas realidades cotidianas. Não apenas é o


rei dos fast food, a refeição curta de almoço, lanche ou jantar, mas é tam-
bém a fonte de renda de muitos alunos que trabalham nesses restauran-
tes. Eu pude, então, segurar em minhas mãos um interstício valioso da
experiência da massificação. Levei um hambúrguer para a sala de aula
e com isso interferi em um grande aspecto da cultura de massa. Agora
que reflito a respeito, muitos dos alunos acharam aquele hambúrguer
nojento. Quando reli para a sala um conjunto de suas descrições, o ham-
búrguer tomou uma forma bastante negativa. Em seguida, pedi aos alu-
nos que tentassem diagnosticar o objeto. O problema óbvio sugerido por
nosso trabalho até o momento era: Se o hambúrguer não é atraente, por-
que consumimos muito? Porque há tantos fast food? Porque são usados
muitos ingredientes em hambúrgueres? Eles são nutritivos? Onde pro-
curávamos alimento antes desses impérios de comida rápida existirem?

Depois de os alunos considerarem o hambúrguer sob uma temática inquisi-


tiva mais polêmica, foi-lhes atribuída a tarefa de reconstruí-lo – salas diferentes
desenvolveram essa fase de maneiras distintas. Um dos grupos criou alternativas
saudáveis, enquanto outro recriou todo o processo de produção e distribuição, para
desvendar a complexa relação entre comida e cultura. Shor (1980) acredita que ati-
vidades dessa natureza são poderosas, porque descaracterizam objetos cotidianos

203
A construção do argumento

ao apresentá-los sob uma nova perspectiva e contexto, o que permite aos alunos
a oportunidade de reinterpretar o corriqueiro. Professores de argumento devem
introduzir exercícios dessa natureza, porque eles são abertamente argumentativos.
Os alunos terão opiniões distintas, inevitavelmente, a respeito da natureza do que
é corriqueiro em suas vidas. No entanto, se observado sob a ótica ideal, o exercício
pode deixar claro que as tentativas de descrever, diagnosticar e reconstruir são, na
verdade, conceitos pessoais unidos uns aos outros por posicionamentos políticos.
Outra forma que a retórica da liberação assume é exemplificada por Berlin
(2003), quando trata sobre “retórica socioepistêmica”. Uma sequência de exercícios
começa,

[...] com uma matéria do Wall Street Journal intitulada The Days of a
Cowboy are Marked by Danger, Drudgery, and Low Pay (O dia a dia de um
vaqueiro é marcado por perigo, labuta e salário pífio), escrito por William
Blundell. As instruções são, ao mesmo tempo, variadas e acessíveis aos
alunos. Inicialmente, a turma deve levar em conta o contexto da maté-
ria, explorando as características da relação entre o jornal e os eventos
históricos que circundam a produção do texto. O objetivo da análise é
determinar quais aspectos serviram de significantes principais para os
leitores originais. O significado da palavra cowboss (capataz ou patrão)
é estabelecido pela relação de oposição entre cowboy (vaqueiro ou peão
de boiadeiro) e o chefe que trabalha na cidade, longe da fazenda. (Essas)
dicotomias sugerem outras, como natureza-civilização e peão-peão ur-
bano. Os alunos passam, então, a notar que essas dicotomias são estabe-
lecidas de forma hierárquica, com um dos lados em posição de privilégio
em relação ao outro. Eles também veem o quanto essas hierarquias são
instáveis. Os alunos analisam, discutem e escrevem sobre posições acer-
ca de certos aspectos determinantes dentro dessas narrativas social-
mente pré-fabricadas e descobrem que o texto busca posicionar o leitor
sobre um determinado tipo de papel masculino. Eles podem, então, ex-
plorar sua própria cumplicidade e resistência ao se adequar a esse papel
(BERLIN, 2003, p. 125-27).

204
A construção do argumento

Essa metodologia se adéqua bem aos objetivos propostos pelo autor, a saber:
mostrar aos alunos que “narrativas” – práticas significantes que parecem naturais
e não pré-fabricadas – na verdade moldam suas vidas. O conteúdo associado a essa
sequência está centralizado no “[...] posicionamento de aspectos fundamentais in-
seridos na textura da narrativa socialmente pré-fabricada” (BERLIN, 2003, p. 126).
Por exemplo, embora individualidade e liberdade sejam aspectos frequentemente
associados a peões de boiadeiro, o artigo também descreve essas personagens como
merecedoras de respeito e submissas ao cowboss (o patrão). Uma vez que a narra-
tiva é destrinchada, uma análise mais consciente do conteúdo permite aos alunos
situar cada narrativa em um cenário econômico, social e político mais abrangente.
Schutt (1998, p. 126) sugere basear o conteúdo do curso em espaços sociais.

Os benefícios da utilização de casos específicos como texto base pare-


cem ter surgido recentemente em conjunto com o conceito emergente
de “zonas de contato”. Como definido por Mary Louise Pratt, essas zo-
nas são “os espaços sociais nos quais culturas distintas se encontram, se
confrontam e debatem entre si, frequentemente em contextos permea-
dos por relações de poder profundamente assimétricas”.
No caso de E306, esses espaços sociais eram os tribunais americanos. No
entanto, em muitos cursos sobre argumento, nenhum espaço (ou even-
to) de natureza social pode ser confrontado, já que, frequentemente, ne-
nhum espaço dessa natureza é assim definido, o que cria uma profunda
confusão a respeito de quando e como os alunos podem iniciar uma dis-
cussão.

A solução para esse problema apresentada pelo autor é o agrupamento de


leituras em torno do tópico da pena de morte, que consequentemente leva a dis-
cussões a respeito da forma como os tribunais administram a justiça em nossa
sociedade. Os exercícios de escrita variam de uma análise crítica de documentos e
transcrições do processo legal (com comentários acerca do sucesso particular desse
ou daquele argumento legal) à produção de textos sobre o impacto perceptual na

205
A construção do argumento

opinião pública de relatos fictícios de filmes sobre a pena de morte; e, finamente,


a análises críticas e ensaios sobre o impacto do texto jornalístico sobre a opinião
pública em geral.
Certamente não há uma forma única de incorporar a retórica da libertação à
aula sobre argumento. Apesar de não faltarem inconsistências, um programa de
aulas desenhado para preparar alunos para o engajamento crítico em relação ao
mundo à sua volta necessariamente contribuirá para a expansão de seus pontos
de vista acerca das possibilidades abertas pela retórica indutiva. Assim que eles
passarem a questionar as figuras de autoridade, o reino da invenção retórica
poderá se expandir exponencialmente. Já que muitos dos espaços para discussão
estão situados em torno de objetos corriqueiros, não será difícil encontrar pontos
discutíveis ou engajar alunos em diálogos que exijam deles o questionamento crí-
tico dos pressupostos que possuem.

Feminismo e argumentação

A abordagem feminista da argumentação surgiu da necessidade de encon-


trar alternativas aos modelos clássicos de argumentação e da necessidade de se
focalizar menos os modelos agonistas e antagonistas que criam “vencedores” e
“perdedores”, ou os modelos que pregam que a utilização de certas ferramentas
de persuasão é válida apenas para se conseguir o que se deseja. Em movimento
contrário, a estratégia feminista se concentra em novas formas de abordar a argu-
mentação a partir de alternativas éticas que reposicionam as partes exteriores ao
debate, para que a argumentação, a mediação, a negociação e a cooperação sejam
vistos de forma menos antagonista.
Em suas primeiras manifestações, as correntes alternativas à abordagem
aristotélica tentaram se inspirar na obra de Carl Rogers, um psicoterapeuta cujos
trabalhos se centraram em torno da comunicação terapeuta-cliente. O trabalho
de Roger influenciou os campos da retórica e escrita, desde 1970, e foi mencio-

206
A construção do argumento

nado como uma “alternativa à argumentação tradicional” por Young, Becker e


Pikes (1970, p. 270). Segundo os autores, a abordagem rogeriana foi considerada
adequada a “[...] situações em que há díade comunicativa”. A retórica rogeriana foi
ardentemente contestada no final da década de 1970 e durante toda a década de
1980, em textos como Carl Rogers’s Alternative to Traditional Rhetoric” (HAIRSTON,
1976), Aristotelian vs. Rogerian Argument: A Reassessment (LUNSFORF, 1979), Is
Rogerian Rhetoric Really Rogerian?”(EDE, 1984), Rogerian Problem Solving and the
Rhetoric of Argumentation (TEICH, 1987) e Feminist Responses to Rogerian Argu-
ment (LASSNER, 1990).
O trabalho de Carl Roger, quando adaptado à escrita e à retórica, apresentou
uma teoria da argumentação baseada na “audição e compreensão” repletas de em-
patia e na habilidade das partes de enxergarem uma discussão específica a partir
de um ponto de vista diferente, de forma que fosse possível “sentir realmente” o
que significa trilhar os passos de outra pessoa para se comunicar de forma efi-
caz (YOUNG; BECKER; PIKES, 1970, p. 285). O trabalho tornou-se atraente para
ideologias feministas emergentes no estudo de escrita já que a retórica rogeriana
oferecia “[...] empatia em vez de oposição, diálogo em vez de discussão” (LASSNER,
1990, p. 220). Mesmo assim, a retórica rogeriana nunca foi abertamente feminista,
como defende Lamb (1991, p. 17), porque é “mais feminina do que feminista” já
que “compreender o outro sempre foi a ‘obrigação’ da mulher”.
Teorias e abordagens da argumentação feminista visam, então, a oferta de
alternativas que se preocupem com a representação de poder ao mesmo tempo
em que se ocupam da empatia e do cuidado. De acordo com Lamb (1991, p. 18),
entender a construção do argumento como um processo de negociação e media-
ção é uma alternativa válida ao argumento masculino, porque o ponto central da
discussão “[...] deixa de ser o ganhador e passa a ser a habilidade de se atingir uma
solução justa, adequada a ambas as partes”, da mesma forma que a concepção de
poder muda “de algo que é possuído e pode ser usado contra o outro para algo que
está à disposição de ambos e tem o potencial de ser usado para benefício mútuo”.

207
A construção do argumento

Abordagens cooperativas que envolvem negociação e mediação são pontos


de vista populares na representação feminista da argumentação, mas não são
desprovidas, no entanto, de críticas advindas do próprio movimento feminista.
Muitos pesquisadores apontam que esse estilo de argumento se baseia numa visão
truncada da visão clássica (ver, por exemplo, LUNSFORD, 1979), ou na metáfora
excessivamente simplista da “discussão como forma de guerra” (FULKERSON,
1996). Como ilustra Jarratt (1991, p. 106), pedagogias da argumentação centradas
na negociação e mediação frequentemente exigem que os alunos, especialmente os
do sexo feminino a estarem “[...] insuficientemente preparados para argumentar
contra os discursos opressivos do racismo, sexismo e divisão de classes que ten-
dem a surgir em ambientes onde se estuda escrita”, no dia a dia e nos processos
democráticos. De forma similar, Easley (1997) diz que a melhor estratégia a ser
empregada por um professor de escrita ao abordar as diferenças e conflitos ine-
rentes à argumentação tradicional em contraste com as linhas de argumentação
alternativa é mostrar o contraditório da posição diferente de dois alunos, que deve,
por sua vez, ser resolvido através da produção textual. Easley (1997) acredita que
os alunos devem ter acesso a ferramentas de argumentação da mesma forma que
devem aprender a utilizá-las de maneira ética, reflexiva e responsável. Além disso,
Fulkerson (1996) sugere que reparar as metáforas de abordagem da argumentação
que refletem menos violência, porque focam mais os trabalhos desenvolvidos por
meio de parcerias, pode levar a um entendimento de argumentação:

[...]como uma forma interativa de discurso […], construída sobre uma


estrutura de reivindicação e apoio e (reiterando a ideia) de que seu pro-
pósito é engajar interlocutores em uma parceria dialética com a espe-
rança de atingir um entendimento mútuo que amplie a compreensão
(FULKERSON, 1996, p. 7).

208
A construção do argumento

Fraser (1992, p. 73) aborda o conceito de argumentação e discurso domi-


nante, ao sugerir que, em sociedades estratificadas, “arenas discursivas especia-
lizadas” – na forma de esferas públicas subalternas – são úteis e necessárias para
os que lidam diretamente com identidades marginalizadas. Extensões de teorias
da argumentação feminista também podem ser encontradas na teoria retórica
moderna por pesquisadores que incorporem o trabalho de Kenneth Burke (FOSS
e GRIFFIN, 1992), a hermenêutica posicional (RYAN; NATALLE,), e a retórica de
atração (FOSS e GRIFFIN, 1995).
Ainda que as teorias feministas da argumentação sejam elas mesmas nego-
ciadas, as práticas que emergem no ensino do argumento refletem alguns dos
princípios essenciais do pensamento e da ação feministas. Fulkerson (1996) sugere
que os alunos escrevam propostas de políticas que requeiram a investigação e a
escrita de algum pequeno procedimento ou projeto de políticas locais para ser-
viços que eles acreditam não estar funcionando de maneira adequada. Esse texto
argumentativo deve ser endereçado não a um oponente que precisa ser vencido,
mas, sob a forma de um memorando, à pessoa ou comitê responsável pelo proble-
ma. O autor propõe ensinar aos alunos as principais características e padrões de
raciocínio utilizados nesse gênero textual, apresentar exemplos de outros grupos,
sugerir locais onde se possa pesquisar tópicos interessantes, entrevistar pessoas
conhecedoras do assunto (especialmente as envolvidas com o problema), e seguir
o processo tradicional de produção de diferentes rascunhos, que deve ser revisado
pelos próprios colegas. Ele também discute:

[...] a relativa capacidade de persuasão de um ataque enervado ou agressi-


vo, versus uma crítica razoável, com soluções propostas que sejam de fácil
adoção. Assim que os textos apresentem um formato adequado, ele pede
aos alunos que as enviem a quem são de direito, para verificar o potencial
sucesso de seu trabalho no mundo real (FULKERSON, 1996, p. 3-4).

209
A construção do argumento

Nesse ponto, Fulkerson sugere que o gênero textual que propõe novas polí-
ticas é o que aborda injustiças perpetradas na comunidade imediata, da mesma
forma que aborda uma argumentação em parceria com – direcionada a buscar
um consenso mutuamente satisfatório sobre a criação de mudanças no processo
democrático.
Miller (1996) aborda teorias femininas de forma diferente em um curso online
Feminism and Expository Writing (Feminismo e a escrita expositiva). Baseando a
tarefa proposta em “assuntos pertinentes à retórica feminista”, a autora afirma que,

[...] a argumentação é uma das principais formas de praticar o “saber me-


todológico”, ou seja, um pensamento sistemático. Como habilidades ar-
gumentativas são valorizadas nessa cultura, é importante aprendê-las.
Mesmo assim, muitas feministas, além de outras pessoas, apresentam
objeções à argumentação tradicional baseadas em diferentes aspectos
inerentes à teoria. Elas dizem tratar-se de posição frequentemente in-
tolerante de visões opositoras e focada na conversão ou destruição do
oponente (MILLER, 1996, p. 8).

Para deixar a tensão mais palpável para os alunos, Miller propõe uma tarefa
em que ela pede

[...] que os alunos se unam a outra pessoa para “colaborar” na estrutu-


ração de um argumento em que cada uma das partes assume um pon-
to de vista diferente/oposto a respeito de um assunto de sua escolha.
Eles devem trabalhar juntos para desenvolver formas de argumentar
que não possuam características tradicionalmente agonísticas. Como
discordar de forma respeitosa, que reconhece perspectivas pluralis-
tas e ainda assim consegue apresentar seu ponto de vista? É possível,
durante uma discussão, se manter amável e em conexão com o outro?
(MILLER, 1996, p. 8).

210
A construção do argumento

Assim, Miller, sugere Easley (1997), permite que os alunos articulem e nego-
ciem as tensões inerentes aos modelos de argumentação feminista por si mesmos.
Práticas e abordagens da argumentação feminista são contraditórias. No
entanto, é razoável dizer que essas contradições fazem essas abordagens viáveis
e sustentáveis. Utilizar respostas e abordagens feministas em nossa sala de aula
não apenas beneficia os alunos, porque lhes oferecer uma ampla gama de estraté-
gias argumentativas que se somam às ferramentas retóricas já à disposição, mas
também porque encoraja os professores/pesquisadores a “[...] romperem com
abordagens calcificadas, acríticas”, tanto na abordagem do argumento quanto no
ensino (PALCZEWSKI, 1996, p.161).

Aprendizagem-serviço e argumentação

As raízes da aprendizagem-serviço na retórica da escrita se encontram na


“mudança social” da área, conforme detalha Cooper (1986). A autora faz alusão à
pedagogia que se preocupa com o próprio processo de escrita, assim como a reflete

[...] a crescente consciência de que a linguagem e os textos não são ape-


nas os meios pelos quais os indivíduos decodificam e comunicam infor-
mação, mas, essencialmente, atividades sociais, que, como tal, dependem
de estruturas e processos sociais não apenas na interpretação, mas tam-
bém na construção (COOPER, 1986, p. 366).

Os objetivos da aprendizagem-serviço estão ligados tanto ao trabalho realiza-


do por John Dewey, para quem a educação tem uma função democrática explícita;
quanto às pedagogias da libertação, que, baseadas nos trabalhos de Paulo Freire,
buscam a formação de cidadãos com consciência crítica a respeito das instituições
de poder e capazes de trabalhar para combater injustiças sociais. Desde meados
da década de 1990, alguns pesquisadores tentam estabelecer a aprendizagem-

211
A construção do argumento

-serviço como um tópico relevante para os estudos sobre argumento, a exemplo


de Herzberg (1994), Cushman (1997) e Adler-Kassner, Crooks, e Watters (1997).
Recentemente, a aprendizagem-serviço também esteve ligada à ideia que a escrita
eficiente é situada, ou seja, ocorre em espaço para além da sala de aula para garantir
que estudantes tenham acesso a situações retóricas reais29.
Apesar de intimamente ligada à teoria da argumentação, a aprendizagem-
-serviço tem uma linhagem muito mais antiga, o pensamento de Quintiliano, se-
gundo o qual, quem argumenta bem é um “bom homem, que fala bem”. Em outras
palavras, o pressuposto de que a habilidade de persuasão de um determinado
indivíduo está tanto ligada a seu caráter ético e ao dever cívico de agir com retidão,
quanto à questão retórica em si. A pedagogia da aprendizagem-serviço, portanto,
trata da formação de um cidadão-orador, alguém que “[...] pode trazer à tona suas
habilidades discursivas, quando a comunidade a que serve for obrigada a enfrentar
uma decisão política ou judicial difícil, ou precisa celebrar seu valor cultural ímpar,
ou apenas sinta-se carente de uma injeção de moral” (CROWLEY, 1989, p. 318).
Essa pedagogia, no entanto, não está inteiramente livre de críticas. A apren-
dizagem-serviço vem sendo criticada como “[...] hiperpragmática, porque precisa
manter a análise crítica” (SCOTT, 2004, p. 301), como excessivamente idealista em
suas expectativas de transformação social (ROZYCKI, 2002), e como desatenta
às relações de poder entre as universidades e as comunidades em que se situam,
especialmente quando levada em conta a repentina popularidade de iniciativas
para captação de recursos baseadas apenas na aprendizagem-serviço, sem qual-
quer avaliação crítica (MAHALA e SWILKY, 2003). À medida que as universidades
são impelidas de divulgar suas parcerias comunitárias para arrecadar fundos e
adaptam, cada vez mais, suas declarações de missão para incluir o compromisso
com o serviço à comunidade (WILLIAM AND MARY UNIVERSITY WEB, 2004) ou

29. Ver também Heilker (1997) e Mauk (2003).

212
A construção do argumento

a outros grupos locais, regionais, nacionais e internacionais, muitos podem se


sentir pressionados a buscar iniciativas ligadas à aprendizagem-serviço, sem que
haja qualquer intenção real de transformação social. Além disso, muito se tem
questionado – de ambos os lados – a autenticidade dos propósitos dos trabalhos
de escrita que as situações retóricas reais podem oferecer aos estudantes para
produzir textos30.
Entretanto, apesar do aparente apogeu da aprendizagem-serviço estar chegan-
do ao seu inevitável fim, alguns pesquisadores têm se dedicado à defesa de inicia-
tivas dessa natureza, produzindo material que atesta a sustentabilidade em larga
escala de programas de aprendizagem-serviço em todo território norte-americano
(ROBINSON, 2005; CUSHMAN, 2002). Essa pedagogia advém de um compromisso
com a ação democrática e o serviço comunitário, e, frequentemente, é composta
por aspectos da aprendizagem experiencial que transcende a sala de aula e trata
das necessidades da comunidade local e inclui a reflexão estruturada da experi-
mentação (SCOTT, 2004). Assim, as melhores práticas da aprendizagem-serviço e
da argumentação são aquelas que apoiam a filosofia de Quintiliano, e, ao mesmo
tempo, contribuem para um melhor entendimento da aprendizagem experiencial,
da comunidade, da geografia e da reflexão crítica.
A utilização de práticas de aprendizagem-serviço na sala de aula para o en-
sino da argumentação pode ser tão simples quanto a sugestão de um argumento
proposto para combater alguma injustiça que assola a comunidade imediata, ao
mesmo tempo em que pode, como sugere Mauk (2003, p.381), ser uma forma de
provocar nos estudantes a reflexão crítica a respeito de cidadania e de cuidados
de saúde.

Uma investigação ou tarefa começa com a leitura de uma ação política.


Os alunos são levados a levantar os nomes de funcionários públicos elei-

30. Ver Deans (2000) e Petraglia (1995)

213
A construção do argumento

tos ou não nos âmbitos municipal, estadual ou federal. Eles são depois
levados a produzir um pequeno texto [argumento] ou desenvolver um
panfleto que explique detalhadamente como um cidadão comum pode se
colocar em contato com esse representante. Os alunos, então, entregam
esse texto a seus vizinhos, e, em um trabalho subsequente, exploram o
impacto do trabalho previamente divulgado. Para esse segundo texto,
os alunos podem organizar encontros ou recorrer a outros textos sobre
ações cívicas.

Os argumentos ligados a atividades de aprendizagem-serviço podem ser


ligeiramente mais complexos, e servirem para que os alunos critiquem suas vi-
vências durante as atividades de aprendizagem ou ideais como a de “alfabetização
cívica”, que são centrais para o modelo de Quintiliano. Os estudantes também
podem discutir a escrita argumentativa e como ela se insere em aulas baseadas
em aprendizagem-serviço, apostando diretamente, como explicam Cooper e Julier
(2011, p. 86).

Nossos alunos pesquisaram e coletaram informações a respeito da


emenda proposta [para proteger cidadãos da discriminação baseada em
altura, peso, origem familiar, orientação sexual, porte ou presença de
deficiência física] publicadas na imprensa local. Eles, então, solicitaram
declarações de posicionamento de diferentes indivíduos e organizações.
Outros alunos acompanharam o debate, quando a câmara municipal se
isentou das discussões, atribuindo-as ao Conselho de Relações Humanas.
Contra esse pano de fundo contextual, pedimos que nossos alunos dese-
nhassem e conduzissem uma pesquisa de opinião pública para ajudar o
Conselho de Relações Humanas da cidade de Lansing a decidir se reco-
mendaria ou não à câmara a adoção da regulamentação [o que resultou
no rascunho de um memorando] para o Conselho sugerindo medidas
acerca da regulamentação.

214
A construção do argumento

O que é primordial entre as melhores práticas de argumento em cursos de


aprendizagem-serviço que observem um modelo democrático/retórico de ensino
de escrita é a ênfase sobre os valores cívicos da resolução de conflitos, além do
compromisso com o engajamento de estudantes ao discurso público, de forma a “[...]
forjar declarações duradouras de reciprocidade cívica e obrigação ética” (COOPER
e JULIER, 2011, p. 92). Em resumo: produzir bons homens e mulheres, capazes de
falar (e escrever) bem.

Escrita através do currículo (writing across the


curriculum – WAC) e Escrita nas disciplinas (writing
in the disciplines – WID)

A escrita através do currículo (WAC) é um movimento pedagógico que tem


como princípio central a ideia de que os alunos retêm melhor o conhecimento
quando estão envolvidos em atividades de escrita. O modelo padrão do movimen-
to prevê cursos específicos de escrita em uma variedade de disciplinas. Nesses
cursos, os alunos sintetizam, analisam e aplicam conhecimentos que adquiriram,
necessariamente, através da escrita. Apesar de serem constantemente fundidos
e confundidos, a WAC e a escrita nas disciplinas(WID) possuem fundamentos dis-
tintos. A WID é um “[...] movimento de pesquisa que busca compreender quais os
tipos de escrita que realmente ocorrem em diferentes áreas disciplinares” (BA-
ZERMAN et al., 2005, p. 10), que se seguiu ao movimento WAC e preencheu um
vazio teórico deixado pelos especialistas que estudaram esse movimento (JONES
e COMPRONE, 1993). Enquanto a WAC está fundamentalmente preocupada com o
desenvolvimento de uma atmosfera em que a escrita é sistematicamente encorajada,
através do treinamento de professores e do estímulo aos alunos para a escrita, a
WID visa desvendar as distinções teóricas que as diferentes visões disciplinares
exercem no papel da escrita e examinar a fundo os tipos de escrita que ocorrem

215
A construção do argumento

nas diversas disciplinas (BAZERMAN, 2005). A WAC e a WID são relevantes para
as boas práticas de ensino de argumento de duas formas diferentes:

1. Aqueles que ensinam segundo um programa de WAC ou os que desenvol-


vem pesquisas na área de WID se concentram em teorias do argumento como
a base para suas atividades. Diferentes formas de escrever nas disciplinas
resultam, tipicamente, em diferentes formas de argumentar nas disciplinas.
2. As lições – e, em alguns casos, os debates – deixados pelo estudo de WAC e
WID frequentemente podem ser aplicados à realidade da escrita durante os
cursos.

Como aponta Bartholomae (1997, p. 589),

[...] cada vez que um aluno se senta para escrever, ele precisa “inventar”
uma universidade que se adapte à ocasião que ele vive – inventar, aqui,
refere-se tanto à universidade em si quanto a suas subdivisões, como o
Departamento de Antropologia, Economia ou Inglês. O aluno, nessa cir-
cunstância, precisa aprender a falar a língua de seu professor, a falar
como fala o acadêmico, a experimentar as diferentes e peculiares formas
de saber, selecionar, avaliar, reportar, concluir e argumentar que defi-
nem o discurso dessa comunidade em particular.

Uma das mais antigas tentativas de teorizar sobre a construção de argumen-


tos em diferentes disciplinas foi realizada por Toulmin (1999), em seu The Uses
of Argument. O autor sugere a necessidade de, primeiramente, se levar em conta
a distinção entre elementos campo-invariável e campo-dependente antes de cri-
ticar um determinado argumento. Os elementos do campo-invariável denotam a
existência de convenções como as mencionadas por Bartholomae (1997). Essas
convenções mantêm-se, relativamente, em uma variedade de disciplinas. Indepen-
dente do campo, a indução tem início na proposição de um problema, leva em conta

216
A construção do argumento

limitações e se fia em evidências para construir um argumento. Já os elementos do


campo-dependente, por outro lado, estão em constante mutação. Eles incluem, por
exemplo, os padrões usados para determinar quais os assuntos são próprios para
o estudo e quais afirmações requerem ou não uma base argumentativa. Basica-
mente, as diferenças entre as formas de escrita de historiadores e biólogos estão
nas formas específicas que essas áreas defendem para a criação, suporte e eluci-
dação de argumentos. Os elementos do campo-dependente também podem variar
dentro de uma mesma disciplina. Um exemplo disso são as visões divergentes dos
pesquisadores do ensino de escrita em inglês a respeito do que constitui um dado
válido em uma pesquisa: alguns defendem dados etnográficos e observacionais,
enquanto outros preferem dados quantitativos e empíricos. Essas diferenças de
entendimento remontam à compreensão que os membros desses grupos específicos
têm do que constitui indução e argumento válidos.
Em seu clássico artigo Writing as a Mode of Learning, Emig (1997) foi quem
primeiro associou o estudo da escrita a certas questões sobre a WAC e WID. Ela se
vale das teorias de Vygotsky, James Britton e outros para argumentar que a escrita
é uma forma de aprendizagem “única”, em parte, porque “pode subsidiar o apren-
dizado já que consegue acompanhar seu ritmo” (EMIG, 1997, p. 12). A natureza
recursiva da escrita permite ao indivíduo processar e compreender a informação
de maneira que a fala e o raciocínio, sozinhos, tendem a dificultar. Foram os ensaios
de Emig que legitimaram algumas tentativas pioneiras de implementar a WAC.
Alguns dos debates associados à WAC também têm implicações relevantes
para a leitura de textos argumentativos apresentados em cursos de escrita. O
trabalho de Russell (1995) sobre a Teoria da Atividade desafia a noção de que a
escrita pode ser usada em todas as disciplinas. Russell (1995) se utilizou, nes-
se caso, da teoria de Vygotsky: a teoria da atividade pressupõe a existência de
“sistemas de atividade”, similares a campos ou comunidades discursivas, que se
utilizam de contextos específicos para produzir conhecimento. Esses sistemas de
atividade têm histórias de interação canonizadas pela literatura e se utilizam de

217
A construção do argumento

ferramentas tanto físicas (computadores, calculadoras) quanto semióticas (fala


e escrita) para articular ideias e produzir conhecimento a partir do mundo. Eles
se modificam através de discussões que ocorrem dentro deles mesmos, além de
emprestar e transformar ferramentas de outras disciplinas para atingir seus fins.
Partindo desse ponto de vista, existem apenas alguns – se é que de fato existem –
elementos do campo-invariável e nenhuma parte da escrita pode ser considerada
uma habilidade autônoma.
Para verificar a relevância que os trabalhos acerca da WAC/WID têm sobre
a construção do argumento, consideremos o trabalho realizado por alunos de um
curso de Economia focado em ajudá-los a definir construções e termos da área.
Para despertar a sensibilidade para esses conceitos, Palamini (1996, p. 206) sugere
o uso de rhetorical cases (casos retóricos).

O caso retórico – ou estudo de caso retórico – é um problema de uma


história independente que simula uma situação real de comunicação. O
caso disponibiliza informação acerca de contextos experienciais e edu-
cacionais de escritores e leitores. Mais importante, ele especifica uma
situação particular de escrita (ou fórum), e, portanto, o tipo de relacio-
namento que existe entre autor e leitor, ou seja, seus papéis organizacio-
nais mútuos e seus propósitos. O aluno, então, assume o papel de autor
e se esforça para explicar, de maneira persuasiva, como a análise econô-
mica pode ajudar o leitor a compreender seu negócio – ou outro tipo de
problema econômico – e tomar decisões positivas.

Para ilustrar seu método, Palamini (1996) usa o exemplo de um economista de


um sindicato que discute informações referentes ao custo de vida com um grupo
do mesmo sindicato responsável pela negociação de um contrato. O autor aponta
o valor que esses “casos retóricos” têm sobre a necessidade de se considerar o
público alvo de um discurso em um determinado contexto. Os economistas po-
dem compreender a maneira ideal de se comunicar com seus semelhantes, mas a

218
A construção do argumento

natureza de seu trabalho envolve também a habilidade de transmitir informações


abstratas em uma linguagem que leigos possam compreender e utilizar. No final,
Palamini delimita de forma mais extensiva um caso retórico específico.
A divisão da responsabilidade do ensino de escrita é uma ideia que vem sendo
aceita de forma lenta – mas constante – nos círculos acadêmicos. Os sistemas edu-
cacionais massificados frequentemente ignoram a natureza da escrita, e os alunos
sofrem com o resultado de modelos redutores, acríticos de escrita encontrados na
academia. Se realmente existe a intenção de incentivar os estudantes a realmen-
te encontrar e utilizar ferramentas de persuasão mais eficazes, o conhecimento
da retórica especializada e adequada a uma disciplina específica deveria ser um
dos fundamentos das disciplinas comuns básicas nas faculdades e universidades.
Refletir mais cuidadosamente sobre o papel da escrita na educação pode levar os
educadores a se interessarem mais por melhores práticas de ensino e aprendi-
zagem de escrita. Apenas a compreensão sobre como os modelos de escrita e de
argumento ensinados em outros cursos diferem ou se assemelham aos modelos
tradicionalmente ensinados em cursos de escrita pode permitir ajustes apropriados
ao desenvolvimento de cursos e materiais didáticos.

Computador e escrita

Para a maior parte dos alunos inscritos em cursos de escrita, o computador


e a escrita compõem uma parceria natural: os rascunhos podem ser escritos e re-
visados com a ajuda de vários programas de edição de textos, e-mails e papos on
line são redigidos e enviados às dúzias diariamente. A escrita produzida eletroni-
camente já domina, atualmente, os estudos sobre a escrita, mas, obviamente, nem
sempre foi assim. Há alguns anos, quando os programas de edição de texto eram
ainda restritos a uma ou outra plataforma e a disponibilidade de computadores
pessoais se resumia a um sonho futurístico, os especialistas em escrita se dividiam
sobre o impacto que a tecnologia e os computadores teriam sobre o campo.

219
A construção do argumento

Em 1983, foi criada a revista Computers and Composition, que discutia – e


ainda discute – a teoria e a prática do uso de computadores na escrita. Nos artigos
publicados, surgiram os mais importantes debates sobre o assunto. Além disso,
nas páginas de Computers and Composition, os principais especialistas do campo
(como Kate Kiefer, Cynthia Selfe, e Gail Hawisher, que compõem um triunvirato
pioneiro) continuam publicando seus estudos. Qualquer professor interessado
em compreender a história e a evolução do papel dos computadores no campo da
escrita deve iniciar seus estudos consultando esse periódico.
Considerando-se que esse campo é ainda novo e as reações polarizadas de
muitos professores à utilização da tecnologia, diferentes visões sobre computador e
escrita podem ser encontradas em vários artigos. Um dos primeiros desses artigos,
publicado em Computers and Composition, apresenta um debate entre professores
de escrita: teria a escrita por computador “[...] o potencial para produzir uma me-
lhora global na qualidade dos textos dos nossos alunos”? (MORAN, 2003, p. 347).
Brownell (1984, p. 3) atesta que “[...] os editores de texto possibilitam escrever mais
em menos tempo e realmente fazem de nós melhores escritores”. Essa declaração,
no entanto, foi prontamente contestada por McAllister (1985), Sommers e Collins
(1985), e, mais tarde, também por Dowling (1994) e Collier (1995). Os professores
interessados no assunto podem utilizar esse argumento para verificar a origem da
polaridade entre tecnófilos, que acreditam no impacto positivo dos computadores
sobre a escrita, e os especialistas mais cautelosos (HARRIS, 1995; BANGERT-DRO-
WNS, 1993), que acreditam serem necessárias mais avaliações e mais evidências
concretas da eficácia ou falência do método, antes de incluir computadores nas
aulas de escrita. E o debate continua. Muitos pesquisadores acreditam e utilizam as
opiniões dos alunos para direcionarem sua própria avaliação acerca do ensino de
escrita em salas de aula computadorizadas, como fazem Gos (1996), Duffelmeyer
(2001) e LeCourt e Barnes (1999), pioneiros na área.
Igualmente, é bastante debatida a forma como as tecnologias emergentes
impactam o estudo e o ensino de argumentação. O avanço contínuo na criação de

220
A construção do argumento

hardware, software e periféricos abre muitas possibilidades (e potenciais armadi-


lhas) à vida de professores de argumentação. Stephens (1984) foi um dos primeiros
especialistas a teorizar a respeito do impacto dos computadores sobre a argumen-
tação, e a declarar que essas ferramentas aumentam as habilidades argumentativas
dos estudantes. É lógico que, no momento em que Stephens pensava suas teorias,
em 1984, os computadores eram sinônimos de editores de texto. Conforme o século
XX avança, no entanto, ocorre uma variedade nova de métodos à disposição de um
professor: muitos especialistas criaram hipóteses acerca de como argumentar em
ambientes hipertextuais de maneira eficaz, por exemplo, Marshall (1987), Conklin
e Begeman (1987), Bolter (1991), Landow (1992) e Kolb (2005). Carter (2003) dis-
cute a argumentação em hipertexto de maneira bastante detalhada, utilizando-se
extensivamente do trabalho realizado por Perelman (2001), Williams (2002), a
partir do ponto de vista de Toulmin, declara que a interação é fundamental para
a utilização da persuasão na Web. Kajder e Bull (2003) e Williams e Jacobs (2004)
exploram como os blogs podem oferecer aos estudantes uma consciência a respeito
do público alvo, além de oferecer um componente dialógico crucial para a constru-
ção de argumentos eficazes.
Para os professores que dão aulas em ambiente digital, McAlister, Ravenscroft
e Scanlon (2004) e Coffin e Hewings (2005) apresentam sugestões de como usar
esses espaços para garantir suporte à colaboração e à construção de argumentos
de maneira mais eficaz. Para os especialistas que buscam um tratamento mais
técnico sobre a forma como a tecnologia pode se relacionar à argumentação, as
ciências da computação já dedicaram considerável espaço ao assunto, como pode
ser observado nos trabalhos de Andriessen (2003), Baker (2006), Reed e Norman
(2004), Kirschner, Buckingham e Carr (2003) e McElholm (2002).
Para professores que buscam uma abordagem mais prática há uma série de
websites acadêmicos à disposição. A citação e confiabilidade de fontes online, no
entanto, permanece ocupando uma posição de suma importância, já que os estu-
dantes tendem, cada vez mais, a confiar em websites para fundamentar e pesquisar

221
A construção do argumento

seus argumentos – sem, no entanto, atribuir a devida atenção ao ethos da fonte. As


livrarias online da Cornell University, da UC Berkeley University e da New Mexico
State University oferecem uma amostra abrangente de perguntas a serem realiza-
das na hora de avaliar fontes digitais. Muitas outras universidades oferecem, em
seus ambientes online, recursos de ensino e aprendizagem.
O laboratório Purdue Online Writing Lab (OWL) foi um dos primeiros laborató-
rios de escrita digital nos Estados Unidos e se mantém entre os mais importantes,
oferecendo uma variedade de heurísticas e ideias para uma escrita eficaz. A Dart-
mouth College oferece um site abrangente inteiramente devotado ao ensino online,
incluindo materiais didáticos, artigos sobre o ensino através do uso de tecnologia
e estudos de caso de professores que se utilizaram da Internet como ferramenta de
ensino. O website da Schoolcraft College oferece materiais do mesmo tipo, incluindo
exercícios, planilhas, módulos de ensino e materiais sobre o ensino de argumenta-
ção. A comunidade virtual Lingua MOO também oferece a professores um espaço
em que materiais didáticos adicionais relacionados à tecnologia e argumentação
podem ser encontrados.
As fontes listadas aqui oferecem um bom ponto de partida para professores
que querem explorar o impacto de tecnologias da computação sobre a escrita e o
ensino de argumentação. Os professores que desejem encontrar mais materiais
acerca das aplicações práticas e teóricas do ensino de argumentação através de
uma variedade de aplicativos, espaços e ferramentas eletrônicos devem começar
acompanhando as discussões dos artigos de Computers and Composition, seja na
versão impressa ou digital. Outro excelente ponto de partida são os sites acadêmi-
cos como o Lingua MOO, em que a aplicação prática de tecnologias de ponta pode,
usualmente, ser encontrada em primeira mão.

222
A construção do argumento

Retórica visual

Em A New Rhetoric, Perelman e Olbrechts-Tyteca (1969) discorrem sobre a


importância da “presença” para a argumentação. No texto, os autores descrevem
presença como a combinação de forma e substância que influencia psicologica-
mente a audiência através do uso de técnicas como omissão, ênfase, escolha e
seleção. Ainda que os autores não discutam profundamente os usos extra verbais
do recurso visual, parece claro que esse conceito, que enfatiza a necessidade de se
colocar algo frente a frente com a audiência, é particularmente importante para
a retórica visual. Aliás, pode-se afirmar que se trata do tipo de apelo mais pene-
trante e frequente em nossa cultura. As retóricas visuais de revistas (um anúncio
brilhante em página dupla na revista Vanity Fair em que a marca Lancôme mostra
uma jovem modelo relaxando num belo vestido de verão cor de rosa, convidando
os leitores a “despertar para a nova primavera”) da televisão (o jogador de baseball
Alex Rodrigues, com um sorriso paciente, ajudando crianças a aprender os funda-
mentos do jogo num comercial para os clubes infantis de baseball da liga Boys and
Girls Clubs of America) e da Internet (no site internacional do Greenpeace, a imagem
de um bebê orangotango com seus grandes olhos arredondados ao lado do texto
“Essa Terra frágil precisa de uma voz. Ela precisa de soluções, mudanças, ação”)
estão entre as cerca de 3.000 mensagens que o cidadão médio encontra dia após
dia, que são predominantemente visuais em seu apelo persuasivo.
No entanto, temos sido relativamente lentos em nossa capacidade de realmente
abraçar a retórica visual como parte dos estudos de escrita, retórica e argumen-
tação. Handa (2004, p. 305) aponta esse fato mais claramente:

As disciplinas de escrita e de retórica clássica abordam a retórica e a


argumentação em termos estritamente verbais. Nos estudos de escrita,
os especialistas não concordam sob nenhum aspecto, universalmente,
a respeito da capacidade que as imagens têm ou não de apresentar ar-
gumentos; especialmente quando levada em consideração a definição

223
A construção do argumento

clássica de argumento: uma sequência linear de alegações, contra ale-


gações e evidências. Se as imagens são capazes de apresentar um argu-
mento completo quando utilizadas sozinhas ou se isso só acontece ao
combiná-las a palavras e frases é um assunto ainda mais contencioso.

Para os leitores que cresceram em uma cultura dominada pelo imaginário e


não pela mídia impressa, o poder persuasivo de imagens, signos e símbolos parece
um fato óbvio. Porque, então, nossas disciplinas têm resistido tanto em considerar
a retórica visual como um campo legítimo de estudo?
Stroupe (2000, p. 10) ajuda a situar esse fenômeno, ao salientar que os pro-
gramas de ensino de retórica e escrita estão frequentemente limitados aos depar-
tamentos de idiomas, são justamente os responsáveis por uma defesa estanque da
cultura da palavra impressa e sua “[...] costumeira rejeição do discurso popular,
predominantemente visual”. O medo da tecnologia (especialmente do computador)
e o desdém pelo texto “popular” contribuíram profundamente para essa margi-
nalização precoce da retórica visual na disciplina de escrita. A retórica visual
complementa claramente uma série de disciplinas. No entanto, como ocorre com
outros “novos” campos de estudo, também pode ameaçar a hegemonia de disci-
plinas academicamente estabelecidas, ao colocar sua coerência interna, limites e
pressuposta completude sob questionamento. Tendo esses obstáculos em vista, é
mais fácil compreender o ritmo lento do (re)aparecimento e total estabelecimento
dos estudos visuais.
A reticência demonstrada pelos estudos de retórica e escrita em dar as boas-
-vindas ao estudo da retórica visual é bastante irônica, haja vista a importância
da imagem visual ao longo da história para as duas disciplinas desde seus primór-
dios. Aristóteles reconheceu o poder da metáfora e da visualização e Quintiliano
afirmou que a visualização é uma das formas mais claras de manipular emoções.
Platão atribuiu grande importância à luz e à visão tanto no mundo extrassensorial
quanto no sensorial. Curtius (1973) descreve como, em tempos medievais, a retórica
epidítica (com maior ênfase na apresentação visual) se tornou mais importante

224
A construção do argumento

que a retórica deliberativa. Hobbs (2002) afirma que Francis Bacon, ao chamar
emblemas de imagens, aceitou a premissa de que as imagens são mais memoráveis
que as palavras. A autora recorre à uma citação de Bacon, para essa constatação.

É mais fácil reter a imagem de um esportista que caça uma lebre, de um


farmacêutico que organiza suas caixas, de um rapaz que recita versos ou
de um ator durante uma performance do que reter as noções correspon-
dentes de invenção, disposição, eloquência, memória, (e) ação (HOBBS,
2002, p. 60).

Os “novos retóricos” do Iluminismo Escocês (Smith, Blair, Lord Kames e Cam-


pbell, entre outros) também foram influenciados pela centralização da imagem e
da imaginação propostas por Bacon. Os termos e conceitos hoje reconhecidos como
parte integral e relevante dos estudos visuais apresentam a maior riqueza de seus
antecedentes históricos da retórica. Hunter Gardner (2004), Kress e Van Leeuwen
(1996) estão entre os especialistas que lideram as discussões acadêmicas acerca
da necessidade de se dar maior atenção à retórica visual.
Há várias aplicações relevantes da retórica visual em sala de aula. Um dos
primeiros textos a demonstrar como incorporar o estudo da imagem nas aulas de
escrita foi Seeing the Text, de Bernhardt (1986). Neste ensaio, o autor afirma que
até a palavra impressa é inerentemente visual por depender de arranjos espaciais
e decisões (como estilo e tamanho de fontes, localização de espaços em branco e
divisão de parágrafos etc.), que são de natureza retórica. Ele também apresenta uma
lista de fatos relevantes acerca do ambiente, produzida por cidadãos conservadores
e políticos em busca de proteção legislativa de áreas de manancial e alagadiças. A
forma como Bernhardt analisou a construção dessa lista serve como importante
introdução à noção de que a retórica visual não precisa necessariamente incluir
fotos, desenhos, signos ou símbolos, além de servir como ponto de comparação
para as milhares de publicações dessa natureza, sejam elas listas de importância
cívica, panfletos que defendem causas ou websites.

225
A construção do argumento

No texto Reading the Visual in College Writing Classes, Hill (2003) partilha al-
gumas de suas próprias técnicas para introdução da retórica visual na sala de aula.
Seus exemplos são diversificados, e cobrem desde o arranjo dos espaços entre as
linhas do texto e o tamanho dessas linhas (como faz Bernhardt, 1996), passando
pela análise retórica de fotografias famosas (como a dos fuzileiros navais dos Es-
tados Unidos erguendo a bandeira americana no solo de Iwo Jima, no Japão), até
a desconstrução de valores culturais escondidos de maneira subliminar em um
anúncio impresso de uma empresa que vende seguros de vida. A análise apresen-
tada por Hill (2003) de cada um desses exemplos ajuda a demonstrar, claramente,
a diversidade de apelos visuais de persuasão e oferece a professores e alunos uma
fundamentação pedagógica firme a partir da qual pode explorar outros exemplos
de retórica visual.
Para os professores que pretendem continuar explorando as conexões entre
retórica e cultura visual, os artigos de Frascina (2003) e Zagacki (2005) oferecem
uma análise complementar das pinturas de Norman Rockwell. Frascina compara
os originais de Rockwell, inspirados na Segunda Guerra Mundial, com as versões
digitalmente alteradas, produzidas pelo jornal The New York Times, após os aten-
tados de 11 de setembro de 2001, numa tentativa de demonstrar a “memória cul-
tural coletiva” que imagens poderosas podem construir. Zagacki usa as pinturas
de Rockwell sobre direitos civis para ilustrar como as obras de arte visuais “[...]
podem operar na retórica para articular o conhecimento” e moldar a percepção do
público. Os dois trabalhos oferecem excelentes oportunidades para os professores
apresentarem aos seus alunos os conceitos e métodos da retórica visual, além de
orientá-los a respeito de como os apelos imagéticos persuasivos podem ser ana-
lisados e desconstruídos.
Exemplos práticos de outros gêneros da retórica visual também existem.
Em Understanding Comics: The Invisible Art, McCloud (1994) utiliza quadrinhos de
forma criativa para analisar as práticas retóricas aí empregadas. A análise dos
componentes retóricos verbais e visuais do filme The Usual Suspects (Os Suspeitos,

226
A construção do argumento

filme de 1995, lançado no Brasil, em 1996, e dirigido por Brian Singer), realizada
por Blakesley (2003), oferece um raciocínio estrutural que pode ser aplicado ao
estudo da retórica visual no cinema. Já Television News as Rhetoric de Smith (1977)
funciona bem em conjunto com The Rhetoric of Television News, de Nydahl (1986),
e com Uses of Television, Hartley (1999) para oferecer exemplos representativos
de estudo e aplicação da retórica televisiva. Os professores que desejam combinar
estudos sobre televisão e cinema podem optar pelo artigo de Rosteck (1989), que
analisa a estrutura argumentativa de Report on Senator McCarthy de Edward R.
Murrow, uma parte integrante da série documental See It Now. Esse artigo também
analisa o filme de George Clooney, Good Night, and Good Luck, 2005), que apresenta
outra visão sobre o mesmo episódio histórico.
Aqueles que se interessem pela retórica aplicada aos videogames e pelas cons-
tantes discussões acerca dos impactos nocivos de jogos violentos podem consultar
Lachlan (2003) e Smith (1977), além das incontáveis matérias jornalísticas que
cobrem o debate entre Joseph Lieberman, designers de jogos e jogadores de todo o
mundo (o site wikipedia.org oferece uma excelente cobertura desse assunto). Todo
esse material pode também ser combinado aos videogames Doom, Doom 3, e ao filme
Doom: The Movie (2005, dirigido por Andrzej Bartkowiak), para exemplificar de
forma prática a maneira como as diferentes retóricas visuais impactam o assunto.
Os próximos anos verão os estudos da retórica visual ganhando cada vez mais
status em todas as disciplinas acadêmicas relevantes, incluindo retórica e escrita.
Os professores que vislumbram o futuro começarão a ampliar seus conhecimentos
da teoria e pedagogia da retórica visual (aproveitando a proliferação de exemplos
culturais disponíveis a seu redor) como forma de se prepararem para a crescente
consciência acadêmica do apreço pelo poder de persuasão de uma imagem e de
textos visualmente persuasivos.

227
A construção do argumento

228
Glossário31
Neste glossário, tentamos ser concisos na definição e descrição dos termos.
Trata-se de um glossário específico para nossa forma de tratar o ensino da cons-
trução do argumento, neste livro. Isso significa que alguns termos específicos do
recorte terminológico de Kenneth Burke aparecem entre os termos tradicionais.
Também não se trata de uma lista definitiva ou exaustiva, já que são muitos os
termos da retórica usados quando se fala de ensino do argumento.
Para outras definições de termos-chave retóricos, os leitores interessados
devem consultar um dos trabalhos de referência da área, como a Encyclopedia of
Rhetoric, editado por Thomas Sloane, a Encyclopedia of Rhetoric and Composition,
editado por Theresa Enos, ou Sourcebook on Rhetoric, de James Jasinski.

Ação vs. Movimento – Em A Grammar of Motives, Burke (1966, p. 14)


define ação como o “[...] corpo humano em movimento consciente e
intencional”. Ação é algo que apenas humanos são capazes de fazer. A
capacidade de agir, por sua vez, é um pré-requisito para escolhas morais.
Uma bola de baseball é capaz de movimentar, mas não de agir, porque
ela “[...] nem é moral e nem imoral, ela não pode agir, pode apenas mover
ou ser movida” (BURKE, 1966, p. 136). Para Burke, a ação envolve o ato
de mover em direção ao ideal, criando novidade durante o percurso. As
transformações afetadas pela ação são necessariamente parciais, por
necessidade, devido ao paradoxo da substância. Ver também: Mágica,
Paradoxo da Substância.

31. Tradução: Marcus Mussi.

229
A construção do argumento

Argumento agonístico/erístico – Do grego agon, que significa concurso


ou conflito, e eris, que significa contenda; o argumento agonístico ou erís-
tico representa um modelo de argumento que enfatiza conflito e disputa, e
ocorre quando a perspectiva de alguém avança em detrimento de outrem.
O argumento agonístico/erístico tem sido visto por escolas feministas,
entre outras, como um modelo patriarcal, baseado na polêmica, que pro-
move dissenso mais do que consenso. Além disso, o argumento erístico
tem sido criticado por ser irrealista. Muitos modelos contemporâneos
de argumento são complexos e não defendem a derrota do adversário,
mas um propósito mais realista, como aumentar ou diminuir a adesão
de participantes ou a identificação com a posição argumentativa e/ou a
perda de adesão ou identificação com posições alternativas.

Analogia – Ver Invenção.

Argumento rogeriano – É um tipo de argumento que tenta explorar e/


ou resolver problemas através da escuta empática. O princípio funda-
mental é considerar a comunicação do ponto da compreensão de outra
pessoa. Para participar da comunicação autêntica, exige-se que as ideias
e as atitudes de outras pessoas sejam vistas tão profundamente a ponto
de ser possível sentir como a pessoa sente. O objetivo é promover uma
mudança de perspectiva ou modificar a concepção da realidade de ou-
tra pessoa, de modo que uma cooperação útil seja possível. Existem três
estratégias: (1) tranquilizar a pessoa sobre o fato de que ela está sendo
compreendida; (2) descobrir a validade do posicionamento da pessoa; e
(3) encontrar áreas de similaridade. Um dos problemas do argumento
rogeriano é a prática de identificar no início da argumentação um possível

230
resultado. Potencialmente, pode também ser usado para fins manipu-
lativos. Se usado como técnica, a identificação pode não ser vista como
sincera, criando uma falsa sensação de empatia.

Atitude – Burke usa cinco termos para explicar os motivos humanos:


ação/ato, agente, agência, propósito e cenário. Mais tarde, ele adicionou
atitude, para descrever a maneira como o ato é conduzido. É um precursor
do ato, que ele chama de “ato incipiente”. A retórica conduz as pessoas
para o ato ou a moldar suas atitudes de tal forma que cheguem ao ato.
As pessoas não são forçadas a agir, são convencidas. Os atos, então, se
tornam as representações de nossas atitudes.

Casuística – “As direções geral e particular da retórica se sobrepõem


na medida em que todos os casos únicos necessariamente envolvem a
aplicação dos tópicos universais para a questão particular. Assim, mesmo
as situações consideradas muito amplas podem apresentar exclusivida-
de” (BURKE, 1969, p. 72). Para Burke, a casuística é uma filosofia, um
princípio geral que se aplica a situações específicas. Embora a casuística
assuma conotações negativas para muitos analistas contemporâneos,
Burke ver isso como inevitável. Entretanto, “a extensão casuística” é fre-
quentemente necessária para persuadir as pessoas de que em um sistema
original (como a Constituição dos Estados Unidos, por exemplo) ainda
é viável, apesar de novas variáveis ​​temporais e espaciais. Ver também:
Identificação, Paradoxo da substância.

Consubstancialidade – Ver Identificação.

231
A construção do argumento

Cortejo – Para Kenneth Burke, o cortejo é uma forma de persuasão que


opera através da identificação em que uma “entidade” persuade outra.
Para que o cortejo exista, cada entidade deve pertencer a uma classe
separada, o que leva ao que Burke se refere como “estranhamento”. No
âmbito individual, esse estranhamento reside na diferença entre os se-
xos. No mundo social, a diferença entre os sexos equivale às diferenças
entre classes sociais. Burke refere-se à comunicação entre as classes
como cortejo “abstrato”. No âmbito do cortejo abstrato, os membros
de classes sociais mais altas tentam a controlar as classes menos privi-
legiadas através da “doutrina” e da “educação”. Assim, “o princípio do
cortejo”, na retórica, quer dizer “o uso de dispositivos persuasivos para
a transcendência do estranhamento social” (BURKE, 1969, 208). Nessa
relação de estranhamento social, os grupos são “mistérios” uns para os
outros, e esse mistério pode ser convertido em poder. Um professor, por
exemplo, pode permanecer em silêncio, durante grande parte de tempo,
de modo a dar gravidade às perguntas que ele faz, parecendo, assim,
“inspecionar as profundezas de coisas” aos olhos do aluno (BURKE, 1969,
p. 210). O cortejo de Burke difere do de Perelman e da noção de adesão
de Olbrecht-Tyteca na medida em que não prever explicitamente que a
persuasão aumenta o grau de concordância com o locutor. Um grau de
adesão da audiência ao argumento do locutor pode variar muito. Em
contraste, o cortejo focaliza principalmente a relação desigual entre o
persuasor e os persuadidos, em vez de empregar significados geralmente
considerados “persuasivos”. Através do cortejo, o “cortesão” já comanda
uma certa “captação” do público. Assim, essa audiência “cortejada” an-
seia transcender a abertura do estranhamento social para unir-se com o
persuasor, quando ele “timidamente” mantém essa distância, e, portanto,
a captação e o poder.

232
A construção do argumento

Dialética – Na primeira frase da Retórica, Aristóteles define retórica


como a contrapartida da dialética. Retórica e dialética são faculdades de
provimento de argumentos. Historicamente, a dialética é vista, às vezes,
como a contrapartida da retórica, às vezes, como competidora da retórica.
Aristóteles distingue o raciocínio demonstrativo (causal) do raciocínio
dialético (não causal ou contingente), definindo o último como “raciocí-
nio de opiniões”, que são geralmente vistas como verdades prováveis. O
raciocínio dialético pode ocorrer entre interlocutores, ou pode ser uma
interrogação interna. O Método Socrático é o mais conhecido exemplo
de um raciocínio dialético se caracteriza por uma proposição inicial,
seguida de uma conclusão por perguntas e respostas e da aplicação da
lei da contradição. O raciocínio dialético é um teste para a verdade, um
processo de criação de significado. As proposições devem ser garanti-
das antes do argumento. Uma proposição é dialeticamente assegurada,
quando ela passa pela lei da contradição. O modelo hegeliano de dialética
envolve a tese (uma proposição), a antítese (a contradição da proposição)
e a síntese (uma incorporação dos dois primeiros elementos).

Doxa – É a palavra grega que significa opiniões comuns ou populares. É


a raiz de palavras como “ortodoxia” (opinião reta) e “paradoxo” (opini-
ões opostas). Doxa são as opiniões, às vezes, sistematizadas, geralmente
aceitas por uma comunidade. A noção de doxa situa o locus da autoridade
fora do individual e no interior da comunidade. As opiniões de pessoas
individuais são não somente delas, mas também de muitas outras, o que
confere maior importância a essas opiniões. Situar as opiniões fora do
escopo do indivíduo também abre a porta para que a persuasão ocorra.

233
A construção do argumento

Entimema – Às vezes chamado de “silogismo truncado”, o entimema


deixa de fora uma premissa, e espera que seja fornecida tacitamente pela
audiência. O entimema, portanto, não deve ser julgado pelas convenções
de validade formal, mas pelas leis da probabilidade. Quanto mais ampla-
mente a premissa é aceita, mais provável é o consentimento da audiência
com o argumento do entimema. Aristóteles rotulou o entimema a “subs-
tância da persuasão retórica”. Como há pouca coisa que pode ser tomada
como certa, os oradores devem confiar nas crenças e pressupostos de
sua audiência.

Espécies de retórica – Para Aristóteles, existem três tipos de discurso,


cada um com sua própria ênfase temporal. Em primeiro lugar, o discurso
epidídico (cerimonial) tem a ver com louvor ou culpa. Um exemplo des-
se tipo de discurso é o elogio. O orador usa o discurso cerimonial para
reforçar atitudes e crenças importantes no presente. Em segundo lugar,
discurso deliberativo é um apelo para algum tipo de ação, tipicamente
legislativa, que ou exorta ou dissuade de um determinado plano de ação.
Em terceiro lugar, o discurso forense (judicial) determina a culpa, a
inocência ou a causalidade, baseado em um exame de eventos passados.

Esquema de Toulmin – O esquema e a terminologia de Toulmin para


analisar e criar argumentos são frequentemente usados no ensino
do argumento. No centro do modelo de Toulmin encontram-se vários
termos-chave. Todos os argumentos apresentam uma demanda com
base em dados. Uma garantia é uma proposição geral que estabelece uma
conexão entre a demanda e os dados. As garantias geralmente precisam
de apoio ou suporte (evidências que ajudam a provar a garantia). A
demanda pode precisar também de um qualificador (para evitar a

234
A construção do argumento

linguagem absolutista) e condições de refutação (exceções para a regra


formulada pela demanda) para maximizar seu potencial persuasivo. O
esquema de Toulmin provou ser aplicável em disciplinas acadêmicas a
argumentos populares.

Ethos – Ver Pisteis.

Exemplo, Ilustração, Modelo – Perelman e Olbrechts-Tyteca analisam


como os oradores procuram estabelecer uma comunhão com o público
através de um caso particular, sob a forma de exemplo, que torna possí-
vel a generalização; ilustração, que fornece suporte para a generalização
estabelecida; e modelo, que incentiva a imitação. Esses termos podem ser
definidos da seguinte forma:

a. Exemplo: uma instância específica que fornece uma base para uma
regra e atua como ponto de partida de uma generalização. Um exemplo
deve ser, pelo menos provisoriamente, um fato. Os exemplos servem tan-
to para ilustrar uma generalização como para estabelecer a verdade da
generalização. De acordo com Perelman, grande parte de um argumento
é concebido para levar a audiência a reconhecer fatos não válidos (ou
seja, os exemplos que contradizem generalizações ou regras que também
admitem). Para Aristóteles, as provas surgem na forma de entimema ou
exemplo. Um exemplo não é a relação da parte com o todo, nem do todo
com a parte, nem de um todo com outro todo. Ao contrário, o exemplo é
a relação da parte com a parte, de um igual com outro igual. Os exemplos
podem ser históricos (que faz referência a eventos passados) ou inventa-
dos (Aristóteles identificou a fábula como um tipo de exemplo inventado).

235
A construção do argumento

b. Ilustração: A ilustração procura criar uma regra abstrata ou uma ideia


concreta através de um caso particular. Ela promove a compreensão da
regra. Enquanto os exemplos devem ser inquestionáveis, as ilustrações
não precisam. As ilustrações podem ser detalhadas, mas os exemplos
devem ser concisos para evitar distração.

c. Modelo: Os modelos são ilustrações idealizadas de uma regra geral.


Os modelos não devem ser apenas compreendidos; devem ser imitados.

Falácias Informais – No sentido mais geral, falácias são argumentos


imperfeitos. Os argumentos podem ser falaciosos devido a falhas em sua
estrutura e na sua forma. Isso constitui as falácias formais. Os argumentos
que são inválidos por qualquer outro motivo, além da forma, constituem
as falácias informais. As falácias informais aparecem de muitas formas.
Um exemplo de uma falácia informal é uma “relação falsa”: a alegação
de que dois grupos diferentes que não têm nenhum vínculo lógico estão,
contudo, conectados. A Wikipedia apresenta como exemplo de uma re-
lação falsa a análise de venda de sorvete em uma cidade. São vendidos
mais sorvetes, quando a taxa de afogamentos da cidade é maior. Alegar
que as vendas de sorvete causam afogamento seria implicar uma relação
falsa entre esses dois eventos. Na realidade, uma onda de calor pode ser a
causa de ambos. Para um tratamento mais completo sobre relação entre
as falácias informais e a construção de argumentos, ver Fulkerson (1996).

Heurística – Ver Invenção.

Identificação – Para Burke, o conceito de identificação é central para a


retórica e para o argumento. A identificação nos termos de Burke se ba-
seia nos conceitos de fusão e divisão. Uma pessoa A deseja se relacionar

236
com uma pessoa B se elas têm interesses em comum ou se for persuadida
a acreditar que esses interesses existem: “[...] ao ser identificado com B,
A é ‘substancialmente um’ em relação a outra pessoa que não seja ela
mesma” (BURKE, 1969, p. 21). No processo de agir em conjunto, os in-
divíduos compartilham sensações, conceitos, ideias e atitudes. O termo
de Burke para isso é consubstancialidade, uma maneira de “agir juntos”.
Para esclarecer isso, Burke fala de consubstancialidade em termos de
relações entre pais e filhos. Por exemplo, uma criança é consubstancial
com seus pais no sentido de que é ao mesmo tempo sua prole e um su-
jeito autônomo. Um mínimo de separação (divisão) sempre existe, pois
cada pessoa é “[...] única, um locus individual de motivos” (BURKE, 1969,
p. 21). Através da identificação, a retórica e a argumentação se tornam
possíveis, pois os argumentos usam os princípios de fusão e divisão para
permitir atitudes e persuadir. Ver também: Paradoxo da substância.

Ilustração – Ver Exemplo.

Imparcialidade – É a condição de ser membro de um grupo que será


afetado pelo efeito de um argumento sem ter sua decisão influenciada
por isso, como “um juiz imparcial”, que aplica as leias a todos, inclusive a
ele mesmo. A imparcialidade, portanto, envolve o equilíbrio entre todos
os pontos de vista de um argumento. Isso contrasta com a objetividade,
conforme proposta por Perelman, pois, nesse caso, a neutralidade é man-
tida, porque o orador espera não ser atingindo pelo efeito do argumento.

Inércia – Em A Nova Retórica, Perelman e Olbrechts-Tytecha usam o termo


“inércia” para designar a resistência humana à mudança. Inspirando-se
na Física, os autores descrevem a ideia de que as atitudes, as crenças e

237
A construção do argumento

os comportamentos de um público tendem a ser conservados através


dos hábitos. As atitudes, as crenças e os comportamentos também car-
regam valores, que conservam os hábitos. Assim, a inércia favorece a
norma. Ao passo que não é necessário persuadir alguém sobre o que já
está aceito, qualquer mudança será questionada e exigirá justificação.
A inércia natural de uma audiência atribui o ônus da prova à parte que
deseja promover a mudança.

Invenção – Do latim invenire, “encontrar”, a invenção é o primeiro dos


cinco cânones clássicos da Retórica, seguido pela disposição/arranjo,
elocução/estilo, memória e entrega/ação. Como Aristóteles define retó-
rica como “a faculdade de descobrir os meios de persuasão disponíveis”,
grande parte de sua Retórica centra-se na invenção. A invenção consiste
em buscar algo para dizer; consequentemente, refere-se ao logos, ou seja,
o que o orador diz ao invés do como diz. A heurística (do grego heuriskein,
que significa “descobrir”) são estratégias pelas quais o orador pode des-
cobrir de forma sistemática, seguindo um conjunto de procedimentos.
Um orador pode fazer uma série de perguntas como um meio de explorar
e investigar um problema ou questão. No âmbito do argumento, a Stasis
Theory funciona, principalmente, como uma heurística na medida em que
cada tipo de demanda levanta questões diferentes para quem propõem
ou para quem ouve. Na construção do argumento, existem cinco tipos de
demanda principais: definição (é X um Y?), causa (X causa Y?), avaliação
(é X um bom ou mau Y?), proposta (devemos fazer X?), e semelhança
(é X como Y?). Os argumentos de semelhança são as primeiras versões
contemporâneas das analogias, cuja formulação mais geral é A é para
B assim como C é para D. No entanto, essa formulação pode ter apenas
três termos, como em B é para A assim como C é para B, ou A é para B

238
A construção do argumento

assim como A é para C. Perelman e Olbrechts-Tyteca citam a analogia de


Aristóteles: “[...] assim como os olhos dos morcegos são ofuscados pela
claridade do dia, a razão da nossa alma é ofuscada pelas evidências das
coisas ” para explicar o theme (razão da alma, coisas evidentes) e o phoros
(olhos de morcegos, claridade do dia). Em analogia, o theme e o phoros
devem pertencer a diferentes esferas. Se estiverem na mesma esfera, há
exemplo ou ilustração. A analogia depende de transferências de valor
do phoros para o theme e vice-versa. A analogia é frequentemente vista
com desconfiança quando usada como prova. Perelman vê como um tipo
instável de argumento semelhante às falácias informais. Ver também:
Stasis Theory.

Kairós – Kairós e chronos, traduzidos grosso modo do grego, representam


o conceito de tempo. Aristóteles usou kairós em seu sentido clássico como
um momento crítico no desenrolar de um argumento, quando alguém
tem uma oportunidade de despertar seu público. Mais recentemente,
o kairós também tem sido traduzido como adequação e oportunidade.
James Kinneavy usa o termo para se referir à “contexto situacional”.
Nesse sentido, o kairós desempenha um papel na construção de todo o
argumento e de toda escolha retórica.

Logos - Ver Pisteis.

Mediação - Ver Negociação.

Modelo – Ver Exemplo.

239
A construção do argumento

Mistificação – Termo usado por Kenneth Burke. A mistificação ocorre


quando a linguagem é usada entre diferentes classes sócias mais para
enganar do que para comunicar. A mistificação reduz o potencial fértil
do mistério, “burocratizando” a hierarquia em um esquema definido que
privilegia um grupo sobre o outro, eliminando as diferenças misteriosas
entre as classes em detrimento de sua identidade. Essa retórica mal dire-
cionada se preocupa principalmente com a coerção e o controle. Mistério
e mistificação são diferentes da magia. Como uma força sobrenatural, a
magia é baseada em uma concepção primitiva de autoridade, mas tem
semelhanças com a retórica em seus fins persuasivos. Enquanto a ma-
gia tenta erroneamente induzir uma ação às coisas (ou reduzir os seres
humanos a objetos a serem movidos), a retórica (muitas vezes através
de discurso exortativo) tenta induzir a ação nas pessoas. Burke observa
que a magia é também associada à novidade, na medida em que cria algo
fora do nada. Cada ato retórico envolve, assim, uma sugestão de magia na
medida em que usa a novidade na indução da ação. Ver também: Cortejo.

Negociação – A negociação é um modo de acordo orientado para alcançar


consenso por meio da comunicação ou “solução de diferenças”. O conceito
de negociação foi aceito por muitas estudiosas feministas, como alterna-
tiva ao modelo agonístico de argumento e como modelo para a interação
em sala de aula. Outros e outras, inclusive algumas feministas, criticam
a negociação na medida em que evita conflitos em situações em que o
conflito é preciso. A ideia de negociação crítica também tem crescido no
meio acadêmico, como Thomas West, que conecta o conceito de negocia-
ção à teoria pós-colonial, à formação de identidade e à hibridização. A
mediação é um tipo particular de negociação. Na mediação, uma parte
desinteressada ajuda a orientar o curso de um argumento, em vez de se
envolver ou fazer um julgamento a favor de qualquer participante. Na

240
A construção do argumento

mediação, o mediador não tem poder sobre qualquer participante na


construção do argumento, em oposição à arbitragem em que a terceira
parte tem poderes para decidir o resultado de um argumento. A mediação
é cada vez mais utilizada em solução de disputas jurídicas.

Objetividade – É a condição de não ter interesse e não ser afetado pelo


resultado de um argumento. A maioria das teorias de argumento con-
temporâneas rejeita a objetividade como uma postura prática realista
ou mesmo desejável para um orador ou público. Perelman, por exemplo,
reconhece que, fora da ciência, as controvérsias são resolvidas entre as
partes. O melhor que se pode esperar não é objetividade, mas imparcia-
lidade através da qual as pessoas agem em nome do que é melhor para
todos ao invés do que é melhor para si ou seus aliados.

Ofício (ensino e informação, prazer; movimento e submissão) – esses


três propósitos retóricos originaram-se nas ideias de Cícero sobre os três
ofícios do orador. Cada ofício tem um estilo apropriado. Mais especifica-
mente, o primeiro ofício (ensinar, informar, instruir) é pensado para ter
um estilo simples. O segundo ofício (agradar), deve ter um estilo mais
temperado. O movimento e a submissão na oratória, entretanto, reque-
rem um estilo mais eloquente, que serve de forma mais suficiente para
persuadir um público para a ação.

Paradoxo da substância – “Literalmente, a substância de uma pessoa


ou de uma coisa seria algo que fica abaixo ou apoia a pessoa ou a coisa”
(BURKE, 1966, p. 22). Aqui, Burke rastreia as raízes etimológicas da pa-
lavra “substância” para ajudar a explicar o seu conceito de paradoxo da
substância, mostrando que a própria palavra implica a presença do que
é exterior. O conceito de substância de Burke contrasta marcadamente

241
A construção do argumento

com o de Aristóteles. Para Aristóteles, a substância de uma entidade seria


inteira para si mesma. Burke inclina-se à opinião de Spinoza segundo o
qual nenhuma entidade única poderia ser compreendida como idêntica,
mas apenas pelo que não é (“[...] toda a determinação é negação” (BURKE,
1966, p. 25)). Esse conceito está no cerne do paradoxo da substância: a fim
de ser capaz de entender o que dada coisa é, é preciso primeiro colocá-
-la “em termos de” outra coisa. Isso é a lógica fundamental subjacente
ao dramatismo de Burke. Para Burke, há um “[...] inevitável paradoxo de
definição, uma antinomia que deve dotar a noção de substância de uma
ambiguidade irresolúvel” (BURKE, 1966, p. 24). A substância de alguma
coisa só pode ser conhecida em termos do que substancialmente ela não
é. Ver também: Identificação e Dialética.

Pathos - Ver Pisteis.

Pisteis – Aristóteles identificou dois tipos de provas retóricas: (1) artís-


ticas (técnicas ou intrínsecas) e (2) não artísticas (não técnicas ou ex-
trínsecas). As provas extrínsecas não se originam nos esforços próprios
de um orador, mas em dados preexistentes que o orador deve descobrir
e usar: confissões, contratos escritos etc. As provas intrínsecas são for-
necidas por métodos retóricos através dos próprios esforços do orador.
Os Pisteis (proveniente da palavra grega que se refere aos meios de
persuasão disponíveis em um argumento) são os três tipos de provas
artísticas disponíveis para o orador: logos, ethos e pathos. O ethos (termo
grego para “caráter”) do orador refere-se à sua credibilidade. Na época
de Aristóteles, a confiança era criada a partir do próprio discurso e não
a partir do status do homem que falava. Mais recentemente, no entanto,
ethos, muitas vezes, não é mais que o cargo ou a posição de alguém. Por
exemplo, nós confiamos naqueles que são peritos em suas áreas de atu-

242
A construção do argumento

ação mais do que naqueles que são generalistas. O Pathos (termo grego
para “sofrimento” ou “experiência”) refere-se às emoções do público,
quando elas são trazidas para uma situação favorável à adesão ao pró-
prio argumento. O orador pode apelar eficazmente para o pathos porque
conhece as crenças e os valores do público e empregar várias estratégias
retóricas apropriadamente. O logos (termo grego para “palavra”) refere-se
à racionalidade do próprio argumento. O argumento deve ser consistente,
coerente, racional, bem fundamentado, e plausível em seu apelo lógico.

Práxis – É uma alternativa ao par bifurcado teoria/prática em que a


prática é subordinada à teoria. A práxis existe como prática teorizada,
conhecida e situada. No ensino de escrita, é o que separa a aula “Cult”
(criticada por não promover a reflexão, como ad-hoc, abstrata e super
teorizada) do ensino reflexivo fundamentado em crítica, em formas pe-
dagogicamente situadas de saber e aprender.

Presença – Refere-se aos elementos de seleção, arranjo e/ou omissão


de fatos, julgamentos ou linhas de raciocínio que agem diretamente em
nossa sensibilidade. Esses elementos dotam um argumento de presença
e permitem que um público perceba o que de outra forma seria apenas
imaginado. Dotar o argumento de presença, através de metáforas, exem-
plos vívidos, gráficos atraentes, aumenta muito a identificação do público
com o argumento.

Propaganda – É um tipo de persuasão retórica que objetiva atingir uma


massa em vez de um público indivíduo. É explícita e produzida por uma
instituição ou grupo (como um governo). A propaganda é também notável
pela sua natureza egoísta: não faz nenhuma questão de ter compromis-
so com o orador e a audiência. Baseando-se fortemente na repetição de

243
A construção do argumento

símbolos e imagens nas mídias sociais, a propaganda frequentemente


assume conotações negativas na sociedade ocidental, mas governos, orga-
nizações religiosas e anunciantes corporativos (entre outros) continuam
a produzir propaganda em altos níveis. Os argumentos (muitas vezes de
natureza visual) produzidos pela propaganda fornecem exemplos claros
que promovem discussão produtiva em salas de aula de argumento.

Pentágono de Burke – Kenneth Burke acredita que a comunicação so-


cial é melhor analisada e compreendida como um drama, o que o levou a
propor um pentágono de termos para o estudo retórico: ação/ato, agente,
agência, cena e propósito. Os resultados das ações retóricas são determi-
nados pelos índices (relacionamentos) entre esses cinco elementos. Ver
também: Situação retórica.

Relação – Ver Pentágono de Burke

Retórica da burocracia – Refere-se a uma retórica de gesto, geralmente


de natureza simbólica. Um exemplo moderno, nos EUA, de retórica da
burocracia é a derrubada da estátua de Saddam Hussein após a invasão
das forças dos EUA em Bagdá. Esse tipo de gesto retórico significa a vi-
tória das forças dos Estados Unidos e a derrota do Iraque.

Retórica deliberativa – Ver Espécies de retórica.

Retórica epidítica – Ver Espécies de retórica.

Retórica forense –Ver Espécies de retórica.

244
A construção do argumento

Regra de justiça – Termo que está no cerne das teorias de Perelman e


Olbrechts-Tytecha (1969, p. 218) sobre argumentação. A chave para essa
regra formal é dar “[...] tratamento idêntico para seres ou situações da
mesma natureza”. Observar a regra da justiça é necessário para a constru-
ção de argumentos jurídicos. Através dessa regra, os precedentes também
adquirem maior importância: casos anteriores podem influenciar casos
futuros (desde que as categorias sejam essencialmente as mesmas).

Sofisma – Na linguagem popular, o sofisma refere-se a qualquer argu-


mento intencionado a enganar, em vez de persuadir legitimamente um
ouvinte. O termo data do século V a.C. Os sofistas eram um grupo de
filósofos pré-platônicos e professores de retórica. Em geral, os sofistas
ensinavam a partir da experiência em vez da teoria, e enfatizavam as
habilidades persuasivas do mundo real ao invés da busca de uma forma
particular de verdade. Assim, através de suas técnicas, ensinavam a
“argumentar para ganhar”. Nos Diálogos de Platão, os sofistas são vistos ​​
como espantalhos, e usavam a retórica de forma egoísta e amoral (ver
Górgias de Platão). De forma oposta à retórica de Platão, os sofistas emer-
gem como trapaceiros astutos, que usam a linguagem para enganar em
vez de encontrar a verdade. As perspectivas contemporâneas da retórica
têm reabilitado muitos conceitos sofistas, incluindo a atenção para am-
biguidade da língua e o contexto natural da verdade e do conhecimento.
O “feminismo retórico” de Susan Jarratt, por exemplo, liga o foco político
do feminismo contemporâneo às abordagens sofistas sobre o poder real
do uso da linguagem.

Situação retórica – Refere-se à contextualização da maneira de persu-


adir, se é oral ou escrito. Como melhor determinar o impacto persuasivo
em um determinado público-alvo? Quais são os elementos de uma dada

245
A construção do argumento

situação retórica? Não há uma resposta fácil a essas questões, e os estu-


diosos continuam a oferecer quadros práticos e teóricos. Uma estrutura
comum utilizada no ensino de escrita é o triângulo retórico, com foco
no inter-relacionamento da mensagem, do escritor e do público. Outros
quadros são ainda mais específicos, e identificam cinco componentes
principais da situação retórica: ocasião, propósito, tópico, audiência e
escritor. O pentágono de Kenneth Burke também identifica cinco elemen-
tos essenciais: ação/ato, agente, agência, cena e propósito. Observa-se
que, embora diferentes, essas estruturas apresentam elementos centrais
similares, proporcionando variações no triângulo retórico. Não importa
qual estrutura terminológica é usada. A chave para a compreensão da
situação retórica lógica consiste em reconhecer o rátio dos termos: que
elementos são mais importantes para a situação dada.

Stasis Theory – Da palavra grega staseis que significa “tomar uma po-
sição”. Na teoria retórica, a Stasis theory pode ser usada para encontrar
pontos comuns de uma questão, ou como uma estratégia de criação que
fornece ao orador uma série de perguntas que servem para descobrir o
ponto de discordância entre dois opositores. Desde o século II da nossa
era, tradicionalmente tem havido uma ordem hierárquica das questões
de Stasis. No entanto, recentemente alguns pesquisadores argumentam
que as questões não necessariamente têm de ser feitas numa ordem
específica, e, dependendo da situação retórica, algumas das questões
podem não ser aplicáveis. Encontrar o ponto de origem de um desacordo
é desnecessário, se o objetivo do argumento é chegar a uma resolução ou
pelo menos a uma compreensão mais clara do problema, por oposição
às disputas, que são muitas vezes o resultado de um argumento em que
a Stasis não foi alcançada antes do engajamento. As Stasis são divididas
em quatro perguntas:

246
A construção do argumento

1. Conjectura – existe um ato a ser considerado?


2. Definição – como o ato pode ser definido?
3. Qualidade – quão sério é o ato? Quais são as circunstâncias atenuantes?
4. Procedimento – o que deveríamos fazer? Existe alguma coisa sobre o
ato que exige uma decisão não padrão ou pena menor?

Topoi (Tópicos) – Originalmente delineado por Aristóteles, os tópicos


são significados disponíveis de persuasão e são utilizados durante a fase
de criação da argumentação. Aristóteles classificou os tópicos em dois
grupos: (1) os comuns a todos os sujeitos (lugares comuns) e a todas as
circunstâncias e (2) os de áreas especializadas, como Física ou política.
Perelman tem uma abordagem diferente para os tópicos. Ele aplica o
termo loci apenas a premissas de natureza geral que podem servir como
bases para valores e hierarquias e que se relacionam com escolhas que
fazemos. Ele classifica loci em: (1) loci de quantidade (por exemplo, um
maior número de bens é mais desejável do que um número menor de
mercadorias); (2) de qualidade (por exemplo, uma verdade deve ser
desejada acima de cem erros ou o único é valorizado além do usual, do
ordinário ou do vulgar); (3) de ordem (por exemplo, o que é anterior é
superior ao que está depois, por exemplo, o original é superior à cópia);
(4) de existência (por exemplo, o que é atual ou real é superior ao pos-
sível, ao contingente ou ao impossível); (5) de essência (por exemplo,
a superioridade do valor dos indivíduos que incorpora a essência, por
exemplo, uma raça melhor exibiria as qualidades daquela raça melhor
do que seus concorrentes); e (6) de pessoa (por exemplo, a dignidade, o
valor, ou a autonomia da pessoa).

247
A construção do argumento

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261
A construção do argumento

A
262
Sobre os autores
John Ramage
Foi professor, por mais de trinta anos, na Montana State University e na
Arizona State University. Ensinou literatura, escrita, teoria retórica e
argumentação na graduação e na pós-graduação. Também foi coordena-
dor de programas de escrita por mais de uma década, supervisionando
centros de escrita, programas curriculares e de suporte acadêmico. Seu
livro Writing Arguments, em co-autoria com John Bean e June Johnson,
já está na oitava edição.

Zachary Waggoner
É professor do Departamento de Inglês na Arizona Satate University. En-
sina retórica, escrita, teoria de jogos eletrônicos e atua na formação de
professors. É autor de My Avatar, My Self: Identity in Video Role-Playing
Games e de vários artigos sobre o ensino da escrita.

Micheal Callaway
É professor residente no Mesa Community College, em Mesa, Arizona.
Além do ensino, atualmente, tem se dedicado ao desenvolvimento de
currículo para cursos de educação para o desenvolvimento. Além de
atividades de ensino, ele também se interessa por questões de avaliação.

Jennifer Clary-Lemon
É professora assistente de retórica na University of Winnipeg. Os seus
interesses de investigação incluem a retórica da representação e a histó-
ria da escrita e da disciplinaridade. É co-autora com Peter Vandenberg
e Sue Hum de Relations, Locations, Positions: Composition Theory for
Writing Teachers. Também tem publicações em revistas como American
Review of Canadian Studies e Handbook of Research on Writing.

263
Sobre os tradutores
Clemilton Lopes Pinheiro
Doutor em Letras, área de Filologia e Linguística Portuguesa, pela Uni-
versidade Estadual Paulista Júlia de Mesquita Filho. Realizou estágio de
pós-doutorado em Linguística na Université Sorbonne Nouvelle Paris 3. É
professor de linguística na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Erik Fernando Martins


Doutor em Linguística pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Univer-
sidade Estadual de Campinas. É professor de linguística na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.

Felipo Bellini Souza


Licenciado em Letras e mestrando em Estudos da Linguagem pela Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Norte. É tradutor e administrador
da empresa Traduza.biz

Karine Alves David


Licenciada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará. Mestre em
Linguística pela Universidade Federal do Ceará. Doutoranda em Estudos
da linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com
estágio na University of California Santa Barbara.

Marcus Mussi
Doutorando em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba. É pro-
fessor de inglês no Centro de Formação de Professores da Universidade
Federal de Campina Grande.

264
Maria Hozanete Alves de Lima
Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Alagoas. Realizou
estágio de pós-doutorado no Institut de textes et manuscrits modernes,
unidade de pesquisa ligada ao CNRS da França. É professora de estudos
clássicos na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Sílvio Luis da Silva


Doutor em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, área de Linguística Aplicada. É professor de linguística
e língua portuguesa na Universidade Federal da Paraíba.

265
A
A construção do argumento fornece uma ampla gama de
recursos para o ensino da escrita. As ideias dos principais
teóricos da Retórica clássica e contemporânea, de Aristóteles a
Burke, Toulmin e Perelman, e sua relevância para a instrução
são apresentadas sucintamente. Os autores classificam de forma
clara e expõem suas posições sobre a pedagogia das falácias
informais, da propaganda, e apresentam as razões para preferir
uma abordagem a outra entre as disponíveis para o ensino da
escrita. Os autores igualmente destacam o papel do argumento
em abordagens que não são diretamente vinculadas ao tema,
como as que destacam o movimento feminista, a retórica da
liberação, os estudos culturais críticos, o movimento escrita
através do currículo, as novas tecnologias e a retórica visual. As
referências bibliográficas dão a oportunidade de aprender mais
sobre essas abordagens.

ISBN 978-85-66530-81-0

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