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(P-514)

O MENSAGEIRO
ESPACIAL

Autor
H. G. EWERS

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Os calendários do planeta Terra registram os primeiros
dias do mês de novembro do ano 3.441. Faz cerca de um ano que
houve a catástrofe que atingiu quase todos os seres inteligentes
da Galáxia.
A fome e o caos continuam a reinar na maior parte dos
planetas e das bases planetárias, pedidos de socorro continuam a
chegar do espaço. E as poucas pessoas do Império Solar e de
outros povos estelares que não foram atingidas pelo processo de
deterioração mental continuam a fazer esforços sobre-humanos
para controlar o caos e abastecer seus pobres concidadãos com
aquilo de que precisam para sobreviver.
Mas Perry Rhodan e seus sessenta companheiros, entre os
quais estão Gucky, Atlan e muitos outros velhos conhecidos,
assumiram uma tarefa ainda mais difícil. Contando com o apoio
da nave-capitânia de Reginald Bell, a Intersolar, o
Administrador-Geral tenta pesquisar o misterioso Enxame, que
continua a avançar inexoravelmente pela Galáxia e cujos chefes
não menos misteriosos são os responsáveis pela modificação da
constante gravitacional e pelo retardamento mental de âmbito
galáctico por ela produzido.
Enquanto Perry Rhodan e sua nave, a Good Hope II, um
pequeno cruzador espacial com equipamentos especiais, se
encontra de novo perto do Enxame e prossegue na caça a novos
conhecimentos e informações, os três ditadores da Liga
Carsualense tramaram um plano infame, pelo qual a Terra e
Olimpo deverão ser lançados novamente no caos, de forma que o
trabalho de reconstrução já realizado seria inutilizado.
Um homem foi escolhido para frustrar esse plano — O
Mensageiro Espacial...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Tipa Riordan — A lady dos piratas que dá o alarme.
Anson Argyris — Imperador de Olimpo.
Shar ter Troyonas — Representante de Argyris.
Bossa Cova — O mensageiro espacial de Perry Rhodan.
Terser Frascati, Nos Vigeland e Runeme Shilter — Os três
ditadores que têm um plano.
Roi Danton e Galbraith Deighton — O filho de Perry
Rhodan e o marechal-solar que protegem a Terra contra
visitantes não convidados.
1

Os olhos de Bossa Cova brilhavam enquanto via a cultivadeira robotizada


transformando a estepe em terra de cultura. A máquina enorme estava suspensa sobre
almofadas antigravitacionais. Passava por cima do capim queimado, abria a terra com seu
arado, fazendo fumegar os torrões úmidos. As unidades seguintes, formadas por grade e
aiveca, trabalharam o solo, e a semeadeira lançava grãos de milho dourados. A última
unidade, um cilindro, firmava o solo.
O antigo armador de naves enxugou o suor da testa. O sol quente lançava seus raios
do céu de Olimpo. Uma trovoada se formava ao leste. Bossa fazia votos de que o
conjunto cobrisse os duzentos hectares antes que desabasse o temporal transformando o
solo fértil da estepe numa camada de lama viscosa.
Bossa tirou os óculos escuros e dirigiu-se a um pequeno planador que estava com a
porta aberta. Ligou os projetores antigravitacionais e seguiu para o leste. Depois de
alguns quilômetros avistou os campos que tinham sido preparados há quatro meses.
Débeis mentais e habitantes das cidades destacados para trabalhos agrícolas rudimentares
trabalhavam com enxadas em plantações de batatas e nabos. Conversavam alegremente
durante o trabalho; eram adultos mentalmente transformados em crianças.
Na agrovila de Nova Taho também se trabalhava bastante.
Pessoas pertencentes ao primeiro grau de deterioração mental que tinham sido
preparados em cursos intensivos para trabalhos artesanais trabalhavam com troncos de
árvores, montavam casas de madeira e cuidavam do gado nos estábulos provisórios.
Bossa parou à frente da casa de madeira em que funcionava a prefeitura. Seu rosto
cor de ébano crispou-se num sorriso quando viu o prefeito Rômulo aparecer na frente da
cabana. Rômulo era um robô. Não havia número suficiente de imunes para que os lugares
de prefeito das numerosas agrovilas recém-fundadas em Olimpo pudessem ser ocupados
por ele. Os débeis mentais, fosse qual fosse seu nível de retardamento, não serviam para
isso. Por isso fora introduzida uma programação especial em simples robôs de trabalho,
confiando-lhes a direção dos habitantes das aldeias.
Rômulo usava sobretudo cinzento, botas de plástico e chapéu de palha sintética. Um
robô pelado teria assustado as pessoas mais intensamente atingidas pela onda de
deterioração mental. Mesmo sem isso era difícil manter sob controle o culto de espíritos e
demônios que nascia em toda parte.
— Nossa máquina de cultivo funciona perfeitamente — informou Bossa. — Como
vai seu trabalho, Rômulo?
O robô parou perto do planador.
— Meu trabalho progride satisfatoriamente, Mr. Cova. Meus pupilos
constantemente adquirem novas capacidades, aprendem outras coisas. Mas precisamos de
mais gente para cuidar deles.
Bossa Cova acenou com a cabeça.
— Sim, eu sei: O imperador prometeu que ainda hoje enviaria quatro voluntários do
Homo superior a Nova Taho.
Havia cerca de trinta homens, mulheres e crianças reunidos em torno de Cova e do
prefeito. Acompanhavam a conversa, uns mais, outros menos curiosos. Seus rostos
traziam a marca do trabalho e das privações, mas todos riam, soltavam piadas e davam-se
empurrões, como costumam fazer as crianças.
Bossa subiu no assento do co-piloto do planador, olhou em volta e disse com a voz
cheia:
— Pediram-me que transmitisse saudações cordiais do cavaleiro cinzento, minha
gente. Pretende visitá-los ainda hoje e trará quatro sábios que os ajudarão a cultivar mais
campos e fabricar vestimentas.
Ouviu-se um murmúrio de aplauso. Algumas mulheres bateram palmas.
— Vou deixá-los — prosseguiu Bossa. — Mas voltarei hoje ao anoitecer. Deixem-
me passar, por favor.
Cova voltou a saltar para a frente do volante do planador. As pessoas saíram do
caminho quando deu partida lentamente no veículo. Era claro que se quisesse Bossa
poderia ter voado por cima das cabeças da multidão, mas se fizesse isto muita gente
entraria em pânico.
Depois de uma hora de viagem em alta velocidade Bossa Cova avistou a alguns
quilômetros de distância o castelo Kuapum, uma construção de mau gosto que servia de
residência a um mercador galáctico. O mercador estava morto; fora assassinado com a
família durante o ataque de um bando de saqueadores. Os invasores tentaram incendiar o
castelo, mas como este era feito de material não combustível, as chamas só tinham
destruído uma coleção de móveis de madeira antigos.
Há cerca de dois meses o castelo Kuapum era usado como centro de reabilitação do
oitavo distrito administrativo planetário. Ali se treinava constantemente os débeis mentais
de primeiro grau, isto é, os que aprendiam muito depressa, em trabalhos técnicos simples.
Cada curso durava três semanas; depois disso os alunos eram distribuídos entre diversas
agrovilas.
Dois robôs de trabalho reprogramados e equipados com armas paralisantes
vigiavam o portão. Esta precaução era necessária por causa dos bandos de saqueadores
que ainda viviam atravessando a região, ainda mais que eram dirigidos por grupos de
criminosos que tinham conservado parte da inteligência.
Bossa pôde passar sem problemas. Entrou no pátio interno e estacionou o planador.
No mesmo instante Olga, uma dama sáuria acorrentada no local, começou a soltar gritos
lancinantes. Bossa salvara o animal há alguns meses, juntamente com Patulli Lokoshan e
um bebê.
— Quieta, Olga! — gritou Bossa Cova em tom aborrecido.
Receava que o berreiro pudesse perturbar as aulas.
Mas Olga só se calou depois que Bossa se aproximou dela e deu alguns tabletes de
açúcar ao animal do tamanho de um elefante.
Quando se voltou para a entrada principal Patulli Lokoshan saiu. O kamashita era o
chefe do centro de reabilitação, onde já conseguira excelentes resultados.
Os dois apertaram-se as mãos.
Patulli piscou os olhos e disse:
— Fico satisfeito porque o grande mágico veio visitar-me mais uma vez. Como vai,
Bossa?
— Não fique me chamando de grande mágico — pediu Bossa. — A não ser que
queira que seus alunos pensem que eu faço magias.
— Não seja tão melindroso — respondeu o kamashita. — Entre! Tenho uma coisa
para o senhor.
Bossa acompanhou-o para dentro do castelo. Todas as salas eram perfeitamente
climatizadas e dispunham de iluminação elétrica, o que em Olimpo não era muito
comum. Mas o antigo dono mandara instalar um gerador independente no subsolo e este
não sofreu nenhuma avaria no meio de toda a confusão.
Enquanto se dirigiam aos aposentos de Lokoshan, os dois homens tão diferentes no
aspecto — Lokoshan era um anão de 1,38 m de altura enquanto Bossa Cova tinha um
porte de atleta — olhavam para dentro das salas de aula.
O antigo armador de naves viu salas em cujo interior débeis mentais faziam
trabalhos de marceneiro e funileiro, enquanto em outras salas trabalhavam candidatos a
sapateiro, cesteiro e eletricista. Além disso havia uma grande padaria.
— Até mantemos uma ferraria — informou Patulli em tom orgulhoso. — Acho que
daqui a um ano as coisas serão muito diferentes em Olimpo.
— Tomara que seja uma diferença positiva — disse Bossa.
Uma sombra fugaz cobriu o rosto de Lokoshan. Bossa Cova arrependeu-se da
observação que acabara de fazer. Aqueles que tinham uma visão mais ampla da situação
evitavam sempre que podiam falar do Enxame e dos perigos que ele continuava a
representar. Ninguém sabia o que o Enxame viera fazer na Galáxia, mas ninguém
duvidava que a deterioração mental não era a última coisa que traria para as civilizações.
— O senhor disse há pouco que tem uma coisa para mim — disse Bossa para
distrair o kamashita. — Que é?
Patulli Lokoshan suspirou.
— Venha comigo!
Patulli levou o visitante ao seu quarto e tirou uma garrafa da geladeira. Colocou
dois copos sobre a mesa de plástico e encheu-os com o líquido amarelo que havia na
garrafa.
— Saúde! — disse e pegou seu copo.
Bossa pegou o outro e cheirou o líquido, meio desconfiado. Mas seu rosto logo se
iluminou. O líquido cheirava a uísque. Bossa tomou um gole e segurou o líquido na boca
por algum tempo.
— Não é a melhor marca, mas é uísque — disse. — Onde arranjou isso?
Patulli estava radiante.
— Há quinze dias descobrimos um silo de ferragem numa fazenda de criação
incendiada. A forragem estava estragada; não podia ser consumida pelo homem nem
pelos animais. Mas descobri um meio de usá-la para fabricar uísque.
Bossa cuspiu o segundo gole.
— Forragem estragada? Quer que eu morra envenenado?
O kamashita ficou triste com o desperdício do álcool.
— Ora, Bossa! Eu envenenar alguém? Pode tomar o uísque sem receio; a matéria-
prima é processada de maneira a não deixar o menor vestígio de substâncias capazes de
prejudicar a saúde.
Bossa coçou a cabeça no meio dos cabelos negros espessos, atravessados por faixas
prateadas.
— Desculpe, Patulli, fiquei tão surpreso que... Volte a encher meu copo. É bem
verdade que depois disso terei de ir embora.
Acabaram sendo mais três copos, mas depois disso Bossa Cova olhou para o relógio
e não havia mais quem o aguentasse. Devia chegar pontualmente a Nova Taho, para
encontrar-se com o cavaleiro cinzento.
No corredor os dois homens encontraram-se com uma menina de cerca de dez anos,
que vestia traje de couro cinza-claro. Além disso usava meias botas e chapéu de feltro.
Correu para junto de Bossa e de repente ficou pendurada em seu pescoço.
— Tio Bossa!
Bossa Cova afastou-a um pouco e contemplou o rosto moreno.
— É a Io! Olá, minha pequenina! Como vai?
Salvara Io e seu irmão Sarkh de um bando de saqueadores. Só mais tarde verificara
que as duas crianças tinham ficado imunes.
— Muito bem, tio Bossa.
— Ela dá aulas de costura a um grupo de mulheres e ensina outro grupo a lidar com
colhedeiras simples — disse Patulli. — Além disso cuida dos meus serviços burocráticos.
Bossa beijou Io na face e colocou-a no chão.
— É uma boa menina. Onde está seu irmão?
— Sarkh trabalha com um grupo de superiores em Trade City, na recuperação das
usinas de energia. Caso se encontre com ele...
— ...dar-lhe-ei lembranças suas. Mas tenho de ir embora. Passem bem! Até breve.
Bossa despediu-se às pressas, entrou no planador e atravessou o portão junto ao
qual dois robôs continuavam a montar guarda.
O céu se encobrira ao leste e também ao oeste. O sol se escondera atrás de espessas
nuvens pretas. Logo haveria uma tempestade. Bossa acelerou. Não queria chegar atrasado
à Nova Taho.
Quando avistou bem ao longe os primeiros campos da agro-vila, o primeiro
relâmpago desceu das nuvens, seguido pelo ribombo do trovão. Gigantescos palmípedes
descreviam círculos sobre a estepe. Depois começou a chover e os sáurios voadores
dirigiram-se às rochas calcáreas entrecortadas, onde ficavam seus esconderijos.
Bossa Cova apertou um botão para fechar a capota do veículo e começou a cantar.
Sua voz abafou o estouro dos relâmpagos, o ribombar dos trovões e o ruído crepitante da
chuva — pelo menos dentro da cabine do planador.
Pouco antes de chegar a Nova Taho Bossa viu em meio à luz trêmula e forte das
descargas um grupo de cavaleiros, com um cavaleiro enfiado numa armadilha e montado
num corcel à sua frente.
O antigo armador de naves deu uma risada e gritou:
— Receba meus cumprimentos, cavaleiro cinzento! Estou chegando!
***
Anda há pouco o espaço cósmico, até onde podia ver um observador imaginário,
estava vazio; mas de repente o conjunto espácio-temporal da quarta dimensão rompeu-se.
Linhas vermelhas fulgurantes saltavam em ziguezague através da escuridão, fogos
arderam, e de repente um objeto esférico azul-brilhante ficou suspenso no centro de toda
a agitação, que acabou dali a uma fração de segundo como se nunca tivesse existido.
A esfera balançou e de repente uma incandescência ofuscante azul-branca surgiu no
lugar em que uma protuberância circular cercava sua linha equatorial. Era uma luz forte
como a de numerosos sóis atômicos e a pessoa que a contemplasse ficaria cega
imediatamente.
Mas ninguém viu o quadro, pois os únicos seres humanos que havia num raio de
muitos anos-luz encontravam-se no interior do objeto voador, uma espaçonave de
oitocentos metros de diâmetro pertencente à classe Stardust.
Um destes seres humanos estava sentado na poltrona anatômica do primeiro piloto.
Era um homem franzino de seus noventa anos, com a pele moreno-clara enrugada e uma
calva vermelho-azulada brilhante, além de um gigantesco bigode cor de fogo com as
pontas viradas para cima. O homem usava calças-bombacha azuis, botas vermelhas, blusa
típica branca e cartucheira larga negra com fivela azul-terconite.
O homem observava um sem-número de controles e telas de imagens. Seus dedos
corriam sobre muitas teclas e o rosto exibia uma expressão de contrariedade.
O homem estremeceu ligeiramente ao ouvir uma voz ranzinza vinda dos fundos da
sala de comando.
— Por que está sentado aí que nem um pagode, Kawa Dantroff? — perguntou a
voz. — Mexa-se um pouco. Queremos chegar ainda hoje a esse planeta com um nome tão
presunçoso.
Kawa Dantroff, primeiro-vizir dos piratas de Riordan, não mudou de posição. Mas
sua nuca ficou vermelha como fogo. Enquanto os dedos mexiam em outros controles,
respondeu em tom áspero:
— Faço o que posso, Tipa. Em vez de perturbar-me a senhora deveria cuidar de
nossa posição.
Alguns sons guturais vieram dos fundos da sala de comando e uma figura feminina
dobrada para a frente aproximou-se a passos minúsculos e parou ao lado de Kawa
Dantroff.
A mulher usava calça de couro negra apertada, sandálias amarradas até as
panturrilhas e blusa de couro negra folgada presa por um cinto largo com uma fivela de
três centímetros de espessura. Apoiava-se num bastão curvo.
Mas o que havia de mais extraordinário nessa mulher ficava na extremidade
superior da figura. O rosto era encovado; a pele morena enrugada com aspecto de couro
esticava-se por cima dos maxilares e um nariz de ave de rapina destacava-se em meio ao
rosto. Os cabelos prateados tinham sido penteados bem para cima e eram coroados por
aquilo que se poderia chamar de ninho dos cabelos, um nó gigantesco cheio de
microarmas.
Era Tipa Riordan, uma “dama” que já passara por tudo e se chamava, com muito
orgulho, de pirata. Quando tinha cento e cinquenta anos, conseguira apoderar-se de um
ativador de células; depois disso não envelhecera mais fisicamente.
Tipa esticou o braço magro e enfiou uma folha perfurada embaixo do nariz do vizir.
— Olhe, malandro! Enquanto você não tirava os olhos de meus preciosos
instrumentos eu determinei nossa posição. Forneça-a ao piloto automático e trate de
cuidar de nosso pessoal.
Kawa exibiu um sorriso debochado e deu uma cuspida de suco de tabaco que
passou junto ao nariz de Tipa.
— Obrigado.
Kawa pegou a folha perfurada e examinou-a. Sua memória funcionava tão bem
quanto um computador positrônico, embora não fosse tão rápida. Não precisou de um
analisador para reconhecer o significado dos diversos símbolos.
— Hum! Faltam setecentos e quarenta e três anos-luz para chegarmos a esse
esquisito raio dos deuses! Quero ser um mentalmente retardado se eu souber o que a
senhora...
Seu corpo entesou-se quando soou o alarme de detecção automático. Ligou a chave
para transferir o resultado do hiper-rastreamento do centro de detecção para a sala de
comando. Depois que todos os tripulantes da nave se tinham transformado em débeis
mentais as duas únicas pessoas que não foram atingidas tinham de desdobrar-se como
podiam.
— Santo Arsênico! — esbravejou Tipa Riordan depois de olhar para os indicadores
do rastreador de relevo. — Vinte naves de grande porte! Quem pode contar com tantos
imunes para tripular vinte naves grandes?
Tipa estreitou os olhos e controlou com muita atenção as chaves em que mexia seu
primeiro-vizir. Depois de alguns segundos seu rosto enrugado crispou-se num sorriso de
satisfação. A boca abriu-se, deixando à mostra as gengivas sem dentes.
— Muito bem, Kawa, muito bem!
Virou-se com uma rapidez e agilidade de que ninguém que não a conhecesse a
julgaria capaz, bateu com o bastão e acionou seu dispositivo hidráulico de salto.
Kawa Dantroff virou a cabeça. Ainda viu Tipa voando diretamente para a abertura
do poço central e desaparecer no tubo.
Acenou com a cabeça.
Tipa queria ir ao centro de artilharia; sobre isso não havia nenhuma dúvida. Ele e
ela formavam um par muito bem entrosado, que quando necessário podia entender-se
sem palavras.
Kawa verificou os instrumentos. A Dreadful acelerara e aproximava-se do grupo de
naves que acabava de sair do semi-espaço. Enquanto isso as câmeras eletrônicas
trabalhavam para fixar com a maior precisão as vinte naves e suas manobras.
Parecia que do outro lado já tinham notado a aproximação da Dreadful. As
fogueiras ofuscantes dos bocais de jato brilharam que nem os abismos do inferno; as
naves descreviam curvas desordenadas.
Dantroff sorriu aliviado.
As naves desconhecidas também estavam escassamente tripuladas e o pessoal não
parecia tão bem entrosado como o par que dirigia a Dreadful.
Dantroff regulou os rastreadores de relevo até que os valores apurados pelos
instrumentos apareceram ao lado das respectivas telas. Nervoso, mordeu um bom pedaço
de tabaco e triturou-o entre os dentes.
Não eram naves iguais às outras!
O tipo só era usado em um único império sideral, e ali mesmo somente pela
população de certo planeta.
Pela população do planeta Ertrus!
Eram naves de transporte de tropas construídas para receber divisões de
desembarque formadas por homens que em comparação com os terranos eram
verdadeiros gigantes. E as dimensões das naves tinham sido adaptadas ao tamanho destes
homens.
Mas quem em toda a Galáxia podia usar transportes de tropas numa época louca
como esta? Os débeis mentais não davam bons soldados espaciais porque não sabiam
lidar com trajes espaciais nem com aparelhagens técnicas complicadas.
Kawa Dantroff aumentou a potência dos propulsores de bombordo e logo voltou a
diminuí-la, para em seguida direcionar os bocais de jato da protuberância equatorial para
cima, fazendo com que depois de uma ligeira virada para estibordo a Dreadful fosse
impelida para baixo.
No mesmo instante viu-se um lampejo ofuscante do outro lado. Uma trilha de luz
pálida passou por cima da Dreadful. Kawa sorriu. O instinto o levara a fazer o que devia.
No mesmo instante a nave estremeceu com o disparo das baterias de proa. Tipa Riordan
respondera ao fogo. Mas tivera bastante inteligência para não atingir diretamente o
poderoso inimigo, o que o deixaria ainda mais irritado. Todas as trilhas energéticas
passaram entre as naves ertrusianas.
Os comandantes das outras naves compreenderam o gesto; limitaram-se a alguns
tiros de alerta. Nenhum dos dois lados ativou os campos defensivos, o que equivaleria
praticamente a uma declaração de guerra. E parecia que nem os ertrusianos estavam
interessados nisso.
Dantroff afastou-se definitivamente do grupo de naves ertrusianas. Não descobriria
nada além do que sabia, ao menos naquele momento e lugar. Acelerou a Dreadful até o
limite de entrada no semi-espaço. De um instante para outro o universo normal
desapareceu para ele e Tipa.
Enquanto a Dreadful atingia a velocidade da luz relativamente ao espaço normal e a
ultrapassava, Kawa ouviu a pirata voltar e desaparecer na sala dos computadores.
Tipa Riordan realizaria cálculos de probabilidade para descobrir o destino do grupo
de naves ertrusianas.
Kawa Dantroff não precisava de um computador positrônico para resolver o
enigma. Era ao menos o que acreditava. No setor espacial em que se encontrava só havia
um destino que podia valer a pena: Olimpo.
Tipa confirmou sua teoria ao voltar da sala dos computadores. Sentou perto dele,
olhou algum tempo em atitude pensativa para as mãos ossudas e disse:
— Os ertrusianos só podem estar viajando para Olimpo. Mas gostaria de saber o
que esperam encontrar lá.
— Tenho certeza de que não será uma visita de cortesia — respondeu Kawa.
Tipa encarou-o.
— Não. Logo, vamos alertar o pessoal de Olimpo. Deixe-me ocupar seu lugar,
Kawa. Enquanto isso você cuidará de nossa pobre gente.
Dantroff levantou. A alusão aos tripulantes que se tinham transformado em débeis
mentais deixou-o bastante deprimido. Sem dizer uma palavra foi ao poço do elevador
central e desceu para os depósitos de mantimentos, onde encheu uma plataforma
antigravitacional de alimentos e voltou a subir.
Quando chegou ao convés da tripulação, viu que a porta de um dos camarotes
estava aberta. Kawa Dantroff deixou a plataforma suspensa no ar e saiu correndo.
Enquanto o impulso da corrida o impelia para dentro do camarote, ele recebeu o alerta do
inconsciente.
Mas já era tarde. Uma perna foi colocada à sua frente, Kawa tropeçou e caiu em
cheio. Bateu com o nariz no chão. A dor quase o deixou inconsciente. Mas conseguiu
deitar de costas e pôr a mão na arma paralisante para rechaçar o ataque.
Deparou com o rosto sorridente do antigo encarregado dos armamentos, Ole
Sapomik. Ole estava parado junto à porta, esfregando as mãos. Parecia contente com o
golpe que acabara de aplicar.
Dantroff reprimiu a raiva. Esfregou o nariz que inchava rapidamente e ficou
satisfeito porque não estava sangrando. Estendeu a mão e disse:
— Ajude-me a levantar, Ole!
Ole Sapomik obedeceu. Levantou o primeiro-vizir e disse:
— Foi divertido, não foi?
— Você é um rapaz esperto — respondeu Kawa e tentou sorrir, mas logo desistiu
quando a dor no nariz aumentou. — Como conseguiu abrir a porta?
Ole Sapomik parecia orgulhoso. Apontou para um rastreador de impulsos que se
encontrava sobre a mesa, ao lado de um aparelho de testes positrônicos desmontado.
Antigamente Sapomik costumara montar aparelhos desse tipo. Era um hobby. Parecia
que a vontade de fazer experiências voltara à tona, fazendo voltar parte das suas
recordações. Se bem que Ole devia ter tido muita sorte, uma vez que não era fácil usar
um rastreador de impulsos para abrir uma fechadura.
Kawa Dantroff acariciou as faces de Ole.
— Excelente! Acho que você pode ajudar-me a distribuir a comida. Que acha?
— Distribuir a comida? Formidável! Ole pode.
Kawa respirou aliviado bem no íntimo, segurou Sapomik pelo braço e levou-o para
junto da plataforma cheia de alimentos.
— Siga-me com a plataforma e cuide para que ninguém saia do camarote enquanto
estiver distribuindo a comida.
Ole Sapomik acenou fortemente com a cabeça e exibiu um sorriso feliz.
Kawa fazia votos de finalmente ter encontrado alguém que o ajudasse. Era sempre
problemático para uma pessoa evitar que os débeis mentais fugissem dos camarotes
enquanto era distribuída a comida. Mas oportunamente tiraria às escondidas o rastreador
de impulsos de Ole, para evitar que continuasse fazendo das suas.
Kawa abriu a porta do camarote do antigo engenheiro de máquinas e disse:
— Estou trazendo alguma coisa para você comer, Nervo.
***
Shar ter Troyonas franziu a testa contrariado e fitou seu interlocutor.
— Mr. Koslow, não venha me dizer que acha que vou acreditar em seu argumento.
Júpiter Koslow, porta-voz eleito dos superiores do planeta Olimpo, sorriu de uma
forma indefinível.
— Só quis deixar claro com um exemplo que o senhor não é capaz de acompanhar
uma argumentação abstrata. É que...
Koslow calou-se quando a porta da sala de reuniões se abriu e uma dama obesa
entrou por ela. Tinha noventa e dois anos, usava traje verde com aspecto de uniforme e
tinha cabelos azul-prateados.
— Miss Bell...! — exclamou Shar ter Troyonas apavorado. — A senhora não pode
sem mais aquela...
— Duas vezes seria muito complicado, Mr. Troyonas — retrucou Miss Effa Bell
sorrindo. — Sinto muito, mas acaba de chegar uma hipermensagem da Dreadful. A nave
pede permissão de pouso na área do Containtrans.
Shar empalideceu.
— O quê? A bruxa veio visitar-nos? — Logo se controlou e sorriu para Koslow
como quem pede desculpas. — Sinto muito, Mr. Koslow, mas quando Tipa Riordan
chega tenho de ir pessoalmente ao seu encontro.
Shar lembrou-se de uma coisa e fitou Effa Bell com uma expressão indagadora.
— A pirata anunciou sua presença pessoalmente, Miss Bell?
— Ela em pessoa, Mr. Troyonas. Não dava a impressão de que sua inteligência
tivesse regredido.
— É claro que não — observou Júpiter Koslow com uma suave ironia. — Tipa
Riordan usa ativador de células. A senhora se esqueceu?
— De forma alguma — murmurou Shar. — Acontece que ultimamente andava
preocupado com coisas mais importantes que o ativador de células de Tipa. O que
faremos com o senhor? Aguarde-me na sala comunitária se quiser, Mr. Koslow.
— Irei com o senhor, caso não tenha nenhuma objeção — respondeu o superior. —
Não gostaria de deixar escapar a oportunidade de um encontro com uma pessoa brilhante
como Tipa.
— Eu sabia — disse Effa Bell. — Reservei um lugar para o senhor no planador de
Mr. Troyonas. Além disso enviei Mr. Fu com seu grupo de robôs trabalhadores ao
provável local de pouso da Dreadful. É possível que Miss Riordan precise de ajuda.
— A senhora se tornou indispensável, Miss Bell — disse Shar. — Deve ter herdado
a capacidade de organização de seu célebre antepassado.
Effa fez um gesto de pouco-caso e saiu andando à frente de Troyonas e Koslow.
— Bell não é meu antepassado, mas o irmão de um deles. De qualquer maneira é
um homem competente.
Enquanto se dirigiam ao elevador antigravitacional, Effa abriu a porta do centro de
controle, cumprimentou Lisaweta Nurjewa com um aceno de cabeça e disse:
— Tenha cuidado com a Dreadful, Lisa. Freie bem devagar com a estrutura de
pouso energética e coloque a nave no chão como faria com um ovo cru.
— Farei pousar a Dreadful como se fosse um balão de vidro finíssimo — prometeu
Lisaweta.
O rosto de Effa Bell abriu-se num sorriso largo e ela seguiu adiante. Alcançou Shar
e Júpiter antes do elevador antigravitacional e saltou para dentro do tubo energético.
Desceram no sexto pavimento intermediário e dirigiram-se à estrada larga descendo
por uma rampa subterrânea que levava a um círculo de distribuição de onde se podia
alcançar qualquer porto espacial do centro de transmissores. Parte da rede de estradas
fora destruída no início do processo de retardamento mental; fazia apenas quatro semanas
que os robôs tinham concluído os reparos.
Havia um planador à espera ao pé da rampa. Effa Bell saltou para o assento do
piloto, esperou que Troyonas e Koslow entrassem e acelerou. Fazia um voo rasante com
uma segurança de sonâmbulo e dali a meia hora fez subir o planador pela rampa em
espiral do único porto espacial intacto.
Quando saiu da última curva viu a sala de segurança do abrigo subterrâneo esférico
à sua frente. Freou ao lado do planador de carga que trouxera Fu Long Wa e os robôs
trabalhadores.
Long Wa acenou para ela.
— Venha cá, ave de fogo, doce anjo dourado! Daqui a pouco a nave dos sonhos
prateada vai descer e...
— ...e precisará de sua ajuda — interrompeu Effa.
Fu Long Wa sorriu lisonjeado. O antigo poeta e cantor ambulante conservara a
inteligência e fizera um bom trabalho como chefe de um grupo de robôs que realizava
serviços técnicos em situações de emergência. Mas não escapara completamente; passara
a adotar um comportamento infantil e não levava o mundo a sério.
Shar ter Troyonas cumprimentou o bardo de estatura baixa com um aceno de cabeça
e examinou as telas de imagem nas quais aparecia o porto espacial vazio. Há dois meses
ainda havia naves mais ou menos avariadas de várias civilizações galácticas estacionadas
ali, até que uma nave exploradora cheia de débeis mentais caiu e explodiu. A onda de
pressão varreu a pista e deixou uma cratera profunda. Os destroços já tinham sido
removidos e a cratera fora tapada.
— Atenção! — disse a voz de Lisaweta saída dos alto-falantes. — A Dreadful está
entrando na atmosfera. Parece que tudo está normal. Vou ativar a estrutura energética de
pouso.
Fu Long Wa enfiou uma bala na boca e sorriu satisfeito. O cavanhaque ralo dava-
lhe um aspecto de bode.
Um ponto azulado apareceu na tela que mostrava o espaço em cima do porto de
naves. O ar tremia embaixo dele; era aquecido a cem graus pela estrutura de pouso. O
ponto azulado desceu muito devagar e pôde ser identificado como uma esfera de aço. Se
não fosse a estrutura de pouso energética, a nave teria de usar os jatopropulsores,
produzindo ondas de choque que seriam sentidas até em Trade City.
Finalmente as colunas de sustentação saíram do casco esférico e a Dreadful pousou
que nem uma pluma. Fu Long Wa deu alguns comandos com sua voz melodiosa. Os
robôs voltaram para dentro do planador de carga enquanto a pesada escotilha blindada do
abrigo se abria. Long Wa ocupou o assento do piloto e dirigiu calmamente o veiculo
pesado para o campo de pouso.
Effa Bell, Troyonas e Koslow também entraram em seu planador que partiu em
seguida. Effa passou à frente do planador de carga, passou rente a uma das colunas de
sustentação da Dreadful e parou embaixo da eclusa inferior que estava aberta, junto ao
campo antigravitacional cintilante que descia da eclusa em forma de tubo.
Dali a pouco apareceu uma figura magra em traje de couro negro. Era Tipa Riordan,
a pirata. Tipa empurrou-se com o bastão e pousou com certa violência à frente do
planador dirigido por Effa. Shar ter Troyonas teve a impressão de que ouvira estalar os
ossos do pirata. Desceu seguido por Effa e Júpiter.
Kawa Dantroff apareceu atrás de Tipa. O primeiro-vizir usava luvas brancas e uma
espécie de barrete. Ficou ao lado de Tipa e vigiou atentamente o comando de recepção.
Shar ter Troyonas fez uma continência desajeitada. Essa forma de cumprimento
quase caíra no esquecimento.
— Bem-vindos em Olimpo! — disse em tom solene e meio embaraçado. — Meu
nome é Troyonas. Sou o chefe do Containtrans de Olimpo e representante do imperador.
— Shar apontou para Koslow, e em seguida para Effa Bell. — Mr. Koslow, primeiro
porta-voz dos superiores do planeta, e Miss Bell, minha chefe administrativa.
Tipa Riordan fitou Troyonas com uma expressão contrariada.
— Ah, é? Quer dizer que o senhor é o representante do imperador. Onde está ele?
Não estou acostumada a ser recebida por subalternos.
— Pois então trate de acostumar-se! — respondeu Effa Bell em tom enérgico. — O
imperador está andando a cavalo para inspecionar as agrovilas.
A pirata encarou Effa como se quisesse perfurá-la com os olhares. Mas de repente
sorriu.
— A senhora deve ser parente de Reginald, Miss Bell. — Tipa virou abruptamente
a cabeça. — Kawa, cumprimente a dama de forma condigna.
Kawa Dantroff deu um passo para a frente, olhou fixamente para Effa e bateu três
vezes com o punho cerrado no queixo.
Foram pancadas fortes, mas o primeiro-vizir continuou com o rosto impassível.
— Costuma fazer isso muitas vezes? — perguntou Effa fingindo-se de apavorada.
Shar pigarreou.
— Miss Riordan, permite que lhe ofereça a ajuda de nosso comando de robôs
dirigido por Mr. Fu? Suponho que a maior parte de seus tripulantes foi atingida pelo
processo de retardamento mental.
Tipa acenou com a cabeça. Parecia preocupada.
— Infelizmente. Mr. Troyonas. Terei muito prazer em aceitar a ajuda que me
oferece. Mr. Fu e seus robôs podem cuidar de minha tripulação e ajudá-los a recuperar
parte das faculdades perdidas. Além disso essa pobre gente precisa com urgência de um
banho. — Kawa, mostre a Mr. Fu o que deve ser feito.
A pirata esperou que seu primeiro-vizir desaparecesse na nave com Long Wa e seus
robôs. Depois dirigiu-se a Troyonas.
— Devo informar uma coisa que talvez seja importante para seu planeta. Durante a
última manobra de orientação avistamos vinte naves de transporte especiais da Liga
Carsualense que provavelmente se dirigem para cá.
— Naves de transporte especiais? — perguntou Shar. — Que quer dizer com isso?
— Trata-se de naves de transporte de grande tamanho, que costumavam ser usadas
para transportar as forças de desembarque espaciais ertrusianas. Não acredito que ainda
sejam usadas para isto. Pelo que se deduz das manobras das naves, elas eram dirigidas
por tripulações de emergência. Mas achei a descoberta tão importante que resolvi
apressar-me para chegar antes dos ertrusianos.
Shar ter Troyonas empalideceu.
— O que os ertrusianos vêm procurar em Olimpo? No momento nenhum povo está
em condições de envolver-se numa guerra. De qualquer maneira fico-lhe muito grato,
Miss Riordan. Dê-me licença por um instante.
Shar voltou ao planador e ligou o telecomunicador.
— Lisa... — disse em tom apressado. — Aqui fala Shar. Informe imediatamente ao
imperador de que vinte naves da Liga Carsualense aproximam-se de Olimpo. Recebemos
a informação de Miss Riordan. E para não corrermos nenhum risco mande dar o alarme
nas posições de defesa.
— Estava para entrar em contato com o senhor — respondeu Lisaweta Nurjewa. —
Há vinte minutos o hiper-rastreamento detectou um grupo de vinte espaçonaves que
saíram do semi-espaço a trinta minutos-luz de Olimpo. Já informei o imperador, que vem
para cá.
— Muito bem, Lisa — elogiou Shar. — Também vamos para aí.
Shar dirigiu-se à pirata.
— Miss Riordan, quer acompanhar-nos ao centro de defesa de Containtrans? Ou
prefere aguardar os acontecimentos em sua nave?
— Vou com os senhores — respondeu Tipa.
A pirata encostou aos lábios o brilhante pendurado numa corrente à frente do peito e
ordenou:
— Kawa, você ficará na nave. Os ertrusianos se aproximam. Não acredito que se
interessem pela Dreadful, mas se isso acontecer não resista. Só providencie para que não
possam decolar.
Tipa soltou o brilhante, dirigiu-se a Shar e disse:
— Muito bem, jovem. Leve-me ao seu centro de defesa. Quero ter certeza de que
ninguém apertará os botões de disparo sem que isso seja necessário.
A pirata saltou para dentro do planador e apoiou o queixo no cabo do bastão.
Effa Bell voltou a ocupar o assento do piloto. Esperou que Shar e Koslow entrassem
e deu partida de repente.
Tipa Riordan foi atirada contra o encosto do assento.
2

Quando entraram no centro de defesa de Containtrans, o cavaleiro cinzento já estava


lá. Tirara a carapuça com a imitação de chifres de búfalo e estava sentado na chamada
sala de estratégia, de onde podia ser controlada praticamente toda a rede de defesa do
planeta.
Tipa Riordan viu o cavaleiro enfiado na armadura cinza-chumbo e ficou estarrecida.
— Por todas as ações antídotas da Galáxia! — exclamou. — Quem é esse príncipe
do Carnaval?
O cavaleiro cinzento virou a cabeça e exibiu para a pirata o rosto duro, marcado
pelas intempéries.
— Ora veja! A amiga maternal de Rhodan em carne e osso — exclamou com a voz
de trovão profunda. Levantou e aproximou-se de Tipa de braços abertos e com a
armadura tilintando.
— Deixe que eu a aperte nos braços, Tipa encantadora!
Tipa Riordan foi recuando. Apontou a extremidade do bastão hidráulico para o peito
do cavaleiro.
— É o imperador! — gritou Shar, que sabia perfeitamente que havia uma arma
versátil instalada no bastão.
Tipa baixou a peça.
O cavaleiro cinzento ergueu-a delicadamente e sapecou um beijo ruidoso de cada
lado do rosto. A pirata revirou os olhos e enrubesceu.
Depois que o cavaleiro a largou no chão, ela disse fungando:
— Se não fosse o imperador, meu primeiro-vizir teria de desafiá-lo para um duelo.
Onde estaríamos se uma dama se deixasse beijar à vontade? Onde estão os ertrusianos?
— Estão num voo de longa distância para Olimpo — respondeu o cavaleiro
cinzento e voltou a sentar na poltrona estratégica, onde mexeu em alguns controles. —
Pelos cálculos que fizemos, as naves se dirigem ao provável local de pouso, que fica
entre o centro de transmissores e a cidade de Trade City. Preferi não ligar os fortes de
superfície na defesa, apesar de os ertrusianos não terem respondido às nossas mensagens.
— Quem vai atirar logo em seres humanos? — perguntou Tipa. — Talvez os
ertrusianos precisem de ajuda.
— Se fosse assim, teriam estabelecido contato pelo hipercomunicador e solicitado
permissão de pouso — afirmou Shar ter Troyonas. — Acho que o mínimo que devemos
fazer é bloquear o provável local de pouso.
— Já providenciei — respondeu o cavaleiro cinzento. — Mr. Cova está reunindo
dois mil robôs perto de Trade City. Mas recebeu ordens de manter distância. Em hipótese
alguma tomaremos a iniciativa do ataque.
— Quem dera que ao menos tivéssemos alguma ideia a respeito das intenções dos
ertrusianos — murmurou Effa Bell.
— Não demoraremos a saber — disse o cavaleiro. — As naves acabam de entrar na
atmosfera. — O cavaleiro apontou para uma das telas, que mostrava um trecho do limite
entre o espaço e a atmosfera do planeta.
As erupções dos propulsores se destacavam em meio da escuridão do espaço e uma
nave após a outra foi entrando na atmosfera. Os campos de choque se iluminaram.
O cavaleiro cinzento e as outras pessoas que se encontravam no centro de defesa
viram em silêncio os propulsores se apagarem e as vinte naves de transporte descerem
devagar, com o auxílio dos projetores antigravitacionais. Quando estavam a cerca de um
quilômetro da superfície, os propulsores foram ligados de novo para reduzir ainda mais a
velocidade. Com a força da gravidade quase completamente compensada as gigantescas
esferas metálicas desceram com a delicadeza de bolhas de sabão e pousaram na planície
que ficava entre a área do Containtrans e a cidade de Trade City.
O cavaleiro cinzento ligou as telas de imagem alimentadas com as sondas voadoras
que operavam nas proximidades da área de pouso. Durante os primeiros minutos só
foram recebidas imagens confusas e agitadas de paisagens, uma vez que o deslocamento
do ar causado pelas naves produzia ondas de choque parecidas com furacões. Mas depois
de algum tempo as imagens ficaram claras, mostrando alguns setores da área de pouso e
fotos ampliadas de algumas naves.
Quando viu as eclusas inferiores de várias naves se abrirem, o cavaleiro cinzento
ligou algumas sondas na ampliação setorial.
Shar ter Troyonas aspirou ruidosamente o ar quando viu colunas de homens saindo
das eclusas e marchando pelas rampas. Movimentavam-se como bonecos, afastando-se
das naves, pisoteavam arbustos e tomaram a direção norte, onde ficava Trade City.
— Consegue ver se estão armados, cavaleiro cinzento? — perguntou Shar.
Em vez de dar uma resposta, o imperador aumentou a ampliação de tal forma que
em cada tela só apareciam de cinco a dez pessoas.
Via-se perfeitamente que os seres em marcha eram ertrusianos. Alguns deles
usavam o uniforme da frota da Liga Carsualense, enquanto outros trajavam simplesmente
o conjunto usado a bordo ou estavam à paisana. Homens, mulheres e adolescentes de
ambos os sexos marchavam numa confusão colorida. Não carregavam armas, mas
durante a marcha recolhiam rochas pequenas, arrancavam árvores e removiam os galhos
e as folhas. Alguns rostos pareciam apáticos, outros nervosos; todos traziam a marca das
privações.
— O que vai fazer esse exército de débeis mentais mortos de fome? — murmurou
Effa Bell apavorada. — Coitados! Parece que foram recolhidos ao acaso.
O cavaleiro cinzento virou a cabeça.
— Os pobres coitados têm mais ou menos a força de um elefante terrano, Miss Bell,
e parecem decididos a arranjar alimentos de qualquer maneira.
— O ertrusiano precisa em média vinte vezes as calorias de um terrano — disse
Júpiter Koslow pensando em voz alta. — Pelo cálculo superficial que fiz, em cada uma
das naves de dois mil e quinhentos metros de diâmetro cabem cerca de cinquenta mil
ertrusianos. Em vinte naves seria um milhão, que correspondem a vinte milhões de
consumidores normais.
— Os últimos depósitos de mantimentos mais ou menos cheios ficam no caminho
para Trade City — disse o cavaleiro cinzento. — Temos de impedir que sejam saqueados
pelos ertrusianos.
— O senhor não pode fazer isso a não ser pela força das armas — afirmou o Homo
superior com um sorriso arrogante. — e não pode querer que um milhão de seres
humanos morram de fome, e o resultado seria este, se negasse aos ertrusianos o acesso
aos depósitos de mantimentos.
— Então temos de fazer o possível para obrigar os ertrusianos a voltar às suas naves
— opinou Troyonas em tom exaltado. — Não podemos permitir que saqueiem nossas
reservas.
— Receio que tenhamos de permitir muito mais que isso — contestou Koslow em
tom calmo. — Ou será que ainda não lhe ocorreu quais são as verdadeiras intenções da
Liga Carsualense?
— Quer jogar em cima de nossas costas a responsabilidade por um milhão de
ertrusianos famintos — disse o cavaleiro cinzento. — providenciarei para que as naves
não decolem enquanto todos os débeis mentais não estiverem a bordo.
O imperador dirigiu-se aos controles remotos dos fortes de superfície, mas
entreteve-se em meio ao movimento quando Tipa Riordan lhe dirigiu a palavra.
— O que pretende fazer? — perguntou a pirata.
— Darei ordem aos fortes da superfície para que nenhuma nave decole de Olimpo.
Depois informarei às tripulações das naves ertrusianas.
— Os fortes de superfície são completamente robotizados, não são?
— São, Miss Tipa.
— E dispõem de canhões conversores?
— Naturalmente.
—Nesse caso acho conveniente não fazer isso, imperador. Os ertrusianos tripulantes
das naves certamente não se deixarão intimidar. Confiam em nosso espírito humanitário.
Se o senhor der ordem para que os fortes de superfície impeçam a decolagem das naves,
haja o que houver, teremos uma catástrofe.
— Se um milhão de ertrusianos ficarem em Olimpo também haverá uma catástrofe
— objetou Shar ter Troyonas.
A pirata confirmou com um aceno de cabeça.
— Sem dúvida, Mr. Troyonas. Temos de pensar numa coisa melhor.
O cavaleiro cinzento tirou as mãos de perto dos controles remotos.
— Miss Tipa tem razão. Miss Bell, faça o favor de providenciar planadores
blindados para nós e para a tropa de Fu. Voaremos para o lugar em que estão pousadas as
naves para negociar com o chefe.
Effa Bell retirou-se.
O cavaleiro cinzento entrou em contato com Bossa Cova pelo telecomunicador.
Perguntou se os robôs estavam prontos para entrar em ação. Cova informou que estava
estabelecendo uma linha de bloqueio cinco quilômetros ao sul de Trade City. O cavaleiro
cinzento recomendou que fossem montados canhões narcotizantes móveis.
Depois dirigiu-se com as outras pessoas aos planadores que tinham sido
providenciados por Effa Bell. Fu Long Wa e seus robôs encontraram-se com o grupo no
caminho.
Quando chegaram ao lugar em que estavam pousadas as naves, as últimas colunas
de ertrusianos estavam saindo. O capim e os arbustos tinham sido esmagados pelos pés e
o chão úmido fora resolvido pelas botas dos ertrusianos.
Effa Bell fez subir seu planador e seguiu em direção a uma das eclusas inferiores da
nave mais próxima. Queria espremer-se com o veículo entre os ertrusianos que saíam
para entrar na nave.
Mas os gigantes adaptados a um novo ambiente frustraram seu plano. Bateram com
os punhos na face externa do planador, produzindo depressões do casco, empurraram o
veículo e só não o tombaram porque Effa se desviou em tempo. Outros ertrusianos
atiraram blocos de pedra, despedaçando o vidro blindado da cobertura.
Fu Long Wa fez sair seus robôs para dar um pouco de volta a Effa Bell. Mas era que
nem uns poucos búfalos querendo deter uma gigantesca manada de elefantes. Os robôs
foram derrubados, pisoteados e despedaçados. Num gesto de triunfo alguns ertrusianos
agitaram braços e pernas de aços sobre a cabeça.
Long Wa teve vontade de chorar. Enfurecido, precipitou-se sobre os ertrusianos.
Também teria sido pisoteado, se no último instante o cavaleiro cinzento e Shar não
tivessem usado os raios paralisantes. Effa Bell fez o planador descer para onde estava
Long Wa e o imperador puxou-o para dentro da nave.
De repente soaram as sirenes.
Júpiter Koslow escutou-as alguns segundos. Depois apontou para as naves.
— Olhem! Estão fechando as eclusas. As sirenes estão seguindo um ritmo; querem
sinalizar alguma coisa.
— Provavelmente as naves vão decolar — disse Shar ter Troyonas amargurado.
O cavaleiro cinzento deu ordem para que Effa Bell levasse o planador para fora da
área de perigo. Uma espaçonave moderna podia pousar de forma relativamente suave
usando os projetores antigravitacionais, mas na decolagem eram obrigadas a usar os
jatopropulsores para superar a inércia da massa.
Os ertrusianos que tinham saído pela eclusa pareciam ter compreendido o que
significava o ruído das sirenes. Provavelmente lhes tinham incutido alguns reflexos
condicionados. De qualquer maneira saíram correndo a toda, abandonando o local do
pouso com a velocidade de um rebanho de cavalos selvagens.
Mais ou menos quinze minutos depois disso feixes de impulsos branco-azulados
começaram a sair dos jatopropulsores. O mundo parecia submergir numa luz ofuscante e
num estrondo que caía sobre os nervos antes que as vinte espaçonaves subissem e se
precipitassem em direção ao firmamento.
O planador balançava que nem uma folha seca tangida pela tempestade de outono
ao ser atingido pelas ondas de choque. Uma parede de poeira e plantas queimadas
encobria a vista para o lado em que tinham pousado as naves. Quando desceu, os
ocupantes do planador depararam com um verdadeiro exército de ertrusianos famintos
que seguiam para o norte.
***
Bossa Cova comandava a ação de suas divisões de robôs de dentro de um jato
espacial.
Pretendera obrigar os ertrusianos a seguir em outra direção, fazendo-os voltar ao
lugar em que estavam pousadas suas naves. Mas quando viu as vinte espaçonaves
decolarem mudou de ideia.
Viu nos monitores das sondas voadoras que os ertrusianos vinham sendo mal
alimentadas há semanas. Muitos deles precipitaram-se sobre qualquer coisa comestível
em que conseguissem pôr as mãos, quer se tratasse de raízes de plantas selvagens,
pequenos sáurios ou insetos. Quando os primeiros grupos alcançaram o rio Kuluma
caíram na água, beberam gulosamente e usaram as mãos ou paus para pescar tudo quanto
era animal. As massas que vinham atrás empurraram os primeiros grupos através do rio
até alcançarem a margem oposta. Uma manada de cervos gigantes foi perseguida até a
exaustão, cercada e devorada dentro de alguns minutos.
Bossa deu ordem para que seus robôs obrigassem os ertrusianos a seguir em direção
ao depósito N 74, onde estavam guardadas cerca de duas mil toneladas de alimentos de
grande valor nutritivo. O armador de naves esperava que essa quantidade fosse suficiente
para saciar pelo menos por algum tempo a fome de um milhão de criaturas famintas.
Mas não contara com a fúria cega dos débeis mentais. Milhares de ertrusianos
tomaram o depósito de assalto, precipitaram-se sobre os alimentos e devoraram
quantidades incríveis. Alguns indivíduos adaptados a um novo ambiente de QI
relativamente elevado tentaram organizar uma distribuição justa, mas foi inútil. Os
ertrusianos que tinham entrado no depósito voltaram-se contra as massas que vinham
atrás e defenderam a presa até que sucumbiram ao assalto. Mas as reservas já tinham sido
bastante desfalcadas e inúmeros seres decepcionados quebraram as instalações antes de
prosseguir na marcha para o norte.
Quando descobriu um grupo de saqueadores nas ruínas de um antigo alojamento
militar, Bossa Cova ativou o campo energético de seu jato espacial, levou-o para baixo e
“estacionou” dez metros acima do chão. Depois voou num traje de combate para onde
estavam os saqueadores, que se acotovelavam junto à muralha chamuscada de uma das
ruínas.
Logo reconheceu o chefe pelas vestes. Ele usava uniforme de bordo limpo e
carregava uma arma energética. Devia ser um imune.
Bossa desceu à frente do saqueador e disse:
— Cerca de um milhão de ertrusianos marcham para Trade City. O alojamento
militar em que nos encontramos fica no seu caminho. Acho bom saírem daqui quanto
antes.
O chefe sorriu e bateu de leve na coronha da arma energética. Teve bastante
inteligência para deixá-la no coldre.
— Mesmo um ertrusiano não escapa aos tiros que saem daqui — disse.
Bossa Cova sacudiu a cabeça.
— Deveria prendê-lo porque é responsável pelos crimes que comete, mas aí seu
grupo ficaria sem chefe. Leve seu pessoal para Trade City e apresente-se em um dos
acampamentos, que providenciarei para que tenha uma pena benigna.
O homem riu debochado.
— Ninguém me condenará. Logo, não preciso de sua interferência. Não é o armador
de naves Cova?
Bossa contemplou o homem, mas não se recordava de já o ter visto.
— Sou eu. De onde me conhece?
— Era um gangster e planejei um assalto a uma de suas naves que devia levar uma
carga de hovalgônio para Olimpo. Infelizmente a onda de deterioração mental estragou
meus planos.
— O senhor está enganado — disse Bossa em tom sério. — O senhor não era um
gangster; ainda é.
Rápido como um relâmpago, sacou a arma paralisante e apontou-a contra o homem.
— Tire o cinto e atire-o para mim. Não permitirei que mate ertrusianos inocentes.
O homem hesitou, mas compreendeu que Bossa Cova estava falando sério. Tirou o
cinto e atirou-o para o armador, que o pegou no ar.
— E agora — disse Bossa — leve seu grupo o mais depressa possível para Trade
City. É responsável por seu pessoal. Se forem pisoteados pelos ertrusianos, o senhor será
chamado à responsabilidade.
Bossa ligou o equipamento de voo e voltou ao jato espacial. Ao decolar viu o grupo
de saqueadores retirar-se devagar para o norte. Respirou aliviado. Mas logo viu os
ertrusianos se aproximando a alguns quilômetros de distância e lembrou-se de que faltava
muito para que seus problemas fossem resolvidos.
O que o deixava mais deprimido era que não havia uma solução satisfatória para o
problema dos ertrusianos. Se quisesse evitar que as nove aldeias comunitárias fossem
invadidas e saqueadas, teria que deter os ertrusianos; mas se fizesse isto ele os exporia ao
risco de morrerem de fome.
Bossa respirou aliviado ao ver um planador solitário em cima dos ertrusianos em
marcha. Não perdeu tempo. Prendeu o veículo com um raio de tração e puxou-o para a
eclusa de carga do jato espacial.
Dali a pouco o cavaleiro cinzento saiu do poço do elevador antigravitacional e
sentou-se ao lado de Bossa. Apontou para trás e apresentou Tipa Riordan.
A pirata deu uma risadinha.
— Já conheço Bossa Cova. É o cara maluco que sobreviveu a uma expedição ao
planeta dos fantasmas chamado Vurla.
Bossa riu.
— E a senhora é a gatuna que me salvou em Vurla com seu barco espacial e me
tirou a maior parte do tesouro de irgansul que trazia comigo.
— Foi uma indenização pelos riscos a que me expus! — protestou Tipa. — Até hoje
fico com os pés frios só de me lembrar dessa aventura.
— Por favor! — disse o cavaleiro cinzento. — Por favor, aguardem outra
oportunidade para deleitar-se com as recordações. Mr. Cova, a partir deste momento
volto a assumir o comando de minhas divisões de robôs. Para o senhor tenho outro
trabalho.
— Sou todo ouvidos, majestade — respondeu Bossa em tom irônico.
— Pegue este jato espacial e siga as vinte naves ertrusianas. Preciso saber qual é seu
próximo objetivo. É claro que não lhe posso dar ordens, mas...
— ...mas eu me submeti espontaneamente ao seu comando — interrompeu Bossa
Cova. — Aceito a missão, mas preciso de alguém que saiba lidar com os rastreadores.
— Vou com o senhor — disse Tipa Riordan. — Também estou interessada em
conhecer as intenções dos ertrusianos, depois que largaram sem mais aquela um milhão
de débeis mentais em Olimpo.
— Está certo — concordou o cavaleiro cinzento, levantou e saiu andando em
direção ao elevador antigravitacional.
— Um momento! — pediu Koslow. — Será que ainda não lhes ocorreu que a Liga
Carsualense poderia repetir a operação que realizou aqui em outros planetas, na Terra por
exemplo?
— Isso já me ocorreu — respondeu o cavaleiro cinzento em tom seco. — De
qualquer maneira fico-lhe muito grato pela colaboração. Miss Bell, poderia fazer o favor
de viajar à Terra com Mr. Fu para avisar o Marechal-Solar Deighton?
— Naturalmente — disse Effa. — Sugiro que usemos a via de containers.
— Está bem — disse o cavaleiro cinzento. — Mr. Cova os levará ao centro de
transmissores. Mas antes disso quero que nosso centro de hiper-rádio tente entrar em
contato com a Terra pela ponte de retransmissoras.
O cavaleiro cinzento conversou ligeiramente pelo telecomunicador com Lisaweta
Nurjewa. Depois disso entrou no planador juntamente com Júpiter Koslow e os dois
saíram voando em direção a Trade City.
Depois de levar Effa Bell e Fu Long Wa ao transmissor de containers, Bossa Cova
levou o jato ao espaço, acelerou e ativou os conversores Waring.
O campo estrutural produzido pelo Waring envolveu o jato espacial conduzindo-o
ao chamado semi-espaço, onde só era possível a velocidade linear ultraluz.
Tipa Riordan estava toda encolhida na poltrona anatômica à frente dos controles dos
rastreadores. Ligou o sensor do semi-espaço e deu uma busca na zona estranha do
conjunto espácio-temporal intermediário. Se as vinte naves ertrusianas ainda estivessem
no semi-espaço, deveria ser possível encontrá-las. Mas os ertrusianos não podiam
detectar o jato espacial, porque não dispunham do sensor do semi-espaço.
Dali a dez minutos a pirata localizou o grupo de naves. Deslocava-se a uma
velocidade equivalente a nove mil vezes a da luz em direção ao limite norte da Galáxia.
Bossa Cova fez o jato espacial aproximar-se do grupo de naves ertrusianas e seguiu-
o mantendo a mesma velocidade.
— Não vão muito longe — disse Tipa. — Senão iriam mais depressa.
— Adivinhou — respondeu Bossa sorrindo quando os ecos de rastreamento
refletidos pelas naves ertrusianas despareceram da tela.
Cova prosseguiu mais alguns segundos à mesma velocidade antes de desligar o
conversor Waring. O jato espacial voltou ao espaço normal. Dessa forma as naves
ertrusianas estavam entre o jato de Bossa e o planeta Olimpo.
Tipa Riordan concentrava sua atenção nos controles dos hiper-rastreadores. Depois
de alguns minutos disse:
— Os ertrusianos encontram-se perto de um sistema solar com quatro planetas.
Estão a cerca de quarenta horas-luz daqui. Sugiro que cheguemos mais perto, Mr. Cova.
Bossa Cova acenou com a cabeça e mexeu em alguns comandos.
— Faça o favor de verificar que sistema solar é este, Miss. Riordan.
— Estou providenciando — murmurou a pirata.
Bossa acelerou o jato espacial durante cinco minutos em direção ao grupo de naves
ertrusianas. Finalmente desligou os jatopropulsores e deixou que a nave ficasse à deriva.
— É o sistema de Aslan — disse Tipa depois de algum tempo. — Trata-se de uma
miniestrela branca. Tem quatro planetas. O primeiro deles se chama Turtle's Paradise e
foi descoberto em 3.222 pelo Capitão Hochatzka. Trata-se de um mundo aquático quente
e úmido, onde existem cerca de seis bilhões e meio de ilhas e ilhotas. Só tem sido
visitado de vez em quando por expedições de pesquisa. Não há vida inteligente. Gostaria
de saber o que os ertrusianos pretendem fazer lá.
Bossa Cova enxugou o suor da testa com um pano, pôs a mão embaixo do assento
anatômico e tirou uma garrafa de conhaque terrano cheia pela metade. Tomou um grande
gole e ofereceu-a à pirata.
Os olhos de Tipa Riordan brilharam. A pirata arrancou a garrafa da mão de Cova e
bebeu de olhos fechados.
— Isto faz um bem! — disse e suspirou. — Na Dreadful o álcool começou a ficar
escasso há vinte dias. — A pirata tomou mais um gole e devolveu a garrafa.
Bossa voltou a guardá-la embaixo do assento, acendeu um charuto e esperou que os
ertrusianos fizessem alguma coisa. Mas as vinte naves seguiam em velocidade reduzida,
pouco acima do plano da órbita do planeta. Não deram nenhum sinal de quais eram seus
planos.
Tipa Riordan ligou o receptor do hipercomunicador na potência máxima. No
mesmo instante puderam ser ouvidos pelo menos cem pedidos de socorro sobrepostos
vindos de várias naves, estações ou planetas.
Bossa Cova cerrou os lábios. Os pedidos de socorro sempre o deixavam abalado.
Era bem verdade que há alguns meses ainda eram mais. A maior parte dos transmissores
se calara. Os que continuavam funcionando eram quase todos aparelhos automáticos que
repetiam os pedidos de socorro e as consultas armazenadas. Bossa esforçou-se para não
pensar nisso, para não imaginar as tragédias que se desenrolavam na Galáxia dia após dia,
semana após semana, mês após mês. Mas não conseguiu reprimir a lembrança disso.
Modificando a constante gravitacional da quinta dimensão na Galáxia, o Enxame
destroçara civilizações aos bilhões e espalhara um sofrimento incrível entre inúmeros
seres.
De repente uma nova voz se fez ouvir em meio à confusão de pedidos de socorro,
uma voz muito forte.
A pirata eliminou as outras transmissões e a nova voz pôde ser entendida.
— ...apelamos ao proverbial espírito humanitário dos terranos e esperamos que o
imperador de Olimpo, Perry Rhodan e os outros dirigentes do antigo Império Solar
tomem consciência da responsabilidade que lhes cabe pelos cidadãos da Liga Carsualense
desembarcados em Olimpo.
Era uma voz cínica e arrogante. A tela mostrou mais um homem ao lado do locutor;
eram ambos ertrusianos. Bossa Cova reconheceu o locutor. Era Nos Vigeland. O outro
homem era Terser Frascati. Os dois faziam parte do triunvirato da Liga Carsualense e
usavam ativadores de células como o terceiro membro, e por isso tinham ficado imunes
ao efeito de retardamento mental produzido pela modificação da constante gravitacional.
— O triunvirato da Liga Carsualense — prosseguiu Nos Vigeland no mesmo tom
— viu-se obrigado, em virtude da catastrófica falta de alimentos em todos os planetas da
Liga, principalmente em Ertrus, a transferir parte da população da Ertrus para outros
mundos onde os problemas de alimentação não são tão graves.
— Um dos mundos privilegiados pelo destino é o planeta Olimpo. Sabemos que
nele estão guardados verdadeiros tesouros e reservas de todas as partes da Galáxia. O
triunvirato espera que o milhão de ertrusianos famintos colocados no planeta seja
adequadamente alimentado, conforme exigem o espírito humanitário e o sentimento de
solidariedade para com as necessidades.
A voz calou-se e a imagem transmitida pelo hipercomunicador desapareceu.
Bossa Cova e Tipa Riordan olharam-se.
— Pelos bruxos da Galáxia! — exclamou a pirata.
— Os três ditadores estão cometendo uma tremenda infâmia. Mas provavelmente a
situação em Ertrus é mesmo catastrófica. Basta lembrar a quantidade de alimentos de que
precisa um ertrusiano.
A pirata soltou uma risada de deboche.
— É tudo mentira! Em minha profissão depende-se de tudo quanto é informação.
Por isso sei por exemplo que no planeta Ertrus existem reservas de mantimentos que dão
para três anos.
Bossa engoliu em seco.
— Para três anos! Quer dizer que só desembarcaram um milhão de ertrusianos para
fazer com que o sistema de abastecimento criado com tanto trabalho entre em colapso.
Seus olhos chisparam.
— Eu juro, Miss Riordan, de que farei tudo para estragar o plano traiçoeiro do
triunvirato.
Naquele momento nem desconfiava de que dentro de pouco tempo esse juramento o
deixaria em uma das piores situações que já enfrentara em toda sua vida cheia de
aventuras.
***
A única coisa que Effa Bell e Fu Long Wa sentiram do transporte pelo transmissor
foi a dor característica da rematerialização.
Estavam sentados num compartimento especial provisório do container; a maior
parte do gigantesco recipiente de carga estava cheia de proteínas comprimidas, um
composto protéico altamente concentrado que em Olimpo era extraído do petróleo.
Depois da rematerialização o compartimento especial foi aberto do lado de fora.
Effa e Long Wa olharam para um grande pavilhão cheio de luz, barulho e odores.
O homem de uniforme que abrira o compartimento não tinha mais de quinze anos.
Demonstrava o entusiasmo característico dessa idade, que na verdade só costumava ser
despertado quando lhe era confiada uma grande responsabilidade.
— Mr. Fu e Miss Bell — disse em voz mais alta do que seria necessário. — Sua
chegada foi anunciada. Por favor, sigam-me. Depressa, por favor, senão teremos um
congestionamento no tráfego de containers.
Saiu às pressas à frente deles, enquanto o container no qual tinham vindo os
mensageiros era levado por um campo transportador a um arco vermelho brilhante. Effa
Bell murmurou alguma coisa que soava como falta de respeito da juventude de hoje e
acrescentou que quando era jovem as coisas tinham sido bem melhores.
O rapaz parou à frente de um nicho fechado por grades. Apertou um botão e a grade
deslizou para um lado. Atrás dela havia um cubículo com quatro chapas de metal branco-
acinzentadas.
— Cada um deve ficar de pé em cima de uma placa, segurando-se na barra que fica
atrás dela! — comandou o jovem.
Effa Bell fitou-o indignada.
— Quer que eu entre nesta jaula? Que vem a ser isso?
O jovem enxugou o suor que entrava em seus olhos. Respirou profundamente e
explicou:
— Trata-se de um velho transmissor de matéria arcônida tirado do museu técnico de
Terrânia. Fomos obrigados a usá-lo porque os transmissores de arco usados aqui no
transporte de passageiros, que eram dirigidos por um conjunto positrônico, falharam
quando...
— Está bem! — disse Effa Bell e empurrou o companheiro para dentro da jaula. —
Já compreendi. Para onde seremos levados pelo monstro?
— Para Império Alfa, Miss. Poderia fazer o favor de soltar o ar para que possa
fechar o transmissor?
Effa ficou vermelha, mas obedeceu sem fazer nenhum comentário. O jovem fechou
o transmissor e apertou uma tecla de comando.
Quando Fu Long Wa soltou um grito de dor, ele e Miss Bell já se encontravam no
outro terminal do transmissor. Um homem grisalho à paisana abriu a grade e pediu que
saíssem.
Effa Bell empurrou o bardo que choramingava. Também sentiu a dor da
rematerialização. Era mais forte que no transporte pelo container. Isto a levou a concluir
que os velhos transmissores arcônidas eram aparelhos bastante rudimentares.
O paisano levou-os a um centro de comando gigantesco, onde foram recebidos por
um coronel da Frota Solar.
— Já sabemos qual é o motivo de sua presença — disse o coronel enquanto os
conduzia através do centro de comando. — Há dez minutos chegou a mensagem de
hipercomunicador através da cadeia de retransmissoras.
Effa Bell acenou com a cabeça. Examinou as instalações da sala de comando, as
inúmeras telas de imagem, controles e painéis. Dois homens e uma mulher corriam de um
painel para outro, mexiam em controles, faziam a leitura dos instrumentos e falavam sem
parar nos microfones instalados em seus capacetes.
Effa e seu companheiro entraram numa sala que ficava ao lado do centro de
comando. Parecia que finalmente tinham chegado ao destino. Nessa sala também havia
controles e painéis, mas os aparelhos de comunicação predominavam.
Havia quatro homens sentados à frente dos aparelhos de hipercomunicação.
Falavam com alguns postos de comando. Effa Bell reconheceu um deles. Era o filho de
Rhodan chamado Mike, que costumava usar o nome Roi Danton.
Roi virou a cabeça por um instante, sorriu para os dois mensageiros e prosseguiu na
troca de mensagens. Na tela de um dos hipercomunicadores aparecia a imagem de um
homem de meia idade no uniforme de técnico de primeiro grau.
— Temos de arriscar, Mr. Kashgar — disse Roi Danton. — Oitenta por cento do
potencial energético original devem ser suficientes para criar um campo paratron e
mantê-lo estável.
— São suficientes, sim — respondeu o interlocutor de Roi. — Mas quando o campo
paratron fica sujeito a um excesso de carga, como por exemplo em virtude de um
bombardeio concentrado por um grande contingente de naves ou porque é abalroado por
algumas naves grandes ao mesmo tempo, haverá redemoinhos energéticos em sua face
interna que podem varrer continentes inteiros.
— Eu sei — disse Roi e enxugou o suor do rosto. — Mas garanto que não haverá
abalroamentos nem bombardeios concentrados.
Kashgar acenou com a cabeça. Estava muito sério.
— Isso me satisfaz, Mr. Danton. Já mandei aumentar a potência das usinas
geradoras. Dentro de um minuto teremos o campo paratron.
— Obrigado, Mr. Kashgar — respondeu Roi e desligou.
Em seguida dirigiu-se ao homem que estava a seu lado e perguntou:
— Os fortes estão preparados para o combate, Galbraith?
O homem a seu lado acenou com a cabeça.
— Tudo em ordem, Roi. As antenas goniométricas e os projetores das posições de
canhões de conversão foram ajustados nos pontos previstos para encher as falhas
estruturais. Mas faço votos de que não seja necessário usar as armas.
— Não as usaremos para matar, mas somente para intimidar — afirmou Roi Danton
em tom sério. — Quero ver o comandante de uma nave que voa para dentro do fogo de
barragem dos canhões conversores.
Danton levantou e aproximou-se dos mensageiros.
— Desculpem porque só agora lhes posso dar atenção — disse sorrindo e apertou a
mão de Effa. — Informaram que a senhora é Miss Bell. É parente de nosso marechal de
Estado?
— Tenho um parentesco afastado — respondeu Effa. — Além disso exercia uma
profissão muito mais profana que ele.
— Ah, é? Qual era sua profissão?
— Eu era a diretora-geral da rede de hotéis Terra Mágica.
— Que nome bonito! Este deve ser Mr. Fu.
Fu Long Wa deu uma risadinha quando Roi lhe apertou a mão.
— Antigamente era Fu Long Wa o grande — disse. — Minhas canções entraram
nas profundezas do coração dos homens, fazendo-os chorar ou rir, conforme eu quisesse.
Roi Danton colocou a mão sobre seu ombro.
— Conheço muitas canções suas, Mr. Fu. Espero que ainda nos presenteie com
muitas, depois que os tempos ficarem mais calmos.
— Quebraram meu órgão eletrônico.
De repente o bardo soluçou e apoiou-se no ombro de Roi.
— Calma, calma — murmurou Roi e fitou Effa como quem pede ajuda. — Miss
Bell...
Effa Bell puxou Fu Long Wa para o lado e tentou consolá-lo. O bardo logo se
acalmou e depois de algum tempo até chegou a rir.
Enquanto isso Roi voltou a dedicar sua atenção aos aparelhos de comunicação.
Falou com o chefe do centro de rastreamento de Império Alfa. Foi informado de que por
enquanto nenhuma nave estranha aparecera perto do Sistema Solar.
Depois de concluir a conversa, perguntou a Effa Bell se ela sabia o que seria feito
em Olimpo contra os ertrusianos desembarcados no planeta.
— Pouca coisa — respondeu Effa. — Essa pobre gente não é culpada de ter sido
levada para Olimpo por um governo criminoso. Naturalmente tentamos evitar que
cheguem a Trade City ou às agrovilas, mas de outro lado temos de providenciar
alimentos para eles. A propósito. Que vem a ser o tal do Império Alfa, no qual nos
encontramos? Apenas um centro de comando?
— Mais alguma coisa — respondeu Roi. — É praticamente o quartel-general da
Frota, uma sede alternativa do governo e um centro de refúgio em caso de catástrofe,
instalado em extensos abrigos subterrâneos embaixo do antigo deserto de Gobi. Somos
independentes sob todos os pontos de vista. Nossas usinas atômicas enriquecem o
combustível por meio de um rio subterrâneo, mas se necessário podem usar conversores
que permitem o emprego de qualquer material. Além disso existem instalações de
fotossíntese artificial e de produção de proteína sintética.
Roi interrompeu-se ao ouvir o toque forte de uma campainha. Uma das telas
começou a tremer. Danton voltou às pressas para junto de seu aparelho de comunicação.
Era o centro de rastreamento chamando.
Vinte naves de transporte de grandes dimensões à Liga Carsualense tinham voltado
ao espaço normal a quinze milhões de quilômetros de distância.
Roi Danton dirigiu-se ao marechal-solar.
— O campo paratron foi ativado, Galbraith. Estou curioso para ver a reação dos
ertrusianos quando perceberem.
3

Runeme Shilter assustou-se quando o centro de rastreamento informou que a Terra


se envolvera num campo paratron compacto.
— Malditos terranos! — disse ao comandante de sua nave-guia. — gostaria de
saber como fizeram isso. Pelas informações mais recentes, na Terra reina o caos.
— Parece que as informações não são verdadeiras — respondeu o comandante
Enhater Loosum, que parecia preocupado. — E agora, senhor? Sugiro que voltemos para
Ertrus. Nossos passageiros estão furiosos, porque há uma semana vêm sendo alimentados
com rações de fome.
— Nem pensar — disse Shilter em tom decidido. — Voaremos para cima do campo
paratron, Loosum. Os terranos não permitirão que sejamos destruídos.
Shilter ligou o telecomunicador e deu instruções aos comandantes das outras naves
para que prosseguissem na mesma rota em direção à Terra. Depois disse ao comandante
de sua nave:
— Fique um pouco para trás com a Strolmina, Loosum!
Enhater Loosum confirmou e debruçou-se sobre o console de comando principal,
para que Runeme Shilter não visse seu sorriso. Não havia dúvida de que o ditador temia
por sua preciosa vida.
Shilter dirigiu-se à máquina automática de bebidas e digitou um kash. Tratava-se de
uma aguardente de cereais com oitenta por cento de álcool, produzida em Ertrus. Virou o
copo, que para um homem normal poderia ser uma cuba de champanhe e esvaziou-o de
um gole.
Runeme se perguntou se a Terra teria sido alertada por Olimpo. Nesse caso teria de
punir rigorosamente seus informantes, que lhe tinham comunicado que a cadeia de
retransmissão entre os dois planetas fora interrompida.
De repente deu-se conta de que todos, Terser Frascati, Nos Vigeland e ele mesmo,
não tinham considerado um fator.
A via de containers!
Mesmo que a cadeia de retransmissão tivesse sido interrompida, Olimpo poderia
enviar notícias à terra por mensageiros ou através do transmissor de containers.
Por que não pensamos nisso?
Runeme Shilter digitou mais um kash e derramou a bebida forte goela abaixo. Dali
a pouco percebeu que o álcool turvava seu espírito.
Devia ser isso! Ultimamente todos nós ficamos quase constantemente sob os efeito
do álcool, para não pensar no gole duro que a onda de deterioração mental representou
para nós.
Não é de admirar que nossos planos tenham sido malfeitos, embora tenhamos
achado que fomos muito espertos querendo espalhar o caos na Terra e em Olimpo.
Runeme atirou o copo contra a parede, onde ele se despedaçou. Alguns homens
viraram discretamente a cabeça, mas encolheram-se diante do olhar zangado de Shilter.
Runeme voltou cambaleante à poltrona ao lado de Loosum e deixou-se cair nela.
Fitou as telas com os olhos injetados de sangue.
O grupo de naves já se aproximara a dez milhões de quilômetros da Terra.
O ertrusiano sorriu.
Os terranos teriam medo de fazer mal a outros seres humanos e desligariam o
campo paratron antes que fosse tarde. Não teriam alternativa. Dentro de uma hora haveria
um milhão de ertrusianos em seu planeta, o que de fato representaria mais vinte milhões
de consumidores de alimentos. Tentando resolver o problema, desorganizariam seu
próprio abastecimento.
Dali a um instante já não estava sorrindo. O hipercomunicador deu o sinal de
chamada. Runeme Shilter ligou o aparelho e reconheceu no videocubo o rosto do
Marechal-Solar Galbraith Deighton, chefe da Segurança Solar.
— Mr. Shilter — disse Deighton. — Peço-lhe que mude de rota. Talvez ainda não
tenha percebido, mas o fato é que a Terra está protegida por um campo paratron. Pois
fique sabendo. Volte antes que seja tarde.
— Não vamos voltar, Marechal-Solar. Abra o campo paratron, a não ser que queira
que mais de um milhão de seres humanos morram por culpa sua.
Os lábios de Deighton crisparam-se num sorriso frio.
— Quer abusar de nosso espírito humanitário, Shilter? Pois saiba que está
enganado. O caminho que leva à Terra está fechado para o senhor. Desligo.
— Que devemos fazer, senhor? — perguntou Enhater Loosum depois que a tela se
apagou.
Runeme Shilter franziu a testa e riu contrariado.
— O anão está blefando, Loosum. Prosseguiremos em direção à Terra.
Quis levantar para digitar o terceiro Kash, mas de repente um fogo ofuscante
encheu a galeria panorâmica. No mesmo instante os filtros automáticos foram ligados.
Depois que os olhos de Runeme se habituaram um pouco, ele viu uma barreira de bolas
de fogo branco-azulada entre suas naves e a Terra. Mortíferos cogumelos atômicos
formavam-se sem parar.
— Os terranos abriram fogo de barragem com seus canhões conversores —
informou o rastreamento.
Shilter sabia que não poderia passar pelo fogo dos canhões conversores. As vinte
naves se evaporariam assim que alcançassem a barragem.
Durante alguns segundos ainda teve uma esperança de que os terranos suspenderiam
o fogo. Mas as bombas conversoras continuavam a explodir à frente das naves.
Finalmente deu ordem de mudar de rota.
As naves reduziram a velocidade com os propulsores cuspindo fogo e fizeram uma
curva fechada para estibordo alguns segundos-luz antes da barreira mortífera.
— Que baixeza! — esbravejou Shilter. — Onde já se viu atirar com canhões
conversores em naves de transporte indefesas?
— Os terranos não atiraram contra nós — contestou Enhater Loosum. — Só nos
fecharam o caminho.
Runeme encarou o comandante com uma expressão furiosa.
— O quê? Resolveu defender esses descendentes de macaco degenerados, Loosum?
— Só tento enxergar a situação como ela é, senhor.
— O senhor é um objetivista, Loosum. Poderia degredá-lo para Rashgun.
— O senhor é inteligente demais para fazer uma coisa dessas. Um imune vale mais
que seu peso em hovalgônio.
Runeme Shilter pigarreou. Sabia perfeitamente que Loosum dissera a verdade.
Demorara mais de seis meses para identificar algumas centenas de imunes em numerosos
planetas e levá-los a Ertrus. Quase metade deles formava a tripulação das quarenta
espaçonaves que deviam levar dois milhões de débeis mentais a Olimpo e à Terra. E a
tripulação dessas naves, que era de doze homens e mulheres, ainda era perigosamente
reduzida.
Runeme riu para não mostrar o embaraço. Puxou o microfone, ligou a frequência de
seu grupo de naves e ordenou:
— Vamos pegar os terranos de surpresa. Todas as naves acelerem em direção ao
planeta Vênus e iniciem o voo linear. O programa lhes será transmitido da Stolmina.
Depois de uma manobra linear de curta direção voltaremos para trás e numa segunda
manobra nos aproximaremos a cinco milhões de quilômetros da Terra. Quero ver o que
os terranos farão depois disso!
Runeme elaborou os dois programas de voo linear com o comandante Loosum.
Enhater Loosum mostrou muita habilidade ao incluir um fator de segurança.
Alguns minutos depois disso as naves aceleraram e entraram no semi-espaço. O jato
espacial que decolou da Terra e os seguiu pelo semi-espaço passou despercebido.
Dali a três horas o contingente de naves ertrusianas voltou ao espaço normal a
apenas cinco milhões de quilômetros da Terra. Não seguiam diretamente para a Terra,
mas tomaram uma rota que os faria passar entre a Terra e a Lua.
Desta vez se abriu fogo sem aviso. Centenas de bombas conversoras explodiram a
três milhões de quilômetros da Terra, criando uma gigantesca parede de fogo entre o
planeta e as vinte naves.
Runeme Shilter deu ordem de contornar a barreira, mas a parede de fogo
acompanhou as naves ertrusianas.
Shilter ficou pálido de raiva.
— Destruirei a Terra! — ameaçou.
Enhater Loosum não deu nenhuma resposta. Sabia perfeitamente que a ameaça de
Shilter não podia ser cumprida. Na verdade nenhum povo galáctico podia causar maiores
estragos a outro povo; somente o Enxame era capaz disso.
Depois de acalmar-se um pouco, Runeme deu ordem de retirada. Não se sentia
muito à vontade ao pensar no encontro que teria com Frascati e Vigeland. Aos olhos dos
colegas seria um fracassado.
Mas o pior era que não se preparara para levar um milhão de famintos de volta para
Ertrus. Por isso não havia mantimentos na nave para mitigar a fome dos passageiros.
O comandante teve um calafrio.
Um milhão de ertrusianos enfurecidos pela fome. Era uma bomba de fusão com
mecanismo-relógio a bordo. Se os débeis mentais tivessem a ideia de arranjar alimentos à
força, um caos indescritível passaria a reinar nas vinte naves.
***
Shar ter Troyonas estava pálido enquanto via cerca de dez mil ertrusianos se
precipitarem sobre a ruína do alojamento militar que nem um rio agitado.
Os ertrusianos, quase loucos de fome, derrubavam muros com as mãos e se
comprimiam nos subterrâneos, à procura de alguma coisa que pudessem comer. Um
grupo de saqueadores entrou em pânico e fugiu.
Quando os ertrusianos saíram do alojamento militar, o que restava dos edifícios
tinha sido derrubado, os veículos transformados em sucata tinham sido despedaçados e o
chão estava revolto.
Shar esperou para ver que direção tomariam os ertrusianos. Marcharam em direção
a um lugar chamado Ephaelia, que ficava a trinta quilômetros. Tratava-se de um subúrbio
de Trade City, onde fora iniciada há apenas três semanas a produção de alimentos
sintéticos. Se chegassem lá, a ânsia perfeitamente compreensível os faria destruir os
centros de produção para que pudessem apoderar-se das matérias-primas.
Shar dobrou o braço que segurava a fita do telecomunicador e deu uma ordem.
— Comando de robôs ES 3. Abrir fogo com canhões narcotizantes contra grupo de
ertrusianos.
Fez subir seu jato espacial para sair da linha de tiro dos canhões narcotizantes.
Depois disso os ertrusianos começaram a cair em fileiras. Nem mesmo os indivíduos
adaptados a um novo ambiente eram imunes aos efeitos das armas narcotizantes.
— Suspender fogo! — ordenou Shar. — Usar raios de tração para conduzir os
narcotizados ao terreno preparado.
Cerca de dez mil ertrusianos foram novamente erguidos por campos de força
invisíveis e depois de um pequeno voo foram parar numa área plana em que não havia
árvores. Em seguida os robôs especiais estacionados no local ativaram os projetores
energéticos em volta da área. Uma cerca energética de cinquenta metros de altura passou
a isolar os ertrusianos narcotizados do resto do mundo. Só ficou uma abertura. Cem robôs
entraram por ela e colocaram um pacote de ração ao lado de cada ertrusiano.
Troyonas suspirou.
As rações não passavam de uma gota num oceano. Cerca de oitenta mil ertrusianos
tinham sido internados da mesma forma para poderem ser abastecidos precariamente com
alimentos, mas novecentos e vinte mil ainda estavam em liberdade.
Shar ter Troyonas sentiu que a resignação ameaçava tomar conta dele. Esforçou-se
para resistir e teve vontade de fumar um cigarro, mas reuniu forças para resistir à
tentação. Também resistiu à tentação de combater o cansaço com o medicamento
chamado ara verde, como fora obrigado a fazer quando estava sozinho com uns poucos
humanos, tentando colocar novamente em funcionamento a via de containers que ligava o
planeta com a Terra.
Naquela oportunidade o estimulante fora uma bênção, mas mais tarde ele se
transformara num perigo, porque o organismo ia se habituando ao ara verde e exigia
doses cada vez maiores.
Shar ligou o telecomunicador, que acabara de dar o sinal de chamada. O rosto
cansado de sua amiga Arlinda Jursuf apareceu na tela.
Shar sorriu.
— Olá, Arlinda! Pensei que ainda estivesse em Losgon.
Arlinda Jursuf retribuiu o sorriso, mas logo voltou a ficar séria.
— Acabo de voltar, Shar. Não tenho boas notícias. Nosso depósito de mantimentos
foi saqueado e depredado.
Shar reprimiu o palavrão que tinha na ponta da língua. Esperara que o depósito
secreto do mundo desértico Losgon ficasse intacto. Os alimentos concentrados guardados
nesse depósito dariam para alimentar um milhão de ertrusianos quase durante um mês.
— Lise me explicou o problema que enfrentamos em Olimpo — prosseguiu Arlinda
Jursuf. — Posso fazer alguma coisa para ajudar?
— Pode. Durma pelo menos seis horas. Você parece bem cansada. A propósito:
Como vai seu companheiro?
Arlinda franziu a testa.
— Será que você está com ciúmes do oxtornense, querido? Não há motivos para
isso.
Shar fez um gesto contrariado.
— Não viva duvidando da minha confiança em você. Só quero saber se Mundus
Hawk está em forma para ajudar-me.
— Já vai para aí, Shar. Não acha melhor eu ir também e...
— Não. Você poderá ser-nos muito mais útil depois que tiver dormido. Até lá.
— Até lá, Shar.
Troyonas desligou. Viu através do material transparente da cabine de comando os
ertrusianos recuperarem os sentidos. Seu vigor físico fazia com que se livrassem dos
efeitos dos raios narcotizantes com uma rapidez que quase chegava a ser assustadora.
Shar ficou aliviado ao ver que os ertrusianos não brigavam por causa de suas rações,
como tinham feito um dia antes do primeiro acampamento. Depois que alguns débeis
mentais passavam às vias de fato, a briga se espalhava que nem uma epidemia.
Shar levou o jato espacial para o lugar em que estava concentrada a maior massa de
ertrusianos. Também lá os robôs equipados com armas paralisantes portáteis e canhões
narcotizantes voadores tentavam fazer os débeis mentais mudar de direção, mas seu
número era muito grande. Depois que parte deles tinha sido paralisada ou narcotizada e
os robôs se ocupavam com a outra parte, os primeiros se recuperavam e continuavam a
marchar como se nada tivesse acontecido.
Shar ter Troyonas deu voltas em cima dos ertrusianos e usou os raios de direção
para separar parte das pobres criaturas do resto, a fim de interná-los em outro
acampamento.
De repente os objetos se confundiram diante de seus olhos. Shar percebeu que fora
atingido de raspão pelo raio de um canhão narcotizante. Quis estender a mão para apertar
a tecla que ativava o piloto automático de emergência, mas no meio do movimento seu
espírito mergulhou na escuridão.
Quando acordou, estava com a cabeça apoiada no console de comando. Quis
erguer-se, mas sempre caía para a frente. Aos poucos o atordoamento foi diminuído. Shar
percebeu que seu jato estava praticamente de cabeça para baixo. Como durante o voo
dentro do campo de gravidade de um planeta a gravitação artificial não era ligada, a
situação produziu consequências desagradáveis.
Troyonas acionou o projetor antigravitacional e teve a impressão de que o jato era
recolocado na posição certa. Mas estava enganado. Na verdade só foi neutralizada a
gravitação planetária dentro do jato espacial, enquanto a gravidade artificial a bordo do
veículo era direcionada para o polo inferior. Quando olhou para a frente através da
cobertura transparente, teve a impressão de que a proa do jato estava enfiando numa
muralha de terra quase vertical.
Shar ter Troyonas percebeu que o jato caíra enquanto estava inconsciente. Os
propulsores tinham-se desligado automaticamente quando a proa entrou no chão. Se não
fosse assim, a energia represada teria queimado a nave.
Shar ia posicionar os projetores antigravitacionais para em seguida acionar os jatos
de bombordo e recolocar a nave na posição normal, quando viu algumas figuras
gigantescas correndo em direção ao jato e cercando-o.
Ficou em dúvida. Se ligasse os propulsores, os ertrusianos seriam mortos. Shar tirou
as mãos da chave e refletiu. Contou dezoito ertrusianos ao todo; certamente tinham-se
perdido do grupo. Podia arriscar-se a entrar em contato com eles?
De repente suas reflexões foram interrompidas por duros golpes metálicos. O jato
espacial tremeu. Deviam ser os ertrusianos tentando arrombar uma escotilha.
Shar achou graça. Ninguém podia arrebentar uma escotilha de terconite com barras
de ferro ou com as mãos.
Mas de repente um forte estrondo e a luz de alerta em cima do painel lhe mostraram
que a escotilha estava aberta. Aquilo que não podia ser feito por nenhum homem normal,
os ertrusianos tinham conseguido graças à sua força tremenda.
O tremor do jato espacial aumentou. Em seguida ele se inclinou para trás e tombou.
Dali a pouco houve o impacto. Shar foi atirado com força contra o encosto da poltrona
anatômica. Por alguns segundos ficou incapaz de fazer qualquer coisa, de tão atordoado
que ficou.
Quando voltou a enxergar, percebeu que não estava só na cabine de comando. Pôs a
mão na arma paralisante, mas antes que pudesse tirá-la foi erguido por mãos fortes e
atirado através da cabine. Outro ertrusiano pegou-o. Ria como se estivesse se divertindo a
valer. A arma caiu do cinto e bateu ruidosamente no chão.
— Parem! — gritou para o ertrusiano que o segurava nos braços como se fosse um
bebê. — Soltem-me!
— Não — disse o ertrusiano. — Se eu o soltar terei de abaixar-me para vê-lo. Você
é tão pequeno. Estou com fome. Você também?
— É claro que também estou com fome — afirmou Shar.
Assustou-se ao ver que a potência dos geradores da nave estava sendo aumentada.
— Parem com isso! Deixem de brincar com os comandos. Arranjarei comida para
vocês.
Os propulsores foram ligados, mas o jato ficou parado porque os bocais apontavam
bem na horizontal.
Shar fez um esforço para virar a cabeça. Viu um dos ertrusianos sentado na direção,
brincando com o sistema de regulagem dos propulsores. Outro indivíduo adaptado ao
ambiente bateu com cuidado no manche que servia para direcionar os jatos.
Como o manche não fora adaptado à força tremenda de um ertrusiano, ele se mexeu
bastante. De repente o jato especial subiu quase na vertical. O ertrusiano deu uma
risadinha e empurrou o manche em outra direção. O veículo tombou para estibordo e
aproximou-se em alta velocidade da superfície do planeta. No último instante o ertrusiano
deu mais um empurrão no manche.
O jato espacial decepou as copas das
árvores de uma pequena floresta e voltou a subir
com os propulsores uivando, tombou, balançou
e dançou que nem uma folha num furacão
enquanto o ertrusiano movia o manche como
quem mexe uma xícara com uma colher.
De repente o indivíduo adaptado a um
novo ambiente que estava carregando Shar
perdeu todo interesse por aquela criatura, que
para ela era um anão. Deixou cair Shar e saiu
pisando forte em direção ao painel de controle
da artilharia. Shar ter Troyonas virou-se, viu o
ertrusiano estender a mão para os controles do
canhão conversor e pegou a arma paralisante
jogada no chão. Derrubou o ertrusiano pouco
antes que ele disparasse o canhão.
Os dois ertrusianos que se encontravam
junto à direção viraram-se ao ouvirem o
companheiro cair com um estrondo. Shar paralisou-os, correu para junto dos controles e
pôs a mão no manche de impulsos.
Viu que o jato espacial seguia em direção a uma montanha entrecortada, puxou
levemente o manche e empurrou-o para a direita. A nave em forma de disco subiu junto à
rocha acidentada e inclinou-se para fazer uma curva para estibordo.
Troyonas fez o jato espacial subir mais mil metros para orientar-se. Viu que
estavam sobrevoando a gigantesca reserva ecológica das montanhas Danton, que ficava
uns oitocentos quilômetros ao norte de Trade City.
Os três ertrusianos começaram a mexer-se atrás dele. Shar imobilizou-os com mais
alguns tiros da arma paralisante. Em seguida ligou o telecomunicador e chamou Mundus
Hawk. Dali a pouco o rosto oleoso do oxtornense apareceu na tela.
— Onde está, Mr. Hawk? — perguntou Shar.
— Num planador, sobrevoando nossas linhas de interceptação ao sul de Trade City.
Seu jato espacial foi visto voando aos balanços na direção norte, Mr. Troyonas. Precisa
de ajuda?
— Preciso. Sofri um acidente e fiquei inconsciente por algum tempo. Há dezoito
ertrusianos em minha nave. Três se encontram na cabine de comando. Foram paralisados.
Os outros certamente estão percorrendo todos os recintos à procura de alimentos.
Pousarei junto ao castelo Kuapum e tentarei atrair os ertrusianos para fora do jato
espacial. Poderia fazer o favor de ir para lá?
— Naturalmente, Mr. Troyonas. — O oxtornense riu. — Transferirei o comando
das operações defensivas a Júpiter Koslow.
— Não vejo nenhum graça — respondeu Shar. — Por causa de sua mentalidade o
Homo superior não se presta a esse tipo de atividade.
Hawk levantou as espessas sobrancelhas preto-azuladas, mostrando que aquilo o
divertia.
— Nada disso, Mr. Troyonas. Sabemos que existem vários caminhos para alcançar
nossos objetivos. Koslow inventou um método todo seu e bem viável de fazer os
ertrusianos mudar de direção. Usa um projetor de cenários adaptado por ele para fazer
aparecer cenas fantásticas do teatro do absurdo de Trade City à frente dos ertrusianos,
que vêem rios de lava, paredões de rocha e outras coisas mais. É mais eficiente que uma
bateria de canhões narcotizantes.
Shar ter Troyonas sorriu.
— Também acho. Os débeis mentais já se esqueceram de que existem projetores de
cenários e coisas parecidas. Deixe o comando provisoriamente a cargo de Koslow e vá ao
castelo Kuapum.
Shar desligou ao ver um quarto ertrusiano saindo da abertura do poço do elevador
antigravitacional. Segurava uma metade de carneiro com ambas as mãos e arrancava com
os dentes grandes nacos de carne congelada crua. Rosnou ameaçadoramente para Shar e
retirou-se para o lado oposto da cabine de comando.
Troyonas sacudiu os ombros. Lamentava o que ia fazer e não se importava que o
ertrusiano se deleitasse com a refeição. Mas não podia arriscar-se. Derrubou-o com o
paralisador.
Depois voltou a dedicar-se exclusivamente aos controles. Depois de uma fase de
aceleração de noventa segundos foi obrigado a frear. A velocidade do jato espacial só era
de alguns metros por segundo quando alcançou o castelo Kuapum. Shar aumentou a
potência dos projetores antigravitacionais e fez o veículo pousar suavemente junto ao
portão, onde havia dois robôs montando guarda ininterruptamente.
Depois que a tensão passou, Shar começou a tremer. Dentro de instantes ficou
banhado em suor. Quis ligar o telecomunicador para entrar em contato com Patulli
Lokoshan, mas não acertou o painel. Só conseguiu ligar o aparelho depois de tentar
quatro vezes.
O rosto assustado de Io apareceu na tela. Quando reconheceu Shar, soltou um forte
suspiro de alívio.
— É o senhor, Mr. Shar! Mr. Lokoshan já está a caminho. Que aconteceu? Por que
não entrou em contato conosco ao pousar?
— Estava meio confuso — respondeu Shar, dizendo menos que a verdade. —
Dezoito ertrusianos tomaram meu jato de assalto. Mas não se preocupe. Não são
perigosos. Só estão com fome.
Shar olhou através do material transparente da cabine e viu o Major Lokoshan
atravessar o portão correndo. Shar ligou os alto-falantes externos do jato e disse:
— Aqui fala Troyonas. Acabo de pousar com uma carga de ertrusianos famintos,
major. Pode entrar na nave. Mas tenha cuidado. Sugiro que tente convencer os
ertrusianos a descer. Seria conveniente colocar alimentos junto à saída. Se necessário
deverá fazer uso das armas paralisantes.
Shar travou os comandos para evitar que os ertrusianos paralisados fizessem alguma
bobagem quando recuperassem o controle de seus corpos. Depois saltou no poço do
elevador antigravitacional e saiu à procura dos outros débeis mentais.
Encontrou todos eles no frigorífico, onde se tinham regalado com a carne
congelada. A ideia de que os ertrusianos tinham ingerido carne crua e dura de gelo fez
com que tivesse um calafrio. Fez votos de que suportassem a refeição.
Seus receios não se confirmaram. Os ertrusianos saíram sem problemas. Ao sair
Shar encontrou-se com Lokoshan. A intervenção do kamashita não foi mais necessária.
Quando saíram pela escotilha envergada, alguns alunos de Lokoshan já tinham
empilhando alimentos de diversas espécies junto à porta. Os ertrusianos caíram
imediatamente em cima deles.
Com a ajuda dos dois robôs Shar e Patulli também conseguiram tirar os ertrusianos
que se encontravam na cabine de comando. Já se tinham recuperado e saíram sem
oferecer resistência, depois que lhes foram prometidos alimentos em quantidade
suficiente.
Mal acabavam de sair, Mundus Hawk pousou com seu planador ao lado do jato
espacial. O oxtornense ajudou a abastecer os ertrusianos e a alojá-los em um dos edifícios
anexos ao castelo. Uma vez saciados, os ertrusianos mostraram-se bem pacatos.
Uma vez concluído o trabalho, o kamashita acompanhou Shar e Hawk até o portão.
— Se me lembro dos alimentos que os ertrusianos consumiram em uma única
refeição chego a ter medo de que deixarão Olimpo arrasado que nem um bando de
gafanhotos — disse.
— Quem dera que descobríssemos um meio de livrar-nos deles — disse Mundus
Hawk.
— Que meio pode ser esse? — perguntou Shar ter Troyonas.
Ninguém teve uma resposta a essa pergunta.
***
Roi Danton e Galbraith Deighton respiraram aliviados quando viram as vinte naves
de transporte ertrusianas mudando de rumo.
Deighton fez uma ligação através da antena direcionada do hipercomunicador com
o jato espacial que seguia o grupo de naves pela segunda vez. Deu ordem de acompanhar
os ertrusianos até a terceira manobra de orientação e voltar, a não ser que as naves
demonstrassem a intenção de voltar e seguir em direção ao Sistema Solar.
— Acha que Runeme Shilter tentará pela terceira vez? — perguntou Roi ao
Marechal-Solar.
Galbraith Deighton balançou a cabeça num gesto pensativo.
— Não acredito — respondeu. — Não se esqueça de que nas vinte naves sob seu
comando também deve haver um milhão de ertrusianos famintos, tal qual nas naves que
pousaram em Olimpo. Acho que o tempo trabalha contra os planos de Shilter. Ele tem de
voltar a Ertrus o mais depressa possível, a não ser que leve em suas naves pelo menos um
milhão de toneladas de alimentos.
Os dois levantaram o rosto quando o intercomunicador deu o sinal de chamada. Roi
Danton ligou o aparelho. O corpo de um general da Frota Solar apareceu na tela — de um
general sem naves nem tripulantes.
— General Strumoli...? — perguntou Roi.
— Senhor — disse Strumoli em tom solene. — O mestre dos cinquenta porta-vozes
de primeira classe, o filósofo do tempo e do espaço Holtogan Loga, quer falar com o
Administrador-Geral ou com o senhor.
— Qual é o assunto?
O general fez um rosto desolado.
— Bem, senhor, eu sei, bem, na verdade...
Roi sorriu e interrompeu o general com um gesto.
— Deixe para lá, General Sturmoli. Leve o homem à sala de recepção de visitantes
importantes.
Danton desligou e dirigiu-se a Deighton.
— Holtogan Loga deve ter bombardeado o pobre do general com discursos até que
ele se esqueceu de perguntar qual era o assunto. Quer acompanhar-me, Galbraith?
O chefe da Segurança Solar acenou com a cabeça.
— Será um desperdício de tempo, mas talvez possa fazer alguma coisa para ajudá-
lo. Discutir com Loga não é mole.
Entraram em um dos numerosos elevadores antigravitacionais de Império Alfa e
desceram até pouco abaixo da superfície da Terra. Dali seguiram para a sala de recepção
iluminada por luzes indiretas e enfeitada com quadros videoplásticos.
Holtogan Loga já estava presente. Examinava atentamente um dos videoplásticos,
que mostrava o imortal do antigo planeta Peregrino na versão de um velho de cabelos
brancos.
— Que tal lhe parece esta representação do ser coletivo, Mr. Loga? — perguntou
Danton em tom amável.
O superior virou-se. Usava traje branco parecido com uma toga, com um símbolo
misterioso. O rosto de traços finos cercado de cabelos brancos tinha certa semelhança
com o videoplástico.
— É uma encarnação relativamente rudimentar para um povo espiritualizado —
respondeu Loga. — Receba meus cumprimentos, Mr. Danton. O senhor também, Mr.
Deighton.
— Retribuo os cumprimentos — murmuraram Danton e Deighton.
— Bem, realmente trata-se de uma representação adaptada à impressão que deve
causar em homens relativamente primitivos — respondeu Roi com uma fina ironia. —
Aos homens do planeta Terra, mais precisamente. Qual é o motivo de sua visita, Mr.
Loga?
— Parece que o senhor seu pai não pôde vir.
— Infelizmente — respondeu Roi. — Bem que gostaria de conversar com o senhor
a respeito de sua nova filosofia do tempo e do espaço. Encontra-se no cosmos para
descobrir alguma coisa sobre o perigo que nos ameaça.
— Isso é uma generalização descabida, Mr. Danton. O perigo imaginário só ameaça
os seres que atingiram um nível espiritual baixo. Não pode atingir-nos. Mas não era sobre
isto que eu queria falar. Os novos homens estão preocupados porque a Terra ficou
envolta num campo paratron. A medida foi tomada sem que nós tivéssemos concordado,
apesar de também sermos atingidos por ela. Poderia fazer o favor de explicar por que foi
feito isso?
— Ah, é? — disse Roi. — Quer dizer que o senhor está preocupado? Há pouco
também estávamos alarmados, porque vinte naves de transporte da Liga Carsualense
queriam desembarcar um milhão de débeis mentais ertrusianos na Terra. O campo
paratron foi ativado para evitar isso.
Por alguns instantes o pavor ficou estampado nos olhos de Loga.
— Um milhão de débeis mentais ertrusianos? Isso perturbaria o equilíbrio
econômico da Terra. Mas por que teve de ativar o campo paratron? Bastaria negar
permissão de pouso às naves. Usando bons argumentos...
— Contra homens de má vontade argumentos não servem para nada — interrompeu
Galbraith Deighton. — O triunvirato ertrusiano queria mesmo perturbar nosso equilíbrio
econômico. Em Olimpo conseguiram. Naquele planeta um milhão de ertrusianos
famintos atacam os armazéns e povoações.
Holtogan suspirou e sacudiu a cabeça.
— São frutos da política terrana de anos atrás — disse em tom de recriminação. —
Em vez de partir para a conquista das estrelas e render culto ao ídolo chamado técnica, os
homens deveriam ter-se adaptado ao ambiente natural de seu planeta. Nesse caso os
ertrusianos não existiam. A natureza nos presenteou há muito tempo com um mundo
ideal, mas as pessoas que defendem a mesma posição que o senhor fizeram mau uso do
presente. Procuraram longe daqui o que poderiam ter encontrado em seu mundo.
Roi Danton sorriu.
— O senhor exprimiu isso de uma forma maravilhosa, Mr. Loga. — Roi ficou sério.
— Mas o senhor esqueceu um detalhe. A natureza não criou somente planetas habitáveis,
mas também os seres humanos que devem habitá-los. Acha que deveríamos restringir-nos
a um único mundo, cometendo a ingratidão de ignorar os outros presentes da natureza?
O mestre dos primeiros porta-vozes mudou a expressão do rosto, mostrando que se
sentia contrariado.
— Seus argumentos o desmascaram como aquilo que realmente é, Mr. Danton: um
demagogo.
— Agradeço o elogio e retribuo-o — retrucou Roi. — Mas deixemos de lado a
discussão que é apenas abstrata. Em outra oportunidade terei muito prazer em refutar seus
argumentos. O senhor queria saber por que cercamos a Terra com um campo paratron.
Pois já sabe.
— Além disso — observou Deighton — o campo paratron será desativado assim
que tivermos certeza de que os ertrusianos não voltarão. As energias que serão liberadas
poderão ser usadas em coisa mais urgente.
Holtogan Loga inclinou a cabeça.
— Longe de mim contestar isso. Hum! O senhor disse que no planeta Olimpo os
ertrusianos conseguiram aplicar o belo golpe?
— Disse. Mas acho que para os habitantes de Olimpo o golpe pode ser tudo, menos
belo. Mr. Loga, a invasão dos débeis mentais aniquilou os resultados de três meses de
trabalho de reconstrução em Olimpo.
Holtogan franziu o sobrecenho.
— Por que não faz nada?
— Acha que deveríamos usar a força bruta contra os ertrusianos? — perguntou o
chefe da Segurança Solar indignado. — As pobres criaturas são vítimas, da mesma forma
que os habitantes de Olimpo.
Holtogan Loga estendeu as mãos com os dedos afastados.
— Nem me fale numa coisa abjeta como a violência, Mr. Deighton! Depois da
primeira conversa que tive com Mr. Rhodan tenho certeza de que ele nunca aprovaria
uma coisa dessas. Não. A força do espírito é mais poderosa que a mais terrível das armas.
De repente seu sorriso abriu-se num largo sorriso.
— Por favor, pense um pouco. Que faria o triunvirato ertrusiano se seus membros
acreditassem que num futuro próximo os débeis mentais poderão parar de repente de...
Foi como se Roi tivesse sofrido um choque elétrico. Já pensara nisso.
— Parece que seu cérebro e os nossos ainda se guiam pelas mesmas leis, Mr. Loga
— disse em tom de elogio. — Mais ou menos os mesmos pensamentos já se formaram
em minha massa cinzenta. O senhor é mesmo um ser humano e ao dizer isto uso a
expressão em sentido positivo, Mr. Loga.
— Não me admiro porque nossos pensamentos coincidem em parte — disse o
mestre dos primeiros porta-vozes. — Conheço o senhor seu pai. Não quero fazê-lo perder
mais tempo. Receba meus cumprimentos.
Danton e Deighton retribuíram o cumprimento. Roi chamou o General Strumoli e
lhe pediu que acompanhasse Holtogan Loga à superfície.
Depois que o Homo superior se tinha retirado, os dois homens entreolharam-se.
— Acho que sei qual é o plano que está amadurecendo em sua cabeça, Roi — disse
Deighton sorrindo. — Quer devolver o mico preto aos ertrusianos. Não é isso?
— Mais ou menos, Galbraith. Já pensou qual seria a reação dos três ditadores da
Liga Carsualense se eles pensassem que a debilidade mental acabaria de repente —
digamos, dentro de um mês?
— Acho que seria uma reação positiva, Roi. Segundo as notícias recebidas de
Olimpo, os ertrusianos desembarcados no planeta são principalmente tripulantes de naves
de guerra; alguns deles são excelentes técnicos e cosmonautas. Logo, os ertrusianos
fariam tudo para levá-los de volta o mais depressa possível.
Roi sorriu.
— Ainda mais se também souberem que o senhor meu pai guarda segredo sobre
isso porque quer ser o primeiro a ter uma frota em condições de combate para, entre
outras coisas, destruir a Liga Carsualense.
— Só há um problema. Devemos encontrar um meio de fazer com que o triunvirato
acredite nisso e caia no golpe — disse Galbraith Deighton em tom pensativo.
— Bem, juntos daremos um jeito de quebrar este galho — disse Roi em tom
confiante. — A melhor garantia são as inúmeras experiências que colhemos em lances
parecidos.
4

Bossa Cova acordou com o zumbido que mostrava que havia alguém à frente da
porta de seu camarote. Tipa Riordan e ele tinham-se revezado na observação da frota de
naves de transportes ertrusianos. Fazia pouco tempo que ele tinha adormecido.
Bossa ativou o sistema de imagens, saltou da cama e encarou a pirata com uma
expressão de curiosidade.
— Alguma novidade com nossos queridos ertrusianos? — perguntou.
— Não, Mr. Cova. — Tipa foi para junto de uma poltrona e deixou-se cair nela com
um gemido. — O grupo se afasta do sistema de Aslan em queda livre. Parece que está à
espera de alguma coisa. Mas não foi por isso que o acordei. Mr. Troyonas fez contato
pelo hipercomunicador. Quer que voltemos imediatamente para Olimpo.
— Só isso?
— Só — confirmou a pirata laconicamente. — Mas conheço Troyonas e sei que ele
deve ter tido um bom motivo para dar essa ordem.
Bossa espreguiçou-se, bocejou e levantou-se de vez. Como dormira num traje
espacial, estava pronto para entrar em ação. Ele e Tipa Riordan dirigiram-se à cabine de
comando. Bossa sentou na poltrona do piloto e aumentou a potência dos geradores. Tipa
ocupou o lugar à frente dos controles dos rastreadores.
Durante o voo para Olimpo Bossa Cova manteve-se calado. Mergulhou nas
recordações de tempos melhores, e isto o deixou triste. Quando se lembrou de Doreen e
Aine, soltou um forte suspiro. Suas companheiras de brincadeira não tinham resistido ao
processo de deterioração mental da mesma forma que ele, e apesar de não ser de opinião
que as mulheres inteligentes são as melhores, não pudera ficar com elas. As duas viviam
no castelo Kuapum, nada lhes faltava e Io cuidava delas, mas a separação lhe causava
sofrimento. Bossa resolveu visitá-las logo que pudesse.
O jato espacial pousou numa área pequena perto do centro de Containtrans. Bossa
despediu-se de Tipa Riordan, que queria viver num planador da Dreadful.
Bossa Cova perguntou por Shar ter Troyonas. Foi informado de que ele se
encontrava no centro de controle de Containtrans. Bossa foi para lá e Shar o levou a uma
sala à prova de escuta.
— Que segredos tem a me comunicar, Shar? — perguntou em tom irônico e sentou-
se.
Troyonas olhou para ele com uma expressão séria.
— Mr. Danton me pediu que colocasse à sua disposição um homem capaz de
cumprir uma importante missão secreta, Bossa. Não sei do que se trata, mas em minha
opinião é o senhor que se adapta melhor às exigências indicadas por ele.
Bossa franziu a testa.
— Eu? Quem sou eu? Um antigo dono de nave que recuperou o QI original. Não sei
por que isso me qualifica para uma importante missão secreta.
— Não se faça de modesto, Bossa. Sei perfeitamente que além da atividade de
armador de nave bem-sucedido o senhor teve uma vida cheia de aventuras. Quem mais
sobreviveu a uma expedição a Vurla?
Bossa Cova sorriu ironicamente.
— Tipa Riordan, por exemplo.
Foi a vez de Troyonas sorrir.
— Infelizmente nossa amiga Tipa é conhecida demais para cumprir uma missão
secreta. É claro que ninguém pode obrigá-lo a colocar-se à disposição da Segurança
Solar. Afinal o senhor é um paisano e nem o Marechal-Solar Deighton nem Roi Danton
podem dar-lhe ordens.
— Quero continuar sendo um paisano — afirmou Bossa. — Por isso aceito a tarefa
com restrições, ainda mais que não sei do que se trata.
— Está certo, Bossa. Estaria disposto a viajar para a Terra para ouvir do que se trata
e depois tomar sua decisão?
— Estou.
— Muito bem. Mandei preparar um container com uma cabine de passageiros. Pode
ir logo, Bossa.
— A gente nem pode descansar, Shar — respondeu Bossa Cova sorrindo. — Então
vamos à missão secreta. Onde está minha caixa?
— Levá-lo-ei pessoalmente, Bossa. — Troyonas sorriu. — Sua forma de exprimir-
se refresca o ânimo das pessoas.
— É típica de um aventureiro muito solicitado, meu caro. Shar ter Troyonas deu
uma risada.
Depois de ter alojado o armador de naves no container especialmente preparado,
Shar viu o gigantesco cofre de carga sendo transportado pelos campos energéticos para o
transmissor de containers e colocado no arco energético. Em seguida voltou ao seu centro
de comando para informar-se sobre a situação em Trade City. Ainda era muito perigosa.
Bossa Cova chegou ao centro nervoso do Império Solar pelo mesmo caminho que
Effa Bell e Fu Long Wa tinham seguido dois dias antes. Foi conduzido imediatamente à
sala de comunicações do centro positrônico de Império Alfa, onde Roi Danton e
Galbraith Deighton estavam à sua espera.
— Aqui estou — disse Bossa depois que se tinham cumprimentado. — Mas pode
ser de outra forma. Contem sua história.
Roi sorriu e convidou o armador de naves a sentar-se junto à mesa redonda que
ficava em um dos cantos da sala de comunicação.
— Trata-se de Olimpo — disse. — Mr. Deighton e eu refletimos para descobrir um
meio de levar os ertrusianos a retirarem seus concidadãos que largaram em Olimpo.
— Quem sabe como uma boa conversa, Mr. Danton?
— O senhor me surpreende, Mr. Cova! — disse Galbraith em tom formal.
Bossa sorriu amavelmente.
— É mesmo? Deixo surpresa muita gente, para usar suas frases nobres.
— Elaboramos um psicoplano — explicou o Marechal-Solar.
— Isso não me deixa surpreso nem outra coisa — respondeu Bossa. — Os
psicoplanos sempre foram o forte da Segurança Solar e de outras instituições parecidas.
Falem à vontade. Sou todo ouvidos.
Roi Danton riu.
— Era assim que eu imaginava o senhor depois de ouvir o relatório de Mr.
Troyonas, Mr. Cova. Acho que o senhor é mesmo nosso homem.
— Aguarde mais um pouco. Para que tipo de missão quer conquistar-me, Mr.
Danton.
Roi ficou sério.
— Trata-se de fazer chegar às mãos do triunvirato ertrusiano uma ordem
rigorosamente secreta de meu pai dirigida ao Império Alfa. Dessa ordem se deduzirá que
aproximadamente dentro de um mês o Enxame mudará de direção e abandonará nossa
Galáxia, e que depois disso o estado de debilidade mental acaba de repente.
— Isso soa bem. Quem esperou tanto tempo por um milagre não deixará de morder
a isca, desde que ela lhe seja apresentada bem temperada.
— O senhor será parte dessa isca, desde que concorde — disse Roi.
— Ou do tempero — observou Deighton.
Bossa inclinou a cabeça.
— Isso me deixa lisonjeado.
— Para que o triunvirato ertrusiano acredite nisso — prosseguiu Roi — o senhor
terá de apresentar-se como um mensageiro do senhor meu pai, trajando uniforme de
coronel terrano e viajando num jato espacial do tipo encontrado a bordo da Good Hope
II. Preparamos uma microespula com uma notícia simulada que o senhor levará consigo.
— Para não deixar nenhuma dúvida, o senhor terá de dirigir-se para perto do
chamado Enxame, ou seja, mais ou menos para o setor espacial em que opera a Good
Hope II. Além disso lhe serão transmitidos num hipnotreinamento a cargo do centro de
computação positrônica, todas as informações de que dispõe meu pai. Como ele esteve na
Terra há algum tempo, estamos muito bem informados a respeito do Enxame, do perigo
que representa e da área em que a Good Hope II opera no momento.
— De perto do Enxame o senhor levará o jato espacial por uma rota em direção à
Terra, que passe perto de Olimpo. Em viagem o senhor simulará avarias graves nas
máquinas, interromperá o voo e ficará parado perto da estrela de Boscyk. Pelo que fomos
informados por Mr. Troyonas, as vinte naves sob o comando de Frascati e Vigeland
encontram-se perto da estrela de Aslan.
— Isso eu sei. Afinal, eu e Tipa Riordan seguimos e observamos as naves até o
sistema de Aslan.
Roi Danton acenou com a cabeça.
— Escolha uma posição em que o raio direcional de seu hipercomunicador passe
rente às naves ertrusianas antes de chegar à Terra. Transmita um pedido de socorro
dirigido a Mr. Troyonas, identificando-se como homem da mais estrita confiança de meu
pai, que foi incumbido de levar uma importante ordem secreta. Mr. Troyonas lhe pedirá
que transmita a ordem pelo hipercomunicador. O senhor se recusará, exigindo que
venham buscá-lo imediatamente.
— Os ertrusianos devem chegar antes de Mr. Troyonas, não é? — perguntou Bossa.
— De fato — respondeu Roi. — Os ertrusianos naturalmente tentarão pôr as mãos
na ordem secreta. Deixe que o persigam, alcancem e prendam.
— Conheço Perry Rhodan — objetou Bossa Cova. — Se realmente fosse uma
ordem secreta, ele tomaria todas as precauções para evitar que ela pudesse cair nas mãos
de pessoas não autorizadas. Como posso fazer-me passar por mensageiro secreto diante
dos ertrusianos e permitir que ponham as mãos na notícia?
— A pergunta tem sua razão de ser — respondeu Galbraith Deighton e tirou um
estojo de aspecto insignificante do bolso do uniforme. Abriu-o e empurrou-o para a frente
de Bossa.
Cova viu dentro do estojo um objeto cilíndrico mais ou menos do tamanho de um
termômetro de febre para crianças. O objeto era avermelhado e estava envolto numa
massa transparente.
— Esta é a cápsula de informações — disse o chefe da Segurança Solar. — Foi feita
de uma liga de inquelônio e terconite e está envolta numa massa celular sintética. Se for
engolido, ele estende numerosos tentáculos finos sob a influência do calor do corpo
humano. Estes tentáculos prendem-se na mucosa do estômago, evitando que a cápsula
saia pelo caminho normal. Além disso é difícil descobrir a cápsula por meio de uma
radiografia.
— Compreendi — disse Bossa. — Até compreendo que devo deixar que meu corpo
impecável seja desfigurado por uma cirurgia do estômago. Deve ser o único meio de pôr
as mãos na cápsula depois que eu a tiver engolido.
— Isso mesmo — respondeu Roi Danton. — É claro que lhe estamos pedindo um
sacrifício enorme, Mr. Cova, mas diante da situação gravíssima no planeta Olimpo — e
como o senhor é um livre-mercador...
— ...é bom que poupe seus argumentos — disse o armador de naves. — O senhor
tocou em minha veia patriótica. Mas gostaria de fazer uma pergunta. Como farei para
escapar da maneira mais discreta possível de Frascati e Vigeland?
— Deixamos isso por conta de sua criatividade, Mr. Cova — disse Roi. — Como as
vinte naves de transporte terão de pousar em Olimpo para recolher os débeis mentais que
se tomarão tão preciosos, suas chances até que não são ruins.
— Formidável! — escarneceu Bossa Cova. — Mas concordo em tirar as castanhas
do fogo. Afinal também são minhas. Quando começaremos com o hipnotreinamento?
Roi Danton e Galbraith Deighton respiraram aliviados.
***
Dali a quatro horas Bossa estava parado à frente do espelho, contemplando o traje
espacial cujos distintivos o identificavam como coronel da Frota Solar e tripulante da
Good Hope II.
— Satisfeito? — perguntou Roi Danton. Bossa fez uma careta.
— Um traje espacial deveria ser sempre um traje espacial. Não é bom que se tenha
o mau gosto de colocar um distintivo nele, Mr. Danton.
Roi sorriu.
— Ninguém pede que o senhor se sinta como membro da Frota Solar, Coronel
Cova. Está preparado? Seu jato espacial está esperando.
Bossa acenou com a cabeça, pegou um charuto e acendeu-o calmamente.
— Pronto — disse. — Vamos indo.
Os dois tomaram o elevador antigravitacional que os levou à saída mais próxima de
Império Alfa, que era uma cúpula de aço. Quando saíram da cúpula, viram o jato espacial
pronto para decolar cem metros à sua frente. Vários sinais coloridos e o prefixo GH 1
mostravam que o veículo pertencia à Good Hope II.
Roi apertou a mão do armador de naves.
— Boa sorte, Mr. Cova!
Bossa retribuiu o aperto de mão.
— Obrigado, Mr. Danton. E diga a Shar que ponha na geladeira uma garrafa de
uísque — para o caso de eu voltar com a mucosa do estômago inteira.
Roi Danton não riu da brincadeira. Sabia que o armador de naves estava saindo
numa missão muito perigosa e que as chances de escapar dos ertrusianos eram bastante
reduzidas.
Depois que Bossa Cova desapareceu na eclusa inferior do jato espacial, Roi fez
continência e voltou aos abrigos subterrâneos de Império Alfa.
Bossa Cova também tinha consciência do risco que assumia voluntariamente. Mas
também sabia que alguém tinha de fazer isso, e não seria ele que se esquivaria de uma
tarefa absolutamente necessária.
Cova decolou e saiu em alta velocidade espaço a fora, passando perto da Lua
terrana. Não olhou para trás. Uma vez fora do sistema planetário duplo Terra-Lua, ligou o
conversor Waring. Sua rota o levaria para o lado sul da galáxia, onde o chamado Enxame
se deslocava numa série de transições curtas na direção em que ficava o braço de Orionis,
ao qual pertencia o Sol.
Bossa Cova ligou o receptor de hipercomunicação e fez girar a antena de busca
assim que sua nave retomou ao espaço normal.
Mais uma vez ouviu inúmeros pedidos de socorro, muitos deles transmitidos em
línguas desconhecidas. Sons parecidos com o chilrear dos pássaros, o rangido grave de
numerosas sequências acústicas vindas de seres nos quais pelo menos os órgãos de
fonação eram parecidos com os do homem terrano.
Bossa sentiu uma tristeza profunda ao pensar nas inúmeras civilizações que lutavam
para não desaparecer e não podiam receber ajuda, porque todas as civilizações
enfrentavam mais ou menos o mesmo problema.
Bossa desligou o hipercomunicador e preparou a segunda etapa linear. Quando
realizou a manobra de orientação seguinte estava a trinta e quatro anos-luz do sistema de
Aslan. Nessa distância não havia o perigo de ser detectado. Na viagem de volta chegaria
mais perto.
Depois da quarta etapa linear Bossa descobriu nos mostradores do hiper-
rastreamento aquilo que costumava ser chamado de Enxame. Aproximou-se ainda mais,
numa manobra linear de pequena direção. As telas de imagens mostraram um setor da
estrutura gigantesca parecida com uma massa enorme de campos energéticos
entrelaçados, milhões e milhões de gigantescas bolhas de sabão.
Enquanto olhava para as telas apareciam constantemente novos campos energéticos.
Enquanto isso as indicações dos rastreadores estruturais subiram tanto que foram
desligados pelo sistema automático de segurança, para evitar que se queimassem. Há
muito tempo as espaçonaves terranas costumavam atravessar o hiperespaço da mesma
forma.
Bossa esperara que talvez conseguisse localizar a Good Hope II ou a Intersolar, mas
sua esperança não se cumpriu. Fora mesmo uma esperança muito fraca, uma vez que o
cubo espacial em cujo interior provavelmente se encontravam as duas naves tinha
milhares de anos-luz de comprimento. Um encontro nessas circunstâncias só podia ser
obra de um acaso incrível.
De repente dois manips materializaram alguns segundos-luz à frente do jato
espacial. Tratava-se de espaçonaves manipuladoras em forma de arraia, que faziam parte
do Enxame. Bossa Cova voltou. Não estava disposto a medir forças com o veículo,
quanto mais abrir fogo.
Bossa acelerou, livrou-se dos perseguidores e entrou no semi-espaço, onde os
manips não podiam segui-lo.
Depois da primeira etapa linear o armador de naves voltou a ligar o receptor de
hipercomunicação.
De repente uma voz começou a falar em intercosmo.
— Ydrani chamando Ranus! Tenho um objeto nos hiper-rastreadores. Poderia ser
um jato espacial. Dê uma olhada.
Bossa ficou tão contente em ouvir a voz de um ser que conservara a inteligência que
ligou o hipertransmissor na frequência do desconhecido e disse:
— Aqui fala o piloto do jato espacial detectado. Bossa Cova chamando Ydrani e
Ranus. Respondam, por favor!
O receptor ficou mudo por algum tempo. Finalmente a mesma voz disse:
— Aqui fala Ydrani. Quero falar com Bossa Cova. Quem é o senhor?
— Um oficial da Frota Solar em viagem para a Terra — respondeu Cova em
conformidade com o papel que assumira. — Quem é o senhor? Posso fazer alguma coisa
para ajudar?
— Sou um sacerdote do culto de Baalol. Ranus Fliederbaum é um mercador terrano.
Fique onde está, Mr. Cova. Ranus se dirige para aí. Levá-lo-á à nossa cidade espacial.
Bossa sorriu.
Um sacerdote anti e um mercador terrano. Que dupla esquisita! Mas a calamidade
que atingia a todos certamente aplainara as divergências.
— Estou esperando — disse.
Alguns minutos depois os rastreadores estruturais indicaram uma rematerialização.
Bossa Cova franziu a testa. Ficara espantado. Nem os antis nem os mercadores terranos
usavam naves equipadas com o sistema antiquado de hipersaltos.
Dali a pouco foi-se aproximando uma estranha construção, uma figura montada
com travessas e chapas de aço das mais diversas espécies, cuja face dianteira era
enfeitada com a cabine de comando de uma velha gazela, uma precursora dos jatos
espaciais.
— Não se assuste, meu caro — disse uma voz saída do hipercomunicador. — O
velho Ranus Fliederbaum é um bom sujeito, não faz mal a ninguém. Venha para cá,
senhor oficial; use um raio de tração para a ancoragem. A Mirjam dispõe de um
propulsor de saltos de grande potência, que poderá levá-lo a Jawne.
Para sua própria surpresa Bossa obedeceu. Não foi completada a transmissão de
imagem, mas a voz de Fliederbaum o pintava como um homem sábio e bondoso, incapaz
de cometer uma traição.
Bossa aproximou seu jato espacial da estranha nave e ancorou-o com raios de
tração. Em seguida a figura acelerou, levando o jato espacial e efetuou a transição. Ao
sentir a dor da rematerialização, Bossa Cova lembrou-se do velho transmissor de matéria
arcônida, que o irradiara do sistema de distribuição para Império Alfa.
Mas dali em diante dedicou toda sua atenção à mais estranha estrutura que já tinha
visto. Um conglomerado gigantesco de fragmentos de nave encaixados uns nos outros
flutuava no espaço, longe de qualquer sol que o aquecesse. Bossa identificou partes de
naves dos tópsidas e dos blues, de naves da frota mercante arcônida e da USO, metade
daquilo que já devia ser uma nave orgulhosa do comando energético acônida e outras
peças cuja origem não conseguiu descobrir.
— Atraque no lugar em que está piscando uma luz verde, meu caro — disse Ranus
Fliederbaum. — Encontrará uma rampa que leva à entrada principal de Jawne. Irei em
seguida.
Bossa obedeceu como que num sonho. A estrutura gigantesca da cidade espacial
deixou-o fascinado, mas ao mesmo tempo lhe dava calafrios. Sentia-se que nem um
coelho hipnotizado por uma serpente.
Ancorou o jato espacial com um rato de tração junto à rampa indicada. A cerca de
dez metros dali abriu-se a escotilha de uma eclusa incrustada no casco de um fragmento
de naves dos blues. Uma figura enfiada num traje espacial saiu e acenou com o braço.
Bossa fechou o capacete pressurizado e saiu do jato. Atrás dele parou a estranha
nave de Fliederbaum. Dali a pouco uma figura enfiada num traje espacial voou para a
rampa e pousou ao lado de Bossa.
— Seja bem-vindo em Jawne, a cidade da esperança — disse Fliederbaum pelo
comunicador instalado no capacete. — Entre, senhor oficial.
Bossa Cova seguiu os dois homens para dentro da câmara da eclusa. Depois que ela
se encheu de ar, os três tiraram os capacetes.
O armador de naves viu que Ydrani era um homem de seus oitenta anos, de cabelos
brancos e com um rosto que trazia a marca da determinação e da inteligência. Ranus
Fliederbaum tinha pelo menos cento e vinte anos. Era baixo, tinha o rosto enrugado, nariz
de gancho e olhos bondosos.
— Permite que lhe ofereçamos uma xícara de café? — perguntou Fliederbaum.
Bossa sorriu.
— Um café eu nunca recuso. Fico satisfeito em ver duas pessoas que continuam na
plena posse de suas faculdades mentais.
Fliederbaum e o anti levaram-no a uma confortável sala de estar. Fliederbaum fez
café e ofereceu charutos. Bossa viu que era uma marca terrana cara.
Quando o café ficou pronto e as xícaras fumegantes se encontravam à frente dos
homens, Ydrani disse:
— As coisas estão pretas, não estão, Mr. Cova?
Bossa acenou com a cabeça.
— As civilizações galácticas sofreram um terrível golpe — disse Fliederbaum. —
Os pecados e as omissões dos homens se vingaram de uma forma horrível. Deveríamos
ter cuidado menos do progresso técnico e mais do aperfeiçoamento do espírito. Aí a
modificação da constante gravitacional não nos teria afetado.
— É possível que o senhor tenha razão, Mr. Fliederbaum — respondeu Bossa. —
Mas que culpa tem o homem de que sua natureza o impeliu a satisfazer a curiosidade? E
para isso ele tinha de criar os recursos técnicos que lhe permitiram transpor sempre novas
fronteiras.
— Pois aí está o engano — disse Fliederbaum em tom seguro. — O homem em seu
conjunto só via o Universo fora de seu espírito e esqueceu-se de que o universo mais
excitante e maravilhoso está justamente dentro de seu espírito. No espírito humano
existem muitas fronteiras para as quais se pode avançar. Mas não quero pregar-lhe um
sermão. Só gostaria que oportunamente refletisse sobre o que acabo de dizer. Que tal o
café?
— É excelente — confessou Bossa Cova. — Nada melhor que o café moído à mão
e coado em casa. As máquinas nunca alcançam o refinamento que permita fabricar um
produto igual ao do ser humano.
— De certa forma sim — disse o sacerdote de Baalol. — Mas infelizmente os
homens cometem mais erros que as máquinas.
— Aqui há outras pessoas além dos senhores? — perguntou Bossa.
— Acabe de tomar seu café e acompanhe-nos — respondeu Fliederbaum. — Em
Jawne vivem cerca de trinta mil seres humanos pertencentes a dezessete povos. Vinte e
um são imunes como Ydrani e eu. Não é muito, mas... Bem, o senhor verá.
Bossa Cova esvaziou a xícara e deixou que os dois homens lhe mostrassem a
estranha cidade. Os pedaços de espaçonave tinham sido adaptados para servir como
residências e fábricas. As usinas geradoras forneciam a energia necessária para produzir
alimentos por meio da fotossíntese. Todo o lixo era reciclado para entrar novamente no
circuito fechado da vida.
— É claro que o trabalho confiado aos débeis mentais geralmente não passa de uma
terapia ocupacional — disse Ydrani. — Usamos um sistema de sinais de reflexos
condicionados. Foi a única maneira de criar uma forma de vida organizada.
Os três entraram num salão onde débeis mentais controlados por um blue imune
fabricavam tomadas de energia simples.
— Eis aí um grupo cujos membros tinham um QI muito elevado antes que chegasse
a onda de deterioração mental. Aos poucos levamo-los a fazer trabalhos cada vez mais
complicados. Espero que um dia possam cuidar das máquinas e controlar a produção de
alimentos sintéticos. Por enquanto só estão treinando. — O sacerdote de Baalol sorriu. —
Iphuy Noor Laigoschlyil, faça o favor de vir para cá.
O blue levantou os olhos e aproximou-se. Os olhos que apareciam na cabeça em
forma de prato fitavam Bossa e a pele do blue brilhava num maravilhoso azul prateado.
— Bossa Cova — disse Ydrani a título de apresentação. — Um oficial terrano.
Iphuy Noor Laigoschlyil era o chefe científico de uma expedição dos blues. É nosso
colaborador mais competente.
— Meus cumprimentos! — disse o blue no estranho tom cantado de seu povo em
intercosmo.
— Também receba meus cumprimentos — respondeu Bossa.
O blue estendeu lentamente a mão e Bossa apertou-a. Teve uma sensação estranha.
Era um sentimento de comunhão. Deu-se conta com uma clareza até então desconhecida
de que a humanidade solar se interessara muito pouco pelo povo irmão do setor leste — e
vice-versa. O blue mostrara que era um ser humano da mesma forma que Ydrani,
Fliederbaum, Perry Rhodan, Atlan, Roi Danton e outros.
Resolveu nunca mais esquecer isso e recuperar o tempo perdido assim que isto fosse
possível.
A um sinal de flauta melódico os débeis mentais interromperam o trabalho,
levantaram quase ao mesmo tempo e saíram.
— É o sinal que os chama à cantina — explicou Iphuy Noor Laigoschlyil.
Bossa olhou para os débeis mentais enquanto se afastavam. Eram em sua maioria
homens do planeta Terra, arcônidas e aconenses, além de alguns tópsidas, que eram seres
parecidos com répteis, blues e antis. Todos usavam trajes de bordo com os símbolos de
suas naves.
— O senhor pode orgulhar-se de seu trabalho — disse Bossa.
— Não sentimos orgulho — respondeu Ranus Fliederbaum. — Tínhamos o dever
de ajudar os necessitados.
Bossa acenou com a cabeça.
— Isso me faz lembrar que também tenho uma tarefa importante. Lamento ter de
deixá-los tão cedo, mas logo que puder faço-lhes outra visita.
— Como vai a Terra? E Perry Rhodan? — perguntou Fliederbaum.
— Perry Rhodan está vivo. Está fazendo um reconhecimento nas proximidades do
Enxame. Na Terra ainda há muito que fazer, mas aos poucos o abastecimento vai se
normalizando.
— Fico satisfeito em ouvir isso — disse Fliederbaum. — Minha família vive em
Terrânia, como já deve saber. Tomara que ainda esteja viva.
De repente o mercador parecia deprimido.
— Verificarei isso antes de visitá-los de novo — prometeu Bossa, apesar de saber
que seria muito difícil conhecer o destino de uma única família.
Fliederbaum e Ydrani levaram o armador de naves de volta à rampa junto à qual
estava atracado seu jato espacial. Os homens apertaram-se as mãos.
Antes de entrar na eclusa de sua nave, Bossa virou-se mais uma vez. Fliederbaum
acenou com o braço.
— Shalom! — disse a voz saída do alto-falante instalado em seu capacete.
— Shalom! — disse Bossa.
***
Quando o jato espacial voltou ao espaço normal perto do sistema de Aslan. Bossa
Cova simulou uma tentativa de entrar de novo no espaço linear. Ligou o conversor
Waring por pouco menos de três minutos e interrompeu o suprimento de energia.
Alguém que dispusesse de um bom rastreamento energético devia ter a impressão
de que o conversor linear falhara na passagem para o semi-espaço.
Numa situação destas a tripulação de qualquer nave tentaria fazer o conserto com os
recursos que havia a bordo. Por isso Bossa deixou que se passasse uma hora e meia antes
de ativar o raio de hipercomunicação direcionado para Olimpo e transmitir o SOS. O raio
de hipercomunicação foi direcionado de maneira a passar rente à área em que deviam
estar as vinte naves ertrusianas.
Dali a trinta segundos respondeu ao chamado Mark Pruther, um menino de doze
anos que permanecera imune e trabalhava de dia no centro de rádio de Containtrans.
Mark Pruther não fora informado sobre o plano e enviou uma mensagem de
hipercomunicador que seria recebida em toda parte num raio de milhares de anos-luz.
— Aqui fala o radioperador de Containtrans Olimpo — disse Mark. — Recebemos
seu pedido de socorro, Coronel Cova. Mr. Troyonas será informado. Que posso fazer
pelo senhor?
— Meu Waring não está funcionando — respondeu Bossa e indicou sua posição. —
Preciso ir à Terra numa missão importante. Faça o favor de mandar alguém buscar-me.
— Não sei se será possível. Um momento. Mr. Troyonas está chegando.
O rosto de Shar ter Troyonas apareceu na tela. Shar não deixou perceber que
conhecia Bossa.
— O senhor enviou um pedido de socorro, Coronel Cova. Mark informou que seu
Waring não está funcionando.
— Realmente — respondeu Bossa em tom impaciente. — Isso me obrigou a
interromper o voo para a Terra. Parece que o conversor Waring sofreu um efeito de
transformação. É possível que exploda dentro de algumas horas. Envie imediatamente
uma nave-resgate.
— Isso não é tão fácil — respondeu Shar. — Temos naves de sobra, mas faltam
pessoas para tripulá-las. Além disso um conversor Waring não explode. Na pior das
hipóteses se queima. Aguente até que possamos mandar alguém.
— Não é possível! — gritou Bossa fazendo-se de exaltado. — Sou o Coronel Cova,
da nave Good Hope II, homem de confiança de Rhodan. Tenho de entregar uma
mensagem secreta urgente ao Marechal-Solar Deighton ou a Roi Danton.
— Hoje em dia nada é tão urgente que se arranque uma perna por isso — respondeu
Shar ter Troyonas em tom calmo.
— A mensagem que levo é tão importante que justifica a convocação de todos os
imunes de que possamos dispor — afirmou Bossa. — É mais importante do que qualquer
coisa que aconteceu nestes últimos doze meses.
Shar ergueu as sobrancelhas.
— Muito bem, coronel. Se é assim, passe a notícia para mim. Retransmiti-la-ei
imediatamente através de nossa cadeia de retransmissoras.
— Isso é impossível! — contestou Bossa, fingindo-se de desesperado. — As
informações que levo são estritamente confidenciais e tão importantes para o futuro de
nossa civilização que não posso assumir o risco de fazê-la chegar aos ouvidos de uma
pessoa não autorizada. Eu suplico, Mr. Troyonas! Mande uma nave.
Shar suspirou.
— Aceito sua explicação, mas estamos enfrentando um problema difícil. Pode
demorar algumas horas até que eu consiga juntar algumas pessoas para tripular uma nave,
Coronel Cova.
— Obrigado. Faça o que estiver ao seu alcance para que a demora seja a menor
possível, Mr. Troyonas. Permanecerei na mesma posição. Final.
Bossa Cova desligou o hipercomunicador, acendeu um charuto e esperou. Tudo
dependia de que as vinte naves ertrusianas tivessem sido roçadas pelo raio de hiper-rádio
direcionado e que Terser Frascati e Nos Vigeland, os dois homens pertencentes ao
triunvirato ertrusiano, julgassem a notícia importante a ponto de querer apoderar-se dela.
***
Frascati e Vigeland, que se encontravam a bordo da nave-capitânia ertrusiana,
tinham acompanhado a troca de mensagens entre Covas e Olimpo. Depois que a tela do
hipercomunicador se apagou, os dois entreolharam-se demoradamente. Sabiam, por causa
de mensagens já interceptadas, que Perry Rhodan estava vivo e observava o Enxame a
bordo de uma nave chamada Good Hope II.
— Coronel Bossa Cova — disse Frascati em tom pensativo. — Nunca ouvi este
nome.
— Pois acho que eu já ouvi — respondeu Nos Vigeland. — Acabo de me lembrar!
Um terrano de pele negra chamado Bossa Cova já foi um grande armador de naves e um
grande aventureiro. Não é de admirar que nestes tempos agitados Rhodan tenha feito dele
seu homem de confiança.
— Também me lembro. Não foi o tal do Cova que escreveu sob o pseudônimo
Coron Walden o romance “Os Fogos Negros de Vurla”?
— Isso mesmo, Terser. Gostaria de saber que mensagem é esta que ele diz ser tão
importante para o futuro da civilização terrana.
Terser Frascati franziu a testa e num gesto distraído passou a mão pela crista de
cabelos cor de areia que enfeitava a cabeça calva.
— Rhodan observa o Enxame. Logo, deve ter alguma coisa a ver com isso.
Portanto...
Terser fitou Vigeland com uma expressão indagadora. Nos Vigeland acenou com a
notícia.
— Portanto, vamos ver se conseguimos o texto da mensagem.
Frascati sorriu, ligou o telecomunicador ajustado na frequência das vinte naves e
disse:
— Frascati falando. Nos Vigeland e eu resolvemos capturar o jato espacial no qual
se encontra o oficial terrano cuja mensagem de hipercomunicação ouvimos.
— Quero falar com o Almirante Shiwin, da Puwa. Responda, Almirante Shiwin.
O rosto cheio de cicatrizes de um ertrusiano idoso apareceu na tela. Os olhos tinham
uma expressão fria e nos cantos da boca via-se um traço de crueldade.
— Estou ouvindo, senhor! — disse Shiwin com a voz áspera.
— Almirante Shiwin. Leve a Puwa à posição do terrano. Assim que tiver localizado
o jato espacial, pegue alguns homens de confiança e vá para lá num barco espacial.
Prenda o Coronel Cova e apodere-se da mensagem. Suponho que ela esteja gravada numa
espula de informações do tipo usado pela Segurança Solar.
Shiwin sorriu friamente.
— Entendido, senhor. E se o terrano tentar resistir? Devemos matá-lo?
— De forma alguma. Não somos monstros. — Frascati deu uma risada cínica. —
Use paralisadores e armas narcotizantes e traga-me o homem com a mensagem. Final.
Frascati desligou e virou-se para os rastreadores. Dentro de alguns minutos a Puwa
separou-se do grupo, acelerou e entrou no semi-espaço.
Nos Vigeland levantou e dali a pouco voltou com um garrafão de vinte litros e dois
copos gigantescos.
— Vamos brindar para que a missão seja bem-sucedida, Terser — disse e encheu os
copos.
Em cada um deles cabia cerca de meio litro de rum de oitenta por cento.
Os dois ertrusianos esvaziaram os copos. Terser Frascati enxugou os lábios com o
dorso da mão e disse:
— Se Runeme também tivesse sido bem-sucedido, nosso triunfo seria completo. Em
Olimpo há um milhão de ertrusianos saqueando todos os depósitos de mantimentos e
daqui a pouco teremos a mensagem de Rhodan. Mais alguns resultados como este, e
exerceremos o poder irrestrito na Galáxia.
Vigeland voltou a encher os copos.
— Vamos brindar a isso, Terser!
Em seguida derramou goela abaixo o rum de alto teor alcoólico como se fosse água,
arrotou e fixou os olhos vidrados num ponto à sua frente.
Terser Frascati guardou a garrafa, bebericou um gole de rum e recostou-se
confortavelmente na poltrona. Queria estar sóbrio quando lhe trouxessem o coronel
terrano.
5

Bossa Cova sorriu ao ver os rastreadores reagirem, mostrando uma nave de dois
quilômetros e meio de diâmetro saindo do semi-espaço a três horas luz e meia de
distância.
Bossa desligou todos os sistemas, menos o de sobrevivência biológica. Fez isso para
simular uma tentativa de escapar aos rastreadores da nave ertrusiana. Mas quando os
primeiros raios de rastreamento atingiram o veículo, Bossa voltou a ativar os sistemas e
aumentou a potência dos geradores de fusão.
Enquanto isso a outra nave acelerou em sua direção. Não havia nenhuma dúvida de
que o jato espacial fora descoberto.
Bossa Cova acelerou. Queria que os ertrusianos acreditassem que resolvera fazer
mais uma tentativa com o conversor Waring defeituoso, para escapar no semi-espaço.
Nada devia levar a crer que ele se deixara capturar voluntariamente.
Quando a velocidade atingiu a marca necessária, Bossa ligou o conversor linear e
acionou o teledetonador das cargas térmicas de fusão presas no conjunto.
Ficou intrigado e olhou para os controles do conversor linear quando o jato espacial
não retornou ao espaço normal.
Será que as cargas não tinham sido detonadas?
Bossa voltou a acionar o teledetonador. Ainda desta vez não aconteceu nada.
Praguejou e arrancou a chapa de revestimento do detonador para examinar os controles.
Um fio finíssimo que fazia a ligação com o transmissor de impulsos de detonação se
tinha queimado!
Será que o plano ia fracassar por causa de um problema insignificante?
O armador de naves pegou uma chave de fendas elétrica e ligou as duas
extremidades do fio queimado. O jato espacial sofreu um solavanco. No mesmo instante
as estrelas do espaço normal reapareceram — e um sol branco ofuscante brilhou bem à
frente da nave!
Bossa tirou a chave de fenda do contacto e atirou-a fora, num gesto furioso. Fora
tudo em vão, somente porque o fio que fazia a ligação se tinha queimado. Isso devia ter
acontecido quando os abalos estruturais produzidos pelo Enxame sacudiram o jato
espacial.
Bossa amaldiçoou-se por causa de sua curiosidade. Estragara um plano tão bem
elaborado somente por ter-se aproximado do Enxame, contrariando as instruções de
Deighton e Danton.
Enquanto isso o jato se aproximava balançando e em velocidade infraluz do sol
branco. Bossa Cova mudou de direção. Percebeu que três jatopropulsores não
funcionavam mais e o quarto trabalhava de forma intermitente. Os estabilizadores
também estavam equilibrados. A nave estava praticamente destroçada.
Depois de tirar o jato espacial da rota perigosa, Bossa voltou a dedicar sua atenção
aos rastreadores para orientar-se. Permanecera no semi-espaço quase um minuto. Era o
suficiente para percorrer muitos anos-luz com o propulsor linear.
Bossa Cova olhou incrédulo para a tela de controle do hiper-rastreamento.
Dezenove ecos de rastreamento destacavam-se nitidamente.
Dezenove espaçonaves!
De repente o armador de naves sorriu ironicamente.
Vinte menos um era igual a dezenove. Escapara, contra a vontade, à vigésima nave
que saíra em sua perseguição, somente para cair praticamente nos braços das dezenove
unidades.
Ainda havia a estrela branca, o sol anão Aslan.
Mas é claro!, pensou Bossa. Enquanto me encontrava no semi-espaço, só acelerei
com dez por centro da potência. Logo, não poderia ter ido longe.
Bossa voltou a olhar para a tela e viu que duas naves se tinham separado do grupo e
vinham em sua direção. Não era de admirar. Sem dúvida tinham detectado a liberação de
energia das cargas térmicas de fusão, que durara alguns minutos depois do retorno ao
espaço normal.
E agora?
Bossa não podia esperar que o capturassem. Apesar da mudança involuntária do
plano, devia continuar a fazer o papel de mensageiro secreto de Rhodan, fazendo tudo
para não ser capturado.
O que faria um mensageiro secreto de verdade se de repente se encontrasse no
sistema de Aslan?
Tentaria esconder-se num planeta. Naturalmente! Só podia ser isso.
Turtle's Paradise devia ser um bom esconderijo para alguém que era perseguido.
Além disso era o que ficava mais próximo.
Bossa Cova fez algumas medições e chegou à conclusão de que Turtle's Paradise
ficava justamente do outro lado do sol. Seria mesmo sorte demais se estivesse do mesmo
lado.
Numa manobra arrojada Bossa passou rente “embaixo” do sol. O campo energético
de grande potência ainda estava funcionando e iluminou-se quando o jato atravessou a
coroa solar. O armador de naves viu na tela as duas naves ertrusianas mudarem a rota
para seguir diretamente para o primeiro planeta. Não fora difícil para os comandantes
adivinhar as intenções de Cova.
Normalmente um jato espacial era muito mais veloz que uma nave-transporte de
tropas. Mas com três propulsores sem funcionar e um falhando, a nave não alcançava
setenta por cento de sua aceleração máxima. Por isso os ertrusianos chegaram a Turtle's
Paradise quase no mesmo instante que Bossa Cova.
Como se não bastasse, o quinto jatopropulsor também entrou em pane. Bossa teve
muita dificuldade em estabilizar a nave com os controles manuais. Quando o
telecomunicador deu o sinal de chamada, o jato espacial entrava balançando na atmosfera
planetária.
Bossa ligou o aparelho. A imagem de um general ertrusiano apareceu na tela.
— Nave-transporte Arounde chamando jato espacial não identificado — disse o
ertrusiano. — Pare para que possamos ajudá-lo.
— Deixe-me em paz — respondeu Bossa. — Não preciso de ajuda.
— Sua nave está bastante avariada — afirmou o general. — Além disso tenho a
impressão de que os estabilizadores não estão funcionando.
— Estão fingindo, Mr. Arounde. Fazem isso toda vez que venho a Turtle's Paradise
para pescar. Passe bem!
Os objetos começaram a rodar à frente de Bossa quando o quinto propulsor
explodiu e o sistema de gravitação artificial deixou de funcionar. No mesmo instante
houve o impacto do veículo na atmosfera. O campo superenergético tremeu e
desapareceu.
— Até parece verdadeiro demais — murmurou o armador de naves e fez descer o
jato que gingava violentamente. Depois de tentar três vezes conseguiu ativar os projetores
do campo energético.
A maior parte da superfície de Turtle's Paradise estava oculta sob espessas camadas
de nuvens. Só em uns poucos lugares via-se o brilho azul de um oceano. Não se
enxergava nenhuma porção de terra.
Bossa olhou para a tela de rastreamento e viu que os ertrusianos haviam enviado
quatro barcos espaciais atrás dele. As naves esféricas de oitenta metros de diâmetro
tentaram cercá-lo. Felizmente não se podia ultrapassar certas velocidades para não
prejudicar o funcionamento dos rastreadores. Se não fosse assim, os barcos espaciais
teriam alcançado bem depressa o jato que descia balançando.
Finalmente Bossa atravessou a camada de nuvens. Viu embaixo dele uma coisa
parecida com as ondas congeladas de um oceano — e no horizonte os contornos de uma
grande ilha. Numerosas ilhas menores sobressaíam do mar em vários lugares, mas
ninguém podia esconder-se nelas. Por isso Bossa dirigiu-se à ilha maior.
De repente sua nave sofreu um forte solavanco. Eram os ertrusianos tentando
capturá-lo com raios de tração. Bossa conseguiu livrar-se. Seguiu em alta velocidade para
a ilha, voando pouco acima das ondas.
De repente suas vistas se turvaram. Bossa sentiu um formigamento nos braços e nas
pernas e teve a Impressão de que o tempo estava passando mais depressa.
Já conhecia a sensação.
Aparecia toda vez que alguém atirava com armas narcotizantes em sua direção.
Alguma sequela das influências a que estivera exposto em Vurla tinham-lhe dado uma
imunidade parcial contra os raios narcotizantes. Só perdia os sentidos depois de um
bombardeio concentrado que durasse pelo menos um minuto.
Bossa aumentou a potência dos propulsores até que o mostrador eletrônico
ultrapassou em muito a marca do perigo. A sereia de alarme soou de repente. O jato
espacial deu um tremendo salto. Os rastreadores falharam.
Dali a alguns minutos Bossa reduziu a potência dos propulsores. Viu que o jato
estava sobrevoando a costa da ilha. Matas tropicais espessas se estendiam à sua frente e
embaixo dele. Vez por outra uma montanha rochosa se destacava no meio delas. No
centro da ilha via-se um vulcão fumegante.
Bossa freou ao máximo, mas apesar disso passou pelo vulcão antes que conseguisse
neutralizar a velocidade do jato. Fez uma curva e viu os quatro barcos espaciais voando
baixo em cima dele. Seus jatopropulsores de proa soltaram feixes de impulsos ofuscante
quando também frearam ao máximo.
Bossa Cova passou junto à montanha vulcânica fumegante e fez o jato pousar entre
um campo de lava e a mata. Pegou o controle de detonação e atirou-o no triturador de
lixo. Em seguida certificou-se de que o estojo com a cápsula de informações estava em
seu bolso.
Bossa alcançou a mata no momento em que os quatro barcos espaciais apareceram
atrás do vulcão. Deviam ter localizado prontamente o jato espacial, pois prepararam-se
para pousar.
Bossa Cova desapareceu entre as árvores esquisitas da mata virgem. Como não
havia vegetação rasteira, conseguiu avançar rapidamente. Mas precisava alcançar um
lugar onde não pudesse seguir adiante, sem provocar suspeitas.
Bossa Cova assustou-se ao deparar de repente com uma horda de animais do
tamanho de gorilas. Também eram parecidos com os gorilas terranos na forma, mas havia
uma diferença. Em vez do couro coberto de pelos possuíam uma espessa pele cinzenta.
Os animais fitaram-no entre as pálpebras espessas e preguiçosas antes de sair de seu
caminho, sem muita pressa.
Depois de alguns minutos Bossa ouviu o zumbido característico dos propulsores
antigravitacionais. Olhou para cima e por alguns instantes viu uma sombra deslizando
acima das copas das árvores. Os ertrusianos usavam planadores para procurá-lo.
Dali a um instante Bossa percebeu que não o procuravam somente com planadores.
Batidas surdas vieram da direção da qual ele tinha vindo. O ritmo monótono era um sinal
de que se tratava de robôs.
Bossa Cova continuou correndo. Dentro de alguns minutos alcançou uma
gigantesca área pantanosa. Um líquido marrom-esverdeado brilhava em poças, animais
parecidos com morcegos, do tamanho de macacos, sobrevoavam a área, e os corpos
úmidos brilhantes de pequenos sáurios rolavam na lama.
Era o lugar ideal para deixar-se pegar. Naquele lugar ninguém podia andar mais que
alguns metros. Por isso Bossa usou o equipamento de voo do traje espacial. Dessa forma
podia ser detectado e capturado.
Tomara que se contentem mesmo em capturar-me, pensou. Afinal, não precisam
tanto de mim, mas principalmente de minha cápsula com a mensagem, e esta eles podem
tirar de um morto.
Bossa sorriu ao lembrar-se de que nem podiam usar armas mortais contra ele. A
cápsula também poderia ser destruída.
Bossa ligou o equipamento de voo e sobrevoou a área pantanosa a poucos metros de
altura. Depois que tinha percorrido algumas centenas de metros olhou para trás e viu os
robôs saindo da mata. Eram máquinas prateadas brilhantes, de mais de quatro metros de
altura, sem cabeça.
Os robôs também o viram. Ergueram os braços armados. As coisas pareciam
confundir-se diante de seus olhos e de repente teve a impressão de que os sáurios voavam
duas vezes mais depressa.
Cova escapou recolhendo-se numa montanha rochosa que se erguia no meio do
pântano. Viu pelos cantos dos olhos dois planadores se aproximando do oeste. Dali
veriam por meio da ampliação setorial cada um de seus movimentos. Logo, estava na
hora do penúltimo ato.
Bossa Cova pegou o estojo, tirou a cápsula e atirou o recipiente no pântano. Seus
movimentos convenceriam qualquer um de que acreditava não estar sendo observado. Era
isso mesmo que ele queria.
Depois de hesitar um pouco, engoliu a cápsula, que desceu sem dificuldades pelo
esôfago.
Foi a primeira peça; logo vou aprontar outra — murmurou Bossa, com um sorriso
retorcido.
Viu que os robôs também tinham ligado os equipamentos de voo e vinham em
direção à ilha onde ele se encontrava. Bossa Cova pegou a arma energética, destruiu a
primeira máquina, que ao explodir derrubou mais um robô.
O armador de naves destruiu mais dois robôs antes de perceber que estava no fogo
concentrado de vários canhões narcotizantes pesados. Levantou de um salto,
cambaleante, e ficou atirando às cegas. Círculos de fogo dançavam à frente de seus olhos;
o corpo ficou frio e pesado.
Bossa Cova caminhou balançando em direção ao pântano, mas não chegou longe.
Teve a impressão de que flutuava no ar — e de repente um relâmpago imaginário apagou
de vez sua mente.
***
Terser Frascati e Nos Vigeland observavam nas telas da sala de comando os barcos
espaciais que estavam voltando.
Frascati falou pelo telecomunicador com o comandante do pequeno grupo-tarefa.
— Tenho a impressão de que o Coronel Cova é um sujeito obstinado — disse o
homem. — Quase escapou. Só caiu depois que abrimos fogo concentrado contra ele com
os canhões narcotizantes dos planadores.
— Ainda está inconsciente? — perguntou Frascati.
— Sim, senhor. Infelizmente conseguiu engolir a cápsula com as notícias antes de
pormos as mãos nele. Vimos pela ampliação setorial; certamente acreditava que não
estava sendo observado.
— Bem, se ele engoliu a cápsula, ela não está perdida. Leve o homem
imediatamente à clínica de bordo. Providenciarei para que seja submetido a uma cirurgia.
Vigeland sorriu ironicamente.
— Ele poderia ter evitado isso, não poderia?
Frascati deu de ombros.
— Eu ficaria desconfiado se ele não fizesse tudo que estava ao seu alcance para
evitar que a mensagem de Rhodan caísse em nossas mãos.
Em seguida entrou em contato com o Professor Dr. Gavani Ichthos, o único médico
imune que viajava na nave. Ichthos era um excelente cirurgião. Frascati e Vigeland o
tinham levado para no caso de uma emergência não ficar sem cuidados médicos.
O Dr. Ichthos respondeu em tom contrariado. Abandonara seus pacientes no
hospital de Cursulon, em Ertrus, porque Frascati o obrigara de armas nas mãos.
— Vá à clínica de bordo! — ordenou Terser Frascati. — Prepare tudo para um
serviço de emergência. O paciente será levado dentro de alguns minutos. O senhor
verificará onde ela se encontra e fará sua remoção cirúrgica.
— Ele deu seu consentimento? — perguntou o Dr. Ichthos.
— Não. Está inconsciente. Além disso é nosso prisioneiro.
— Para um médico isso não importa. Esperarei que ele acorde e...
— O senhor fará o que eu disser! — interrompeu Frascati em tom áspero. — Não
quer voltar quanto antes para junto de seus pacientes?
O médico desistiu. No hospital de Cursulon precisavam dele com urgência e ele não
estava disposto a arriscar a vida de centenas de pacientes somente para evitar que um
prisioneiro fosse submetido a uma cirurgia de rotina.
— Farei, sim — respondeu.
— Era o que eu esperava — disse Frascati.
— Assistiremos à operação, não é mesmo? — perguntou Nos Vigeland.
Terser Frascati acenou com a cabeça.
Neste momento a sala de rádio chamou, informando que o Almirante Shiwin, da
Puwa, fizera contato pelo hipercomunicador. Terser mandou transferir a ligação para a
sala de comando.
Dali a pouco o almirante o fitou de cima da tela. Shiwin perdera um pouco de sua
auto-segurança.
— O terrano entrou no semi-espaço antes que pudéssemos chegar perto dele —
informou. Realizamos algumas manobras lineares de curta direção porque esperava que
ele não fosse longe com seu conversor avariado. Infelizmente não houve resultado.
— O senhor é um fracasso total — disse Frascati em tom frio. — Mas sobre isto
conversaremos oportunamente. Apesar do erro cometido pelo senhor prendemos o
terrano em Turtle's Paradise. Volte imediatamente.
— Sim, senhor — respondeu o Almirante Shiwi com o rosto sombrio. — Mas não
pense que pode ofender-se sem motivo.
Terser Frascati resolveu contemporizar porque sabia que dependia da lealdade de
Shiwi.
— Não leve tudo ao pé da letra — pediu. — Temos coisa mais importante a fazer
que ficar discutindo.
Shiwin acenou com a cabeça.
— Sem dúvida. Mas gostaria que pensasse antes no que vai dizer. Final.
Frascati desligou. Estava furioso. Quis dizer alguma coisa para Vigeland, mas neste
momento chegou a informação de que o Coronel Cova acabara de dar entrada na clínica
de bordo.
— Vamos à sala de observação — disse a Vigeland.
Nos Vigeland esfregou as mãos.
— Estou muito curioso para conhecer as notícias secretas de que o terrano é
portador.
A sala de observação ficava ao lado da sala de cirurgia. A parede separatória era
transparente de um lado. Além disso era possível acompanhar a cirurgia através de vários
canais de trivídeo.
Frascati viu Gavani Ichthos mexendo na máquina de cirurgia enquanto dois robôs
despiam o terrano, que continuava inconsciente. Um terceiro robô preparava o aparelho
de raios X para uma radiografia por setores.
Frascati fez uma ligação de interfone com a sala de cirurgia e disse:
— Professor Ichthos, fale durante o enxame e a cirurgia, para que possa
acompanhar tudo.
O médico não respondeu, mas tirou do armário um pequeno telecomunicador e
pendurou-o no pescoço.
— Primeiro faria a radiografia setorial — disse. — Depois terei de verificar o grau
de narcotização.
Os dois robôs que tinham despido o Coronel Covas carregaram-no para o lavatório
para limpá-lo e desinfetá-lo. Depois de alguns minutos trouxeram-no de volta. Bossa
Cova estava deitado numa maça antigravitacional.
Os robôs colocaram-no na plataforma do raio X automático. O terrano parecia
pequenino na placa feita para ertrusianos. O Dr. Ichthos ajeitou-o e fez sinal para o robô
parado junto ao raio X para que ligasse o aparelho. Ouviu-se um zumbido fraco. Dali a
instantes saiu a radiografia já revelada.
O Dr. Ichthos pegou-a e enfiou-a na entrada do aparelho automático de observação.
Uma tela iluminou-se, mostrando a radiografia por camadas do corpo de Covas.
O médico ligou algumas ampliações setoriais e voltou a desligá-las — menos a que
mostrava a mucosa do estômago do terrano. Ichthos levou o indicador eletrônico a um
lugar em que se notava uma granulação quase invisível.
— Eis aí o objeto engolido — disse com a voz indiferente. — Parece que a cápsula
ficou envolta numa massa celular organicamente viva, que ficou presa numa dobra da
mucosa. Com um aparelho de raios X comum o corpo estranho não teria sido descoberto.
— Existe algum inconveniente em retirar a cápsula? — perguntou Frascati. Tentava
evitar qualquer tom de triunfo na voz. Só conseguiu em parte.
— Não — respondeu o médico. — É uma cirurgia de rotina que não trará sequelas
para o paciente. Vou verificar o grau de narcotização.
Obedecendo a uma ordem sua, dois robôs colocaram o terrano na mesa de
operações e prenderam-no num campo energético que só deixava livre o campo da
operação e a cabeça do paciente. O Dr. Ichthos fez passar o capacete de testes da máquina
narcotizante por cima da cabeça de Covas e mexeu numa chave. Os indicadores
luminosos mostraram os resultados.
— Parece que o paciente recebeu uma dose pequena de energia narcotizante —
disse Ichthos. — Logo recuperará os sentidos.
— Nada disso! — afirmou Frascati estupefato. — Ficou exposto ao fogo
concentrado de vários canhões narcotizantes, e isto só faz uma hora e meia.
O médico sacudiu a cabeça.
— Não é o que revela o teste. Ligarei a máquina narcotizante na dose de
manutenção para evitar que o paciente acorde durante a operação.
O médico levou o capacete de teste para o lado e substituiu-o pelo cabeçote do
narcotizador positrônico. Em seguida sentou à frente dos controles. Facas vibratórias
cintilaram. Bastaram uns poucos cortes muito bem aplicados para que a cavidade
estomacal ficasse à vista. Campos energéticos estancaram os sangramentos; braços
mecânicos desceram sobre o estômago, fecharam-se e seguraram-no. Uma sonda foi
baixando. Ouviu-se um tique-taque, que logo se transformou num rápido crepitar.
— A situação da cápsula já foi determinada — explicou o Dr. Ichthos.
Ergueu as sobrancelhas quando a máquina narcotizante emitiu um zumbido e uma
luz de alerta vermelha se acendeu no cabeçote.
O médico correu para junto do aparelho e fez a leitura dos instrumentos.
— Que houve? — perguntou Frascati.
— Não é possível. O paciente precisa de uma dose quádrupla para ser mantido sob
anestesia. Como não sei se o motivo disso é uma resistência localizada contra os raios
narcotizantes ou uma falha dos controles automáticos, sou obrigado a suspender a
operação.
— O senhor vai continuar! — disse Frascati. — A não ser que queira dar um
passeio no espaço — sem traje espacial. Além disso tenho certeza de que o terrano é
parcialmente imune aos raios narcotizantes. Não se esqueça de que ficou exposto ao fogo
concentrado de vários canhões narcotizantes e que o senhor detectou um efeito bastante
reduzido ao examiná-lo.
— Talvez o senhor tenha razão, apesar de suas conclusões serem dignas de um leigo
— respondeu o médico em tom sarcástico. — Mas apesar disso só me submeto à sua
ordem sob protestos veementes.
Como não houve resposta, o médico voltou à máquina de cirurgia e prosseguiu na
operação. Um braço mecânico pegou a cápsula e colocou-a numa concha. Depois disso as
feridas da operação foram vedadas rápida e perfeitamente com folhas de bioplástico
orgânicas e proteicamente neutras. Um plasma curativo cor-de-rosa saía de vários bocais
de jato. Injeções estabilizaram a circulação e garantiram a aceleração da cura.
— As feridas levarão três ou quatro dias para sarar — informou Ichthos. — O
paciente não apresentará cicatrizes.
O médico desligou os aparelhos e deu ordem para que o robô levasse o paciente a
um quarto da enfermaria.
— Limpe a cápsula e remova a massa celular! — ordenou Frascati. — Depois traga-
a para cá. Esperaremos na sala de observação.
Dali a cinco minutos Terser Frascati segurava a cápsula na mão. Examinou com
olhos críticos o metal avermelhado.
— Não será fácil abrir a cápsula — disse Vigeland. — Parece que possui um
revestimento de inquelônio e terconite.
— Nem penso em mandar cortá-la — respondeu Frascati. — Provavelmente o
conteúdo seria prejudicado. Se usarmos um rastreador de impulsos não levaremos muito
tempo para descobrir o código que a abre.
Era isso mesmo. O rastreador de impulsos não levou dez minutos para descobrir o
código. O envoltório abriu-se deixando à vista uma minúscula espula de som e imagem
de produção siganesa.
Graças ao centro de computação positrônica da nave os dois ertrusianos
conseguiram decifrar a mensagem. O busto de Perry Rhodan apareceu em uma das telas
da máquina automática de interpretação.
— Esta é uma notícia secreta da maior importância — disse o Administrador-Geral
terrano. Ninguém desconfiaria de que o som e a imagem tinham sido compostos com
fragmentos de mensagens anteriores.
— Dirijo esta mensagem ao Marechal-Solar Deighton e a meu filho Mike, que
foram indicados a meu homem de confiança, Coronel Bossa Cova, como destinatários da
cápsula com a mensagem.
— Como o tempo de chegada de meu mensageiro em Império Alfa foi calculado
com a maior precisão, concluo que o Coronel Cova pousou na Terra no dia três de
novembro de três mil quatrocentos e quarenta e um, às 23:32 horas. Esta indicação é
importante, por servir de base a outra indicação.
— Pela presente deixo claro que graças a investigações realizadas na área do
Enxame e à interpretação do banco de dados positrônico de uma nave manipuladora,
temos certeza absoluta de que o Enxame mudará de direção e abandonará a Galáxia
exatamente em trinta e um dias, três horas e quarenta minutos a contar do dia três de
novembro de três mil quatrocentos e quarenta e quatro, às 23.32 horas.
— Neste momento a manipulação da constante gravitacional galáctica da quinta
dimensão parará de repente. Os débeis mentais recuperarão a inteligência e os
conhecimentos em toda a plenitude.
— Por isso ordeno que a Frota Solar se reúna imediatamente, na medida em que as
naves puderem ser tripuladas. Os tripulantes transformados em débeis mentais que foram
desembarcados serão retirados dos acampamentos e recolocados nas naves.
— Dentro em breve voltarei à Terra para assumir pessoalmente o comando. Até lá
deverão ser tomadas todas as providências para que no momento em que terminar o
processo de deterioração mental a Frota esteja em condições de operar.
— Se por algum motivo não puder voltar em tempo, o Marechal-Solar Deighton e
meu filho Mike assumirão o comando supremo de metade da frota cada um. Em seguida
dirigir-se-ão aos planetas centrais da Liga Carsualense e da União Centro-Galáctica e
apresentarão um ultimato com um prazo curto no qual será exigida a renúncia dos
dirigentes e submissão ao Império Solar. Deve ser uma ação tão rápida que o inimigo não
tenha tempo de recolocar nas naves os tripulantes de sua frota que ficarem livres do
retardamento mental.
— Espero que estas ordens sejam cumpridas à risca. Não podemos permitir que os
principais perturbadores da paz da Galáxia voltem a exercer suas atividades funestas.
— Despeço-me com meus melhores cumprimentos. Tomara que dentro em breve
voltemos a ver-nos. Final.
A voz silenciou e a tela apagou-se.
Terser Frascati e Nos Vigeland ficaram com os rostos cinzentos, enquanto olhavam
fixamente para a tela escura. Depois de algum tempo Vigeland disse:
— Que terrano traiçoeiro! Onde já se viu aproveitar uma situação de emergência
para pegar-nos de surpresa!
Frascati respirou profundamente e encarou Vigeland.
— Acho isso bem natural. Também aproveitamos a situação de calamidade.
Fizemos isso por exemplo para criar o caos em Olimpo e prejudicar o abastecimento da
Terra.
Os olhos de Vigeland se arregalaram.
— Terser!
— Que foi!
— Nosso pessoal que está em Olimpo! Há um milhão de ertrusianos no planeta, em
sua maioria membros altamente qualificados de nossa frota. Depois que o retardamento
da mente desaparecer e os terranos iniciarem o ataque, precisaremos dessa gente. Sem
eles deixaremos de tripular cerca de quinhentas naves de guerra de grande porte.
Pela primeira vez, depois que tinham ouvido a mensagem de Rhodan, Terser
Frascati sorriu.
— O senhor está enganado, Nos. Quem recebeu a cápsula não foram Deighton e
Danton, mas nós. Temos de tirar nosso pessoal de Olimpo antes que Rhodan saiba que
seu mensageiro nunca chegou à Terra.
— Deixaríamos o comando de Olimpo desconfiado, Terser — respondeu Vigeland.
Frascati sorriu ironicamente.
— Não se de repente nos mostrarmos arrependidos e fingirmos reconhecer que
praticamos uma má ação. Os terranos e seus amigos, os livres-mercadores de Olimpo, são
exageradamente humanitários. Acreditarão no que dissermos.
Frascati levantou.
— Providenciarei imediatamente para que nosso grupo siga em direção a Olimpo.
***
Tipa Riordan encontrava-se num blindado voador em companhia de Shar ter
Troyonas. O veículo servia de centro de comando da Segurança junto aos ertrusianos
mentalmente retardados. De repente Lisaweta Nurjewa informou que havia mais vinte
naves de grande tamanho aproximando-se do planeta.
— Desta vez eu atiraria se estivesse no seu lugar, Mr. Troyonas — disse Tipa em
tom exaltado. — Mais um milhão de ertrusianos arruinariam de vez a economia de
Olimpo.
Shar sorriu discretamente. Roi Danton já o familiarizara com o plano. Mas,
seguindo as instruções, não falara com ninguém sobre isso. Nem mesmo a pirata
desconfiava qual era o jogo.
— Provavelmente os ertrusianos só vieram para recolher seu pessoal — respondeu
em tom inocente. — Vigeland e Frascati devem ter reconhecido que aquilo foi uma
imoralidade.
Tipa virou a cabeça que nem uma nave de rapina. A pirata fitou Shar com uma
expressão de compaixão e indignação ao mesmo tempo.
— Acho que o senhor não está batendo bem da cabeça, Mr. Troyonas. Desculpe,
mas não compreendo por que acho o triunvirato ertrusiano capaz de livrar-nos
espontaneamente de uma carga que mal acabam de jogar em cima de nós.
— É exatamente o que eles pretendem fazer — afirmou Shar e informou a pirata
sobre a missão de Bossa Cova.
Tipa Riordan ficou espantada.
— Que loucura? Eles terão uma surpresa quando o prazo passar e seu precioso
pessoal continuar com a mente retardada.
— Acho que não vai ser somente uma surpresa — respondeu Shar ter Troyonas e
aumentou a potência do propulsor. — Vamos ao centro de controle. Quero estar na sala
de rádio quando Vigeland e Frascati contarem sua história.
Chegaram bem na hora. Quando entraram na sala, Arlinda Jursuf estava sentada ao
lado de Mark, falando com Terser Frascati.
Shar ficou à frente da objetiva do hipercomunicador e disse com uma raiva fingida:
— Desta vez o senhor não vai conseguir o que quer, Mr. Frascati. Mandarei abrir
fogo contra sua nave assim que estiverem a um milhão de quilômetros do planeta. Vamos
ver se o senhor consegue digerir um tiro de canhão de conversão.
Terser Frascati levantou as mãos num gesto contemporizador.
— Que é isso, Mr. Troyonas? Tentei explicar a Miss Jursuf que lamentamos nossa
ação precipitada e irrefletida. Por favor, tente compreender que nos encontramos em
situação difícil. Por isso resolvemos largar um milhão de débeis mentais famintos em
Olimpo e outro milhão na Terra. Mais tarde, quando pudemos raciocinar de novo,
chegamos à conclusão de que nossa ação não é compatível com os princípios básicos do
humanitarismo.
— Ele mente! — disse Arlinda.
Shar sacudiu os ombros.
— Mr. Frascati, por favor, não me leve a mal se estou desconfiado. O que o senhor
acaba de dizer pode ser verdade, mas também pode ser um golpe para desembarcar mais
um milhão de débeis mentais em Olimpo.
— Acredite em mim — retrucou Frascati. — Não é nenhum golpe. Reconhecemos
que nossa ação foi desumana e além disso não queremos a ruína de um entreposto
comercial tão importante como Olimpo. Quem sabe se um dia a debilidade mental não
acaba? Quero que quando isso acontecer nada nos separe.
Hipócrita!, pensou Shar, enquanto dizia em voz alta:
— Muito bem. Vamos dar-lhe uma chance de provar sua boa vontade, Mr. Frascati.
Pare suas naves. Só inicie a manobra de aproximação daqui a duas horas. Neste meio-
tempo providenciarei para que suas naves possam ser destruídas caso desembarquem
mais débeis mentais.
— Concordo — apressou-se Terser Frascati em responder.
— Está bem — disse Shar. — Se cumprir sua palavra, não guardarei
ressentimentos. Final.
Frascati desligou.
Pouco depois o imperador entrou na sala de rádio. Pediu que Troyonas lhe contasse
o que tinha acontecido.
— Tudo bem. Já estava informado. Deighton me deu a notícia ontem pelo
intercomunicador, quando estava no meu palácio.
— Pois eu não estou — indignou-se Tipa Riordan. — E sou de opinião que Danton
e Deighton esqueceram um detalhe importante. Quero ter uma conversa a três.
O cavaleiro cinzento e Shar acompanharam-na à sala à prova de escuta. A pirata
estava nervosa.
Depois que a porta se fechou, bateu com a bengala hidráulica no chão e disse:
— Parece que tudo foi planejado com muito cuidado, mas ninguém se preocupou
em saber como faremos para salvar Bossa Cova.
— Ele tentará fugir depois que as vinte naves tiverem pousado em Olimpo — disse
Shar. — Enquanto os poucos imunes estiverem ocupados tentando atrair e fazendo passar
pelas eclusas um milhão de débeis mentais, não deverá ser difícil sair sem que ninguém
perceba.
Tipa riu debochada.
— O senhor se esquece de um detalhe. Frascati e Vigeland não são bobos. Bossa
não ficará um segundo sem ser vigiado. Se ficarmos sabendo através dele por que eles
querem tirar os débeis mentais daqui, podemos ter vontade de reter este milhão de
pessoas qualificadas em Olimpo.
O imperador e Shar entreolharam-se embaraçados.
— Ainda bem que meu velho cérebro ainda funciona muito bem c que pelo menos
hoje fiquei conhecendo o plano. Tirarei o rapaz de lá.
— Para isso a senhora teria de entrar na nave em que ele se encontra, Miss Riordan
— respondeu Shar ter Troyonas.
Tipa deu uma risadinha.
— Ouça, meu chapa. Ainda não foi inventado o lugar ao qual a velha Tipa não
possa chegar. Confie em mim.
***
Dali a quatro horas Tipa Riordan saiu do planador que a levara para perto das
naves-transporte juntamente com Kawa Dantroff.
O primeiro-vizir retorcia nervosamente as pontas dos bigodes e disse:
— Por favor, Tipa, cuide-se. Não sei se poderia viver sem a senhora.
A pirata acariciou seu rosto.
— É bom ouvir uma coisa dessas de um velho rude como o senhor, Kawa. Não se
preocupe. Dentro de duas horas no máximo estarei de volta. Aí o senhor poderá
comemorar meu sucesso com um barrilzinho de aguardente de maçã envelhecida, que até
hoje consegui esconder de você. Dê o fora.
Kawa Dantroff obedeceu.
Tipa Riordan olhou em volta. Terser Frascati e Nos Vigeland tinham tido uma ideia
para atrair seus débeis mentais para dentro das naves. Tinham enviado comandos de
robôs com mantimentos e deixado um rastro formado por verdadeiras montanhas de
alimentos, que terminava nas eclusas abertas das vinte naves. Mas se não fosse o apoio
decidido das divisões de robôs do imperador e as horríveis projeções de fantasmas de
Júpiter Koslow, poderia demorar vários dias até que os débeis mentais voltassem às
naves. Além disso os ertrusianos internados em acampamentos e os dezoito débeis
mentais do castelo Kuapum naturalmente tinham sido libertados. Alguns foram levados
para perto do campo de pouso.
A pirata agitava alegremente a bengala hidráulica e finalmente ligou o pequeno
projetar de trivídeo pendurado numa corrente sobre seu peito. O aparelho projetava em
volta de Tipa a figura de um gigantesco ertrusiano com a barba hirsuta e roupas
esfarrapadas.
Com este disfarce a pirata juntou-se às multidões dos débeis mentais que se
acotovelavam para chegar às naves. Algumas vezes correu perigo de ser derrubada e
pisoteada, mas ela sempre se desviava agilmente e afastava os débeis mentais agressivos
com fracos tiros de choque disparados com sua bengala hidráulica.
Pouco antes da nave-capitânia do grupo a situação começou a ficar perigosa. Os
ertrusianos avançavam imprensando uns aos outros, davam cotoveladas e golpes de
punho para chegar mais depressa à grande nave, onde acreditavam haver grandes reservas
de mantimentos.
De repente os débeis mentais se desviaram para o lado. Tipa não demorou a
descobrir o motivo. Dois robôs prateados brilhantes de quatro metros de altura, sem
cabeça, abriam sem a menor consideração um caminho que levava na direção em que
estavam. Se fossem robôs terranos seriam despedaçados pelos ertrusianos, mas esses
robôs tinham sido fabricados para serem fisicamente mais fortes que os ertrusianos.
A pirata sorriu. Sabia que qualquer robô ertrusiano seria capaz de enxergar através
de sua máscara com os aparelhos de rastreamento, mas não teria sido capaz de imaginar
que isso a ajudaria a chegar mais depressa aonde queria.
Tipa pôs a mão do minúsculo aparelho de interferência escondido sob seus cabelos
e ligou-o. Os raios eletrônicos saídos do aparelho apagavam os programas de ação
geralmente encontrados em robôs. Com o desempenho dos cérebros dos robôs ertrusianos
não era maior que a das máquinas terranas, que eram maiores, o efeito foi imediato.
Os dois robôs pararam abruptamente. Enquanto não fossem reprogramados ou
recebessem novos comandos, não podiam praticar nenhuma ação e além disso eram
obrigados a cumprir indistintamente todas as ordens, pouco importando por quem fossem
dadas.
— Ordem número um — disse Tipa Riordan. — Vocês são responsáveis por minha
segurança. Levem-me através da multidão ao lugar em que está preso o oficial terrano.
— Entendido — responderam os robôs ao mesmo tempo. — Pedimos que nos siga.
As gigantescas máquinas colocaram-se uma de cada lado da pirata e abriram
caminho na multidão que voltara a juntar-se.
Tipa ficou atenta no que havia ao redor dela. A influência eletrônica não podia ficar
restrita aos dois robôs, estendia-se aos elementos positrônicos da mesma espécie que
havia num raio de quatro quilômetros. Sem dúvida chegaria o momento em que na nave-
capitânia alguém percebesse que todos os robôs estavam parados.
A pirata concentrou-se principalmente nas percepções que lhe eram transmitidas
através da ligação direta com o aparelho de rastreamento escondido num pente de
hovalgônio que enfeitava seus cabelos.
Quando subia pelo elevador antigravitacional no meio dos dois robôs, percebeu que
o ambiente na sala de comando estava ficando agitado. Vários ertrusianos corriam
nervosamente de um lado para outro. Finalmente dois deles saíram e correram para o
elevador central.
Tipa sorriu. Por enquanto sua missão não corria nenhum risco. Encontrava-se num
pequeno elevador secundário.
Quando chegaram ao oitavo convés inferior, os robôs a acompanharam para fora.
Marcharam a passos retumbantes em direção a uma porta que ficava na parede lateral
esquerda de um corredor. Ali também estava postado um robô que à falta de comandos
específicos permanecia imóvel.
Os dois robôs pararam à frente da porta.
Tipa tentou abri-la encostando a mão no lugar em que nas naves ertrusianas ficava a
fechadura térmica.
Conforme esperava, a fechadura não se abriu. Era protegida por uma trava de
impulsos codificados.
— Abram a porta! — disse aos três robôs.
Um deles levantou-se e largou-a a alguns metros dali. Em seguida postaram-se do
outro lado do corredor e atiraram-se ao mesmo tempo contra a porta.
Esta desabou na terceira tentativa e os robôs caíram na sala que ficava atrás dela.
Alguém praguejou. Tipa reconheceu a voz de Bossa e correu atrás dos robôs.
Bossa Cova estava de pé num sofá e olhava assustado para os robôs deitados em
cima da porta, que à falta de ordens permaneciam imóveis.
Quando reconheceu a pirata, que tinha desligado o projetor, seu rosto mudou de
expressão.
— Ora veja quem está chegando! — exclamou sorrindo.
— Deixe de palhaçadas, rapaz! — disse Tipa. — Se quisermos sair daqui temos de
andar depressa.
Bossa olhou para um ponto situado atrás de Tipa. No mesmo instante a voz
retumbante de Frascati disse:
— A bruxa galáctica! Não precisa apressar-se mais. Daqui em diante ambos são
meus hóspedes.
Tipa Riordan ficou impassível, enquanto ativava, por meio de um impulso mental, o
pequeno lançador de agulhas envenenadas preso aos seus cabelos sob o disfarce de um
grampo.
Dois corpos pesados caíram atrás dela. O impacto os fez largar as armas.
Tipa Riordan virou-se e fitou Frascati e Vigeland com uma expressão irônica.
— Vocês deveriam ter atirado primeiro e falado depois. Em seguida dirigiu-se aos
três robôs.
— Levantem e acompanhem-nos para fora da nave.
As máquinas levantaram como marionetes e levaram Tipa e Bossa para fora.
Ninguém tentou barrar-lhes o caminho além das massas de débeis mentais que andavam
de um lado para outro dentro da nave, porque não havia nenhum robô que pudesse
mostrar-lhes o caminho. Mas os três protetores robóticos abriram caminho sem
contemplação.
Tipa fez sinal para um planador que vinha do sul em alta velocidade.
— É meu primeiro-vizir — disse.
Em seguida dirigiu-se aos três robôs.
— Voltem à nave a que pertencem! — ordenou. — Carreguem Terser Frascati e
Nos Vigeland para o lavatório da clínica e dêem-lhes um chuveiro gelado.
Os robôs confirmaram a ordem, viraram-se e saíram marchando a passos regulares.
— Pronto — disse Tipa e respirou aliviada. — Como se sente, Bossa? Como tinha
instruções de engolir a cápsula com a mensagem, os ertrusianos devem ter cortado sua
barriga.
Bossa sorriu.
— Quase não sinto mais nada. Devo ter sido operado por um excelente cirurgião.
O planador de Dantroff parou perto deles. O primeiro-vizir inclinou-se pela janela e
gritou:
— Parabéns, Tipa. Fiquei angustiado enquanto a senhora estava na nave.
— Não diga bobagens — respondeu a pirata. — Se resolvo fazer uma coisa,
costumo cumprir.
***
Pouco antes da meia-noite os últimos ertrusianos subiram a bordo de suas naves. As
escotilhas das eclusas fecharam-se e os propulsores começaram a funcionar.
Bossa Cova estava sentado na cúpula de observação da central de Containtrans
juntamente com Tipa, Kawa Dantroff e Shar. Depois da libertação de Bossa o imperador
voara para Trade City para dirigir os trabalhos de limpeza. Apesar de todas as medidas
para impedi-los, alguns milhares de ertrusianos tinham chegado à periferia da cidade.
Tinham causado grandes estragos ao procurarem alimentos.
— Frascati e Vigeland ainda não se despediram de nós — disse Shar ter Troyonas.
— Não acredito que queiram reparar a falta — disse Tipa Riordan. — Não devem
ter ficado muito contentes por termos descoberto seus verdadeiros motivos.
As vinte naves-transporte subiram em grupos pequenos e seguiram com um ruído
ensurdecedor em direção ao céu noturno. Bossa Cova riu.
— Dentro de pouco terão de engolir muitas outras coisas; quando perceberem que
caíram num golpe tipicamente terrano.
— Ainda faltam vinte e nove dias para isso — disse Tipa e levantou. — Não
pretendo ficar sentada sem fazer nada até lá.
Kawa Dantroff lambeu os lábios e perguntou:
— Tipa, a senhora me prometeu uma coisa.
— Ah, sim! A aguardente de maçã. Mr. Troyonas e Bossa, permitam que os
convide para tomarmos um barrilzinho da velha aguardente de maçã terrana marca
Dreadful.
— Mr. Cova sofreu uma operação no estômago! — indignou-se Dantroff, que via
diminuir sua ração. — Não pode tomar álcool.
— Posso, sim, e vou tomar — disse Bossa sorrindo. — Não vou perder uma
aguardente de maçã como esta.
— Também aceito seu convite — disse Shar. — Mas antes disso tenho de fazer uma
ligação com Império Alfa para transmitir a notícia da missão bem-sucedida.
— Só falta ele convidar Danton e Deighton — resmungou Kawa. — Será que vai
sobrar alguma coisa para mim?
Shar ter Troyonas deu uma risada seca.
— Tenho certeza de que o Marechal-Solar Deighton e Rhodan não têm tempo para
participar de uma bebedeira — disse.
— Além disso — explicou Tipa Riordan — podemos abrir mais um barril, se o
primeiro não chegar.

***
**
*
Bossa Cova, que se fez passar por mensageiro
espacial, conseguiu enganar os ertrusianos — e a paz
voltou a reinar em Olimpo, onde as hordas famintas de
Ertrus começavam a descarregar sua fúria.
A ação passará a desenvolver-se na Good Hope II,
junto a Perry Rhodan. Sua expedição encontra Os
Guardiões da Solidão.
Os Guardiões da Solidão é este o título do
próximo volume da série Perry Rhodan.

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www.perry-rhodan.com.br

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