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O MENSAGEIRO
ESPACIAL
Autor
H. G. EWERS
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Os calendários do planeta Terra registram os primeiros
dias do mês de novembro do ano 3.441. Faz cerca de um ano que
houve a catástrofe que atingiu quase todos os seres inteligentes
da Galáxia.
A fome e o caos continuam a reinar na maior parte dos
planetas e das bases planetárias, pedidos de socorro continuam a
chegar do espaço. E as poucas pessoas do Império Solar e de
outros povos estelares que não foram atingidas pelo processo de
deterioração mental continuam a fazer esforços sobre-humanos
para controlar o caos e abastecer seus pobres concidadãos com
aquilo de que precisam para sobreviver.
Mas Perry Rhodan e seus sessenta companheiros, entre os
quais estão Gucky, Atlan e muitos outros velhos conhecidos,
assumiram uma tarefa ainda mais difícil. Contando com o apoio
da nave-capitânia de Reginald Bell, a Intersolar, o
Administrador-Geral tenta pesquisar o misterioso Enxame, que
continua a avançar inexoravelmente pela Galáxia e cujos chefes
não menos misteriosos são os responsáveis pela modificação da
constante gravitacional e pelo retardamento mental de âmbito
galáctico por ela produzido.
Enquanto Perry Rhodan e sua nave, a Good Hope II, um
pequeno cruzador espacial com equipamentos especiais, se
encontra de novo perto do Enxame e prossegue na caça a novos
conhecimentos e informações, os três ditadores da Liga
Carsualense tramaram um plano infame, pelo qual a Terra e
Olimpo deverão ser lançados novamente no caos, de forma que o
trabalho de reconstrução já realizado seria inutilizado.
Um homem foi escolhido para frustrar esse plano — O
Mensageiro Espacial...
Bossa Cova acordou com o zumbido que mostrava que havia alguém à frente da
porta de seu camarote. Tipa Riordan e ele tinham-se revezado na observação da frota de
naves de transportes ertrusianos. Fazia pouco tempo que ele tinha adormecido.
Bossa ativou o sistema de imagens, saltou da cama e encarou a pirata com uma
expressão de curiosidade.
— Alguma novidade com nossos queridos ertrusianos? — perguntou.
— Não, Mr. Cova. — Tipa foi para junto de uma poltrona e deixou-se cair nela com
um gemido. — O grupo se afasta do sistema de Aslan em queda livre. Parece que está à
espera de alguma coisa. Mas não foi por isso que o acordei. Mr. Troyonas fez contato
pelo hipercomunicador. Quer que voltemos imediatamente para Olimpo.
— Só isso?
— Só — confirmou a pirata laconicamente. — Mas conheço Troyonas e sei que ele
deve ter tido um bom motivo para dar essa ordem.
Bossa espreguiçou-se, bocejou e levantou-se de vez. Como dormira num traje
espacial, estava pronto para entrar em ação. Ele e Tipa Riordan dirigiram-se à cabine de
comando. Bossa sentou na poltrona do piloto e aumentou a potência dos geradores. Tipa
ocupou o lugar à frente dos controles dos rastreadores.
Durante o voo para Olimpo Bossa Cova manteve-se calado. Mergulhou nas
recordações de tempos melhores, e isto o deixou triste. Quando se lembrou de Doreen e
Aine, soltou um forte suspiro. Suas companheiras de brincadeira não tinham resistido ao
processo de deterioração mental da mesma forma que ele, e apesar de não ser de opinião
que as mulheres inteligentes são as melhores, não pudera ficar com elas. As duas viviam
no castelo Kuapum, nada lhes faltava e Io cuidava delas, mas a separação lhe causava
sofrimento. Bossa resolveu visitá-las logo que pudesse.
O jato espacial pousou numa área pequena perto do centro de Containtrans. Bossa
despediu-se de Tipa Riordan, que queria viver num planador da Dreadful.
Bossa Cova perguntou por Shar ter Troyonas. Foi informado de que ele se
encontrava no centro de controle de Containtrans. Bossa foi para lá e Shar o levou a uma
sala à prova de escuta.
— Que segredos tem a me comunicar, Shar? — perguntou em tom irônico e sentou-
se.
Troyonas olhou para ele com uma expressão séria.
— Mr. Danton me pediu que colocasse à sua disposição um homem capaz de
cumprir uma importante missão secreta, Bossa. Não sei do que se trata, mas em minha
opinião é o senhor que se adapta melhor às exigências indicadas por ele.
Bossa franziu a testa.
— Eu? Quem sou eu? Um antigo dono de nave que recuperou o QI original. Não sei
por que isso me qualifica para uma importante missão secreta.
— Não se faça de modesto, Bossa. Sei perfeitamente que além da atividade de
armador de nave bem-sucedido o senhor teve uma vida cheia de aventuras. Quem mais
sobreviveu a uma expedição a Vurla?
Bossa Cova sorriu ironicamente.
— Tipa Riordan, por exemplo.
Foi a vez de Troyonas sorrir.
— Infelizmente nossa amiga Tipa é conhecida demais para cumprir uma missão
secreta. É claro que ninguém pode obrigá-lo a colocar-se à disposição da Segurança
Solar. Afinal o senhor é um paisano e nem o Marechal-Solar Deighton nem Roi Danton
podem dar-lhe ordens.
— Quero continuar sendo um paisano — afirmou Bossa. — Por isso aceito a tarefa
com restrições, ainda mais que não sei do que se trata.
— Está certo, Bossa. Estaria disposto a viajar para a Terra para ouvir do que se trata
e depois tomar sua decisão?
— Estou.
— Muito bem. Mandei preparar um container com uma cabine de passageiros. Pode
ir logo, Bossa.
— A gente nem pode descansar, Shar — respondeu Bossa Cova sorrindo. — Então
vamos à missão secreta. Onde está minha caixa?
— Levá-lo-ei pessoalmente, Bossa. — Troyonas sorriu. — Sua forma de exprimir-
se refresca o ânimo das pessoas.
— É típica de um aventureiro muito solicitado, meu caro. Shar ter Troyonas deu
uma risada.
Depois de ter alojado o armador de naves no container especialmente preparado,
Shar viu o gigantesco cofre de carga sendo transportado pelos campos energéticos para o
transmissor de containers e colocado no arco energético. Em seguida voltou ao seu centro
de comando para informar-se sobre a situação em Trade City. Ainda era muito perigosa.
Bossa Cova chegou ao centro nervoso do Império Solar pelo mesmo caminho que
Effa Bell e Fu Long Wa tinham seguido dois dias antes. Foi conduzido imediatamente à
sala de comunicações do centro positrônico de Império Alfa, onde Roi Danton e
Galbraith Deighton estavam à sua espera.
— Aqui estou — disse Bossa depois que se tinham cumprimentado. — Mas pode
ser de outra forma. Contem sua história.
Roi sorriu e convidou o armador de naves a sentar-se junto à mesa redonda que
ficava em um dos cantos da sala de comunicação.
— Trata-se de Olimpo — disse. — Mr. Deighton e eu refletimos para descobrir um
meio de levar os ertrusianos a retirarem seus concidadãos que largaram em Olimpo.
— Quem sabe como uma boa conversa, Mr. Danton?
— O senhor me surpreende, Mr. Cova! — disse Galbraith em tom formal.
Bossa sorriu amavelmente.
— É mesmo? Deixo surpresa muita gente, para usar suas frases nobres.
— Elaboramos um psicoplano — explicou o Marechal-Solar.
— Isso não me deixa surpreso nem outra coisa — respondeu Bossa. — Os
psicoplanos sempre foram o forte da Segurança Solar e de outras instituições parecidas.
Falem à vontade. Sou todo ouvidos.
Roi Danton riu.
— Era assim que eu imaginava o senhor depois de ouvir o relatório de Mr.
Troyonas, Mr. Cova. Acho que o senhor é mesmo nosso homem.
— Aguarde mais um pouco. Para que tipo de missão quer conquistar-me, Mr.
Danton.
Roi ficou sério.
— Trata-se de fazer chegar às mãos do triunvirato ertrusiano uma ordem
rigorosamente secreta de meu pai dirigida ao Império Alfa. Dessa ordem se deduzirá que
aproximadamente dentro de um mês o Enxame mudará de direção e abandonará nossa
Galáxia, e que depois disso o estado de debilidade mental acaba de repente.
— Isso soa bem. Quem esperou tanto tempo por um milagre não deixará de morder
a isca, desde que ela lhe seja apresentada bem temperada.
— O senhor será parte dessa isca, desde que concorde — disse Roi.
— Ou do tempero — observou Deighton.
Bossa inclinou a cabeça.
— Isso me deixa lisonjeado.
— Para que o triunvirato ertrusiano acredite nisso — prosseguiu Roi — o senhor
terá de apresentar-se como um mensageiro do senhor meu pai, trajando uniforme de
coronel terrano e viajando num jato espacial do tipo encontrado a bordo da Good Hope
II. Preparamos uma microespula com uma notícia simulada que o senhor levará consigo.
— Para não deixar nenhuma dúvida, o senhor terá de dirigir-se para perto do
chamado Enxame, ou seja, mais ou menos para o setor espacial em que opera a Good
Hope II. Além disso lhe serão transmitidos num hipnotreinamento a cargo do centro de
computação positrônica, todas as informações de que dispõe meu pai. Como ele esteve na
Terra há algum tempo, estamos muito bem informados a respeito do Enxame, do perigo
que representa e da área em que a Good Hope II opera no momento.
— De perto do Enxame o senhor levará o jato espacial por uma rota em direção à
Terra, que passe perto de Olimpo. Em viagem o senhor simulará avarias graves nas
máquinas, interromperá o voo e ficará parado perto da estrela de Boscyk. Pelo que fomos
informados por Mr. Troyonas, as vinte naves sob o comando de Frascati e Vigeland
encontram-se perto da estrela de Aslan.
— Isso eu sei. Afinal, eu e Tipa Riordan seguimos e observamos as naves até o
sistema de Aslan.
Roi Danton acenou com a cabeça.
— Escolha uma posição em que o raio direcional de seu hipercomunicador passe
rente às naves ertrusianas antes de chegar à Terra. Transmita um pedido de socorro
dirigido a Mr. Troyonas, identificando-se como homem da mais estrita confiança de meu
pai, que foi incumbido de levar uma importante ordem secreta. Mr. Troyonas lhe pedirá
que transmita a ordem pelo hipercomunicador. O senhor se recusará, exigindo que
venham buscá-lo imediatamente.
— Os ertrusianos devem chegar antes de Mr. Troyonas, não é? — perguntou Bossa.
— De fato — respondeu Roi. — Os ertrusianos naturalmente tentarão pôr as mãos
na ordem secreta. Deixe que o persigam, alcancem e prendam.
— Conheço Perry Rhodan — objetou Bossa Cova. — Se realmente fosse uma
ordem secreta, ele tomaria todas as precauções para evitar que ela pudesse cair nas mãos
de pessoas não autorizadas. Como posso fazer-me passar por mensageiro secreto diante
dos ertrusianos e permitir que ponham as mãos na notícia?
— A pergunta tem sua razão de ser — respondeu Galbraith Deighton e tirou um
estojo de aspecto insignificante do bolso do uniforme. Abriu-o e empurrou-o para a frente
de Bossa.
Cova viu dentro do estojo um objeto cilíndrico mais ou menos do tamanho de um
termômetro de febre para crianças. O objeto era avermelhado e estava envolto numa
massa transparente.
— Esta é a cápsula de informações — disse o chefe da Segurança Solar. — Foi feita
de uma liga de inquelônio e terconite e está envolta numa massa celular sintética. Se for
engolido, ele estende numerosos tentáculos finos sob a influência do calor do corpo
humano. Estes tentáculos prendem-se na mucosa do estômago, evitando que a cápsula
saia pelo caminho normal. Além disso é difícil descobrir a cápsula por meio de uma
radiografia.
— Compreendi — disse Bossa. — Até compreendo que devo deixar que meu corpo
impecável seja desfigurado por uma cirurgia do estômago. Deve ser o único meio de pôr
as mãos na cápsula depois que eu a tiver engolido.
— Isso mesmo — respondeu Roi Danton. — É claro que lhe estamos pedindo um
sacrifício enorme, Mr. Cova, mas diante da situação gravíssima no planeta Olimpo — e
como o senhor é um livre-mercador...
— ...é bom que poupe seus argumentos — disse o armador de naves. — O senhor
tocou em minha veia patriótica. Mas gostaria de fazer uma pergunta. Como farei para
escapar da maneira mais discreta possível de Frascati e Vigeland?
— Deixamos isso por conta de sua criatividade, Mr. Cova — disse Roi. — Como as
vinte naves de transporte terão de pousar em Olimpo para recolher os débeis mentais que
se tomarão tão preciosos, suas chances até que não são ruins.
— Formidável! — escarneceu Bossa Cova. — Mas concordo em tirar as castanhas
do fogo. Afinal também são minhas. Quando começaremos com o hipnotreinamento?
Roi Danton e Galbraith Deighton respiraram aliviados.
***
Dali a quatro horas Bossa estava parado à frente do espelho, contemplando o traje
espacial cujos distintivos o identificavam como coronel da Frota Solar e tripulante da
Good Hope II.
— Satisfeito? — perguntou Roi Danton. Bossa fez uma careta.
— Um traje espacial deveria ser sempre um traje espacial. Não é bom que se tenha
o mau gosto de colocar um distintivo nele, Mr. Danton.
Roi sorriu.
— Ninguém pede que o senhor se sinta como membro da Frota Solar, Coronel
Cova. Está preparado? Seu jato espacial está esperando.
Bossa acenou com a cabeça, pegou um charuto e acendeu-o calmamente.
— Pronto — disse. — Vamos indo.
Os dois tomaram o elevador antigravitacional que os levou à saída mais próxima de
Império Alfa, que era uma cúpula de aço. Quando saíram da cúpula, viram o jato espacial
pronto para decolar cem metros à sua frente. Vários sinais coloridos e o prefixo GH 1
mostravam que o veículo pertencia à Good Hope II.
Roi apertou a mão do armador de naves.
— Boa sorte, Mr. Cova!
Bossa retribuiu o aperto de mão.
— Obrigado, Mr. Danton. E diga a Shar que ponha na geladeira uma garrafa de
uísque — para o caso de eu voltar com a mucosa do estômago inteira.
Roi Danton não riu da brincadeira. Sabia que o armador de naves estava saindo
numa missão muito perigosa e que as chances de escapar dos ertrusianos eram bastante
reduzidas.
Depois que Bossa Cova desapareceu na eclusa inferior do jato espacial, Roi fez
continência e voltou aos abrigos subterrâneos de Império Alfa.
Bossa Cova também tinha consciência do risco que assumia voluntariamente. Mas
também sabia que alguém tinha de fazer isso, e não seria ele que se esquivaria de uma
tarefa absolutamente necessária.
Cova decolou e saiu em alta velocidade espaço a fora, passando perto da Lua
terrana. Não olhou para trás. Uma vez fora do sistema planetário duplo Terra-Lua, ligou o
conversor Waring. Sua rota o levaria para o lado sul da galáxia, onde o chamado Enxame
se deslocava numa série de transições curtas na direção em que ficava o braço de Orionis,
ao qual pertencia o Sol.
Bossa Cova ligou o receptor de hipercomunicação e fez girar a antena de busca
assim que sua nave retomou ao espaço normal.
Mais uma vez ouviu inúmeros pedidos de socorro, muitos deles transmitidos em
línguas desconhecidas. Sons parecidos com o chilrear dos pássaros, o rangido grave de
numerosas sequências acústicas vindas de seres nos quais pelo menos os órgãos de
fonação eram parecidos com os do homem terrano.
Bossa sentiu uma tristeza profunda ao pensar nas inúmeras civilizações que lutavam
para não desaparecer e não podiam receber ajuda, porque todas as civilizações
enfrentavam mais ou menos o mesmo problema.
Bossa desligou o hipercomunicador e preparou a segunda etapa linear. Quando
realizou a manobra de orientação seguinte estava a trinta e quatro anos-luz do sistema de
Aslan. Nessa distância não havia o perigo de ser detectado. Na viagem de volta chegaria
mais perto.
Depois da quarta etapa linear Bossa descobriu nos mostradores do hiper-
rastreamento aquilo que costumava ser chamado de Enxame. Aproximou-se ainda mais,
numa manobra linear de pequena direção. As telas de imagens mostraram um setor da
estrutura gigantesca parecida com uma massa enorme de campos energéticos
entrelaçados, milhões e milhões de gigantescas bolhas de sabão.
Enquanto olhava para as telas apareciam constantemente novos campos energéticos.
Enquanto isso as indicações dos rastreadores estruturais subiram tanto que foram
desligados pelo sistema automático de segurança, para evitar que se queimassem. Há
muito tempo as espaçonaves terranas costumavam atravessar o hiperespaço da mesma
forma.
Bossa esperara que talvez conseguisse localizar a Good Hope II ou a Intersolar, mas
sua esperança não se cumpriu. Fora mesmo uma esperança muito fraca, uma vez que o
cubo espacial em cujo interior provavelmente se encontravam as duas naves tinha
milhares de anos-luz de comprimento. Um encontro nessas circunstâncias só podia ser
obra de um acaso incrível.
De repente dois manips materializaram alguns segundos-luz à frente do jato
espacial. Tratava-se de espaçonaves manipuladoras em forma de arraia, que faziam parte
do Enxame. Bossa Cova voltou. Não estava disposto a medir forças com o veículo,
quanto mais abrir fogo.
Bossa acelerou, livrou-se dos perseguidores e entrou no semi-espaço, onde os
manips não podiam segui-lo.
Depois da primeira etapa linear o armador de naves voltou a ligar o receptor de
hipercomunicação.
De repente uma voz começou a falar em intercosmo.
— Ydrani chamando Ranus! Tenho um objeto nos hiper-rastreadores. Poderia ser
um jato espacial. Dê uma olhada.
Bossa ficou tão contente em ouvir a voz de um ser que conservara a inteligência que
ligou o hipertransmissor na frequência do desconhecido e disse:
— Aqui fala o piloto do jato espacial detectado. Bossa Cova chamando Ydrani e
Ranus. Respondam, por favor!
O receptor ficou mudo por algum tempo. Finalmente a mesma voz disse:
— Aqui fala Ydrani. Quero falar com Bossa Cova. Quem é o senhor?
— Um oficial da Frota Solar em viagem para a Terra — respondeu Cova em
conformidade com o papel que assumira. — Quem é o senhor? Posso fazer alguma coisa
para ajudar?
— Sou um sacerdote do culto de Baalol. Ranus Fliederbaum é um mercador terrano.
Fique onde está, Mr. Cova. Ranus se dirige para aí. Levá-lo-á à nossa cidade espacial.
Bossa sorriu.
Um sacerdote anti e um mercador terrano. Que dupla esquisita! Mas a calamidade
que atingia a todos certamente aplainara as divergências.
— Estou esperando — disse.
Alguns minutos depois os rastreadores estruturais indicaram uma rematerialização.
Bossa Cova franziu a testa. Ficara espantado. Nem os antis nem os mercadores terranos
usavam naves equipadas com o sistema antiquado de hipersaltos.
Dali a pouco foi-se aproximando uma estranha construção, uma figura montada
com travessas e chapas de aço das mais diversas espécies, cuja face dianteira era
enfeitada com a cabine de comando de uma velha gazela, uma precursora dos jatos
espaciais.
— Não se assuste, meu caro — disse uma voz saída do hipercomunicador. — O
velho Ranus Fliederbaum é um bom sujeito, não faz mal a ninguém. Venha para cá,
senhor oficial; use um raio de tração para a ancoragem. A Mirjam dispõe de um
propulsor de saltos de grande potência, que poderá levá-lo a Jawne.
Para sua própria surpresa Bossa obedeceu. Não foi completada a transmissão de
imagem, mas a voz de Fliederbaum o pintava como um homem sábio e bondoso, incapaz
de cometer uma traição.
Bossa aproximou seu jato espacial da estranha nave e ancorou-o com raios de
tração. Em seguida a figura acelerou, levando o jato espacial e efetuou a transição. Ao
sentir a dor da rematerialização, Bossa Cova lembrou-se do velho transmissor de matéria
arcônida, que o irradiara do sistema de distribuição para Império Alfa.
Mas dali em diante dedicou toda sua atenção à mais estranha estrutura que já tinha
visto. Um conglomerado gigantesco de fragmentos de nave encaixados uns nos outros
flutuava no espaço, longe de qualquer sol que o aquecesse. Bossa identificou partes de
naves dos tópsidas e dos blues, de naves da frota mercante arcônida e da USO, metade
daquilo que já devia ser uma nave orgulhosa do comando energético acônida e outras
peças cuja origem não conseguiu descobrir.
— Atraque no lugar em que está piscando uma luz verde, meu caro — disse Ranus
Fliederbaum. — Encontrará uma rampa que leva à entrada principal de Jawne. Irei em
seguida.
Bossa obedeceu como que num sonho. A estrutura gigantesca da cidade espacial
deixou-o fascinado, mas ao mesmo tempo lhe dava calafrios. Sentia-se que nem um
coelho hipnotizado por uma serpente.
Ancorou o jato espacial com um rato de tração junto à rampa indicada. A cerca de
dez metros dali abriu-se a escotilha de uma eclusa incrustada no casco de um fragmento
de naves dos blues. Uma figura enfiada num traje espacial saiu e acenou com o braço.
Bossa fechou o capacete pressurizado e saiu do jato. Atrás dele parou a estranha
nave de Fliederbaum. Dali a pouco uma figura enfiada num traje espacial voou para a
rampa e pousou ao lado de Bossa.
— Seja bem-vindo em Jawne, a cidade da esperança — disse Fliederbaum pelo
comunicador instalado no capacete. — Entre, senhor oficial.
Bossa Cova seguiu os dois homens para dentro da câmara da eclusa. Depois que ela
se encheu de ar, os três tiraram os capacetes.
O armador de naves viu que Ydrani era um homem de seus oitenta anos, de cabelos
brancos e com um rosto que trazia a marca da determinação e da inteligência. Ranus
Fliederbaum tinha pelo menos cento e vinte anos. Era baixo, tinha o rosto enrugado, nariz
de gancho e olhos bondosos.
— Permite que lhe ofereçamos uma xícara de café? — perguntou Fliederbaum.
Bossa sorriu.
— Um café eu nunca recuso. Fico satisfeito em ver duas pessoas que continuam na
plena posse de suas faculdades mentais.
Fliederbaum e o anti levaram-no a uma confortável sala de estar. Fliederbaum fez
café e ofereceu charutos. Bossa viu que era uma marca terrana cara.
Quando o café ficou pronto e as xícaras fumegantes se encontravam à frente dos
homens, Ydrani disse:
— As coisas estão pretas, não estão, Mr. Cova?
Bossa acenou com a cabeça.
— As civilizações galácticas sofreram um terrível golpe — disse Fliederbaum. —
Os pecados e as omissões dos homens se vingaram de uma forma horrível. Deveríamos
ter cuidado menos do progresso técnico e mais do aperfeiçoamento do espírito. Aí a
modificação da constante gravitacional não nos teria afetado.
— É possível que o senhor tenha razão, Mr. Fliederbaum — respondeu Bossa. —
Mas que culpa tem o homem de que sua natureza o impeliu a satisfazer a curiosidade? E
para isso ele tinha de criar os recursos técnicos que lhe permitiram transpor sempre novas
fronteiras.
— Pois aí está o engano — disse Fliederbaum em tom seguro. — O homem em seu
conjunto só via o Universo fora de seu espírito e esqueceu-se de que o universo mais
excitante e maravilhoso está justamente dentro de seu espírito. No espírito humano
existem muitas fronteiras para as quais se pode avançar. Mas não quero pregar-lhe um
sermão. Só gostaria que oportunamente refletisse sobre o que acabo de dizer. Que tal o
café?
— É excelente — confessou Bossa Cova. — Nada melhor que o café moído à mão
e coado em casa. As máquinas nunca alcançam o refinamento que permita fabricar um
produto igual ao do ser humano.
— De certa forma sim — disse o sacerdote de Baalol. — Mas infelizmente os
homens cometem mais erros que as máquinas.
— Aqui há outras pessoas além dos senhores? — perguntou Bossa.
— Acabe de tomar seu café e acompanhe-nos — respondeu Fliederbaum. — Em
Jawne vivem cerca de trinta mil seres humanos pertencentes a dezessete povos. Vinte e
um são imunes como Ydrani e eu. Não é muito, mas... Bem, o senhor verá.
Bossa Cova esvaziou a xícara e deixou que os dois homens lhe mostrassem a
estranha cidade. Os pedaços de espaçonave tinham sido adaptados para servir como
residências e fábricas. As usinas geradoras forneciam a energia necessária para produzir
alimentos por meio da fotossíntese. Todo o lixo era reciclado para entrar novamente no
circuito fechado da vida.
— É claro que o trabalho confiado aos débeis mentais geralmente não passa de uma
terapia ocupacional — disse Ydrani. — Usamos um sistema de sinais de reflexos
condicionados. Foi a única maneira de criar uma forma de vida organizada.
Os três entraram num salão onde débeis mentais controlados por um blue imune
fabricavam tomadas de energia simples.
— Eis aí um grupo cujos membros tinham um QI muito elevado antes que chegasse
a onda de deterioração mental. Aos poucos levamo-los a fazer trabalhos cada vez mais
complicados. Espero que um dia possam cuidar das máquinas e controlar a produção de
alimentos sintéticos. Por enquanto só estão treinando. — O sacerdote de Baalol sorriu. —
Iphuy Noor Laigoschlyil, faça o favor de vir para cá.
O blue levantou os olhos e aproximou-se. Os olhos que apareciam na cabeça em
forma de prato fitavam Bossa e a pele do blue brilhava num maravilhoso azul prateado.
— Bossa Cova — disse Ydrani a título de apresentação. — Um oficial terrano.
Iphuy Noor Laigoschlyil era o chefe científico de uma expedição dos blues. É nosso
colaborador mais competente.
— Meus cumprimentos! — disse o blue no estranho tom cantado de seu povo em
intercosmo.
— Também receba meus cumprimentos — respondeu Bossa.
O blue estendeu lentamente a mão e Bossa apertou-a. Teve uma sensação estranha.
Era um sentimento de comunhão. Deu-se conta com uma clareza até então desconhecida
de que a humanidade solar se interessara muito pouco pelo povo irmão do setor leste — e
vice-versa. O blue mostrara que era um ser humano da mesma forma que Ydrani,
Fliederbaum, Perry Rhodan, Atlan, Roi Danton e outros.
Resolveu nunca mais esquecer isso e recuperar o tempo perdido assim que isto fosse
possível.
A um sinal de flauta melódico os débeis mentais interromperam o trabalho,
levantaram quase ao mesmo tempo e saíram.
— É o sinal que os chama à cantina — explicou Iphuy Noor Laigoschlyil.
Bossa olhou para os débeis mentais enquanto se afastavam. Eram em sua maioria
homens do planeta Terra, arcônidas e aconenses, além de alguns tópsidas, que eram seres
parecidos com répteis, blues e antis. Todos usavam trajes de bordo com os símbolos de
suas naves.
— O senhor pode orgulhar-se de seu trabalho — disse Bossa.
— Não sentimos orgulho — respondeu Ranus Fliederbaum. — Tínhamos o dever
de ajudar os necessitados.
Bossa acenou com a cabeça.
— Isso me faz lembrar que também tenho uma tarefa importante. Lamento ter de
deixá-los tão cedo, mas logo que puder faço-lhes outra visita.
— Como vai a Terra? E Perry Rhodan? — perguntou Fliederbaum.
— Perry Rhodan está vivo. Está fazendo um reconhecimento nas proximidades do
Enxame. Na Terra ainda há muito que fazer, mas aos poucos o abastecimento vai se
normalizando.
— Fico satisfeito em ouvir isso — disse Fliederbaum. — Minha família vive em
Terrânia, como já deve saber. Tomara que ainda esteja viva.
De repente o mercador parecia deprimido.
— Verificarei isso antes de visitá-los de novo — prometeu Bossa, apesar de saber
que seria muito difícil conhecer o destino de uma única família.
Fliederbaum e Ydrani levaram o armador de naves de volta à rampa junto à qual
estava atracado seu jato espacial. Os homens apertaram-se as mãos.
Antes de entrar na eclusa de sua nave, Bossa virou-se mais uma vez. Fliederbaum
acenou com o braço.
— Shalom! — disse a voz saída do alto-falante instalado em seu capacete.
— Shalom! — disse Bossa.
***
Quando o jato espacial voltou ao espaço normal perto do sistema de Aslan. Bossa
Cova simulou uma tentativa de entrar de novo no espaço linear. Ligou o conversor
Waring por pouco menos de três minutos e interrompeu o suprimento de energia.
Alguém que dispusesse de um bom rastreamento energético devia ter a impressão
de que o conversor linear falhara na passagem para o semi-espaço.
Numa situação destas a tripulação de qualquer nave tentaria fazer o conserto com os
recursos que havia a bordo. Por isso Bossa deixou que se passasse uma hora e meia antes
de ativar o raio de hipercomunicação direcionado para Olimpo e transmitir o SOS. O raio
de hipercomunicação foi direcionado de maneira a passar rente à área em que deviam
estar as vinte naves ertrusianas.
Dali a trinta segundos respondeu ao chamado Mark Pruther, um menino de doze
anos que permanecera imune e trabalhava de dia no centro de rádio de Containtrans.
Mark Pruther não fora informado sobre o plano e enviou uma mensagem de
hipercomunicador que seria recebida em toda parte num raio de milhares de anos-luz.
— Aqui fala o radioperador de Containtrans Olimpo — disse Mark. — Recebemos
seu pedido de socorro, Coronel Cova. Mr. Troyonas será informado. Que posso fazer
pelo senhor?
— Meu Waring não está funcionando — respondeu Bossa e indicou sua posição. —
Preciso ir à Terra numa missão importante. Faça o favor de mandar alguém buscar-me.
— Não sei se será possível. Um momento. Mr. Troyonas está chegando.
O rosto de Shar ter Troyonas apareceu na tela. Shar não deixou perceber que
conhecia Bossa.
— O senhor enviou um pedido de socorro, Coronel Cova. Mark informou que seu
Waring não está funcionando.
— Realmente — respondeu Bossa em tom impaciente. — Isso me obrigou a
interromper o voo para a Terra. Parece que o conversor Waring sofreu um efeito de
transformação. É possível que exploda dentro de algumas horas. Envie imediatamente
uma nave-resgate.
— Isso não é tão fácil — respondeu Shar. — Temos naves de sobra, mas faltam
pessoas para tripulá-las. Além disso um conversor Waring não explode. Na pior das
hipóteses se queima. Aguente até que possamos mandar alguém.
— Não é possível! — gritou Bossa fazendo-se de exaltado. — Sou o Coronel Cova,
da nave Good Hope II, homem de confiança de Rhodan. Tenho de entregar uma
mensagem secreta urgente ao Marechal-Solar Deighton ou a Roi Danton.
— Hoje em dia nada é tão urgente que se arranque uma perna por isso — respondeu
Shar ter Troyonas em tom calmo.
— A mensagem que levo é tão importante que justifica a convocação de todos os
imunes de que possamos dispor — afirmou Bossa. — É mais importante do que qualquer
coisa que aconteceu nestes últimos doze meses.
Shar ergueu as sobrancelhas.
— Muito bem, coronel. Se é assim, passe a notícia para mim. Retransmiti-la-ei
imediatamente através de nossa cadeia de retransmissoras.
— Isso é impossível! — contestou Bossa, fingindo-se de desesperado. — As
informações que levo são estritamente confidenciais e tão importantes para o futuro de
nossa civilização que não posso assumir o risco de fazê-la chegar aos ouvidos de uma
pessoa não autorizada. Eu suplico, Mr. Troyonas! Mande uma nave.
Shar suspirou.
— Aceito sua explicação, mas estamos enfrentando um problema difícil. Pode
demorar algumas horas até que eu consiga juntar algumas pessoas para tripular uma nave,
Coronel Cova.
— Obrigado. Faça o que estiver ao seu alcance para que a demora seja a menor
possível, Mr. Troyonas. Permanecerei na mesma posição. Final.
Bossa Cova desligou o hipercomunicador, acendeu um charuto e esperou. Tudo
dependia de que as vinte naves ertrusianas tivessem sido roçadas pelo raio de hiper-rádio
direcionado e que Terser Frascati e Nos Vigeland, os dois homens pertencentes ao
triunvirato ertrusiano, julgassem a notícia importante a ponto de querer apoderar-se dela.
***
Frascati e Vigeland, que se encontravam a bordo da nave-capitânia ertrusiana,
tinham acompanhado a troca de mensagens entre Covas e Olimpo. Depois que a tela do
hipercomunicador se apagou, os dois entreolharam-se demoradamente. Sabiam, por causa
de mensagens já interceptadas, que Perry Rhodan estava vivo e observava o Enxame a
bordo de uma nave chamada Good Hope II.
— Coronel Bossa Cova — disse Frascati em tom pensativo. — Nunca ouvi este
nome.
— Pois acho que eu já ouvi — respondeu Nos Vigeland. — Acabo de me lembrar!
Um terrano de pele negra chamado Bossa Cova já foi um grande armador de naves e um
grande aventureiro. Não é de admirar que nestes tempos agitados Rhodan tenha feito dele
seu homem de confiança.
— Também me lembro. Não foi o tal do Cova que escreveu sob o pseudônimo
Coron Walden o romance “Os Fogos Negros de Vurla”?
— Isso mesmo, Terser. Gostaria de saber que mensagem é esta que ele diz ser tão
importante para o futuro da civilização terrana.
Terser Frascati franziu a testa e num gesto distraído passou a mão pela crista de
cabelos cor de areia que enfeitava a cabeça calva.
— Rhodan observa o Enxame. Logo, deve ter alguma coisa a ver com isso.
Portanto...
Terser fitou Vigeland com uma expressão indagadora. Nos Vigeland acenou com a
notícia.
— Portanto, vamos ver se conseguimos o texto da mensagem.
Frascati sorriu, ligou o telecomunicador ajustado na frequência das vinte naves e
disse:
— Frascati falando. Nos Vigeland e eu resolvemos capturar o jato espacial no qual
se encontra o oficial terrano cuja mensagem de hipercomunicação ouvimos.
— Quero falar com o Almirante Shiwin, da Puwa. Responda, Almirante Shiwin.
O rosto cheio de cicatrizes de um ertrusiano idoso apareceu na tela. Os olhos tinham
uma expressão fria e nos cantos da boca via-se um traço de crueldade.
— Estou ouvindo, senhor! — disse Shiwin com a voz áspera.
— Almirante Shiwin. Leve a Puwa à posição do terrano. Assim que tiver localizado
o jato espacial, pegue alguns homens de confiança e vá para lá num barco espacial.
Prenda o Coronel Cova e apodere-se da mensagem. Suponho que ela esteja gravada numa
espula de informações do tipo usado pela Segurança Solar.
Shiwin sorriu friamente.
— Entendido, senhor. E se o terrano tentar resistir? Devemos matá-lo?
— De forma alguma. Não somos monstros. — Frascati deu uma risada cínica. —
Use paralisadores e armas narcotizantes e traga-me o homem com a mensagem. Final.
Frascati desligou e virou-se para os rastreadores. Dentro de alguns minutos a Puwa
separou-se do grupo, acelerou e entrou no semi-espaço.
Nos Vigeland levantou e dali a pouco voltou com um garrafão de vinte litros e dois
copos gigantescos.
— Vamos brindar para que a missão seja bem-sucedida, Terser — disse e encheu os
copos.
Em cada um deles cabia cerca de meio litro de rum de oitenta por cento.
Os dois ertrusianos esvaziaram os copos. Terser Frascati enxugou os lábios com o
dorso da mão e disse:
— Se Runeme também tivesse sido bem-sucedido, nosso triunfo seria completo. Em
Olimpo há um milhão de ertrusianos saqueando todos os depósitos de mantimentos e
daqui a pouco teremos a mensagem de Rhodan. Mais alguns resultados como este, e
exerceremos o poder irrestrito na Galáxia.
Vigeland voltou a encher os copos.
— Vamos brindar a isso, Terser!
Em seguida derramou goela abaixo o rum de alto teor alcoólico como se fosse água,
arrotou e fixou os olhos vidrados num ponto à sua frente.
Terser Frascati guardou a garrafa, bebericou um gole de rum e recostou-se
confortavelmente na poltrona. Queria estar sóbrio quando lhe trouxessem o coronel
terrano.
5
Bossa Cova sorriu ao ver os rastreadores reagirem, mostrando uma nave de dois
quilômetros e meio de diâmetro saindo do semi-espaço a três horas luz e meia de
distância.
Bossa desligou todos os sistemas, menos o de sobrevivência biológica. Fez isso para
simular uma tentativa de escapar aos rastreadores da nave ertrusiana. Mas quando os
primeiros raios de rastreamento atingiram o veículo, Bossa voltou a ativar os sistemas e
aumentou a potência dos geradores de fusão.
Enquanto isso a outra nave acelerou em sua direção. Não havia nenhuma dúvida de
que o jato espacial fora descoberto.
Bossa Cova acelerou. Queria que os ertrusianos acreditassem que resolvera fazer
mais uma tentativa com o conversor Waring defeituoso, para escapar no semi-espaço.
Nada devia levar a crer que ele se deixara capturar voluntariamente.
Quando a velocidade atingiu a marca necessária, Bossa ligou o conversor linear e
acionou o teledetonador das cargas térmicas de fusão presas no conjunto.
Ficou intrigado e olhou para os controles do conversor linear quando o jato espacial
não retornou ao espaço normal.
Será que as cargas não tinham sido detonadas?
Bossa voltou a acionar o teledetonador. Ainda desta vez não aconteceu nada.
Praguejou e arrancou a chapa de revestimento do detonador para examinar os controles.
Um fio finíssimo que fazia a ligação com o transmissor de impulsos de detonação se
tinha queimado!
Será que o plano ia fracassar por causa de um problema insignificante?
O armador de naves pegou uma chave de fendas elétrica e ligou as duas
extremidades do fio queimado. O jato espacial sofreu um solavanco. No mesmo instante
as estrelas do espaço normal reapareceram — e um sol branco ofuscante brilhou bem à
frente da nave!
Bossa tirou a chave de fenda do contacto e atirou-a fora, num gesto furioso. Fora
tudo em vão, somente porque o fio que fazia a ligação se tinha queimado. Isso devia ter
acontecido quando os abalos estruturais produzidos pelo Enxame sacudiram o jato
espacial.
Bossa amaldiçoou-se por causa de sua curiosidade. Estragara um plano tão bem
elaborado somente por ter-se aproximado do Enxame, contrariando as instruções de
Deighton e Danton.
Enquanto isso o jato se aproximava balançando e em velocidade infraluz do sol
branco. Bossa Cova mudou de direção. Percebeu que três jatopropulsores não
funcionavam mais e o quarto trabalhava de forma intermitente. Os estabilizadores
também estavam equilibrados. A nave estava praticamente destroçada.
Depois de tirar o jato espacial da rota perigosa, Bossa voltou a dedicar sua atenção
aos rastreadores para orientar-se. Permanecera no semi-espaço quase um minuto. Era o
suficiente para percorrer muitos anos-luz com o propulsor linear.
Bossa Cova olhou incrédulo para a tela de controle do hiper-rastreamento.
Dezenove ecos de rastreamento destacavam-se nitidamente.
Dezenove espaçonaves!
De repente o armador de naves sorriu ironicamente.
Vinte menos um era igual a dezenove. Escapara, contra a vontade, à vigésima nave
que saíra em sua perseguição, somente para cair praticamente nos braços das dezenove
unidades.
Ainda havia a estrela branca, o sol anão Aslan.
Mas é claro!, pensou Bossa. Enquanto me encontrava no semi-espaço, só acelerei
com dez por centro da potência. Logo, não poderia ter ido longe.
Bossa voltou a olhar para a tela e viu que duas naves se tinham separado do grupo e
vinham em sua direção. Não era de admirar. Sem dúvida tinham detectado a liberação de
energia das cargas térmicas de fusão, que durara alguns minutos depois do retorno ao
espaço normal.
E agora?
Bossa não podia esperar que o capturassem. Apesar da mudança involuntária do
plano, devia continuar a fazer o papel de mensageiro secreto de Rhodan, fazendo tudo
para não ser capturado.
O que faria um mensageiro secreto de verdade se de repente se encontrasse no
sistema de Aslan?
Tentaria esconder-se num planeta. Naturalmente! Só podia ser isso.
Turtle's Paradise devia ser um bom esconderijo para alguém que era perseguido.
Além disso era o que ficava mais próximo.
Bossa Cova fez algumas medições e chegou à conclusão de que Turtle's Paradise
ficava justamente do outro lado do sol. Seria mesmo sorte demais se estivesse do mesmo
lado.
Numa manobra arrojada Bossa passou rente “embaixo” do sol. O campo energético
de grande potência ainda estava funcionando e iluminou-se quando o jato atravessou a
coroa solar. O armador de naves viu na tela as duas naves ertrusianas mudarem a rota
para seguir diretamente para o primeiro planeta. Não fora difícil para os comandantes
adivinhar as intenções de Cova.
Normalmente um jato espacial era muito mais veloz que uma nave-transporte de
tropas. Mas com três propulsores sem funcionar e um falhando, a nave não alcançava
setenta por cento de sua aceleração máxima. Por isso os ertrusianos chegaram a Turtle's
Paradise quase no mesmo instante que Bossa Cova.
Como se não bastasse, o quinto jatopropulsor também entrou em pane. Bossa teve
muita dificuldade em estabilizar a nave com os controles manuais. Quando o
telecomunicador deu o sinal de chamada, o jato espacial entrava balançando na atmosfera
planetária.
Bossa ligou o aparelho. A imagem de um general ertrusiano apareceu na tela.
— Nave-transporte Arounde chamando jato espacial não identificado — disse o
ertrusiano. — Pare para que possamos ajudá-lo.
— Deixe-me em paz — respondeu Bossa. — Não preciso de ajuda.
— Sua nave está bastante avariada — afirmou o general. — Além disso tenho a
impressão de que os estabilizadores não estão funcionando.
— Estão fingindo, Mr. Arounde. Fazem isso toda vez que venho a Turtle's Paradise
para pescar. Passe bem!
Os objetos começaram a rodar à frente de Bossa quando o quinto propulsor
explodiu e o sistema de gravitação artificial deixou de funcionar. No mesmo instante
houve o impacto do veículo na atmosfera. O campo superenergético tremeu e
desapareceu.
— Até parece verdadeiro demais — murmurou o armador de naves e fez descer o
jato que gingava violentamente. Depois de tentar três vezes conseguiu ativar os projetores
do campo energético.
A maior parte da superfície de Turtle's Paradise estava oculta sob espessas camadas
de nuvens. Só em uns poucos lugares via-se o brilho azul de um oceano. Não se
enxergava nenhuma porção de terra.
Bossa olhou para a tela de rastreamento e viu que os ertrusianos haviam enviado
quatro barcos espaciais atrás dele. As naves esféricas de oitenta metros de diâmetro
tentaram cercá-lo. Felizmente não se podia ultrapassar certas velocidades para não
prejudicar o funcionamento dos rastreadores. Se não fosse assim, os barcos espaciais
teriam alcançado bem depressa o jato que descia balançando.
Finalmente Bossa atravessou a camada de nuvens. Viu embaixo dele uma coisa
parecida com as ondas congeladas de um oceano — e no horizonte os contornos de uma
grande ilha. Numerosas ilhas menores sobressaíam do mar em vários lugares, mas
ninguém podia esconder-se nelas. Por isso Bossa dirigiu-se à ilha maior.
De repente sua nave sofreu um forte solavanco. Eram os ertrusianos tentando
capturá-lo com raios de tração. Bossa conseguiu livrar-se. Seguiu em alta velocidade para
a ilha, voando pouco acima das ondas.
De repente suas vistas se turvaram. Bossa sentiu um formigamento nos braços e nas
pernas e teve a Impressão de que o tempo estava passando mais depressa.
Já conhecia a sensação.
Aparecia toda vez que alguém atirava com armas narcotizantes em sua direção.
Alguma sequela das influências a que estivera exposto em Vurla tinham-lhe dado uma
imunidade parcial contra os raios narcotizantes. Só perdia os sentidos depois de um
bombardeio concentrado que durasse pelo menos um minuto.
Bossa aumentou a potência dos propulsores até que o mostrador eletrônico
ultrapassou em muito a marca do perigo. A sereia de alarme soou de repente. O jato
espacial deu um tremendo salto. Os rastreadores falharam.
Dali a alguns minutos Bossa reduziu a potência dos propulsores. Viu que o jato
estava sobrevoando a costa da ilha. Matas tropicais espessas se estendiam à sua frente e
embaixo dele. Vez por outra uma montanha rochosa se destacava no meio delas. No
centro da ilha via-se um vulcão fumegante.
Bossa freou ao máximo, mas apesar disso passou pelo vulcão antes que conseguisse
neutralizar a velocidade do jato. Fez uma curva e viu os quatro barcos espaciais voando
baixo em cima dele. Seus jatopropulsores de proa soltaram feixes de impulsos ofuscante
quando também frearam ao máximo.
Bossa Cova passou junto à montanha vulcânica fumegante e fez o jato pousar entre
um campo de lava e a mata. Pegou o controle de detonação e atirou-o no triturador de
lixo. Em seguida certificou-se de que o estojo com a cápsula de informações estava em
seu bolso.
Bossa alcançou a mata no momento em que os quatro barcos espaciais apareceram
atrás do vulcão. Deviam ter localizado prontamente o jato espacial, pois prepararam-se
para pousar.
Bossa Cova desapareceu entre as árvores esquisitas da mata virgem. Como não
havia vegetação rasteira, conseguiu avançar rapidamente. Mas precisava alcançar um
lugar onde não pudesse seguir adiante, sem provocar suspeitas.
Bossa Cova assustou-se ao deparar de repente com uma horda de animais do
tamanho de gorilas. Também eram parecidos com os gorilas terranos na forma, mas havia
uma diferença. Em vez do couro coberto de pelos possuíam uma espessa pele cinzenta.
Os animais fitaram-no entre as pálpebras espessas e preguiçosas antes de sair de seu
caminho, sem muita pressa.
Depois de alguns minutos Bossa ouviu o zumbido característico dos propulsores
antigravitacionais. Olhou para cima e por alguns instantes viu uma sombra deslizando
acima das copas das árvores. Os ertrusianos usavam planadores para procurá-lo.
Dali a um instante Bossa percebeu que não o procuravam somente com planadores.
Batidas surdas vieram da direção da qual ele tinha vindo. O ritmo monótono era um sinal
de que se tratava de robôs.
Bossa Cova continuou correndo. Dentro de alguns minutos alcançou uma
gigantesca área pantanosa. Um líquido marrom-esverdeado brilhava em poças, animais
parecidos com morcegos, do tamanho de macacos, sobrevoavam a área, e os corpos
úmidos brilhantes de pequenos sáurios rolavam na lama.
Era o lugar ideal para deixar-se pegar. Naquele lugar ninguém podia andar mais que
alguns metros. Por isso Bossa usou o equipamento de voo do traje espacial. Dessa forma
podia ser detectado e capturado.
Tomara que se contentem mesmo em capturar-me, pensou. Afinal, não precisam
tanto de mim, mas principalmente de minha cápsula com a mensagem, e esta eles podem
tirar de um morto.
Bossa sorriu ao lembrar-se de que nem podiam usar armas mortais contra ele. A
cápsula também poderia ser destruída.
Bossa ligou o equipamento de voo e sobrevoou a área pantanosa a poucos metros de
altura. Depois que tinha percorrido algumas centenas de metros olhou para trás e viu os
robôs saindo da mata. Eram máquinas prateadas brilhantes, de mais de quatro metros de
altura, sem cabeça.
Os robôs também o viram. Ergueram os braços armados. As coisas pareciam
confundir-se diante de seus olhos e de repente teve a impressão de que os sáurios voavam
duas vezes mais depressa.
Cova escapou recolhendo-se numa montanha rochosa que se erguia no meio do
pântano. Viu pelos cantos dos olhos dois planadores se aproximando do oeste. Dali
veriam por meio da ampliação setorial cada um de seus movimentos. Logo, estava na
hora do penúltimo ato.
Bossa Cova pegou o estojo, tirou a cápsula e atirou o recipiente no pântano. Seus
movimentos convenceriam qualquer um de que acreditava não estar sendo observado. Era
isso mesmo que ele queria.
Depois de hesitar um pouco, engoliu a cápsula, que desceu sem dificuldades pelo
esôfago.
Foi a primeira peça; logo vou aprontar outra — murmurou Bossa, com um sorriso
retorcido.
Viu que os robôs também tinham ligado os equipamentos de voo e vinham em
direção à ilha onde ele se encontrava. Bossa Cova pegou a arma energética, destruiu a
primeira máquina, que ao explodir derrubou mais um robô.
O armador de naves destruiu mais dois robôs antes de perceber que estava no fogo
concentrado de vários canhões narcotizantes pesados. Levantou de um salto,
cambaleante, e ficou atirando às cegas. Círculos de fogo dançavam à frente de seus olhos;
o corpo ficou frio e pesado.
Bossa Cova caminhou balançando em direção ao pântano, mas não chegou longe.
Teve a impressão de que flutuava no ar — e de repente um relâmpago imaginário apagou
de vez sua mente.
***
Terser Frascati e Nos Vigeland observavam nas telas da sala de comando os barcos
espaciais que estavam voltando.
Frascati falou pelo telecomunicador com o comandante do pequeno grupo-tarefa.
— Tenho a impressão de que o Coronel Cova é um sujeito obstinado — disse o
homem. — Quase escapou. Só caiu depois que abrimos fogo concentrado contra ele com
os canhões narcotizantes dos planadores.
— Ainda está inconsciente? — perguntou Frascati.
— Sim, senhor. Infelizmente conseguiu engolir a cápsula com as notícias antes de
pormos as mãos nele. Vimos pela ampliação setorial; certamente acreditava que não
estava sendo observado.
— Bem, se ele engoliu a cápsula, ela não está perdida. Leve o homem
imediatamente à clínica de bordo. Providenciarei para que seja submetido a uma cirurgia.
Vigeland sorriu ironicamente.
— Ele poderia ter evitado isso, não poderia?
Frascati deu de ombros.
— Eu ficaria desconfiado se ele não fizesse tudo que estava ao seu alcance para
evitar que a mensagem de Rhodan caísse em nossas mãos.
Em seguida entrou em contato com o Professor Dr. Gavani Ichthos, o único médico
imune que viajava na nave. Ichthos era um excelente cirurgião. Frascati e Vigeland o
tinham levado para no caso de uma emergência não ficar sem cuidados médicos.
O Dr. Ichthos respondeu em tom contrariado. Abandonara seus pacientes no
hospital de Cursulon, em Ertrus, porque Frascati o obrigara de armas nas mãos.
— Vá à clínica de bordo! — ordenou Terser Frascati. — Prepare tudo para um
serviço de emergência. O paciente será levado dentro de alguns minutos. O senhor
verificará onde ela se encontra e fará sua remoção cirúrgica.
— Ele deu seu consentimento? — perguntou o Dr. Ichthos.
— Não. Está inconsciente. Além disso é nosso prisioneiro.
— Para um médico isso não importa. Esperarei que ele acorde e...
— O senhor fará o que eu disser! — interrompeu Frascati em tom áspero. — Não
quer voltar quanto antes para junto de seus pacientes?
O médico desistiu. No hospital de Cursulon precisavam dele com urgência e ele não
estava disposto a arriscar a vida de centenas de pacientes somente para evitar que um
prisioneiro fosse submetido a uma cirurgia de rotina.
— Farei, sim — respondeu.
— Era o que eu esperava — disse Frascati.
— Assistiremos à operação, não é mesmo? — perguntou Nos Vigeland.
Terser Frascati acenou com a cabeça.
Neste momento a sala de rádio chamou, informando que o Almirante Shiwin, da
Puwa, fizera contato pelo hipercomunicador. Terser mandou transferir a ligação para a
sala de comando.
Dali a pouco o almirante o fitou de cima da tela. Shiwin perdera um pouco de sua
auto-segurança.
— O terrano entrou no semi-espaço antes que pudéssemos chegar perto dele —
informou. Realizamos algumas manobras lineares de curta direção porque esperava que
ele não fosse longe com seu conversor avariado. Infelizmente não houve resultado.
— O senhor é um fracasso total — disse Frascati em tom frio. — Mas sobre isto
conversaremos oportunamente. Apesar do erro cometido pelo senhor prendemos o
terrano em Turtle's Paradise. Volte imediatamente.
— Sim, senhor — respondeu o Almirante Shiwi com o rosto sombrio. — Mas não
pense que pode ofender-se sem motivo.
Terser Frascati resolveu contemporizar porque sabia que dependia da lealdade de
Shiwi.
— Não leve tudo ao pé da letra — pediu. — Temos coisa mais importante a fazer
que ficar discutindo.
Shiwin acenou com a cabeça.
— Sem dúvida. Mas gostaria que pensasse antes no que vai dizer. Final.
Frascati desligou. Estava furioso. Quis dizer alguma coisa para Vigeland, mas neste
momento chegou a informação de que o Coronel Cova acabara de dar entrada na clínica
de bordo.
— Vamos à sala de observação — disse a Vigeland.
Nos Vigeland esfregou as mãos.
— Estou muito curioso para conhecer as notícias secretas de que o terrano é
portador.
A sala de observação ficava ao lado da sala de cirurgia. A parede separatória era
transparente de um lado. Além disso era possível acompanhar a cirurgia através de vários
canais de trivídeo.
Frascati viu Gavani Ichthos mexendo na máquina de cirurgia enquanto dois robôs
despiam o terrano, que continuava inconsciente. Um terceiro robô preparava o aparelho
de raios X para uma radiografia por setores.
Frascati fez uma ligação de interfone com a sala de cirurgia e disse:
— Professor Ichthos, fale durante o enxame e a cirurgia, para que possa
acompanhar tudo.
O médico não respondeu, mas tirou do armário um pequeno telecomunicador e
pendurou-o no pescoço.
— Primeiro faria a radiografia setorial — disse. — Depois terei de verificar o grau
de narcotização.
Os dois robôs que tinham despido o Coronel Covas carregaram-no para o lavatório
para limpá-lo e desinfetá-lo. Depois de alguns minutos trouxeram-no de volta. Bossa
Cova estava deitado numa maça antigravitacional.
Os robôs colocaram-no na plataforma do raio X automático. O terrano parecia
pequenino na placa feita para ertrusianos. O Dr. Ichthos ajeitou-o e fez sinal para o robô
parado junto ao raio X para que ligasse o aparelho. Ouviu-se um zumbido fraco. Dali a
instantes saiu a radiografia já revelada.
O Dr. Ichthos pegou-a e enfiou-a na entrada do aparelho automático de observação.
Uma tela iluminou-se, mostrando a radiografia por camadas do corpo de Covas.
O médico ligou algumas ampliações setoriais e voltou a desligá-las — menos a que
mostrava a mucosa do estômago do terrano. Ichthos levou o indicador eletrônico a um
lugar em que se notava uma granulação quase invisível.
— Eis aí o objeto engolido — disse com a voz indiferente. — Parece que a cápsula
ficou envolta numa massa celular organicamente viva, que ficou presa numa dobra da
mucosa. Com um aparelho de raios X comum o corpo estranho não teria sido descoberto.
— Existe algum inconveniente em retirar a cápsula? — perguntou Frascati. Tentava
evitar qualquer tom de triunfo na voz. Só conseguiu em parte.
— Não — respondeu o médico. — É uma cirurgia de rotina que não trará sequelas
para o paciente. Vou verificar o grau de narcotização.
Obedecendo a uma ordem sua, dois robôs colocaram o terrano na mesa de
operações e prenderam-no num campo energético que só deixava livre o campo da
operação e a cabeça do paciente. O Dr. Ichthos fez passar o capacete de testes da máquina
narcotizante por cima da cabeça de Covas e mexeu numa chave. Os indicadores
luminosos mostraram os resultados.
— Parece que o paciente recebeu uma dose pequena de energia narcotizante —
disse Ichthos. — Logo recuperará os sentidos.
— Nada disso! — afirmou Frascati estupefato. — Ficou exposto ao fogo
concentrado de vários canhões narcotizantes, e isto só faz uma hora e meia.
O médico sacudiu a cabeça.
— Não é o que revela o teste. Ligarei a máquina narcotizante na dose de
manutenção para evitar que o paciente acorde durante a operação.
O médico levou o capacete de teste para o lado e substituiu-o pelo cabeçote do
narcotizador positrônico. Em seguida sentou à frente dos controles. Facas vibratórias
cintilaram. Bastaram uns poucos cortes muito bem aplicados para que a cavidade
estomacal ficasse à vista. Campos energéticos estancaram os sangramentos; braços
mecânicos desceram sobre o estômago, fecharam-se e seguraram-no. Uma sonda foi
baixando. Ouviu-se um tique-taque, que logo se transformou num rápido crepitar.
— A situação da cápsula já foi determinada — explicou o Dr. Ichthos.
Ergueu as sobrancelhas quando a máquina narcotizante emitiu um zumbido e uma
luz de alerta vermelha se acendeu no cabeçote.
O médico correu para junto do aparelho e fez a leitura dos instrumentos.
— Que houve? — perguntou Frascati.
— Não é possível. O paciente precisa de uma dose quádrupla para ser mantido sob
anestesia. Como não sei se o motivo disso é uma resistência localizada contra os raios
narcotizantes ou uma falha dos controles automáticos, sou obrigado a suspender a
operação.
— O senhor vai continuar! — disse Frascati. — A não ser que queira dar um
passeio no espaço — sem traje espacial. Além disso tenho certeza de que o terrano é
parcialmente imune aos raios narcotizantes. Não se esqueça de que ficou exposto ao fogo
concentrado de vários canhões narcotizantes e que o senhor detectou um efeito bastante
reduzido ao examiná-lo.
— Talvez o senhor tenha razão, apesar de suas conclusões serem dignas de um leigo
— respondeu o médico em tom sarcástico. — Mas apesar disso só me submeto à sua
ordem sob protestos veementes.
Como não houve resposta, o médico voltou à máquina de cirurgia e prosseguiu na
operação. Um braço mecânico pegou a cápsula e colocou-a numa concha. Depois disso as
feridas da operação foram vedadas rápida e perfeitamente com folhas de bioplástico
orgânicas e proteicamente neutras. Um plasma curativo cor-de-rosa saía de vários bocais
de jato. Injeções estabilizaram a circulação e garantiram a aceleração da cura.
— As feridas levarão três ou quatro dias para sarar — informou Ichthos. — O
paciente não apresentará cicatrizes.
O médico desligou os aparelhos e deu ordem para que o robô levasse o paciente a
um quarto da enfermaria.
— Limpe a cápsula e remova a massa celular! — ordenou Frascati. — Depois traga-
a para cá. Esperaremos na sala de observação.
Dali a cinco minutos Terser Frascati segurava a cápsula na mão. Examinou com
olhos críticos o metal avermelhado.
— Não será fácil abrir a cápsula — disse Vigeland. — Parece que possui um
revestimento de inquelônio e terconite.
— Nem penso em mandar cortá-la — respondeu Frascati. — Provavelmente o
conteúdo seria prejudicado. Se usarmos um rastreador de impulsos não levaremos muito
tempo para descobrir o código que a abre.
Era isso mesmo. O rastreador de impulsos não levou dez minutos para descobrir o
código. O envoltório abriu-se deixando à vista uma minúscula espula de som e imagem
de produção siganesa.
Graças ao centro de computação positrônica da nave os dois ertrusianos
conseguiram decifrar a mensagem. O busto de Perry Rhodan apareceu em uma das telas
da máquina automática de interpretação.
— Esta é uma notícia secreta da maior importância — disse o Administrador-Geral
terrano. Ninguém desconfiaria de que o som e a imagem tinham sido compostos com
fragmentos de mensagens anteriores.
— Dirijo esta mensagem ao Marechal-Solar Deighton e a meu filho Mike, que
foram indicados a meu homem de confiança, Coronel Bossa Cova, como destinatários da
cápsula com a mensagem.
— Como o tempo de chegada de meu mensageiro em Império Alfa foi calculado
com a maior precisão, concluo que o Coronel Cova pousou na Terra no dia três de
novembro de três mil quatrocentos e quarenta e um, às 23:32 horas. Esta indicação é
importante, por servir de base a outra indicação.
— Pela presente deixo claro que graças a investigações realizadas na área do
Enxame e à interpretação do banco de dados positrônico de uma nave manipuladora,
temos certeza absoluta de que o Enxame mudará de direção e abandonará a Galáxia
exatamente em trinta e um dias, três horas e quarenta minutos a contar do dia três de
novembro de três mil quatrocentos e quarenta e quatro, às 23.32 horas.
— Neste momento a manipulação da constante gravitacional galáctica da quinta
dimensão parará de repente. Os débeis mentais recuperarão a inteligência e os
conhecimentos em toda a plenitude.
— Por isso ordeno que a Frota Solar se reúna imediatamente, na medida em que as
naves puderem ser tripuladas. Os tripulantes transformados em débeis mentais que foram
desembarcados serão retirados dos acampamentos e recolocados nas naves.
— Dentro em breve voltarei à Terra para assumir pessoalmente o comando. Até lá
deverão ser tomadas todas as providências para que no momento em que terminar o
processo de deterioração mental a Frota esteja em condições de operar.
— Se por algum motivo não puder voltar em tempo, o Marechal-Solar Deighton e
meu filho Mike assumirão o comando supremo de metade da frota cada um. Em seguida
dirigir-se-ão aos planetas centrais da Liga Carsualense e da União Centro-Galáctica e
apresentarão um ultimato com um prazo curto no qual será exigida a renúncia dos
dirigentes e submissão ao Império Solar. Deve ser uma ação tão rápida que o inimigo não
tenha tempo de recolocar nas naves os tripulantes de sua frota que ficarem livres do
retardamento mental.
— Espero que estas ordens sejam cumpridas à risca. Não podemos permitir que os
principais perturbadores da paz da Galáxia voltem a exercer suas atividades funestas.
— Despeço-me com meus melhores cumprimentos. Tomara que dentro em breve
voltemos a ver-nos. Final.
A voz silenciou e a tela apagou-se.
Terser Frascati e Nos Vigeland ficaram com os rostos cinzentos, enquanto olhavam
fixamente para a tela escura. Depois de algum tempo Vigeland disse:
— Que terrano traiçoeiro! Onde já se viu aproveitar uma situação de emergência
para pegar-nos de surpresa!
Frascati respirou profundamente e encarou Vigeland.
— Acho isso bem natural. Também aproveitamos a situação de calamidade.
Fizemos isso por exemplo para criar o caos em Olimpo e prejudicar o abastecimento da
Terra.
Os olhos de Vigeland se arregalaram.
— Terser!
— Que foi!
— Nosso pessoal que está em Olimpo! Há um milhão de ertrusianos no planeta, em
sua maioria membros altamente qualificados de nossa frota. Depois que o retardamento
da mente desaparecer e os terranos iniciarem o ataque, precisaremos dessa gente. Sem
eles deixaremos de tripular cerca de quinhentas naves de guerra de grande porte.
Pela primeira vez, depois que tinham ouvido a mensagem de Rhodan, Terser
Frascati sorriu.
— O senhor está enganado, Nos. Quem recebeu a cápsula não foram Deighton e
Danton, mas nós. Temos de tirar nosso pessoal de Olimpo antes que Rhodan saiba que
seu mensageiro nunca chegou à Terra.
— Deixaríamos o comando de Olimpo desconfiado, Terser — respondeu Vigeland.
Frascati sorriu ironicamente.
— Não se de repente nos mostrarmos arrependidos e fingirmos reconhecer que
praticamos uma má ação. Os terranos e seus amigos, os livres-mercadores de Olimpo, são
exageradamente humanitários. Acreditarão no que dissermos.
Frascati levantou.
— Providenciarei imediatamente para que nosso grupo siga em direção a Olimpo.
***
Tipa Riordan encontrava-se num blindado voador em companhia de Shar ter
Troyonas. O veículo servia de centro de comando da Segurança junto aos ertrusianos
mentalmente retardados. De repente Lisaweta Nurjewa informou que havia mais vinte
naves de grande tamanho aproximando-se do planeta.
— Desta vez eu atiraria se estivesse no seu lugar, Mr. Troyonas — disse Tipa em
tom exaltado. — Mais um milhão de ertrusianos arruinariam de vez a economia de
Olimpo.
Shar sorriu discretamente. Roi Danton já o familiarizara com o plano. Mas,
seguindo as instruções, não falara com ninguém sobre isso. Nem mesmo a pirata
desconfiava qual era o jogo.
— Provavelmente os ertrusianos só vieram para recolher seu pessoal — respondeu
em tom inocente. — Vigeland e Frascati devem ter reconhecido que aquilo foi uma
imoralidade.
Tipa virou a cabeça que nem uma nave de rapina. A pirata fitou Shar com uma
expressão de compaixão e indignação ao mesmo tempo.
— Acho que o senhor não está batendo bem da cabeça, Mr. Troyonas. Desculpe,
mas não compreendo por que acho o triunvirato ertrusiano capaz de livrar-nos
espontaneamente de uma carga que mal acabam de jogar em cima de nós.
— É exatamente o que eles pretendem fazer — afirmou Shar e informou a pirata
sobre a missão de Bossa Cova.
Tipa Riordan ficou espantada.
— Que loucura? Eles terão uma surpresa quando o prazo passar e seu precioso
pessoal continuar com a mente retardada.
— Acho que não vai ser somente uma surpresa — respondeu Shar ter Troyonas e
aumentou a potência do propulsor. — Vamos ao centro de controle. Quero estar na sala
de rádio quando Vigeland e Frascati contarem sua história.
Chegaram bem na hora. Quando entraram na sala, Arlinda Jursuf estava sentada ao
lado de Mark, falando com Terser Frascati.
Shar ficou à frente da objetiva do hipercomunicador e disse com uma raiva fingida:
— Desta vez o senhor não vai conseguir o que quer, Mr. Frascati. Mandarei abrir
fogo contra sua nave assim que estiverem a um milhão de quilômetros do planeta. Vamos
ver se o senhor consegue digerir um tiro de canhão de conversão.
Terser Frascati levantou as mãos num gesto contemporizador.
— Que é isso, Mr. Troyonas? Tentei explicar a Miss Jursuf que lamentamos nossa
ação precipitada e irrefletida. Por favor, tente compreender que nos encontramos em
situação difícil. Por isso resolvemos largar um milhão de débeis mentais famintos em
Olimpo e outro milhão na Terra. Mais tarde, quando pudemos raciocinar de novo,
chegamos à conclusão de que nossa ação não é compatível com os princípios básicos do
humanitarismo.
— Ele mente! — disse Arlinda.
Shar sacudiu os ombros.
— Mr. Frascati, por favor, não me leve a mal se estou desconfiado. O que o senhor
acaba de dizer pode ser verdade, mas também pode ser um golpe para desembarcar mais
um milhão de débeis mentais em Olimpo.
— Acredite em mim — retrucou Frascati. — Não é nenhum golpe. Reconhecemos
que nossa ação foi desumana e além disso não queremos a ruína de um entreposto
comercial tão importante como Olimpo. Quem sabe se um dia a debilidade mental não
acaba? Quero que quando isso acontecer nada nos separe.
Hipócrita!, pensou Shar, enquanto dizia em voz alta:
— Muito bem. Vamos dar-lhe uma chance de provar sua boa vontade, Mr. Frascati.
Pare suas naves. Só inicie a manobra de aproximação daqui a duas horas. Neste meio-
tempo providenciarei para que suas naves possam ser destruídas caso desembarquem
mais débeis mentais.
— Concordo — apressou-se Terser Frascati em responder.
— Está bem — disse Shar. — Se cumprir sua palavra, não guardarei
ressentimentos. Final.
Frascati desligou.
Pouco depois o imperador entrou na sala de rádio. Pediu que Troyonas lhe contasse
o que tinha acontecido.
— Tudo bem. Já estava informado. Deighton me deu a notícia ontem pelo
intercomunicador, quando estava no meu palácio.
— Pois eu não estou — indignou-se Tipa Riordan. — E sou de opinião que Danton
e Deighton esqueceram um detalhe importante. Quero ter uma conversa a três.
O cavaleiro cinzento e Shar acompanharam-na à sala à prova de escuta. A pirata
estava nervosa.
Depois que a porta se fechou, bateu com a bengala hidráulica no chão e disse:
— Parece que tudo foi planejado com muito cuidado, mas ninguém se preocupou
em saber como faremos para salvar Bossa Cova.
— Ele tentará fugir depois que as vinte naves tiverem pousado em Olimpo — disse
Shar. — Enquanto os poucos imunes estiverem ocupados tentando atrair e fazendo passar
pelas eclusas um milhão de débeis mentais, não deverá ser difícil sair sem que ninguém
perceba.
Tipa riu debochada.
— O senhor se esquece de um detalhe. Frascati e Vigeland não são bobos. Bossa
não ficará um segundo sem ser vigiado. Se ficarmos sabendo através dele por que eles
querem tirar os débeis mentais daqui, podemos ter vontade de reter este milhão de
pessoas qualificadas em Olimpo.
O imperador e Shar entreolharam-se embaraçados.
— Ainda bem que meu velho cérebro ainda funciona muito bem c que pelo menos
hoje fiquei conhecendo o plano. Tirarei o rapaz de lá.
— Para isso a senhora teria de entrar na nave em que ele se encontra, Miss Riordan
— respondeu Shar ter Troyonas.
Tipa deu uma risadinha.
— Ouça, meu chapa. Ainda não foi inventado o lugar ao qual a velha Tipa não
possa chegar. Confie em mim.
***
Dali a quatro horas Tipa Riordan saiu do planador que a levara para perto das
naves-transporte juntamente com Kawa Dantroff.
O primeiro-vizir retorcia nervosamente as pontas dos bigodes e disse:
— Por favor, Tipa, cuide-se. Não sei se poderia viver sem a senhora.
A pirata acariciou seu rosto.
— É bom ouvir uma coisa dessas de um velho rude como o senhor, Kawa. Não se
preocupe. Dentro de duas horas no máximo estarei de volta. Aí o senhor poderá
comemorar meu sucesso com um barrilzinho de aguardente de maçã envelhecida, que até
hoje consegui esconder de você. Dê o fora.
Kawa Dantroff obedeceu.
Tipa Riordan olhou em volta. Terser Frascati e Nos Vigeland tinham tido uma ideia
para atrair seus débeis mentais para dentro das naves. Tinham enviado comandos de
robôs com mantimentos e deixado um rastro formado por verdadeiras montanhas de
alimentos, que terminava nas eclusas abertas das vinte naves. Mas se não fosse o apoio
decidido das divisões de robôs do imperador e as horríveis projeções de fantasmas de
Júpiter Koslow, poderia demorar vários dias até que os débeis mentais voltassem às
naves. Além disso os ertrusianos internados em acampamentos e os dezoito débeis
mentais do castelo Kuapum naturalmente tinham sido libertados. Alguns foram levados
para perto do campo de pouso.
A pirata agitava alegremente a bengala hidráulica e finalmente ligou o pequeno
projetar de trivídeo pendurado numa corrente sobre seu peito. O aparelho projetava em
volta de Tipa a figura de um gigantesco ertrusiano com a barba hirsuta e roupas
esfarrapadas.
Com este disfarce a pirata juntou-se às multidões dos débeis mentais que se
acotovelavam para chegar às naves. Algumas vezes correu perigo de ser derrubada e
pisoteada, mas ela sempre se desviava agilmente e afastava os débeis mentais agressivos
com fracos tiros de choque disparados com sua bengala hidráulica.
Pouco antes da nave-capitânia do grupo a situação começou a ficar perigosa. Os
ertrusianos avançavam imprensando uns aos outros, davam cotoveladas e golpes de
punho para chegar mais depressa à grande nave, onde acreditavam haver grandes reservas
de mantimentos.
De repente os débeis mentais se desviaram para o lado. Tipa não demorou a
descobrir o motivo. Dois robôs prateados brilhantes de quatro metros de altura, sem
cabeça, abriam sem a menor consideração um caminho que levava na direção em que
estavam. Se fossem robôs terranos seriam despedaçados pelos ertrusianos, mas esses
robôs tinham sido fabricados para serem fisicamente mais fortes que os ertrusianos.
A pirata sorriu. Sabia que qualquer robô ertrusiano seria capaz de enxergar através
de sua máscara com os aparelhos de rastreamento, mas não teria sido capaz de imaginar
que isso a ajudaria a chegar mais depressa aonde queria.
Tipa pôs a mão do minúsculo aparelho de interferência escondido sob seus cabelos
e ligou-o. Os raios eletrônicos saídos do aparelho apagavam os programas de ação
geralmente encontrados em robôs. Com o desempenho dos cérebros dos robôs ertrusianos
não era maior que a das máquinas terranas, que eram maiores, o efeito foi imediato.
Os dois robôs pararam abruptamente. Enquanto não fossem reprogramados ou
recebessem novos comandos, não podiam praticar nenhuma ação e além disso eram
obrigados a cumprir indistintamente todas as ordens, pouco importando por quem fossem
dadas.
— Ordem número um — disse Tipa Riordan. — Vocês são responsáveis por minha
segurança. Levem-me através da multidão ao lugar em que está preso o oficial terrano.
— Entendido — responderam os robôs ao mesmo tempo. — Pedimos que nos siga.
As gigantescas máquinas colocaram-se uma de cada lado da pirata e abriram
caminho na multidão que voltara a juntar-se.
Tipa ficou atenta no que havia ao redor dela. A influência eletrônica não podia ficar
restrita aos dois robôs, estendia-se aos elementos positrônicos da mesma espécie que
havia num raio de quatro quilômetros. Sem dúvida chegaria o momento em que na nave-
capitânia alguém percebesse que todos os robôs estavam parados.
A pirata concentrou-se principalmente nas percepções que lhe eram transmitidas
através da ligação direta com o aparelho de rastreamento escondido num pente de
hovalgônio que enfeitava seus cabelos.
Quando subia pelo elevador antigravitacional no meio dos dois robôs, percebeu que
o ambiente na sala de comando estava ficando agitado. Vários ertrusianos corriam
nervosamente de um lado para outro. Finalmente dois deles saíram e correram para o
elevador central.
Tipa sorriu. Por enquanto sua missão não corria nenhum risco. Encontrava-se num
pequeno elevador secundário.
Quando chegaram ao oitavo convés inferior, os robôs a acompanharam para fora.
Marcharam a passos retumbantes em direção a uma porta que ficava na parede lateral
esquerda de um corredor. Ali também estava postado um robô que à falta de comandos
específicos permanecia imóvel.
Os dois robôs pararam à frente da porta.
Tipa tentou abri-la encostando a mão no lugar em que nas naves ertrusianas ficava a
fechadura térmica.
Conforme esperava, a fechadura não se abriu. Era protegida por uma trava de
impulsos codificados.
— Abram a porta! — disse aos três robôs.
Um deles levantou-se e largou-a a alguns metros dali. Em seguida postaram-se do
outro lado do corredor e atiraram-se ao mesmo tempo contra a porta.
Esta desabou na terceira tentativa e os robôs caíram na sala que ficava atrás dela.
Alguém praguejou. Tipa reconheceu a voz de Bossa e correu atrás dos robôs.
Bossa Cova estava de pé num sofá e olhava assustado para os robôs deitados em
cima da porta, que à falta de ordens permaneciam imóveis.
Quando reconheceu a pirata, que tinha desligado o projetor, seu rosto mudou de
expressão.
— Ora veja quem está chegando! — exclamou sorrindo.
— Deixe de palhaçadas, rapaz! — disse Tipa. — Se quisermos sair daqui temos de
andar depressa.
Bossa olhou para um ponto situado atrás de Tipa. No mesmo instante a voz
retumbante de Frascati disse:
— A bruxa galáctica! Não precisa apressar-se mais. Daqui em diante ambos são
meus hóspedes.
Tipa Riordan ficou impassível, enquanto ativava, por meio de um impulso mental, o
pequeno lançador de agulhas envenenadas preso aos seus cabelos sob o disfarce de um
grampo.
Dois corpos pesados caíram atrás dela. O impacto os fez largar as armas.
Tipa Riordan virou-se e fitou Frascati e Vigeland com uma expressão irônica.
— Vocês deveriam ter atirado primeiro e falado depois. Em seguida dirigiu-se aos
três robôs.
— Levantem e acompanhem-nos para fora da nave.
As máquinas levantaram como marionetes e levaram Tipa e Bossa para fora.
Ninguém tentou barrar-lhes o caminho além das massas de débeis mentais que andavam
de um lado para outro dentro da nave, porque não havia nenhum robô que pudesse
mostrar-lhes o caminho. Mas os três protetores robóticos abriram caminho sem
contemplação.
Tipa fez sinal para um planador que vinha do sul em alta velocidade.
— É meu primeiro-vizir — disse.
Em seguida dirigiu-se aos três robôs.
— Voltem à nave a que pertencem! — ordenou. — Carreguem Terser Frascati e
Nos Vigeland para o lavatório da clínica e dêem-lhes um chuveiro gelado.
Os robôs confirmaram a ordem, viraram-se e saíram marchando a passos regulares.
— Pronto — disse Tipa e respirou aliviada. — Como se sente, Bossa? Como tinha
instruções de engolir a cápsula com a mensagem, os ertrusianos devem ter cortado sua
barriga.
Bossa sorriu.
— Quase não sinto mais nada. Devo ter sido operado por um excelente cirurgião.
O planador de Dantroff parou perto deles. O primeiro-vizir inclinou-se pela janela e
gritou:
— Parabéns, Tipa. Fiquei angustiado enquanto a senhora estava na nave.
— Não diga bobagens — respondeu a pirata. — Se resolvo fazer uma coisa,
costumo cumprir.
***
Pouco antes da meia-noite os últimos ertrusianos subiram a bordo de suas naves. As
escotilhas das eclusas fecharam-se e os propulsores começaram a funcionar.
Bossa Cova estava sentado na cúpula de observação da central de Containtrans
juntamente com Tipa, Kawa Dantroff e Shar. Depois da libertação de Bossa o imperador
voara para Trade City para dirigir os trabalhos de limpeza. Apesar de todas as medidas
para impedi-los, alguns milhares de ertrusianos tinham chegado à periferia da cidade.
Tinham causado grandes estragos ao procurarem alimentos.
— Frascati e Vigeland ainda não se despediram de nós — disse Shar ter Troyonas.
— Não acredito que queiram reparar a falta — disse Tipa Riordan. — Não devem
ter ficado muito contentes por termos descoberto seus verdadeiros motivos.
As vinte naves-transporte subiram em grupos pequenos e seguiram com um ruído
ensurdecedor em direção ao céu noturno. Bossa Cova riu.
— Dentro de pouco terão de engolir muitas outras coisas; quando perceberem que
caíram num golpe tipicamente terrano.
— Ainda faltam vinte e nove dias para isso — disse Tipa e levantou. — Não
pretendo ficar sentada sem fazer nada até lá.
Kawa Dantroff lambeu os lábios e perguntou:
— Tipa, a senhora me prometeu uma coisa.
— Ah, sim! A aguardente de maçã. Mr. Troyonas e Bossa, permitam que os
convide para tomarmos um barrilzinho da velha aguardente de maçã terrana marca
Dreadful.
— Mr. Cova sofreu uma operação no estômago! — indignou-se Dantroff, que via
diminuir sua ração. — Não pode tomar álcool.
— Posso, sim, e vou tomar — disse Bossa sorrindo. — Não vou perder uma
aguardente de maçã como esta.
— Também aceito seu convite — disse Shar. — Mas antes disso tenho de fazer uma
ligação com Império Alfa para transmitir a notícia da missão bem-sucedida.
— Só falta ele convidar Danton e Deighton — resmungou Kawa. — Será que vai
sobrar alguma coisa para mim?
Shar ter Troyonas deu uma risada seca.
— Tenho certeza de que o Marechal-Solar Deighton e Rhodan não têm tempo para
participar de uma bebedeira — disse.
— Além disso — explicou Tipa Riordan — podemos abrir mais um barril, se o
primeiro não chegar.
***
**
*
Bossa Cova, que se fez passar por mensageiro
espacial, conseguiu enganar os ertrusianos — e a paz
voltou a reinar em Olimpo, onde as hordas famintas de
Ertrus começavam a descarregar sua fúria.
A ação passará a desenvolver-se na Good Hope II,
junto a Perry Rhodan. Sua expedição encontra Os
Guardiões da Solidão.
Os Guardiões da Solidão é este o título do
próximo volume da série Perry Rhodan.
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?rl=cpp&cmm=66731
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cmm=66731&tid=52O1628621546184O28&start=1