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Cláudia Sofia Monsanto dos Santos*

Introspecção**

Resumo
O propósito deste artigo é pensar o conceito de introspecção, através da
evolução deste e da reflexão sobre a sua natureza e características gerais. Por
fim, pretendo responder à questão – Em que consiste a introspecção? –
articulando-a com o conceito de auto-consciência.

Palavras-chave: introspecção, sentido interno, retrospecção, apercepção.

Abstract
The purpose of this article is to think about the concept of introspection,
through its evolution and to reflect on its nature and general characteristics.
Finally, I want to answer the question - What does introspection consist of? -
articulating it with the concept of self-consciousness.

Keywords: introspection, inner sense, retrospection, apperception.

*
Mestranda do 2º Ciclo – Mestrado de Filosofia Contemporânea, realizado na Faculdade de Letras da
Universidade do Porto no ano lectivo de 2017/2019. Estudante nº 201710631
**
Este artigo foi redigido segundo as normas de A Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, no âmbito da UC de Filosofia da Mente do segundo semestre do curso anteriormente mencionado.
1
Introdução
A introspecção é um conceito central para a Filosofia da Mente, tendo sido avançada
uma variedade de teorias sobre a natureza da introspecção, articulando-a com outros
conceitos desta disciplina, como a consciência, a emoção, a identidade pessoal, o
pensamento, a crença, a imaginação, a percepção e outros fenómenos mentais. Nesse
sentido, o propósito deste artigo é pensar o conceito de introspecção, reflectindo sobre:
(1) a evolução deste; (2) a sua natureza; e (3) as suas características gerais. Pretendo,
assim, responder à questão que motivou este artigo - Em que consiste a introspecção? –
e articular esta resposta com a auto-consciência, se bem que de uma forma superficial,
uma vez que o objectivo do artigo é compreender o conceito de introspecção. Este
artigo está dividido em três partes distintas, para além da introdução e da conclusão.
Na primeira parte, recorri a Kurt Danziger1 para esboçar a evolução do conceito de
introspecção motivado pelo confronto entre as tradições filosóficas alemã e britânica,
mais precisamente entre a escola alemã da Psicologia Experimental ou Psicofisiologia e
a escola britânica e americana da Psicologia Introspeccionista. Para tal, usei o artigo
“The history of introspection reconsidered”2.
A segunda parte deste artigo consiste na reflexão sobre a natureza da introspecção, na
qual apresento três posições: (1) a posição de Sydney Shoemaker3, crítico da
introspecção como inner sense; (2) a posição de David M. Armstrong4, defensor da
introspecção como inner sense; e (3) a posição de Gilbert Ryle5, céptico em relação à
introspecção. Recorri assim à entrada sobre este conceito no The Companion of the
Philosophy of Mind6, ao artigo Introspection7 no A Materialist Theory of Mind e ao
artigo Self-knowledge8 no The Concept of Mind.

1
Kurt Danziger, Professor de Psicologia da York Universisty, em Ontario, Canadá, é autor de livros sobre
socialização e comunicação interpessoal. Interessa-se pelas origens da Psicologia Moderna, pela
Sociologia do Conhecimento e pela Filosofia da Ciência.
2
DANZIGER, Kurt “The history of introspection reconsidered” in Journal of History of the Behavioural
Sciences, Canadá 1980, pp. 241 - 262
3
Sydney Shoemaker, Professor de Filosofia da Cornell University, em Ithaca, New York, é um filósofo
americano conhecido pelas suas contribuições para a filosofia da mente e da metafísica. Interessa-se por
temas como a Identidade e o Auto-conhecimento.
4
David Malet Armstrong (1926 – 2014) é um filósofo australiano conhecido pelos seus trabalhos no
campo da filosofia da mente e da metafísica.
5
Gilbert Ryle (1900 – 1976) é um filósofo britânico influenciado pelas teorias de Wittgenstein sobre a
linguagem. Principalmente conhecido pela sua crítica ao dualismo cartesiano, Ryle foi considerado
behaviourista por causa de algumas das suas ideias sobre filosofia da mente, onde se inclui o seu livro The
Concept of the Mind.
6
SHOEMAKER, Sydney “Introspection” in GUTTENPLAN, Samuel A companion to the Philosophy of Mind.
Blackwell Publishers Inc., Oxford 1994-1995, pp. 395 - 400
2
Na terceira parte procuro apresentar as características gerais da introspecção, onde
pretendo identificar os recursos necessários de um processo introspectivo, os alvos e
produtos da introspecção. Para efeito, recorri a Eric Schwitzgebel9 e ao artigo
Introspection, What?10 no Introspection and Consciousness.
Por fim, procuro concluir este artigo com a apresentação de um conceito pessoal de
introspecção, de forma a articulá-lo com o conceito de auto-consciência.

7
ARMSTRONG David Malet “Introspection” in A Materialist Theory of Mind, Humanities Press, New
York 1968, pp. 323 – 338
8
RYLE, Gilbert “Self-Knowledge” in The Concept of Mind, Routledge, New York 2009, pp. 136 - 178
9
Eric Schwitzgebel é um filósofo americano e professor de Filosofia na Universidade da Califórnia, em
Riverside. Interessa-se pelas conexões entre psicologia empírica e filosofia da mente e a natureza da
crença.
10
SCHWITZGEBEL, Eric “Introspection, What?” in SMITHIES, Declan e STOLJAR, Daniel Introspection
and consciousness, Oxford University Press, Oxford 2012, pp. 29 – 48
3
Evolução do conceito de introspecção
O conceito de introspecção sofreu considerável evolução, em grande parte, devido ao
confronto entre as tradições filosóficas alemã e britânica, mais precisamente entre a
escola alemã da Psicologia Experimental ou Psicofisiologia e a escola britânica e
americana da Psicologia Introspeccionista.
A tradição filosófica alemã criticava a ideia que a consciência individual poderia ser
conhecida através da introspecção e dava mais importância aos métodos da Lógica e da
Matemática do que à instrospecção, por entender que esta não é fundamental nem
fiável. No entanto, Johann Nicholas Tetens, influenciado pela filosofia inglesa,
questionou Christian Wolff (discípulo de Leibniz) por este negligenciar o inner-sense
(sentido interior). Este termo foi utilizado por Kant para se referir à introspecção na sua
reflexão sobre o método empírico para fazer psicologia. Desta feita, Kant defende que a
introspecção consiste apenas em informações psicológicas que em nada contribuem para
uma investigação aprofundada da constituição da mente humana, sendo, por este
motivo, limitada. Kant entende que «the subject of pure apperception»11, ou seja, o
sujeito que sabe, quer e julga está inacessível à experiência interior.
O descrédito no self-observation individual surge na Alemanha por influência da escola
hegeliana, uma vez que esta incluía a mente e espírito no conceito de cultura. Todavia, a
escola alemã sofre uma mudança com Johann Gottlieb Fichte. Este filósofo alemão deu
maior importância ao self-observation da consciência, permitindo assim a Karl Fortlage
desenvolver uma genuína psicologia introspectiva, que foi muito criticada por Friedrich
Albert Lange.
O mais curioso é que esta crítica de Lange acabou por apontar um novo caminho à
introspecção e ao método especulativo lógico-matemático. Assim, estes métodos seriam
substituídos por um método somático, no qual a actividade psicológica seria estudada
através da sua manifestação material12.
Em meados do século XIX, as ideias filosóficas alemãs exerceram alguma influência no
pensamento britânico, especialmente quando Sir William Hamilton introduziu a noção
leibniziana de actividade mental inconsciente, o que não foi muito bem recebido por
John Stuart Mill, que entendia que a prova directa de consciência apontava uma base

11
DANZIGER, Kurt “The history of introspection reconsidered”, op. cit., pp. 242
12
Aqui podem ser incluídos: o método de Hermann Helmholtz, o estudo empírico da linguagem e do
discurso, a observação do comportamento de crianças e animais e a aplicação de estatísticas aos dados
sobre o complexo comportamento humano.
4
firme de observação empírica, cuja desvalorização poderia levar aos perigos de uma
qualquer especulação metafísica (caso de Hamilton), ou especulação frenológica13,
como no caso de Auguste Comte.
Mesmo assim, a posição de Hamilton acabou por fundamentar a posição de Henry
Maudsley, que rejeitou a introspecção, favorecendo modelos mais objectivos. A verdade
é que estas posições se mantiveram isoladas na literatura inglesa, uma vez que nem
mesmo os filósofos-psicólogos que tinham uma atitude positiva em relação a Comte
aceitaram rejeitar a introspecção.
Herbert Spencer e G.H. Lewes atribuíram um papel significativo ao uso de evidências
introspectivas, embora outras fontes de evidências agora o suplementassem. William
James e G.T. Ladd mantiveram-se dentro da tradição britânica, relativamente ao valor
que associavam à introspecção como fonte de conhecimento sobre a mente. Para além
destes, é importante referir o papel de Titchener, que procurou reinterpretar a base
teórica da psicologia experimental germânica, representada por Wilhelm Wundt – com a
sua systematic introspective analysis, onde pretende ultrapassar as limitações da teoria
de introspecção experimental de Wundt.
Esta formulação de Wundt é importante, uma vez que aponta uma nova fase do conceito
de introspecção, em que Wundt diferencia self-observation14 (selbstbeobachtung) de
internal perception15 (innere wahrnehmung). Wundt propõe assim a apresentação
experimental de estímulos e, consequente, percepção interna, como meios válidos para
recolher os dados necessários para a investigação aprofundada da mente humana.
Entende, ainda, que a observação necessariamente envolve atenção e, com freqüência,
interfere no processo a ser observado, se esse processo é interno e psicológico. Por isso,
enfatiza a importância para a psicologia científica da atenção directa à experiência,

13
Frenologia é uma antiga e desacreditada teoria científica que considerava a conformação e as
protuberâncias do crânio como indicativas das faculdades ou aptidões mentais do indivíduo.
14
A auto-observação é o problema da psicologia introspectiva antiga, uma vez que identificava a
percepção de eventos subjectivos com a observação destes. A observação torna-se num hábito
automático, marcado por rapidez e atenção (attentiveness) com ausência de auto-consciência (self-
consciousness). Por outras palavras, o introspeccionista observa as memórias das experiências originais e
não estas, logo não se trata propriamente de uma introspecção e sim de uma retrospecção (retrospection),
já que a percepção termina assim que se decide observá-la, sendo realizada através de imagens de
memória não confiáveis (unreliable memory image).
15
Wundt vê a percepção interna como a base da psicologia, uma vez que o método experimental de
estímulos produz a percepção que queremos vezes sem conta, permitindo recolher dados viáveis para a
ciência apenas nos casos em que as condições experimentais permitirem a replicação da inner experience.
A sensação e a percepção são as duas áreas que mais satisfazem os requisitos fundamentais de Wundt,
sendo excluídos desta investigação o processamento do pensamento, os sentimentos e as complexas
conexões, afectos e processos de volição.
5
incluindo a variação planeada e controlada. O método psicológico de percepção interna
é, para Wundt, o método de manter e manipular atentamente uma imagem de memória
ou reprodução de um processo psicológico passado. Embora Wundt veja algum valor
nesse método retrospectivo, ele acha que tem duas falhas cruciais: (1) só se pode
trabalhar com o que se lembra do processo em questão - a manipulação de uma imagem
de memória não pode descobrir novos elementos; e (2) elementos estranhos podem ser
introduzidos involuntariamente por meio da associação - pode-se confundir a memória
de um processo com a memória de outro processo ou objecto associado.
Portanto, Wundt sugere que a ciência da psicologia deve depender da observação atenta
dos processos mentais à medida que eles ocorrem. Discorda daqueles que pensam que a
atenção necessariamente distorce o processo mental alvo, já que os processos mentais
mais simples, especialmente da percepção, permanecem relativamente imperturbados
pela observação atenta. Esta última, à medida que a experiência decorre, pode também,
sistematicamente e sem excessiva interrupção, ser aplicada aos processos básicos de
memória, sentimento e volição, principalmente porque só estes podem ser estudados
pela psicologia introspectiva. Outros aspectos da nossa psicologia devem ser abordados
através de métodos não introspectivos, como a observação da linguagem, mitologia,
cultura e desenvolvimento humano e animal.
Conforme referi anteriormente, Titchener procurou reinterpretar a base teórica da
psicologia experimental alemã, partindo de Wundt. Assim, propôs a análise
introspectiva sistemática, que se difundia para as áreas que Wundt havia excluído da sua
percepção interna por via da investigação experimental de estímulos, ou seja, a sua
introspecção experimental. Aliás, nos últimos anos do século XIX, os métodos da
psicologia infantil e animal e o entusiasmo introspectivo relativamente breve levaram a
um contornar das ideias de Wundt, tendo culminado mesmo, pelo menos na América,
no behaviourismo. Titchener inclui assim áreas como a memória, o pensamento e os
sentimentos na sua análise introspectiva sistemática.
As diferenças principais entre a introspecção experimental de Wundt e a introspecção
sistemática de Titchener são: (1) a prática da retrospecção é mais usual na introspecção
de Titchener e seus seguidores que em Wundt; (2) os relatórios subjectivos (em vez dos
objectivos de Wundt) são agora necessários para cada ensaio experimental e são estes,
em vez das medidas mais objectivas, que fornecem os dados essenciais da investigação;
(3) o interesse na descrição qualitativa; (4) a mudança no papel do experimentador. Por

6
outras palavras, a partir do momento em que retrospecção e os relatórios subjectivos
passam a ter mais importância na introspecção sistemática, isso leva a que apareça o
interesse na descrição qualitativa e que o experimentador tenha um papel mais activo no
próprio experimento, em virtude de ter agora um papel de entrevistador.
Desta feita, a introspecção sistemática provocou um aumento nas diferenças dos dados
recolhidos, em virtude desta metodologia construir a sua própria versão especial da
realidade subjectiva. Os introspeccionistas sistemáticos pretendiam assim transcender
os limites da introspecção experimental de Wundt. Theodor Lipps foi um dos que se
afastou das ideias de Wundt, pois (1) acreditava no valor da análise retrospectiva da
consciência; (2) reconhecia nas experiências externas algum valor, mas entendia que os
resultados são de interesse e importância limitados; (3) defendia que os experimentos
internos são verdadeiramente psicológicos, pois «they involve the calling of ideas or
thoughts, the free presentation to oneself of all kinds of experiences, the internal
variation, the addition of parts and also abstraction16»; e (4) via esta ideia de «free
inner experimenting17» como a grande vantagem da introspecção.
Por fim, para Titchener, «the aim of introspection lay in the analytic description of what
was given in consciousness, its “content,”18». O que pretendia era enfatizar o status da
psicologia científica, em virtude de uma semelhança entre a introspecção e a inspecção
praticada pelas ciências físicas. A verdade é que a introspecção sistemática de Titchener
foi criticada, na Alemanha, fundamentalmente por causa da distinção entre descrição
(Beschreibung) e comunicação (Kundgabe) - «It was pointed out that “where the words
in which the experimental sub-own, a specific interpretation, and hence a scientific
evaluation, of such (introspective) reports is impossible”19». A validade dos relatórios
introspectivos sistemáticos depende, assim, das experiências subjectivas que formam os
dados finais e a forma verbal na qual eles são simbolicamente expressos. Desta feita, o
introspeccionismo sistemático alemão dividiu-se em duas correntes: (1) experiências da
vida real – método de Kundgabe – com o objectivo de extrair conclusões sobre as
disposições, valores, motivos do sujeito (fazendo aqui uma distinção clara entre as
características da pessoa e as características da consciência); (2) abordagem

16
DANZIGER, Kurt “The history of introspection reconsidered”, op. cit., pp. 253
17
DANZIGER, Kurt “The history of introspection reconsidered”, op. cit., pp. 253
18
DANZIGER, Kurt “The history of introspection reconsidered”, op. cit., pp. 254
19
DANZIGER, Kurt “The history of introspection reconsidered”, op. cit., pp. 255
7
experimental baseada na descrição dos comportamentos manifestos e dos resultados de
tal comportamento.
Com o evoluir da psicologia científica, o modelo de introspecção sistemática de
Titchener falhou porque foi incapaz de argumentar contra as evidências do pensamento
e porque insistiu na descrição introspectiva como uma descrição sem referência ao
significado.
Não se pode assim avançar que a rejeição radical da introspecção per se tenha sido o
resultado das dificuldades internas que o método encontrou. Nem mesmo as bem
conhecidas dificuldades clássicas impediram a combinação de uma forma limitada de
introspecção com o forte crescimento da psicologia experimental.
A introspecção sistemática de Titchener, que viveu o seu auge no início do século XX, e
as dificuldades já referidas provocou uma necessidade de escolher entre esta forma de
introspecção e o método experimental, anteriormente concebido. Foi isso que aconteceu
entre os psicólogos alemães, se bem que a rejeição total em princípio de todas as formas
de introspecção ficavam longe de uma conclusão racional, principalmente à luz dos
problemas que surgiram naquela altura.
Como poderia ser explicada uma solução tão radical?
Esta solução apenas pode ser entendida pela incursão de factores que são externos no
desenvolvimento interno da disciplina, como é definido pelas normas essencialmente
racionais. Estes factores não-racionais são constituídos pelo aparecimento de novos
interesses entre os psicólogos daquela época, em especial entre os psicólogos
americanos. Esses interesses redefiniram os objectivos da pesquisa psicológica e
produzem, assim, uma nova selecção de métodos necessários para atingir os objectivos.
Posto isto, a introspecção foi menos vítima dos seus problemas internos do que vítima
de forças históricas muito maiores do que o conceito de introspecção.

8
A natureza da introspecção
Sydney Shoemaker apresenta o conceito de introspecção a partir da origem da palavra
introspection, que nasce da fusão entre spicere (to look) e intra (within). To look within
abre caminho ao sentido mais comum desta palavra, ou seja, o acesso não inferencial
que uma pessoa tem das suas sensações, sentimentos, pensamentos e outros estados ou
eventos mentais. Será a introspecção uma percepção ou uma observação envolvendo o
inner sense? A etimologia dá uma visão da introspecção (acessos introspectivos aos
nossos estados mentais) como perceptual ou quasi-perceptual.
Este autor tem sido um dos críticos mais persistentes da introspecção como inner sense.
Justifica a sua posição recorrendo à racionalidade, pois esta exige que uma pessoa seja
sensível aos próprios estados mentais, sendo assim da natureza dos estados mentais
revelar-se à introspecção. Shoemaker aponta duas condições que a introspecção como
modelo perceptivo teria que satisfazer: (1) as crenças introspectivas sobre os próprios
estados mentais são causadas por esses estados mentais, ou seja, por um mecanismo
fiável de produção de crenças; (2) a existência dos estados mentais é independente de
quaisquer crenças introspectivas deles. Na verdade, o autor não aceita o modelo de
introspecção como inner sense por entender que a introspecção não satisfaz essa
segunda condição.
Posto isto, Shoemaker defende a sua própria visão de introspecção, se bem que não a vê
como observacional. Na opinião de Shoemaker, há uma conexão constitutiva entre estar
num estado mental e ter conhecimento introspectivo desse mesmo estado. Shoemaker
distingue assim a introspecção de pre-introspective awareness, que consiste em ser
aware that one is aware, isto porque a consciência introspectiva de um estado mental
envolve ter uma crença que temos esse estado mental. «Some writers distinguish
introspection from a pre-introspective awareness of mental phenomena, saying that one
is not properly speaking introspecting unless one is not only aware of some mental
phenomenon but aware that one is aware of it20». E alguns sugeriram que a
introspecção deve ser pensada como um tipo de low-level theorizing sobre o que está a
acontecer na mente, se bem que os dados para essa teorização seriam, em parte, o
conhecimento adquirido a partir de pre-introspective awareness.
Esta conexão constitutiva deve-se à nossa racionalidade. A capacidade de introspecção é
uma parte essencial de ser racional. Shoemaker defende esta posição explicando que a

20
SHOEMAKER, Sydney “Introspection”, op. cit., pp. 395
9
pessoa que tem um determinado estado mental acresce-lhe inteligência, racionalidade e
capacidade conceitual – normal num ser humano –, sendo estas suficientes para explicar
a existência de uma crença introspectiva sobre um dado estado mental.
Com o intuito de aprofundar a sua reflexão sobre a introspecção, Shoemaker recorre à
definição de consciência de Descartes. Assim, Descartes entende que «consciousness is
the essence of mentality, that each mind is transparent to itself, and that the awareness
each mind has of its current states and processes yields knowledge having the highest
possible degree of certainty21». Esta visão acaba por apontar uma ideia que «all
empirical knowledge to be grounded, ultimately, in the knowledge (here called
introspective) each mind has of its own states, including sensations and perceptual
experiences22». Esta versão cartesiana defende que (1) os julgamentos que uma pessoa
tem dos próprios estados mentais actuais são infalíveis e que (2) os estados mentais são,
por natureza, self-intimating, ou seja, a pessoa que tem os estados mentais está
consciente que os tem, ou que, pelo menos, a pessoa poderia ter essa consciência caso
considerasse o assunto. Todavia, a visão cartesiana sobre o acesso introspectivo tem
sido questionada a um nível puramente filosófico.
David M. Armstrong é um dos filósofos que questionou a visão cartesiana através de
distinct existences argument. Este argumento tem como certo que a consciência
introspectiva de um estado mental envolve ter uma crença que temos esse estado
mental. Desta feita, o estado mental e a crença têm existências distintas, podendo
mesmo existir uma sem a outra. Aqui fica implícito a natureza do auto-conhecimento
introspectivo, em que o acesso especial aos nossos estados mentais consiste
simplesmente numa crença que estamos nesse estado mental; assim, a crença conta
como conhecimento porque o mecanismo é fiável, ou seja, produz crenças verdadeiras.
A introspecção é, portanto, um evento mental que tem como objeto (intencional) outros
acontecimentos mentais que fazem parte da mesma mente, se bem que devemos
distinguir entre introspectar e aquilo que é introspectado. Isto pode causar confusão,
uma vez que ambos são estados mentais, mesmo assim é impossível que o acto de
introspectar e a coisa introspectada sejam o mesmo estado mental. Um estado mental
não pode ser consciente de si mesmo – a própria introspecção pode ser objeto de uma
consciência introspectiva adicional, e assim por diante, mas, como a capacidade da

21
SHOEMAKER, Sydney “Introspection”, op. cit., pp. 396
22
SHOEMAKER, Sydney “Introspection”, op. cit., pp. 396
10
mente é finita, a cadeia de percepção introspectiva das introspecções deve terminar
numa introspecção que não é objeto de percepção introspectiva.
A distinção entre a introspecção e o estado introspectivo esclarece a «systematic
elusiveness of the subject23». A ilusão desse estado mental que é uma consciência de
algum outro estado de coisas, físico ou mental, é uma mera indefinição lógica, a
consequência do facto de que a consciência de algo não pode ser, ao mesmo tempo, uma
consciência dessa consciência. Armstrong conclui que a introspecção é a aquisição de
informações sobre nossos próprios estados mentais actuais, sendo estes de uma pessoa
apta a produzir certos tipos de comportamento físico. A introspecção é a aquisição de
informações sobre os estados mentais próprios e, também, uma aptidão para
determinado comportamento. Posto isto, Armstrong divide a introspecção em duas
categorias: (1) introspecção de eventos de atitude proposicional (julgamentos e
decisões); (2) introspecção de eventos de percepção ampla (estados perceptuais e
imagéticos, sentimentos, emoções e sensações corporais), aceitando a existência apenas
desta última categoria, pois entende que os julgamentos e as decisões não são
introspectáveis.
Esta ideia que questiona a introspectabilidade de alguns estados ou eventos mentais
pode explicar o cepticismo que alguns filósofos adoptaram em relação à introspecção.
Um desses críticos é Gilbert Ryle. Este vê como caos a visão filosófica da introspecção,
como fica claro na forma irónica com que aborda a ideia que «A mind has a twofold
Privileged Access to its own doings, which makes its self-knowledge superior in quality,
as well as prior in genesis, to its grasp of other things. I may doubt the evidence of my
senses but not the deliverances of consciousness or introspection24».
A ideia que Ryle defende é que a consciência e a introspecção não podem ser aquilo que
a teoria do acesso privilegiado supõe, porque os seus supostos objectos são mitos,
contrariando essa teoria que «has won so strong a hold on the thoughts of philosophers,
psychologists and many laymen that it is now often thought to be enough to say, on
behalf of the dogma of the mind as a second theatre, that its consciousness and
introspection discover the scenes enacted in it25».

23
ARMSTRONG, David Malet “Introspection”, op. cit., pp. 324
24
RYLE, Gilbert “Self-Knowledge”, op. cit., pp. 137
25
RYLE, Gilbert “Self-Knowledge”, op. cit., pp. 137
11
Desta feita, Ryle procura mostrar «that the official theories of consciousness and
introspection are logical muddles26», se bem que não pretenda defender que não é
possível alcançar o auto-conhecimento. A principal crítica de Ryle à introspecção está
relacionada com o auto-conhecimento, por entender que este não é alcançado pela
consciência ou pela introspecção. Todavia, há que ressalvar que Ryle acredita que
podemos alcançar o auto-conhecimento, se bem que não aceita que tal aconteça através
da introspecção. Entende que nos conhecemos a nós mesmos da mesma forma que
conhecemos as outras pessoas. Por outras palavras, Ryle entende que o auto-
conhecimento acontece através das conclusões indutivas da observação do nosso
comportamento. Esta ideia torna claro que Ryle rejeita tanto a introspecção como o
acesso privilegiado, uma vez que, no entender deste filósofo, não existe nada de especial
– ao nível epistémico – sobre os julgamentos que fazemos sobre os próprios estados
mentais. Ryle vai mais longe, dizendo que não estamos em melhor posição para fazer
julgamentos sobre os nossos estados mentais do que sobre os estados mentais dos outros
(e vice-versa), podendo mesmo, em certas situações, estar numa posição pior, em
virtude de nos faltar objectividade quando olhamos para nós mesmos.
Por fim, Ryle critica esta ideia do auto-conhecimento através da consciência e da
introspecção, uma vez que não aceita um processo, a que chama de regressão infinita
viciosa, que consiste numa atenção de ordem superior a algum estado de ordem inferior,
onde teria também de ser dada atenção ao estado de ordem superior, criando assim uma
constante redefinição do estado de ordem superior. Seria assim uma constante atenção,
se bem que a atenção estaria constantemente a ser sub-dividida (como um ciclo vicioso)
em pequenos focos de atenção.

26
RYLE, Gilbert “Self-Knowledge”, op. cit., pp. 137
12
Características gerais da introspecção
A introspecção é geralmente considerada como um processo por meio do qual
aprendemos sobre nossos estados mentais ou processos atualmente em curso ou do
passado recente. Todavia, Eric Schwitzgebel parte de um pressuposto que
«introspection is not a single process but a plurality of processes. It's a plurality both
within and between cases: most individual introspective judgments arise from a
plurality of processes (that's the within-case claim), and the collection of processes
issuing in introspective judgments differs from case to case (that's the between-case
claim)27», defendendo que a «introspection is the dedication of central cognitive
resources, or attention, to the task of arriving at a judgment about one's current, or very
recently past, conscious experience, using or attempting to use some capacities that are
unique to the first-person case (...), with the aim or intention that one's judgment reflect
some relatively direct sensitivity to the target state28».
Desta feita, as duas classes mais comumente citadas de estados mentais introspectáveis
são: (1) as atitudes, como crenças, desejos, avaliações e intenções; e (2) as experiências
conscientes, como emoções, imagens e experiências sensoriais. Os estados auto-
atribuídos são os alvos da introspecção, caso o processo funcione correctamente. Se o
processo introspectivo falhar, os estados que teriam sido auto-atribuídos serão então os
alvos da introspecção. A maioria dos filósofos sustenta que a introspecção produz algo
como crenças ou julgamentos sobre a própria mente, mas outros preferem caracterizar
os produtos da introspecção como pensamentos, representações, consciência ou algo
parecido.
E de que forma podemos dizer que um processo é introspectivo?29
Um processo introspectivo respeita três condições: (1) a condição de mentalidade – em
que a introspecção é um processo que gera, ou visa gerar, conhecimento, julgamentos
ou crenças sobre eventos mentais, estados ou processos, e não sobre assuntos fora da
mente, pelo menos directamente; (2) a condição de primeira pessoa – em que a
introspecção é um processo que gera, ou tem como objectivo gerar, conhecimento,
julgamentos ou crenças sobre a própria mente apenas e não de outra pessoa, pelo menos
não directamente; e (3) a condição de proximidade temporal, em que a introspecção é

27
SCHWITZGEBEL, Eric “Introspection, What?”, op. cit., pp. 29
28
SCHWITZGEBEL, Eric “Introspection, What?”, op. cit., pp. 42 – 43
29
A informação apresentada como resposta a esta questão foi recolhida num artigo de Eric Schwitzgebel
disponível online no seguinte endereço: https://plato.stanford.edu/entries/introspection/ .
13
um processo que gera conhecimento, crenças ou julgamentos sobre a vida mental
actualmente em curso; ou, alternativamente (ou talvez além disso) imediatamente
passado (ou mesmo futuro) a vida mental, dentro de uma estreita janela temporal.
Esta última condição depende do modelo de introspecção da pessoa, ou seja, nos
modelos de introspecção de auto-detecção, a introspecção é um processo causal
envolvendo a detecção de um Estado, por isso é natural supor que um breve lapso de
tempo transcorrerá entre a ocorrência do estado mental que é o alvo introspectivo e o
julgamento introspectivo final sobre esse estado, que convida (mas não implica
estritamente) a ideia de que os juízos introspectivos geralmente dizem respeito a estados
imediatamente anteriores. Já nos modelos de introspecção de auto-modelagem e auto-
realização, os juízos introspectivos criam ou incorporam o próprio estado introspectivo,
parecendo assim mais natural pensar que o alvo da introspecção é vida mental actual ou
talvez até o futuro imediato.
A verdade é que existem muitos filósofos da mente que aponta mais três condições para
que um processo seja considerado do âmbito da introspecção: (4) a condição directa, em
que a introspecção produz julgamentos ou conhecimento sobre os próprios processos
mentais actuais de forma relativamente directa ou imediata; (5) a condição de detecção,
em que a introspecção envolve algum tipo de sintonização ou detecção de um estado ou
evento mental pré-existente, onde o juízo ou conhecimento introspectivo é (quando tudo
correr bem) causalmente, mas não ontologicamente dependente do estado mental alvo; e
(6) a condição de esforço, em que a introspecção não é constante, sem esforço e
automática. A introspecção envolve algum tipo de reflexão especial sobre a própria vida
mental que difere do fluxo comum de pensamento e acção não auto-reflexiva.

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Conclusão
A investigação realizada sobre a evolução, a natureza e as características gerais do
conceito de introspecção apresentou visões diversificadas da introspecção como (1) um
processo de auto-observação; (2) uma espécie de acto perceptivo interno; (3) um acesso
retrospectivo de estados mentais passados; (4) uma conexão constitutiva entre estar num
estado mental e ter conhecimento introspectivo desse mesmo estado; (5) um evento
mental de aquisição de informação sobre os nossos estados mentais actuais; e (6) uma
experimentação interior livre.
Quando iniciei esta investigação, o conceito de introspecção era simples e fácil de
definir: o acto de, conscientemente, olhar para dentro e tomar conhecimento daquilo que
se passa dentro de mim. Continuo a poder definir a introspecção da mesma forma, se
bem que de momento parece-me fundamental questionar a introspecção de outro ponto
de vista. No início percebia a introspecção como um conceito que se articula na sua
génese com a consciência, mesmo assim a introspecção quase parecia ser a capacidade
de tomar consciência de um estado mental que ainda não estava à superfície, ou seja,
que ainda não era consciente.
Entretanto, e partindo dos pressupostos que (1) apenas os estados mentais conscientes
podem ser introspectados, (2) os estados mentais conscientes são a causa das crenças
introspectivas e (3) o acto de introspectar depende da vontade do sujeito, contrariamente
à consciência que é constante, questiono-me se a introspecção é, realmente, o evento
mental através do qual tomamos consciência dos nossos estados ou processos mentais
actuais ou do passado mais recente.
Smithies e Stoljar30 entendem que a introspecção serve de interface entre as duas
principais questões filosóficas relacionadas com a ciência: (1) «metaphysical and
scientific questions about the nature of consciousness31»; (2) «normative and
epistemological questions about the nature of self-knowledge32». Por outras palavras,
estes filósofos entendem que a introspecção coexiste com a consciência, uma vez que
esta última é, por vezes, definida «in terms of introspection33». E, ao mesmo tempo,
coexiste com a auto-consciência, porque a introspecção «is the distinctive way in which
we come to know about ourselves and, in particular, about our own conscious mental

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SMITHIES, Declan e STOLJAR, Daniel “Introspection and Consciousness: An Overview” in Introspection
and consciousness, Oxford University Press, Oxford 2012, pp. 3 - 26
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SMITHIES, Declan e STOLJAR, Daniel “Introspection and Consciousness: An Overview”, pp. 3
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SMITHIES, Declan e STOLJAR, Daniel “Introspection and Consciousness: An Overview”, pp. 3
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SMITHIES, Declan e STOLJAR, Daniel “Introspection and Consciousness: An Overview”, pp. 3
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states, processes, and events34». D.M. Armstrong defende que a introspecção é a
aquisição de informação sobre os nossos próprios estados mentais actuais e também
uma aptidão para determinado comportamento. Já, Sydney Shoemaker entende que a
introspecção não é observacional, uma vez que consiste numa conexão constitutiva, que
advém da nossa racionalidade, ou seja, que está na génese de um ser racional ter
consciência dos estados mentais que tem.
Posto isto, questiono: se a consciência está na génese de um ser racional e é constante,
não dependendo da vontade do sujeito, como podemos definir a introspecção como um
processo mental no qual tomamos consciência dos nossos estados mentais? Poderá a
introspecção ser um processo mental no qual observamos a tomada de consciência de
determinados estados mentais, que escolhemos para observar intencionalmente? Por
outras palavras, a introspecção será apenas uma testemunha dessa tomada de
consciência, em vez de ser a tomada de consciência. Desta forma, a introspecção seria
sempre a atenção de ordem superior que falava Gilbert Ryle e o caos que referiu – o
ciclo vicioso de redefinição constante da atenção de ordem superior – deixaria de fazer
sentido.
Consequentemente, parece-me importante descontruir a ideia de crença introspectiva.
No meu entender, a introspecção não é um processo de julgamento, é um processo de
testemunhar o acto de consciência. O que poderá criar as crenças causadas pelos estados
mentais (tenho um estado mental e acredito que tenho esse estado mental) é a tomada de
consciência. Por exemplo, se estou triste (estado mental) acontece que, ao tomar
consciência desse estado mental, acredito que estou triste. A introspecção apenas tem o
papel de testemunha dessa tomada de consciência da ocorrência de um estado mental.
Por fim, parece-me que a introspecção consiste no acto de testemunhar a tomada de
consciência de determinados estados mentais para os quais apontamos intencionalmente
a nossa atenção. O processo de auto-observação, a percepção interna, a retrospecção, a
experimentação interior livre e, mesmo, a meditação são ferramentas disponíveis para o
acto de testemunhar a tomada de consciência dos nossos estados mentais. Este acto de
testemunhar ajuda a organizar os pensamentos, sentimentos, emoções, crenças e
experiências internas provocados pela tomada de consciência dos nossos estados
mentais, podendo assim ajudar à auto-consciência.

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SMITHIES, Declan e STOLJAR, Daniel “Introspection and Consciousness: An Overview”, pp. 3
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Bibliografia
ARMSTRONG, David Malet “Introspection” in A Materialist Theory of Mind, Humanities
Press, New York 1968, pp. 323 – 338
DANZIGER, Kurt “The history of introspection reconsidered” in Journal of History of the
Behavioural Sciences, Canadá 1980, pp. 241 – 262
RYLE, Gilbert “Self-Knowledge” in The Concept of Mind, Routledge, New York 2009,
pp. 136 - 178
SHOEMAKER, Sydney “Introspection” in GUTTENPLAN, Samuel A companion to the
Philosophy of Mind. Blackwell Publishers Inc., Oxford 1994-1995, pp. 395 – 400
SMITHIES, Declan e STOLJAR, Daniel “Introspection and Consciousness: An Overview”
in Introspection and consciousness, Oxford University Press, Oxford 2012, pp. 3 – 26
SCHWITZGEBEL, Eric “Introspection, What?” in SMITHIS, Declan e STOLJAR, Daniel
Introspection and consciousness, Oxford University Press, Oxford 2012, pp. 29 – 48

Sitografia
https://plato.stanford.edu/entries/introspection/

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