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Vol. 7 - Nº 2
Aterosclerose: Aterogênese e fatores de risco
ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO
ARTERIOSCLEROSE
Com a correr dos anos as artérias sofrem anormalidades mortiças e funcionais que tendem a
deixá-las mais rígidas, mais corrugadas, num processo dito de esclerose senil progressiva,
semelhante aos fenômenos degenerativos que ocorrem em outros tecidos. A esta arteriosclerose
"fisiológica" somam-se lesões específicas, induzidas pêlos chamados "fatores de risco",
constituindo-se a aterosclerose, complexa lesão da parede vasal, mais especialmente da camada
íntima das artérias elásticas e musculares.
O termo "aterosclerose" (Gr. atheros-papa) foi criado por Marchand, em 1904, para descrever a
esclerose vasal que era acompanhada de depósitos gordurosos. De todas as formas de esclerose
arterial, a aterosclerose é a mais importante posto que as placas fibro-ateromatosas que a
caracterizam levam à oclusão do vaso e à instalação de várias síndromes isquêmicas graves
(infarto do miocárdio, ictus cerebral, gangrena de membros, etc).
A aterosclerose agride essencialmente a camada íntima da artéria. A lesão (AE) típica das formas
avançadas da doença é a "placa fibrosa" - formação esbranquiçada que profunde na luz do vaso.
Ela é coberta por uma capa fibrosa que consiste em várias camadas de células achatadas
embebidas numa matriz extracelular de tecido conjuntivo denso, ao lado de lamínulas de material
amorfo, proteoglicanos, fibras colágenas e células musculares lisas. No interior da "placa",
abaixo da capa fibrosa, há um acúmulo de "células espumosas", íntegras ou rotas, e de tecido
conjuntivo. As "células espumosas" são derivadas dos macrófagos (macrócitos e linfócitos
sanguíneos, e células musculares lisas da parede arterial) que contêm gotículas de gordura,
principalmente sob a forma de colesterol livre e esterificado. Este colesterol é derivado do sangue
e não produzido no local. No centro da placa fibrosa há uma área de tecido necrótico, debris,
cristais de colesterol extracelular, e de cálcio.
Acredita-se que a primeira lesão estrutural na aterogênese é a "estria gordurosa", que consiste no
acúmulo, sob o endotélio, de células de esteres de colesterol ("células espumosas"), cercadas por
depósitos de lipídios. As estrias gordurosas aparecem como áreas amareladas no endotélio vasal e
já estão presentes em crianças de tenra idade. Elas não perturbam a circulação do sangue, mas se
localizam nos mesmos sítios onde mais tarde de localizarão as placas fibrosas - daí a ideia de
serem elas as precursoras da placa. Aparentemente estas estrias gordurosas são formadas por
monócitos (e linfócitos e células musculares lisas) cheios de gordura por um processo de
fagocitose.
O endotélio do vaso funciona harmonicamente com o sangue que o cobre e com o tecido
conjuntivo da camada sub-endotelial e as células musculares lisas que delimitam a íntima vasal.
A agressão do endotélio por agentes nocivos de quaisquer espécies implica distúrbio do endotélio
e dos outros componentes da íntima seguidos de reações complexas de todos esses elementos. A
injúria é reparada integralmente ou deixa cicatrizes que, posteriormente, poderão conturbar a
funcionalidade do vaso.
Inúmeros aspectos da lesão ateromatosa sugerem que a reação da parede arterial é mais ou menos
idêntica e monótona, um tanto independente do fator gerador e/ou potencializador. Mas o
mecanismo etiopatogênico dos diferentes fatores de risco é algo variável, e o conhecimento dos
caminhos percorridos em cada processo agressivo-reacional é de utilidade na interpretação da
doença aterosclerótica e sua terapêutica.
A aterosclerose obliterante dos membros (AEO) é uma das mais comuns formas clínicas da
doença arteriosclerótica em geral. Dos estudos de Widmer (1964) vê-se que a incidência da AEO
periférica em homens é de 0,9% (40-44 anos), 3,6% (50-54 anos) e 7,5% (60-64 anos). Estes
percentuais de Widmer são baseados somente nas queixas dos pacientes. Usando-se métodos
semiotécnicos complementares não-invasivos, encontra-se que 11,7% da população com idade
média de 66 anos têm AEO, embora somente um quinto tenha sintomas (Criqui et al, 1985).
Dos pacientes com síndrome isquêmica e claudicação intermitente, 15 a 20% vêm a sofrer de dor
em repouso e gangrena (Dormandy et al, 1989) e somente 1,6 a 1,7% chegam até a amputação do
membro (Widmer et al, 1985). A maioria dos pacientes com AEO periférica morre de AEO
cerebral ou coronária em vista a concomitância das várias formas de comprometimento arterial na
doença arteriosclerótica (Duque). No estudo Framingham, a mortalidade anual em homens com
claudicação intermitente foi de 3,9%, bem mais alta que o 1,0% da população sem claudicação
(Kannel et al, 1970). Segundo Dormandy e Murray (1991), o acompanhamento de 1.969 pessoas
com AEO periférica durante um ano mostrou a incidência de 36 infartos do miocárdio e de 27
acidentes vasculares cerebrais.
À necropsia foi visto que 50% dos soldados americanos mortos em combate, com idade média de
22 anos, apresentavam aterosclerose ao exame macroscópico. Na idade de 50 anos, esta
prevalência aumenta para 90%, sendo que a metade destes tem estenose de importância em uma
ou mais artérias (Dock).
Os fatores de risco da AEO periférica são semelhantes aos da AEO em geral. Mas diversos
estudos epidemiológicos têm demonstrado certas nuanças tais como a menor importância dos
valores sanguíneos de colesterol e uma maior importância das taxas de triglicerídios (Greenhagh
et al, 1971) e da presença de fumo e de diabetes, em relação à arteriosclerose das coronárias.
A incidência da AEO dos membros inferiores tem aumentado nos últimos anos em função da
presença dos fatores de risco, aumento da população com diabetes Mellitus, e do número de
indivíduos idosos.
IMPORTÂNCIA DA ATEROGÈNESE
Neste ponto de estudo veremos uma exposição suscinta desses diversos aspectos da aterogênese.
Camada íntima
A camada justaluminar da parede arterial é composta de uma lâmina superficial, endotelial, e de
uma camada de tecido conjuntivo, sub-endotelial, separadas da camada muscular média por
fibras de tecido elástico (lâmina elástica interna). A primeira é composta de uma monocamada
contínua de células endoteliais que, no período de desenvolvimento, têm variados índices de
reduplicação. Na vida adulta, as células endoteliais são quiescentes, salvo num ou noutro ponto
da parede arterial onde a multiplicação é maior - estes "pontos quentes", geralmente, são
encontrados nas bifurcações arteriais (Schwartz e Benditt).
O endotélio não é uma camada celular passiva - é um tecido nobre com um volume total idêntico
ao do fígado e com mil e uma funções complexas e fundamentais. Ele mantém o sangue no
interior do vaso, seleciona as moléculas que entram e saem da parede do vaso, modula as
variações pressocinéticas, secreta inúmeras substâncias com função hemostática, coagulante,
miorelaxante, pressórica, mitogênica, reológica, plásticas, plaquetária, antitrombogênica, etc.
As células endoteliais se colam umas às outras por junções compactas e por junções fenestradas.
A passagem de substâncias pela camada endotelial é feita através dos pertuitos nas junções
intercelulares e pelo transporte vesicular. O transporte ativo, transendotelial, se dá por vesículas
que navegam de uma margem a outra no protoplasma celular (pinocitose).
A camada endotelial forma, e é sustentada, por uma camada chamada basal, composta de matriz
amorfa conjuntiva, fibras colágenas, fibroblastos, células sanguíneas, células musculares lisas e
outras. Conforme o tecido em que está o vaso, a camada basal tem maior ou menor densidade e
participa intensamente de muitas das atividades da camada íntima. A nutrição de ambas as
lâminas da íntima ("oria") é fundamentalmente oriunda do sangue que as banha, d'onde sua
atividade e responsividade hemoreológica.
A lâmina elástica interna, que a separa da camada média muscular, é amplamente permeável, o
que faz a camada subíntima fisiopatologicamente muito relacionada aos eventos que ocorrem nas
camadas média e adventícia.
Com o uso de stents há formação de espesso trombo mural, rico em plaquetas, que,
subsequentemente, é infiltrado por células inflamatórias e musculares lisas. É a trombose mural
que serve de leito para a hiperplasia da íntima.
Endotélio
A célula endotelial intervém em diversos sistemas orgânicos graças à sua capacidade em produzir
uma série de "fatores chaves". Ela sintetiza mucopolisacarídios, fator de von Willebrand, ativador
tecidual do plasminogênio, fator de ativação da plaqueta, acetilcolina, fator de crescimento e
enzimas anti-oxidantes. O endotélio também metaboliza serotonina, converte angiotensina I em
angiotensina II, degrada a bradicidina, secreta uma série de substâncias autocrinas e paracrinas
(pros-taciclina, um fator relaxante endotélio-derivado (EDRF), um fator hiperpolarizante e
enzimas que ativam a pro-renina). Além do mais, o endotélio forma substâncias vasoconstritoras
(tais como os aniontes superóxidos e a endotelina) assim como intervém nos fenômenos de
neurotransmissão (trifosfato de adenosina - ATP), difosfato de adenosima (ADP), substância P,
bradicinina, serotonina, vasopressina, angiotensina II e his-tamina). As células endoteliais agem
como censores e moduladores do vasomotorismo em variações da pressão arterial, da velocidade
da corrente sanguínea, do movimento turbilhonar do sangue, do nível do pH e teor de CO2 e O2
sanguíneos, do estresse emocional, etc.
Cada vez mais firma-se a importância do endotélio vasal como centro do processo
aterosclerótico. O endotélio é um "órgão" de grande volume e extensão cobrindo o interior de
todos os vasos sanguíneos e linfáticos e que, em condições fisiológicas, é uma população estável
com baixa atividade mitótica. Em condições mórbidas (hipertensão, hiperlipidemia, estresse
mecânico), o turnover das células endoteliais aumenta. O crescimento capilar é precedido da
proliferação da célula endotelial, que pode ser gerada pelo exercício, hipoxia e pH baixo,
condições que estimulam a liberação de várias substância do endotélio. A camada do endotélio
exerce várias funções na parede dos vasos:
c - produz substâncias vasoativas e fatorde crescimento. Nos últimos anos foram descobertos
vários fatores com funções vasoativas produzidos pelas células endoteliais, de crescimento
celular, de permeabilidade vasal, reguladores da pressão sanguínea, da diapedese, etc. d -
forma tecido conectivo.
A síntese daprostaciclina (PGI2) nos microssomos aórticos é inibida pêlos peróxidos lipídicos
(por ex. 15-HPETE). A prostaciclina é vasodilatador, inibidor das plaquetas, fibrinolítico e
citoprotetor (com efeito antitrombótico e anti-aterogênico).
O PGI2 tem efeito "citoprotetor" reduzindo o efeito da injúria em vários tecidos inclusive parede
arterial. Este efeito parece ocorrer devido à neutralização dos radicais livres feita pelo PGI2.
Outros efeitos antiaterogênicos da PGI2 são: reduzir a agregação plaquetária, evitando assim a
deposição de trombes plaquetários sobre o endotélio, inibir a formação de trombes em vasos e
subíntima e proteger o vaso contra o complexo imune produtor de vasculite, inibir a liberação de
nitrógenos pelas plaquetas, células endoteliais e macrófagos, possivelmente reduzir a proliferação
de células musculares lisas, inibir o acúmulo de colesterol nos macrófagos e nas CML (reduzindo
a formação de células espumosas).
Camada média
A camada média é composta de células musculares lisas (CML) delimitadas pelas lâminas ou
camadas elásticas interna e externa. Essas camadas de fibras elásticas têm fenestrações largas por
onde podem passar células e/ou produtos celulares, linfáticos, nervos, e vasos nutridores da
parede arterial, donde a ampla comunicação da camada média com as camadas íntima e
adventícia.
O endotélio intacto produz substâncias que inibem a proliferação das CMLs (óxido nítrico,
sulfato de heparan, TGF-b, interferongama, prostaglandinaE2) e inibem a agregação plaquetária
(óxido nítrico, prostaciclina). Com o trauma ou injúria endotelial há: 1) suspensão da síntese
destas substâncias, o que facilitaria a formação da neoíntima; 2) a liberação de endotelina, que
aluaria como mitógeno para a CML. As injúrias da parede do vaso ativam as CMLs fazendo com
que elas participem da formação da placa fibrosa ateromatosa. Nas lesões endoteliais traumáticas
(angioplastias), as CMLs do terço superior da camada média da artéria passam a proliferar logo
no segundo ou terceiro dia da operação, sendo responsáveis por boa parte da síntese da matriz
extracelular e da formação da neoíntima pós-angioplastia. O número de CMLs na neoíntima
aumenta apenas nas duas primeiras semanas e, ao fim de alguns meses, estas células revertem ao
tipo contrátil, estrutural, quiescente.
Em termos gerais, os estímulos básicos que alteram o fenotipo da CML e contribuem para a
hiperplasia da camada íntima, são: 1) perda da camada endotelial; 2) estiramento mecânico da
parede; 3) agregação plaquetária no endotélio lesado e liberação de fatores de crescimento; 4)
atividade mitogênica da trombina formada em trombes locais; 5) reação inflamatória local.
Camada adventícia
A camada mais externa da artéria é delimitada internamente pela lâmina elástica externa e, na
parte de fora, pelo tecido conjuntivo de maior ou menor densidade que prende a artéria aos
tecidos vizinhos. Nessa camada, a substância amorfa da matriz conjuntiva cerca e engloba as
fibras colágenas, os vaso-vasorum, os nervos, os capilares linfáticos, os fibroblastos, algumas
células musculares lisas, as células de gordura, etc.
Identificação celular
A estria gordurosa
A estria gordurosa é a lesão mais constante no processo ateromatoso arterial. Ela é vista desde
tenra idade, em ambos os sexos (Mc Gill), e ocorre nos mesmos sítios anatômicos nos jovens e
adultos. Por outro lado, é vista em trechos da artéria que, mais tarde, não apresentam lesões
ateroscleróticas complicadas.
Com o emprego dos anticorpos monoclonais foi visto que a estria gordurosa é quase unicamente
constituída de um tipo de célula, o macrófago cheio de gordura (célula espumosa). No início,
algumas CMLs ficam no meio dos ma-crófagos, mas, com o crescimento da estria gordurosa, os
CMLs vão se acumulando sob as células espumosas. Nesse período também são encontrados
alguns linfócitos T (CFD8+ e CD4+) mas a célula básica da lesão é o macrófago, cheio de
gotinhas de colesterol parecendo uma bolha de espuma.
Acredita-se hoje que os eventos iniciadores da formação da placa não são obrigatoriamente
precipitados por lesões orgânicas da superfície luminar da camada endotelial - a ativação focal da
célula endotelial, por materiais vasoativos e/ou tóxicos circulantes, basta para provocar
modificações na reatividade e no metabolismo do endotélio (Ross). Este estímulo sobre a célula
endotelial produz: 1) distúrbios da permeabilidade e da oxidação das partículas LDL, 2) liberação
de quimioatraentes, mitógenos e fatores de crescimento que determinam a migração e
proliferação de CMLs, 3) expressão de moléculas superficiais de aderência dos leucócitos, 4)
distúrbios da função antitrombogênica, 5) perturbação dos fatores óxido nítrico e endotelina-1
(reguladores do tônus da célula muscular lisa da camada média), etc.
Placa fibrosa
A placa fibrosa é a principal responsável pelas oclusões arteriais crónicas. Quase sempre se
localiza nas bifurcações, na saída de ramos secundários (onde pende para a luz do tronco
principal), ou nos locais onde a artéria fica acolada a estruturas rígidas ("arteriopatia
hemodinâmica", de Palma).
Tal como foi visto, a placa fibrosa é recoberta por uma densa camada de tecido conjuntivo
contendo macrófagos, células musculares lisas modificadas e outros materiais ("capa fibrosa").
Sob a capa fibrosa encontram-se células macrofágicas cheias de lipídios ("células espumosas"),
linfócitos e CMLs. Mais abaixo há outra região celularizada ocupada por CMLs, com ou sem
inclusões de gordura.
O progressivo aumento de volume do bloco ateromatoso fibrocelular faz a placa abaular para a
luz da artéria, mas, na ausência de complicações (ruptura, trombose, etc), a superfície luminal
permanece lisa e o perfil da luz muda pouco e são preservadas condições que garantem um fluxo
sanguíneo estável. Com a continuidade da progressão da fibrose e calcificação distróficas, a placa
aumenta de volume e provoca, além do mais, abaulamento para fora da artéria, abaixo da placa,
com o que a artéria se dilata mantendo a luz vascular eficiente mesmo na presença de placas
intimais relativamente grandes. Este fato mostra a relativa falibilidade da arteriografia ou de
outros métodos que medem a luz vascular para avaliar o fluxo sanguíneo no local e o grau de
comprometimento esclerótico da parede arterial. No momento estão sendo estudados processos
semióticos de imagens que talvez venham a permitir reconhecer as características estruturais e
dinâmicas da placa ateromatosa assim como suas condições gerais de estabilidade.
A complexa sequência de eventos que levam à formação de uma placa interage de diferentes
maneiras e duração conforme o grau de exposição aos fatores de risco e às características do
ambiente microanatômico estrutural e he-modinâmico da artéria lesada.
Além da persistência e continuidade dos processos mórbidos que vinham ocorrendo desde a estria
gordurosa, somam-se a deposição subintimal de CMLs e células sanguíneas e a elaboração de
fatores de crescimento, de ci-tocinas e enzimas proteolíticas. Nessa etapa evidenciam-se necrose
celular, apoptose, fibrinogênese, processos destrutivos e defensivos, reações inflamatórias e
imunitárias, rupturas, hemorragias, etc, que expandem e modelam o processo cicatricial-
ateromatoso avançado.
Desta forma, pode-se definir a "modelagem" das artérias ateroscleróticas como manifestação de
respostas teciduais adaptativas e reacionais que determinam o tamanho, a configuração, a
composição e a perviedade vasais em relação à interação dos fatores aterogênicos com os fatores
mecânicos associados à circulação do sangue (Glagov et al). As reações de "remodelagem" que
ocorrem na placa são específicas do paciente e do segmento arterial comprometido. Algumas
placas ficam estáveis, outras progridem (e estenosam o vaso), outras sofrem complicações e
outras até mesmo regridem. Em muitas situações são formadas novas placas sobre as placas
avançadas existentes.
Como a maioria das trombo-oclusões arteriais que geram isquemias teciduais é derivada das
"complicações" da placa ateromatosa, o estudo da estabilidade e instabilidade da placa é
fundamental no diagnóstico, prognóstico e terapêutica da aterosclerose clínica. Foi demonstrado
que as rupturas e ulcerações não ocorrem obrigatoriamente nas placas maiores ou nas zonas
estenosadas (Fuster). Outros sim, os focos de rutura que dão sintomas podem ser pequenos e
axiais, escapando, portanto, à detecção clínica. Aparentemente as roturas ocorrem na fronteira de
placas de composição contrastante. Os elementos sugestivos de instabilidade da placa (e perigo
eminente de tromboembolismo) são:
1) ausência, adelgaçamento, erosão ou desintegração da cápsula fibrosa - geralmente em
associação a um núcleo lipídico ou calcificação imediatamente adjacente; 2) um infiltrado
inflamatório abaixo ou no interior da cápsula fibrosa; 3) defeitos focais na superfície, fissuras ou
úlceras, com ou sem deposição evidente de trombo; 4) hemorragia no interior da placa, incluindo
a presença de siderófagos que indicam uma hemorragia prévia, absorvida; 5) formação de lesão
secundária na/ou no interior de uma placa estratificada antiga aparentemente estável, conforme
indicado por acúmulos de células espumosas e núcleos lipídicos, ou grupo focais de células
inflamatórias; e 6) justaposição de região de composição presumivelmente diferente e módulo
elástico, em especial quando existem calcifícações muito próximas da superfície luminal
(Glagov, 1995). Células do sangue e da parede arterial
Durante o processo de aterogênese, as células endoteliais e musculares lisas sofrem uma série de
alterações conforme o agente etiológico em ação. A hipercolesterolemia altera a superfície da
célula endotelial, afrouxa as complexas junções que mantêm a continuidade endotelial, aumenta o
turnover celular, provoca reações tipo inflamatórias, etc. A hiperlipidemia e outros fatores de
risco despertam alterações no endotélio gerando reações tipo inflamatório. Entre estas alterações
temos a formação de proteínas de adesividade de superfície celular com afinidade para ligantes
nos monócitos e linfócitos T circulantes, que facilitam o rolamento e adesão dos monócitos na
camada endotelial assim como sua transmigração para o espaço subendotelial onde haverá a
formação da estria gordurosa.
Algumas dessas proteínas são: molécula 1 de adesão de célula vascular (VCAM-1); molécula 1
de adesão intercelular (ICAM-); selectina E; selectina P; etc. A injúria da célula endotelial
provoca a atração e migração das CMLs da camada média para a íntima onde elas proliferam e
contribuem para a formação da placa fibrosa. Os fatores de crescimento responsáveis por esta
proliferação parecem derivar das plaquetas (Ross), do próprio endotélio lesado (Gajdusek), dos
macrófagos ativados que se acumularam durante a formação da estria gordurosa (Glenn), ou dos
próprios CMLs (Walker). É também provável que na replicação dos macrófagos intervenham os
fatores de crescimento M-CSF e GM-CSF (fatores estimulantes de colónias), enquanto o PDGF
(platelet-derived-growth-factor) e o FGF (fibroblast-growth-factor) contribuam para a migração e
proliferação das CMLs. As citoci-nas (L) l (interleucina-1), o TNF-alfa (tumor necrosis factor
alphal) e o TGF-beta (transforming growth factor beta) provocam proliferação da CML ao
fazerem o endotélio produzir PDGF e a CML produzir PDGF-AA (Raines).
As plaquetas
As plaquetas têm papel relevante em algumas formas de aterogênese talvez pela produção dos
fatores de crescimento que iniciam a formação da lesão. Após a ação da trombina e/ou a
exposição ao colágeno subintimal, as plaquetas secretam diversos mitógenos: PDGF; EGF
(epidermal growth factor); TGF-alfa (transforming growth factor alfa)1 TGF-beta; PD-ECGF
(platelet derived endothelial cell growth factor), etc. Na parede arterial, o PDGF e o TGF-beta
agem como potentes mitógenos que fazem a quimotaxia, a transmigração e a proliferação das
CMLs.
Monócito/Macrófago
Tanto o macrófago quanto a CML têm função replicadora celular, mas, na maioria dos ateromas,
predomina o o macrófago que, além do mais, expressa os genes citocínicos com atividades
proteolíticas. Assim sendo, o macrófago age como agente proliferador celular e, em oposto,
como lisador das moléculas da matriz extracelular.
O excesso de atividade lítica do macrófago na placa fibrosa pode acarretar hemorragias, fissuras,
rachaduras e aneurismas no local. Essas lesões e suas reparações contribuem para o polimorfismo
e progressão da lesão ateromatosa. A função dos linfócitos T na lesão ateromatosa é pouco
conhecida. Talvez seja o agente de eventuais respostas imunitárias ocorridas no local. Nesse caso
teria, também, ação ativadora sobre o macrófago (e vice-versa).
Fatores de crescimento
O fator de crescimento (GF = Growth Factor) foi descoberto ao se identificar na glândula salivar
um mitógeno com atividades sobre as células epiteliais (EGF). Posteriormente foram isolados
muitos outros, cada um parecendo ter um trofismo específico por uma determinada célula. Eles
incluem: o PDGF (e suas três isoformas AB, AA e AB), o PD-ECGF, o FGF (ácido e básico), o
TGF-alfa e o TGF-beta.
O TGF-alfa deriva, dentre outras células, dos macrófagos ativados; o PDGF (e suas diferentes
formas) e os FGFs são os principais mitógenos para as células formadoras de tecido conjuntivo
(fibroblastos e CMLs). O FGF é, também, um mitógeno para as células endoteliais e potente
angiogênico. O TGF-beta é ativo na inibição da proliferação celular e indução de diferenciação
da célula. Trabalhos recentes (Nelson, 1997) mostram que o PDGF age sinergicamente com as
proteínas da matriz extracelular para promover a migração das CMLs, Este efeito não foi
observado com outros fatores de crescimento.
A molécula reguladora do crescimento parece exercer seu efeito ao se ligar a receptores de alta
afinidade numa superfície celular específica que, então, provoca os sinais intracelulares que, por
sua vez, induzem a duplicação da célula. Simultaneamente ela desperta outros eventos celulares
tais como quimotaxia, aumento do RNA, síntese de proteínas e contração celular.
Uma segunda série de eventos se desenvolve cinco a seis meses depois (nos animais com
colesterol muito alto) ou dois a três anos após (nos animais com colesterol não muito alto). Nessa
época começam a surgir lesões nas artérias dos membros inferiores, depois ilíacas, aorta, e por
fim das coronárias. A lesão é uma aparente disjunção das células endoteliais e retração do
endotélio sobre a estria gordurosa, expondo a subíntima ao sangue, especialmente nas bifurcações
e regiões de maior turbilhonamento sanguíneo. Em consequência, as plaquetas se aderem às
falhas do endolélio e aí se formam microtrombos. Poucos meses depois já está em progressão a
maciça proliferação das CMLs e a formação da placa fibrosa onde, em círculos viciosos,
continuara a proliferação de CMLs e macrófagos. As diversas etapas da aterogênese são regidas
pêlos diferentes fatores de crescimento elaborados por células vivas ou moribundas.
Quando a placa fibrosa continua a evoluir para pior (placa avançada), é provável estar persistindo
a injúria e lesão das células endoteliais, a entrada de monócitos/macrófagos e de plaquetas na
camada subíntima, a formação de trombos, etc, além da somação das alterações secundárias e/ou
reacionárias, tais como aumento dos vasa vasorum, espessamento da parede, remodelação vasal,
distúrbios vasomotores e reológicos, lesões imuno-inflamatórias, etc. Tudo modulado pêlos
fatores de adesão e/ou de crescimento.
A ação nociva do excesso de gordura sanguínea é demonstrada em animais pela regressão das
estrias gordurosas e diminuição da placa fibrosa com a suspensão da dieta hiperlipídica geradora
de hiperlipidemia experimental.
VASO VASORUM
Na artéria normal, os pequenos vasos nutridores da parede se distribuem pela camada advenlicial
e só penetram até a parte externa da camada média. Na artéria ateromatosa, os vaso-vasorum se
proliferam e alongam, vindo a formar um plexo microvascular na íntima doente (Barger e
Beeuwkes, 1990). A intensidade dessa neoformação vascular é proporcional ao grau de
espessamento intimal, o que permite deduzir que a neocapilarização garante o desenvolvimento e
crescimento da placa ateromatosa e das células dos músculos liso locais. Presume-se que a
angiogênese seja devida à maior demanda de oxigénio pelas células do ateroma e/ou pela
presença de fatores de crescimento no local (FGF; TGF-b; TNF).
Entre as várias hipóteses para explicar a instalação da AE goza de certa preferência a "teoria da
inflamação", que postula haver no estádio mais precoce da aterogênese um acúmulo focal de
macrófagos envolvendo resíduos de lipo-proteínas e colesterol, presentes na região da íntima
arterial (as chamadas ''células espumosas").
TEORIAS ETIOPATOGÊNICAS
A análise clínica dos lipídios da placa ateromatosa revelou serem eles semelhantes aos lipídios do
plasma e, mais adiante, foi vista a associação da AE com a hiperlipemia e com a
hipercolesterolemia. Graças aos trabalhos de Gofman (1950) e outros autores, apreendeu-se a
importância das lipoproteínas e da associação das lipoproteínas de baixa densidade com a
ateromatose. Foi ficando cada vez mais patente a relação da dieta com a prevalência da
aterosclerose; os povos com pouca ingestão de gorduras e proteínas e predomínio de alimentação
glicídica tinham menores valores de lipídios sanguíneos e menor prevalência da aterosclerose.
A teoria de Winternitz (1938) é fortemente influenciada pela verificação feita pelo autor e seus
associados da hipervascularização encontrada na parede da artéria inflamada. Eles sugeriram que
as hemorragias e exudatos na parede arterial eram fatores contributórios na formação do ateroma.
A teoria da anoxemia foi criada por Hueper em 1944 e 1945. Grande variedade de agentes
químicos e físicos endógenos e exógenos produzem anóxia e interferem com o "mecanismo
oxidativo e nutricional da parede vascular". O tônus arterial de alguns vasos diminui nas
condições de hipoxia, o que se presume acontecer pela produção e liberação de adenosinas e
prostaglandinas pelas células endoteliais, musculares lisas. Também o EDRF diminui na presença
de hipoxia.
Os depósitos fibrinosos são segmentares, incidindo sobre artérias normais, não esclerosadas.
A teoria mecânica foi se firmando com o passar dos anos e apoiada em modelos experimentais.
Os argumentos básicos para esta teoria era a frequente presença de AE na hipertensão arterial, a
AE na artéria pulmonar tornada hipertensa, a presença de fleboesclerose nas veias próximas de
fístulas arteriovenosas, etc. O fator mecânico parece agir por outros mecanismos além da
hipertensão, tais como as forças de cisalhamento e a formação de turbulência, que facilitariam a
deposição de lipídios no endotélio das bifurcações e coarctações. E possível que o sensor e
modulador das variações do fluxo seja o endotélio - a remoção do endotélio abole a vasodilatação
dependente do fluxo.
Embora concordando que havia depósito de gordura fagocitada na íntima do vaso, Leary (1941)
sugeriu que estes macrófagos cheios de ésteres de colesterol não eram formados na íntima da
artéria. Os lipídios sanguíneos seriam fagocitados no fígado e supra-renais e, ao caírem na
circulação sanguínea e linfática, migrariam pelo endotélio vasal e se acumulariam na subíntima.
Rannie e Duguid (1953) concordaram com esta hipótese patogênica, acrescentando que, uma vez
alcançando a subíntima, os lipófagos eram incorporados pela parede do vaso por proliferação de
células endoteliais.
O aspecto pontilhado da lesão inicial da AE deu ensejo à criação de outra teoria etiopatogênica, a
teoria dismetabólica. Na íntima do vaso haveria áreas com diferente capacidade de remoção de
gordura eventualmente infiltrada, quer por razões metabólicas (distúrbios enzimáticos),
fagocitárias (pequeno número de histiócitos) e anatómicas (número de canais linfáticos drenando
a parede arterial).
De uma forma ou de outra, todas estas teorias (ou variantes de teoria) aceitavam o fenômeno da
infiltração lipídica da íntima como o elemento inicial e essencial na génese da aterosclerose. Em
1959, Homans questionou esta afirmativa ao sugerir que a lesão ateromatosa é precedida por uma
superprodução de lipídios no local da parede onde se formará a placa gordurosa. Alguns estudos
posteriores mostraram que, embora a parede vasal realmente possa sintetizar lipídios, a produção
é em pequena quantidade e somente de fosfolipídios.
Teoria da injúria - Ross & Glomset, em 1973 e 1976, formularam a teoria de que a ateromatose
seria devido à injúria da parede do vaso. Basicamente, a teoria nasceu da similitude de aspecto
lesionai da aterosclerose e da resposta do vaso a uma injúria de qualquer natureza. Além do mais,
em ambas as situações havia uma semelhança com o processo inflamatório encontrado em outros
tecidos. Os elementos básicos desta teoria são: l) há lesão inicial do endotélio por um ou vários
agentes (fumo, hipertensão, vírus, complexos imunes etc.). Com a descamação cndotelial, a
camada conjuntiva subendotelial fica exposta ao sangue, e as plaquetas aí se ajuntam; 2) as
plaquetas agregadas liberam os produtos de seus grânulos, inclusive o PDGF (platelet-derived
growth factor). Este fator mitogênico atrai células musculares lisas (CML) para a íntima e
incentiva sua proliferação In situ; 3) as CML produzem grande quantidade de tecido conjuntivo
amorfo e fagocitam as lipoproteínas que atravessam a camada endotelial.
Todos os fenômenos descritos contribuem para a formação das lesões ateromatosas iniciais que,
se as condições injuriantes continuarem a agir, prosseguirão até a placa fibrosa. Caso contrário
pode haver a regressão espontânea das lesões.
Com os avanços na pesquisa dos fenômenos biológicos, o próprio Ross (1986) modificou um
pouco sua teoria. Os elementos básicos que motivaram estas modificações conceituais foram; 1)
as denudações do endotélio não parecem ocorrer antes da instalação da estria gordurosa ou da
placa fibrosa; 2) a composição da lesão ateromatosa foi revista após os estudos com anticorpos
monoclonais (Gown et al, 1986); 3) descobriu-se que os monócitos e macrófagos eram os
precursores da célula espumosa, mais do que a CML; 4) inúmeros fatores de crescimento foram
descobertos dando nova importância aos leucócitos e às células endoteliais na formação do
ateroma.
A nova teoria da injúria (de Ross, 1986 e 1992) inclui dentro do conceito de injúria endovasal
agentes que não provocam lesões estruturais do endotélio (distúrbio trombogênico, distúrbios de
permeabilidade, distúrbios outros de sua superfície). Estes distúrbios funcionals seriam
suficientes para provocar a adesão de monócitos, sua entrada na íntima e sua transformação em
macrófagos de lipoproteínas. Esses macrófagos secretam substâncias nocivas, tais como aniontes
peroxidantes, que podem perpetuar a lesão endotelial. Da mesma forma, os macrófagos são
capazes de libertar fatores de crescimento que atraem fibroblastos e CML, com a formação de
tecido conjuntivo novo. Nesta nova teoria, a importância das plaquetas foi minimizada, só sendo
consideradas de significado na fase trombogênica da aterosclerose. O ateroina seria uma doença
inflamatória (Ross, 1999).
Teoria genética. Nem todos os animais e homens em dieta hiperlipídica aumentam suas taxas de
colesterol sanguíneo, o que sugere a existência de fatores genéticos sutis, que influenciam o
mecanismo homeostático que controla o metabolismo do colesterol tecidual e sanguíneo. Nos
animais experimentais haveria a superexpressão do gene do 7-alfa-hidroxilase do colesterol no
fígado, aumento da atividade dessa enzima no fígado, aumento da excreção de bile, redução do
colesterol armazenado nos hepatócitos e, reacionalmente, aumento da elaboração de colesterol e
aumento do número de receptores do LDL e, em consequência, retirada do colesterol do sangue
(Overrturf, 1994). A conturbação deste caminho fisiológico originaria a dislipidemia.
Teoria imunológica. Dentro da teoria da resposta parietal à injúria aceitam-se como agentes
injuriantes os traumas físicos, químicos, imunológicos, etc. Com o progressivo aumento de
intervenções cirúrgicas nos vasos sanguíneos (especialmente coronários) tem-se caracterizado
uma complicação operatória - a reestcnose do vaso - que se instala tempos depois da operação, e
que parece ter várias causas, inclusive uma "aterosclerose acelerada". Alguns autores acreditam
que esta aterosclerose depende de uma injúria imunológica, semelhante à que ocorreria na AE
espontânea (Fuster).
A hipótese dos remanescentes aterogênicos de Zilversmit (1979) sugere que a doença arterial
coronariana (e talvez a AE, por extensão) é causada por acúmulo sangüíneo-parietal de
remanescentes de lipoproteínas ricas em triglicerídios que aconteceria no período pós-prandial.
Estudos in vitro têm mostrado que os remanescentes dos quilomicrons e os VLDL incubados
juntos com macrófagos dão origem a células macrofágicas semelhantes às células espumosas
(Mahiey, 1983).
Teoria da disfunção endotelial. Embora não tenha se constituído numa teoria explícita, a
hipótese de que o endotélio é o fulcro de diversas angiopatias, inclusive a AE, tem crescido
espontaneamente desde que começaram a ser descobertos os inúmeros produtos e atividades das
células endoteliais. Na realidade, o endotélio funciona como uma grande glândula, como um
modulador, efetor, e receptor de vários dos sistemas fisiológicos.
O endotélio tem mecanismos que o protegem, que regulam a relação sangue/parede, assim como
impedem a trombose intravascular. A redução dessa capacidade, espontaneamente ou induzida
por qualquer fator de risco, geraria distúrbios funcionals que favoreceriam a instalação de lesões
parietais, inclusive a aterosclerose. Em várias das teorias sobre a aterogênese, o endotélio é citado
como componente do sistema, embora considerado como campo de luta, mero ator secundário do
drama fisiopatológico. À medida que forem sendo estabilizados os conhecimentos sobre os
múltiplos fatores produzidos ou trabalhados pela célula endotelial é possível que tenhamos um
melhor ângulo de visão da aterogênese e, quiçá, de muitos outros problemas hemo-angiológicos.
Teoria oxidativa. Esta hipótese etiopatogênica foi descrita há poucos anos e, por isso,
merecerá descrição mais ampla.
É geralmente aceito que o estágio inicial da aterogênese é constituído pelo acúmulo de
macrófagos que fagocitaram colesterol e lipoproteínas de baixa densidade (LDL) no espaço
subendotelial do vaso, constituindo as células ditas espumosas. Estas "células espumosas" seriam
o elemento iniciador da placa de ateroma, donde seu conhecimento ser fundamental para o
tratamento da ateroesclerose.
Embora seja bem estabelecida a relação entre as lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e a
aterosclerose, não há correlação linear entre as concentrações plasmáticas e a magnitude da
ateroesclerose, o que levou Steinberg et al a cogitarem de algo, "além do colesterol", para
explicar esta semidiscrepância. Uma das sugestões é a que a LDL geraria a ateromatose quando
excessivamente oxidada (teoria oxidativa da aterogênese).
Acredita-se que, em condições normais, as LDL plasmáticas adentram as células endoteliais por
invaginações da membrana, sítios onde se localizam os receptores específicos da apo B 100.
Estas invaginações se transformariam em vesículas de endocitose, carregando as partículas de
LDL para o interior da célula endotelial, onde seriam englobadas nos lisossomas (lipossomas) e,
posteriormente, hidrolizadas em fosfolipídios, triglicerídios, proteínas, colesterol, etc. Os lipídios
são metabolizados e o colesterol livre seria utilizado na recomposição da membrana celular e/ou
armazenado sob a forma de ésteres de colesterol. Este processo en-docelular movimenta 90% da
LDL e somente 10% das partículas de LDL atingem a região subendotelial via transcito-se. Esta
pequena quantidade de LDL nativa é pobremente oxidada e não provoca grande ativação dos
monócitos (LDL minimamente oxidada ou MM-LDL-OX). Essas moléculas lipídicas
(lipossomas) são então engolfadas pêlos macrófagos locais e afastadas da íntima vasal.
Presume-se que a oxidação de LDL ocorre basicamente na parede da artéria, posto que é mínima
no sangue devido à presença de muitos antioxidantes circulantes e à capacidade removedora das
células sinusoidais hepáticas, ricas em receptores. Presume-se também que a peroxidação lipídica
se inicie pêlos ácidos graxos poliinsaturados dos fosfolipídios da superfície da LDL e se
propague aos lipídios do núcleo (resultando em modificações oxidativas dos ácidos graxos
poliinsaturados, do colesterol e dos fosfolipídios). Em etapa mais avançada, a oxidação atinge e
degrada a fração proteica (apo B) da LDL.
A primeira etapa na formação da célula espumosa é a saída da LDL do sangue e sua chegada à
camada subíntima do endotélio. Dr. Ribeiro Jorge (Campinas, SP) mostrou a presença de precoce
disfunção endotelial, sem alteração morfológica, na aorta de coelhos submetidos a uma dieta rica
em colesterol.
Com o aumento do colesterol e LDL sanguíneos começa a haver aumento da endocitose, ainda
condicionada pêlos receptores específicos fisiológicos. Com maior hipercolesterolemia, ou
persistência das taxas de colesterol e LDA plasmáticas aumentadas, entram em atividade os
receptores inespecíficos e aumenta muito a endocitose. Ambas as situações levam ao aumento da
concentração das LDL nativas no interior da célula endotelial, maior consumo de NO e maior
produção de radicais livres.
Presume-se também que o excesso de radicais livres provocaria a peroxidação dos ácidos graxos
das partículas de LDL e a oxidação das proteínas apo B. Por mecanismos diversos, as LDL
oxidadas conturbariam a função de receptores endoteliais prejudicando as respostas vasomotoras
endotélio-dependentes, facilitando a instalação de distúrbios vasoespásticos e trombose. Além do
mais, a disfunção endotelial permite o maior fluxo da LDL nativa e oxidada para a região
subendotelial através do aumento do transporte transcitótico.
Quando a quantidade de LDL é maior, e/ou ele é mais retido no subíntima, os monócitos são
ativados, as células endoteliais produzem ativadores dos monócitos, que acabam sendo
convertidos em macrófagos, células com grande capacidade oxidativa. Agora a oxidação
ultrapassa as frações e alcança a fração proteica (apo B) transformando a LDL "nativa" numa
LDL altamente oxidada (LDL-OX), que não é reconhecida pêlos seus receptores usuais, mas
reconhecida pêlos receptores acetilados (receptores oxidados de LDL). Este receptor
"removedor" não é regulado pelo seu conteúdo celular em colesterol, donde ele ficar cheio de
colesterol, formando uma célula macrofágica "gorda", "espumosa". São as células "espumosas" o
substrato da estria gordurosa, lesão considerada a fase inicial do ateroma. Mesmo quando
unicamente oxidadas, as LDL induzem as células endoteliais a produzirem:
Até há pouco tempo, todas as evidências do papel da peroxidação dos lipídios na aterogênese
eram experimentais e/ou indiretas. Salonen et al acreditam ter encontrado uma comprovante
dessa hipótese na aterogênese humana ao dosarem um dos tóxicos produtos resultante da
oxidação do colesterol, em pacientes com aterosclerose carótida de rápida evolução. Nestes
pacientes, um destes produtos (7b-hidro-xicolesterol) estava estatisticamente elevado.
Nesta teoria etiopatogênica restaria conhecer o porquê das diferenças de distribuição das placas
ateromatosas na árvore arterial, embora se saiba que a hipertensão arterial acentua o transporte e
que, experimentalmente, certas artérias têm maior "absorção" endotelial de lipídios do que outras
(Waters, 1961).
REMODELAGEM
Nas fases iniciais da aterosclerose natural tem-se verificado um alargamento da artéria como para
compensar a progressiva redução da luz arterial pelas placas ateromatosas. Quando o grau da
estenose vasal ultrapassa 30-40%, pára de ocorrer o alargamento compensatório, e o
estreitamento do lúmen torna-se evidente (fenômeno de Glagov). Entretanto, este fenômeno
adaptatório nem sempre acontece, ou só acontece em segmentos da artéria. Mais do que isto, a
arteriosclerose pode, ao inverso, ser acompanhada de enrugamento de toda a artéria lesada, o que
potencializaria o efeito oclusivo das placas ateromatosas (Pasterkamp, 1996).
O fenômeno da remodelação arterial (às custas da dilatação e/ou retração da artéria) está sendo
considerado tão importante como as profusões ateromatosas endovasais na produção da estenose
arterial. O distúrbio hemodinâmico resultante da remodelagem e da ateromatose é, além do mais,
potencializado pêlos distúrbios vasomotores que geralmente estão presentes nessas artérias
lesadas.
FATORES DE RISCO
Aceita-se como Fator de Risco aquele que: 1) tenha baseamento fisiológico; 2) demonstre ter
uma relação de causa e efeito; 3) seja suficiente por si só para potencializar a ateromatose; 4)
tenha relação temporal de ação; 5) seja passível de prova experimental; 6) etc. Sob esse crivo
exigente somente três fatores merecem ser considerados "de risco" para a aterogênese: o
tabagismo, a hipertensão arterial sistêmica e a hipercolesterolemia. Entretanto, têm-se observado
(Kannel e Wilson, 1995) que apenas 50% dos pacientes infartados apresentam um desses fatores
ditos de risco.
A menor incidência de morbidade e mortalidade por infarto de miocárdio no Japão não pode ser
explicada satisfatoriamente por esses clássicos fatores de risco do mundo ocidental (Marmot). De
fato, ultimamente, tem havido uma redução de mortalidade por infarto do miocárdio no Japão,
enquanto os valores lipídicos sanguíneos da população têm aumentado (Ueshima). Com isto tudo,
estamos vivendo uma época de intensa procura de outros e novos fatores que expliquem a(s)
causa(s) da trombo-ateromatose.
Os fatores de risco são classificados de várias maneiras, sendo uma das mais comuns a que os
divide em: 1) fatores endógenos ou intrínsecos (idade, sexo, hereditariedade); 2) fatores exógenos
ou extrínsecos (dieta, tabagismo, sedentarismo); e 3) fatores mistos (obesidade, hipertensão
arterial, dislipidemias, hiperfibrinogenemia, diabetes melito, perfil psicológico e social,
hipertrofia ventricular esquerda, e outros).
Análises epidemiológicas mostram que os fatores de risco reforçam uns aos outros na génese,
aceleração, morbidade e mortalidade da aterosclerose, tanto em adultos (Kannel) quanto em
crianças e jovens (Berenson).
Segundo o NCEP (Programa Nacional de Educação de Colesterol, dos EUA), os fatores de risco
mais responsáveis pelo infarto do miocárdio, e que podem se beneficiar com a medicação
anticolesterol, são: 1) a história pessoal de doença cardíaca ou de aterosclerose; 2) a hipertensão
arterial; 3) o diabetes melito; 4) o tabagismo; 5) a história familiar de infarto do miocárdio
prematuro; 6) o período da menopausa;
e 7) a terapia de reposição hormonal.
Esse Comité tabelou a importância dos fatores de risco e, em uma segunda oportunidade (NCEP
II O), tentou identificar os indivíduos que merecem tratamento preventivo anti-esclerose. Mais
recentemente procurou-se reavaliar esta quantificação dos fatores de risco para melhor identificar
os indivíduos vulneráveis à aterosclerose (Avins, Browner).
Esse mesmo Comitê constatou que os médicos de um importante hospital americano não
investigavam adequadamente esses fatores de risco em seus pacientes [Çirculation 3], 1998).
Presumindo-se que esta negligência é ainda maior nos médicos em geral, impõe-se a difusão dos
conhecimentos relacionados à aterogênese para o benefício da saúde da população, visto que o
reconhecimento desses fatores de risco ajuda no estudo etiopatogênico da aterosclerose assim
como em seu tratamento curativo e, especialmente, profilático.
No INCOR (SP) estão sendo feitos estudos da circulação periférica utilizando-se a ultra-
sonografia de alta resolução, acoplada a um sistema computadorizado, que permite reconhecer
alterações da parede arterial em diversas condições mórbidas, inclusive na aterosclerose
(Lage,1999).
HEREDITARIEDADE
Diferentes observações levam a crer que os fatores genéticos têm função crítica na génese da AE.
O exemplo mais marcante deste fato é a alta incidência de AE em indivíduos com
hipercolesterolemia familiar homozigótica e hiperlipidemia familiar combinada. Exemplo ao
inverso é o não aparecimento de hipercolesterolemia em certos animais, e homens, mesmo
quando sujeitos à alimentação hipergordurosa, usualmente indutora de hiperlipidemia.
Igualmente significativa é a quase inexistência de lesão da íntima e de AE na artéria mamaria
interna à necropsia de indivíduos de todas as idades (Kay, 1976). Esta curiosa poupança da artéria
mamaria interna também foi constatada por Sims (1991) (In Oemar).
Muitos dos fatores de risco têm nítido elo hereditário, tais como o diabetes, a obesidade, as
hiperlipidemias, e até mesmo os fatores protetores, como o HDL. Em estudo feito em São Paulo
(Forti et al) foi verificada "elevada frequência de desvios do metabolismo lipídico e de aumento
do peso corpóreo" em crianças e adolescentes filhos de coronariopatas jovens.
O processo normal de envelhecimento constitui uma incógnita que várias teorias tentam decifrar.
A teoria do erro da síntese proteica refere que a disfunção celular decorrente do passar dos anos
resulta em acúmulo de erros na síntese das proteínas e consequente perda de inúmeras funções
celulares. A teoria das modificações pós-translacionals (cross-linkage) afirma que apesar da
transcrição e a translação ficarem indenes, assim mesmo ocorre o acúmulo de proteínas alteradas
com o correr dos anos, donde a importância de distúrbios pós-translacionals na génese dos
desgastes protéico-celulares dos velhos. A teoria da alteração do turn-over proteico chama a
atenção para o fato de que, embora realmente haja distúrbio da síntese de proteínas, o que mais
importa é a lentidão na génese das proteínas fisiológicas. A teoria da lesão e reparação do DNA
sugere que são os desgastes nas atividades de síntese do DNA que acabam por gerar enzimas e
células distorcidas e incompetentes. A teoria dos radicais livres acredita que os radicais livres,
que são normalmente produzidos no organismo, podem causar estragos indiscriminados nas
proteínas estruturais, nas enzimas, no DNA, etc. A teoria dos radicais livres é largamente baseada
em certa correlação que existe entre o maior consumo de 02 e a vida média dos animais.
Dessas teorias, a que mais recentemente foi aplicada aos vasos sanguíneos foi a teoria dos
radicais livres, motivo por que mereceu uma explanação mais ampla neste Ponto de Estudo.
Radical livre é um átomo ou molécula com um elétron não pareado, livre, e, portanto, de alto
poder reativo. Nos mamíferos, a fonte mais importante de radicais livres é a redução do oxigénio,
com posterior formação de peróxido de hidrogénio (água oxigenada). O acúmulo e/ou
superprodução destes radicais lesariam cronicamente os tecidos. Normalmente há uma série de
substâncias (antioxidantes endógenos) que inibem a injúria dos radicais livres (peroxidase
glutatiônica com selênio, superóxido dismutase, mecanismos reparadores do DNA, e alfa-
tocoferol).
As alterações arteriais provocadas pelo envelhecimento são mais bem constatadas nas artérias dos
portadores da progeria infantil (doença de Hutchinson-Gilford), da progeria do adulto (doença de
Wemer) ou nos animais que não apresentam aterosclerose espontânea (cão, rato). Estas alterações
são:
- mudança na forma e volume das células endoteliais e dos espaços intercelulares com aumento
da permeabilidade da camada endotelial; por outro lado, há espessamento da íntima prejudicando
a nutrição parietal por embebição (disória);
- menor atividade lipolítica pêlos fagócitos, com o acúmulo de lipídios na camada subendotelial;
- aumento progressivo do colágeno, degeneração das fibras elásticas, maior concentração de
sulfato de condroitina e de agregados de glicosaminoglicanos, calcificação da camada média.
Com estas alterações, o vaso torna-se menos elástico, tortuoso, e altera o seu fluxo sanguíneo,
provocando aumento da pressão de cisalhamento em certos pontos da parede assim como
modificações nas relações endotélio-plaquetária, embora a luz da artéria não seja muito reduzida.
O envelhecimento fibro-muscular da parede arterial sob a ação dos fatores de risco favorece o
aparecimento da ateroesclerose trombo-oclusiva.
SEXO
Desde há muito (Tejada, 1968) aceita-se que a lesão avançada da AE, a placa fibrosa, se
desenvolve vinte anos mais cedo no homem do que na mulher, mas, tanto sua estrutura
microscópica quanto suas complicações, são idênticas nos dois sexos. Essa diferença temporal é
explicada de diferentes maneiras, uma das quais é o comportamento dos lipídios sanguíneos: na
puberdade, o nível do colesterol sanguíneo sobe e o de HDL desce nos rapazes brancos, mas não
nos rapazes negros e nas mocinhas (Srinivasan, 1991). De acordo com os hábitos sociais, outros
fatores de risco vêm a agir diferentemente nos sexos, além do efeito da atividade dos hormônios
sexuais.
As mulheres no período fértil têm menor prevalência de doenças cardiovasculares do que os
homens, salvo na presença do diabetes. Após os 50 anos, a frequência de eventos
cardiovasculares nas mulheres é somente um pouco menor do que a dos homens. Muitos autores
acreditam que as mulheres são poupadas da aterosclerose em seu período fértil pela presença das
taxas de hormônios estrogênicos que impediriam o aumento das taxas de colesterol total, LDL,
VLDL e a redução de HDL. Estas afirmativas teriam a contrapartida na melhora do perfil lipídico
sanguíneo com a reposição hormonal na mulher hiperlipêmica em menopausa.
Resta comprovar se, a longo prazo, haverá proteção contra a doença vaso-esclerótica nessas
mulheres.
Já foi comprovado que o uso dos contraceptivos orais interfere com os valores dos lipídios
sanguíneos (Ross, 1986). As alterações dos lipídios são acompanhadas de alterações dos fatores
de coagulação e ambas parecem depender da dose de estrogênio e progestogênios do produto
empregado. Em termos gerais, tem-se visto que os estrogênios aumentam as taxas de VLDL,
triglicerides e HDL-C, e diminuem as de Apo-B e de HDL-C, ficando o colesterol total igual ou
um pouco menor; os progestogênios aumentam a Apo-B e o LDL-C, e diminuem o VLDL, o
trigliceride e o LDL-C, reduzindo os valores totais de colesterol. Os riscos de eventos
cardiovasculares parecem realmente aumentados quando, na mesma paciente, há a associação de
outros fatores de risco, especialmente o tabagismo, que está se difundindo entre as mulheres.
Com maior significado sobre o papel dos hormônios são os estudos feitos com grandes números
de mulheres tomando hormônios e sendo (estatisticamente) protegidas da aterosclerose (Nurses
Health Study; Lipid Research Clini Study; Leisure Worid Study; no estudo de Uppsala, Suécia).
Alguns autores (Lesko) englobam a calvície tipo masculino entre os "fatores de risco", o que,
entretanto, não preenche os quesitos básicos da definição de fator de risco. Tal como o arco
corneal (arco senil ocular), a calvície de vértice de escalpo parece ser indicativa de maior risco de
infarto do miocárdio nos indivíduos de menos de 55 anos de idade (Cotton). Presume-se que o
responsável por esta concomitância de eventos é a diidrotestosterona, metabolito ativo da
testosterona, produzido nos tecidos pela ação de 5-A-redutase (Lcsko).
ALIMENTAÇÃO
O tipo de alimentação talvez seja o mais importante fator na aterogênese. Está exaustivamente
demonstrado que a população com ingesla hipercalórica tem maior prevalência de AE - estes
números são maiores nos casos de dietas hipercalóricas ricas em gorduras e, ainda mais, em
gorduras saturadas. Há mais de oitenta anos sabe-se que a dieta hipocalórica é a única maneira
de aumentar a sobrevida dos animais de laboratório (aranha, mosca, ratos, peixes, etc.). Os
camundongos em dieta normal têm vida média de 23 meses e sobrevida máxima de 33 meses; os
em dieta hipocalórica alcançam 33 a 47 meses respectivamente. Nessas experiências também foi
visto que o animal permanecia com aspecto mais jovem e apresentava menor número das doenças
comuns na velhice (câncer de mama e de próstata, doenças imunológicas e degenerativas, etc).
Com isto ficou comprovado que a restrição alimentar quantitativa (sem haver desnutrição)
tornava os animais mais jovens e saudáveis por mais tempo.
Estas constatações levam à conclusão de que a restrição alimentar está relacionada a algum
aspecto do processo geral do envelhecimento, mas fica a dúvida da sua maneira de agir: o efeito é
produzido pela restrição de algum componente da dieta ou é produzido pelo menor número de
calorias ingeridas? Estudos posteriores mostraram que a restrição de ingestão de gorduras, de
glicídios, ou de proteínas, sem a redução calórica total, não aumentava a sobrevida dos animais
experimentais. Outrossim, não havia aumento de sobrevida com a administração de antioxidantes
e/ou vitaminas nos animais em dieta rica de calorias. Chegou-se então à conclusão que o efeito
obtido na duração da vida se deve à redução do teor calórico total da alimentação mesmo quando
a dieta é iniciada em animais adultos (Weindruch).
A população da Ilha de Okinawa consome dieta de baixo valor calórico, mas com todos os
alimentos essenciais - a incidência de pessoas centenárias é ali quarenta vezes maior do que em
qualquer outra parte do Japão. O Dr. Walford, da Universidade da Califórnia, estudando oito
pessoas em dieta hipocalórica durante dois anos, num projeto científico-experimental, verificou a
redução da pressão sanguínea, glicose e lipídios, tal como se havia visto nos animais de
experimentação.
Admitindo-se que o homem se comporte como os animais inferiores, ainda resta saber de que
forma a dieta é responsável pela juventude e longevidade. Em resposta, vários caminhos são
sugeridos: reduz o total de energia ingerida, o que retarda o crescimento em geral; reduz a
quantidade de gorduras estruturais; reduz a intensidade da divisão celular em muitos tecidos;
reduz a taxa de glicose sanguínea e a quantidade e atividade das glicoproteínas; reduz a formação
dos radicais livres, etc.
Recentemente tem criado corpo a teoria dos radicais oxidativos mitocondriais ou "radicais
livres". Esses radicais são moléculas muito ativas, usualmente derivadas do oxigénio, e que
carregam em sua superfície um elétron livre, e que oxidam, ou roubam elétrons de todas as
substâncias que os cercam. Harman, em 1950, criou a "hipótese do envelhecimento pela açao dos
radicais sobre as células", especialmente sobre as mitocôndrias celulares. As mitocôndrias
colhem energia dos nutrientes que chegam ao citoplasma e, com o auxílio do oxigênio, elaboram
o ATP (tritosfato de adenosina), que é o fornecedor de energia para, praticamente, todos os
processos metabólicos do organismo. Infelizmente restam os radicais livres como subprodutos
desse trabalho (02±;H202; OH±), que são mais ou menos prontamente neutralizados. Enquanto
não se dá a neutralização, eles exercem efeito tóxico sobre todos os componentes da própria
célula, especialmente sobre o mitocôndrio, berço do seu nascimento. O DNA dos mitocôndrios é
conturbado, reduz-se a produção da ATP e aumenta a produção de radicais livres, fechando-se
um círculo vicioso.
Foi visto em animais em dieta hipocalórica que as taxas de radicais livres eram menores e havia
menos agressão ao mitocôndrio e seu DNA. É possível que a diminuição do metabolismo celular
reduza a produção dos radicais livres, melhore o uso do oxigénio disponível, e facilite a atividade
antioxidante do organismo. Vários fatores de risco são influenciados pelo tipo de alimentação. A
diminuição da ingestão de alimentos em geral, e de sal em particular, reduz a hipertensão arterial.
As dietas ricas em potássio, cálcio e magnésio também parecem ter efeito benéfico sobre a
hipertensão, não tanto quanto a redução da ingestão de sal.
O controle alimentar do diabético reduz não só a hiperglicemia como, também, o disinetabolismo
lipídico e a hipertensão. Por outro lado, a hipoglicemia medicamentosa pode provocar lesão do
endotélio e facilitar a instalação da AE.
A dieta hipocalórica de verduras, legumes, frutas e peixes, usualmente é mais do que suficiente
para melhorar as condições metabólicas do homem, fornecer-lhe os elementos nutritivos
essenciais e reduzir a aterogênese.
OBESIDADE
Os obesos têm excesso de células adiposas e de triglicerídios. Além do mais, frequentemente são
vítimas de hipertensão, sedentarismo, diabetes, resistência à insulina, etc (Manson, 1992).
O aumento do número de adipocitos, ricos em Iriglicerídios, gera uma resistência à
insulina e dismetabolismos glicídico, protídico e lipídico, levando ao aumento do LDL e
diminuição do HDL.
Embora seja discutível o papel da obesidade na génese da aterosclerose, alguns autores afirmam
que o aumento de peso de mais de 20% implica maior risco de doença cardíaca isquêmica.
Trabalhos volumosos (Nurses'Health Study) mostram que as mulheres com peso 30% acima do
normal apresentam risco 3,3 vezes maior de coronariopatia e infarto do que aquelas com peso
normal, especialmente as com menos de 50 anos de idade.
E interessante notar que há uma tendência a se considerar mais válido o cálculo da obesidade
feito pela relação da circunferência da cintura com a da bacia do que a clássica relação
peso/altura, posto que a gordura localizada no abdome parece ser mais relacionada com a doença
atcrosclerótica. Mulheres com relação cintura/bacia maior que 0,85 têm localização de gordura
abdominal predominante, tipo masculino, e maior prevalência da HA, hipercolesterolemia,
hiperandrogenismo e intolerância à glicose (Folsom, 1993). A gordura glúteo-femoral, com
índice menor que 0,85, parece implicar menor risco de doença cardiovascular ateromatosa.
HIPOTIREOIDISMO
As duas fontes de lipídios do organismo são a endógena e a exógena. O ciclo exógeno tem início
com a absorção do material lipídico proveniente da alimentação e continua com a síntese dos
quilomicrons pelas células intestinais, a captação pêlos linfáticos e a entrada na circulação geral.
Nos capilares do tecido adiposo e muscular, os quilomicrons entram em contato com enzimas que
deles retiram os ácidos graxos e os tornam menores ("remanescentes dos quilomicrons" ou R-
Qm). Os R-Qm são removidos da circulação pelas células hepáticas e aí são fragmentados e
aproveitados, dando origem a outros tipos de LP, juntos com os elaborados pelo fígado.
O ciclo endógeno tem início com a síntese hepática de uma LP denominada VLDL (Very Low
Density Protein) que contém como principal lipídio o triglicerídio. Na circulação capilar, as
VLDL entram em contato com uma lipase (a lipase lipoproteína, LLP), sendo parcialmente
fragmentadas em lipoproteínas de densidade intermediária (1DL), ou "remanescentes da VLDL"
(R-VLDL). As R-VLDL são absorvidas pelo fígado onde, sob a ação da lipase hepática, são
transformadas em LDL (Low Density Lipoprotein). Tanto as LDL quanto as R-VLDL (ou IDL)
são retiradas da circulação por receptores localizados principalmente em células do fígado; no
interior das células, estas LP são fragmentadas e liberam aminoácidos e colesterol livre. O
colesterol livre é utilizado imediatamente ou armazenado após esterificação. A síntese
intracelular de colesterol e de receptores varia na razão inversa da captação do colesterol
plasmático. Parte do material liberado pela ação das lipases lipoproteínicas sobre os quilomicrons
e as VLDL é utilizado na fabricação de outra lipoproteína, a HDL (High Density Lipoprotein),
sintetizada no fígado e no intestino, e que tem como principal apo-proteína a A-I. A HDL é
responsável pelo chamado transporte reverso do colesterol, ou seja, retira-o das células e troca-o
com outras lipoproteínas (especialmente a VLDL) ou leva-o para o fígado onde será
metabolizado. A única maneira que o organismo dispõe para eliminar o colesterol é através da
bile, como colesterol livre ou como ácido biliar.
Também no estudo Framingham foi visto que o aumento dos lipídios séricos representa um fator
de risco mesmo nos pacientes idosos, donde a necessidade de tratamento anti-lipídico (cuidadoso)
nesses indivíduos. É interessante lembrar que a hiperlipidemia (especialmente nos idosos) pode
ser secundária ao hipotireoidismo, diabetes, fármacos, etc., o que muda o enfoque clínico do
problema.
A correlação dos níveis lipídicos e as localizações cerebral e periférica da AE é menos nítida do
que a encontrada na coronariopatia.
As lipoproteínas são partículas globulares de alto peso molecular responsáveis pelo transporte de
lipídios no plasma. Pela ultracentrifugação foram evidenciados seis tipos de lipoproteínas, das
quais, pela eletroforese, é possível separar e caracterizar quatro classes: HDL, VLDL, LDL e
quilo-microns.
Lipoproteína de Alta Densidade (High Density Lipo-proteína) (HDL, ou alfa). É uma pequena
partícula, de alta densidade, sintetizada no fígado e no intestino, constituída de 50% de proteína,
30% de fosfolipídios, 20% de colesterol e de traços de triglicerídios. Podem ser divididas em
duas subclasses: HDL2 e HDL3. É a lipoproteína envolvida na remoção e transporte do colesterol
dos tecidos e vasos para o fígado, onde ele é metabolizado.
E a mais importante das lipoproteínas ricas em triglicerídios. Seu papel, assim como o dos
triglicerídios, ainda não é bem conhecido no processo ateromatoso, mas presume-se que o
aumento do nível sanguíneo dos triglicerídios, pós-prandial, apresente uma relação nítida com a
trombo-aterosclerose (Gordon; Assmann).
Lipoproteína de baixa densidade (LDL, ou beta). Contém mais colesterol e menos
triglicerídios que a HDL. É responsável pelo transporte do colesterol para dentro das células.
Presume-se que seu aumento é altamente aterogênico. Talvez devido à sua forma pequena e
densa (Steinberg) ela se fixe mais nos interstícios vasais e acabe sendo mais amplamente
fagocitada pêlos macrófagos. Seus níveis sanguíneos aumentam com a idade (até 20% acima dos
60 anos), com a obesidade, com o diabetes.
Quilomicrons (Qm). São sintetizados pelas células epiteliais do intestino e transportadores dos
triglicerídios provenientes da alimentação.
Lipidograma. Por geral, o distúrbio lipídico, eventual responsável pela AE de um paciente, pode
ser diagnosticado pela dosagem do colesterol total, dos triglicerídios e pelo aspecto físico do soro
após a refrigeração; a dosagem dos colesteróis HDL e LDL aumenta a precisão da investigação.
Os resultados desses exames são apresentados em números absolutos e/ou em índices de
Castelli. Recentemente têm-se acrescentado a esses exames a dosagem das apolipoproteínas A e
B e, mais recentemente ainda, a da lipoproteína (a). A determinação eletroforética das
lipoproteínas fica restrita a casos especiais de doenças hereditárias e outras.
Lipídios totais são dosados no soro e compreendem várias frações: colesterol, triglicerídios,
fosfolipídios e ácidos graxos. Colesterol total: compreende todo o colesterol encontrado nas
várias lipoproteínas, sendo 60 a 70% transportado pelo LDL-lipoproteína, 20 a 35% pela HDL-
lipo-proteína e 5 a 12% pela VLDL-lipoproteína.
Fosfolipídios: Representam um terço do total dos lipídios séricos. São essenciais para o
metabolismo das membranas celulares e circulam sob a forma associada às proteínas, as
lipoproteínas. Não têm papel conhecido na aterogênese.
Ésteres de colesterol. A redução dos valores dos ésteres do colesterol indica lesão das células
hepáticas. Não tem significado maior no processo aterosclerótico.
Tentando aumentar a precisão da correlação dos achados laboratoriais com os achados clínicos,
muitos autores fizeram índices e fórmulas com os valores dos lipídios sanguíneos. Um dos mais
utilizados é o de Castelli no qual é feita uma relação entre colesterol sérico, o HDL e o LDL, dois
a dois.
COAGULAÇÃO SANGUÍNEA
Os distúrbios da hemostasia constituem um fator de risco aterogênico independente. Com
frequência, entretanto, estão envolvidos com as alterações dos lipídios plasmáticos no mesmo
paciente. Segundo Serrano Jr. e Ramires, as principais alterações da coagulação associadas à
doença coronária são: aumento do fibrinogênio, maior atividade do fator Vil, hiperplaquetemia e
hiperagregação plaquetária, aumento do inibidor do ativador do plasminogênio, aumento do fator
de von Willebrand, diminuição da antitrombina III, diminuição da produção de ativador do
plasminogênio e aumento do inibidor de ativação do plasminogênio. E de se presumir que estas
alterações ocorram tanto na fase crónica quanto na aguda da coronariopatia, assim como,
também, nas arteriopatias ateromatosas periféricas.
Nos aumentos de colesterol e triglicerídios foi encontrado aumento simultâneo de fator VIIc
(Esnouf, 1993). O fator VII, quando ativado (Vila), forma um complexo com seu cofator, o fator
tecidual (FT), uma proteína de membrana de células subendoteliais presente na placa
aterosclerótica. O complexo Vlla-FT ativa os fatores IX e X, iniciando a segunda etapa (comum)
de coagulação. Ver no quadro de Serano, a ser publicado na terceira parte deste trabalho, as
principais proteínas associadas à superfície da membrana celular e hemostasia. É possível que a
ativação do fator VII seja de pouco significado no endotélio normal, mas, na placa
aterosclerótica, onde a concentração de FT é maior, a trombina pode se formar mais
intensamente.
A atividade da lipoproteína (a) na génese da aterosclerose é mais ou menos bem aceita por todos.
Sua atividade nos fenômenos de coagulação é menos nítida, embora bem provável. Por outro
lado, é possível que as Lp (a) tenham um efeito inibitório sobre o sistema fibrinolítico e, portanto,
efeito trombofílico. ALp (a) se ligaria ao fibrinogênio e fi-brina, com isso evitando que os
ativadores do plasminogênio ligados à fibrina possam ativar o plasminogênio (zimógeno inativo)
em plasmima ativada. A Lp (a) também compete com o plasminogênio na superfície das células
endoteliais, assim como, tendo grande afinidade pela fibrina, favorece o desenvolvimento da
placa aterosclerótica (in Serrano).
A correlação das plaquetas com a hipercolesterolemia tem sido sugerida por uma série de estudos
que mostram haver hiperagregação plaquetária nos aumentos de colesterol sanguíneo. As causas
desse entrelaçamento não foram descobertas, mas acredita-se que a camada endotelial está
envolvida no processo. Para se conhecer as relações plaqueta/endotélio, ver o quadro de Serrano.
POLIGLOBULIA
Quer na policitemia vera quer nas poliglobulias secundárias, a incidência de trombose vascular é
grande, especialmente nos vasos já agredidos por outras lesões. A trombose parece depender
de vários fatores: de distúrbios das plaquetas, da viscosidade do sangue, da conglomeração de
hemácias, de distúrbios reológicos, etc. Nos pacientes com poliglobulia é comum a presença de
outros fatores de risco, especialmente a hiperlipidemia (Benjamim, 1978). Embora a poliglobulia
seja de discutível influência na aterogênese, ela é de temível importância na génese de fenômenos
trombóticos terminais em vasos ateroscleróticos.
FERRO SÉRICO
Salonen registrou uma associação entre os aumentos de ferro sérico e o infarto do miocárdio em
homens finlandeses. A eventual ação aterogênica se daria pêlos depósitos de ferritina nas paredes
arteriais, gerando o ateroma. Este trabalho ainda não foi confirmado por outros investigadores.
FIBRINOGÊNIO
DIABETES MELITO
E geralmente aceito que o diabetes melito (insulina dependente ou não) é importante fator de
risco na génese da aterosclerose e de suas complicações, especialmente na arteriopatia oclusiva
dos membros inferiores. No estudo de Framingham, o risco de mortalidade por doença
cardiovascular foi 1,7 maior nos homens e 3,3 vezes maior nas mulheres portadoras de diabetes
em relação aos não-diabéticos. A mulher diabética, em período fértil, tem prevalência de AE e
suas complicações em valores semelhantes aos do homem. Os diabéticos jovens são
relativamente mais agredidos pela AE que os doentes idosos. O mecanismo etiopatogênico do
diabetes é controvertido e minha tentativa de explicar o fenômeno está esquematizada em quadro
a ser publicado na terceira parte deste trabalho.
Matsubara et al, estudando diabéticos tipo II, comprovaram o aumento da rigidez arterial
sistêmica e o aumento da massa cardíaca, mesmo na ausência de hipertensão arterial e
microangiopatia. Este aumento de rigidez arterial já foi verificado em doentes com diabetes
melito tipo I, tipo II e, mesmo, nos pacientes com testes de tolerância à glicose anormal
(Salomaa). Ele seria dependente de depósitos de lipídios na parede do vaso e/ou distúrbio da
camada endotelial (Mombouli).
O controle da glicemia no diabético tipo II não faz baixar a taxa sanguínea de todos os lipídios, o
que sugere ser a dislipidemia um distúrbio autónomo, não integralmente dependente da
disglicemia. Apesar da certeza da aterogenicidade do diabetes, resta ser demonstrado que a
regularização do açúcar sanguíneo faz regredir as complicações cardiovasculares da
aterosclerose.
Reaven et al, em 1988, descreveram um complexo clínico provocado pela baixa resposta dos
tecidos à ação da insulina, com pouca conversão da glicose em glicogênio nos músculos
esqueléticos. Esta disfunção dos receptores celulares leva a um aumento compensatório da
atividade das células B do pâncreas, acarretando uma hiperinsulinemia crónica. O distúrbio
bioquímico gera a chamada "síndrome X, de Reaven": hiperinsulinemia crónica, hipertensão
arterial, hipertrigliceridemia, hipocolesterolemia HDL, aumento do VLDL, obesidade central,
diabetes melito e hiperuri-cemia. Com tudo isto, a incidência da aterosclerose é maior que o
normal (DeFronzo).
O portador de resistência à insulina pode passar toda a vida convivendo com a hiperinsulinemia
secundária sem se tornar intolerante à glicose. Por outro lado, com a exaustão da atividade
pancreática, pode haver a instalação do diabetes tipo II. Em geral, os testes de tolerância à glicose
alterados são dependentes dessa resistência à insulina.
TABAGISMO
O tabagismo está associado a níveis baixos de HDL, oxidação do LDL, poliglobulia secundária,
aumento da viscosidade sanguínea e da agregação plaquetária, aumento do fibrinogênio
plasmático, disfunção endotelial, facilitação da estimulação adrenérgica, e redução da atividade
estrogênica. O mecanismo patogênico do fumo na AE está resumido em quadro a ser publicado
na terceira parte deste trabalho. Nos homens e mulheres, o efeito do fumo é mais nítido na
aterosclerose obliterante dos membros. O efeito do tabaco sobre os colesteróis plasmáticos parece
depender dos radicais livres presentes no fumo. Alguns investigadores acreditam que as
propriedades mutagênicas do tabaco são as responsáveis tanto pela sua capacidade carcinogênica
quanto aterogênica. De acordo com esta hipótese, a proliferação monoclonal da célula muscular
lisa no ateroma é resultado da transformação mórbida produzida pêlos componentes tóxicos do
cigarro sobre essas células.
O efeito nocivo do tabagismo ativo é visível em todas as idades, assim como o abandono do vício
do fumo reduz a morbilidade e mortalidade por aterosclerose em qualquer idade. Segundo Bailar
III, os trabalhos até agora publicados não permitem concluir sobre o efeito do fumar passivo na
incidência de coronariopatias.
HIPERTENSÃO ARTERIAL
Um levantamento anatomopatológico, feito por Ro-berts em pacientes falecidos com menos de
66 anos, mostrou que a pressão arterial tinha sido elevada em numerosas condições mórbidas,
entre as quais o aneurisma da aorta (50% de hipertensão), dissecção aguda da aorta (95%),
obstrução arterial (95%), e outros.
A elevação da pressão arterial é importante fator de risco para a AE, especialmente nas formas
cardíacas e cerebrais. O risco de AE aumenta progressivamente com o aumento do nível da
pressão e, especialmente, com os valores diastólicos altos. Quando a pressão arterial ultrapassa
160x90 mmHg, o risco é cinco vezes maior do que nos homens ou mulheres com pressão normal.
Após os 50 anos de idade, a hipertensão arterial é um fator de risco mais significativo do que a
hipercolesterolemia. Nos casos com múltiplos fatores de risco parece ser mais efetivo ( e prático
e exequível...) o tratamento da hipertensão. Numerosos estudos têm demonstrado que, nos
hipertensos, a redução da pressão arterial diastólica a níveis menores que 105 mmHg, diminui a
incidência das doenças arterioescleróticas do coração e do cérebro.
Em uma larga população de pacientes foi vista a associação entre infarto do miocárdio, história
familiar de infarto, hipertrofia ventricular esquerda e um polimorfismo dos genes codificadores
da enzima conversora da angiotensina. A ECA modula o crescimento cardiovascular através da
conversão da angiotensina I e a inatívação de cininas, donde a possibilidade dela ter a capacidade
de gerar espessamento das camadas média e íntima das artérias, tal como foi vista pêlos
modernos sistemas ultra-sônicos B-mode (Bonithon).
TEMPERATURA AMBIENTE
Desde o trabalho de Friedman e Rosenman (l 959) acredita-se que a doença coronária é mais
frequente nas pessoas com um tipo psíquico peculiar que foi chamado de comportamento tipo A.
Seria o de pessoas ambiciosas, obstinadas, perfeccionistas, ansiosas por fortuna e posição social.
O estudo de Framinghan mostrou que as mulheres classificadas como tipo A apresentavam risco
de aterosclerose 2,1 vezes maior que as mulheres sem este padrão psíquico. Tanto as domésticas
quanto as mulheres que trabalham fora de casa podem pertencer ao tipo A, mas as donas de casa
têm mais risco de AE, talvez pêlos maiores valores de colesterol plasmático (San Antonio Heart
Study).
Em estudos feitos no Japão, o excesso de horas de trabalho foi considerado como fator
predisponente à morte súbita (Uehata) e ao infarto do miocárdio (Sokejima).
A maioria dos estudos visando ao estado psico-emo-cional foi feita correlacionando-o com os
problemas cardíacos - resta comprovar se algum perfil psicológico favorece a instalação da AE
periférica.
Mancilha-Carvalho et al, estudando a incidência dos fatores de risco nos índios Yanomami,
verificaram que nessas populações não ocorrem os usuais falores de risco das populações
civilizadas, assim como a hipertensão arterial e a doença coronária. Permitiram-se, então, afirmar
"que a hipertensão arterial e a doença coronária são doenças da civilização".
HIPERURICIDEMIA
Cerca de 50% dos pacientes hipertensos apresentam taxas elevadas de ácido úrico sanguíneo, o
que parece ocorrer devido ao comprometimento renal, o uso de medicamentos, a dieta, etc.
"Não se sabe bem como o ácido úrico elevado estimularia a aterogênese; contudo, alguns
pesquisadores têm sugerido que níveis elevados de ácido úrico podem contribuir para o processo
aterogênico, interferindo no metabolismo lipídico normal" (Luna).
HIPER-HOMOCISTEINEMIA
Com a falha enzimática e com o envolvimento das vitaminas B6 e B21, a hemocisteína não reage
com a serina para formar a cistationina e, depois, a cisteína. Um certo acúmulo de homocisteína
no sangue, mesmo sem dar o quadro clínico completo, desde a infância, está associado com
coronariosclerose e arteriosclerose oblite-rante dos membros (Genest, 1992). Cerca de 20% dos
velhos da população de Framinghan têm taxas elevadas de homocisteína (Selhub, 1993).
Nos doentes com doença vascular, a incidência é de 25 a 45%, conforme a idade, e o risco de
oclusão vascular prematura é trinta vezes maior do que nos indivíduos com valores normais
(Clarke, 1991). Souza (1997) chegou a resultados semelhantes.
ESTADOS INFECCIOSOS
Cada vez aumenta mais a impressão de que a infecção da parede das artérias (especialmente
coronárias) tem papel potencializador e instabilizador das placas ateromatosas ao se instalar sobre
lesões endoteliais provocadas por outros fatores de risco. Liuzzo, em 1994, chamou a atenção
para o fato de que as substâncias indicadoras de infecção (proteína C reativa; substância
amilóideA) são, também, marcadores de risco para os pacientes com angina instável.
As clamídias são bactérias de vida intracelular, geradoras de infecções agudas e crónicas, tais
como conjuntivite, uretrite, salpingite (C. trachomatis), psitacose (C. psittaci) e infecções
pulmonares (C. pneumoniae). As clamídias também podem provocar miocardites e endocardites e
Odeh e Oliven (1992) caracterizaram bem a presença de clamídias em valvas cardíacas lesadas.
Até agora está mais ou menos caracterizada a presença da bactéria em boa parte das placas de
ateroma, assim como a coexistência epidemiológica das duas doenças (infecção e REO). Mas
ainda não está bem esclarecida a natureza da participação das clamídias na história natural da
aterosclerose. Permanece a dúvida se a infecção é fator aterogênico, se é elemento acelerador de
ateroma, se é agente instabili-zador da placa esclerótica, ou se é mero agente oportunista
colonizador de zonas endoteliais doentes.
A constatação de aterosclerose coronária e aórtica em pessoas jovens tem sido feita por diferentes
pesquisadores há muitas décadas. As estrias gordurosas precursoras das lesões ateromatosas
foram encontradas em crianças de tenra idade (Holman). Em jovens de 6 a 16 anos, Berger e Zie-
linsky detectaram hipercolesterolemia em 27,9%, hipertensão arterial em 8,2%, hipergiiceridemia
em 9,6%, e elevação do LDL em 10,3%. Havia história familiar de hipertensão, cardiopatia,
morte súbita, dislipemia em 38,3% dos escolares com hipercolesterolemia, e a associação de
fatores de risco foi frequente. Havia peso corporal aumentado em 7,4% das crianças, mas estas
não apresentaram maior prevalência de aumento do colesterol.
Os estudos de fatores de risco e/ou presença de aterosclerose, realizados por diversos processos,
em fetos, crianças e adolescentes, têm comprovado a precocidade do "estado ateroscleroso",
donde a ênfase na verificação e medidas profiláticas da aterosclerose desde os períodos
pediátricos.
As pessoas idosas geralmente apresentam vários fatores de risco, mas pode-se presumir que esses
fatores não foram muito atuantes no velho paciente sem muitos problemas ateroscleróticos.
Dentro dessa maneira de pensar, não teria sentido combater os fatores de risco eventualmente
presentes num velho saudável. Entretanto, trabalhos realizados nos últimos anos têm mostrado
que muitos fatores de risco mantêm sua importância no grupo dos idosos. No Third National
Health and Nutrition Examination viu-se que 54% dos indivíduos de 65/74 anos de idade
apresentavam hipertensão sistólica e/ou diastólica e aumento do risco de doenças
cardiovasculares - o tratamento da hipertensão reduziu este risco (Gertenblith, 1997). Os fatores
de risco geralmente associados à hipertensão devem ser igualmente tratados (dislipidemias,
obesidade de cintura, resistência à insulina, hipertrofia ventricular esquerda).
A determinação da pressão arterial no velho merece cuidados devido à presença de vários fatores
que podem prejudicá-la. A artéria umeral esclerosada pode se tornar menos compressível pelo
manguito e a pressão parecer desusadamente alta - a palpação do pulso quando da compressão do
manguito auxilia a reconhecer este fenômeno. O mesmo problema pode surgir nos braços
gordos, especialmente nas mulheres. A hipertensão do "avental branco" continua a ocorrer nos
velhos. A diferença de pressão de decúbito/ortostática geralmente é aumentada no idoso, donde a
obrigatoriedade da medida da pressão com o paciente em pé.
Embora sejam significativos os aumentos das pressões sistólica e diastólica, foi visto que em 40%
dos velhos com insuficiência cardíaca, a pressão diastólica estava aumentada e a pressão sistólica,
normal.
O uso do tabaco continua a ser um fator de risco no velho, com a mesma relação entre número de
cigarros fumados e acidentes cardiovasculares, e a melhoria da morbo-mortalidade com o cessar
do vício.
O significado das dislipemias em pessoas de mais de 70 anos é discutível. Embora pareça haver
correlação entre as taxas de colesterol e de HDL com a indicidência de coro-nariopatias, fica a
dúvida se o tratamento da dislipidemia é de utilidade para o indivíduo idoso. Manolio et al
comprovaram que a associação entre hipercolesterolemia e doença coronária é atenuada na
velhice. O Scandinavian Simvastatin Study indica que o tratamento dos distúrbios dos lipídios é
válido pelo menos nos pacientes idosos que já apresentam problemas ateroscleróticos.
Nas pacientes idosas foi notada uma relação dos distúrbios cardiovasculares com o índice de
obesidade determinado pela relação cintura-quadril.