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INTRODUÇÃO
Hoje em dia, talvez, não seja difícil calcular quantos livros, artigos e publicações
diversas já foram elaboradas a respeito dos chamados 'pais da sociologia', os principais autores
clássicos das ciências sociais; afinal, as ferramentas de busca na Internet como, por exemplo, o
Google, podem muito bem facilitar esse cálculo. Porém, é muito mais difícil quantificar a
importância de Durkheim, Marx e Weber, não somente para as ciências sociais, mas para as
ciências humanas e à produção do conhecimento em geral.
Essa importância pode ser vista, primeiramente, em seus esforços para compreender e
explicar a realidade social de um ponto de vista científico. Explicações para os fenômenos
sociais a partir da religião, da filosofia e das ciências naturais abundavam em seus dias, mas
foram eles que trouxeram o método e a objetividade científica às explicações do social. Eles
também contribuíram grandemente para a formação de uma disciplina científica específica que
pudesse dar conta de estudar os fenômenos sociais – eles pesquisaram, publicaram livros e
artigos, e tornaram a sociologia conhecida e reconhecida como ciência. Outra importante
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1 QUESTÕES EPISTEMOLÓGICAS
O ponto de partida será Karl Marx, talvez, o mais polêmico dos três, devido ao seu
contundente engajamento em questões políticas revolucionárias. Embora a preocupação de
Marx não estivesse voltada para a produção de uma sociologia do conhecimento ou para uma
extensa elaboração e explanação de seus pressupostos epistemológicos, ainda assim, alguns de
seus escritos mostram claramente a sua estratégia de apresentar uma aproximação científica da
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sociedade burguesa e, por conseguinte, do capitalismo. Para tanto, ele se preocupou em mostrar
a importância dos diferentes sistemas de ideias na vida social, ou seja, a conexão entre ciência,
ideias e realidade material; portanto, é esta relação que se destaca aqui entre os elementos
fundantes da posição epistemológica de Marx.
De fato, ao afastar-se de Hegel e dos jovens hegelianos, ele procurou estabelecer
algumas relações entre as ideias e as estruturas sociais. Seu interesse não estava em ideias
abstratas sem conexão com a realidade material; antes, ele buscou analisar como e de que forma
os sistemas de ideias dependiam das posições sociais, ou seja, das classes e seus proponentes
(HADDEN, 1997). Marx não entendia as ideias, o conhecimento, como sendo neutros e, por
esta razão, ele se esforçou para elucidar, de modo sistemático, que as ideias tem funções e que
o pensamento dos indivíduos está intrinsicamente relacionado com quem são e o que fazem,
com suas relações, seus papéis sociais e suas posições de classe. O conhecimento que o homem
tem de si mesmo afeta diretamente as suas condições materiais; então, se tal conhecimento for
equivocado, isso tem implicações diretas sobre a sua vida material. De fato, Marx percebe que
“até agora, os homens sempre tiveram ideias falsas a respeito de si mesmos, daquilo que são ou
deveriam ser. Organizaram suas relações em função das representações que faziam de Deus, do
homem normal etc.” (MARX; ENGELS, 1998, p. 3).
Essas ideias “falsas”, esse conhecimento falso, segundo Marx, afetava o que os
homens são e “o que eles são coincide, pois, com a sua produção, isto é, tanto com o que eles
produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto,
dos materiais de sua produção” (Idem, 1998, p. 11, ênfase dos autores). Assim, não é possível
separar ideias e classe, pois as ideias não existem independentemente da existência de classes
sociais; antes, faz-se necessário considerar as classes juntamente com condições de produção e
com os produtores do conhecimento, pois os sujeitos e as condições materiais é que são a fonte
das ideias (Ibid.). Assim, Marx avança ao mostrar que as ideias dominantes pertencem à classe
dominante:
No entanto, isso não significa que cada indivíduo adere incondicionalmente aos
pensamentos dominantes ou que os intelectuais da classe dominadora concordem em tudo com
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os representantes políticos da mesma classe. Marx admitiu também que os indivíduos nem
sempre pensam em termos de interesses de classe, ou seja, eles nem sempre são influenciados
em sua atitude pela classe a que pertencem. Além disso, os ideólogos e os políticos de uma
classe não têm que compartilhar todas as características materiais da classe. Por outro lado, eles
se veem obrigado a dar uma aparência de uniformidade aos seus pensamentos:
Com efeito, cada nova classe que toma o lugar daquela que dominava antes dela é
obrigada, mesmo que seja apenas para atingir seus fins, a representar o seu interesse
como sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade ou, para exprimir
as coisas no plano das ideias: essa classe é obrigada a dar aos seus pensamentos a
forma de universalidade e representá-los como sendo os únicos razoáveis, os únicos
universalmente válidos (MARX; ENGLES, 1998, p. 49).
categorias’ (MARX, 2009), mas essas questões que cabem aqui. Certamente, essa questão, entre
outras, poderia ser considerada mais amplamente em uma análise da epistemologia de Marx,
mas esta seção se limitará ao que foi exposto acima, primeiramente, porque o presente artigo
não pretende analisar profunda e extensamente a epistemologia marxiniana e, sem segundo
lugar, porque outras questões aparecem mais em sua metodologia, que será considerada em
uma seção adiante. Assim, seguiremos para o próximo autor, Max Weber.
Weber recebeu sua a educação inicial no Direito e, certamente, ele foi exposto às
questões entre as escolas alemãs do positivismo legal e da jurisprudência histórica, o que pode
ser a razão de seu interesse sobre os conflitos metodológicos quando posteriormente dedicou-
se à economia política. Porém, a sua principal influência epistemológica veio da escola
neokantiana, principalmente, através de Heinrich Rickert, e foi ali na escola neoknatiana que
ele encontrou um modelo conceitual muito rico e que era adequado à sua própria posição
epistemológica (RADKAU, 2011).
Diferentemente de Hegel, os neokantianos compreendiam a existência de uma
dicotomia entre a realidade e o conceito. O conceito seria um processo cognitivo, que não pode
deixar de ser racional, pois se a nossa cognição é lógica e toda realidade existe dentro da
cognição, então, somente é racional a realidade que podemos compreender na forma de
conhecimento. Desse modo, o processo de formação de conceitos tem que ser universal, mas
também abstrato, não sendo diferente em espécie, mas sim em seus assuntos (RADKAU, 2011).
Aqui não cabe uma consideração mais ampla dessas questões neokantianas; o que compete ao
momento é que a influência neokantiana sobre realidade e conceito sobre Weber foi marcante
para o seu posicionamento epistemológico, o que se refletiu, por sua vez, sobre a sua
metodologia.
No entanto, Weber não estava interessado em escrever uma obra epistemológica
sistemática para pôr um fim aos conflitos sobre métodos de seu tempo, especialmente, entre
historicismo e positivismo. A sua intenção era mais modesta e muito mais pragmática: para ele
a metodologia seria um tipo de conhecimento que pode fornecer uma regra geral, codificada a
posteriori, mas que nunca pode substituir as habilidades que os pesquisadores usam em suas
práticas de pesquisa (SWEDBERG, 2005). Assim, pode-se considerar que a tentativa de Weber
de mediar o historicismo e o positivismo era tão somente para ajudar ao pesquisador, ao
cientista, em seu julgamento de valor prático, ou seja, do que seria aceitável diante de uma
multiplicidade de valores subjetivos que se encontra ao selecionar e processar dados históricos
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(WEBER, 2001). Portanto, para Weber, a metodologia não era só uma questão de
procedimentos, mas também de epistemologia e ética. Por conseguinte, a questão metodológica
em Weber é, talvez principalmente, um assunto epistemológico que se encontra assentado sobre
a questão da objetividade e do papel dos valores subjetivos na formação de conceitos históricos
e culturais (KÄSLER, 1988).
A questão dos valores subjetivos, porém, está ligada à ‘ação social’, que é objeto da
sociologia weberiana. Para Weber (1979), a ação que é objeto de qualquer pesquisa científica
social é claramente diferente do mero comportamento, muito embora o comportamento possa
ser explicado sem referência a motivos internos. Assim, uma ação só pode ser interpretada
porque se baseia na atribuição subjetiva de significado e valores de quem a faz. Mas, qual é o
papel do sociólogo nesse ponto? É o de compreender essa dimensão subjetiva da conduta
humana em relação aos outros. Esse conhecimento subjetivo pode ter validade objetiva quando
os significados e valores a serem compreendidos forem explicados causalmente, ou seja, como
um meio para um fim. Assim, no final das contas, o tipo de conhecimento objetivo que as
ciências da cultura podem alcançar é limitado, pois uma ação pode ser interpretada com
validade objetiva somente em certos níveis, mas não em outros. A objetividade nas ciências
sociais não é, portanto, um objetivo que pode ser alcançado com a ajuda de um método correto,
mas é um ideal que deve ser buscado.
Como ideal a ser buscado, a prática científica, produtora de conhecimentos, deve
distinguir entre juízos de valor e realidade empírica (WEBER, 1992). A valoração não deve
guiar a pesquisa científica, mas é impossível um afastamento completo da subjetividade. Assim,
a objetividade em Weber seria uma objetividade “entre aspas” (COHN, 2006), diferente de
Durkheim, mas isso não significa neutralidade ou indiferença. E é nesse sentido, portanto, que
Weber critica a ideia de “lei” na ciência da sociedade. Para ele não é possível criar leis nas
ciências da cultura e da história, pois o objetivo da sociologia é histórico, instável, dinâmico,
heterogêneo e imprevisível. Assim, deve-se trabalhar com padrões de regularidade
(probabilidades) e não com leis (WEBER, 1992).
Portanto, como um realista, as questões referentes à compreensão da ação social e dos
valores subjetivos são elementos fundamentais para compreender a epistemologia de Weber.
Mas há também um outro ponto importante, que é o ‘tipo ideal’, mas uma explicação disso
ficará para ser considerada mais adiante, uma vez que, apesar de derivar de sua epistemologia,
é um construto mais teórico-metodológico na obra de Weber. A seguir, então, consideraremos
algumas questões epistemológicas em Durkheim.
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Não há dúvida de que Durkheim foi um dos primeiros pensadores ocidentais a analisar
como o meio social de um indivíduo afeta a maneira como ele percebe o mundo. Isso
transparece em sua penúltima obra, As Formas Elementares da Vida Religiosa, que não é um
livro preocupado apenas com o estudo da religião; ao contrário, ele procura explicar como o
pensamento lógico surge a partir da sociedade. Nesse sentido, uma parte do livro pode ser
considerada com uma ‘sociologia do conhecimento’ de Durkheim. Nessa sociologia do
conhecimento, ele argumenta que as diversas facetas do pensamento de um indivíduo são
influenciadas pela sociedade. Não somente as nossas crenças, ideias e a linguagem são
determinadas pelo nosso meio social, mas até mesmo os conceitos e as categorias necessárias
para o desenvolvimento do pensamento lógico como, por exemplo, o tempo e o espaço, se
originam na sociedade (DURKHEIM, 1996), e a religião aponta justamente para isso:
Pode-se, portanto, dizer, em resumo, que quase todas as grandes instituições sociais
nasceram da religião. Ora, para que os principais aspectos da vida coletiva tenham
começado por ser apenas aspecto diversos da vida religiosa, é preciso evidentemente
que a vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressão resumida da
vida coletiva inteira. Se a religião engendrou tudo o que há de essencial na sociedade,
é que a ideia da sociedade é a alma da religião (DURKHEIM, 1996, p. 462).
Durkheim não estuda a religião pela simples proposta de conhecer a religião em si,
mas ele busca nela os traços que apontam para algum maior, a sociedade, e para a estrutura
lógica que ajuda a ordenar e interpretar o mundo e, desse modo, garantir que os indivíduos
tenham uma compreensão comum do mundo e de como ele opera. Disso decorre um conceito
fundamental para compreender o que poderia ser chamado de uma sociologia do conhecimento
de Durkheim – as representações coletivas.
Segundo Durkheim, não há conhecimento no mundo sem que a humanidade de alguma
forma o represente. Não há nada que seja transcendente em si mesmo, ou seja, o mundo existe
apenas na medida em que é representado, e todo o conhecimento do mundo necessariamente
remete a como ele é representado. As representações coletivas são o conjunto de representações
que uma sociedade usa para representar as coisas a si mesma, e como elas se relacionam e
afetam a sociedade (EDLES; APPELROUTH, 2005). Essas representações coletivas se referem
a coisas na realidade social, mas não são simples imagens que refletem a realidade assim como
ela é projetada de dentro para fora. Ao contrário, elas resultam de uma interação entre o mundo
externo e os indivíduos e, ao serem representadas pela sociedade, as coisas são infundidas com
elementos da experiência coletiva de uma sociedade, proporcionando a essas coisas um
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significado e um valor. Pode-se dizer, então, que as representações coletivas são ao mesmo
tempo repositórios e transmissores da experiência coletiva e, portanto, incorporam e expressam
a realidade da existência coletiva de uma sociedade (EDLES; APPELROUTH, 2005).
As representações coletivas foram extremamente importantes para Durkheim ao final
de sua carreira, e apesar de compreender que elas poderiam assumir formas diversas, ele deu
atenção especial ao pensamento e à linguagem conceituais como o principal elemento de toda
a vida social. Para Durkheim, a linguagem ilustra não apenas o que ele quer dizer com o termo
‘representações coletivas’, mas também como ele vê a sociedade operando em um nível
fundamental:
Ora, não há dúvida de que a linguagem e, portanto, o sistema de conceitos que ela
traduz, é o produto de uma elaboração coletiva. O que ela exprime é a maneira como
a sociedade em seu conjunto representa os objetos da experiência. As noções que
correspondem aos diversos elementos da língua são, portanto, representações
coletivas (DURKHEIM, 1996, p. 462).
Das duas funções que a religião primitivamente cumpria, existe uma, mas uma só, que
tende cada vez mais a lhe escapar: a função especulativa. O que a ciência contesta à
religião não é o direito de existir, é o direito de dogmatizar sobre a natureza das coisas,
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2 REPERTÓRIO TEÓRICO-CONCEITUAL
Os autores clássicos que estão sendo considerados aqui neste artigo diferiam em
muitos pontos ainda que sejam considerados os pais da Sociologia. Embora Marx nunca tenha
se identificado como sociólogo, como fizera Durkheim e Weber, as suas explicações sobre o
desenvolvimento histórico da sociedade, bem como as suas ideias sobre o capitalismo,
tornaram-se basilares no pensamento sociológico. Para Durkheim (2007), o objeto da
sociologia era o fato social, enquanto Weber (1979) preocupava-se com a compreensão da ação
social e Marx (1998) com a sociedade burguesa. Os três, porém, se ocuparam em compreender
e explicar a emergente sociedade moderna ou industrial. Certamente, devido a apreciações
diferentes, embora algumas sobrepostas, quanto à tarefa da sociologia, existem contrastes em
suas explicações sobre a natureza das sociedades modernas. Essas diferenças, porém,
necessariamente, não se anulam, mas se complementam e contribuem para uma compreensão
mais ampla da sociedade moderna. Para explicar essa sociedade, Marx, Durkheim e Weber
elaboraram métodos e conceitos que ainda são usados para compreender em que ponto as
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coisa, evitar fazer algo ou fazer algo para si, mas nem toda ação é social. A ação só é social
quando ela é orientada para outros atores ou para uma ordem. Se o elemento de significado
estiver ausente, a ação é considerada apenas um comportamento. Assim, a ação especialmente
significativa para a sociologia interpretativa de Weber é um tipo específico de comportamento
que: (1) em termos de significado subjetivo do ator, está relacionado com o comportamento dos
outros, (2) é co-determinado em seu curso por meio dessa relação, e assim (3) pode ser
explicado inteligivelmente em termos desta (GALIANO, 1981).
Para Weber (2002), há quatro tipos de ação social: (a) racional quanto a fins, na qual
o que importa para o agente é alcançar objetivos e/ou resultados; (b) racional quanto a valores,
ou seja, relacionada com os princípios do agente, isto é, ela é orientada por valores específicos,
por uma norma moral; (c) afetiva ou emocional – ação que é motivada e gerada pelos
sentimentos do agente em relação aos outros; e (d) tradicional, que é a ação determinada através
dos hábitos e costumes.
Outro conceito importante em Weber (2014) é o de ‘dominação’. Dominação pode ser
definida como a possibilidade de encontrar obediência a uma dada ordem. Weber elencou 3
tipos de dominação: (a) ‘racional ou legal’, ou seja, baseada em regras, leis. A dominação ou
autoridade racional-legal baseia-se em motivos racionais e justificados por leis, regras e
regulamentos e é o tipo de dominação geralmente encontrado na sociedade moderna. A
legitimidade racional baseia-se na crença na legalidade das regras e no direito de quem tem
autoridade legal para emitir comandos; (b) ‘tradicional’ – baseada na cultura e nos costumes. É
geralmente encontrado em sociedades pré-modernas. A autoridade tradicional baseia-se na
crença na qualidade sagrada das tradições para legitimidade as ideias e comportamentos.
Também é um tipo de autoridade que é exercida por aqueles que herdaram ou receberam o
poder que possuem; (c) ‘carismática’, ou seja, baseada na personalidade e em qualidades
pessoais. É um tipo de dominação que se fundamenta na devoção à qualidade sagrada ou ao
caráter exemplar de uma pessoa e da ordem criada por ele. É uma dominação que não se baseia
na racionalidade das regras e regulamentos nem na tradição antiga, mas sim na devoção dos
homens por certas outras pessoas que são capazes de influenciá-las com base em seu caráter ou
virtudes como a honestidade.
‘Burocracia’ também foi um conceito importante na teoria weberiana. De fato, ele foi
o primeiro a dar uma descrição consistente sobre o desenvolvimento, causas e consequências
da burocracia, suas causas e consequências. A definição de burocracia depende de suas
características, que são muitas, mas em resumo é possível afirmar que ela cobre uma área de
atividade fixa, que é governada por regras e que é organizada como uma hierarquia. A atividade
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burocrática baseia-se em documentos escritos, que são preservados como arquivos, e exige uma
formação especializada. A burocracia também inclui o fato de os funcionários dedicarem toda
a sua atividade ao seu trabalho e de ter uma gestão de escritório que segue regras gerais que
podem ser aprendidas e reproduzidas (WEBER, 2002).
De acordo com Weber (Idem), há diversos fatores que contribuem para o
desenvolvimento da burocracia moderna, entre os quais, encontram-se: o desenvolvimento da
economia monetária e da quantidade e qualidade das tarefas administrativas, especialmente no
campo da política; demanda por ordem e produção e pelo chamado 'Estado de bem-estar';
desenvolvimento de meios de comunicação modernos; a superioridade técnica da burocracia
sobre outras formas de organização; a natureza complicada e especializada da cultura moderna
que exige especialistas que se destaquem; a interpretação racional da lei com base na ideia de
igualdade e o aumento da democracia representativa moderna.
Ainda que Weber tenha enfatizado muito mais as virtudes da burocracia e seu
desenvolvimento implacável na sociedade moderna, ele também percebeu os problemas que
adviriam com a burocracia, especialmente, a deterioração do relacionamento humano nos
governos e na indústria. Ele também apontou para o formalismo das normas que vinculam a
organização burocrática e que só aumentam a concentração da gestão. Seja como for, para
Weber, a burocracia é inevitável e irrefreável – um caminho sem volta no desenvolvimento na
sociedade moderna.
Mais próximo de Weber em alguns de seus conceitos do que de Durkheim, Karl Marx
construiu um repertório teórico-conceitual muito amplo e diversificado. A partir do
materialismo histórico, Marx desenvolveu uma maneira específica de ver a história. Para ele, a
história é a história da ‘luta de classes’ (MARX; ENGELS, 1988) e nela se vê uma sucessão de
modos de produção. Por ‘modos de produção’ entende-se, grosso modo, a forma da organização
econômica de uma sociedade. O modo de produção de uma sociedade é o que cria os
antagonismos entre as classes. Na perspectiva de Marx (2008), a história registra diferentes e
sucessivos modos de produção: comunismo primitivo, feudalismo, capitalismo, socialismo e,
que ainda estaria por vir, o comunismo. Essa forma de conceber a história, certamente, não
ficou sem críticas, pois parece dar a entender que há certa inclinação evolucionista e
determinista nessa concepção, mas que pode ser melhor compreendida como uma ideia de
‘desenvolvimento’ não determinado, posto que a história há está em construção.
Marx concentrou os seus estudos na análise do modo de produção capitalista, que pode
ser compreendido como uma organização econômica da sociedade baseada na propriedade
privada dos meios de produção. O capitalismo produz ‘mercadorias’ para gerar capital e o
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capitalista, aquele que detém os 'meios de produção' (fábricas, máquinas, matérias-primas, força
de trabalho), enriquece pela exploração da ‘mais-valia’ (o valor do trabalho excedente do
trabalhador que produz lucro ao capitalista), e assim se estabelecem ‘relações de produção’
entre o capitalista e o trabalhador. Diferentemente de Weber, que reconheceu os vícios do
capitalismo, mas os excluiu de sua definição, Marx tornou os problemas do capitalismo
elementos centrais de sua definição. Assim, o capitalismo não é visto apenas como um modo
racional de obter lucro, mas sim como um instrumento de ‘alienação’, pois separa o trabalhador
de si mesmo, de seu trabalho e dos outros. Assim, o trabalho, que além de criação e projeção
da identidade do ser humano, torna-se, então, apenas um meio de sobrevivência.
Para explicar o modo e as relações de produção, Marx (2008) desenvolveu uma teoria
da mercadoria, que pode ser definida como um objeto externo ao ser humano, mas que satisfaz
seus desejos e necessidades. Toda mercadoria tem ‘valor’, que é determinado pela quantidade
de trabalho gasto para produzi-la. Marx diferenciou, então, entre o ‘valor-de-troca’ da
mercadoria, que é o seu valor em relação aos outros produtos, e o ‘valor-de-uso’, ou seja, a
capacidade de satisfazer aos desejos ou necessidades. O consumo da mercadoria, por sua vez,
pode envolver um certo fetichismo. ‘Fetiche’ é o termo que Marx para definir um objeto um
objeto no qual a pessoa se fixa e, com isso, fica impedida de ver a verdade. No caso, as pessoas
dão atenção ao dinheiro e aos produtos e se esquecem do modo e das relações de produção!
orgânica. Essa especialização era resultado daquilo que Weber entendeu como um processo de
racionalização da vida social. Para ele, essa racionalização cresceria em alta escala e afetaria
ações dos indivíduos. Essa racionalização poderia ser vista em que os indivíduos passaram a
vida à base de cálculos sobre custo-benefício, bem como em a sociedade transformar-se em
uma entidade burocrática e, por último, mas não menos importante, no ‘desencantamento’ do
mundo, ou seja, pelo enfraquecimento das lentes da magia e da religião na formação das visões
ou interpretações do mundo e, juntamente com isso, um processo de ‘secularização’ da esfera
pública. Marx, por conseguinte, interpretou a sociedade moderna como uma sociedade em
grande parte capitalista, onde o lucro é feito para enriquecimento dos capitalistas, detentores
dos meios de produção, pela exploração do trabalho manual da classe trabalhadora ou
proletariado. Ele também compreendeu que, nas sociedades capitalistas, a produção econômica
está subjacente a e molda toda a sociedade. Para ele há uma 'infraestrutura', um processo
tecnológico e social de produção econômica na qual todos os elementos sociais adicionais como
religião, educação, família, valores etc., tudo isso existe para formar a 'superestrutura'. Assim,
Marx focou na questão do conflito, na luta de classes como o motor da história (MARX;
ENGELS, 1988).
Por fim, uma descrição ainda que breve das contribuições de Karl Marx, Max Weber
e Emile Durkheim não poderia deixar de fora suas ideias sobre o Estado. Mesmo sem a
pretensão de fazer uma descrição ou análise mais consistente das teorias sobre o Estado nos
autores que estamos considerando, cabe fazer algumas breves considerações. No que diz
respeito a Weber, há duas questões que são fundamentais em suas ideias sobre o estado:
dominação e burocracia. Weber (2002), diz que a ordem do Estado burocrático é especialmente
importante devido ao desenvolvimento mais racional, pois isso é o que há de mais característico
do estado moderno. Assim, uma organização burocrática racional seria a “essência” do Estado
moderno, que teria governantes exercendo diferentes tipos de dominação, ainda que em termos
ideais a dominação do tipo racional-legal fosse mais adequada ao Estado burocrática.
Ainda que não seja possível dizer que ele elaborou uma sociologia do Estado e, talvez,
esta seja a esfera de sua menor contribuição, Durkheim (2002) elaborou algumas ideias sobre
o Estado moderno ligadas à divisão do trabalho como um meio para a manutenção de uma
solidariedade orgânica. Ele considerou que o desenvolvimento da divisão do trabalho tinha a
tendência de dividir as pessoas e a solidariedade orgânica poderia não ser suficiente para manter
a sociedade coesa. A solução para isso seria, então, o Estado, cuja concepção durkheimiana tem
levado alguns autores a considerá-lo como um socialista, ainda que bem diferente de Marx
(RITZER, 1992). O certo é que Durkheim compreendia que apesar de existirem princípios
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morais na sociedade, o Estado tinha o papel de incorporar esses princípios às suas estruturas, a
fim de desempenhar diversas funções como a de justiça, educação e saúde. Mas para que o
Estado pudesse assumir essas funções, ele deveria contar com 'grupos ocupacionais', ou seja,
formados por profissionais que poderiam fornecer os meios de integração social necessários
(DURKHEIM, 1999). Em resumo, Durkheim argumentou que existiam vários meios pelos
quais o indivíduo e a sociedade poderiam estar conectados, entre eles, os programas sociais
através do Estado, grupos ocupacionais e leis. Funcionando conjuntamente eles poderiam
ajudar a regular os indivíduos e a integrar os indivíduos em sociedade.
Em Marx, a teoria do Estado vai de encontro aos conceitos básicos do Estado liberal e
vai mais além: ele enfatiza que a classe dominadora usa o Estado para a realização de seus
objetivos e, portanto, ele deve ser abolido para que haja uma emancipação dos homens. Assim,
a definição de Estado em Marx não é complicada: o Estado é “o poder organizado de uma classe
para a opressão de uma outra” (MARX; ENGELS, 1988, p. 30). Ele também diz que é “o
Estado, portanto, a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus
interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de uma época” (MARX; ENGELS,
1998, p. 74). O estado é, portanto, fundamentalmente um instrumento de dominação de classes.
O Estado é usado pela burguesia para explorar as pessoas comuns e nesse sentido é uma
maquinaria para a exploração.
A breve seção acima considerou as contribuições teórico-conceituais dos pais da
sociologia que, sendo diferentes, podem nos ajudar a compreender e explicar as sociedades
capitalistas modernas, não somente em seus dias, mas também atualmente. Marx viu a divisão
de classes como um grande resultado negativo da modernização. A visão de Weber da crescente
racionalidade e burocracia colocando os indivíduos em uma gaiola de ferro é evidente no
mundo contemporâneo. A teoria de Durkheim de que a modernidade diminui os laços morais e
leva ao aumento do isolamento e da anomia também pode ser comprovado. Não é à toa,
portanto, que são chamados de ‘clássicos’, pois apesar de suas limitações, suas teorias e
conceitos ainda continuam a contribuir para uma compreensão mais profunda da realidade
social. Mas, ainda há uma contribuição que se faz necessário considerar – suas metodologias.
Certamente, a questão metodológica diz respeito a uma contribuição direta para com
a sociologia, enquanto disciplina científica, mas uma vez que não se deve separar teoria e
método, é preciso considerar as metodologias de Marx, Durkheim e Weber também
contribuições indispensáveis à compreensão do mundo social, uma vez que é o método que
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Não há dúvida que a preposição de um método para a sociologia foi uma das principais
contribuições de Durkheim. Seus pressupostos e procedimentos metodológicos são explicados
em As regras do método sociológico. Nessa obra, Durkheim (2007) apresenta três regras
essenciais para estudar o objeto da sociologia, ou seja, os fatos sociais. Primeiramente,
mostrando sua influência positivista, ele mostra que é necessário considerar os fatos sociais
como “coisas” e não como ideias, o que o distingui de seus precursores, pois esta é a única
maneira de estudar os fenômenos sociais de modo objetivo, ou seja, cientificamente. Em
segundo lugar, o sociólogo precisa descartar as prenoções, ou seja, as representações que se
tem do fato social. Por fim, faz-se necessário definir o objeto de estudo, mostrando as suas
características e explicando por que é um objeto de estudo da sociologia e não de outra
disciplina.
Com esses pressupostos em mente, o pesquisador pode seguir os procedimentos que,
grosso modo, podem ser assim resumidos: (a) definir o problema; (b) diferenciar o problema
como social, ou seja, objeto da sociologia e não de outras ciências (c) refutar as interpretações
anteriores; (d) estabelecer uma tipologia; (e) desenvolver uma teoria geral e (f) pensar em como
resolver o problema social através de outros fatos sociais.
O método weberiano talvez seja o mais complexo dos três autores clássicos que
estamos considerando. Weber desenvolveu uma metodologia compreensiva baseada no estudo
do 'tipo ideal', que pode ser definido como uma tentativa de apreender o que há de essencial a
respeito de um fenômeno social por meio de exagero analítico de alguns de seus aspectos. Nesse
sentido, ele é tanto uma ferramenta conceitual como um instrumento metodológico criado por
Weber para analisar os significados culturais em seus componentes “puros”, como ele o faz em
A ética protestante e o espírito do capitalismo. No entanto, é preciso compreender o tipo ideal
não é meramente uma abstração; antes, é um tipo específico de abstração, pois ele apresenta
um padrão que pode não existir na realidade, mas que é construído pelo sociólogo para
compreender o significado das ações sociais (SWEDBERG, 2005).
O tipo ideal, no entanto, não é uma descrição de um curso de ação individual, mas sim
de um curso ‘típico’; portanto, ele é um conceito generalizado que pode ser usado para
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classificar um grande número de casos em algumas categorias. Outro ponto importante é que
Weber define os tipos ideais negativamente, ou seja, descrevendo o que não eles não são.
Assim, ele diz que o tipo ideal não é uma hipótese no sentido de que é uma proposição sobre a
realidade concreta, que pode ser verificável, que não é uma descrição da realidade ou de um
processo existente, e também não é uma formulação de traços concretos comuns a uma classe
de coisas concretas (EDLES; APPELROUTH, 2005).
universais, que Marx vai chamar de “leis”. Por sua vez, o ponto de partida do conhecimento
teórico é o conhecimento empírico (aquilo que é resultado da experiência sensível), de um
cuidado inventário da aparência, mas a aparência não esgota aquilo que é o fenômeno. A
aparência é o modo de emergência imediata da realidade. Deve-se, então, partir da aparência
para chegar à essência, que é a estrutura íntima e dinâmica do objeto.
Outro pronto importante na metodologia de Marx é sua compreensão de que se a
aparência dos fenômenos coincidisse com a sua essência toda ciência seria desnecessária, pois
bastaria olhar para compreender. Assim, o pesquisador tem que extrair do objeto as
modalidades de seu movimento e não introduzir no objeto o que ele pretende, ou seja, ele tem
que extrair do objeto as suas categorias constitutivas, pois o pesquisador recebe as categorias e
regularidades do objeto. O sujeito-pesquisador tem, então, uma participação ativa na pesquisa,
mas quem comanda a pesquisa é o objeto (MARX, 1978).
Além do exposto acima, vale destacar outras questões importantes na metodologia de
Marx, por exemplo, a relação entre o passado e o presente. Ele mostra que não é a gênese (o
passado) que vai explicar o presente, mas é presente é que vai iluminar os desenvolvimentos
do passado. Da mesma forma, ele vai afirmar que é o mais desenvolvido (menos diferenciado)
e complexo que explica o menos desenvolvido e menos complexo (mais diferenciado) (MARX,
1978).
A historicidade é outro elemento básico da teoria de Marx. A teoria-metodologia de
Marx é histórica porque seu objeto de estudo, o capitalismo moderno, já tinha revelado o
florescimento de suas tendências estruturais. Também é histórica porque as implicações dessas
tendências já podem ser vistas e compreendidas. Por fim, mas não menos importante, nós temos
o elemento metodológico da valoração, que Durkheim insiste que deve ser afastada por
completo e Weber entende que não tem como deixá-la de lado. Marx, por sua vez, a abraça!
Nesse sentido, ele escolhe o lado oposto dos economistas Smith e Ricardo, que tinham uma
valoração compatível com a da burguesa. Marx escolheu o proletariado (PAULO NETTO,
2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já foi dito, o propósito deste trabalho não foi o de analisar extensa e
profundamente as teorias e conceitos de Marx, Durkheim e Weber, mas sim de tentar mostrar,
através de uma breve descrição de suas epistemologias, conceitos e metodologias, a importância
de suas contribuições para a compreensão do mundo social.
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