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Resumo
O objetivo é apresentar uma revisão integrativa da literatura científica acerca da democracia substantiva, aparato
conceitual e teórico, características fundantes, diferenciação e similitude em relação a típica democracia procedimental
com vistas a análise da sua vigência no contexto democrático brasileiro. Pesquisa exploratória centrada na sistematização
da temática, baseia-se na significativa contribuição de cientistas políticos das vertentes culturalista e neoinstitucionalista.
A recente experiência democrática brasileira carece de mecanismos estatais de aprimoramento para o tratamento das
mudanças trazidas pela Constituição Federal de 1988 e pela redemocratização que não foram efetivamente materializadas,
demonstrando a fragilidade das instituições no desempenho dos seus papéis. Constatou-se que a democracia substantiva
se verifica no Brasil em pontuais experiências por se encontrar em fase inicial ainda passível de consolidação política.
Introdução
1
Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pelotas – UFPel e Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em
Políticas Públicas – NEPPU/UFPel. E-mail: ligiasfranca@hotmail.com. Bolsista Demanda Social CAPES.
2
Doutor em Ciência Política, Professor Adjunto do Instituto de Filosofia, Sociologia e Política – IFISP da Universidade
Federal de Pelotas – UFPel e Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas – NEPPU/UFPel. E-mail:
hemerson.pase@gmail.com.
Por democracia substantitiva entende-se aquela “democracia de conteúdo, […] vinculada aos
direitos fundamentais e centrada na realização do indivíduo em todas as suas potências. Uma
democracia de limite, de controle, de uso, e de ação do poder político”. Faz-se mister, portanto, que
a democracia substancial não exclui a democracia procedimental, somente pautada no construto do
desenho institucional, esta pode ser encarada como espécie ou meio de alcance daquela (DALLA-
ROSA, 2007, p. 217).
A igualdade formal, de que todos são iguais perante a lei, da democracia liberal pode servir
de fachada para a manutenção de níveis substantivos de desigualdade e de violação de direitos civis.
As desigualdades de riqueza e de poder impedem o alcance da igualdade nas oportunidades
substantivas. Por sua vez, igualdade social sem liberdade política desemboca em ditaduras populares
por falta de competição eleitoral e de respeito aos direitos políticos.
Há ainda outro óbice, de natureza metodológica. Trata-se da dificuldade de encontrar um
padrão de medição que possa ser considerado a essência da democracia “substantiva”. E mais, como
decidir qual das “substâncias” será escolhida sem voltar a cair no proceduralismo? Logo, a
A teoria da cultura política foi fundada por Almond e Verba (1963) com a publicação da obra
The Civic Culture, que adveio do grande esforço baseado no empirismo, ante o contexto vivenciado
na década de 1960 de descolonização africana que gerou entusiasmo para a fundamentação da
Ao abordar a delicada relação entre cultura política e estrutura política, Lúcio Rennó (2008)
nos leva a reflexão quanto a visão da cultura política como instrumento metodológico de análise do
processo democrático, posto que utilizou da linguagem estatística (surveys) para a construção de
subculturas políticas por meio de pesquisas de opinião, como ferramenta de pesquisa e estudo.
Diferentemente da perspectiva exposta por Almond e Verba (1963), afirma a possibilidade da
transição da cultura política por meio de mudanças mediante processo lento e não paliativo, bem
Seria, portanto, uma forma de democracia embrionária, muito distante ainda da democracia
de conteúdo ou substancial. Ora, o papel dos cidadãos na estabilidade ou não e na credibilidade ou
não do sistema democrático vigente é indiscutível (BAQUERO, 2002, p. 119). Contudo, a ausência
de valores e crenças no processo de construção democrática associada a uma cultura política, em
alguns casos, de passividade, de silêncio e sem mobilização gera, “uma democracia técnico-
instrumental, e, num contexto de desigualdades econômicas, de caráter instável” (BAQUERO, 2002,
p. 111).
Nestes moldes, o fortalecimento da democracia na contemporaneidade depende “da confiança
depositada pelos cidadãos nos processos eleitorais e nos sistemas de construção partidária”
(BAQUERO, 2002, p. 106). A desilusão, por parte dos cidadãos, com a política, bem como, a
desconfiança em relação aos seus representantes são elementos desfavoráveis à construção e
solidificação de um regime democrático. São sob essas elucidações que entenderemos os conceitos
modernos de democracia substancial e de democracia procedimental.
O primeiro tipo é o que define a democracia formal como uma “democracia de
procedimentos”, ou seja, o que importa são os meios e os procedimentos utilizados no
processo democrático. Assim, para essa “vertente”, os países são considerados democráticos
se possuírem o sufrágio universal, se houver um sistema partidário organizado, se foram
realizadas eleições regulares e se os mandatos eleitos forem fixos. A ênfase recai sobre
aspectos institucionais: se estes garantirem a expressão política das pessoas, a democracia está
garantida. Já a vertente da democracia substantiva argumenta que não basta apenas a
existência de mecanismos eleitorais para a manutenção da democracia: aspectos econômicos
e sociais influem no resultado dos votos das pessoas. Assim, os defensores da democracia
substantiva afirmam que o voto de um empresário “vale” mais do que o voto de um mendigo,
já que o empresário tem acesso a muito mais informações e oportunidades do que um
mendigo. As condições sócio-econômicas, por influírem no resultado das eleições, também
devem ser consideradas ao se definir as democracias. As desigualdades sociais se refletem em
desigualdades políticas (SILVA, 2014, p. 59).
3
Decidindo sobre a legitimidade da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul na proteção do direito à educação,
assim se posicionou o Supremo Tribunal de Justiça (REsp n. 1.264.116/RS, Min. Herman Benjamin, T2, DJe 13/04/2012):
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À EDUCAÇÃO. ART. 13 DO PACTO INTERNACIONAL
SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. DEFENSORIA PÚBLICA. LEI 7.347/85. PROCESSO
DE TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO. LEGITIMIDADE ATIVA. LEI 11.448/07.
TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. 1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública proposta
pela Defensoria Pública contra regra em edital de processo seletivo de transferência voluntária da UFCSPA, ano 2009,
que previu, como condição essencial para inscrição de interessados e critério de cálculo da ordem classificatória, a
participação no Enem, exigindo nota média mínima. Sentença e acórdão negaram legitimação para agir à Defensoria. (...)
4. A Defensoria Pública, instituição altruísta por natureza, é essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art.
134, caput, da Constituição Federal. A rigor, mormente em países de grande desigualdade social, em que a largas parcelas
da população - aos pobres sobretudo - nega-se acesso efetivo ao Judiciário, como ocorre infelizmente no Brasil, seria
impróprio falar em verdadeiro Estado de Direito sem a existência de uma Defensoria Pública nacionalmente organizada,
conhecida de todos e por todos respeitada, capaz de atender aos necessitados da maneira mais profissional e eficaz
possível. 5. O direito à educação legitima a propositura da Ação Civil Pública, inclusive pela Defensoria Pública, cuja
intervenção, na esfera dos interesses e direitos individuais homogêneos, não se limita às relações de consumo ou à
salvaguarda da criança e do idoso. Ao certo, cabe à Defensoria Pública a tutela de qualquer interesse individual
Considerações finais
Neste regime político de governo do povo para o povo, ao longo das épocas, tem-se
demonstrado certo indício de problematicidade. Anteriormente, a discussão pautava-se sobre a
definição de ser ou não ser a democracia a melhor ou pior forma de regime, já que dúvidas pairavam
acerca das capacidades dos cidadãos de se autogovernaram quando do exercício direto do poder.
Hodiernamente, o dilema volta-se, dado a impossibilidade ou inviabilidade de uma
democracia direta, consoante o caso brasileiro, para o conceito de democracia, fundamentada na
noção de representatividade, aliado à “obediência a um ritual político em que o voto é visto como o
ponto onde se esgota sua participação política” (BAQUERO, 2002, p. 118), porque não sua
participação no poder. Isso porque “apesar de ganhos advindos com o restabelecimento da
democracia, por exemplo, no Brasil – reconhecimento de uma série de direitos sociais, políticos e
civis fundamentais -, isso não significa que a adoção deste regime tenha gerado, por sua natureza,
uma sociedade justa e igualitária” (SILVA, 2010, p. 34).
Experiências significativas para informar a avaliação dos cidadãos a respeito das instituições
referem-se, ao mesmo tempo, a procedimentos definidos pelos arranjos constitucionais, escritos ou
não, baseados em padrões ético-políticos decorrentes do princípio de igualdade de todos perante a lei
e às avaliações práticas mencionadas antes. Ao relacionar desenvolvimento democrático com
cidadania, se estaria abrindo espaços para valorizar a capacidade de os governos democráticos
criarem formas de gerenciamento político que complementem as eleições, recuperando o real
homogêneo, coletivo stricto sensu ou difuso, pois sua legitimidade ad causam, no essencial, não se guia pelas
características ou perfil do objeto de tutela (= critério objetivo), mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos,
concreta ou abstratamente defendidos, os necessitados (= critério subjetivo). 6. "É imperioso reiterar, conforme
precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil
pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei
11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico
brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais" (REsp
1.106.515/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2.2.2011).
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