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FRANCISCO
ALVES
minha
VIDA
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MINHA VIDA
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FRANCISCO ALVES
MINHA VIDA
(AUTO-BIOGRAPHIA)
1 9 3 6
Editora
Brasil Contemporaneo
Rio de Janeiro – Brasil
[Sem número]
[Foto
Dedicatória impressa:
Ofereço a minha idolatrada mãe, como lembranças
de seu filho.
Francisco Alves
Rio – 19-9-921
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morias”, de Humberto de Campos, guardadas as
devidas proporções, o merito de ser “uma licção de
coragem aos timidos, de audacia aos pobres, de
esperança aos desamparados, e, dessa maneira, um
roteiro util á mocidade que a manuseie”.
Afóra essa finalidade, quiz, como accentuei
acima saisfazer a romantica curiosidade da mulher
brasileira, a quem devo as emoções mais
encantadoras de minha longa jornada artistica
pelas ribaltas e pelo radio. Aliás, estou certo de que
ella, pelo menos, saberá compreender a sinceridade
destas paginas, que são um tributo de meu
reconhecimento ao muito que lhe devo.
FRANCISCO ALVES
Minha Infancia
MINHA INFANCIA
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E outra:
Vem cá mulata,
Não vou lá não...
Sou Democrata,
De coração.
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Vem cá mulata,
Não vou lá não...
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Foi nas noites de serenata, quando passeava pelos
pittorescos arrabaldes cariocas, em alegres jornadas
de bohemia e de sonho, que mais fortemente me
identifiquei com o violão.
Os poetas daquelles tempos eram os Cyranos
cujos versos maravilhosos abriam-me os
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Estribilho
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nem esquecerei nunca a delicadeza de sentimentos
desta minha brilhante collega.
Como já disse, segui para S. Paulo com a
Companhia do Sr. Antonio de Souza. Minha estréa
é até ridículo dizer. Foi a seguinte: havia um quadro
na platéa e, eu, entrava , então, nesse quadro, com
uma blusa e um bonet muito velho, dizendo:
–“O senhor está se portando mal recinto. Retire-
se”.
Foi esse o papel com que fiz a minha estréa
nesta Companhia. E só cantei um numero, que
apresentava o final do 1.º acto, naturalmente porque
viram que não tinham outro.
E as indirectas que eu ouvia?
–Oh! como o Castro ninguém faz esses
números! Elle tem uma voz admirável.
A todo o instante ouvia isto. Como precisava
cavar a vida, sujeitava-me a tudo.
Vieram outras peças e, graçs aos meus esforços,
os papeis que me confiavam, agradavam á platéa.
De S. Paulo, seguimos para Curityba.
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Na capital paranaense, fiz algum sucesso.
Demandamos o sul. As piadas continuavam. Não
brigava, esperando dias mais auspiciosos. E elles
chegaram. Despedi-me da Companhia. Tudo
fizeram para que eu ficasse. Ri por ultimo, e, se bem
que minha situação financeira não fosse boa, o
momento era propicio para que eu os mandasse
arranjar substituto. De resto, foi um pouco difficil.
A companhia deixou a cidade e fiquei no hotel a
pensar no que ia fazer. Dei umas voltas em Pelotas.
Fui a Porto Alegre. Organisei espectaculos em
vários cinemas. Arranjei algum dinheiro. Estava
mais ou menos remediado para regressar ao Rio,
quando tive a infeliz idea de jogar. Vi-me
depennado, sem um vintem.
Para embarcar, consegui recursos á custa da
generosidade de alguns amigos, cada um dando-me
o que podia com boa vontade. Comprei uma
passagem de 3.ª classe. Ainda me lembro do vapor
que era da Costeira, o “Itassucê”. Logo que eu
cheguei a bordo o commissario me reco-
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Em toda classe ha gente que fica damnada com
o successo dos outros. Aliás, geralmente essa raiva
não é mais do que o reflexo dos proprios fracassos.
Dias depois da morte de Marques Porto, passei,
por accaso, pelo “Café Opéra”, na Praça Tiradentes.
Alli está installado ha muito tempo a séde do Club
da Má Lingua do nosso theatro.
Convidado por alguns collegas, entrei e sentei
numa mesa, disposto a tomar uma chicara da
rubiacea e ouvir as novidades.
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Mas, ao lado dos elementos sadios e
constructores há, entre nós, alguns “criticos” cujas
pennas são molhadas no tinteiro do despeito.
Há tempos, soffri uma campanha systematica de
um joven poeta e pamphletario nas horas vagas.
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casting” nacional era Mario Reis, meu fulgurante
collega e talentoso official de gabinete do conego
Olympio de Mello.
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– Allô!
– Quem fala?
– Francisco Alves.
– E’ com você mesmo que estou falando?
– Sim, senhorita.
– Meu Deus! Que sorte!
– Sorte foi a minha. E’ um prazer ouvir uma
creatura de voz tão suave.
– Como você é amavel, Francisco Alves.
– O que ordena ao mais humilde de seus creados?
– Eu queria que você me dissesse...
– O que?
– E’ certo que você tem feito soffrer muito as
mulheres?
– Não é verdade. Ellas é que têm jogado foot-ball
com o meu coração.
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– Não creio.
– Faz mal.
– Você quer me marcar um encontro?
– Não, senhorita. Não me julga capaz de crueldades
contra os innocentes represetantes do sexo fraco?
– Precisamente, por isso... Queria fazer uma
experiencia.
– Muito obrigado. Não sou cobaia.
– Chico: Quem é a “dona de sua vontade?”
– Todas as minhas “fans”. A senhorita, por
exemplo, deve ser uma pequena acionista do meu
coração.
– Sabe que gosto muito de você?
– Duvido. A senhorita me conhece?
– Conheço, apenas, a sua voz. Tenho na minha
cabeceira um radio “Pilot”, que está sempre florido
nos dias em que você canta.
– Então não póde gostar de mim.
– Por que?
– Naturalmente. No maximo, me apreciará como
cantor.
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De vez em quando, combinava encontros, mas
no dia marcado achava sempre um pretexto para
adial-os.
Talvez, por isso mesmo, o meu enthusiasmo por
ella crescia, tomava vulto. Além das telephonemas,
passou a me enviar diariamente flores e cartas
perfumadas, escriptas romanticamente, com tinta
roxa.
Depois de grandes difficuldades, uma noite
ficou combinado definitivamente que nos iamos
encontrar na Praia da Saudade. Foi a minha maior
decepção amorosa.
Eu nunca podia imaginar que Julieta, com um
nome tão romantico e uma voz tão dôce, tivesse
uma pelle tão escura e um corpo tão pesado...
Ella parece que notou a má impressão que me
causara e procurou attenual-a, dizendo-me
carinhosamente:
– Não repare, Chico. Estou muito queimada.
Ultimamente tenho abusado dos banhos de sol em
Copacabana!
Minha Correspondencia
MINHA CORRESPONDENCIA
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Francisco Alves:
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[ Foto:
Pery Cunha, Mario Reis, Francisco Alves, Noel
Rosa e Nonô, por ocasião de uma excursão artistica
ao sul do paiz.]
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Francisco Alves:
Tua admiradora
Lais
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Francisco Alves:
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Da admiradora
Odila.
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Francisco Alves:
A minha admiração, o meu enthusiasmo pela tua
voz vem de longe. Foi no “Theatro S. José”,
durante a representação de uma revista,que te ouvi
pela primeira vez. Eu era ainda, garota. Usava
vestido curto e sapato de salto baixo. No momento
em que appareceste no palco, empunhando o violão
e cantaste, eu senti um deslumbramento. Os meus
olhos ficaram humidos de emoção. Nunca eu ouvira
um cantor de voz tão bonita e hamoniosa. Com o
correr vertiginoso dos annos, o prestigio de tua voz
privilegiada cresceu. Fiquei moça. Hoje, estou
casada. O meu marido é joven e rico. Todavia, tem
um temperamento muito differente do meu. E’ um
espírito profundamente materialista. Vivê occupado
e preoccupado com os seus negocios, com a
cotação de suas ações na Bolsa. Quando me queixo
de sua frieza e indifferença, elle costuma dizer que
é um marido, que não me falta nada...
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Francisco Alves:
Não tenho prazer de conhecel-o pessoalmente.
Possuo, entretanto, no meu album, um
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Carmen
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Canta,
que tua voz ardente e moça
faz com que eu ouça,
faz com que eu sinta a meiguice
das palavras que a vida não me disse!...
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Canta
bocca febril que eu não conheço
que nunca me falaste e que me dizes tudo!...
– Ave estranha, de garras de velludo,
entôa para mim
uma canção sem fim!...
Canta
que ao teu canto eu vejo,
em tudo, a quietude atroz
do insatisfeito desejo!...
Canta!
– cada ouvido é um beijo
para tua linda voz!...
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