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Hoje, eu não poderia ter feito o que fiz? A manifestação do Corinthians em prol da
democracia, assim como os Panteras Negras na Olimpíada de 1968, contribuíram para um mundo
melhor
Vivemos tempos estranhos. Comemora-se a intervenção das Forças Armadas no Rio como
se fosse uma solução eficaz e esquece-se de todas as últimas vezes (e não foram poucas nesta
década) que blindados andaram pelas ruas e vielas da cidade e em nada resolveram a questão da
criminalidade. Um extrato privilegiado da população bate no peito sem constrangimento algum
para apoiar um defensor da ditadura (sem falar nas posições do mesmo sobre mulheres e
homossexuais) que figura entre os favoritos na corrida presidencial. Pior, banqueiros o aplaudem
de pé. O que fazer?
Lamentar é a solução mais óbvia. Prefiro enfrentar com diálogo. Afinal, esta é a grande
conquista da democracia. Foi por isso, para ter liberdade de pensar, falar, vestir-se como quiser,
de ter o partido político que preferir e defender as bandeiras em que acreditar que lutamos durante
21 anos. Todas essas manifestações, desde que feitas dentro da lei, com respeito e valores, fazem
parte de uma democracia madura.
Daí a importância do esporte como palco, sim, de discussões políticas. Por que os atletas
deveriam se abster? A democracia dá o direito a donas de casa, cabeleireiros, taxistas,
apresentadores de televisão e também a atletas profissionais de se manifestarem politicamente.
Faz parte do jogo.
Recentemente, recebi críticas e elogios por uma coluna publicada aqui na GQ sobre o
apoio de jogadores de clubes paulistas ao mesmo candidato que cito no início deste texto. Os
críticos me acusaram de tentar censurá-los. Não era isso. A minha posição foi apenas de cobrar
responsabilidade dos atletas, para que fossem claros na defesa de seus ideais políticos. Assim
como, na maioria das vezes, o são quando o assunto é religião.
É preciso valorizar o palco que o esporte oferece. Foi isso que Tommie Smith e John
Carlos, ao repetir o gesto consagrado pelos Panteras Negras, fizeram durante os Jogos Olímpicos
do México, em 1968, ao mostrar o quão urgente era a discussão sobre o racismo. Muhammad
Ali, o maior boxeador de todos os tempos, negou-se a combater no Vietnã justamente por saber
o valor que a decisão de um ídolo do esporte teria em torno do debate da guerra. Mais
recentemente, atletas da NBA demostraram grande insatisfação com o governo de Donald
Trump. Jogadores de futebol americano foram na mesma linha e muitos passaram a se ajoelhar
durante a execução do hino nacional.
Por aqui, lembro sempre da Democracia Corinthiana. Sim, porque junto com
Sócrates, meu grande parceiro, participei dela, e isso me enche de orgulho, mas mais ainda por
acreditar que fomos peça importante para aumentar o coro que exigia o retorno da democracia.
Eu tenho orgulho de ter participado, em 1979, de um show a favor da anistia dos presos políticos.
Também me orgulho de, em 1982, ter feito um show para pedir a redemocratização do país. Eu
tenho orgulho de ter participado do movimento das Diretas Já. E tudo isso enquanto era atleta
profissional, jogador do Corinthians. Por que hoje eu não poderia fazer isso? Quem proíbe o
jogador de participar disso está, indiretamente, apoiando ideias reacionárias.
E o caminho é inverso. Em um momento tão polarizado, extravasar isso é essencial. Só
com o diálogo chegaremos a algum lugar. Espero que o esporte em geral continue exercendo sua
função de servir de palco para ampliar as grandes discussões de um país, do mundo, para além da
diversão.
VIVA A DEMOCRACIA!