EM AULAS DE CIÊNCIAS Mariana Brasil Ramos Henrique César da Silva
1. Controvérsias científicas sob a explícita de contradições ocasionadas pelo
perspectiva dos estudos sociológicos emprego dos conhecimentos provenientes da ciência desses campos, antes tidos como benéficos Pesquisas sobre como se produz o e seguros e, também, pela amplitude que a conhecimento científico tiveram um apropriação midiática dos discursos aumento expressivo durante a década de científicos vinha ganhando há algumas 70, época em que também começa a se décadas principalmente com o rádio e a destacar o enfoque nas controvérsias TV, que voltam a atenção de todos para (Velho & Velho, 2002). Esse aumento está essas questões. provavelmente associado a um momento Para Velho & Velho (2002), os histórico no qual grandes esperanças estudos das controvérsias técnicas e depositadas no desenvolvimento técnico- científicas, no âmbito dos estudos sociais científico passam a serem questionadas, da ciência, emergem como foco de análises tendo como pano de fundo o mal-estar destes referenciais, “pois é mais fácil causado pela associação da C&T à guerra e identificar as influências sociais à agressão ao meio-ambiente, como (interesses e valores) sobre o conteúdo do colocam Auler e Bazzo: conhecimento em situações de disputa do que nas de consenso” (Velho & Velho, Após uma euforia inicial com os 2002, p. 126). Estes autores também resultados do avanço científico e retomam “que o enfoque <nas tecnológico, nas décadas de 1960 controvérsias> permitiria entender a e 1970, a degradação ambiental, maneira pela qual o status do bem como a vinculação do desen- conhecimento científico dependia de volvimento científico e tecnológi- co à guerra (as bombas atômicas, negociações e debates entre as partes a guerra do Vietnã com seu na- interessadas, envolvendo diferentes palm desfolhante) fizeram com segmentos da sociedade” (Velho & Velho, que a ciência e a tecnologia (C&T) 2002, p. 127). Dessa forma, percebe-se se tornassem alvo de um olhar que os interesses dos pesquisadores dessa mais crítico. (Auler & Bazzo, área voltam-se para a identificação das 2001, p. 1). relações de produção do conhecimento Nesse cenário, também começam a técnico-científico dentro da sociedade e se tornar mais comuns os estudos de suas influências e interferências mútuas, controvérsias tecnocientíficas, talvez, enquanto atividades sociais. exatamente, por essa emergência tão Narasimhan (2001) define controvérsia científica “como uma disputa tratem de características inerentes à conduzida publicamente e mantida academia (teorias, métodos, regulação persistentemente, sobre um assunto de entre pares, publicações, hipóteses, entre opinião considerado significativo por um outras), ele utiliza a categoria “fatores número de cientistas praticantes” epistêmicos” que influenciam o (Narasimhan, 2001, p. 299). Esse autor andamento das controvérsias ainda destaca três implicações dessa (Narasimhan, 2001). E, quando se refere definição: levando em conta o período de às questões que seriam externas à duração da controvérsia, esta é levantada dinâmica dessa comunidade, e, mesmo como um evento histórico e, por assim influenciam os debates técnicos conseqüência, sua análise deve ser (mesmo que os técnicos em questão não os histórica; a controvérsia levanta o desejo reconheçam enquanto importantes) ele dos envolvidos em demonstrar os bons utiliza a categoria de “fatores não fundamentos das suas alegações epistêmicos” para classificá-las. epistêmicas e estas trazem certos valores; Destacamos que apesar do autor, e, uma controvérsia científica é um evento nesse artigo, trabalhar com a idéia de público (Narasimhan, 2001). Sobre essa como os fatores não epistêmicos (externos última implicação, complementa: ao meio científico) influenciam em maior ou menor escala o andamento das Nenhuma discordância, mesmo controvérsias, ele se detém, através de que profunda, pode adquirir o suas análises, na influência desses fatores status de controvérsia a menos no modo de pensar dos cientistas, dando que haja um envolvimento ativo da comunidade <científica>. A destaque ao papel dos mesmos nas natureza protraída de uma con- mudanças que estes desencadeiam no trovérsia a investe de um caráter mundo dos especialistas, técnicos e histórico e a participação da co- cientistas: ascensão e rejeição de teorias; munidade <científica> dá a ela mudanças metodológicas; maior ou menor uma dimensão social crucial. O status conferido dentro de uma academia conflito de alegações epistêmicas faz dela um evento cognitivo. As- a esse ou àquele pesquisador. As sim, uma controvérsia congrega mudanças que ocorrem dentro da toda uma gama de forças que im- academia poderão, também, desencadear pulsiona a ciência para frente. mudanças num âmbito social mais amplo. (Narasimhan, 2001, p. 299). Porém, nesse trabalho, não se observam tanto outras instâncias que influenciam e Essa definição pode situar as são influenciadas pelas controvérsias controvérsias científicas dentro de uma científicas. Essa visão mais internalista visão internalista: elas dizem respeito à delineia bem o caráter “científico” de tais academia e trata-se de conflitos debates, suas influências na academia e na acadêmicos, no sentido de restringirem-se produção de conhecimento acadêmico, à comunidade científica. Sofrem, porém, constituindo um dos vieses de estudo de influências de fatores externos e internos controvérsias no âmbito da sociologia da ao meio acadêmico. Quando esse autor se ciência. refere às influências de questões que Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
Um esforço de inserção destes atividades técnico-científicas como
estudos em salas de aula de ciências, práticas sociais imersas num sistema de mesmo considerando as limitações que o embates políticos e culturais mais amplos, ensino formal possa impor a este tipo de essa análise tende a tornar-se parcial. Sob prática, pode significar alguns avanços na nossa perspectiva, em CTSA, não se trata busca da construção de uma visão de avaliar as influências da sociedade na diferenciada de C&T por parte dos comunidade científica, mas sim, de estudantes. Uma abordagem das repensar essas barreiras e limites entre o controvérsias, mesmo que numa “externo” e o “interno”. O termo perspectiva mais internalista pode ajudar “científicas” só contribui para relegarmos a problematizar idéias de neutralidade, às mãos de especialistas controvérsias que objetividade e imutabilidade dos são, no fundo, sociais. Estando a ciência conhecimentos científicos, tão presentes intrinsecamente enraizada na sociedade nas concepções de estudantes acerca de estará também a comunidade científica conhecimentos técnicos e científicos envolvida nos debates de questões (Castelfranchi et al, 2002). relacionadas à mesma. Mas, esse Como exemplo, Narasimhan (2001) enraizamento na sociedade não significa discute a controvérsia debatida entre os automaticamente a inclusão de outras cientistas Charles Darwin e Louis Agassiz, vozes e outros atores que não apenas os sobre as “origens geológicas das marcas cientistas no caráter público das paralelas nos lados de algumas montanhas controvérsias. em Lochaber, Escócia, também conhecidas A diferença da abordagem de Nelkin como as estradas paralelas de Glen Roy” (1989) sobre controvérsias científicas e (Narasimhan, 2001, p. 301). Ele traz uma tecnológicas fica evidente pelos próprios narrativa sobre como os conflitos assuntos que aborda para análise: emergem, lista os atores envolvidos construção de um aeroporto numa área (cientistas), apresenta trechos de cartas e metropolitana no Canadá, alocação de lixo publicações originais sobre as questões e nuclear proveniente de usinas, utilização outras análises prévias sobre o fato. de tecnologia de DNA recombinante nas Tomando como exemplo essas análises, pesquisas científicas. Essas controvérsias poder-se-ia discutir, a partir de seus (que são compreendidas como técnico- estudos de caso, as negociações que são científicas pelo envolvimento de travadas no âmbito acadêmico para a especialistas na constituição da tomada de consolidação, recusa e proliferação de decisões políticas sobre esses assuntos) conhecimentos científicos. O acesso às podem ser entendidas, à primeira vista, argumentações produzidas por cientistas como “controvérsias sociais”, ou mesmo em situações de divergência e conflitos no “controvérsias políticas”. processo de produção de conhecimentos Quando se amplificam as relações pode significar uma importante entre os conhecimentos científicos e as contribuição desses estudos para o ensino decisões políticas que envolvem um maior de ciências. grupo social (como a comunidade que vive Por outro lado, se pensarmos as na região onde vai ser depositado lixo tóxico), as barreiras entre os estabelecidas entre Ciência, Tecnologia, conhecimentos científicos e uma Sociedade e Ambiente, ainda influencia de população de não-especialistas que maneira importante alguns modos de necessita desses conhecimentos para olhar para essas instâncias. Dessa forma, decidir sobre seu futuro correm o risco de concordamos com Martin & Richards cair por terra. Nessa abordagem, as (1995) quando afirmam que: relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente parecem se tornar Tradicionalmente, o especialista mais explícitas, dando margem para ações neutro, desinteressado e objetivo foi promovido – nem tanto pelos educativas em outra perspectiva. próprios cientistas – como árbitro Em nosso país existe uma cultura racional e autorizado de disputas historicamente constituída de delegação públicas sobre assuntos científi- de decisões às mãos de especialistas e cos e técnicos. Mas esse velho ide- políticos. Acreditamos que essa cultura al de apelação aos fatos e sua in- seja reforçada de forma significativa pelos terpretação por expertos credibili- zados tem sido erodido pelas cres- modos como somos formados em ciências, centes limitações óbvias dos espe- muitas vezes, sob uma abordagem cialistas e do conhecimento espe- positivista de C&T. Sob a perspectiva cializado para resolver assuntos positivista, C&T podem ser entendidas de controvérsia pública. Há agora como atividades objetivas e neutras que uma percepção pública difundida envolveriam a construção de um saber de que os especialistas podem dis- cordar e discordam, de que eles racional, baseado exclusivamente em não são infalíveis em virtude de evidências empíricas. Esse saber visaria à seu acesso especialista a alguma busca de uma verdade. Essa função de metodologia científica rigorosa busca seria designada a um grupo social que pode garantir sua objetivida- definido – os cientistas – capazes de, de e que seu aconselhamento “de- através da utilização de um método, sinteressado” pode ser influencia- do por considerações profissio- descrever a realidade tal como ela é, nais, econômicas ou políticas. independentemente de suas crenças e (idem, p. 506) valores, seus posicionamentos ideológicos, . suas posições sociais. E, com Martin (2000), quando Acreditamos que esse modo de olhar afirma que: a produção científica – o viés positivista – não dá conta de explicar as diferentes É lugar comum nos estudos da ci- influências que o conhecimento científico ência que ‘ciência’ e ‘política’ es- tão interligados, com, por exem- sofre e imprime pela/na sociedade. Essa, plo, conhecimento científico sen- porém, é a visão mais difundida, ainda do moldado por fatores sociais e hoje, acerca da C&T, inclusive no que diz tomadas de decisão sendo influ- respeito ao seu ensino, ainda que enciadas por alegação de conheci- indiretamente. E, apesar de compreender mento, e até pela distinção con- ceitual ser rejeitada. Contudo, há que ela vislumbre apenas uma parcela da uma percepção de grande alcance enorme complexidade de relações fora dos estudos de ciência de que Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
conhecimento científico é ampla- listas se tornam envolvidos. E
mente autônomo em relação a in- muitos deles se tornam envolvi- fluências sociais, uma percepção dos não só como consultores ou alimentada por ‘trabalho de fron- supridores de conhecimentos es- teira’ através do qual os cientistas pecializados, mas como defenso- procuram distinguir ‘ciência’ de res ou oponentes abertos e com- ‘não ciência’ e fixar reivindicação prometidos de um lado ou do ou- de autoridade exclusiva sobre do- tro, como participantes ativos do mínios de conhecimento. (idem, debate. (Martin & Richards, 1995, p. 207). p. 506).
Dessa forma, os debates científicos Nesse contexto, destacamos que
passam a ser pensados num outro nível de apesar de termos até então, tomado como circulação: discussão de problemas locais, exemplos controvérsias da ordem de esferas governamentais, veiculação políticas públicas, acreditamos que a midiática, entre outras instâncias tomada de decisões não seja uma ação envolvidas na consolidação de exclusiva desses momentos. Desejamos controvérsias que deixam de ser apenas lembrar que tomamos decisões que científicas e passam a ser controvérsias envolvem conhecimentos sobre C&T públicas que são largamente, mas não cotidianamente, também, em escala mais apenas, influenciadas por especialistas das individual: ao aceitarmos nos submeter a áreas científicas. Ou, talvez... que uma medicação indicada por um emergem como controvérsias públicas e especialista em medicina; ao adotarmos ganham o status de científicas pelo hábitos de diminuição de consumo; ao envolvimento de especialistas nas comprarmos um novo telefone celular; ao possíveis tomadas de decisões. Sobre essa utilizarmos camisinhas como método de questão, Martin e Richards pontuam que, prevenção de doenças facilitadas pelo sexo. Todas essas decisões podem ser O central e crescentemente dispu- baseadas em conhecimentos técnico- tado papel da ciência e tecnologia científicos que podem, também, ser alvo na sociedade moderna fez surgir de controvérsias. uma amálgama de controvérsias científicas e públicas sobre os as- É importante lembrar que até suntos científicos e técnicos. Es- mesmo a definição de uma controvérsia é sas controvérsias freqüentemente motivo de controvérsia. Segundo Velho & têm implicações sociais, políticas Velho (2002), para alguns autores, trata- e econômicas profundas e, mais e se de uma discussão entre duas partes mais freqüentemente, elas carac- envolvidas sobre determinado assunto, na terizam desacordos públicos entre expertos científicos, técnicos e qual estão em jogo suas crenças e médicos. Quer o confronto ocorra argumentações, visão que situa a sobre o controle da AIDS, sobre a controvérsia num domínio mais cognitivo introdução proposta da ‘pílula de ou psicológico. Para outros, porém, as aborto’, sobre se a ‘fusão a frio’ controvérsias não podem ser separadas de existe, sobre a localização de um um contexto cultural mais amplo, sendo, aeroporto, ou sobre as implica- ções do ‘efeito estufa’, os especia- portanto, fenômenos sociais, historicamente determinados. 2000) é possível estabelecer uma Acreditamos que o enlace entre essas duas dinâmica que desmitifica o conhecimento visões possa ser o caminho mais efetivo na científico enquanto conhecimento estático, busca desta definição. Como colocado não-histórico e independente de relações anteriormente, há dimensões sociais políticas. As análises de situações de importantes e há dimensões cognitivas e controvérsias científicas oferecem a psicológicas também importantes, que sustentação para a idéia de que os influenciarão a emergência e o conhecimentos científicos, para além de desenvolvimento de uma controvérsia. De um conjunto de corpos teóricos qualquer modo, é importante destacar que estabilizados e aceitos pela comunidade há um “algo mais” no envolvimento dos científica, estão sempre, sempre em especialistas (técnicos e cientistas) em debate, regidos por mecanismos de questões controversas que vai além da regulação pouco “assumidos”, ou mesmo, oferta de um “conhecimento verdadeiro” percebidos pela própria comunidade que possa confirmar ou descartar uma científica. Os Estudos Sociais sobre hipótese ou trazer um final às questões. E, controvérsias visam a explicitar esses nesse sentido, alguns estudos de caso mecanismos de negociação (Velho & provenientes dos estudos de controvérsia Velho, 2002), que envolvem podem ser importantes, se conduzidos à posicionamento político, levantamento de sala de aula: demonstrando o quão verbas, emoções humanas, entre outros efêmeras, mutáveis, incompletas podem fatores que também contribuem para a ser as certezas dos conhecimentos construção dos conhecimentos científicos, científicos (como todas as outras certezas) tidos, mais comumente, como neutros, e que, de qualquer forma, influenciarão de objetivos, racionais – livres de valores maneira significativa o modo como humanos (Martin & Richards, 1995). Ao julgaremos todos esses conhecimentos na mesmo tempo, alguns Estudos de hora de definir nossas ações perante a Controvérsias levantam as influências vida. destas em seu entorno social e também, reciprocamente, indicam o papel das atividades científicas na 2. Uma tentativa de articulação entre os estudos sociológicos de manutenção/modificação de nossa controvérsias científicas e sociedade (Nelkin, 1989; Martin & abordagens educacionais Richards, 1995). Indo ao encontro destes, ou mesmo, Esses trabalhos no âmbito dos tendo alguns desses estudos como base, estudos sociológicos da ciência permitem algumas linhas de ensino de ciências um olhar mais abrangente para as questionam as formas como esse vem atividades científicas e suas relações com a sendo historicamente articulado, sociedade. Ao conceber as atividades exatamente por propagar visões de ciência científicas como elementos que compõem enraizadas em pensamentos positivistas, as relações sociais, ao invés de percebê-las desprezando, muitas vezes, as dimensões como atividades paralelas diferenciadas e sociais – e, portanto, humanas – que fora do contexto dessas relações (Martin, Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
influenciam a construção do atividades científicas, que podem ser
conhecimento científico e, da mesma abordadas, entre dois extremos: enquanto forma, os modos de influência das práticas “produto”, ou enquanto “processo”. científicas no cotidiano de não- Segundo ele, especialistas das áreas científicas (Angotti & Auth, 2001). Nesse sentido, já há várias Aqui se situam as polêmicas a res- décadas, muitas propostas para o ensino peito das alternativas de como apresentar a Ciência na situação de ciências vêm sendo desenvolvidas, com de ensino: como um acervo de co- objetivos educacionais amplos, como a nhecimentos acumulados, já capacitação de estudantes para tomada de prontos, acabados ou não, e/ou decisões públicas sobre ciência e como processo de produção de tecnologia (C&T), o desenvolvimento de novos conhecimentos. Quanto à um “espírito de criticidade” ao analisar as própria visão de processo, há tam- bém discordâncias sobre se deve- questões referentes à C&T, ou mesmo, a mos apresentá-lo somente em ter- busca de conhecimentos específicos das mos de procedimentos e raciocí- áreas científicas e tecnológicas que nios científicos ou se, também ou instrumentalizem esses estudantes a exclusivamente, tratar da evolu- discutir C&T. ção da Ciência com sua contextua- De certa maneira, no âmbito dos lização histórica e suas relações com a sociedade. (Amaral, 1998, estudos e pesquisas sobre o ensino de p. 203). ciência, essas questões estão envolvidas nos debates sobre processo e produto na Esses modos de apresentação do constituição dos currículos escolares. ensino de ciências acabam favorecendo a Kuhn (1995) já observava que a formação adoção de determinadas visões de C&T, do cientista possui uma característica dentre elas, uma de grande circulação peculiar em relação à formação de outros entre as sociedades ocidentais que profissionais: eles não são expostos, estabelece uma relação direta entre durante sua formação, a componentes do desenvolvimento científico, tecnológico e processo de produção do conhecimento social – um modelo linear/tradicional de científico, mas exclusivamente a seus desenvolvimento, que, segundo Bazzo et produtos ou a visões muito distorcidas dos al (2003), consistiria na crença de que modos como esses conhecimentos foram quanto mais ciência se desenvolve, mais constituídos historicamente. Já apontava tecnologia se desenvolve, o que acabaria ainda, que os manuais científicos têm um desencadeando, por conseqüência, maior papel fundamental nesse processo que desenvolvimento social. apaga a historicidade do conhecimento Além disso, há também uma crença científico. difundida de que o conhecimento No ensino de ciências, Amaral (1998) científico ocupa uma posição hierárquica já levantava controvérsias na área no que diferenciada em relação a outros diz respeito ao modo como poderia se conhecimentos, o que conferiria aos configurar o ensino de ciências, refletindo cientistas uma certa autoridade – e poder diferentes maneiras de compreensão das – para resolver determinados conflitos através desse corpo de conhecimentos capacitação dos estudantes para tomadas (Martin, 2000). de decisões em suas vidas cotidianas em Pesquisadores da área de educação questões e situações que envolvam ciência em ciências, apropriando-se de estudos e tecnologia (C&T). provenientes das áreas de ciências sociais, Num momento em que C&T antropologia e epistemologia, vêm tornaram-se ícones de consulta para a apontando a fragilidade desses discursos grande maioria das decisões tomadas em que circulam amplamente em nossa nível governamental, constituindo-se sociedade e acabam atravessando e como esferas de poder dominantes nos constituindo discursos e práticas mais variados processos em que a escolares, influenciando configurações participação pública não tem sido regra, curriculares, seleção de recursos e modos torna-se indispensável um outro modo de de leitura da ciência. se pensar o ensino de ciências e Essas considerações críticas tornam- tecnologias... um modo que revele um se ainda mais relevantes numa fase pouco mais desse “fazer ciência e histórica em que C&T permeiam tecnologia” e que, talvez, contribua para praticamente todos os modos de viver da amenizar um processo histórico bastante população como um todo e que, ao mesmo enraizado de “mitificação da ciência”. tempo, esta população parece ser cada vez Sobre essa mitificação, Amaral (1998) mais bombardeada por assunções acerca também levanta a presença de outras do conhecimento científico e tecnológico, controvérsias nas discussões presentes nas até mesmo dada sua ampla circulação, e pesquisas em ensino de ciências. De que o situam numa esfera inquestionável acordo com ele, (pois, neutro, objetivo, retrato fiel da realidade, como vem sendo divulgado), em Discute-se a validade de apresen- que o atrelamento de questões e tar a Ciência, na situação escolar, com suas incertezas, limitações, conhecimentos que envolvem C&T a ambigüidades e como fruto de relações de consumo parece ser cada vez uma ação coletiva e de um contex- maior, como também seu atrelamento a to histórico. Em outras palavras, formas de participação pública em estão aqui presentes os diversos decisões político-sociais. aspectos relativos às relações en- A questão das controvérsias no tre Ciência, Tecnologia e Socieda- de. (Amaral, 1998, p. 203) ensino de ciências pode ser enquadrada, assim, como parte de um debate mais Diante dessas colocações acerca do amplo em que está em jogo a necessidade ensino de ciências, seria possível trabalhá- dos discursos e práticas escolares lo de maneira a suprir algumas das trabalharem sentidos sobre a ciência, e indagações levantadas, buscando uma não apenas sentidos e significados da apropriação mais crítica, por parte dos ciência. Envolve-se também na estudantes, das diversas facetas de C&T? perspectiva de pensar em objetivos Acreditamos que muitas respostas vêm educacionais mais amplos que apreensão sendo construídas, dentre as quais, de conteúdos científicos, como a poderíamos citar: a inserção de tópicos de Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
história e filosofia da ciência nos do modo de trabalho interno da
currículos; algumas abordagens ciência, em particular, uma intro- dução de uma nova teoria científi- provenientes de estudos CTSA; ca e sua relação com a experimen- abordagens temáticas baseadas nos tação. Mostrando os resultados ci- referenciais da educação progressista de entíficos como questões passíveis Freire e, também, na alfabetização de debate, mais similares a outras científica francesa (como as propostas atividades humanas que são mais temáticas das Ilhotas de Racionalidade de fáceis de se compreender, como um debate político ou um proce- Fourrez) e, a modificação nos modos de dimento de julgamento, que pode funcionamento da leitura de textos e acender um interesse pela ciência imagens no ensino de ciências (Almeida, em alguns estudantes. Finalmen- 1998; Silva, 2005). Outra perspectiva, te, há um aspecto pragmático nis- diríamos mais recente, mas so também: olhar de diferentes historicamente descendente dessas perspectivas para um conceito ci- entífico pode facilitar sua compre- questões e debates que já têm décadas, ensão. (Kipnis, 2001, p. 33). seria a inserção, no ensino de ciências, dos debates decorrentes de controvérsias Nesse trabalho, Kipnis discute, científicas. Perspectiva, cuja análise a através da apresentação de duas partir da revisão bibliográfica realizada, controvérsias que envolvem o físico apresentamos no próximo tópico. Alessandro Volta, a relação estabelecida comumente no ensino de ciências de que 3. Pesquisas sobre controvérsias uma teoria substituiria a outra por científicas em Educação em Ciências explicar fenômenos não explicados por outras teorias. Ele argumenta que “o A proposta de se trabalhar as pressuposto por trás <deste tipo de controvérsias científicas em sala de aula é explicação> é que certos experimentos relativamente nova. Pouco disseminada, naturalmente suportam uma teoria e talvez, porém já existem trabalhos que contradizem outras” (Kipnis, 2001, p. 33) sugerem esse tipo de abordagem no que se e debate, ao longo do trabalho a refere ao ensino de ciências. Alguns pertinência da apresentação daquelas autores já apontam, por exemplo, as controvérsias, como uma possibilidade de vantagens que essa abordagem pode problematização desse tipo de explicação, proporcionar ao ensino, como é o caso de através da reprodução e discussão, em sala Kipnis (2001), que acredita que de aula, de alguns desses experimentos. Esse modo de trabalho parece Uma discussão aprofundada de promissor no que diz respeito ao debate de controvérsias científicas em sala características intrínsecas ao trabalho de aula é uma das melhores ma- neiras de utilizar o tempo limita- científico: a credibilidade das do de que os professores dispõem experimentações, os conflitos teóricos para usar a história da ciência no desencadeados pelas mesmas, a ensino de ciências. Acompanhar convivência simultânea de mais de uma um debate científico pode melho- teoria e, também, as incoerências teóricas rar a compreensão dos estudantes muitas vezes aceitas pela comunidade específicos da atividade proposta, científica. Ao mesmo tempo, o próprio objetivos mais amplos nos quais baseiam autor reconhece que existem “fatores sua compreensão da importância da humanos” que não são trabalhados na discussão das controvérsias: proposta. A nosso ver, a descontextualização Esses dilemas sobre questões só- do que o autor chama de “fatores cio-científicas abrem uma nova li- nha de investigação em didática humanos” do trabalho científico prejudica, das ciências. Na nossa opinião a de certa forma, a consolidação de uma alfabetização científica é um re- visão socialmente mais abrangente do quisito para o pensamento crítico trabalho dos cientistas. Ainda que se e prepara os estudantes para contribua para uma compreensão do construir seu próprio discurso e conhecimento científico que não o tenha para participar na tomada de de- cisões, especialmente sobre ques- como estático, final, ou, um retrato fiel da tões em que as conexões entre ci- realidade, esse tipo de relação ainda ência e sociedade se manifestam parece manter à parte as dimensões mais claramente. (Agraso & Ale- políticas envolvidas nessas práticas. E, xandre, 2006, p. 44). como percebemos essas dimensões como cruciais para que os estudantes Nesse sentido, os autores levantam compreendam também os seus papéis objetivos que já englobam um outro olhar como sujeitos que podem interferir nos para o ensino das ciências: os rumos desses modos de produção e/ou conhecimentos científicos são também utilização de conhecimento, acreditamos instrumentos através dos quais os que se possa buscar outros modos de estudantes podem debater as questões que trabalho que as inclua de maneira mais os envolvem explicitamente em diversas enfática. Outros autores também apostam situações sociais e se preparar para na discussão de controvérsias em sala de participar de tomadas de decisão. aula, utilizando-se do termo “dilema Os autores destacam que trabalhar ético”. Agraso e Alexandre (2006) “investigações de grande impacto social propõem aos estudantes o debate sobre implica a participação da cidadania na clonagem terapêutica, através da leitura tomada de decisões sobre questões que de textos de divulgação e de originais de afetam sua vida e, por isso, convergem cientistas, buscando, através dessas para o desenvolvimento do pensamento atividades, “comprovar o nível de crítico” (Agraso & Alexandre, 2006, p. 45). compreensão dos estudantes; comprovar Uma proposta da discussão de dilemas se existem diferenças na compreensão de éticos pode estimular o desenvolvimento artigos escritos por cientistas e por de um pensamento crítico por parte dos jornalistas; examinar sua <dos alunos, mas, apenas a apresentação estudantes> percepção das dimensões destes, pode não contribuir efetivamente éticas desses dilemas” (Agraso & para esse desenvolvimento. Os modos de Alexandre, 2006, p. 47). Esses autores trabalho dessa proposta podem contribuir pontuam, além desses objetivos apenas para que os estudantes compreendam os conhecimentos Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
científicos envolvidos nas questões. Por abordagem positivista das controvérsias.
outro lado, a separação de “dimensões”, Nessa perspectiva, o conhecimento como éticas, sociais, normativas e científico não é questionado e a científicas também desencadeiam uma controvérsia só perdura porque o fragmentação do assunto e, novamente, conhecimento científico necessário para o corre-se o risco de super-valorizar a esclarecimento da questão ainda não pôde dimensão científica, tomando-se esse ser alcançado. Assim, o conhecimento discurso como um fator decisório mais científico “puro” também pode ser válido em relação aos demais. compreendido como aquele que colocaria Num artigo que descreve uma um ponto final à questão. Isso poderia proposta de inserção da controvertida implicar no negligenciamento de outras questão “está havendo uma mudança questões e dimensões envolvidas nas climática na Terra?” numa disciplina de controvérsias que estariam implícitas bacharelado, Juan (2006) discute a nessas questões científicas, como, por necessidade da abordagem do tema, exemplo, as influências das indústrias levantando algumas justificativas, quais relacionadas à produção e consumo de sejam: a possibilidade de se trabalhar combustíveis fósseis, como a indústria interdisciplinarmente – mesmo que, nesse petrolífera, nos trabalhos científicos sobre artigo, ele se refira apenas às disciplinas esse tema (através de patrocínio, pressões científicas, como física, biologia e institucionais etc). Tomando esse fator geologia; a necessidade de se trabalhar um como exemplo, uma das atividades tema que pode influenciar os modos de propostas por Juan (2006) consiste na vida das pessoas e que, talvez, no futuro, análise crítica dos artigos originais de seja motivo de decisões políticas e cientistas sobre a questão. Se essa análise econômicas; e a necessidade de que o for conduzida para além da avaliação dos público esteja informado e consciente argumentos científicos, mas também, quando for necessário tomar algum tipo envolver uma investigação sobre os de decisão. próprios autores, as instituições a que As atividades sugeridas apontam pertencem, seus países de origem etc, para o estudo dos conhecimentos talvez outras facetas que envolvem a científicos disponíveis sobre o tema e, questão sejam mais bem exploradas. também, para o estudo dos processos de Nesse sentido, cabe destacar duas outras decisões sobre controvérsias científicas. atividades sugeridas por esse autor: a Sobre esse último, o autor levanta que investigação do papel do Painel “devido ao nosso conhecimento limitado Internacional sobre Mudanças Climáticas sobre o funcionamento da atmosfera e da (IPCC) e do Protocolo de Kioto. A análises Terra como um todo, não é possível tomar desses documentos podem contribuir no uma postura unificada por parte da sentido de explicitar os papéis dos comunidade científica” (Juan, 2006, p. especialistas nas tomadas de decisão, os 69). Essa visão coincide bastante com o papéis de outras instituições, os que Martin e Richards (1995) apontam conhecimentos em jogo, as relações de como uma característica de uma poder implícitas, entre outros. Uma outra maneira de se enfocar as (2004) apontam que, quando pensam nas controvérsias é discutida por Reis & discussões sobre controvérsias, não Galvão (2004), num trabalho que buscou acreditam que os conhecimentos identificar as concepções de estudantes de científicos e tecnológicos devem ser ensino médio sobre os cientistas. O apresentados como inquestionáveis, mas trabalho foi desenvolvido através de um sim, que o debate conduzido com os questionário, entrevistas e redações sobre estudantes pode auxiliá-los na o tema, que contribuiu para que os autores compreensão dos papéis dos especialistas constatassem que há uma influência nesses embates. Além disso, destacam, marcante da mídia (principalmente da como resultados dessa pesquisa, como as televisão e do cinema) na formação das controvérsias científicas que vêm a idéias que os estudantes têm sobre o público, principalmente retratadas pela trabalho científico e, também, sobre as mídia, podem influenciar as concepções próprias controvérsias. Os autores dos estudantes sobre C&T. Em suas levantam que os estudantes possuem palavras, essas controvérsias parecem imagens bastante “distorcidas” das contribuir para: práticas científicas e associam essas imagens, principalmente, aos sentidos 1. construir uma imagem de ciên- atribuídos pela televisão. Por outro lado, cia e tecnologia como atividades influenciadas por valores hierár- os próprios autores não definem de forma quicos, de conveniência pessoal, explícita o que seria uma imagem questões financeiras e pressões “adequada” do trabalho científico, sociais; 2. reforçar a idéia de que parecendo, muitas vezes, que eles o ciência e tecnologia representam tomam como um trabalho em que suas uma fonte tanto de progresso maneiras históricas de construção, por si como de preocupação ao mesmo tempo, e que deveria ser regrada só, impliquem necessariamente em sua por princípios morais e éticos; e 3. maior valorização. Percebemos também, reconhecer como é importante nesse artigo, em diversos momentos, a que os cidadãos e o Estado parti- necessidade de se diferenciar “ciência” de cipem, acompanhando, acessando uma “pseudociência” que estaria sendo e controlando o progresso científi- apresentada pela mídia, no sentido de co e tecnológico e suas implica- ções. (Reis & Galvão, 2004, p. contribuir para fortalecer essa filiação de 1631). sentidos pelos estudantes em que a diferença se transforma em qualidade. Nesse trabalho já é mais explícita Controvérsias que envolvem uma preocupação com o controle público, conhecimentos científico-tecnológicos ou participação pública nos processos muitas vezes envolvem também outros decisórios que envolvem C&T. Apenas a conhecimentos e saberes, mas de papéis discussão midiática com a qual a maioria não menos importantes na condução, dos estudantes havia entrado em contato desenvolvimento e tomadas de decisões já passa a despertar a formação de nas questões envolvidas (Wynne, 2005). opiniões sobre essas questões. O que Ao mesmo tempo, Reis e Galvão aponta um caminho de pesquisa ainda Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
pouco explorado: a leitura de textos entendimento da ciência por parte do
audiovisuais, principalmente da TV, em público. Ressalta ainda, que o situações de ensino em sala de aula estabelecimento de um diálogo entre os envolvendo questões de controvérsias cientistas e o público é fundamental, pois científico-tecnológicas. ambos são afetados pelos modos como se O papel dos meios de comunicação relacionam. Em suas palavras: de massa, principalmente da TV na formação de representações, valores, Membros do público podem não conhecimentos e saberes pelos estudantes estar num laboratório de pesquisa trabalhando com transcrição de vêm sendo levado em consideração em fatores e expressão de proteínas, diversas pesquisas na área. Mas poucas ou, no campo, reconhecendo di- têm efetivamente analisado o nâmicas de ecossistemas, mas funcionamento desse recurso em sala de eles estão de forma importante aula. envolvidos com ciência em vários De fato, em se tratando de níveis. A disponibilidade de fun- dos públicos para pesquisa, as leis controvérsias científico-tecnológicas, no que restringem certos tipos de seu necessário caráter público para ser pesquisas e o mercado de aceita- definida como tal, como já apontamos, no ção de produtos, todos afetam o contexto histórico-social atual, não se curso da ciência. (Hines, 2001, p. pode desconsiderar a relação com os 190). meios de comunicação. Uma relação É interessante apontar que se constitutiva, em que tais meios, como a explicita, nessa discussão, que não apenas TV, não são meras vitrines dos fatos que a sociedade é afetada pelo trabalho ocorrem em outro lugar, mas lugar da técnico-científico, mas que, também, a constituição e desenvolvimento das recíproca é verdadeira. Na análise dessa próprias controvérsias e de muitas dos relação, muitas vezes, os trabalhos dos aspectos a elas associados. Trata-se de especialistas são tidos como autônomos e uma perspectiva de pesquisa promissora e livres de influências públicas, o que ainda muito pouco desenvolvida, a que contribui para conformar um sentimento considera questões de discurso e de passividade perante as questões linguagem na relação com a perspectiva técnico-científicas, por parte do público CTSA. leigo, por parte dos estudantes. Um outro modo de discussão das Num outro trabalho sobre os debates controvérsias científicas é apresentado por em torno da questão se os telefones Hines (2001): um website destinado à celulares são perigosos à saúde, Albe discussão em rede, direcionado a (2006) levanta algumas questões estudantes, sobre a controvérsia de pertinentes ao se pensar na inserção de organismos geneticamente modificados. controvérsias tecnocientíficas em sala de Essa autora defende a possibilidade de aula. Questões estas que parecem tentar discussão de aspectos éticos, morais e demarcar as intenções do trabalho políticos das controvérsias e, também, pedagógico ao introduzir esses temas uma possibilidade de um maior polêmicos em aulas de ciências. A introdução das controvérsias apontando, no que diz respeito à sua influência nas filiações de sentidos dos Favorece a aprendizagem? Trata- estudantes, seriam: favorecer uma se de argumentar para aprender? construção de sentidos mais ampla e Para convencer? Para tomar uma próxima de uma realidade histórica sobre decisão? Para refletir sobre o tema em questão? Sobre a ativida- as práticas científico-tecnológicas, de proposta? Para analisar, criti- consolidando, também, uma visão mais car resultados, ideologias e posi- abrangente do trabalho dos experts ções opostas?... o papel do profes- (Kipnis, 2001; Reis & Galvão, 2004); sorado no debate também se colo- favorecer uma visão dos conhecimentos ca em questão: deve dar sua opi- científicos como não estáticos, passíveis de nião pessoal? Que opções didáti- cas escolher? Que recursos utili- debate e mudança (Kipnis, 2001; Agraso & zar? Que saberes de referência le- Alexandre, 2006), aproximando-o de var em conta? Que estratégias di- outras formações discursivas (como o dáticas elaborar? (Albe, 2006, p. discurso político, o econômico); ajudar os 96). estudantes a construir seus próprios discursos sobre as questões de C&T Algumas dessas questões já vêm (Agraso & Alexandre, 2006); trabalhar sendo discutidas ao longo deste item e interdisciplinarmente (Juan, 2006), outras permanecem em aberto, apontando estabelecendo relações entre os discursos alguns caminhos para a continuidade de de diversas áreas de conhecimentos sobre nossa pesquisa, que envolvem reflexões C&T; contribuir para trabalhar as relações sobre os objetivos e possibilidades entre aproximação entre as formações metodológicas para a inserção de práticas discursivas científicas e as dos estudantes pedagógicas que se pautem no debate das de ciências (Hines, 2001). controvérsias em aulas de ciências. Por Ao mesmo tempo, pudemos perceber ora, levantamos que apesar de haver um possíveis fatores de limitação das esforço no sentido de se questionar o tentativas de inserção das controvérsias conhecimento científico como voz final em sala de aula, quais sejam: a nas decisões que o envolvem, ainda importância de estudos aprofundados dos podemos cair na armadilha de o temas controversos para seu debate, supervalorizar, dando maior ênfase aos evitando simplificações de questões saberes científicos e técnicos, em complexas; a necessidade de uma reflexão detrimento a outras questões, dimensões epistemológica coerente sobre ciência e ou conhecimentos envolvidos nas tecnologia, admitindo a impossibilidade controvérsias, inclusive os de ordem de obtenção de respostas para todas as pedagógica e metodológica. questões a partir, unicamente, de conhecimentos tecnocientíficos (Reis & Considerações finais Galvão, 2004), assim como escolha de modos de trabalhos que estejam de acordo As principais contribuições que os com os objetivos a que se destina a trabalhos em ensino de ciências que discussão de questões controversas em abordam controvérsias científicas vêm Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007
sala de aula. A nosso ver, a inobservância autora. E à Profa. Lea Velho do
desses fatores pode acabar promovendo a DPCT/IG/Unicamp pelas sugestões à dificuldade de não se ater apenas aos primeira versão desse trabalho. conhecimentos científicos disponíveis para guiar os debates das controvérsias, Referências deixando-se de lado as dimensões (políticas, culturais, econômicas, etc.) que AGRASO, M. F. & ALEXANDRE, M. P. J.. influenciam a produção e circulação Clonación terapéutica? Decisiones sobre desses conhecimentos e a dificuldade de se dilemas éticos en el aula. Alambique – Didactica de las ciencias experimentales, reconhecer os discursos científicos, n° 49. 2006. também, como interpretações da realidade, muitas vezes associando-os a ALBE, V. Tratar controversias científicas contemporáneas en clase. Alambique – valores de neutralidade e objetividade. Didactica de las ciencias experimentales. Algumas abordagens, portanto, n° 49. 2006. acabam tomando a discussão das AMARAL, I. A. Currículo de ciências: das controvérsias como um instrumento para tendências clássicas aos movimentos de a aprendizagem exclusiva de renovação. BARRETTO, E. S. S. (org.). Os conhecimentos científicos. Mas não currículos do ensino fudamental par as tomam o debate sobre discursos escolas brasileiras. Campinas: Autores científicos como um instrumento de Associados; São Paulo: Fundação Carlos compreensão de controvérsias humanas, Chagas. 1998. ou seja, essencialmente sociais e políticas, ANGOTTI, J. A. P. & AUTH, M. A. nas quais os conhecimentos científicos se Ciência e Tecnologia: Implicações Sociais constituem e circulam em nossa e o Papel da Educação. Ciência & Educação, Bauru/SP, v. 7, n. 1. 2001. sociedade. Dessa forma, a abordagem das controvérsias pode tender a se AULER, D. & BAZZO, W. A. Reflexões transformar em apenas mais um recurso para a implementação do movimento CTS no contexto educacional brasileiro. didático para convencimento do alunado Ciência & Educação. Bauru/SP V.7, n.1. de que, realmente, o conhecimento 2001. científico, por ser diferenciado, teria mais HINES, P. J. The dynamics of scientific validade que os demais ou seria o único a controversies. AgBioForum. V. 4, n° 3/4. se considerar na tomada de decisões. Ou 2001. mesmo, em um simples exercício de JUAN, X. Está cambiando el clima de la argumentação que faça sentido apenas no Tierra? Alambique – Didactica de las plano simulado da sala de aula e que não ciencias experimentales. n° 49. 2006. se relaciona a outros discursos e situações KIPNIS, N. Scientific controversies in com os quais os estudantes possam entrar teaching science: the case of Volta. Science em contato em suas vidas. & Education. 10: 33-49, 2001. KUHN, T. S. A estrutura das revoluções ______________________ científicas. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, Agradecemos à Fapesp, pelo apoio na 1995. forma de bolsa de doutorado da primeira MARTIN, B. Behind the scenes of E-mail: maribrasil@ige.unicamp.br scientific debating. Social Epistemology. Vol. 14, nº 2/3. 2000. Henrique César da Silva é professor do Departamento de Geociências Aplicadas ao MARTIN, B. & RICHARDS, E. Scientific Ensino e do Programa de Pós-Graduação em Knowledge, Controversy, and Public Ensino e História de Ciências da Terra, Decision-Making. In: Sheila Jasanoff, Instituto de Geociências, Universidade Gerald E. Markle, James C. Petersen, and Estadual de Campinas. Trevor Pinch (eds.), Handbook of Science E-mail: henriquecsilva@ige.unicamp.br and Technology Studies. Newbury Park, CA: Sage, 1995, pp. 506-526. NARASIMHAN, M. G. Controversy in science. Journal of Biosciences. 26(3): 299-304. 2001. NELKIN, D. Controversy: politics of technical decisions. 2nd edition. Londres, Sage Publications Ltd. 1989. REIS, P. & GALVÃO, C.. Socio-scientific controversies and students’ conceptions about scientists. International Journal of Science Education. vol. 26, n° 13, 2004.. SILVA, H. C. e ALMEIDA, M. J. P. M. O deslocamento de aspectos do funcionamento do discurso pedagógico pela leitura de textos de divulgação científica em aulas de física. Revista Electrônica de Enseñanza de las Ciências. v. 4, n. 3, 2005. VELHO, L. & VELHO, P. The policy and politics of alternative food programs in Brazil. História de Ciência e Saúde- Manguinhos., Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, 2002. WYNNER, B. Saberes em contexto. In: Massarani, L.; Turney, J. e Moreira, I. C. Terra incógnita: a interface entre ciência e público. Rio de Janeiro: Vieira & Lent: UFRJ, Casa da Ciência: FIOCRUZ, 2005, p. 27-39.
_______________________ Mariana Brasil Ramos é Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino e História de Ciências da Terra, Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas.