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O Conhecimento em Santa Teresa

O conhecimento de si na meditação teresiana – Francisco Javier


Sancho Firmín

Introdução
Para quem conhece a doutrina teresiana é evidente que o
elemento substancial que define sua maneira de entender a
oração é o amor. E só a partir desta chave de leitura, que coloca o
homem frente a frente com Deus, - com o Tu de Deus -, pode-se
entender a importância que Teresa vai dar ao conhecimento de
si. Antecipando o que será seu discurso, podemos dizer que em
toda relação de amor, para que esta seja autêntica, é necessário
uma entrega sem reservas. Isto só é possível na medida em que a
pessoa é livre. Uma liberdade que se alcança apenas quando se
conhece e sabe o que realmente entrega. Sem conhecimento de
si não há possibilidade de liberdade, nem de desenvolvimento da
personalidade, nem de entrega, e portanto, não é possível uma
autentica relação de amor (Vida 10, 4-6). Este é o resumo de
quanto Teresa vai nos revelando a partir da importância e da
centralidade do conhecimento de si na meditação.
Quando se fala de oração ou de meditação, normalmente não se
presta atenção ao elemento do conhecimento próprio, ao menos
de uma maneira explícita. E quando se fala de conhecimento de
si mesmo pensa-se mais numa realidade simplesmente
psicológica ou de introspecção pessoal. De fato basta folhear
alguns dos estudos mais representativos sobre a oração,
concretamente da oração teresiana, para precatar-se do pouco
interesse direto e explícito que este tema suscitou nos
estudiosos, inclusive está ausente a palavra do recentemente
publicado Dicionário de Santa Teresa, do Editorial Monte
Carmelo, Burgos, 2000. Ao contrário, no dicionário de São João
da Cruz, Editorial Monte Carmelo, burgos 2000, há sim espaço ao
termo “conhecer”, pp. 318-323).
Entretanto, isso trataremos de demonstrar e evidenciar, o
conhecimento de si é um aspecto fundamental no âmbito da
oração e meditação teresiana. Não há, segundo ela repetira
constantemente, possibilidade de avançar no caminho se
prescinde-se deste elemento. Não é que para meditar seja
necessário conhecer-se primeiro em totalidade. O caminho de
crescimento discorre entre duas sendas paralelas: mais se cresce
no conhecimento de si, maior é o grau de meditação; e vice-
versa, mais se aproxima o homem de Deus, melhor se conhece a
si mesmo. A seguinte afirmação do cartuxo Augustin Guilerand
nos dá a medida da interação de ambos elementos:
“Grandeza de Deus, nada do homem. Toda religião está regulada
por esta dupla realidade, da qual faz uma unidade fundamentada
e regida pelo amor. “Deus é”, o homem “não é”. Deus e Ser são
uma só coisa. O homem só é na medida em Deus lhe comunica o
ser. A religião nasce desta comunicação. E a oração, que em
último termo é a religião em ato, é o movimento da alma que
recebe e que somente tem quando recebe. Confessar isto, é a
oração essencial e, também, a humildade” “Augustin Guillerand,
Ord. Cartus., Face a Dieu, Roma. 1957 – 2ª. Ed., p. 81, citado por
Valentino de S. Maria, Le esigenzeascetichedell’razione, em Santa
Teresa Maestra diorazione, roma 1963, p. 106).
O conhecimento próprio não é só peça chave na trama oracional
tersiana, mas é um dos elementos mais originais nela e que,
seguramente, a distingue de outros caminhos de meditação que
pretendem partir do “esquecimento ou renúncia de si” ou do
vazio de si mesmo. O oranteteresiano é o homem que se
encontra e se descobre a si mesmo. Por isso seu caminho
oracional é um caminho profundamente humanizador.
Lemos em Maximiliano Herraiz, A Oração História de amizade,
EDE, Madrid 1995, 5ª Ed., pp. 53-54: “Quem não ora, quem não
entra dentro de si pela porta da oração, ignora-se. Fica na cerca
ou ao redor do castelo... O homem não orante tem uma riqueza
que, por ignorância, não explora (...). E, junto a esta visão da
própria riqueza, a oração descobre a verdade da própria vida, da
própria situação moral.
Mais ainda, o homem se gera aí como homem autentico; aspecto
que também João da Cruz ou Edith Stein sublinham com igual
força:
São João daCruz, no momento em traça o percurso completo do
caminho espiritual em sua obra mestra Cântico Espiritual, não
duvida em sublinhar a importância do conhecimento de si – e em
que consiste o mesmo – para que possa dar-se todo no processo
de crescimento ou seguimento. Assim lemos em CB 1, 1: “Caindo
a alma na conta do que está obrigada a fazer, vendo que a vida é
curta (Tg 14, 5), que o justo apenas se salva (1Pd 4, 18), que as
coisas do mundo são vãs e enganadoras, que tudo se acaba e
falta como água que corre (2Rs 14, 14), o tempo incerto, a conta
estreita, a perdição bem fácil, a salvação bem difícil; conhecendo,
por outro lado, a grande dívida que a Deus tem em tê-lo criado
somente para si, pelo qual deve o serviço de toda a sua vida, e
em tê-la redimida somente por si mesmo, pelo qual lhe deve o
resto e correspondência do amor de sua vontade, e outros mil
benefícios no qual se reconhece devedor a Deus...”. Numa
admirável síntese nos oferece o Santo neste texto os elementos
que compõem e explicam substancialmente esse conhecimento
de si, um conhecimento da verdade teologal do homem. Em CB
4, 1 explicitamente concede ao conhecimento de si o primeiro
lugar no processo espiritual. Ver também 1N 12, 5;
Ediith Stein vai dedicar ao tema belas páginas em seus trabalhos
antropológicos. Ao longo desta exposição acudiremos em várias
ocasiões a ela. Pensamos que por seu conhecimento da
espiritualidade teresiana e seu interesse pela antropologia
espiritual, nos oferece muitos elementos que completam e
clarificam o pensamento de Teresa. Inclusive elementos tão
característicos na doutrina teresiana como o amor ao próximo, o
desapego e a humildade, só são possíveis a partir do
conhecimento de si. À respeito do tema da relação entre a
humildade e o conhecimento de si, teremos ocasião para falar
mais adiante. Isto implica, também, que tudo na vida do homem
depende deste fator: uma relação autenticamente humana com
o mundo, com os outros, dependerá do grau de interioridade
alcançado. Dirá Edith Stein que só é possível uma relação
autenticamente humana e livre com o mundo na medida em que
o homem adquira um maior conhecimento de si. Em sua obra Ser
finito e Ser Eterno, México 1994, p. 443, lemos: “A alma deve
primeiro chegar à possessão de sua essência, e sua vida é o
caminho que a conduz até ali. (...) é necessário que alma possa
ter um conhecimento sobre si mesma e que possa tomar posição
frente a frente de si mesma. A alma deve chegar até a si mesma
em dois sentidos: conhecer-se ela mesma e chegar a ser o que
ela deve ser”.

Capítulo 1 – Atualidade e Importância do tema


Quando Teresa escreve sua grande síntese, o livro das Moradas,
já tem um conhecimento completo de todo o caminho espiritual
e da oração, que a torna capaz de desenhar todo o processo
atendendo aos elementos fundamentais e principais do
processo. O ponto de partida caracteriza-se pela entrada
decidida no caminho da meditação ou da oração mental, vai
acompanhado do insubstituível conhecimento de si, ao qual a
Santa vai conceder um papel particular: “Antes de fazer estas
mercês, o Senhor dá um grande conhecimento próprio” (6M 9,
15), isto é, sem conhecimento de si não há possibilidade de
adentrar-se numa duradoura e autêntica experiência mística. Só
o homem que toma consciência de seu ser pode adentrar-se por
este caminho que não vai leva-lo a união, mas que paralelamente
vai descobrindo-lhe sua autêntica natureza. É o que quis chamar-
se “socratismo teresiano”, relembrando a grande intuição de
Sócrates que convida ao “conhece-te a ti mesmo”.
O Pe. Alvares afirma, no guia ao interior do Castelo, Leitura
espiritual das Moradas, Monte Carmelo, Burgos 2000, p. 32:
“Sim, esta evocação é espontânea do grande filósofo grego. Ele
não só tinha aceito a ordem pragmática de Delfos – Conhece-te!
– mas lhe deu uma versão profunda, próxima ao evangelho de
Jesus. A um dos discípulos prediletos do Filosofo, o jovem
Alcebíades, Sócrates explica que para conhecer-se a si mesmo
não lhe basta conhecer o corpo, tem que conhecer a alma de
Alcebíades. E não chegará a conhecer sua alma, se não conhecer
essa pequena centelha de divindade que há nela”.
A psicologia moderna e a pedagogia não se cansam de insistir na
importância da aceitação de si mesmo. Sem esse pressuposto as
relações “ad extra”, com o mundo e com os outros, facilmente
adquirem matizes doentios. Alguém afirmou em Psicologia que o
homem atua a partir da visão ou compreensão que tem de si. Se
vê a si mesmo como pessoa tímida atuará conforme a esse
estereótipo, ainda quando não seja um conhecimento autêntico
do seu ser e realmente a timidez não corresponda a sua maneira
própria -, daí a importância que estas ciências humanas dão ao
conhecimento de si.
Há mais de quatro séculos Teresa descobriu essa verdade à luz de
sua relação de amizade com Deus. Com o Tu haverá uma relação
possível somente a partir do eu. E até o mesmo Cristo, ao dar-nos
o mandamento principal do Cristianismo, já nos coloca em
guarda diante da importância deste elemento: “amar ao próximo
como a si mesmo”. Como pode amar que não se conhece ou não
se aceita? Como será seu amor ao outro? Com que medida se
relacionará com ele? O tema não é só uma realidade psicológica,
mas profundamente, substancialmente, humana e portanto
religiosa e espiritual.
Edith Stein em sua obra PotenzundAkt (ESW XVIII), p. 90, afirma:
“Viver espiritualmente significa também dar-se conta deste
movimento, ser transparente para si mesmo, ser consciente de si
mesmo e do outro”.
Pedro Cerezo Galán, referindo-se ao papel dos místicos em seu
tempo, afirma: “Porém, por sua vez, esta reforma não era
arcaizante, isto é, não se produzia na contra mão do espírito do
seu tempo, mas em sintonia com as novas tendências à
humanização do mundo e a individualização do eu, constitutivas
do Renascimento.” (Pedro Cerezo Galán, A experiência da
subjetividade em Teresa de Jesus, em A recepção dos místicos
Teresa de Jesus e João da Cruz, Salamanca 1997, p. 171).
O relacional do homem parte de dentro e nunca de fora. É a
interioridade, ou melhor, o posicionamento da pessoa em seu
interior, o que dá o verdadeiro sentido das atitudes e coisas na
vida do homem. Isto é, somente a partir do conhecimento de si,
o homem é capaz de confrontar-se de um modo humano com a
realidade. De outra forma a vida corre o risco de converter-se
num ativismo ou numa fuga continua de si.
O teólogo alemão Jürgen Moltmann tem a seguinte afirmação
que nos leva a cair na conta da importância do tema desde uma
aproximação à realidade do homem de hoje:
“Porém o modo meditativo de compreender parece ainda mais
importante na relação do homem consigo mesmo. Se foge para a
relação, a ação social e a práxis política, porque os homens não
se podem suportar a si mesmos. Estão descontentes consigo
mesmos. Por isso não podem estar sós. A solidão é uma tortura.
O silêncio se torna insuportável. A vida isolada é como uma
“morte social”. Toda desilusão é um tormento que se há de
esquecer. Porém, os que se lançam à ação porque não não estão
em paz consigo mesmos, terminam sendo um peso para os
demais. A ação social e o compromisso político não são um
remédio para curar a debilidade do próprio eu. O que quer fazer
algo pelos demais sem conhecer a fundo a si mesmo, não tem
nada para oferecer-lhes. Pressupondo boa vontade e sem atribuir
a ninguém más intenções, a única coisa que pode transmitir-lhes
é a doença contagiosa de seu eu, sua angústia agressiva e suas
ideias cheias de preconceitos. Aquele que quer preencher o seu
vazio interior ajudando os demais, a única coisa que faz é ampliar
seu próprio vazio... porque o homem influi nos demais muito
menos com suas palavras e ações que com sua existência e modo
de ser, porém não quer reconhece-lo. Somente quem se
encontrou a si mesmo pode entregar-se aos demais. De outro
modo, que poderia dar? Só quando aceita-se a si mesmo pode
aceitar aos demais sem dominá-los” (J. Moltmann, O Espírito da
Vida. Uma Pneumatologia integral, Sigueme, Salamanca 1998, p
220).
Observa-se aqui a importância e as consequências deste
processo no caminho integral da vida do homem e de sua
possível entrega aos outros e a Deus. Bastaria ter presente a
imagem base sobre a qual Teresa constrói o caminho da oração,
para dar-nos conta da importância do tema. Quando fala do
homem (ou da alma) como de um castelo e apresenta o caminho
da oração como um adentrar-se no mesmo até a conquista do
centro, no fundo não faz mais do que traçar um caminho de
oração, para a união com Deus, como um caminho de conquista
do conhecimento de si.
“Não sei se falei bem claro. É tão importante este conhecimento
de nós mesmas, que não quisera jamais descuido neste ponto,
por elevadas que estejais nos céus.” (1M 2, 9).

Capítulo 2
O conhecimento de si vivido por Teresa
Para termos uma visão completa do que Teresa vive expressa em
seus escritos sobre o conhecimento próprio, temos que
aproximar-nos à dinâmica de sua própria experiência narrada
livremente nos primeiros 10 capítulos do livro da vida. A partir
dali podemos entender melhor a grande importância que
adquire para Teresa este tema, do qual vai depender, em grande
parte, sua conversão.
Nos primeiros capítulos do livro da vida, Teresa nos revela a
dinâmica mantida em sua vida antes de sua conversão e nos
revela o segredo que a levou a mesma: a tomada de consciência
de quem ela e de quem é Deus. Este pensamento vai ser
contínuo ao longo de todo o livro. É uma verdade óbvia em
Teresa e que vai aparecer sempre em todos os seus escritos (Ver
Caminho 28-29, 1M 1-2).
Teresa formula este livro a partir de sua experiência, que se
constitui a principal fonte de sua doutrina.
“Não direi coisa que não tenha experimentado muito” (Vida 18,
7)
Obs.: Na tradução em português (Paulus) falta a palavra muito.
Esta verdade, de quem ela é e quem é Deus, no livro da vida é
como uma linha melódica que cria uma profunda tensão
dramática especialmente visível nos dez primeiros capítulos:
Teresa é consciente de sua miséria e da grande misericórdia de
Deus para com ela, ao mesmo tempo em que sente-se eleita
sabe que é indigna de tal eleição. Um duplo objeto constitui o
conhecimento consciente de Teresa: o de si mesma e o de Deus.
Em tudo quanto nos relata Teresa descobrimos também o atuar
“pedagógico” de Deus com ela. Respeita em primeiro lugar sua
liberdade, porém sempre aproveita a ocasião para fazê-la cair na
conta de seu erro. O Deus com o qual Teresa estabeleceu aliança
desde criança – “a verdade de quando criança” (Vida 1, 4),
permanece sempre fiel. E ela é cada vez mais consciente desta
realidade. Não esqueçamos que Teresa escreve estas páginas
com quase 50 anos de idade, desde sua profunda maturidade
humana e espiritual. Ela redescobre sua história com um olhar
teologal agradecido, capaz de descobrir a positividade do agir de
Deus em sua vida e ao mesmo tempo, descobrir o quanto cega
ela estava para não enxergar tudo isso. Vejamos mais de perto a
dinâmica de cada um dos objetos do conhecer de Teresa.

O conhecimento próprio:
Ainda quando a dinâmica na qual se desenvolvem os dez
primeiro capítulo do livro da vida é o do binômio de Teresa-
Misericórdia de Deus, a raiz desta descoberta ou tomada de
consciência há que busca-la num fator que Teresa considera
fundamental importância: a verdade de si mesma e de Deus, ou
o conhecimento de quem ela é e de quem é Deus. Conhecimento
de si e conhecimento de Deus são duas verdades que caminham
juntas. Disto, definitivamente, vai depender o êxito do caminho
empreendido. Há dois textos que consideramos de capital
importância neste processo.
O primeiro deles encontramos um lugar chave dentro da
estrutura da obra: no capítulo 10, último desta primeira parte, e
como justificação do caminho de oração que traçará a partir do
capítulo 11. Aqui encontramos, também, uma das chaves do
porque a oração é tão determinante no caminho rumo à
plenitude.
(4): “Não queira saber das humildades – sobre as quais pretendo
falar – de certas pessoas que imaginam ser virtude não
compreender que o Senhor as favorece. Convençamo-nos, bem a
fundo, de que Deus nos concede seus dons sem nenhum
merecimento nosso,- e demos graças à Sua Majestade. Se não
reconhecermos o que ele nos dá, nunca nos sentiremos
estimulados à amá-lo.
É coisa muito certa: quanto mais nos vemos enriquecidos,
sabendo que por nós mesmos somos pobres; tanto mais proveito
tiramos desse conhecimento, inclusive maior humildade. O resto
é acovardar o ânimo, pois começando o Senhor a comunicar-lhe
seus tesouros, a alma, julgando-se incapaz de grandes bens,
retrai-se com medo de vanglória. Tenhamos fé: Aquele que dá os
bens, dará também graça para que, no momento em que o
demônio principiar a tentar-nos sobre est ponto, logo
entendamos e tenhamos força para resistir. Digo isto, bem
entendido, dos que andam com retidão diante de Deus,
pretendendo agradar a ele só e não aos homens.
(5): É coisa muito sabida que mais amamos uma pessoa quando
nos lembramos frequentemente dos benefícios que nos faz.
Sendo lícito e tão proveitoso recordarmos que Deus nos deu a
existência, nos tirou do nada, nos sustenta e todos os demais
benefícios; relembrarmos seus sofrimentos e sua morte que,
muito antes de nos criar, já sofrera em prol de cada um dos que
agora vivem, porque não me será lícito reconhecer, ver e
considerar muitas vezes, que, antes, costumava falar de vaidades,
e agora, por mercê de Deus, não tenho mais vontade de falar a
não dele?
Suponhamos uma joia. Se reconhecemos que ela nos foi dada e a
possuímos, forçosamente somos estimulados a amar quem a
deu. Pois então, o amor é fruto da oração fundada na humildade.
E que será quando vermos em nosso poder outras joias mais
preciosas, de desprezo do mundo e ainda de nós mesmos?
Havemos de nos considerar mais devedores e mais obrigados a
servir, entendendo que nada disso tínhamos e reconhecendo a
liberalidade do Senhor. Bastava primeira dessas joias e já seria
demasiado para uma alma tão pobre, ruim e de nenhum
merecimento como a minha. Entretanto ele quis cumular-me de
riquezas maiores do que eu jamais pudera desejar. (Maria é
grande porque reconhece o que o Senhor fez por ela e nela; nada
atribui a si, verdadeira pobreza).
(6) De tais graça é preciso cada um tirar forças para servir com
mais ardor e não ser ingrato; pois o Senhor as dá com esta
condição. Se não fizermos bom uso de seus tesouros e do alto
estado em que nos põe, ele tornará a toma-las e ficaremos muito
mais pobres. Sua Majestade dará as joias a quem as preze e tire
proveito delas para si e para outros. Mas como aproveitará e
gastará com largueza (generosidade) quem não entende que está
rico?
Dada a condição de nossa natureza, é impossível que tenha
animo para grandes coisas quem não entende que é favorecido
por Deus. Com efeito, somos tão miseráveis e inclinados às coisas
da terra, que dificilmente terá aversão e desapego ao que é
terreno, quem não entende que tem algum penhor de bens de lá
de cima. É por meio desses dons que o Senhor nos comunica a
fortaleza, perdida com os nossos pecados.
Como poderá desejar que todos se desgostem dele e o
aborreçam, e como se animará a praticar a praticar grandes
virtudes dos perfeitos, quem não possui alguma prenda do amor
que Deus lhe tem, junto com uma fé viva? Nossa natureza carece
tanto de estímulo, que logo nos deixamos levar pelo que vemos
diante dos olhos. E são os mesmos favores que alentam e
fortalecem a fé. É bem possível que eu, como fraca, julgue por
mim, e que outros baste a verdade da fé para fazerem obras
muito perfeitas. Mas confesso que, miserável como sou, precisei
de todas estas graças.” (Vida 10, 4-6).
A lógica teresiana resulta evidente: ninguém pode dar o que não
tem ou o que não sabe que tem: “como aproveitará e gastará
com largueza quem não entende que está rico?”. Porém, tudo
isto se inscreve dentro de uma lógica muito mais ampla: ninguém
poderá verdadeiramente aproximar-se de Deus se antes não
considera quem é ele mesmo e quem é Deus em sua vida.
Por trás desta insistência e da importância que Teresa dá a este
aspecto esconde-se uma concepção do ser humano em chave
teologal e positiva. Teresa parte do princípio, fruto de sua própria
experiência, de que Deus habita no centro da alma: conferir por
exemplo Vida 40, 6; Caminho 28, 11 e também em referência a
Cristo, Caminho 28, 2); que não somos ocos, mas somos
habitados nem mais nem menos do que pelo Infinito. Teresa, por
isso, é uma grande humanista que está convencida da grande
dignidade do ser humano, que é imagem e semelhança do
mesmo Deus (Cfr. 1M 1, 1).
A consequência resulta evidente: se alguém quer alcançar a Deus
tem que conhecer-se:
“É verdade que o exercício do conhecimento próprio jamais se há
de deixar, nem há neste caminho alma tão gigante que não tenha
necessidade de muitas vezes voltar a ser criança de peito. Sim,
não há estado de oração tão elevado, em que não seja preciso
voltar, de vez em quando, ao princípio. Isto jamais se olvide.
Talvez o repita outras vezes, porque importa muito.
A lembrança dos pecados e o conhecimento próprio, eis o pão
com que havemos de comer todos os dias os manjares, por
delicados que sejam, neste caminho da oração. Sem ele, não nos
poderíamos sustentar.” (Vida 13, 15).
Esta mesma importância aparece sublinhada em Vida 15, 2-3.8 e
1M 1, 2.
Note-se a força das expressões “isto do conhecimento próprio
jamais se há de deixar” e “é o pão com que havemos de comer
todos os manjares”. No entanto, isto não se deve considerar em
sentido exclusivo e absoluto. Teresa une as duas realidades em
uma: conhecer-se e conhecer a Deus, de tal modo que o
conhecimento próprio aprofundar-se na medida em nos
aprofundamos em Deus e em Cristo, onde o homem descobre
sua identidade. Por isso, há que conhecer-se aos mesmo tempo
que se busca a Deus dentro de si. É isto que Teresa plasma na
poesia “Alma buscar-te-ás em mim e a Mim buscar-me-ás em ti”
– Poesia 8. Esta mesma realidade aparece reproduzida no
Vejamen, sobre as palavras “Busca-te em mim”.
Título: buscando a Deus
Alma, buscar-te-ás em Mim
E a mim buscar-me-ás em ti,

De tal sorte pôde o amor,


Alma em mim te retratar,
Que nenhum sábio pintor
Soubera com tal primor
Tua imagem estampar.
Foste por amor criada,
Bonita e formosa, e assim
Em meu coração pintada,
Se te perderes, amada,
Alma, buscar-te-ás em Mim.

Porque sei que te acharás


Em meu peito retratada,
Tão ao vivo debuxada,
Que, em te olhando, folgarás
Vendo-te tão bem pintada.

E se acaso não souberes


Em que lugar me escondi,
Não busques aqui e ali,
Mas, se me encontrar quiseres,
A Mim, buscar-me-ás em ti.

Sim, porque és meu aposento,


És minha casa e morda;
E assim chamo, no momento
Em que de teu pensamento
Encontro a porta cerrada.
Busca-me em ti, não por fora...
Para me achares ali,
Chama-me, que, a qualquer hora,
A ti virei sem demora,
E a Mim buscar-me-ás em ti.”

Certame:
Durante a oração, santa Teresa ouviu as palavras: “Busca-te em
mim”, que remeteu a seu irmão, Lorenzo de Cepeda, para que as
meditasse. Ele levou isso tão a sério, que, sentindo-se incapaz de
penetrar seu sentido, buscou o conselho de seus amigos e fez
uma séria e solene consulta no locutório de São José, da qual
tomaram parte Julián de Ávila, Francisco de Salcedo, São João da
Cruz e as monjas do mosteiro. As resposta foram enviadas à
Madre Teresa, que se encontrava em toledo. Não se conserva
nenhuma delas, exceto a de Lorenzo de Cepeda. Conserva-se o
parecer da Santa às respostas neste escrito intitulado Certame,
jargão literário de seu tempo.
A santa formula ironicamente seu parecer, a partir de um critério
original. Sua graça e ironia folgazã transbordam em cada palavra.
Antecede uma breve introdução e segue, em ordem, o ditado da
sentença contra os quatro: Salcedo, Julián de Ávila, São João da
Cruz e Lorenzo de Cepeda.
O texto original da Santa conserva-se nas Carmelitas Descalças de
Guadalajara, exceto a resposta a Lorenzo (n. 8-9).

Ao longo do livro da vida, Teresa, oferece mais do que uma visão


histórica de sua vida, ela nos leva pelas vias do conhecimento
próprio, e desde aí pode sublinhar que é verdadeira Deus em sua
vida. Trata-se de um caminho “descontínuo” entre o
conhecimento e o reconhecimento de si, que não se faz
realmente efetivo até que Teresa não se decide
“determinadamente” pela oração, que será a via que a conduzirá
a conhecer-se e a encontrar-se com Cristo: a verdade do que ela
foi e é, e do que foi e é Deus em sua vida. Assim poderíamos
desdobrar o caminho destes dez primeiros capítulos, nos quais
correm paralelos os dois elementos fundantes: sua miséria e a
misericórdia divina.

“Minha pobre vida pecadora”


Escrevendo sobre os primeiros anos de sua vida, 1515-1554,
desde a infância até a conversão, Teresa pretende narrar-nos sua
vida pecadora, “cheia de infidelidades”, diante da presença da
mão de um Deus que consegue, apesar de suas continuas
oposições, guia-la sempre a bom porto. Desde sua infância Deus
esteve sempre presente em sua vida, naqueles fervores que a
fizeram sentir o gozo da fé de quando criança: a religiosidade
infantil, fantasiosa e generosa – Vida 1, 4-6, o gozo de sua
vocação Vida 4. Também foram aparecendo os elementos
negativos, que obscureceram esses primeiros passos na fé: suas
vaidades de adolescente, Vida 2, 1-2, a mediocridade de sua vida
religiosa, Vida 4, 3.
Aparece constantemente em seu relato uma luta
verdadeiramente dramática entre a graça de Deus e a sua
resistência (falta nota 28 referente a esta ideia). Porém, Deus não
se cansa apesar das ingratidões teresianas, apesar de sua falta de
corresponsabilidade com os dons recebidos. Assim o pecado de
Teresa vai se perfilando como um pecado de caráter teologal,
como um “ignorar” ou não quere ver que Deus está atuando nela
e que a chama a uma mudança de vida.
Mas também não falta na Santa esse esforço por ser fiel e por
dar-se à oração, Vida 4, 7ss. E ainda que num primeiro momento
não parece ressentir-se por esta opção tomada, logo acrescenta-
se nela com maior força essa luta entre os dois contrários, até
que termina convencendo-se de que não pode continuar vivendo
entre duas frentes opostas: “é uma guerra tão penosa, que não
sei como pude sofre-la um mês, quanto mais tantos anos” (Vida
8, 2): o pecado e a graça. A sobrevivência dos dois entende-se a
partir de três elementos ou ocasiões quase continuamente
presentes na vida de Teresa nestes anos, que evitam que ela caia
na indiferença:
A oração: que vai lhe revelando quem ela é verdadeiramente e
que ela nunca vai deixar completamente: “Bem sei que deixar a
oração não estava já em minhas mãos” (Vida 7, 17);
O sofrimento, que de um modo ou de outro acompanha sua vida
e se torna motor vitalizador de sua fé e de sua volta a Deus:
quando da morte da mãe (Vida 1, 7); a morte de seu pai (Vida 7,
14-17) e suas próprias enfermidades (Vida 4, 7; 6, 6);
Seu desejo de autenticidade e ânsias de amor verdadeiro. Essa
profunda capacidade de amor observa-se de um modo bem
especial em relação ao padre de Becedas (Vida 5, 6), em relação
ao seu pai (Vida 7, 1.14) e também em relação a Deus (Vida 8, 6)
Porém, não podemos esquecer que, no fundo, Teresa mais do
que dar a conhecer sua “vida pecadora”, quer na verdade que se
veja a grandeza do amor de Deus: “quanto maior o mal, mais
resplandece o grande bem de vossas misericórdias” (Vida 14, 10).
Por isso, como São Paulo, nos mostra como o amor de Deus
manifestou-se em sua debilidade (Vida 8, 4). É como uma parte
da tese teológica que quer demonstrar. Não com base em
argumentos Filosóficos ou teológicos, mas baseando em sua
experiência pessoal, pois Deus não é um deus do intelecto, mas
um Deus da história, de sua história pessoal. Teresa quer que
todos o saibam e abram-se a Sua Graça. (Papa Bento XVI/Papa
Francisco).
Deste modo, Teresa vai nos mostrando essa terra
“desagradecida” de sua história pessoal, onde Deus, apesar de
tudo, quer que nasçam frutos. No decorrer do processo, Teresa
vai descobrindo sua própria verdade, vai crescendo no
conhecimento de si mesma, - sua debilidade, seu pecado -,
principalmente graças à oração, na qual vê que não poderá
progredir se fechar os olhos em relação a si mesma. Sua jornada
vai ser acompanhada pela descoberta da outra face do
autoconhecimento e que vai lhe fazer reconhecer agradecida seu
próprio ser e confessar seu pecado e miséria. Essa outra face é o
conhecimento do Deus Misericordioso.
O “Deus das misericórdias”:
Seguramente, se Teresa tivesse fechado os olhos à sua realidade,
à sua verdade, à verdade, não teria adentrado nessa crise
existencial que a leva à mudança e a maturidade humana e
espiritual. Porém, viu e comprovou que apesar de tudo Deus a
continua chamando. É sobre isto que ela quer escrever (Vida 8,
10; 10, 9). A doçura da graça de Deus acaba vencendo, porém o
caminho foi longo e as vezes, bem duro.
Não é fácil dar uma resposta satisfatória ao porque Teresa
“tardou” tanto a decidir-se com determinação por Deus. É bem
provável que seu caminho de busca por Deus se visse, em grande
parte, freada por um falso conceito do ser e obrar de Deus, um
conceito que era comum – em certo sentido – no ambiente
teológico e à devoção popular de então: um Deus juiz ao qual
haveria que pagar um “tributo” para evitar o castigo. (visão de
Adão e Eva depois do pecado). Desde este argumento se
entenderia a “motivação vocacional inicial” que move Teresa a
tornar-se monja: Vida 3, 6-7
Teresa, então, ainda não conhecia o autêntico rosto de Deus
misericordioso que se vai revelando ao longo de todos esses
anos. Enquanto não chegar realmente a convencer-se desta
realidade, até que troque o temor por amor, não encontra nem
as forças nem se sente capaz de entregar-se, nem de abrir os
olhos à sua “própria miséria”.
Todos os capítulos da primeira parte do Livro da Vida nos
conduzem para o que será sua conversão “definitiva” narrada no
capítulo 9. No fundo, sua conversão mais do que uma “autêntica
derrota pessoal” é um não poder mais fechar os olhos diante da
Verdade de um Deus sempre misericordioso manifestado no
conhecimento de si e na aceitação da própria miséria. Isso é o
que descobre no “Cristo bem chagado”: o amor de Deus que se
manifestou a nós no mistério da paixão de Cristo Jesus (Vida 9,
1).
A partir desse momento de “reconhecimento da dupla verdade”,
a de seu pecado e a da misericórdia de Deus, já não volta atrás
em sua vida. É por isso que, acentuando sua miséria e
infidelidade, entoa então um canto ainda mais belo e
convincente das misericórdias de Deus (Vida 8, 4-5; 14, 10-12).
Entendemos porque Teresa gosta de comparar-se aos santos
“pecadores”, como Maria Madalena ou Santo Agostinho (Vida,
prólogo 1 e 9, 2).
Descobrimos o rosto que Teresa nos transmite de Deus: um Deus
sempre presente em sua vida, que nunca se cansa de busca-la,
que não quer outra coisa senão que queiramos receber o amor
que Ele nos dá. Claramente aprecia-se o contraste. Isto ajuda a
que a intenção da autora emerja com maior força a partir da
evidência desta contraposição entre ela e Deus.
Teresa redigi uma história teológica com dois protagonistas:
Deus-Amor e Teresa-pecado.

Capítulo 3 – Lugar central no caminho da oração

Um leitor atento das obras de Teresa, logo se dá conta da


importância que ela confere ao tema, mesmo que não dedique
longos capítulos para desenvolve-lo, à excessão das primeiras
Moradas do Castelo Interior. Porém, há expressões tão fortes que
não dão lugar à dúvida. Uma das citações mais importantes
encontramos no Livro da Vida: Vida 13, 15.
Sem conhecimento de si não há meditação autentica. Jesus
Barrena em seu livro Teresa de Jesus, uma mulher educadora,
Ávila 2000, p. 383, falando sobre o tema do conhecimento de si
em Teresa, afirma com ela que “a oração mental bem feita
começa e acaba com o conhecimento próprio”.
A Santa vai sublinha-lo de um modo explícito: “tende este
cuidado: que ao princípio e ao final da oração, por subida
contemplação em que se esteja, sempre acabeis no
conhecimento próprio (CV 39, 5). Em CE 68,2 também lemos:
“tomais cuidado em começar e acabar no conhecimento
próprio”. É um aviso pertinente de uma ‘expert” no campo da
meditação e oração, pois passou por uma infinidade de situações
difíceis e até perigosas, justamente por não ter clareza de ideias a
respeito do tema. Teresa quer ajudar seu leitor a evitar a
construção da oração sobre fundamentos falsos e caia numa falsa
humildade ou, inclusive, corra o perigo de idealizar o caminho e o
processo, perdendo o autêntico sentido e rumo, ao qual dever
levar a meditação.
Teresa considera o conhecimento de si como um dos elementos
estruturantes e definidores da consciência clara de si mesmo e,
portanto, do que é oração mental. No Caminho de Perfeição
escreve:
“Agora entendereis a diferença que há dela entre esta
contemplação e a oração mental que consiste em ponderar e
entender o que falamos, e com quem falamos, e quem somos
nós que ousamos falar a tão grande Senhor. Oração mental é
pensar nisto e em outros assuntos semelhantes, como por
exemplo, no pouco que fizemos no serviço de Deus e no muito
que somos obrigados a fazer” (Caminho 25, 3).
São três, pois, os elementos em torno aos quais gira a meditação
teresiana para que esta seja tal:
a consciência de si,
o conhecimento de Deus e
o conhecimento de si.
Este último, tal como nos afirma a mesma Santa, constitui-se,
inclusive, em conteúdo de meditação e, portanto, de oração.
Afirma o Pe. Tomás em o.c., p. 133: “o conhecimento de si
mesmo que ela propõe é um ato religioso de oração, capaz de
abarcar com um só olhar à Deus que o habita e dignifica”. A
meditação-oração é a porta, a única para entrar no próprio
interior:
“Pelo que entendo, a porta para entrar neste castelo é a oração,
a meditação. Não digo oração mental mais que vocal. Para ser
oração é necessário a reflexão. Não chamo oração mexer com os
lábios sem pensar no que dizemos, nem no que pedimos, nem
quem somos nós, nem quem é Aquele ao qual nos dirigimos.
Algumas vezes poderá acontecer isso a pessoas que se esforçam
por rezar bem, mas será por motivos que se justificam, e será boa
a oração” (1M 1, 7).
Um discurso sobre este tema à luz da Psicologia moderna,
oferece-nos Edith Stein em sua obra-comentário ao Castelo
Interior, em Obras Seletas, Editora Monte Carmelo, Burgos 1997.
No âmbito da autêntica oração teresiana e também do
seguimento de Cristo, o conhecimento próprio é algo
imprescindível. Ao princípio, isto é, no âmbito mais concreto da
meditação, não se pode carecer de tal bem, mais excelso
inclusive que orações bem elevadas que podem distanciar o
homem de sua realidade concreta: “considero maior graça de
Deus um dia de humilde autoconhecimento, mesmo à custa de
muitos sofrimentos e aflições, que muitos dias de oração” (F 5,
16).
Por trás de tudo isso há uma clara convicção em Teresa baseada
em sua visão positiva e excelsa do homem e que ao mesmo
tempo a distingue de outras escolas de meditação, que pensam
mais no “vazio do homem” ou numa construção ideal limitada do
ser do homem.
Teresa concebe o ser humano como um ser habitado, como um
ser que não necessita buscar sua dignidade fora de si, mas
encontra-a no íntimo de seu ser, revalorizada considerando-se a
luz do mistério da Encarnação ou da Humanidade de Cristo.
Conhecer-se é descobrir e resgatar essa dignidade inalienável:
“...entendermos como há dentro de nós um mundo mais
precioso, sem comparação alguma, do que esse exterior que
contemplamos.
Não nos imaginemos ocas e vazias por dentro. Praza a Deus que
só as mulheres ignorem essa verdade e andem negligenciando-a.
Se vivêssemos com cuidado, lembrando-nos frequentemente de
que temos em nós tal hóspede, acho impossível darmo-nos tanto
às coisas do mundo” (Caminho 28, 10).
É fácil, pela argumentação do discurso, seguir a argumentação
teresiana no processo de autoconhecimento. Sim, somos
“miseráveis”, mas nossa miséria não acaba em si mesma: abre-se
a uma dinâmica nova que revaloriza o todo do ser humano: seres
habitados pela divindade. Agora, quem desconhece esta verdade
– que define a essência ontológica-teológica do indivíduo
humano -, dificilmente será capaz de encontrar-se consigo
mesmo, nem com Deus. Querendo conhecer a Deus, temos que
nos aproximar da sua “imagem” (1M 1, 1), na qual como num
espelho reflete-se a figura de Cristo, arquétipo do ser humano
(Vida 40, 5). A partir desta perspectiva podemos entender
perfeitamente a dinâmica que levou Teresa à conversão, tal como
vimos no capítulo anterior.
Na mesma linha move-se sua discípula Edith Stein, que soube
evidenciar nos tempos modernos e a partir de sua formação
filosófica-antropológica, a necessidade de conhecer o homem
para conhecer a Deus.
Afirma P. Cerezo Galan, a.c., p. 173: “Numa relação circular, o
sujeito teresiano realiza a experiência infinita de si mesmo em
Deus e encontra a experiência de Deus em si mesmo. Esta
circularidade dialógica ou comunicativa é o selo característico da
mística castelhana" e vice-versa, “Ao meu parecer jamais
acabamos de nos conhecer se não procuramos conhecer a Deus”
(1M 2, 9).
Diríamos que parece lógico que o conhecimento de si tenha uma
importância tal na oração teresiana, sobretudo se atendemos ao
peculiar e original nela: que a meditação converte-se nela em
relação amigável e pessoal com Deus. Não é de estranhar que
para Teresa os dois elementos caminhem profundamente unidos:
conhecer-se e servir ao Senhor: “...sempre a alma há de procurar
adiantar-se no serviço de Nosso Senhor e no próprio
conhecimento” (5M 3, 1).
Na relação amorosa, como entrega de si, torna-se lógico que
antes se conheça aquilo que se entrega, para que o dom de si
seja algo livre, voluntário e consciente.

Capítulo 4 – O que é e em quê consiste o “conhecimento de si”:


Quando Teresa fala do conhecimento de si, certamente não está
pensando numa realidade simplesmente cognoscitiva-
psicológica. Nem sequer lhe interessa de modo imediato
“alcançar” a importância deste aspecto para o equilíbrio
psíquico-afetivo da pessoa. Tudo isto se pressupõe. E aqui radica
a genialidade da oração-meditação teresiana, que sem ter alguns
pressupostos científicos do que constitui a base de um
crescimento harmônico da personalidade, sua experiência
mística de Deus abre-lhe os olhos frente a esta realidade, de tal
modo que sua mística descobre aqui um fator que não a faz
abstrair-se da realidade humana, mas a assume e a encaminha
para a plenitude.
Teresa insiste com grande força no conhecimento quando traça o
caminho da meditação, pois este é descoberta e tomada de
consciência da própria realidade essencial e existencial. Ainda
centrando o olhar sobre o “eu”, o conhecimento de si é o
pressuposto que nos leva a romper com o egoísmo e a alargar o
panorama do próprio mundo na alteridade. Claro, que não se
trata aqui de um conhecimento de si que desemboca no
narcisismo. Bem pelo contrário: um conhecimento de si que se
abre ao infinito mistério de um Deus que é o único capaz de
desvelar o inquietante mistério do homem, que sempre intrigou
a mente do pensador, filósofo ou não, que busca um sentido ou
razão de ser para a existência do homem.
P. Cerezo; a.c., p. 203, afirma: “Numa época por demais egoísta e
secularizada, na qual o homem, como um novo Narciso, encontra
por todos os lados os vestígios de sua própria imagem até
perecer afogado no labirinto de infindáveis espelhos, Teresa de
Ávila descobriu aquele outro espelho interior, polido pelo silêncio
e ânsias, em que a imagem se transcende a si mesma em seu
original. Era o jogo de corpo mais elegante, a ironia mais fina que
se podia imaginar contra o mero humanismo. Isto porque toda
projeção de si é de curta radiação ou se extravia em ilusões
infinitas – humanos, demasiado humanos, multiplicados fetiches
de si mesmo -, caso não se projete nela a ânsia viva ou o desejo
transfigurado de um deus maior que nossa miséria e mais forte
do que a morte”.
Normalmente, quando se fala do humanismo teresiano pensa-se
mais nas atitudes externas: simpatia, abertura, jovialidade,
recreação, atenção pelos enfermos e necessitados... e no
entanto, o autêntico humanismo radica nos elementos que
constituem a base do amadurecimento da pessoa: e a base de
tudo isto é o conhecimento de si. Se tivermos clareza neste
elemento, teremos compreendido ainda melhor o que significa
apresentar Teresa como uma grande humanista.
São João da Cruz, como Teresa, está convencido e afirma que o
exercitar-se no conhecimento próprio consiste em “entender a
maneira de dispor-se para começar este caminho”, e em ter
“fortaleza para vencer as tentações e dificuldades” (CB 4, 1).
Quando Teresa fala do conhecimento de si está pensando
principalmente naquela verdade teologal que dá sentido e razão
de ser e do existir do homem: sua autentica natureza. Que só se
explica na sua origem: Deus. Os outros elementos que
configuram a personalidade não mais do que consequência disto;
por exemplo quando afirma Teresa: “Grande verdade é que nada
de bom procede de nós, a não ser a miséria de ser nada. Quem
não entende isso, anda na mentira” (6M 10, 7).
Em Teresa descobrimos sublinhadas as duas vertentes da
compreensão teologal do homem: por um lado a própria miséria:
são muitos os textos onde Teresa sublinha a “miséria” do
homem. Alguns deles são: Vida 13, 1; 14, 9; 15, 14), e por outro
lado a altíssima vocação à qual o homem foi chamado desde sua
criação e o grande amor que Deus lhe tem; entre outros: 1M 1, 1
e 6M 6, 5. São como as duas faces de uma mesma moeda ou
como as duas rodas da bicicleta. Prescindindo-se de uma delas o
ciclista não poderá avançar em sua corrida. O conhecimento de si
cria na pessoa uma dinâmica de conversão, de abertura e
reconhecimento frente à própria verdade que define o homem, e
por isso encerra em si um profundo caráter de realismo ascético.
Em relação à miséria do homem, a seu pecado, Teresa não se
cansará de avisar sobre o perigoso que pode resultar no caminho
oracional e portanto, na vida do homem, o permanecer cegos e
impassíveis diante dessa realidade: “oh valha-me Deus, quem
dera entendêssemos quão grande é a nossa miséria! Se não
compreendermos isso, em tudo haverá perigo” (F 5, 16; cf. Vida
20, 19).
A grande dignidade do ser humano contrabalança o perder-se na
angústia da própria miséria ou o fazer “vista grossa” frente a ela,
para evitar descobrir-se diferente em relação aos parâmetros
sociais ou idealismos pessoais: é a perigosa atitude do não
aceitar-se a si mesmo. Teresa convida ao orante a voar de vez em
quando para a grandeza de Deus, para evitar o afogar-se em sua
própria miséria. Ambos os polos devem harmonizar-se na
meditação e no conhecimento de si:
“Por outro lado, consideremos que a abelha não deixa de sair e
voar para sugar as flores. A alma ocupada em conhecer-se, alce
voo algumas vezes. Considere a grandeza e a majestade de seu
Deus. Constatará sua baixeza muito mais do que olhando para si.
Estará mais a salvo dos animalejos imundos que entram nas
primeiras peças, as do conhecimento próprio. Embora seja
grande misericórdia de Deus exercitar-se no próprio
conhecimento, o mais está incluído no menos, como se costuma
dizer. E creiam-me: com a virtude de Deus, praticaremos melhor
a virtude, do que vivendo atadas ao nosso barro (1M 2, 8).
No fundo, não se trata mais do que a atitude fundamental do ser
humano em busca de entender o sentido de sua existência. Só
que no caso de Teresa esse sentido observa-se e complementa-se
à luz de uma compreensão teologal do home que se descobre
“criatura” e não “senhor”. Esta é a atitude que continuamente
Teresa manifesta em sua vida depois de sua conversão definitiva:
cfr. Vida 3, 5, em espanhol e Vida 3, 6, em português:
“... fui entendendo as verdades que compreendera em menina: o
nada de tudo que é transitório, a vaidade do mundo, a brevidade
com que tudo acaba. Pus-me a pensar e a temer que iria talvez
para o inferno se tivesse morrido.”;
Vida 15, 11: “... o pouco que duram as coisas e que tudo é nada”.
Esta mesma dinâmica propõe João da Cruz ao início de todo o
processo espiritual:
Cântico B 1, 1: “Caindo a alma na conta do que está obrigada a
fazer, vê como a vida é breve (Jó 14, 5), e quão estreita é a senda
da vida eterna (Mt 7, 14); considera que mesmo o justo
dificilmente se salva (1Pd 4, 18), e que as coisas do mundo são
vãs e ilusórias, pois tudo se acaba como a água corrente (2Rs 14,
14). Sabe que o tempo é incerto, a conta rigorosa, a perdição
muito fácil, e a salvação bem difícil. Conhece, por outra parte, a
sua enorme dívida para com Deus que lhe deu o ser a fim de que
a alma pertencesse totalmente a ele; deve, portanto, só a Deus, o
serviço de toda a sua vida. Em ter sido remida por ele, ficou-lhe
devedora de tudo, e na necessidade de corresponder ao seu
amor, livre e voluntariamente. E em outros mil benefícios se acha
obrigada para com Deus, antes mesmo que houvesse nascido. E,
no entanto, compreende agora como grande parte de sua vida
transcorreu em vão, não obstante a razão e conta que terá de dar
a respeito de tudo, tanto do princípio como do fim, até o último
ceitil (Mt 5, 26) quando Deus vier esquadrinhar Jerusalém com
tochas acesas (Sb 1, 12), e que já é tarde, e talvez chegado o
último dia (Mt 20, 5)! E assim a alma, sobretudo, por sentir a
Deus muito afastado e escondido, em razão de ter ela querido
esquecer-se tanto dele no meio das criaturas, tocada agora de
pavor e de intima dor no coração à vista de tanta perdição e
perigo, renuncia a todas as coisas; dá de mão a todo negócio; e
sem dilatar mais dia nem hora, com ânsia e gemido a brotar-lhe
do coração já ferido pelo amor de Deus, começa a invocar seu
Amado...”.
Esse “nada” ao qual conduz um autêntico conhecimento de si no
homem, não deve ser confundido nem com uma visão negativa
do ser humano nem como um menosprezo por seu ser e vida. Ao
contrário do quanto sucede nas correntes filosóficas
existencialistas ateias, a “angústia” à qual conduz uma visão séria
e autentica do ser humano, não é a passagem para o suicídio ou
o sem-sentido. Nos místicos esse nada é a condição necessária
para descobrir a presença de Deus e suscitar a atitude de
abandono em suas mãos. Teresa o expressa dizendo que esse
conhecimento, não só nos ajuda a sabem quem somos, mas nos
abre os olhos frente a tudo o que gratuitamente recebemos de
Deus e assim “despertar-nos para amar”. Ver Vida 10, 5.
Edith Stein, em sua obra Ser finito e ser eterno, p. 72, partindo de
uma visão existencialista do ser, transcreve com estas palavras
essa experiência: “Meu ser, tal como eu o encontro e tal como eu
me encontro nele, é um ser vão; eu não existo por mim mesmo e
por mim mesmo nada sou; me encontro a cada instante diante
do nada e este dom de ser deve-se fazer momento após
momento. E no entanto, este ser vão é um ser e por isso eu toco
a cada instante a plenitude do ser. Dissemos antes que o devir e
o cessar, tal como o encontramos em nós, nos revela a ideia do
ser verdadeiro, do ser eterno e imutável. As unidades de
experiência cujo ser é um devir e um cessar têm necessidade do
eu para chegar a ser. Porém, o ser que recebem pelo eu não é
eterno-e-imutável; é mais bem somente este devir e este cessar
com certo nível de ser durante a passagem entre o devir e o
cessar”.
Neste processo de “conhecimento de si”, não como ato externo,
mas como elemento integrante da meditação teresiana,
desempenha um papel válido a consideração da própria vida e
dos próprios pecados: do que se é e do que carece, sem fugir da
própria verdade, aceitando-a e assumindo-a, porque só a partir
da própria condição pode-se alcançar a Deus.
Teresa nos recorda que “É claro que ninguém pode dar o que não
tem, mas é necessário tê-lo primeiro” (F 5, 13).
Outro elemento importante que traz consigo o conhecimento
próprio, juntamente com a descoberta da própria dignidade, é o
reconhecimento da dignidade do outro. Teresa está convencida
que os estragos que se cometem contra os homens, são fruto
desse desconhecimento da própria dignidade, imprescindível
para respeitar e reconhecer a do outro. Assim, falando dos
“estragos” que sabe cometem-se com os índios, escreve a seu
irmão Lorenzo:
“Isto é o que me muito me faz sofrer: o considerar quantas se
perdem (almas), em particular esses índios, que não me custam
pouco. O Senhor lhes dê luz. Por aqui como por lá, há muita
desventura. Como ando por tantos lugares e muitas pessoas me
falam, não sei muitas vezes o que pensar, senão que somos
piores que animais, pois não entendemos a grande dignidade de
nossa alma, rebaixando-a a coisas tão baixas como são as da
terra. O Senhor nos dê luz” (Carta a Lorenzo de Cepeda, 17 de
janeiro de 1570).

Capítulo 5 – Processo que dura toda a vida (Dinâmica do


conhecimento de si)
Dizia Unamuno que “conhecer é querer e recriar”. É assim que
entende Teresa quando considera o conhecimento de si como
um dos elementos sempre presentes em todo o processo vital-
oracional. Teresa diria que conhecer-se é querer-se e recriar-se.
Certamente não se trata de algo estático, mas de um elemento
profundamente dinamizador durante todo o processo, inclusive
nas mais altas moradas:
“Quero que me entendam bem: mesmo aquelas que o Senhor
tiver atraído ao aposento íntimo em que ele se encontra, por
enlevadas que aí estejam, não se descuidem do conhecimento
próprio. Nem poderão descuidar, ainda querendo, porque a
humildade é como abelha, não fica ociosa, está sempre lavrando
o mel na colmeia. Em isso, vai tudo perdido.” (1M 2, 8)
É o processo que a Santa nos oferece no livro das Mordas. A
primeira coisa que Teresa sublinha no processo de crescimento e
do conhecimento é a tomada de consciência da grande dignidade
do ser humano, “a grande dignidade e beleza da alma” (1M 1, 1):
“... consideremos nossa alma como um castelo feito de um só
diamante;
“... aposento onde se compraz um Rei tão poderoso...”;
“É Ele próprio quem diz nos ter criado à sua imagem e
semelhança (Gn 1, 26)” (1 M 1, 1 – ler todo parágrafo).
O homem deve dar-se conta desta verdade se de fato quer
alcançar sua plenitude. Para isto conduz o conhecimento de si.
Em nós está o céu. Ver Caminho 28, 1s.
Nesta mesma linha, Teresa insiste sobre a necessidade de crer
que por muito que o homem peque, nunca perde sua dignidade
e Deus não se afasta dele. O contrário é fruto da situação interior
do homem manchado pelo pecado ou cego por sua ignorância.
Diz Teresa: “a fonte, ou por melhor dizer, o Sol que resplandece
no íntimo da alma não perde seu fulgor e formosura. Nada seria
capaz de empanar-lhe o brilho” (1M 2, 3).
Sem dúvida, resulta consoladora esta afirmação teresiana que,
intencionalmente escreve para evitar aos outros cair num dos
grandes perigos – que por não conhecer supôs um freio e um
sofrimento constante em sua caminhada oracional: Vida 18, 15.
Teresa, no entanto, constata o que a mesma realidade nos
demonstra: que o homem não conhece a si mesmo, mas só
superficialmente; este é um dos maiores freios no caminho para
a felicidade a plenitude. Ela se expressa assim: 1M 1, 2.
Teresa propõe-se ensinar-nos como entrar nesse castelo, isto é,
como iniciar o caminho do autoconhecimento. Anotará Teresa
que as pessoas que não se conhecem, que não entram dentro de
si, são enfermos e paralíticos “Embora tenha pés e mãos, nãos os
pode mover” (1M 1, 6). O único caminho que conhece e propõe
é o da oração.
Para que possa iniciar-se o caminho de conhecimento de si e
portanto da oração, Teresa pressupõe como necessárias algumas
atitudes ou virtudes imprescindíveis: um mínimo de “bons
desejos” e “Encomendam-se uma vez por outra a Nosso Senhor.
Refletem um pouco sobre si mesmas, não muito detidamente.
No espaço de um mês, um dia ou outro, rezam distraídas com mil
negócios a lhes encherem o pensamento” (1M 1, 8).
Teresa nos adverte das dificuldades iniciais do conhecimento de
si. O homem não está acostumado a isto e todas as coisas que o
atam são impedimentos para abrir bem os olhos à sua realidade.
No entanto, é imprescindível fazer esse esforço: “Uma alma que
vive totalmente mergulhada nas coisas do mundo, imersa no
dinheiro, ou nas honras, ou nos negócios, deve ser assim.
Embora não esteja em mau estado e deseje sinceramente ver e
apreciar sua própria formosura, parece impossível desvencilhar-
se de tantos impedimentos” (1M 2, 14).
Novamente percebe-se a atualidade de Teresa neste aspecto: a
rapidez do mundo de hoje, com sua técnica e progresso,
distancia facilmente o homem de sua interioridade que
permanece a grande desconhecida e ignorada para muitos.
Como boa mestra, Teresa avisa sobre outra série de dificuldades
que podem surgir uma vez iniciado este processo pois “São muito
obscuros de se entender esses assuntos íntimos das almas” (1M
2, 7).
Diz também Teresa sobre a necessidade de fazer este caminho
com largueza e liberdade, pelos recônditos espaços “infinitos” da
alma: “Deixem-na circular por estas moradas, em cima, embaixo,
dos lados, já que Deus a elevou a tão grande dignidade. Não a
forcem a estar muito tempo numa só peça...” (1M 2, 8).
Capítulo 6 – A Verdade de Si: Base da humildade Teresiana
Teresa como grande pedagoga.
Não há dúvida de que Teresa é mestra de oração porque sabe
guiar e evidenciar os aspectos fundamentais de todo o processo.
Um exemplo evidente é sua insistência no tema do
conhecimento de si.
JesúsBarrena, em seu estudo sobre a pedagogia teresiana
anteriormente citado, assinala a importância do conhecimento
próprio na educação, afirma: “O educando é construtor de si
mesmo e se edifica sobre a verdade de seus alicerces ou de seus
pilares. Daí a urgente necessidade do autoconhecimento, sem o
qual não é possível progresso educativo algum”.
Santa Teresa sublinha duas grandes vantagens em conhecer-nos
através da meditação e à luz da graça e do mistério de Deus:
Com maior facilidade se observam as deficiências se
comparamos a imagem com o modelo perfeito: “uma coisa
branca parece mais alva junto a uma preta e, pelo contrário, uma
preta junto a uma branca” (1M 2, 10);
“... nossa inteligência e nossa vontade se enobrecem e se tornam
mais aptas para todo bem, pelo fato de se ocuparem ora de si,
ora de Deus. Há muitos inconvenientes em nunca sairmos do
lodo de nossas misérias” (1M 2, 10).
Isto é, o homem adquire um conhecimento mais livre e objetivo
de si e da realidade, despreocupando-se do que dirão. Como
sabemos esse “que dirão”, ou as modas ou pautas sociais
estabelecidas... são muitas vezes um obstáculo na aceitação de
si, tal como podemos observar em nossa sociedade, e tal como
Teresa percebe em seu momento histórico: “vão me achar
melhor do que os outros, porque não sigo o caminho de todos”
(1M 2, 10).
Junto ao conhecimento de si, descobrimos em Teresa outro
conceito que, aparecendo com mais força e caracterizado como
uma das virtudes do oranteteresiano, não pode separar-se deste:
estamos nos referindo a humildade. Esta virtude por excelência,
da qual a Santa faz depender todo o processo oracional e ainda o
crescimento nas outras virtudes, apoia-se no conhecimento de si:
“Tendo falado longamente em outra parte, filhas, sobre o dano
que nos provém de não compreendermos bem a humildade e
tudo que se refere ao conhecimento próprio, não me estendo
mais aqui” (1M 2, 13). Só assim é possível que saia à luz a
verdade da pessoa.
Conhecer-se implica necessariamente uma abertura à verdade de
si mesmo. Não se pode prescindir disto nessa relação de amizade
para a qual pretende Teresa conduzir-nos pelo caminho da
oração. Não se cansa de insistir a suas monjas – e a seus leitores
– sobre a importância de tomar consciência da própria realidade,
da própria verdade (Vida 15, 2). Só assim é possível uma
autentica humildade. É de sobra conhecida a definição que
Teresa faz da humildade: “andar na verdade” (6M 10, 7).
Não cabe dúvidas à respeito: a humildade teresiana é uma
virtude assentada sobre o conhecimento de si: 1M 2, 9.
Finalmente, a chave que nos oferece Teresa para não equivocar-
nos no conhecimento próprio: “ponhamos os olhos em Cristo,
nosso bem, e ali aprenderemos a verdadeira humildade” (1M 2,
11).

Conclusão:
Possivelmente o tema do conhecimento de si em Teresa pode ser
ainda aprofundado e observado desde outras perspectivas. A
intenção destas páginas era o de evidenciarmos a importância e
a centralidade do tema no processo oracional teresiano. E a isto
quisemos chegar pouco a pouco. Ainda que sejam poucos os
lugares específicos nos quais Teresa toca o tema, contudo são
mais do que suficientes para demonstrar sua radical importância.
O conhecimento de si, tal como o apresenta Teresa, leva o orante
a um realismo e autenticidade, sem os quais seria impossível
uma aproximação “saudável” ao Deus das Misericórdias. Por
outro lado, descobrimos neste tema um elemento bem
característico da meditação teresiana: que é profundamente
humanista por que afunda suas raízes na realidade que dá
sentido à vida do homem. Uma vez mais se constata como o
caminho para Deus passa necessariamente pela redescoberta do
homem, pela aceitação e confissão de um Deus que nos salva e
redime desde a humanidade, desde a encarnação, morte e
ressurreição.
Com isto salva-se também toda possível acusação de
distanciamento da realidade, com a qual frequentemente se
qualifica a oração contemplativa. O místico verdadeiro será,
segundo Teresa, um expert conhecedor da humanidade, porque
é capaz de penetrar – com a ajuda da graça -, no segredo mais
profundo do seu ser.
Concluímos com essas palavras de Teresa que nos convida a orar
assim: “Praza a Deus, irmãs, nos faça mercê de não sair jamais
deste conhecimento próprio, amém” (6M 10, 7).

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