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Linhas do Estilo
RELÓGIO D’ ÁGUA
2
“Só pela arte podemos sair de nós mesmos, saber o que outra pessoa
vê deste universo que não é o mesmo que o nosso, e cujas paisagens teriam
permanecido para nós tão desconhecidas como as que poderão existir na
Lua. Graças à arte, em lugar de vermos um só mundo, o nosso, vemo-lo
multiplicar-se e, quanto mais artistas originais houver, mais mundos
teremos à nossa disposição, mais diferentes uns dos outros que os que
rolam no infinito...”
PROUST, Em Busca do Tempo Perdido
3
Sumário
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………. 8
PRIMEIRA PARTE…………………………………………………………… 24
Proust ou a teoria da essência……………………………………………… 24
1. Signos………………………………………………………………………. 25
2. Verdade e aprendizagem…………………………………………………. 29
3. Estilo………………………………………………………………………… 35
a. Estilo hieróglifo…………………………………………………… 35
b. Estilo Anti-logos…………………………………………………... 40
4. Essência……………………………………………………………………. 55
SEGUNDA PARTE…………………………………………………………… 72
Exposição do pensamento ontológico deleuziano……………………...… 72
4
1. Categorias………………………………………………………………….. 72
2. Representação…………………………………………………………….. 74
a. Recognição……………………………………………………... 77
b. Juízo…………………………………………………………..… 84
c. Crítica/Novas categorias………………………………………. 88
b. Profundidade………………………………………………….. 152
BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………… 356
1. Obras do autor………………………………………………..… 356
2. Estudos sobre o autor…………………………………………. 359
3. Bibliografia geral………………………………………………… 363
7
ABREVIATURAS
INTRODUÇÃO
3
DR, p. 322.
4
DR, p. 450.
5
Gilles Deleuze, Logique du sens, Paris, Minuit, 1969, p. 300. (Doravante
utilizaremos a abreviatura LS).
6
Veremos mais adiante como Deleuze tratará esta questão, por exemplo em
DR, pp. 138-139.
10
10
Meio, não é metade ou mediano é ao contrário o lugar onde as coisas ganham
velocidade. Desenvolveremos a noção mais adiante.
11
Gilles Deleuze, Proust et les signes, ed. Presses Universitaires de France, 1996
(1ª edição:1964), p.53. (Doravante, PS).
12
bem podia ser uma nova conclusão da primeira parte de Proust et les
signes (também intitulada “A imagem do pensamento”).
Neste contexto, Logique du sens retomará também com a obra
de arte o caminho da ontologia, nem que seja numa fulguração.
Problemática que continuará a atravessar as obras ulteriores,
nomeadamente Mille Plateaux12, Francis Bacon: Logique de la
sensation13, L’Image-temps,14 Critique et clinique15.
A nossa investigação não implica uma ordem cronológica mas
procura as obras fundamentais para compreender o desenvolvimento
e as transformações do pensamento de Deleuze; pretende, pois:
1. Mostrar que não existem duas estéticas, a da sensação no
conhecimento e a da sensibilidade na arte, mas um plano único da
estética, uma única estética.
2. Que a ontologia e a estética têm necessariamente de
conectar-se. Articulando-se, permitem um alcance que vai até ao
“nascimento do Tempo”.
12
Gilles Deleuze e Felix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, (Doravante,
MP).
13
Gilles Deleuze, Francis Bacon – Logique de la sensation, Paris, La Différence,
1981. (Doravante, FB).
14
Gilles Deleuze, L’Image-Temps, Paris, Minuit, 1985. (Doravante, IT).
15
Gilles Deleuze, Critique et clinique, Minuit, 1993. (Doravante, CC e usaremos a
edição portuguesa).
13
16
Gilles Deleuze, Nietzsche et la philosophie, Paris, PUF, 1962. (Doravante, N).
16
17
MP, p. 123.
22
PRIMEIRA PARTE
20
Deleuze, Gilles, Dialogues (com Claire Parnet), Paris, Flammarion, 1996.
(Doravante, D e usaremos a edição portuguesa).
25
1. Signos
26
PS, p. 60
27
PS, p. 105.
29
2. Verdade e aprendizagem
28
PS, p. 11.
30
30
PS, p. 32.
32
31
PS, p. 50.
32
Idem.
33
35
DR, pp. 277-278.
36
DR, p. 321.
37
DR, p. 329.
35
3. Estilo
a. Estilo hieróglifo
não têm nada a ver um com o outro”38. O meio revelador, “etapa última”
para alcançar a essência, é o estilo.
Pode dizer-se dele que é uma força genial, liberdade da
natureza ou a coisa mais natural do mundo, etc. Mas uma das
características que melhor o definem é, precisamente, o privilégio
desse pressentir. Privilégio que se exprime como “qualidade comum”39
e se manifesta de múltiplas maneiras: na arte em geral, na filosofia, na
ciência, nas vidas, etc. Aprendemos pressentindo numa antecipação
preferencial decisiva, enquanto devir (“Os devires são o que há de mais
imperceptível. São actos que só podem estar contidos numa vida e
expressos num estilo. Os estilos, tal como os modos de vida, não são
construções.”40). Mudamos como numa metamorfose. Um devir toma
forma, encarna-se nas matérias, faz-se corpo. É isso que faz o estilo,
uma metamorfose.
38
D, p. 13.
39
PS, p. 61.
40
D, p. 13.
37
41
PS, p. 106.
38
42
PS, p. 61.
39
43
PS, P. 62.
44
Idem.
45
PS, p. 63.
46
PS, p. 32.
47
PS, p. 34.
40
b. Estilo Anti-logos
48
Deleuze esclarece no prefácio da terceira edição de PS que a segunda parte tinha
sido acrescentada à segunda edição em 1970 e a conclusão desta nova edição é
uma versão de um texto de 1973.
49
PS, p. 134.
50
Idem.
51
PS, p. 57.
52
Idem, p. 134.
41
53
PS, p.134.
54
PS, p.137.
55
PS, p. 179.
42
56
PS, pp. 180-181.
57
PS, p. 184.
58
PS, p. 186.
59
PS, p. 192.
43
64
PS, p. 139.
65
PS, p. 202. Deleuze vai buscar o conceito de transversalidade a Felix
Guattari. Ele mesmo, o refere em nota na página 201.
66
PS, p. 203.
67
PS, p. 134.
46
“corpo sem órgãos”68 o corpo ideal para poder criar esse acto de
pensar no pensamento.
Esta questão atravessará, como veremos a seguir, toda a obra
de Deleuze, talvez porque se trate sempre de uma questão de
intensidade, “sintaxe” (“um estado de tensão para qualquer coisa que
não é sintáctico “) ou “encanto”69, porque os “que não têm encanto não
têm vida, são como mortos.”70
Diante deste mundo continuamente acabado de nascer, que
vale a banalidade da vida? Não valerá nada se a própria vida não for
contaminada por esta incarnação, transmutação, por este corpo
intenso, em tensão, sentido que é contra-sentido, fonte de vida, êxtase,
beatitude, diferença última e absoluta; e, como veremos mais adiante,
nada vale se ela não atravessar os meios mais opacos, mais materiais,
num “lance de dados necessariamente vencedor”71.
O estilo será então uma heterogeneidade que faz a diferença.
Não uma organização reflectida, nem uma estrutura significante
qualquer, nem ainda, uma inspiração espontânea. Não é somente
particular, individual, mas sim individualizante, determina a posição,
ajusta e marca, incarna e faz devir as matérias.
Dirige-se ao novo, é o novo no pensamento, no modo de ver e
entender ou experimentar. Trata-se então, de um poder que rasga a
homogeneidade, criando as suas próprias impossibilidades e
simultaneamente saindo delas.
Duas coisas se lhe opõem: uma linguagem homogénea, já
sabemos, ou ao contrário uma heterogeneidade muito grande.
Heterogeneidade e homogeneidade são ao mesmo tempo duas fortes
possibilidades de oposição: a primeira quando é tão grande que se
transforma em indiferença, a segunda porque reduz totalmente o novo,
68
Noção retomada, a Antonin Artaud e depois desenvolvida por Deleuze, para
marcar o grau zero das intensidades. (Doravante usaremos também a
abreviatura que o próprio Deleuze utilizava: CsO)
69
Em francês “charme”.
70
D, p. 15.
71
Idem.
47
o diferente ao indistinto. Entre uma e outra deve haver uma tensão uma
espécie de zigzag. É o movimento que Deleuze desenha com a mão no
Abecedário72. E “talvez seja o movimento elementar, o movimento que
presidiu à criação do mundo.”
Estilo - zigzag é sempre necessário, com ele elevam-se as
percepções vividas ao percepto, as afecções vividas ao afecto73. É a
“sintaxe de um escritor, os modos e ritmos de um músico, os traços e
cores de um pintor (…). O escritor serve-se de palavras, mas criando
uma sintaxe que as faz passar para a sensação, e que faz balbuciar a
língua corrente, ou tremer, ou gritar, ou mesmo cantar: é o estilo, o
‘tom’, a linguagem das sensações, ou a língua desconhecida em toda a
língua, aquela que solicita um povo por vir, oh gente do velho Catawba,
oh gente de Yoknapatawpha. O escritor retorce a linguagem, fá-la
vibrar, constrange-a, fende-a para arrancar o percepto às percepções,
o afecto às afecções, a sensação às opiniões – tendo em vista,
esperamo-lo, esse povo que não existe ainda. (…) É precisamente a
tarefa de toda a arte, e a pintura, a música não fazem mais do que
arrancar às cores e aos sons os novos acordes, as paisagens plásticas
ou melódicas, as personagens rítmicas que as elevam até ao canto da
terra e ao grito dos homens: o que constitui o tom, a saúde, o devir, um
bloco visual e sonoro.”74
O filósofo fará o mesmo com os conceitos, eles “são
exactamente como os sons, as cores, ou as imagens, são
intensidades”75 que nos convêm ou não. São criações e entre elas há
ressonâncias e movimentos forçados. Quer dizer, também para o
filósofo é uma questão de sintaxe76.
72
Cf. L’ Abécédaire de Gilles Deleuze, Vidéo Editions Montparnasse, 1996.
73
Como veremos, o afecto e o percepto diferenciam-se respectivamente das
afecções e das percepções, sobretudo pela intensidade e por não se referirem
já a um vivido da consciência.
74
QF, p.150 e 155.
75
D, p. 14.
76
Cf. Gilles Deleuze, Pourparlers, Paris, Minuit, 1990. (Doravante, P), p. 223.
“Mais la syntaxe est un état de tension vers quelque chose qui n’est pas
syntaxique ni même langagier (un dehors du langage). En philosophie, la
syntaxe est tendue vers le mouvement du concept.”
48
86
PS, p. 182.
87
Nota sobre as séries ver classificação LS, p. 267.
53
4. Essência
89
P, p.171.
90
PS, p.186.
91
PS, p. 199.
56
92
PS, p. 35.
57
95
DR, pp. 462-463.
96
PS, p. 134.
97
PS, p. 137.
59
98
PS, cf. p. 36 e 50.
99
PS, p. 57.
60
100
PS, p. 112.
61
103
Mais tarde aponta aquilo que considera o caso de excepção em Kant: "Nous
demandons par exemple: qu'est-ce qui force la sensibilité à sentir? et qu'est-ce
qui ne peut être que senti? et qui est l'insensible en même temps? Et cette
question, nous devons encore la poser non seulement pour la mémoire et la
pensée, mais pour l'imagination - y a-t-il un imaginandum, un ϕανταστεον, qui
soit aussi bien la limite, l'impossible à imaginer? - pour le langage... et pour
d'autres facultés ... et même enfin pour des facultés non encore soupçonnées,à
découvrir."
É precisamente aqui que refere "Le cas de l'imagination: ce cas est le seul où
Kant considère une faculté libérée de la forme d'un sens commun, et découvre
pour elle un exercice légitime véritablement 'transcendant'. En effet,
l'imagination schématisante, dans la Critique de la raison pure, est encore sous
le sens commun dit logique; l'imagination réfléchissante, dans le jugement de
beauté, est encore sous le sens commun esthétique. Mais avec le sublime,
l'imagination selon Kant est forcée, contrainte d'affronter sa limite propre, son
ϕανταστεον, son maximum qui est aussi l'inimaginable, l'informe ou le disforme
dans la nature (Critique du jugement, § 26). Et elle transmet sa contrainte à la
pensée, à son tour forcée de penser le supra-sensible, comme fondement de la
nature et de la faculté de penser: la pensée et l'imagination entrent ici dans une
discordance essentielle, dans une violence réciproque qui conditionne un
nouveau type d'accord (§27). Si bien que le modèle de la récognition ou la
forme du sens commun se trouvent en défaut dans le sublime, au profit d'une
tout autre conception de la pensée (§29)."
104
Cita a este propósito Platão na República [VII, 523b e sq.]:"Il y a dans les
perceptions certaines choses qui n'invitent pas la pensée à un examen, parce
64
110
DR, p. 249.
111
QF, p. 52.
112
DR, 369.
113
“Artaud diz que o problema (para ele) não é orientar o seu pensamento (…),
mas chegar, sem mais, a pensar alguma coisa”. DR, p. 252.
68
114
Idem, p. 253.
115
QF, p. 56.
69
116
Retirada de: A. Villani, La guêpe et l’orchidée, p. 56/57.
70
117
PS, p. 69.
118
FB, p. 46.
119
PS, p. 75.
71
constituirá uma teoria dos signos, será o próprio a dizê-lo muitas vezes,
para não se esquecer nunca do que quis reparar.
Este ensaio encontra-se numa espécie de encruzilhada, não há
só um conceito novo; em cada momento, descobre-se que o
pensamento deleuziano está todo ali, talvez em germe, talvez em
sonho. É, sem dúvida, uma “sintomatologia de mundos”, mas há uma
potência de vida ainda por descobrir.
No preâmbulo à terceira edição de Proust et les signes, Deleuze
explica que a segunda parte trata de um problema diferente da
primeira, e a sua divisão em capítulos visa uma maior clareza. Mas é
preciso ainda referir que este ensaio não estava (nunca esteve)
completo, pois, termina (nesta edição) com um texto que servirá de
conclusão, terá sido publicado em 1973 e depois arranjado para esta
versão. Uma palavra sobre ele: aparece aqui a ideia de uma potência
de outra natureza, que não se deixa organizar porque não tem órgãos,
é ela que quebra o logos.
Nas últimas páginas ficamos a saber que se trata de um corpo
estranhamente plástico – o corpo sem órgãos – o corpo do egiptólogo.
Haverá por isso, quer dizer, por inacabamento, depois da
conclusão de 73, mais acrescentos. De resto, pode perguntar-se se os
“acrescentos” à primeira parte não serão já a constatação do
inacabamento, do sonho que Deleuze ia sonhando, do esquecimento
que sempre pretendeu reparar.
72
SEGUNDA PARTE
1. Categorias
120 a
Aristóteles, Métaphysique, 1003 .
121
DR, p. 89.
122
Cita a este propósito Platão na República [VII, 523b e sq.]:"Il y a dans les
perceptions certaines choses qui n'invitent pas la pensée à un examen, parce
que la perception suffit à les déterminer, et il y en a d'autres qui l'engagent tout
à fait dans cet examen, en tant que la perception ne donne rien de sain.- Tu
73
2. Representação
124
cf. DR, p. 52-54 sobre a crítica de Kierkegaard e Nietzsche a Hegel. O que é
criticado é a permanência no “falso movimento, no movimento lógico abstracto,
isto é, na mediação. (…) É neste sentido que alguma coisa de completamente
novo começa”- uma nova filosofia “novos meios de expressão”. Hegel
“representa conceitos em vez de dramatizar Ideias: faz um falso teatro, um
falso drama, um falso movimento. É preciso ver como Hegel trai e desnatura o
imediato para fundar a sua dialéctica sobre esta incompreensão e para
introduzir a mediação”.
125
Cópia é diferente de simulacro: “Não é próprio do simulacro ser uma cópia,
mas alterar todas as cópias”. DR, p. 37.
126
DR, p. 57.
127
“Se há, como foi tão bem mostrado por Foucault, um mundo clássico da
representação, ele define-se por estas quatro dimensões”. DR, p. 419
75
128
DR, p. 36.
129
Cf. DR, p. 111. “A representação finita é a de uma forma que compreende
uma matéria, mas uma matéria segunda, na medida em que é informada pelos
contrários. Vimos que ela representava a diferença, mediatizando-a,
subordinando-a à identidade como género e assegurando esta subordinação
na analogia dos próprios géneros, na oposição lógica das determinações, como
também na semelhança dos conteúdos propriamente materiais.”
130
DR, pp. 111-112.
76
a. Recognição
131
Cf. DR, p. 420.
132
DR, p. 122.
133
DR, p. 140.
77
134
DR, pp. 226 e 228.
135
A história da filosofia apresenta múltiplas imagens distintas, não só por
causa dos postulados ou ilusões, mas também pelo próprio modo de fazer. QF,
p. 48. Cf. p. 41.
No limite, não haverá para cada filósofo uma imagem? E o mesmo filósofo
não poderá ter encontrado mais do que uma? Haverá uma melhor do que
outra? Cf. pp. 50-56. Deleuze, questiona-se ainda nestas páginas, sobre o que
seria uma imagem moderna do pensamento.
Como podemos então entendermo-nos em filosofia? Parece que só podemos
escolher entre a transcendência e o caos. Cf. pp. 49-51.
78
136
QF, p. 128.
137
Idem, p. 129-130. Cf. ainda estas páginas: “A doxa é um tipo de proposição
que se apresenta da seguinte maneira: dada uma situação vivida perceptivo-
afectiva (por exemplo, traz-se queijo para a mesa do banquete), alguém extrai
dele uma qualidade pura (por exemplo, odor fétido); mas ao mesmo tempo que
abstrai a qualidade, ele próprio se identifica com um sujeito genérico que
experimenta uma afecção comum (…). A «discussão» incide pois sobre a
escolha da qualidade perceptiva abstracta, e sobre o poder do sujeito genérico
afectado. (…) É como a história que Hegel contava, a vendedora a quem
alguém disse: «Os seus ovos estão podres», e que responde: «Podre está
você, e a sua mãe, e a sua avó»: a opinião é um pensamento abstracto e a
injúria desempenha um papel eficaz nesta abstracção, porque a opinião
exprime as funções gerais de estados particulares”.
138
DR, p. 231.
79
139
DR, p. 238.
140
DR, p. 242.
141
DR, p. 317.
142
“Qual é o ser do sensível? De acordo com as condições desta questão, a
resposta deve designar a existência paradoxal de «alguma coisa» que não
pode ser sentida (do ponto de vista do exercício empírico) e que, ao mesmo
tempo, só pode ser sentida (do ponto de vista do exercício transcendente).”
DR, p. 382.
80
143
Idem, p. 240.
144
PS, p.119.
145
DR, p. 243. O termo francês “disparate” não parece bem traduzido por
“disparate” pois o seu sentido exacto é dado por “díspar”.
146
DR, p. 249.
81
147
Problemático é: “um estado do mundo, uma dimensão do sistema e até
mesmo o seu horizonte, o seu foco: ele designa exactamente a objectividade
da Ideia, a realidade do virtual.” DR, p. 444.
148
As Ideias são, neste contexto, problemáticas, complexas, multiplicidades de
relações e de singularidades correspondentes. Explorar uma Ideia ou elevar
cada uma das faculdades ao seu exercício transcendente será a mesma coisa
do ponto de vista do resultado.
Relação a estabelecer com a noção de aprendizagem em Deleuze, por
exemplo cf. DR, p. 277 e p. 280: “aprender é a verdadeira estrutura
transcendental que une sem mediatizar, a diferença à diferença, a
dessemelhança à dessemelhança”; ainda em 320: “É por isso que aprender
pode ser definido de duas maneiras complementares que se opõem igualmente
à representação do saber: ou aprender é penetrar na Ideia, nas suas
variedades e nos seus pontos notáveis; ou aprender é elevar uma faculdade ao
seu exercício transcendente disjunto, elevá-la a este encontro e a esta
violência que se comunicam às outras.”
149
DR, p. 262. Deleuze refere-se aqui a termos de obras de Lewis Carroll que
analisa em LS.
150
DR, p. 320.
82
b. Juízo
156
Cf. também Gilles Deleuze, Foucault, Paris, Minuit, 1986, p.125.
157
DR, p. 89.
158
DR, p. 90.
84
159
Cf. CC, sobre o juízo.
160
Cf. CC, p. 171.
161
CC, p. 181.
162
CC, p. 173.
163
CC, p. 180.
85
Ninguém se desenvolve por juízo, mas por combate que não implica
já nenhum juízo. Desenvolvemo-nos num pensamento que pensa
sem contradição, identidade, dialéctica. Pensamos divergindo, sem
modelos pré-estabelecidos, escapando à lógica do terceiro excluído.
No último parágrafo do capítulo XV de Critique et Clinique,
Deleuze apresenta as razões que, aparentemente, impediam a crítica:
“Aquilo que nos incomodava era que renunciando ao juízo tínhamos a
impressão de nos privarmos de todo o meio de fazer diferenças entre
existentes, entre modos de existência, como se tudo se equivalesse
desde logo”. Depois de Espinosa e Nietzsche, já não podemos pensar
do mesmo modo. Porque é justamente o juízo que nos priva da
diferença. É ele que “supõe critérios pré-existentes (…) de tal maneira
que não pode apreender aquilo que há de novo num existente, nem
mesmo pressentir a criação de um modo de existência”.
Na nova concepção de Deleuze, a identidade, o uno,
subordina-se à diferença. Quer dizer, para fazer Um é preciso
primeiro fazer a Multiplicidade, o que significa não dependermos nem
termos de formar juízos. O que é “cria-se vitalmente, por combate, na
insónia do sono, não sem uma certa crueldade contra si próprio”. Cria-
se e vale por si próprio, nómada que não cessa de se deslocar no
deserto. A distribuição dos entes, sendo agora nómada e não
sedentária, não depende já de um sistema de categorias. O segredo é
mesmo esse, diz Deleuze: “fazer existir, não julgar (…). Não temos de
julgar os outros existentes, mas sentir se nos convêm ou não (…).
Como disse Espinosa, é um problema de amor e de ódio, não de
juízo; «a minha alma e o meu corpo são apenas um…o que a minha
alma ama também eu amo, o que a minha alma odeia, eu odeio”.
A Crítica filosófica, tal como a entende Deleuze, na verdade,
supõe mais do que oposição ou substituição da representação por um
outro modelo qualquer, supõe mesmo o seu estilhaçamento. Criticar é
assim sair da representação, acabar com ela, o que será também
86
164
DR, p. 240.
165
DR, p. 52.
166
Idem, p.54.
167
Cf. QF, p. 128. Clarificando esta espécie de mal entendidos sobre o
conceito, Deleuze define aqui o conceito como “impreciso, vago, mas não por
não ter contorno: por ser vagabundo, não discursivo, por se deslocar num
plano de imanência. É intencional ou modular, não porque tem condições de
referência, mas porque é composto de variações inseparáveis que passam por
zonas de indiscernibilidade, e lhe mudam o contorno. Ele não tem qualquer
referência, quer em relação ao vivido, quer em relação aos estados de coisas,
mas uma consistência definida pelas suas componentes internas: nem
denotação de estado de coisas, nem significação do vivido, o conceito é o
acontecimento como puro sentido que percorre imediatamente as
componentes. Não tem número, nem inteiro nem fraccionário, para contar as
87
c. Crítica/novas categorias
170
DR, p. 122.
171
Gilles Deleuze, L’Île Déserte et autres textes, (org. D. Lapoujade), Paris,
Minuit, 2002, p. 362.
89
172
DR, p. 450.
173
Idem.
174
Os imperativos não emanam do eu, são do ser, são imperativos ontológicos,
formam “os cogitanda do pensamento puro, as diferenciais do pensamento, ao
mesmo tempo o que não pode ser pensado, mas o que deve ser e só pode ser
pensado do ponto de vista do exercício transcendente”. DR, p. 328. Estes
imperativos ontológicos são o ponto aleatório original…. Deles decorrem as
ideias. Não se reportam a um cogito mas a um eu fendido que caracteriza o
pensamento como faculdade no seu exercício transcendente. Ver DR, p. 325.
São imperativos de uma outra espécie, fazem do acaso um objecto de
afirmação, experimentação, condensam o acaso numa só vez . O pensamento
que sai destes imperativos é um pensamento divergente. Ver DR, pp. 327-328.
175
DR, p. 328.
176
Idem.
177
Villani, La guêpe et l’orchidée, p.129.
90
178
Por isso, como veremos adiante, poderão reunir as duas partes (a teoria das
formas da experiência e a da obra de arte como experimentação) da estética.
DR, p. 450.
179
DR, p.451.
180
Esta parece ser, para Deleuze, a melhor palavra para designar estes
complexos, explicando depois em nota que: O Erewhon, de BUTLER, não lhe
parece ser apenas um disfarce de no-where, mas uma transformação de now-
here. DR, p. 451. Ou na página 37: será aquilo que significa ao mesmo tempo,
o “lado nenhum” originário e o “aqui-agora” deslocado, disfarçado, modificado,
sempre recriado. As referências mais explícitas a Whitehead encontram-se em
Le Pli.
181
DR, p. 451.
182
Em todo o caso, num dos anexos do ensaio de Villani, de Novembro de
1981, com o título Respostas a uma série de questões, Deleuze responde:
“(…) A.V.: O pensamento como audácia e aventura?
G.D.: No que escrevi, creio fortemente nesse problema da imagem do
pensamento e no de um pensamento liberto da imagem. Está já em Différence
et répétition, mas também no Proust, e ainda em Mille Plateaux.
(…) A. V.: A conclusão de Mille Plateaux consiste num modelo topológico
radicalmente original em filosofia. Será ele transponível matematicamente,
biologicamente?
G. D.: A conclusão de Mille Plateaux é no meu espírito uma tábua das
categorias (mas incompleta, insuficiente). Não à maneira de Kant, mas à
maneira de Whitehead. Categoria toma, então, um novo sentido, muito
especial. Gostaria de trabalhar sobre esse ponto. Pergunta-me se há uma
91
184
Em CC, p.149, Deleuze, referindo-se ao procedimento de dois grandes
escritores, Kafka e Beckett, mostra que eles não misturam duas línguas, uma
menor e uma maior, o que eles fazem “é mais inventar um uso menor da língua
maior na qual se exprimem inteiramente: eles minoram essa língua, como na
música, onde o modo menor designa combinações dinâmicas em perpétuo
desequilíbrio. Eles são grandes à força de minorar: eles fazem fugir a língua,
fazem-na desfilar sobre uma linha de feiticeira, e não param de a colocar em
desequilíbrio, de a bifurcar e variar em cada um dos seus termos, segundo uma
incessante modulação. Isso excede as possibilidades da fala, atingindo o poder
da língua e mesmo da linguagem. O mesmo é dizer que um grande escritor é
sempre como um estrangeiro na língua em que se exprime, mesmo que seja a
sua língua natal. No limite, as suas forças vêm-lhe de uma minoria muda
desconhecida, que pertence só a ele. É um estrangeiro na sua própria língua:
ele não mistura outra língua à sua língua, ele talha na sua língua uma língua
estrangeira que não preexiste.” (sublinhado nosso).
Ainda sobre o mesmo assunto: “Minoria não é, portanto, o mesmo que
identidade étnica. Ao invés, é uma questão daquele «povo que virá» e ao qual
Kafka apelava quando escreveu a Max Brod que não conseguia escrever em
alemão…” p. 20, Rajchman, John, As Ligações de Deleuze, ed. Temas e
debates, Lisboa, 2002.
185
MP, p. 356. “Por maioritário, nós não entendemos uma quantidade relativa
maior, mas a determinação de um estado ou de um escalão por relação ao
qual as quantidades maiores assim como as pequenas serão ditas minoritárias
(…). Não se pode, portanto, confundir «minoritário» enquanto devir ou
processo, e «menoridade» como conjunto ou estado.”
186
MP, p. 133.
187
MP, p. 134.
93
192
MP, p. 363.
193
“Empirismo Transcendental não quer dizer efectivamente nada se não
tornarmos precisas as condições. O «campo» transcendental não deve ser
decalcado do empírico, como o fez Kant: deve a este título ser explorado por
sua conta, isto é, «experimentado» ( mas trata-se de um tipo de experiência
muito particular). É este tipo de experiência que permite descobrir as
multiplicidades, mas também o exercício do pensamento ao qual reenvia o
terceiro ponto [enquanto actividade criativa, não contemplativa, nem reflexiva].
Pois, creio que, além das multiplicidades, o mais importante para mim foi a
imagem do pensamento tal como a analisei em Différence et répétition, depois
no Proust, e em toda a parte.” In Lettre-Preface de Gilles Deleuze do livro de
Jean-Clet Martin em 13 de junho de 1990.
95
194
DR, p. 123.
195
“«A natureza é contingente, excessiva e mística, essencialmente… As
coisas são estranhas… O universo é selvagem…” DR, p. 124.
196
DR, p. 203. A ideia de um “Eu rachado” (fêlé) vem da ideia de que o tempo,
em Kant, divide o Eu em dois porque o sentido interno impede-o de se auto-
conhecer como númeno.
197
Idem, p. 209. Os segredos do empirismo terão sido, no entender de
Deleuze, levados ao mais alto grau por Hume. Uma das originalidades deste
filósofo teria sido a de afirmar que as relações são exteriores aos seus termos.
“Assim, o verdadeiro mundo empirista desenvolve-se pela primeira vez em toda
a sua extensão; mundo de exterioridade, mundo em que o próprio pensamento
está numa relação fundamental com o Exterior, (…) – mundo em que a
conjunção «e» destrona a interioridade do verbo «é»”.
198
IUV, p. 3.
96
199
Ver acima nota sobre Erewhon.
200
DR, p. 38.
201
D, p. 159: “Podem objectar-nos que não saímos do dualismo (…). Mas o
que define o dualismo não é um número de termos, nem tão-pouco se sai do
dualismo juntando-lhe outros termos (x>2). Só se sai efectivamente dos
dualismos deslocando-os como se de um fardo se tratasse, e quando se
encontra entre os termos, quer sejam dois ou mais, um desfiladeiro estreito
como uma margem ou uma fronteira que vai fazer do conjunto uma
multiplicidade, independentemente do número de partes.”
202
MP, p. 339.
97
não é um, nem dois, mas entre-dois. Pode-se, desde logo203, e como
já analisámos na primeira parte, conceber um outro procedimento ou
uma variação do primeiro, para libertar o afecto dos sentimentos, ou
extrair o ser da sensação – será o estilo, melhor, o não-estilo.
Que descobriu então este novo empirismo?
Uma “geografia de relações”, um “meio”, um empirismo
superior.
Um uso minoritário da ontologia que não faz outra coisa senão
chegar à “experiência real”. Para isso chega ao ponto extremo,
selvagem e excessivo - minando o ser - procurando, em primeiro
lugar, descobrir as condições dessa “experiência” e, em segundo,
pensar que essas condições não poderão ser mais largas que o
condicionado.
A descoberta destas novas condições supõe que a experiência
engendra uma experiência que não é já empírica: “falaremos de
empirismo transcendental, por oposição a tudo o que faz o mundo do
sujeito e do objecto. Há qualquer coisa de selvagem e potente num tal
empirismo transcendental. E não é certamente o elemento da
sensação (empirismo simples), uma vez que a sensação não é senão
um corte na corrente da consciência absoluta. É antes, por mais
próximas que estejam duas sensações, a passagem de uma à outra
como devir, como aumento ou diminuição de potência (quantidade
virtual).”204
203
Por exemplo, desde Proust et les signes.
204
I UV, p. 3.
98
205
Idem.
206
Como dizer das coisas e do ser que não há antes nem depois? Uma nova
espécie de revolução copernicana esboça-se em Deleuze. Noção talvez
inadequada, que não chegará a alcançar a complexidade maior desta filosofia
e certamente também não dizendo suficientemente o que de novo há em
Deleuze, o que ele pensou para a ontologia. Esta revolução é a revolução não
da experiência que descobre o seu lugar, mas da experimentação. Antes da
primeira “revolução copernicana” tínhamos pontos fixos (o mundo, Deus, o eu,
centro, etc.), com ela pode dizer-se que continuámos ainda com pontos que
permaneceram imóveis. Agora, com Deleuze, as coisas e o próprio ser querem
sair do seu longo aprisionamento categorial, da sua fixidez unificadora. Não
poderão mais ser estáveis e imóveis. Há um “corte” que é feito no caos. O ser
não é imóvel, mas unívoco. “Tal condição só pode ser preenchida à custa de
uma inversão categórica mais geral, segundo a qual o ser se diz do devir, a
identidade se diz do diferente, o uno se diz do múltiplo, etc. Que a identidade
não é primeira, que ela existe como princípio, mas como segundo princípio,
como algo tornado princípio; que ela gira em torno do Diferente, tal é a
natureza de uma revolução coperniciana que abre à diferença a possibilidade
do seu conceito próprio”. DR, p. 100. Nesta passagem Deleuze referia-se a
uma revolução coperniciana, em Nietzsche, mas outro tanto se pode dizer
relativamente ao que ele próprio quer realizar.
99
207
Cf. IUV.
208
IUV, p. 5.
209
MP, p. 25.
100
213
Termo que Deleuze foi buscar a Duns Scot, dando-lhe um significado
próprio: “É todo o agenciamento no seu conjunto individuado que se julga ser
uma hecceidade; é ele que se define por uma longitude e latitude, por
velocidades e afectos independentemente das formas e dos sujeitos que não
pertencem senão a um outro plano. (…) Uma hecceidade não tem nem
princípio nem fim, nem origem nem fim; ela está sempre no meio. Ela não é
feita de pontos, mas somente de linhas. Ela é Rizoma.” MP, p. 321.
214
MP, p. 16.
102
Rizoma Árvore
Imagem do Mundo Imagem do Mundo
215
MP, p. 31.
103
216
DR, pp. 206-207.
106
221
LS, p. 211.
222
DR, p. 93.
110
223
IUV, p. 5.
111
lance, de todos os lances num só. Afirmar224, quer dizer, tudo afirmar
sem julgar.
É a Voz que afirma a vida e que afirma o mundo, numa
intensidade que não se deixa aprisionar.
224
“Afirmar não é declarar ou assumir, mas sim iluminar, desenterrar, soltar o
ar fresco das outras possibilidades, combater a estupidez e o cliché.”
Rajchman, obra citada, p. 21.
225
DR, p. 342.
226
Cf. François Zourabichvili, Le Vocabulaire de Deleuze, “Virtuel”, Ed. Ellipses,
2003, p. 89.
227
D, p. 179.
112
228
Cf. Idem, p. 184; ver, sobre a imagem cristal, L’Image-Temps.
229
Alain Badiou, Breve tratado de ontologia transitória, Lisboa, Instituto Piaget,
1998, p. 64.
230
Alain Badiou, Deleuze, «La clameur de l’Être», Paris, Hachette, 1997, p. 81.
231
“Il n’y a jamais eu qu’une proposition ontologique: l’Être est univoque.” DR,
ed. Fr. p. 52.
113
232
V. Foucault, “Theatrum philosophicum” in Critique, n.º 591/592, p. 722. “Que
o ser seja unívoco, que ele não possa dizer-se senão de uma só e mesma
maneira, é paradoxalmente a condição maior para que a identidade não
domine a diferença e que a lei do Mesmo não a fixe como simples oposição”.
233
DR, p. 137.
114
234
DR, p. 94.
115
pelo uso que a nova criança dele faz) faz agora parte do espaço do
corpo de uma outra criança.
“Nomadizar” não significa errar, atravessar à deriva um espaço
objectivo previamente mapeado, dividido em territórios bem definidos.
Nomadizar é criar espaços em conjunção com o corpo, no momento
em que o corpo o preenche (e em conexão, não mais, com o corpo
objectivo), depois abandoná-lo, passar a outro, ao acaso, criando
outro espaço momentaneamente de pertença.
Ora este tipo de distribuição do espaço ( e dos seres no
espaço) só é possível pela univocidade do espaço por assim dizer. É
porque o espaço do parque utilizado pelas crianças é o mesmo para
cada uma delas, que este tipo de distribuição, sem conflito, igualitário
na diferença (“o mesmo sentido diz-se de modos diferentes”), é
possível. Os jogos das crianças implicam esta distribuição nomádica.
Cada uso (ou preenchimento) de uma “parte” do espaço cria um novo
espaço próprio singular, que só existe pelo e durante o tempo do seu
uso. E esse mesmo espaço é “distribuído” de tal forma que todas as
crianças criam novos espaços nos antigos como se uma
multiplicidade de espaços heterogéneos fosse criada no mesmo lugar
(ou “local” se quisermos um referente espacial objectivo).
O espaço comunitário arcaico (rural ou exótico) das sociedades
ditas “igualitárias” (ou “sem Estado”) é de uma mesma ordem, se bem
que aqui a análise se torne mais complexa, porque a propriedade
jurídica pode já coexistir com a distribuição de errância. Mas mesmo
aqui a pertença não equivale à nossa “propriedade jurídica”,
comprometendo outros parâmetros como a mesma pertença à terra,
ao sangue, mesma filiação, etc. No entanto, o espaço comunitário
propriamente dito supõe uma distribuição nomádica: elástico, de
todos e de ninguém, segundo a ocasião, aberto a cada um,
preenchido de direito virtualmente por cada membro da comunidade,
compõe-se afinal de múltiplos espaços, criados pontualmente, depois
desfeitos para serem por outros preenchidos. Como os espaços
116
infantis, esta distribuição não fixa pode ser dita “delirante”, porque é o
desejo, o sonho que criam os espaços no espaço, e distribuem os
seres pela sua topografia errática e móbil, mas absolutamente real
(porque “delirante”). Por isso Deleuze pode escrever: “É uma
distribuição de errância e mesmo de «delírio», em que as coisas se
desdobram em toda a extensão de um ser único e não partilhado.
Não é o ser que se partilha segundo as exigências da representação,
mas todas as coisas que se repartem nele na univocidade da simples
presença (o Um-Todo)”.235
237
DR, p. 95.
238
Cf. DR, p. 45.
239
O que é mesmo um indivíduo? O que pode constituir a individualidade de
um indivíduo? Um indivíduo não é uma qualidade nem uma extensão. É uma
intensidade. Compondo-se com outras intensidades forma outros indivíduos.
Cada indivíduo é uma multiplicidade, como sabemos: “O individuante não é o
simples individual”. MP, p. 9. Mas é uma multiplicidade infinita, tal como a
“Natureza inteira é uma multiplicidade de multiplicidades perfeitamente
individuada.” MP, p. 311.
Há uma unidade de um plano de natureza que vale para todos. Esta
unidade não é um fundamento mas é unívoca, individuada.
Não podemos aqui, para compreender, fazer apelo à analogia, uma vez que
ela procura o princípio da individuação nos “factos”, nos “existentes
particulares” e aí ficamos na aporia. “Pelo contrário, quando dizemos que o ser
unívoco se reporta essencialmente e imediatamente a factores individuantes,
certamente não entendemos estes factores como indivíduos constituídos na
118
experiência, mas como aquilo que neles age como princípio transcendental,
como princípio plástico anárquico e nómada contemporâneo do processo de
individuação, e que não é menos capaz de dissolver e destruir os indivíduos do
que de constituí-los temporariamente: modalidades intrínsecas do ser,
passando de um «indivíduo» a outro, circulando e comunicando sob as formas
e as matérias.” DR, p.96.
Onde procurar então o princípio de individuação? O que é a individuação?
A individuação é um processo onde operam quantidades intensivas que
afectam e circulam, aumentam ou diminuem a sua potência.
“A intensidade é individuante, as quantidades intensivas são factores
individuantes. Os indivíduos são sistemas sinal-signo. Toda a individualidade é
intensiva.” DR, p. 397.
“A individuação é o acto da intensidade que determina as relações
diferenciais a actualizarem-se, de acordo com linhas de diferenciação, nas
qualidades e nas extensões que ela cria” (DR, p. 398) linhas onde a
diferenciação opera.
A Individuação não é a mesma coisa que a diferenciação. São processos
diferentes e independentes. A individuação é então intensiva e ainda não
qualificada. Trata-se do nascimento de um espaço-tempo, começo do mundo,
radical e absoluto.
Na nota 24 em MP, p. 318, Deleuze, faz referência a um modo de
individuação que nasceu de um “erro fecundo” atribuído a Duns Scot e que se
traduzirá pela noção de hecceidade. Um corpo diz ele, mas podíamos dizer: um
indivíduo “ não se define pela forma que o determina, nem como substância ou
sujeito determinados, nem pelos órgãos que possui ou as funções que
exerce…
Há um modo de individuação muito diferente do de uma pessoa, de um
sujeito, de uma coisa ou substância. Reservamos-lhe o nome de heceidade.
Uma estação, um inverno, um verão, uma hora, uma data têm uma
individualidade perfeita à qual não falta nada, se bem que ela não se confunde
com a de uma coisa ou de um sujeito. São heceidades, neste sentido tudo o
que é relação de movimento e repouso entre moléculas e partículas, poder de
afectar e ser afectado.” MP, p.318.
Ter uma individuação ou poder ter não “consiste simplesmente num décor ou
num fundo que situaria os sujeitos…. É todo um agenciamento no seu conjunto
individuado que se acha que é uma heceidade”. Mas elas ainda que
inseparáveis, são de dois tipos: de agenciamento (são coordenadas espácio-
temporais, longitude e latitude) e inter-agenciamento ( que marcam a
potencialidade do devir, o meio de crescimento da longitude e latitude). Não
estamos a falar, diz Deleuze, de predicados da coisa, mas de dimensões de
multiplicidades.
A univocidade também não se pensa sem a individuação. No entanto é um
modo original de individuação - a hecceidade. Princípio informal que constitui
um plano que não é estrutural nem genético. Plano sem sujeito, nem
desenvolvimento, mas unívoco. Plano de univocidade. Os termos de que
partimos podem segundo a nossa hipótese pensar-se como um e o mesmo. A
confusão tende a alargar-se e a contaminar outros campos, o do pensamento e
o da a estética por exemplo.
Ver DR, p. 138-139. Há uma ligação entre o pensamento e a individuação ver
ainda DR, p. 257.
Supõe um estado pré-individual, meta-estável, um campo pré-individual, ideal
virtual que preside à génese de um espaço-tempo, puro dinamismo não
empírico.
Individuação não é a mesma coisa que diferenciação. São processos
diferentes e independentes.
119
244
MP, p. 195.
245
Cf. IUV.
246
Cf. QF, p. 37 e segs; MP, pp. 195, 197.
122
247
Cf. Alain Badiou, Breve tratado de ontologia transitória, Lisboa, Instituto
Piaget, 1999, p. 64.
248
QF, p. 38.
123
249
DR, p. 473.
124
250
DR, p. 342.
251
Idem.
252
DR, p. 345.
127
253
PS, p. 57.
254
DR, p. 347
128
260
A partir de leituras de vários biólogos, cf. Différence et répétition pp. 351-
353.
261
DR, p. 351.
131
262
DR, p. 353.
263
Idem.
264
Idem.
132
265
Mas o conceito de “plano de imanência” não existe ainda em DR. por isso,
em nosso entender, apesar de todo o seu pensamento o conduzir nessa
direcção, a “ontologia da diferença” permanece aí em estado de projecto.
266
DR, p. 355.
267
Idem.
134
268
DR, p. 356
269
DR, p. 358.
270
Kant, Immanuel, Crítica da Razão Pura, ed. Port., p. 199. A163: “Não posso
ter a representação de uma linha, por pequena que seja, se não a traçar em
pensamento.”
271
V. DR, p. 355.
135
272
Deleuze, Gilles, L’Ile Déserte et autres textes, (edição preparada por David
Lapoujade), Paris, Minuit, 2002, p.11-17.
273
Idem, p.12.
136
274
L’Ile Déserte et autres textes, p.12-13.
275
DR. 358.
137
276
DR. 359.
138
279
DR, p. 396.
280
Decidimos distinguir, como o faz Deleuze, em todos os textos de DR, entre a
tradução de différentiation e de différenciation, acrescentando aspas ao termo
correspondente à primeira noção: “diferenciação”. Tornamos assim mais clara a
tradução – na versão portuguesa de DR o mesmo termo traduz dois conceitos,
claramente diferentes.
281
DR, p. 376.
142
284
DR, p. 396.
285
“captar a intensidade independentemente da extensão ou antes da
qualidade nas quais ela se desenvolve, tal é o objecto de uma distorção dos
144
sentidos. Uma pedagogia dos sentidos está voltada para esse objectivo”. DR,
p. 384.
286
Cf. DR, p. 394.
145
287
DR, p. 394.
146
288
DR, p. 394.
289
DR, p. 332.
147
290
DR, p. 115.
291
DR, p. 333.
292
Idem.
149
295
DR, p. 381.
151
b. Profundidade
296
DR, p. 373-377.
152
297
DR, pp. 371-372.
153
298
DR, p. 373.
154
299
DR, p. 381
155
302
DR. pp. 388-389.
158
303
DR, p. 239.
304
QF, p. 145.
305
DR, p. 122.
161
308
IT, 265- 280. Deleuze refere-se a um modelo de cinema cerebral, sistema
acentrado, espaço cerebral topológico, que descobre a criatividade do mundo,
“as suas cores suscitadas por um novo espaço-tempo, as suas potências
multiplicadas pelos cérebros artificiais”. A possibilidade de criar, de renovar
todo o nosso conhecimento cerebral deve-se ao facto de qualquer coisa ter
mudado, a saber, o nosso conhecimento científico do cérebro. Operaram-se
novas distribuições, das quais mais do que rupturas, produziram novas
orientações. “A nova imagem do pensamento é agora constituída por três
aspectos: topológico, probabilitário e irracional. Cada um deduz-se facilmente
dos outros e forma com eles uma circulação: a noosfera.” p. 281.
309
DR, p. 368.
310
DR, p. 450.
163
311
DR, p. 390.
164
312
DR, p. 204.
313
N, p. 53.
314
N, p. 77.
315
No estudo sobre Nietzsche, a noção de devir aparece como multiplicidade,
diferença, possibilidade de afirmação do ser. Heraclito foi quem o compreendeu
melhor (segundo Nietzsche), fazendo do devir uma afirmação. Heraclito “é
aquele para quem a vida é radicalmente inocente e justa. Ele compreende a
existência a partir de um instinto de jogo, faz da existência um fenómeno
estético”(27), inocente. A luta dos inúmeros seres, o jogo, não é senão pura
justiça. Em dois tempos: afirmando o devir, afirmando o ser do devir. Dois
tempos que precisam de um terceiro termo ( o jogador, “artista ou criança”). Foi
o que fez Heraclito, afirmou o devir e o ser e relacionou-os. Mesmo sendo
considerado obscuro, sabemos que a afirmação do devir é a afirmação do ser,
uma dupla afirmação: o ser é o devir, o devir é o ser – “O jogador abandona-se
temporariamente à vida, fixa temporariamente o seu olhar sobre ela; o artista
está temporariamente na sua obra e temporariamente acima dela; a criança
joga, retira-se do jogo e volta.”(28). Voltar sempre, é o que faz a criança que
pode jogar repetidamente um (ou vários) jogo, ir-se embora, parecendo que o
jogo acabou e voltar ao mesmo (que não é já) ponto de onde tinha partido,
aparentemente com a mesma atenção. Até pode parecer aos olhos habituais
do adulto uma dispersão completa, uma desatenção, mas não é. A criança
volta, não ao mesmo jogo, mas ao mesmo jogo já diferente, jogando de cada
vez tudo quanto há para jogar, num único lance. Voltar é o ser do devir, ser que
se afirma no devir, jogo que se joga segundo uma lei – a do eterno retorno.
316
D, pp. 12-13. “É como os pássaros de Mozart: há um devir-pássaro nessa
música, mas apanhado num devir-música do pássaro, os dois formando um
único devir, um só bloco, uma evolução a-paralela, de modo nenhum uma
troca, mas «uma confidência sem interlocutor possível»”.
165
317
DR, p. 390.
318
N, p. 54.
319
V. toda a teoria das três sínteses do tempo, no capítulo II de DR.
166
322
CC, p. 144.
168
323
N, p. 80.
324
N, p. 222.
325
DR, p. 53.
326
CC, p. 176.
169
327
DR, p. 42.
328
“Dizemos o mesmo a propósito dos devires: não é um termo que devém
outro, mas cada um encontra o outro, um único devir que não é comum aos
dois uma vez que não têm nada a ver um com o outro, mas que está entre os
dois, que tem a sua direcção própria, um bloco de devir, uma evolução a-
paralela. (…) Encontrar é descobrir, capturar, roubar. Mas não há um método
para descobrir, apenas uma longa preparação. Roubar é o contrário de plagiar,
de copiar, de imitar ou de fazer como. A captura é sempre uma dupla-captura,
o roubo, um duplo roubo. É assim que se cria, não algo de mútuo, mas um
bloco assimétrico, uma evolução a-paralela, núpcias, sempre «fora» e «entre».
(…) Descobrir, encontrar, roubar, em vez de resolver, reconhecer e julgar.” D,
pp. 17-19. (sublinhado nosso).
329
DR, p. 329.
330
Em DR, Deleuze, propõe que a repetição se possa introduzir no estilo. 48.
331
DR, p. 48.
170
332
DR, p. 64.
333
Sobre este tema Deleuze refere-se várias vezes ao texto célebre de Leclaire
et Laplanche sobre Origem do fantasma e Fantasma originário em que os
autores mostram que o fantasma originário não se funda sobre um facto real
mas é ele próprio ficcionado.
334
DR, cf. pp. 64, 65 e seg. Sobre a repetição, relacionando-a com o trabalho
de Freud na psicanálise. Para Freud a cura e a não cura obtêm-se pela
transferência. Noção que Deleuze diz ser antes de tudo repetição. “Se a
repetição nos torna doentes, é também ela que nos cura; se nos aprisiona e
nos destrói, é ainda ela que nos liberta, (…). Toda a cura é uma viagem ao
fundo da repetição. (…) Com efeito, a reflexão sobre a transferência foi um
motivo determinante para a descoberta de um «para-além». É neste sentido
que a repetição constitui, por si mesma, o jogo selectivo da nossa doença e da
nossa saúde, da nossa perdição e da nossa salvação” p. 68.
172
Estática Dinâmica
em extensão Intensiva
Horizontal Vertical
igualdade/simetria desigualdade/assimetria
do mesmo diferença sem conceito
Material Espiritual
Desenvolvida Envolvida
tem lugares fixos/ é sucessiva desloca-se/ é coexistência
Negativa afirmada por excesso
Habitual Singular
Exactidão Selecção
335
Para um inventário completo das diferentes características que as definem,
v. DR, p. 454.
173
336
DR, p.462.
337
V. DR, cap. II.
338
DR, p. 462.
174
339
Idem.
340
Idem.
341
Idem.
342
DR, pp. 462-463.
343
DR, p. 462.
344
DR, p. 448.
175
conforme uma potência interior (…)”345. Mais,: a arte tem talvez uma
vocação ontológica. Trata-se não já da representação ou de pura
imagem que remete para a vida como referente, mas da própria vida
que se exprime na imagem. “Quanto mais a nossa vida quotidiana
aparece estandartizada, estereotipada, submetida a uma reprodução
acelerada de objectos de consumo, mais deve a arte ligar-se a ela e
dela arrancar essa pequena diferença (…) para que, finalmente, a
Diferença se expresse com uma força de cólera ela mesma repetitiva,
capaz de introduzir a mais estranha selecção (…) isto é, uma
liberdade para o fim do mundo”346
A vocação da arte é a ontologia. Porque a obra de arte constrói
mundos, um universo, um Caosmos.
345
DR, p. 463.
346
DR, pp. 462-463.
347
N, p. 71.
348
N, p. 123.
176
b. O jogo ideal
349
Em Deux régimes de fous, edição preparada por D. Lapoujade com textos
de Deleuze de 75 a 95, p. 317, Deleuze responde à questão: o que é um
dispositivo? Dizendo (noção de Foucault) que é um labirinto, um conjunto
177
354
N, p. 29.
355
“O Aiôn é o jogador ideal ou o jogo.” LS, p. 81.
179
356
Em francês jouer significa também brincar, expressão que é usada na
tradução portuguesa.
357
DR, p. 205.
358
Em N, p. 31, Deleuze refere-se à raiz destes jogos na razão, e a raiz seria:
“O espírito de vingança, nada mais que o espírito de vingança…”
359
LS, p. 75.
180
362
Idem.
363
LS, pp. 75-76.
182
364
LS, p. 76.
365
DR, pp. 438-439: “A teoria do pensamento é como a pintura: tem
necessidade dessa revolução que faz com que ela passe da representação à
arte abstracta; é este o objecto de uma teoria do pensamento sem imagem.”
366
DR, p. 328.
183
367
DR, p. 449.
368
DR, p. 451.
369
DR, p. 476.
184
370
DR, p. 450.
371
Nos D, Deleuze refere-se também ao encanto como fonte de vida dizendo
que: “Aqueles que não têm encanto não têm vida, são como mortos. Mas o
encanto não é de todo a pessoa. É aquilo que permite apreender as pessoas
como outras tantas combinações, e de acasos únicos de que aquela
combinação tenha sido retirada. É um lance de dados necessariamente
vencedor, porque afirma suficientemente o acaso, em vez de o recortar, de
probabilizar ou de mutilar o acaso. Além disso, por intermédio de cada frágil
combinação, é uma potência de vida que se afirma, com uma força, uma
obstinação, uma perseverança no ser sem igual." pp. 15-16.
185
um ser que trabalha por prazer. Um criador não faz senão aquilo de
que tem absoluta necessidade”372.
É o seu segredo, como o segredo de Heraclito é o instinto de
jogo. Instinto que lhe permite compreender a existência e fazer dela
um fenómeno estético373.
372
Deux régimes de fous, p. 294.
373
N, p. 27; Na Origem da tragédia, Nietzsche fala de um “mesmo instinto que
exige a arte para a vida, (…) que faz da arte um encantamento que nos impele
a continuar a viver”. ed. port. p. 74.
374
QF, p. 172.
375
Françoise Dolto, Solitude, ed. Ergo, 1988, p. 50.
186
376
QF, p. 145.
187
377
DR, p. 462.
188
TERCEIRA PARTE
Estética
1. A génese do estilo
378
MP, p. 380. A noção de ritornelo é comum a Deleuze e Guattari. Aparece
em Mille Plateaux em 1980, contudo, já tinha aparecido, com Guattari, em
L’inconscient machinique, Paris, Recherches- Encres, 1979, pp. 244 - 314. Cf.
Pascale Criton, A propósito de um curso do dia 20 de Março de 1984. O
190
ritornelo e o galope, in “Gilles Deleuze: uma vida filosófica”, São Paulo, editora
34, 2000, pp. 495-505.
191
por pura alegria, ou canta um mesmo hum, hum, hum, hum, para a
criança que está noutra divisão da casa e quer explorar a casa
através da voz da mãe. É já também uma questão de espaço,
território, presença do mundo, e não angústia ou medo. O “hum” ou o
“lá” deixam marcas num certo espaço, nos objectos que estão no
espaço, nas paredes e até no ar e no tempo. “O ritornelo fabrica
tempo”379. É um bloco de espaço-tempo.
No ritornelo há “toda uma actividade de selecção, de
eliminação, de extracção, para que as forças íntimas terrestres, as
forças interiores da terra, não sejam submersas, para que possam
resistir, ou mesmo que possam ir buscar qualquer coisa ao caos
através do filtro ou do crivo do espaço traçado.(...) Um erro de
velocidade, de ritmo ou de harmonia seria catastrófico, pois destruiria
o criador e a criação trazendo de novo as forças do caos.”380
Para que o criador e a criação resistam é necessário que as
forças do caos encontrem uma região, um ritornelo. Os seus
“motivos” podem ser diferentes: de medo, angústia, territoriais,
amorosos, de trabalho, etc., mas o que se pretende é encontrar o
mundo ou confundir-se com ele ou mesmo deixá-lo.
Traçar um território, é o que faz o ritornelo. Territorial ou “lugar
de passagem” (porque se entra e sai), o ritornelo é um “agenciamento
territorial”. Um território é, como veremos mais adiante, um “acto que
afecta os meios e os ritmos, que os territorializa. O território é o
produto de uma territorialização dos meios e dos ritmos (...) constrói-
se com aspectos ou porções de meios”381.
Um território, na verdade, é feito de meios, ou melhor, contém
em si três tipos de meios que Deleuze e Guattari já tinham referido no
terceiro capítulo382 de Mille Plateaux. “Num sentido geral, chamamos
379
MP, p. 431.
380
MP, p. 382.
381
MP, p. 386.
382
V. MP, pp. 65-68. Neste capítulo sobre a geologia da moral, caracterizam-se
diversos tipos de meios: exteriores (constituídos por materiais fornecidos por
um substrato, por exemplo a sopa pré-biótica); interiores (constituídos por
elementos e compostos de um estrato regulam os graus na complexidade e a
192
384
F. Zourabichvili, Le vocabulaire de Deleuze, Paris, ed. Ellipses, 2003, p. 74.
385
QF, p. 62. Cf. nesta página o exemplo do hominídeo ou “cada pessoa, em
qualquer idade, tanto nas mais pequenas coisas como nas maiores provações,
procura encontrar um território, suporta ou organiza desterritorializações, e se
reterritorializa em qualquer pequena coisa, lembrança, «fetiche» ou sonho.”
386
P, p. 201.
387
P, p. 200.
388
MP, p. 395.
194
391
CC, p. 87.
392
Transcodificação não é o mesmo que descodificação. Não se trata aqui de
um qualquer código que se descodifica, quer dizer a passagem à
descodificação não faz o devir, a passagem do caos ao ritmo. Um código ( e
são as formas que reenviam aos códigos e dependem deles) é inseparável de
um processo de descodificação. A transcodificação é um outro fenómeno,
fundamental nos devires, é a maneira do meio servir de base a um outro,
fenómeno de tradução que permite aceder “a uma concepção científica do
mundo. O mundo científico (Welt, por oposição à Umwelt animal) aparece com
efeito como a tradução de todos os fluxos, partículas, códigos e
territorialidades dos outros estratos num sistema de signos suficientemente
desterritorializados, quer dizer numa sobrecodificação própria à linguagem. É
esta propriedade de sobrecodificação ou de sobrelinearidade que explica que,
na linguagem, não haja somente independência de expressão relativamente ao
conteúdo, mas independência da forma de expressão relativamente às
substâncias: a tradução é possível porque uma mesma forma pode passar de
uma substância para uma outra, contrariamente ao que se passa no código
genético, por exemplo entre as cadeias de ARN e ADN.” MP, p. 81.
393
DR, p. 328.
196
394
MP, p. 385.
197
395
CC, p. 192.
199
396
Deux régimes de fous , pp. 143-144
201
397
MP, p. 388.
398
Idem.
399
MP, p. 408.
202
400
MP, p. 388.
401
MP, p. 389.
402
MP, p. 394.
403
MP, p. 389.
404
Idem.
203
405
Idem.
406
MP, p. 416.
407
MP, p. 390.
204
408
MP, p. 390.
205
409
Cf. MP, p. 390.
410
MP, p. 391.
206
413
MP, pp. 391-392.
414
Jean-Clet Martin, Variations, La philosophie de Gilles Deleuze, Paris, 1993.
415
Op. cit., p. 237.
208
416
MP, p. 393.
209
419
MP, p. 627.
420
A noção de “aplat” será também entendida por nós, pedindo emprestado à
pintura, como “superfície lisa” ou “pincelada lisa”.
421
QF, p. 159.
422
QF, p. 162.
211
423
QF, p. 163.
424
CC, p. 92.
212
desfasamento que faz com que ele (o artista) viva o território, “mas
vive-o necessariamente como perdido”. O que o caracteriza é o
desfasamento.
Nesta perspectiva, o romantismo trouxe inovações
fundamentais: as substâncias ou as matérias informadas não mais
correspondem às formas ou os meios aos códigos, etc. A forma torna-
se uma forma em desenvolvimento contínuo, quer dizer, matéria e
forma deixam de ser conteúdo para serem expressivas. Não há mais
um caos para dominar e organizar. Variação contínua da matéria e
desenvolvimento contínuo da forma asseguram ainda uma
inteligibilidade do mundo.
Trouxe também novas relações com “o perigo, a loucura, os
limites”. O que lhe falta “é o povo”. O herói é um herói terrestre, com
sentimentos. O que faz o romantismo é reclamar “um outro nome, um
outro cartaz”.
427
MP, p. 422.
214
b. O que é um ritornelo?
428
MP, p. 423.
429
Idem.
430
CC, p. 143.
431
“Chamávamos conteúdo as matérias formadas, que deveriam desde logo
ser consideradas de dois pontos de vista, do ponto de vista da substância
215
432
MP, p. 374.
433
MP, p. 407.
217
434
Cf. MP, p. 379.
435
MP, p. 429.
436
MP, p. 426.
218
439
Estado de coisas, define-se neste contexto “como um tempo [no plano do
vivido] entre dois instantes, ou tempos entre muitos instantes.” QF, p. 139.
221
440
MP, p. 360.
441
MP, p. 364.
442
MP, p. 365.
443
O que é uma expressão? “Chamávamos expressão as estruturas funcionais
que deveriam elas mesmas ser consideradas de dois pontos de vista, o da
organização da sua própria forma, e o da substância enquanto elas formavam
os compostos (forma e substância da expressão).” MP, p.58.
222
444
MP, p. 380.
445
Idem.
446
MP, p. 379.
447
QF, p. 129.
223
448
FB, p. 66.
224
451
FB, p. 16.
226
452
MP, p. 344.
453
QF, p.151.
454
Uma das hipóteses seria: em condições de “prudência” a droga, controlada,
poder desencadear um plano onde se conjugassem todos os devires. A
percepção tornar-se-ia necessariamente molecular. Reenviando para uma
percepção molecular, toda a questão continuaria a ser a da possibilidade
efectiva de traçar um plano autónomo, produzir desterritorializações
(alucinações, delírios, falsas percepções, fantasmas, etc.) que podem não ser
consistentes.
227
455
MP, p. 345.
456
MP, p. 346.
457
MP, p. 204.
228
458
J.-C. Martin, Variations, p. 166.
459
QF, p. 151. A propósito da fabulação, Deleuze e Guattari referem-se em
nota, nesta página, à noção de fabulação em Bergson como uma faculdade
“visionária muito diferente da imaginação, que consiste em criar deuses e
gigantes, «poderes semipessoais ou presenças eficazes». Ela exerce-se antes
de mais nas religiões, mas desenvolve-se livremente na arte e na literatura.”
229
460
FB, p.49.
461
Cf. CC; FB; PS: Luta é o corpo a corpo.
462
QF, p. 152.
463
QF, p. 60: “A diferença entre as personagens conceptuais e as figuras
estéticas consiste primeiro nisso: umas são potências de conceitos, outras,
potências de afectos e de perceptos. Umas operam num plano de imanência
(…), outras, num plano de composição”.
230
mesmo devir464, não têm nada a ver com semelhança nem com a
retórica, mas enquanto “alteridade estabelecida numa matéria de
expressão” são a condição para que as artes produzam afectos de
pedra e de metal, de cordas e de sopros, linhas e cores, num plano
de composição de universos. A arte e a filosofia recortam o caos, e
enfrentam-no, mas não é o mesmo plano de corte, não é a mesma
maneira de povoar, nem de encarnar ou incorporar. O ser da
sensação surgirá “entre aquele que sente e o sentido (…) , à
semelhança das mãos que se apertam” e sob a acção das figuras
estéticas.
A carne (chair) será a primeira figura, separar-se-á
“simultaneamente do corpo vivido, do mundo percebido, e da
intencionalidade de um a outro”. Já não se trata da carne do mundo
vivido, mas também não é a sensação. Ela é, na própria definição de
Deleuze e Guattari, “o termómetro de um devir”465.
Da carne decorre a segunda figura: a armadura, a casa, o
devir. O que a define são porções de planos diversos (verticais,
horizontais, oblíquos, rectilíneos, esquerda, direita, etc.) que dão à
“sensação o poder de se manter por si só em enquadramentos
autónomos. A junção finita dos planos, de mil modos possíveis, define
a casa. São as faces do bloco de sensação.”466 A casa não nos abriga
das “forças cósmicas”, mas enquanto participa de todo um devir pode
seleccioná-las, pode torná-las forças que nos convêm (no sentido
espinosista). É o território (o animal demarca-o e faz uma “casa”),
onde a arte pode talvez começar. Ele implica, como já vimos, “a
emergência de qualidades sensíveis puras, sensibilia que deixam de
ser unicamente funcionais e tornam-se traços de expressão,
possibilitando uma transformação das funções. Sem dúvida que esta
expressividade está desde logo difundida na vida”467.
464
Cf. QF, p. 156. Faz-se nesta página a distinção entre um devir sensível e
um devir conceptual.
465
QF, p. 158.
466
Idem.
467
QF, p. 162.
231
468
QF, p. 159.
469
DR, p. 463.
470
QF, p. 161.
232
3. O que é o estilo?
473
QF, p. 167.
474
Idem.
234
477
CC, p. 192.
236
478
CC, p. 199.
237
479
CC, p. 202.
480
P, p. 224.
481
P, p. 225.
482
QF, p. 152.
483
Cf. Ronald, Bogue, Deleuze on Music, Paiting, and the Arts, N. York,
Routledge, 2003, p. 193.
238
484
QF, p. 155.
485
PS, p. 199.
486
QF, p. 156.
239
487
V. FB, p. 46.
488
Até ao século XVIII, o estilo foi entendido simplesmente como “maneira de
escrever”, objecto de uma arte ou técnica da linguagem. Ligado a uma
finalidade pragmática sofrerá alterações consideráveis com o Romantismo. Nos
finais do século XIX aparece a Estilística, que pretende de forma mais científica
identificar os efeitos de estilo. Dela decorre uma nova definição de estilo como
busca de originalidade, recusa do trivial e selecção de signos mais expressivos.
240
492
P, pp. 179 e seg.
493
P, p. 182.
494
P, p. 196.
242
495
PS, p. 199.
496
CC, p. 10.
497
QF, p.149.
498
Personagem central e título do romance que Virginia Woolf publicou pela
primeira vez em 1925.
499
QF, p. 153.
243
500
Cf., Gilles Deleuze, Superpositions, Paris, Minuit, 1979, pp. 106-108.
501
CC, p. 15.
502
CC, p. 16.
244
503
A “história do estilo não desenha uma linha única e ascendente, mas
desenvolve-se num plano multilinear com uma linha orgânica, uma linha
inorgânica e uma linha de afrontamento que vai de uma à outra, linha mediana
que torna possível uma classificação infinita das imagens e dos signos. Este
conjunto multilinear designa o princípio de classificação que Deleuze
desenvolve no seu Bacon, no seu livro sobre o cinema, e ainda esse programa
semiótico que realiza a sua obra sobre a filosofia, Qu’est-ce que la
Philosophie?.” J.-C. Martin, Variations, p. 165.
504
MP, p. 119.
505
MP, p. 138.
506
MP, p. 123.
245
513
CC, p. 34.
514
CC, p, 79.
248
515
CC, p. 81.
516
CC, p. 84.
517
CC, p. 96.
249
518
CC, p. 99.
519
CC, p. 101.
520
Cf, Giorgio Agamben, Bartleby ou La création, Circé, 1995
250
523
MP, p. 123.
524
CC, p. 151.
525
CC, p. 154
253
Como com as crianças que não param “de dizer o que faz[em]
ou tenta[m] fazer”527. As crianças pequenas são um bom exemplo do
que pretendemos dizer sobre o estilo ou o “encanto”. São, sem dúvida
o lugar irredutível de forças e onde elas mais fortemente se revelam.
O que está contido numa vida e que se exprime de uma forma
526
D, p. 15.
527
CC, p. 81.
254
528
D, p.13.
255
529
IUV, p. 6.
530
CC, p. 86.
256
531
QP, p.158.
532
FB, p. 61.
533
FB, p. 13.
534
MP, p. 198.
535
idem.
536
FB, p. 61.
537
MP, p. 187.
538
MP, p. 199.
259
539
idem.
540
MP, p. 90.
260
541
FB, p. 65.
262
que seja, demasiado grande para eles, e que neles pôs a marca
discreta da morte”544. O poeta como Vidente, o artista como ser que
sente e vê de outra maneira e maior, porque experimenta nele devires
que o ultrapassam...
A ideia de que a arte contém e emite intensidades excessivas,
quase insuportáveis para aquele que cria, mas libertadoras de vida,
leva Deleuze mais uma vez a resolver singularmente um problema
central da estética: quem é o sujeito da arte? No entanto, neste
terreno Deleuze, encontra o trabalho aparentemente em parte
efectuado: a fenomenologia, e a fenomenologia da arte em particular,
tinham já subtilmente transferido do sujeito para a Carne a tarefa de
dar conta das operações estéticas fundamentais. Pedir um sujeito
para a arte significa muito simplesmente que se lhe atribui o papel de
operador das sínteses que constituem a obra artística. Sínteses
múltiplas (do conteúdo e da expressão, da força e da forma, do tempo
do material e da eternidade da Figura, do espaço percebido e do
spatium da sensação como ser estético, etc.) que Deleuze resume
numa única, que vai ser objecto da sua investigação: quem pode
reunir o percepto e o afecto e “constituir o ser de sensação”?545
Duas vezes, respectivamente em Francis Bacon e Qu’est-ce
que la Philosophie?, Deleuze interroga a fenomenologia como se ela
se tivesse aproximado de uma solução viável, como se de uma certa
maneira ela representasse um desafio. É preciso dizer que em dez
anos, do Bacon de 1981 a Qu’est-ce que la Philosophie? de 1991, a
resposta de Deleuze e as distâncias que toma relativamente à
fenomenologia da arte se reforçam: apesar das simpatias manifestas
de autores como Henri Maldiney ou Erwin Straus, rejeita a concepção
fenomenológica da carne. Melhor: em Qu’est-ce que la Philosophie?
atribui-lhe uma função menor na sua própria concepção da arte.
Qual é o problema? Sem recorrer directamente ao sujeito
transcendental, a carne parece apta, em certos fenomenólogos como
544
QF, p. 163.
545
QF, p. 169.
265
546
FB, p. 28.
547
FB, pp. 28-29.
266
548
Noção que Deleuze vai buscar a Jean-François Lyotard, cf. Lyotard, Discours,
Figure, Paris, Klincksieck, 1971.
549
FB, p. 31.
267
550
FB, p. 33.
268
551
QF, p. 169.
552
Numa entrevista a Uno Kuniichi Felix Guattari, poucos anos antes de
morrer, nega que tenha abandonado a noção de CsO, justificando a sua pouca
utilização, em benefício da noção de plano de imanência, pelo facto de
existirem múltiplos CsO. O “abandono” é pois por razões de facilidade de
linguagem. Ver Chimères , Hiver 2002-2003, nº 48.
269
553
Por exemplo, não se pode dizer que a Figura é o que está traçado no
quadro como forma: uma casa, ou uma cara, árvores, ou traços, manchas.
Isso ainda é uma percepção trivial. Mas, o pintor pinta estas formas para fazer
deslizar o olhar para a visão de forças que não é da ordem do visível. Haveria
pois três níveis de formas: a percepção trivial, ligada à opinião, a Figura, e a
forma intermédia que induz o Acontecimento como Figura. E a forma da tela, a
forma intermédia não é mais do que a mise-en-forme, ou mise-en-visible deste
processo de entrada numa zona de indiscernibilidade das formas triviais.
270
554
FB, p. 102.
271
555
FB, p. 102.
272
556
QF, p. 153.
557
QF, p. 173.
273
a. O que é um diagrama?
558
A tal ponto que M. Buydens pode, no seu comentário à estética deleuziana,
recorrer quase unicamente a esta obra. V. M. Buydens, Sahara L’esthétique de
Gilles Deleuze, Vrin, Paris, 1990.
559
“ Com efeito, o diagrama diz mais respeito a um plano pré-filosófico, pré-
estético, pré-científico, como imagem do pensamento. O diagrama é de facto
inseparável de uma imagem do pensamento. É ele que desenha as orientações
e as coordenadas segundo as quais um conceito se vai desenvolver para
274
560
São singularidades apanhadas nas relações de forças, singularidades de
resistência e também selvagens, pré-individuais.
561
F. p.129.
562
Atmosfera (um corpo) é o lugar de encontro de todos os acasos, está num
rizoma, numa floresta, num continente, num ser humano, na linfa, numa célula,
num cromossoma, num gene, numa obra de arte, num processo de cura, numa
criança, na possibilidade de amar desta maneira: “Amar os que são assim:
quando eles entram num compartimento, não são pessoas, temperamentos ou
sujeitos, é uma variação atmosférica, uma mudança de cor, uma molécula
imperceptível, uma população discreta, um nevoeiro ou uma chuva de gotas.”
D, p. 81.
563
F, p.129; MP, pp. 597 e segs.
276
564
F, p. 80.
565
F, p. 51.
566
O que são linhas? São fios, traços, lineamentos, tracejados, itinerários, etc,
elementos constituintes das coisas e dos acontecimentos, multiplicidades que
se encontram sempre sobre um plano. Umas são linhas concretas, outras
abstractas, há linhas que fazem contornos outras que não, linhas de fuga, de
erro, molares, moleculares, de feiticeira, de “fora”, linhas de
desvio/afastamento, dinâmicas, criadoras, etc. São linhas que flutuam, oscilam,
cruzam-se e misturam-se, endurecem ou transformam-se em linhas de fuga,
sempre múltiplas e imanentes. Tudo se joga entre elas e a construção do plano
de composição. Todas as vidas são feitas de linhas. Linhas que se estendem e
esticam, atam e cruzam umas com as outras (numa mão, num rosto, na pele,
na rua, no deserto, etc.), compõem sensações, atravessam tudo.
277
568
MP, p.178.
279
569
FB, p. 66.
280
570
Cf. PS, p. 198.
571
As formas abstractas pertencem a um novo espaço puramente óptico que
não se subordina já aos elementos manuais ou tácteis. Elas distinguem-se de
281
574
FB, p.102.
575
FB, p.101.
576
FB, p. 66.
283
580
MP, p.628.
581
B, p.7.
582
B, p.102.
285
585
B, p. 61, “Ora é na manipulação, quer dizer na reacção das marcas manuais
sobre o conjunto visual, que o acaso se torna pictural ou se integra no acto de
pintar.”
287
586
FB, p. 56.
587
“Um estilo é uma variável, um conjunto espácio-temporal unido por uma
conveniência num bloco em que a harmonia não é dada, procura-se e pode
sempre desfazer-se. É por isso, que em cada estilo, que podemos notar dobras
e flexões capazes de arrastar um bloco de espaço-tempo, conceitos e redes
de conceitos para novos devires. Um estilo define sempre uma série de
relações heterogéneas entre conceitos, um diagrama.” J.-C. Martin, Variations,
p. 160.
588
PS, p. 194.
589
FB, p. 66.
288
590
Deleuze refere um caso de Bacon: ele queria fazer um pássaro de uma
certa maneira, mas os traços de repente tornaram-se independentes e
sugeriram outra coisa completamente diferente. V. FB, p. 100.
591
FB, p. 49.
289
592
FB, p. 67.
593
FB, p. 58.
594
FB, p. 61.
290
595
FB, p. 62
596
FB, p. 63.
597
FB, p. 102.
291
598
Texto recolhido por Hervé Guibert, em Le Monde, 3 de Dezembro de 1981,
a propósito do livro sobre Bacon, que aparece agora na edição preparada por
D. Lapoujade, Deux régimes de fous, ed. Minuit, Paris, 2003, pp. 167-169.
599
Op. cit., p. 168.
600
Op. cit., p. 170.
601
Op. cit., p. 171.
602
FB, p. 33.
292
Ou melhor, diz Deleuze, ela não tem faces de todo, é as duas coisas
indissoluvelmente, pode ser o ser-no-mundo como dizem os
fenomenólogos. No limite, é o mesmo corpo que a dá e que a recebe.
“A cor está no corpo, a sensação está no corpo e não no ar. A
sensação é o que é pintado.”603 É o corpo.
Há duas maneiras de ultrapassar a figuração: através da forma
abstracta e através da Figura. A esta última chamou Cézanne a
sensação. A Figura é a forma sensível relacionada com a sensação.
Estas considerações muito gerais ligam Bacon a Cézanne: Pintar a
sensação. Quando Bacon fala da sensação, ele quer dizer coisas
muito próximas de Cézanne, embora já esteja muito longe dele.
Por um lado, diz que a forma relacionada com a sensação
(Figura), é o contrário da forma relacionada com um objecto que ela é
suposta representar (figuração). Por outro, não cessa de dizer que a
sensação é o que se passa de uma “ordem” para outra, de um “nível”
para um outro, de um «domínio» para um outro. É por isso que a
sensação é especialista de deformações, agente de deformações do
corpo. Quer dizer, cada ordem, cada nível, cada domínio
corresponderá a uma sensação especificada.
À violência do representado (o sensacional, o cliché) vai opor-
se a violência da sensação. É esta sensação que não é fácil de
construir. Não pode ser efémera. Tem de ter duração e claridade.
Nada mais senão afectos.
A hipótese mais interessante será, contudo, a que Deleuze vai
designar por hipótese motriz. “Os níveis de sensação seriam como
paragens ou instantâneos de movimento que recomporiam o
movimento sinteticamente na sua continuidade, velocidade e
violência”604. Uma espécie de elasticidade da sensação. Não é o
movimento que vai explicar os níveis da sensação, são os níveis de
sensação que explicam o que subsiste de movimento. Um espasmo,
603
FB, p. 27.
604
FB, p. 30.
293
605
FB, p. 33.
294
606
FB, p. 43.
295
607
MP, p, 228.
608
FB, p.23.
296
610
FB, p. 31.
611
Em FB, p. 48, Deleuze faz uma classificação de ritmos: 1º «activo», de
“variação crescente ou amplificação”; 2º «passivo», de “variação decrescente
ou eliminação”; 3º «testemunho» ou a “medida” dos dois primeiros.
612
FB, p. 48.
299
613
FB, p. 54.
614
FB, p. 102.
615
FB, p. 87.
616
Já no Anti-Oedipe, como refere José Gil : “O corpo sem órgãos é um ovo,
atravessado por gradientes, latitudes, longitudes, eixos que marcam e
situam os percursos das intensidades e dos devires.” V. art. De José Gil,
300
622
DR, pp. 398-399.
623
DR, p. 357.
624
Idem.
302
625
DR, p. 403.
626
Idem.
627
V. art. De José Gil, “Un tournant dans la pensée de Deleuze” in Gilles
Deleuze une vie philosophique (org. Eric Alliez), Institut Synthélabo, 1998.
628
MP, p. 202.
629
DR, p. 404.
303
630
Um pediatra muito conhecido nos EUA fez há poucos anos uma
experiência com bebés e com adultos. Muito simplesmente, os adultos que
eram atletas de alta competição, portanto “em forma”, tinham, durante um
dia, de repetir todos os movimentos, gestos, deslocações, etc. de um
bebé. No fim do dia os atletas estavam completamente esgotados e os
bebés continuavam como se nada durante o dia os tivesse fatigado.
304
631
DR, p. 55.
632
Lapoujade, David, “O corpo que não aguenta mais”, in Nietzsche e Deleuze
(org. Daniel Lins, Sylvio Gadelha), ed. Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2002,
pp. 81-90.
633
Cf. Hardt, Michael, Gilles Deleuze an Apprenticeship in Philosophy, London,
Minnesota Press, 1993, p. 93.
305
pode ser um esforço para conservar o estado para o qual ele foi
determinado. O conatus de um corpo composto é um esforço para
conservar a relação de movimento e repouso que o define634. Numa
palavra, para Deleuze o conatus é o desejo.
Podemos ainda neste contexto perguntar, porquê então o
termo corpo?
Na verdade, está-se sempre a falar de um plano (de
pensamento, de consistência, de imanência, de movimento), de
ondas e gradientes, níveis, etc. O corpo que desfaz o organismo não
quer ser organismo, mas não o destrói, esvazia-o, ultrapassa-o. No
limite, arranca perceptos e afectos, abre-se. É um corpo aberto, quer
dizer, desarticulado, oscilante, indeterminado, “Corpo sem órgãos”.
“Como descrever esse corpo intenso que desfaz toda e qualquer
organização do sentido e da linguagem?” Pergunta que José Gil faz
quando analisa a evolução desta noção, desde Logique du sens até
ao Anti-Oedipe.635 Da noção ainda ambígua até à noção que se
transforma “e adquire uma precisão e uma consistência” é, diz José
Gil, “o desejo inteiro que nele se joga”.
634
Deleuze, Gilles, Spinoza et le problème de l’expression, ed. Minuit,
Paris,1968, p. 210.
635
V. art. já citado, José Gil, pp.69-88.
306
636
MP, pp. 189-190.
637
MP, p. 189.
308
638
MP, p. 192.
309
639
MP, p. 187.
640
MP, p. 194.
641
MP, p. 191.
310
642
MP, p. 194.
643
Em QF, cap. 2, a noção de “Omnitudo” vai corresponder a “Um-Todo”
poderoso, não fragmentado, ilimitado “que os compreende a todos num
mesmo e único plano[o planómeno]”.
644
MP, p. 195.
645
QF, p. 39.
311
647
MP, p. 200
648
MP, p. 198.
649
MP, p. 199.
313
652
MP, p. 389.
653
J.-C. Martin, Variations, pp. 49-50.
654
FB, p. 36.
315
CONCLUSÃO
660
Como observa François Zourabichivili a noção de “imagem-
cristal” é das mais difíceis do pensamento de Deleuze, porque parece
condensar numa só ideia toda a sua filosofia. Poderíamos acrescentar,
com Christine Buci-Glucksmann661, que não é uma ideia sem
ambiguidades, dando às vezes a impressão de estar em contradição
com certos textos de obras anteriores à L’ Image-Temps onde ela se
elabora.
Surgindo na continuidade de uma série de análises sobre a
“história do cinema”662, o seu alcance cobre todo o domínio das artes,
como o próprio Deleuze escreve. É, pois, uma noção-chave da
estética deleuziana.
Nas suas obras sobre o cinema, Deleuze663 divide essa história
em duas grandes etapas: a do cinema da imagem-movimento e a do
cinema da imagem-tempo. A grande ruptura, entre os dois tipos de
imagens que o cinema utiliza, situa-se por volta da Segunda Grande
Guerra, sobretudo depois do neo-realismo dos anos cinquenta. Não
sendo uma história linear (teremos então duas imagens de natureza
diferente e heterogéneas, uma a que poderíamos chamar clássica e
outra moderna), já antes da guerra grandes autores de cinema
experimentam e utilizam a imagem-tempo: Ozu, Max Ophuls…
No total, os cineastas que Deleuze toma como mais inovadores
na construção da imagem-tempo ou imagem-cristal são: Alain
Resnais, Orson Welles, Godard, Renoir, Rivette.
660
François Zourabichvili, Le vocabulaire de Deleuze, Paris, Ellipses, 2003,
pp. 19-27.
661
Christine Buci-Glucksmann, La folie du voir, Paris, Galilée, 2002.
662
Concebida de um modo bem particular, ver Pourparlers, p. 67.
663
Cf. Giorgio Agamben, Image et mémoire, Paris, Desclée de Brouwer,
2004, pp. 88-92.
320
664
Depois, a narração, não pode já ser considerada como um dado primeiro,
quer dizer, não é dada directamente na imagem. Na verdade, surgirá de
consequências indirectas que decorrem da organização dos signos na imagem.
A existir, a narração dependerá então do que nós pudermos ver no tempo e no
movimento presentes na imagem.
665
Sobre tudo isto, e a complexidade deste processo de “inversão” da imagem-
movimento em imagem-tempo, ver L’Image-Temps, Cinema 2, Paris, Minuit,
1985, cap. 1.
321
não é induzida por uma acção. Ela leva a captar, é suposta levar a
captar qualquer coisa de intolerável, de insuportável. Não uma
brutalidade como agressão nervosa, uma violência amplificada que se
pode sempre extrair das relações sensório-motoras na imagem-
acção. Não se trata também de cenas de terror, se bem que possa
haver às vezes cadáveres e sangue. Trata-se de qualquer coisa de
demasiado poderoso, ou de demasiado injusto, mas por vezes
também de demasiado belo e que, desde logo, excede as nossas
capacidades sensório-motoras. «Stromboli»: uma beleza demasiado
grande para nós, como uma dor demasiado forte. […] De qualquer
modo, alguma coisa se tornou demasiado forte na imagem.”666 Ou
ainda: “Do próprio insignificante, [Ozu] extrai o intolerável, com a
condição de alargar à vida quotidiana a força de uma contemplação
cheia de simpatia e de piedade. O importante é sempre que a
personagem ou o espectador, e os dois juntos, se tornem visionários.
A situação puramente óptica e sonora acorda uma função de
vidência, ao mesmo tempo fantasma e constatação, crítica e
compaixão, enquanto que as situações sensório-motoras, por mais
violentas que sejam, dirigem-se a uma função visual pragmática que
«tolera» ou «suporta» mais ou menos tudo, desde que seja inserido
num sistema de acções e reacções.”667
A imagem-tempo arranca os afectos às afecções quotidianas,
cria Audições e Visões, situações-limite estéticas. Ao mesmo tempo
que a imagem-tempo acede a um excesso muito para além do
sensório-motor, é toda a “representação” do tempo que muda: “A
imagem-movimento não desapareceu, mas não existe já senão como
primeira dimensão de uma imagem que não cessa de crescer em
dimensões. Não falamos das dimensões do espaço, já que a imagem
pode ser plana, sem profundidade, e tomar, por isso mesmo, ainda
mais dimensões ou potências que excedem o espaço. (…) [Como por
exemplo], enquanto a imagem-movimento e os seus signos sensório-
666
IT, p. 29.
667
IT, p, 30.
322
objecto depende da maneira como ela faz com o tempo. (É, como diz
Deleuze, a maneira própria do cinema moderno operar a sua
revolução copernicana). Ora a questão da apresentação do objecto é
fundamental para toda a espécie de arte (e não só para o cinema).
“O cinema não apresenta imagens, rodeia-as de um mundo”671 –
enunciado válido para toda a forma de arte672.
Toda a imagem de objecto implica um mundo de imagens que
forma um mundo. Imagens-recordações, imagens-sonho, imagens-
mundo. Não há percepção actual de um objecto que não suponha
todo o tipo de imagens virtuais – Deleuze vai recorrer aqui, como em
toda a sua teoria do cinema, a Bergson, de que retoma,
transformando-a, a ideia de virtual.
Assim, na percepção do objecto actual, existem dois circuitos
de imagens virtuais: um circuito “longo” que contém as imagens-
recordações, etc., e um circuito “curto”, o “mais pequeno circuito” de
imagens virtuais que remetem directa e indirectamente para o objecto.
São “reflexos”, como a imagem do espelho; são as recordações em
conexão imediata com a percepção. Ora, se pensarmos que este
circuito curto é uma espécie de “curto-circuito” do circuito vasto de
todas as recordações mais longínquas, uma espécie de resultado da
contracção do circuito “largo”, poderemos dizer que cada objecto
percepcionado é formado por uma face virtual (um “reflexo”) e uma
face actual. A “contracção” significa aqui que na percepção se
concentraram imagens virtuais que não “vemos” normalmente, mas
sem as quais seria impossível percepcionar, dar significações aos
elementos sensoriais captados no objecto actual. Se este se
reduzisse ao “apenas visto”, não seria visto, nada seria
percepcionado. Há pois que admitir que toda a imagem actual se
671
IT, p. 92.
672
Como o afirma ainda Deleuze em Francis Bacon, este enunciado
aparentemente trivial põe problemas estéticos fundamentais, como veremos.
Ver, por exemplo, Nelson Goodman Ways of Worldmaking, Hackett Pubblishing
Company,1978.
324
673
Ver, DR, cap. II.
674
As duas partes do Anexo: cap. V, “O actual e o virtual” de Dialogues,
resumem explicitam de maneira extremamente clara os circuitos e trocas do
virtual e do actual que são expostos na IT, publicados dez anos antes.
675
IT, p. 93.
325
678
IT, p. 94.
679
IT, pp. 94-95.
327
680
IT, p. 95.
328
681
D, p. 179.
682
DR, p. 358.
329
685
IT, p. 358.
686
IT, p. 355: “No cinema moderno, ao contrário, a imagem-tempo não é mais
empírica, nem metafísica, ela é «transcendental» no sentido que Kant dá à
palavra: o tempo sai dos seus eixos, e apresenta-se em estado puro.”
687
IT, p. 96.
688
IT, p. 96.
331
689
IT, p. 105.
690
IT, p. 106.
691
IT, p. 109.
692
Idem.
693
IT, p. 108.
694
IT, p. 109.
332
cisão entre Chronos e Aïon, há como que a cisão que faz surgir a
estrutura cristalina do tempo. Mas agora, a cisão do presente e do
passado inaugura a fundação da passagem do tempo actual-virtual,
tempo não empírico, tempo “empírico-transcendental”, na terminologia
de Différence et répétition.
O que se vê no cristal é essa cisão como passagem do “Tempo
em estado puro”, “o tempo em pessoa”695. E o cristal situa-se no ponto
exacto de indiscernibilidade das duas imagens ou dimensões. A
fundamentação do tempo – a cada instante de cada presente – pela
cisão, faz desenrolar o tempo, constituindo-o em passado, presente e
futuro. É toda uma teoria da formação das dimensões do tempo que
se expõe em L’Image-Temps e que retoma, transformando-a, a
exposição de Différence et répétition: “Os circuitos mais ou menos
vastos e sempre relativos, entre presente e passado, remetem, por
um lado, para um pequeno circuito interior entre o presente e o seu
próprio passado, entre uma imagem actual e a sua imagem virtual;
por outro lado, para circuitos eles próprios virtuais cada vez mais
profundos, que mobilizam de cada vez todo o passado, mas nos quais
os circuitos relativos se banham ou mergulham para se desenrolar
actualmente e trazer a sua colheita provisória. A imagem-cristal tem
esses dois aspectos: limite interior de todos os circuitos relativos, mas
também invólucro último, variável, deformável, nos confins do mundo,
para além mesmo dos movimentos do mundo. O pequeno germe
cristalino e o imenso universo cristalizável: tudo está compreendido
na capacidade de amplificação do conjunto constituído pelo germe e o
universo. As memórias, os sonhos e mesmo os mundos não são
senão circuitos relativos aparentes que dependem das variações
deste Todo.”696
É todo o tempo e todo o cosmos que encerra o cristal nos seus
circuitos. Desenvolvendo e complexificando a sua teoria com os
695
IT, p. 110.
696
IT, p. 108.
333
697
IT, cap. V, pp. 129-151.
698
“São estes três aspectos, topológico, probabilitário e irracional, que
constituem a nova imagem do pensamento. Cada um deduzindo-se facilmente
dos outros, forma com eles uma circulação: a noosfera.” IT, p. 281.
699
IT, p. 100.
700
Cf. IT, pp. 122 e segs.: “A imagem cristal não é menos sonora que óptica, e
Felix Guattari tinha razão ao definir o cristal de tempo como sendo um
«ritornelo» por excelência.”
334
701
IT, p. 121. O exemplo que as páginas seguintes vão dar de obras de Fellini,
confirmam plenamente esta afirmação.
702
V. IT, pp. 234-235.
335
703
Assim o compreendeu Christine Buci-Glucksmann no seu livro La folie du
voir, pour une esthétique du virtuel. Mas a afirmação é aceite pela maioria dos
comentadores, sem mais problemas.
704
IT, p. 234.
705
IT, p. 234.
336
708
Nota sobre a controvérsia Badiou/Deleuze:
A propósito da ontologia da diferença, de Deleuze, desenvolveu-se um
debate à volta desta noção, depois da morte do filósofo. Curiosamente, a
controvérsia prolongava a que Alain Badiou tinha tido epistolarmente com
Deleuze, e a que este pôs termo; proibindo depois, abruptamente, a Badiou a
publicação das suas cartas, anunciando-lhe que tinha queimado todas as
cópias desses textos.
Após a morte de Deleuze, Badiou decidiu publicar um livro, Deleuze, «La
clameur de l’être», como para “terminar uma amizade que nunca aconteceu” –
de facto, para relançar ou ter a última palavra num debate já terminado.
Aconteceu que o livro de Badiou provocou reacções muito duras nos meios
deleuzianos, dos quais restam três textos publicados no n.º 43 de Futur
Antérieur (último número da revista que desapareceu) de Eric Alliez, Arnaud
Villani e José Gil, a que Badiou respondeu num capítulo do seu livro Breve
Tratado de Ontologia transitória (já citado por nós), e no n.º 1 da revista
Multitudes.
Como a discussão continua, subterrânea e pontualmente, através de notas
de rodapé (por exemplo, no Vocabulaire de Zourabchvili), de observações aqui
e ali de Agamben, de Villani, em artigos ou ainda no livro de Véronique Bergen,
sobre a ontologia de Deleuze, não a apresentamos, nem sequer resumindo a
argumentação de uma parte ou de outra.
Poderemos, contudo, dizer que as teses de A. Badiou (que aliás, variam do
primeiro para o segundo livro) se resumem a afirmar que a ontologia de
Deleuze é uma falsa ontologia da diferença; que as “diferentes vozes” de um
“só clamor, de uma só Voz do Ser” constituem uma reafirmação da ontologia
do Uno e do Mesmo. Os argumentos de Badiou baseiam-se, segundo ele, na
teoria dos conjuntos, enquanto os de Deleuze (sempre segundo Badiou),
fundam-se numa filosofia do cálculo diferencial. Badiou nega radicalmente a
noção de virtual, “sem a qual todo o edifício do pensamento deleuziano se
desmorona”. As respostas de Villani, José Gil, assim como as observações de
Zourabichvili ou de Agamben tendem a mostrar que A. Badiou não
compreendeu Deleuze, fazendo da sua filosofia uma espécie de neo-
platonismo.
Queríamos, apenas, fazer notar que é em IT que se podem encontrar talvez
os melhores argumentos contra Badiou (no uso e sentido da noção de Uno-
Todo (l’Un-Tout), de que A. Badiou dá uma interpretação claramente não
deleuziana, ou da relação tempo-virtual de imagem-cristal também muito
nitidamente desvirtuada).
709
IT, p. 237.
338
710
IT, p. 237.
711
MP, p. 36.
712
MP, p. 37.
339
713
PS, p, 134.
340
DELEUZE, Gilles, Marcel Proust et les signes, Paris, PUF, 1996 (1ª
edição:1964 ;edição acrescentada:1970).
714
V. também bibliografia realizada por Timothy Murphy, Appels et pétitions
signés par Deleuze, in (internet): http://www.deleuze. fr.st
341
Artigos
Vídeo
DELEUZE, Gilles, L’ Abécédaire, Vidéo Editions Montparnasse, 1996.
Internet
Cursos de Gilles Deleuze, 1971-1987. http:// www. deleuze. fr. st.
Cursos parcialmente disponíveis, transcritos por R. Pinhas
(www.webdeleuze.com)
Obras colectivas
Revistas
AUT AUT, La Nuova Italia Editrice, n.º 276, 1996. (Número dedicado a
Gilles Deleuze)
3. Bibliografia geral
BERGÉ, P., POMEAU, Y., e VIDAL, Ch., L'Ordre dans le Chaos, Paris,
Hermann éd. des sciences et des arts, 1984.
RUELLE, David, Hasard et Chaos, Paris, Odile Jacob, 1991 ( ed. port.
de Manuel Alberto, Lisboa, Relógio d'Água, 1994).
Revistas