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ENTRE O LATIFÚNDIO E A VILA: A FAZENDA CAMPOS NOVOS E A EVOLUÇÃO

URBANA DE CABO FRIO; SÉCULOS XVII E XVIII.1

Resumo: Este artigo se propõe a discutir a evolução urbana de Cabo Frio entre os séculos XVII e
XVIII. A escolha deste marco temporal teve como objetivo compreender a relação entre campo e a
cidade. Partimos da hipótese de que a edificação da Fazenda Campos Novos, principal complexo agrícola,
fundada em 1690 pela Companhia de Jesus foi de fundamental importância neste processo. Tentamos
identificar os determinantes das transformações ocorridas na região provocadas pela administração dos
inacianos, na gestão da Fazenda Campos Novos, na formação da Aldeia de São Pedro dos Índios e a
emergência das freguesias que mais tarde viriam a se tornar pequenos núcleos urbanos. Nesse sentido, a
evolução urbana de Cabo Frio presta-se como bom estudo de caso para uma melhor inteligência da
formação das cidades coloniais e suas complexas relações destas com suas hinterlândias, onde
localizavam-se os latifúndios e seus centros urbanos, exemplificado aqui pela feitoria de Cabo Frio,
fundada em 1503.

Palavras-Chave: Fazenda Campos Novos; Cabo Frio; Evolução Urbana

Abstract: This article aims to discuss the urban evolution of Cabo Frio between the 17th and 18th
centuries. The choice of this timeframe aimed to understand the relationship between countryside and
town. We leave that building the New Fields Farm, main agricultural complex, founded in 1690 by the
society of Jesus was of fundamental importance in this process. We try to identify the determinants of
changes in the region caused by the administration of Ignatius of Loyola, in the management of the farm
Fields, in the formation of the village of St. Peter of the Indians and the emergence of the parishes that
later would become small urban centres. In this sense, the urban evolution of Cabo Frio lends itself as a
good case study for improved intelligence of the formation of colonial towns and their complex
relationships with their hinterlândias, where were located the large estates and its urban centers,
exemplified here by the factory of Cabo Frio, founded in 1503.

Keywords: Farm New Fields; Cabo Frio; Urban Developments

Introdução.

Uma vez que a história não se apresenta linearmente e sim repleta de


particularidades, descontinuidades e rupturas, o presente artigo tem por objetivo a
análise histórica no âmbito regional em uma temporalidade específica de uma
edificação, no caso a Fazenda Campos Novos, estabelecida no final do século XVII em
Cabo Frio. Tal temporalidade remonta aos processos de consolidação da ocupação e
colonização da região litorânea fluminense, então conhecida como Capitania de São
Vicente e que hoje compreende parte do Estado do Rio de Janeiro. O estabelecimento
desta instalação da Companhia de Jesus é um marco importante para a história regional,
posto que foi após o conflito entre portugueses e franceses e posteriormente entre

1
A presente pesquisa conta com o financiamento do CNPq.
2

portugueses e holandeses, que ocorreu a retomada definitiva da região. Em termos


territoriais, podemos dizer de um efetivo controle do território de Cabo Frio até as
bandas de Macaé, ocorrido apenas no início do século XVII.
Vale dizer que esta região, além das ameaças de outras potências coloniais e das
relações conflituosas com as populações indígenas foi palco também de muitas disputas
entre os colonizadores e os interesses da Metrópole. A historiografia e os memorialistas
descrevem essa disputa como as lutas dos “Sete Capitães” contra Salvador Correa de Sá
e Benevides2.
A região, que no século XVI encontrava-se habitada por tupinambás, fora
ocupada gradativamente com o uso da força pelo homem branco. Seus habitantes
nativos viram suas terras invadidas pela “guerra justa”3 suas aldeias destruídas, seus
guerreiros mortos e os sobreviventes tornando-se escravos.
O impacto do contato entre o colonizador europeu foi um processo complexo,
alvo de investigações de inúmeros estudiosos. Os resultados são ainda razão de grande
controvérsia, mas podemos dizer que alguns indicadores podem nos dar uma ideia deste
contato. Um destes indicadores é a flutuação populacional, principalmente da população
indígena, logo após a chegada do europeu. Estimativas apontam que a chegada do
colonizador português ao Brasil, ao longo dos séculos XVI e XVII, diminuíram a
população local em pelo menos 20%. Recentemente, em 2010, uma iniciativa pioneira
de pesquisa histórica colaborativa entre vários centros internacionais de pesquisa o
Angus Maddison Project coletou grande quantidade de dados históricos relacionados às
economias e populações do passado. Nesta base de dados, as estimativas para a
população brasileira no século XVI, giram em torno de 1.000,000 de habitantes.4 Um
século depois, esse número reduziu-se a 800,000, tendo se elevado a 1.250,000,
somente ao longo do século XVIII5. Essa elevação já foi apontada por vários estudiosos
como o resultado combinado da imigração portuguesa para o Brasil, acelerada pelo

2
Coaracy, Vivaldo O Rio de Janeiro no Século XVII. Livraria José Olimpio Editora, Rio de Janeiro,
1965.
3
O conceito de “guerra justa” aqui é interpretado como invasão armada aos territórios indígenas, cujo
objetivo era a captura de índios, trata-se assim de uma operação de recrutamento da força de trabalho e do
despejamento dos índios de suas terras. Veja: FREIRE, José Ribamar Bessa, MALHEIROS, Márcia
Fernanda. Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, EDUERJ, 2010. p. 26.
4
The Angus Maddison Project, http://www.ggdc.net/maddison/maddison-project/home.htm. Acesso em:
08/07/2016
5
Ver população do Brasil séculos XVI,XVII e XVIII. In: Historical Statistics for the World Economy: 1-
2003 AD. The Angus Maddison Project, http://www.ggdc.net/maddison/maddison-project/home.htm.
Acesso em: 08/07/2016
3

ciclo do ouro e a consolidação do tráfico atlântico de escravos, a mola propulsora da


economia de plantation agroexportadora.6 Ora, não parece desarrazoado supor que estes
padrões foram observados também em áreas “periféricas” a esse complexo
agroexportador. Embora a fazenda Campos Novos tenha tido um papel decisivo no
desenvolvimento local, não devemos esquecer que a região de uma maneira geral,
estava “à margem deste complexo”.
Em uma análise em escala micro, podemos identificar através dos registros
paroquiais dos séculos XVII e XVIII, relativos à Nossa Senhora da Assunção de Cabo
Frio, algumas regularidades. Nos registros de casamento, observa-se uma grande
quantidade de casamentos das “filhas da terra”, ou seja, as filhas nascidas no Brasil, mas
cujos pais nasceram nas paróquias de Portugal. Elas se casaram com maior frequência
com portugueses imigrados para o reino do Brasil7. O que esses dados mostram é a
existência de redes de sociabilidade que facilitavam e encorajavam a imigração, o
estabelecimento e a colonização no Brasil.
Em outras palavras, para o homem comum, o “projeto colonizador” iniciava-se
com a constituição de uma família no Brasil, o que fatalmente iria resultar na
apropriação de terras e sua posterior exploração. O que parece evidente nestes registros
é a ausência do elemento indígena. Deve-se levar em conta, em primeiro lugar, a
subnotificação, ou seja, o não registro de uniões consideradas “consensuais”, aquelas
que não passaram pelo ritual tradicional da Igreja Católica.
É difícil estimar o número uniões entre colonizadores e indígenas, no entanto,
podemos ter algumas pistas de possíveis uniões, quando encontramos nos registros de
batizado alusões ao termo ‘cabra”, uma classificação utilizada quando um dos pais tinha
ascendência indígena. A miscigenação foi provavelmente um dos mecanismos do
desaparecimento da população indígena, mas as guerras constantes e principalmente a
hoste de doenças que dizimaram as aldeias e que podem ser lidas nas crônicas de
viajantes e missionários contribuíram também enormemente para a diminuição da
população original desta região. Muito embora, ao paço que esse processo de
desaparecimento ocorria, a mão de obra nativa foi imprescindível para o projeto
colonizador.

6
Ver Marcílio, Maria Luisa. Caiçara Terra e População. EDUSP, 2006. Ver também, Merrick, Douglas
W. & Graham, Thomas. População e Desenvolvimento no Brasil. De 1800 até a Atualidade. Jorge Zahar,
Rio de Janeiro, 1981
7
Registros Paroquiais de Casamento de Cabo Frio 1675-1928. Compilado por Marcelo Barbio Rosa.
4

A imprescindibilidade da mão de obra indígena fica evidente na documentação,


o processo colonizador que contava com a “cabeça da Coroa e os pés dos religiosos”8 ,
tinha nos braços trabalhadores, o nativo. A colonização de Cabo Frio se dá, portanto,
por meio da articulação entre o Estado Português que autoriza Martin de Sá a “descer do
sertão os índios que lhe parece necessários para povoarem as aldeias de Cabo Frio”, e a
Companhia de Jesus que recebe o direito de povoar “esta terra do Cabo Frio, hão mister
chãos para fazer seu sítio de Igreja e casas para sua habitação na cidade que se vai
fazendo e assim mais da banda da Baía Fermoza”9 [Sic]. Esta articulação propicia a
criação do primeiro grande latifúndio local; a Fazenda Campos Novos.

“Até onde os olhos alcançam”- A fazenda Campos Novos, um latifúndio jesuítico


As terras onde a Fazenda Campos Novos foi erigida, a carta de sesmaria
delimitava a área com as seguintes medições:

de testada quatro léguas e meia principiando a mesma no sítio chamado de


Genipapo partindo da parte do Norte com os moradores da baía Formosa, do
Sul com as terras da aldeia dos índios de São Pedro e da do Norte correndo
rumo ao Nordeste por costa do mesmo mar até a praia do Rio de São João e
do Poente com o sertão até intestar nas terras de Bacaxá. 10

A edificação construída pela Companhia de Jesus, cujo início do


estabelecimento remonta a um curral de gado levantado em 1690, tinha por finalidade
servir de entreposto entre o comércio de Campos ao Rio de Janeiro. A igreja
estabelecida no local foi consagrada a Santo Inácio, militar espanhol canonizado em
1622 e fundador da Companhia de Jesus. Esta possuía um altar central com a imagem
de seu fundador, nos altares laterais estavam colocadas as imagens de Nossa Senhora da
Conceição com o menino Jesus, de São José e de outros santos ou santas. A estrutura
contava ainda com um solar e o cemitério ao lado da capela.
À exemplo de outras instalações da Companhia de Jesus, a Fazenda Campos
Novos seguia os padrões arquitetônicos e econômicos de empreendimentos semelhantes
dirigidos pelos inacianos no Brasil e no restante da América espanhola. Em linhas
gerais, o trabalho missionário dos padres da Companhia era viabilizado pelas atividades

8
FERNANDES, Eunícia Barros Barcelos. Os Jesuítas e a Capitania do Rio de Janeiro. Anais do IV
Encontro Internacional de História Colonial. Jesuítas, expansão planetária e formas de cultura / Rafael
Chambouleyron & Karl Heinz Arenz (orgs.). Belém: Editora Açaí, Volume 4, 2014. p.92
9
Idem, p. 92.
10
Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda. Documentos relativos à fazenda Campos Novos e
Campos dos Goitacazes. Códice: 85.20.49.
5

econômicas realizadas pelas fazendas jesuíticas. O modelo partia do pressuposto de que


a obra de evangelização, inspirada no trabalho missionário de Inácio de Loyola, deveria
retirar seus recursos das atividades econômicas das fazendas. Assim a produção e
exportação de mercadorias como açúcar, carne, etc, serviram para manter
economicamente a obra missionária dos inacianos.
Um outro empreendimento da Companhia estabelecido do outro lado do Estado
do Rio, a Fazenda de Santa Cruz tinha a mesma finalidade, ou seja, produzir carne para
atender a demanda do Rio de Janeiro e mais tarde de Minas Gerais. Existe uma pequena
literatura no Brasil, cujo objeto de análise foi a Fazenda de Santa Cruz, no entanto,
pouca coisa foi feita para o caso de Campos Novos. Nossa hipótese é que os processos
de apropriação do solo, bem os usos decorrentes desta apropriação, guardam
semelhanças entre os dois casos. A fazenda de Santa Cruz, tal como a Campos Novos,
produzia em função do abastecimento de centros que se desenvolviam em função da
economia agroexportadora. Minas Gerais, de um lado, mais ao interior e Rio de Janeiro,
serviram como pontos de desembarque destas mercadorias.
Poderíamos afirmar, portanto, que as instalações da Companhia de Jesus eram
parte de um sistema econômico. Com isso queremos dizer que não basta apenas
entendermos a lógica de funcionamento de uma unidade de maneira isolada, mas
enquadrá-la em um quadro mais amplo, não apenas da economia colonial como também
da própria organização da Companhia de Jesus.
Diversos estudos foram dedicados às origens, funcionamento e atuação dos
inacianos no mundo moderno, bem como a sua presença no projeto colonial
ultramarino. Essas monografias partem de estudos de casos analisando a atuação dos
padres da Companhia na educação e evangelização nas fronteiras das possessões
coloniais europeias, na contribuição dos jesuítas para com o desenvolvimento da
Ciência Moderna11 e eventualmente, às atividades econômicas da Companhia. Na
prática, a Companhia de Jesus pode ser considerada como a maior proprietária de terras,
não apenas do Brasil, mas de toda a América Ibérica. Essa constatação era também dos
demais agentes colonizadores. Tanto no império espanhol quanto no português, a
dimensão da riqueza da Companhia de Jesus foi, ao mesmo tempo, a fonte de seu poder
político, mas também seu mais vulnerável ponto aos críticos de sua ação nos domínios
ultramarinos.

11
Ver Caminietzki, Carlos Ziller A cruz e a luneta. Rio de Janeiro: Access, 2000. 96p.
6

A Companhia de Jesus a partir do século XVI, construiu uma estrutura


complexa, tanto do ponto vista econômico quanto social. Sob a alegação da
catequização dos índios adquiriu grandes extensões de terras por via de sesmarias e de
doações de particulares.12 Esta estrutura garantiu-lhe por anos, um poder político e
econômico que só foi destituído com a expulsão da ordem dos territórios portugueses
em 1759.
Desde a chegada da Companhia no Brasil, nos primórdios da colonização, até a
sua expulsão em 1759, o poderio político e econômico desta ordem distinguia-se em
muito daquele apresentado quando a Companhia quando contava com poucos
colaboradores, recursos e uma proposta quase que exclusivamente evangelizadora. 13
Não seria um despropósito dizer que, contrariando apenas um pouco a visão
tradicional sobre a correlação de forças nos domínios ultramarinos ibéricos, poderíamos
afirmar que a América Ibérica possuía não dois, mas três impérios, o Português, o
Espanhol e a área de influência que a Igreja Católica estabeleceu quando permitiu aos
padres inacianos protagonizarem o trabalho missionário no Novo Mundo. Ainda nessa
analogia, podemos considerar justo classificar a Companhia de Jesus como uma
pioneira na criação de uma organização cuja operação deu-se em escala global, algo
semelhante ao desempenho das atuais empresas transnacionais.
Enfatizamos aqui o termo “pioneirismo”, pois quando a Companhia de Jesus foi
criada, no alvorecer do projeto ultramarino ibérico, as companhias de comércio não
existiam enquanto agentes econômicos no Velho Mundo. Deve-se ressaltar que
organizações como a Companhia das Índias Ocidentais, a Companhia das Índias
Orientais, bem como a Royal African Company, sequer eram imaginadas quando os
primeiros missionários inacianos aportaram em terras do Novo Mundo.
No escopo deste projeto colonial, Portugal e mais tarde a Espanha, reservaram a
Companhia de Jesus um papel protagonista, conferindo àquela ordem uma enorme
concentração de poder econômico e político. Isso por si só, era fonte de enorme conflito
entre os inacianos e outros colonos, tanto no Brasil quanto na América Espanhola.
A história da criação e do desenvolvimento da Fazenda Campos Novos permite
compreender um pouco melhor essa gigantesca corporação moderna pré-capitalista.
12
AMANTINO, Márcia. Relações sociais entre negros e índios nas fazendas inacianas - Rio de Janeiro,
século XVIII. Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-
USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008.
13
CATÃO, Leandro Pena. Sacrílegas Palavras: Inconfidência e presença jesuítica nas Minas Gerais
durante o período pombalino. Tese de doutorado apresentada ao programa de Pós-Graduação do
Departamento de História da UFMG, 2005.
7

Enfatizamos aqui que não acreditarmos cair em anacronismo quando denominamos a


Companhia de Jesus como uma “corporação” na moderna acepção do termo. Isso
porque, tal como as modernas empresas, a Companhia de Jesus possuía todos os
elementos definidores de uma organização deste tipo: um código de conduta
padronizado e normatizado, uma cadeia de comando, métodos de organização, diga-se
de passagem, mais eficientes do que aqueles empregados pelos funcionários das coroas
na América e seus agentes colonizadores.
Foi essa organização que se estabeleceu na região da antiga Capitania de São
Vicente. A área que hoje chamamos de “Região dos Lagos”, que compreende os
municípios de Saquarema, Araruama, Iguaba, São Pedro da Aldeia, Armação dos
Búzios e Arraial do Cabo, área essa que até o início do século XIX eram parte
integrante da Capitania Real de Cabo Frio.

Trabalhando (e produzindo) nos campos do Senhor

A fazenda de Santo Inácio de Campos Novos, que sobrevive até os dias de


hoje com o mesmo nome de Campos Novos, conservou por muito tempo o
prestígio de um dos mais perfeitos estabelecimentos rurais da região de Cabo
Frio.14

Ao longo do século XVII a região litorânea fluminense passou a ser ocupada


pela Cia de Jesus. Alegando ser o forte de Santo Inácio, onde foi fundada em 1615 a
cidade de Santa Helena de Cabo Frio, insuficiente para a proteção contra novas
investidas de franceses, ingleses e holandeses a Cia. de Jesus solicitou ao Capitão Mor
de Cabo Frio Estevam Gomes, dois aldeamentos a fim de povoar a região. Assim, duas
sesmarias são concedidas a do Una e a de São Pedro de Cabo Frio.
A aquisição das terras onde viria a ser construída a Fazenda Campos Novos não
se deu de modo isolado, na verdade, tratava-se de um projeto deliberadamente maior,
isto é, o projeto colonizador.15 Neste caso em particular, a colonização da região

14
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VI, Livro I, Cap. IV. Rio de
Janeiro, Belo Horizonte. Editora Itatiaia; 2000. p.94.
15
Quanto à intensões dos Jesuítas, podemos perguntar com que objetivo a Companhia de Jesus veio para
o novo mundo? Para apoiar o sistema colonizador ou subvertê-lo? Conforme STRIEDER (2004), a
resposta certa é: nem uma coisa nem outra. “O objetivo fundamental era: salvar a própria alma,
combatendo pela instauração do Reino de Cristo” Para compreender melhor veja: STRIEDER, Inácio
Reinaldo, “Os Jesuítas e suas matrizes utópicas” IN: BRANDÃO, Silva (organizadora), História das
Religiões no Brasil, Volume 3, Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2004.
8

litorânea e do norte-fluminense, projeto este, árduo e de longo prazo, como observou


Serafim Leite.

As Fazendas da Terra Goitacá agrupam-se todos em três Casas Grandes


centrais: a Fazenda dos Campos dos Goitacases, propriamente dita, a de
Campos Novos, e a de Macaé. Mas foi obra de um século, que é o da própria
catequese e povoamento de metade do actual Estado do Rio de Janeiro. [sic]16

As dificuldades encontradas para a ocupação da área eram variadas, entre elas,


a falta de padres para cuidar dos estabelecimentos agrícolas, as disputas com os colonos,
a relação com índios. Havia ainda, aquelas dificuldades associadas à própria natureza da
região, “cuja variedade de seu regime, ora de sêcas extremas, ora de inundações
devastadoras.” [sic]17 Estas podem ser as razões que levaram o Reitor do Colégio
Antônio Forti, a querer se desfazer da área, ainda que sua opinião fosse minoria,
acabando sendo voto vencido. As terras que eram alagadiças, portanto não apropriadas
para o plantio foram drenadas, canais foram abertos, a Fazenda Campos Novos tornou-
se um campo de policultura, onde predominava a mandioca, onde se podia ainda pastar
20 mil cabeças de gado.18 Na prática estes números nunca se concretizaram, mas a
Fazenda tornou-se uma grande propriedade rural, cujo valor avaliado só teria sido
inferior à de Campos e de Santa Cruz na capitania.
O projeto executado em Campos Novos, assim como outros projetos jesuíticos
se repetiu por todos os lugares, os inacianos acabaram assim por constituir uma enorme
engrenagem econômica não apenas no Brasil, mas em toda a América. Para fazer
funcionar tal estrutura, fora necessário o uso de trabalho escravo, seja ele nativo ou
africano, a Cia de Jesus tornara-se assim a instituição com maior número de escravos,
anos antes de ser expulsa do Império Português. Só as Fazendas na Capitania do Rio de
Janeiro em 1754 contavam com um total de 2616 escravos, divididos da seguinte forma:
Campos dos Goitacazes, 820; Santa Cruz, 740; Engenho Novo, 148; Engenho Velho,
200, São Cristóvão, 235; Macaé, 60 e Campos Novos, 190.19
Após a expulsão dos jesuítas em 1759, a Fazenda foi sequestrada pela Coroa,
assim como as demais propriedades da Companhia. Seu primeiro proprietário particular

16
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VI, Livro I, Cap. IV. Rio de
Janeiro, Belo Horizonte. Editora Itatiaia; 2000. p.79.
17
Idem, p.88.
18
Ibid. p.93.
19
AMANTINO, Márcia, Fazendas, engenhos e haciendas: Os bens materiais e os escravos dos Jesuítas na
Capitania do Rio de Janeiro e na Província Jesuítica do Paraguai, século XVIII. Anais do XXVI Simpósio
Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011.
9

foi o português Manoel Pereira Gonçalves, que a arrematou dezenove anos depois, em
1778, por 24:518$420 (vinte quatro contos, quinhentos e dezoito mil e quatrocentos e
vinte reis), embora seu valor de mercado, conforme os avaliadores, fosse de em
67:500$000 (sessenta e sete contos e quinhentos mil reis). Para a avaliação da mesma,
dois inventários foram produzidos, um de 1759 e outro de 1775. O primeiro no mesmo
ano da expulsão da ordem, o segundo, dezesseis anos depois. Ambos são provavelmente
os únicos documentos sobre a Fazenda deste período.20 O inventário de 1775 faz uma
descrição minuciosa da Fazenda, tamanho da propriedade, objetos, animais e escravos.
Por meio deste inventário é possível saber que no momento da arrematação, havia 323
escravos divididos em 53 senzalas de palha e 18 de telha.
Manoel Pereira Gonçalves aparece poucas vezes na documentação. Há registros
de que ele tinha outra propriedade em um lugar chamado Camurupi, possivelmente
entre o rio Macaé e o rio São João.21 O lugar em questão poderia pertencer às terras da
Fazenda Campos Novos, uma terra anexada. Algumas questões são suscitadas a respeito
da venda da Fazenda, em primeiro lugar, por que ela levou tanto tempo para ser
vendida? Em segundo, por que a um preço tão inferior ao avaliado? A memória local
alerta para o fato de que, nesses dezenove anos entre o sequestro e a arrematação em
1778, Campos Novos passou a ser chamada de Fazenda Del Rey. Essa mesma tradição,
suspeita que a demora de sua venda estava relacionada com o receio do retorno dos
inacianos. Com o passar do tempo, esse receio veio a diminuir, por outro lado, a
Fazenda perdeu muito valor nesses anos de abandono.
Em carta do Marquês de Pombal ao tenente da Junta Real na Capitania do Rio de
Janeiro em 1773, denuncia que “os sobreditos bens se vão deteriorando cada dia mais
pella negligencia dos administradores e cubiça dos rendeiros” [sic], exceção feita as
propriedades de Santa Cruz e Engenho Novo. A Fazenda de Santa Cruz, seria utilizada
para tanto prover gado para os navios de guerra como escravos para a fábrica da Casa de
Armas, todavia, a Fazenda de Engenho Novo, fora também a leilão anos depois por

20
Os inventários encontram-se: Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda. Documentos relativos à
fazenda Campos Novos e Campos dos Goitacazes. Códice: 85.20.49. Ambos foram muito bem analisados
por: ENGEMANN, Carlos & AMANTINO, Márcia. A fazenda de Campos Novos e sua história –
séculos XVII e XVIII. XIV encontro regional da ANPHU – Rio; Memória e Patrimônio. Rio de Janeiro,
UNIRIO, Ano 2010.
21
O nome Camurupi vem do tupi e é atribuído ao um tipo de peixe o Kamurupá. A referência a Manoel
Pereira Gonçalves encontra-se em: Memória Histórica da Cidade de Cabo Frio e de todo o seu Distrito,
compreendido no termo de sua jurisdição. Anno de 1797. Revista do Instituto de História e Geografia do
Brasil, Tomo XLVI, Parte I, 1883, pp. 205-232.
10

encontra-se abandonada. Elogiado como digno de confiança e zeloso, Manuel Martins


do Couto Reis, fora por um tempo administrador da Fazenda de Santa Cruz, mas que
também fora enviado para avaliar a situação de Campos dos Goitacazes. Couto Reis,
escreveu em 1785 “descrição geográfica, política e cronológica do Distrito dos Campos
dos Goytacazes” e também registrou suas memórias do período que administrou Santa
Cruz. Suas memórias coadunam a tradição oral sobre o abandono das fazendas
inacianas. Reis considerava os jesuítas sofisticados na arte de administrar e tentou
restaurar algumas de suas técnicas para retomar a produção na Fazenda. 22 Admirava-se
como as práticas jesuíticas haviam sido esquecidas e espantava-se com o descaso da
coisa pública.23
Ao final do século XVIII a estrutura fundiária já era bem diferente daquela que
os jesuítas se deparam quando chegaram na região, embora houvesse ainda grandes
latifúndios a maioria das terras estavam divididas entre médias e pequenas propriedades.
Na prática, tanto a população quanto a economia de exportação aumentaram
substancialmente ao longo do século. Em 1779, portanto vinte anos depois da expulsão
da Cia de Jesus, a população da Capitania do Rio de Janeiro era de 43.376 habitantes, ao
fim do século essa população chegara a 182.757, sendo quase a metade composta por
escravos. As exportações de açúcar quadriplicaram nesse período, assim como
aumentaram a produção de milho, mandioca e feijão. A abertura do “Caminho Novo”
para as Minas Gerais colaborou para que novas lavouras e engenhos fossem
implementadas nas terras de Campos dos Goitacazes, Campos Novos, São João e
Bacaxá.24

Entre o latifúndio e a Vila; o lento desenvolvimento urbano de Cabo Frio.

Em 1789 a população das freguesias de Cabo Frio, Saquarema e Maricá


correspondiam juntas a um total de 15.227 habitantes, sendo que destes, 8.576 (56,3%)

22
REIS, M.M. do C. 1886. Memórias de Santa Cruz: seu estabelecimento e economia primitiva: seus
sucessos mais notáveis, continuados do tempo da extinção dos denominados Jesuítas, seus fundadores, até
o ano de 1804. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 14. (Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro).
23
ENGEMANN, RODRIGUES, AMANTINO. Os jesuítas e a Ilustração na administração de Manuel
Martins do Couto Reis da Real Fazenda de Santa Cruz (Rio de Janeiro, 1793-1804). História Unisinos
13(3):241-252, Setembro/Dezembro 2009.
24
GOMES, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos
no Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: UNESP, 2005. p.336.
11

eram livres e 6.651 (43,7%) escravos. Neste mesmo período Cabo Frio contava com 8
engenhos de açúcar e 10 engenhocas de água ardente. Esses números revelam que
apesar dos aumentos significativos da população e produção na Capitania do Rio de
Janeiro, a região demorou a se desenvolver quando comparada com outras regiões, em
Campos havia 168 engenhos de açúcar no mesmo período e em Maricá 30. Este retardo
deveu-se exatamente as lutas para expulsar os corsários, lutas estas que só começam a
ter êxito a partir da fundação da cidade em 1615. A vila de Cabo Frio não foi apenas
fundamental para as defesas do litoral, mas permitiu o avanço em direção a Campos e a
dominação do território goitacá. A expansão seguiu em direção às grandes porções de
terra ao norte.25

Quanto a Cabo Frio, no decorrer do setecentos a vila pouco se desenvolvera, o


lento crescimento devia-se a uma ausência de base agrícola, uma vez que esta se achava
cercada de grandes latifúndios nas mãos dos jesuítas e sua população consistia de
pescadores. Conforme Lamego (1946), em 1679 o lugar contava com apenas cem
residências e dois engenhos, faltando a este um impulso regional das atividades
agrícolas. Um dos fatores a impedir o desenvolvimento era justamente o problema da
terra, o conflito entre os colonos e os padres da Cia de Jesus eram intensos, as glebas se
resumiam nas sesmarias doadas aos inacianos e a fazenda Campos Novos cujas as terras
iam até o Rio São João. Citando Southey diz que:

Em 1685, havia no Cabo-Frio, uma povoação com a nome de cidade, uma


das muitas abortadas do mundo novo. Quando se escreveu o Papel Forte,
existiam ali: uma fortaleza sem gente, uma dúzia de moradores portugueses e
uma aldeia de índios.26

Em “Memória Histórica da Cidade de Cabo Frio e de todo o seu Distrito,


compreendido no termo de sua jurisdição. Anno de 1797”, de autoria desconhecida,27
detalhes cartográficos da cidade nos finais do século XVIII são revelados. O documento
é mais uma fonte importante onde se verifica que a discussão sobre as questões
pertinentes à distribuição de terras é um problema ao desenvolvimento local. Ao
analisar a situação das terras devolutas, o autor menciona o desconhecimento destas,

25
Idem. p.337
26
Apud. LAMEGO, Alberto Ribeiro. O homem e a restinga. IBGE, Rio de Janeiro: 1946. p.89.
27
Memória Histórica da Cidade de Cabo Frio e de todo o seu Distrito, compreendido no termo de sua
jurisdição. Anno de 1797. Revista do Instituto de História e Geografia do Brasil, Tomo XLVI, Parte I,
1883, pp. 205-232. O documento foi doado ao IHGB pelo então conselheiro da instituição, José Paulo
Figueiroa Nabuco de Araújo, que foi ministro do STF no século XIX, filho de José Joaquim Nabuco.
12

uma vez que faltava medições e demarcações por todos os lados. Como consequência
disso, alguns se apossavam de áreas maiores do que lhes foram cedidas enquanto outros
eram privados de usufruir daquelas que lhes competiam.
A Fazenda aparece apenas uma vez no documento, quando o assunto é a questão
da saúde local. Em todo o município havia apenas dois médicos, um residia em Iguaba e
o outro na Fazenda Campos Novos:

Todas essas moléstias se curão sem o beneficio de remédios preparados


em boticas, por que as não há nessa povoação, nem constam que houvessem
desde sua fundação: algumas mulheres mais experientes são professoras de
medicina, que administram a saúde a uns e a morte a outros, por meio do uso
de ervas e raízes de paos por ellas conhecidas; por isso os dous professores de
cirurgia, que ali residem, um em uma distancia da cidade de duas légoas, no
logar xamado Iguaba, outro na Fazenda de Campos Novos, distante três
légoas, pouco exercício têem. Os sangradores são de sobra; porém de
profissão, um só não há. [sic]28

O fato de haver apenas dois médicos em toda região e um residir na Fazenda


Campos Novos, pode ser um indicativo da importância socioeconômica do local, e, por
conseguinte, confirmar o pouco desenvolvimento da Vila de Cabo Frio. O período em
questão coincide com o momento em que Manuel Pereira Gonçalves era proprietário da
Fazenda, todavia, não há nenhum relato sobre suas atividades na mesma, muito menos
sobre quaisquer intervenções que este possa ter feito na Fazenda após sua aquisição. Ao
final do século XVIII a Fazenda Campos Novos já não representava mais todo o
poderio que tinha na época dos inacianos, mas ainda assim era um grande latifúndio.
A cidade na ocasião estava dividida em cinco freguesias (designação portuguesa
para paróquias), a primeira de Nossa Senhora da Assunção, seguida de São Sebastião
em Araruama, São Pedro da Aldeia dos Índios, Nossa Senhora de Nazaré de Saquarema
e finalmente a freguesia da Sagrada Família do Rio São João de Ipuca. A freguesia de
Nossa Senhora da Assunção era composta por oito capelas.
Tabela 1. Freguesias de Cabo Frio em 1797.
Cabo Frio em 1797 Capelas

Freguesia Nossa Senhora da Assunção São João Batista (dentro da povoação)


São Benedito (Passagem)
Nossa Senhora dos Remédios (Arraial)
Santa Ana na armação das Baleias
(Búzios)
Santo Ignácio (Campos Novos)
Santa Ana (Macaé)

28
Ibid. pp.210-211.
13

Nossa Senhora da Conceição (Iguaba)


Nossa Senhora do Cabo (Parati-
Araruama)
Tabela construída a partir das informações de Memória Histórica da Cidade de Cabo Frio e de
todo o seu Distrito, compreendido no termo de sua jurisdição. Anno de 1797.

Analisar a distribuição das freguesias é de suma importância para compreender o


desenvolvimento econômico e social das cidades neste período. A freguesia era a menor
estrutura da administração pública colonial, necessitando de no mínimo dez moradias
ou famílias para se estabelecer, submetida espiritualmente a uma cura que também
exercia o governo civil.29 A relação entre civil e eclesiástico no sistema colonial
português era de difícil distinção. Isto se deve, sobretudo, ao Padroado, concessão que
os papas davam aos monarcas comprometidos com os interesses da Igreja para
administrar em seus territórios as instituições religiosas. O rei era assim investido de
poderes pontifícios, tornando-se chefe supremo político e religioso. Cabia assim ao rei
cobrar os dízimos de seus súditos e redistribuí-los com o propósito de ampliar a fé nas
suas colônias, na prática essa arrecadação era usada pelo rei conforme lhe convinha.30
Os povoamentos iam se formando em proximidades das grandes propriedades,
os donos de terras cediam terrenos para a construção de capelas e oratórios, em alguns
casos forneciam também os recursos para a elevação das mesmas. A população local vai
assim se desenvolvendo no entorno no trabalho e da igreja, a vida social não escapa da
eclesial, é na igreja que todos os registros civis são produzidos (nascimento, casamento
e óbito). Os padres, vigários bispos são escolhidos, nomeados e pagos pelo rei, o
sacerdote é também, dessa forma, um representante da burocracia imperial.

Tabela 2 – População masculina livre de Cabo Frio no final do século XVIII.


Distrito da cidade de Cabo Frio em 1797
População masculina livre Habitantes
Chefes de família eclesiásticos 20
Ditos casados 1.105
Ditos solteiros 100
Ditos viúvos 90
Filhos acima de 10 anos 359

29
FRIDMAN, Fania. Cartografia Fluminense no Brasil Imperial. Anais do I Simpósio Brasileiro de
Cartografia Histórica. I Simpósio Brasileiro de Cartografia. p.6
30
FRIDMAN, Fania. Freguesias Fluminense no final do setecentos. Revista IEB n. 49 2009 mar/set p. x-
xx. p.94
14

Filhos de até 10 anos de idade 1.076


Total 2.750
Dados extraídos de Memória histórica da cidade de Cabo Frio e de todo o seu distrito 1997 - IHGB.

O documento aqui já mencionado traz no seu apêndice uma contagem altamente


interessante sobre como era Cabo Frio no final do século XVIII. Chama a atenção de
início a categoria “chefes de família eclesiásticos”, o que sugere ser párocos locais
casados, mas o termo “total de domicílios eclesiásticos” aparece no final da contagem, o
que vem confirmar a difícil dissociação entre o civil e o religioso nesses tempos. A
percepção sobre esses habitantes torna-se mais complexa quando verificamos o quadro
de descrição da população feminina.

Tabela 3 – População feminina livre de Cabo Frio no final do século XVIII.


Distrito da cidade de Cabo Frio em 1797
População feminina livre Habitantes
Mulheres dos chefes de Família 1.105
Ditas solteiras 49
Ditas viúvas 207
Filhas acima de 10 anos 563
Filhas de até 10 anos de idade 942
Total 2.866
Dados extraídos de Memória histórica da cidade de Cabo Frio e de todo o seu distrito 1997 - IHGB.

Observa-se na tabela 3 que a relação de homens solteiros e mulheres solteiras


são invertidas, isto é, há mais homens solteiros que mulheres. Por outro lado, as viúvas
correspondem mais que o dobro de viúvos, o que pode ser explicado pela maior
mortandade da população masculina. As crianças representam a maior parte dos
habitantes, somando-se ambos os sexos (1.435 meninos e 1.505 meninas), temos um
total de 2. 940, contra um total de 2.676 adultos. No geral constatamos uma população
razoavelmente equalizada entre masculino e feminino, somando ambos os sexos e
crianças temos um resultado de 5.616 habitantes livres.

Tabela 4 – População escrava de Cabo Frio no final do século XVIII.


Distrito da cidade de Cabo Frio em 1797
População Escrava Habitantes
Escravos de todo o trabalho 2.333
Escravas de todo o trabalho 1.690
15

Escravos menores 802


Escravas menores 583
Total de Escravos 5.408
Dados extraídos de Memória histórica da cidade de Cabo Frio e de todo o seu distrito 1997 - IHGB.

Quanto a população escrava, ao observarmos sua totalidade é possível também


achar uma equalização em relação aos livres, mas ao comparar somente os adultos tal
equilíbrio reduz significativamente. Somados os escravos e escravas temos um total de
4.023 contra 2.676 livres uma diferença de 1.347 indivíduos adultos. Por outro, nota-se
também uma diferença significativa entre a população infantil escrava e livre, enquanto
os primeiros chegam a um total de 1.385, os últimos somam 2.940. Ao fim desses dados
encontramos uma população total de 11.316 pessoas, distribuídas em 1.571 habitações
(excluídas aqui as senzalas), espalhadas nos entornos das freguesias de Cabo Frio. Mas
esse ainda não é o resultado final, uma vez que o autor do documento de 1797 colocou a
parte a Aldeia de São Pedro dos Índios, cuja a população estava dividida da seguinte
forma:

Tabela 5 – População da Aldeia de São Pedro do índios final do século XVIII.


Aldeia de São Pedro dos índios em 1797
População Livre Habitantes
Chefes de família eclesiásticos
Ditos casados 236
Ditos solteiros 1
Ditas solteiras 2
Ditos viúvos 15
Ditas viúvas 73
Subtotal 327
Total de filhos 553
Total de Escravos 53
Mulheres dos chefes de família 236
Total da População 1.173
Dados extraídos de Memória histórica da cidade de Cabo Frio e de todo o seu distrito 1997 - IHGB.

Ao final, somados os habitantes da Aldeia de São Pedro do Índios, a população


total de Cabo Frio incluindo todos os seus distritos era no final de século XVIII de
12.489. Esses habitantes estavam divididos em toda ordem de atividades, como cultivos,
engenhos de açúcar, fábricas de anil, olarias, pescados e pecuária. Havia ainda um
16

pequeno mercado interno distribuído em lojas de secos e molhado e tavernas, assim


como profissionais artesanais tais como ferreiros, alfaiates, sapateiros e carpinteiros.
Os pequenos centros urbanos se desenvolviam lentamente nas freguesias ao final
do século XVIII Cabo Frio contava com uma estrutura citadina que garantia não apenas
a posse do território e a vigilância, mas incluía também, centros comerciais e
administrativos. Se a gleba ou a fazenda tinha sido a primeira forma de ocupação, as
instalações de paróquias contribuíram para uma formação secundária de população que
seria o embrião de núcleos urbanos. Cabe ressaltar que poucas feitorias tornaram-se
vilas e raras as que viraram cidades, as únicas que alcançaram esse feitos foram Igarassu
em Pernambuco, Cabrália na Bahia e Cabo Frio no Rio de Janeiro.31
No ano de 1797, portanto quase trezentos anos após Cabo Frio ter se tornado
feitoria (1503), a cidade contava com centros urbanos distribuídos em suas freguesias,
com uma certa variação de negócios visando o mercado interno da região. Doze
embarcações de porte médio fazia o transporte pelo litoral até o Rio de Janeiro, quatorze
dedicavam-se a pesca, seis de porte menor, faziam o trajeto da roça até os portos nas
orlas, a cidade ainda contava com 105 carros de boi e 222 canoas para o abastecimento.
O comércio e os serviços eram diversificados basicamente como mostra a tabela 6.

Tabela 6 – lojas de fazendas secas e oficinas


Lojas de fazenda secas 16
Ditas de fazendas molhadas ou tabernas 40
Ditas de alfaiate 10
Ditas de sapateiros 8
Ditas de carpinteiros 6
Ditas de ferreiros 6
Dados extraídos de Memória histórica da cidade de Cabo Frio e de todo o seu distrito 1997 - IHGB.

Os centros urbanos, emergem em função do comércio de exportação, cujo


principal sistema de escoamento dava-se no litoral e nas fozes dos rios, as aglomerações

31
Veja FARIA, Teresa Peixoto. Gênese da rede urbana das regiões norte e noroeste fluminense à luz do
relatório do engenheiro Henrique Luiz de Niemeyer Bellegard. X Encontro Nacional ANPUR. Cidade
Planejamento e Gestão Urbana; história das ideias, das práticas e das representações. In:
http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/anais/article/viewFile/2264/2212 Acesso:
18/07/2016.
17

que se criam para manter o negócio ativo suscitaram o surgimento de um mercado


interno. Tanto a produção agrícola quanto o extrativismo, seguiam uma rota que tinha
seu ponto de partida nos latifúndios, atravessando longas estradas de chão ou canais de
rios, com entrepostos até alcançar o mar. Ao longo do período colonial esse sistema
tornou-se modelo das relações comerciais entre a metrópole e a colônia.

Considerações finais.

A história da colonização brasileira é marcada por uma série de processos que


até que o projeto colonizador se achasse consolidado foram necessários alguns séculos.
Um processo que se inicia com a pacificação dos nativos (da maneira nada pacífica), e a
distribuição de grandes porções de terras (as fazendas), os aldeamentos, também
conhecido como reduções, foram assim os primeiros aglomerados populacionais
organizados pelas ordens religiosas. No caso de Cabo Frio, dois aldeamentos foram
fundamentais o de São Pedro (1617) e o da Sagrada Família de Ipuca (Barra de São
João em 1700), duas extremidades da Fazenda Campos Novos.
A história da Fazenda Campos Novos está intimamente relacionada com a
história da colonização brasileira. Ao longo da gestão inaciana ela se tornou um grande
complexo agrícola, fundamental para o desenvolvimento da região litoral fluminense. É
importante salientar que Cabo Frio até o final do século XVIII compreendia uma
enorme extensão de terras cujos limites iam de Maricá a ao rio Macaé.32 Sendo assim,
agregado a Fazenda Santana de Macaé e o Colégio de Campos dos Goitacases, a
Fazenda Campos Novos teve um papel preponderante no processo de ocupação, bem
como na consolidação da colonização da região. É impossível dissociar o
desenvolvimento do litoral fluminense do projeto de fundação das fazendas, aldeamento
e missões, com grandes áreas agrícolas, engenhos, campos para pastagens e lavouras.
Por outro lado, as grandes extensões de terras dificultavam as aglomerações,
neste sentido, a edificação das paróquias ou freguesias, tendo a igreja como centro da
vida social, comercial e administrativa foi fundamental para o processo de urbanização.
Ao contrário do que foi defendido por Pierre Deffontaine, para quem a “fazenda
definitivamente o Brasil para a dispersão” privando o país da construção das vilas, a

32
As cidades que compõem a Região do Lagos, em grande maioria só se emanciparam a partir do século
XIX (Silva Jardim – 1801 Saquarema – 1840; Araruama – 1890; São Pedro da Aldeia – 1892),
18

plantação da cana de açúcar permitiu que cidades que funcionavam como centros
regionais fossem construídas nas proximidades dos engenhos.33
Além disso a criação das câmaras municipais, com funcionários enviados pela
metrópole tinham por objetivo o projeto de uma política centralizadora e de controle
sobre a urbanização das cidadãs coloniais. Em Cabo Frio a câmara foi formada em 1615
com a fundação da cidade, em 1660 fora construído um prédio público na rua Direita, a
casa com dois pavimentos e duas salas, onde em uma ocorria as sessões da câmara, a
outra era utilizada para audiências com o juiz e também a cadeia pública.
Desse modo a cidade se desenvolveu, entre o latifúndio e a vila, nem sempre
com interesses convergentes, as cidades são produtos dessa relação de forças, entre o
rural e o urbano. Ao passo que se por um lado, o espirito da vida brasileira encontrava-
se na unidade nacional dos nobres rurais, os fazendeiros tornaram-se cabeças
administrativas das cidades, aristocratas da cidade, controlando a legislatura, a justiça e
o projeto urbanístico.

33
Veja: FRIDMAN, Fania, Cartografia fluminense no Brasil imperial Anais do I Simpósio Brasileiro de
Cartografia Histórica. Paraty: 2011. p.3

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