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Resumo: Este artigo se propõe a discutir a evolução urbana de Cabo Frio entre os séculos XVII e
XVIII. A escolha deste marco temporal teve como objetivo compreender a relação entre campo e a
cidade. Partimos da hipótese de que a edificação da Fazenda Campos Novos, principal complexo agrícola,
fundada em 1690 pela Companhia de Jesus foi de fundamental importância neste processo. Tentamos
identificar os determinantes das transformações ocorridas na região provocadas pela administração dos
inacianos, na gestão da Fazenda Campos Novos, na formação da Aldeia de São Pedro dos Índios e a
emergência das freguesias que mais tarde viriam a se tornar pequenos núcleos urbanos. Nesse sentido, a
evolução urbana de Cabo Frio presta-se como bom estudo de caso para uma melhor inteligência da
formação das cidades coloniais e suas complexas relações destas com suas hinterlândias, onde
localizavam-se os latifúndios e seus centros urbanos, exemplificado aqui pela feitoria de Cabo Frio,
fundada em 1503.
Abstract: This article aims to discuss the urban evolution of Cabo Frio between the 17th and 18th
centuries. The choice of this timeframe aimed to understand the relationship between countryside and
town. We leave that building the New Fields Farm, main agricultural complex, founded in 1690 by the
society of Jesus was of fundamental importance in this process. We try to identify the determinants of
changes in the region caused by the administration of Ignatius of Loyola, in the management of the farm
Fields, in the formation of the village of St. Peter of the Indians and the emergence of the parishes that
later would become small urban centres. In this sense, the urban evolution of Cabo Frio lends itself as a
good case study for improved intelligence of the formation of colonial towns and their complex
relationships with their hinterlândias, where were located the large estates and its urban centers,
exemplified here by the factory of Cabo Frio, founded in 1503.
Introdução.
1
A presente pesquisa conta com o financiamento do CNPq.
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2
Coaracy, Vivaldo O Rio de Janeiro no Século XVII. Livraria José Olimpio Editora, Rio de Janeiro,
1965.
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O conceito de “guerra justa” aqui é interpretado como invasão armada aos territórios indígenas, cujo
objetivo era a captura de índios, trata-se assim de uma operação de recrutamento da força de trabalho e do
despejamento dos índios de suas terras. Veja: FREIRE, José Ribamar Bessa, MALHEIROS, Márcia
Fernanda. Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, EDUERJ, 2010. p. 26.
4
The Angus Maddison Project, http://www.ggdc.net/maddison/maddison-project/home.htm. Acesso em:
08/07/2016
5
Ver população do Brasil séculos XVI,XVII e XVIII. In: Historical Statistics for the World Economy: 1-
2003 AD. The Angus Maddison Project, http://www.ggdc.net/maddison/maddison-project/home.htm.
Acesso em: 08/07/2016
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6
Ver Marcílio, Maria Luisa. Caiçara Terra e População. EDUSP, 2006. Ver também, Merrick, Douglas
W. & Graham, Thomas. População e Desenvolvimento no Brasil. De 1800 até a Atualidade. Jorge Zahar,
Rio de Janeiro, 1981
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Registros Paroquiais de Casamento de Cabo Frio 1675-1928. Compilado por Marcelo Barbio Rosa.
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8
FERNANDES, Eunícia Barros Barcelos. Os Jesuítas e a Capitania do Rio de Janeiro. Anais do IV
Encontro Internacional de História Colonial. Jesuítas, expansão planetária e formas de cultura / Rafael
Chambouleyron & Karl Heinz Arenz (orgs.). Belém: Editora Açaí, Volume 4, 2014. p.92
9
Idem, p. 92.
10
Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda. Documentos relativos à fazenda Campos Novos e
Campos dos Goitacazes. Códice: 85.20.49.
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11
Ver Caminietzki, Carlos Ziller A cruz e a luneta. Rio de Janeiro: Access, 2000. 96p.
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LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VI, Livro I, Cap. IV. Rio de
Janeiro, Belo Horizonte. Editora Itatiaia; 2000. p.94.
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Quanto à intensões dos Jesuítas, podemos perguntar com que objetivo a Companhia de Jesus veio para
o novo mundo? Para apoiar o sistema colonizador ou subvertê-lo? Conforme STRIEDER (2004), a
resposta certa é: nem uma coisa nem outra. “O objetivo fundamental era: salvar a própria alma,
combatendo pela instauração do Reino de Cristo” Para compreender melhor veja: STRIEDER, Inácio
Reinaldo, “Os Jesuítas e suas matrizes utópicas” IN: BRANDÃO, Silva (organizadora), História das
Religiões no Brasil, Volume 3, Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2004.
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16
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo VI, Livro I, Cap. IV. Rio de
Janeiro, Belo Horizonte. Editora Itatiaia; 2000. p.79.
17
Idem, p.88.
18
Ibid. p.93.
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AMANTINO, Márcia, Fazendas, engenhos e haciendas: Os bens materiais e os escravos dos Jesuítas na
Capitania do Rio de Janeiro e na Província Jesuítica do Paraguai, século XVIII. Anais do XXVI Simpósio
Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011.
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foi o português Manoel Pereira Gonçalves, que a arrematou dezenove anos depois, em
1778, por 24:518$420 (vinte quatro contos, quinhentos e dezoito mil e quatrocentos e
vinte reis), embora seu valor de mercado, conforme os avaliadores, fosse de em
67:500$000 (sessenta e sete contos e quinhentos mil reis). Para a avaliação da mesma,
dois inventários foram produzidos, um de 1759 e outro de 1775. O primeiro no mesmo
ano da expulsão da ordem, o segundo, dezesseis anos depois. Ambos são provavelmente
os únicos documentos sobre a Fazenda deste período.20 O inventário de 1775 faz uma
descrição minuciosa da Fazenda, tamanho da propriedade, objetos, animais e escravos.
Por meio deste inventário é possível saber que no momento da arrematação, havia 323
escravos divididos em 53 senzalas de palha e 18 de telha.
Manoel Pereira Gonçalves aparece poucas vezes na documentação. Há registros
de que ele tinha outra propriedade em um lugar chamado Camurupi, possivelmente
entre o rio Macaé e o rio São João.21 O lugar em questão poderia pertencer às terras da
Fazenda Campos Novos, uma terra anexada. Algumas questões são suscitadas a respeito
da venda da Fazenda, em primeiro lugar, por que ela levou tanto tempo para ser
vendida? Em segundo, por que a um preço tão inferior ao avaliado? A memória local
alerta para o fato de que, nesses dezenove anos entre o sequestro e a arrematação em
1778, Campos Novos passou a ser chamada de Fazenda Del Rey. Essa mesma tradição,
suspeita que a demora de sua venda estava relacionada com o receio do retorno dos
inacianos. Com o passar do tempo, esse receio veio a diminuir, por outro lado, a
Fazenda perdeu muito valor nesses anos de abandono.
Em carta do Marquês de Pombal ao tenente da Junta Real na Capitania do Rio de
Janeiro em 1773, denuncia que “os sobreditos bens se vão deteriorando cada dia mais
pella negligencia dos administradores e cubiça dos rendeiros” [sic], exceção feita as
propriedades de Santa Cruz e Engenho Novo. A Fazenda de Santa Cruz, seria utilizada
para tanto prover gado para os navios de guerra como escravos para a fábrica da Casa de
Armas, todavia, a Fazenda de Engenho Novo, fora também a leilão anos depois por
20
Os inventários encontram-se: Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda. Documentos relativos à
fazenda Campos Novos e Campos dos Goitacazes. Códice: 85.20.49. Ambos foram muito bem analisados
por: ENGEMANN, Carlos & AMANTINO, Márcia. A fazenda de Campos Novos e sua história –
séculos XVII e XVIII. XIV encontro regional da ANPHU – Rio; Memória e Patrimônio. Rio de Janeiro,
UNIRIO, Ano 2010.
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O nome Camurupi vem do tupi e é atribuído ao um tipo de peixe o Kamurupá. A referência a Manoel
Pereira Gonçalves encontra-se em: Memória Histórica da Cidade de Cabo Frio e de todo o seu Distrito,
compreendido no termo de sua jurisdição. Anno de 1797. Revista do Instituto de História e Geografia do
Brasil, Tomo XLVI, Parte I, 1883, pp. 205-232.
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REIS, M.M. do C. 1886. Memórias de Santa Cruz: seu estabelecimento e economia primitiva: seus
sucessos mais notáveis, continuados do tempo da extinção dos denominados Jesuítas, seus fundadores, até
o ano de 1804. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 14. (Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro).
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ENGEMANN, RODRIGUES, AMANTINO. Os jesuítas e a Ilustração na administração de Manuel
Martins do Couto Reis da Real Fazenda de Santa Cruz (Rio de Janeiro, 1793-1804). História Unisinos
13(3):241-252, Setembro/Dezembro 2009.
24
GOMES, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos
no Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: UNESP, 2005. p.336.
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eram livres e 6.651 (43,7%) escravos. Neste mesmo período Cabo Frio contava com 8
engenhos de açúcar e 10 engenhocas de água ardente. Esses números revelam que
apesar dos aumentos significativos da população e produção na Capitania do Rio de
Janeiro, a região demorou a se desenvolver quando comparada com outras regiões, em
Campos havia 168 engenhos de açúcar no mesmo período e em Maricá 30. Este retardo
deveu-se exatamente as lutas para expulsar os corsários, lutas estas que só começam a
ter êxito a partir da fundação da cidade em 1615. A vila de Cabo Frio não foi apenas
fundamental para as defesas do litoral, mas permitiu o avanço em direção a Campos e a
dominação do território goitacá. A expansão seguiu em direção às grandes porções de
terra ao norte.25
25
Idem. p.337
26
Apud. LAMEGO, Alberto Ribeiro. O homem e a restinga. IBGE, Rio de Janeiro: 1946. p.89.
27
Memória Histórica da Cidade de Cabo Frio e de todo o seu Distrito, compreendido no termo de sua
jurisdição. Anno de 1797. Revista do Instituto de História e Geografia do Brasil, Tomo XLVI, Parte I,
1883, pp. 205-232. O documento foi doado ao IHGB pelo então conselheiro da instituição, José Paulo
Figueiroa Nabuco de Araújo, que foi ministro do STF no século XIX, filho de José Joaquim Nabuco.
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uma vez que faltava medições e demarcações por todos os lados. Como consequência
disso, alguns se apossavam de áreas maiores do que lhes foram cedidas enquanto outros
eram privados de usufruir daquelas que lhes competiam.
A Fazenda aparece apenas uma vez no documento, quando o assunto é a questão
da saúde local. Em todo o município havia apenas dois médicos, um residia em Iguaba e
o outro na Fazenda Campos Novos:
28
Ibid. pp.210-211.
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29
FRIDMAN, Fania. Cartografia Fluminense no Brasil Imperial. Anais do I Simpósio Brasileiro de
Cartografia Histórica. I Simpósio Brasileiro de Cartografia. p.6
30
FRIDMAN, Fania. Freguesias Fluminense no final do setecentos. Revista IEB n. 49 2009 mar/set p. x-
xx. p.94
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Veja FARIA, Teresa Peixoto. Gênese da rede urbana das regiões norte e noroeste fluminense à luz do
relatório do engenheiro Henrique Luiz de Niemeyer Bellegard. X Encontro Nacional ANPUR. Cidade
Planejamento e Gestão Urbana; história das ideias, das práticas e das representações. In:
http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/anais/article/viewFile/2264/2212 Acesso:
18/07/2016.
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Considerações finais.
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As cidades que compõem a Região do Lagos, em grande maioria só se emanciparam a partir do século
XIX (Silva Jardim – 1801 Saquarema – 1840; Araruama – 1890; São Pedro da Aldeia – 1892),
18
plantação da cana de açúcar permitiu que cidades que funcionavam como centros
regionais fossem construídas nas proximidades dos engenhos.33
Além disso a criação das câmaras municipais, com funcionários enviados pela
metrópole tinham por objetivo o projeto de uma política centralizadora e de controle
sobre a urbanização das cidadãs coloniais. Em Cabo Frio a câmara foi formada em 1615
com a fundação da cidade, em 1660 fora construído um prédio público na rua Direita, a
casa com dois pavimentos e duas salas, onde em uma ocorria as sessões da câmara, a
outra era utilizada para audiências com o juiz e também a cadeia pública.
Desse modo a cidade se desenvolveu, entre o latifúndio e a vila, nem sempre
com interesses convergentes, as cidades são produtos dessa relação de forças, entre o
rural e o urbano. Ao passo que se por um lado, o espirito da vida brasileira encontrava-
se na unidade nacional dos nobres rurais, os fazendeiros tornaram-se cabeças
administrativas das cidades, aristocratas da cidade, controlando a legislatura, a justiça e
o projeto urbanístico.
33
Veja: FRIDMAN, Fania, Cartografia fluminense no Brasil imperial Anais do I Simpósio Brasileiro de
Cartografia Histórica. Paraty: 2011. p.3