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Margaret Mead (1901-1978) - Defensora destacada do "relativismo cultural" e mais famosa
antropóloga americana de meados do século XX.
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meios acadêmicos. Freud havia estabelecido que certas fases do desen-
.olvimento psicológico humano eram fixadas pela natureza e universais.
Boas discordava, achando que a doutrina de Freud era determinada pela
cultura, isto é, etnocêntrica. Orientou Margaret Mead a selecionar uma
·ase psicológica do desenvolvimento do indivíduo e a estudá-Ia numa
cultura não ocidental, esperando demonstrar que sua manifestação lá
iferia de como isso se dava no Ocidente. Mead selecionou (ou acabou
:icando com) a adolescência feminina no Arquipélago de Samoa, no Pa-
cííico Sul. Morou lá por vários meses com a família de um missionário,
venturando-se pelas aldeias para entrevistar um número selecionado de
dolescentes samoanas. O resultado desse pioneiro trabalho de campo
:oi o primeiro dos seus inúmeros livros, Coming of Age in Samoa (Che-
undo à maioridade em Samoa, 1928), um clássico da Antropologia de
:odos os tempos.
A mensagem desse livro era de que a adolescência feminina no ar-
uipélago era uma transição psicologicamente sem distúrbios da infân-
_ a para a maturidade, durante a qual as jovens eram poupadas das pro-
ações e tribulações "normais" do despertar sexual porque, ao contrário
garotas norte-americanas, as samoanas tinham sido sexualmente
_ rmissivas enquanto meninas. A conclusão era de que a adolescência
- -o era perturbada por natureza hereditária. E a inferência era de que
- adolescentes americanas seriam menos perturbadas se os americanos
atassem uma atitude mais permissiva em relação ao sexo. O livro de
ead foi um sucesso imediato de vendas, atraindo a atenção pública por
s declarações ousadas e controvertidas. E foi a largada de uma longa
arteira como porta-voz das causas liberais, de pregação pela tolerân-
e o entendimento e de como o conhecimento de comportamentos
óticos em lugares distantes dava a oportunidade de refletir sobre as
: rudes consideradas "normais" em seu próprio país. Tornou-se assim
mais famosa antropóloga do século XX e aquela primordialmente res-
nsável por dar à Antropologia a reputação do relativismo cultural.
Outros livros fundamentais de Mead foram Crescendo na Nova
-;úné (1930) e Sexo e temperamento em três sociedades primitivas (1935),
m exemplos etnográficos de como os papéis sexuais são culturalmen-
aprendidos e, da mesma forma que a adolescência, não programados
Ia natureza. Em parte do seu trabalho inicial, Mead teve a colabo-
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ração do segundo marido, o antropólogo australiano Reo Fort -
mais tarde trabalhou com o terceiro marido, o antropólogo brit
e pesquisador em Psicologia Gregory Bateson (o primeiro mari
um pastor protestante convertido à Arqueologia, Luther Cres
Mead também manteve um relacionamento íntimo com Ruth Ben
que a encorajou a persistir e foi sua conselheira em épocas de afl;
Em 1982, quatro anos após a morte de Mead, o etnógrafo austra
Derek Freeman (1916-2001) publicou em seu livro Margaret Mead
Samoa: The Making and Unmaking of an Anthropological Myth um
lanço crítico da pesquisa que ela realizou no Pacífico Sul, a que se se ....
em 1999 The Fateful Hoaxing of Margaret Mead: A Historical Analysi.
her Samoan Research. Freeman repreendia Mead (postumamente)
ser superficial no método e não ter estudado a história de Samoa
Ruth Benedict (1887 -1948) - A "configuracionista" Benedict foi um dos expoentes teóricos
da Escola Americana da Cultura e Personalidade.
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egundo ele incluía violência e tumultos sexuais, desmentindo o retrato
tnográfico fornecido por Mead de um pacato paraíso sexual. Margaret
_Iead, na visão de Freeman, foi um produto ingênuo de Boas, que a
mpelia com força excessiva a fazer pesquisas que resultassem como ele
_ueria. Os livros de Freeman desencadearam um vigoroso e prolongado
ebate entre seus defensores e detratores e os de Mead, criando uma
ndústria de quintal de polêmica acadêmica.
Quando Mead chegou à Universidade Colúmbia, Ruth Benedict
·887-1948) já estava lá. Ela havia estudado Literatura no Vassar Colle-
lecionado na escola secundária e, da mesma forma que Mead, aban-
~ nado as aspirações a viver como escritora e poetisa. Procurando dar
ovo sentido à vida, matriculou-se num curso de Antropologia na Nova
z; cola para a Pesquisa Social de Nova York, onde conheceu Franz Boas.
"\.hando que a Antropologia era uma forma de expressar sua criativi-
de e um meio intelectual de explorar os fundamentos de sua própria
nsaçâo de alienação cultural, decidiu fazer carreira na disciplina. Rea-
zou trabalho de campo sob orientação de Kroeber, que apresentou-lhe
onfiguracionismo, e aí voltou à Colúmbia para lecionar com Boas,
udando-o a treinar Mead e outros estudantes que se destacavam.
Assim como Mead, ela estava interessada na relação entre cultura e
_ rsonalidade. Mas enquanto Mead descrevia as personalidades cultu-
-::Jmente condicionadas de indivíduos, Benedict descrevia as persona-
Iades de culturas inteiras. Segundo ela, cada cultura tinha GESTALT _ Configuração
+açôes forçadas dessa abordagem foram o foco do seu livro alguns psicoantropólogos
a toda uma cultura .
. drões de cultura (1934), um venerado campeão de vendas
rante décadas. Nessa obra ela contrasta as personalidades de três cul-
ras: os kwakiutl da costa noroeste do Pacífico, os zuni do sudoeste
ericano e os dobuans do Pacífico Sul. Tomando os nomes de emprés-
mo ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), caracterizou
kwakiutl como "dionisíacos" porque pareciam megalomaníacos e da-
a excessos, encenando visões inquisitivas com autotortura e libações
.rimoniais com consumo abusivo e destruição de bens materiais. Os
_ni, ao contrário, eram "apolíneos" porque pareciam pacatos e contidos
Ia moderação, com cerimônias tranquilas que refreavam a licenciosida-
. Baseada em pesquisa etnográfica de Reo Fortune, ela caracterizou os
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dobuans como "paranoides" porque pareciam preocupados com brui
ria e sempre suspeitando de roubo de batata-doce uns dos outros. P
Benedict, esses três casos ilustravam o poder da cultura de moldar pers
nalidades normativas divergentes, resultando em definições divergen
de "desvio". E, de maneira tipicamente boasiana, concluía que, poden
uma cultura considerar desviante o que outra considerava normativo,
desvios não eram determinados pela natureza.
Depois de Padrões de cultura, Ruth Benedict continuou a execu
os mandamentos de Boas para a Antropologia promovendo o rela--
vismo cultural e combatendo o racismo e o etnocentrismo tanto in -
lectual quanto politicamente. Para mostrar que o conceito de raça
cientificamente frágil e politicamente destrutivo, escreveu Raça: ciên
e política (1945), e durante a Segunda Guerra Mundial uniu-se a outr
antropólogos para ajudar a derrotar o nazismo e as potências do Eix
trabalhando para o governo americano em Washington. Resultado de
CARÁTER NACIONAL _ esforço moral patriótico foi seu livro O crisântemo e a espa
Personalidade dominante (1946), estudo do CARÁTER NACIONAL japonês. No perío
de uma nação, segundo da Segunda Guerra, outros estudos do caráter nacional-
alguns psicoantropólogos.
vezes chamados de ESTUDOS DE CULTURA A DISTÂNCIA porq
ESTUDOS DE CULTURA A tinham que ser realizados sem a ajuda do trabalho de ca -
DISTÂNCIA - Estudos
po - perderam credibilidade porque os antropólogos fazi
de cultura sem
apoio no trabalho de generalizações exacerbadas sobre a capacidade de a person -
campo, praticados lidade infantil moldar o comportamento cultural dos ad -
por psicoantropóloqos
americanos no periodo da
tos. Um caso de triste fama foi o de Geoffrey Gorer, q
Segunda Guerra Mundial. atribuiu a cultura "obsessivo-compulsiva" do Japão ao tr -
no prematuro para o uso do vaso sanitário e a cultura "m -
níaco-depressiva" da Rússia ao uso prolongado da fralda na iníânci
Esse tipo de aviltamento teórico da abordagem psicológica era causa
em parte pela aplicação descuidada da Psicologia Freudiana.
Mead e Benedict foram as duas antropólogas mais famosas da pn-
meira metade do século XX. O surgimento da Antropologia Feminis
no final do século produziu um interesse renovado em suas vidas, ép
ca e amizade. O interesse estendeu-se então a outras estudantes me-
nos conhecidas de Boas, como a folclorista e escritora afro-america '
Zora Neale Hurston (1891-1960). Mead, Benedict, Hurston e outro-
antropólogos são hoje objeto de inúmeras biografias (mais de 10 apenas
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e Mead) que exploram como indivíduos que se sentem culturalmen-
te alienados podem pender para a Antropologia e nela "se encontrar",
chegando mesmo, ainda que inconscientemente, a modelar a disciplina
egundo as suas próprias necessidades psicológicas.
análise cuidadosamente
mãe", não "pai". Esse tipo de pesquisa mostrava que, se
definidas que podem
~ma parte da Teoria Freudiana devia ser salva para a An- ser manipuladas
pologia, todo o edifício teórico teria que ser reconstruí- estatisticamente e produzir
correlações.
com VARIÁVEIS interculturais.
Ao mesmo tempo em que consideravam a Teoria Freudiana obje-
-el e anacrônica, os antropólogos boasianos achavam-na estirnulan-
e envolvente. Da mesma maneira que a Antropologia, a Psicologia
- udiana era iconoclástica, forçando as pessoas a analisar pensamentos
.:omportamentos que aceitavam no geral como "normais". E era um
rpo de ideias sobre a personalidade, matéria em que a Antropologia
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não podia reivindicar qualquer conhecimento profundo. Os psicoantr -
pólogos foram atraídos para a Psicologia Freudiana na década de 19-_
e, quando isso aconteceu, tiveram que mudá-Ia em aspectos fundam
ANTROPOLOGIA FREUDIANA - tais. Abandonaram a explicação de Freud sobre a evolu ~-
Escola da Antropologia d d f f d
Psicológica que incorporou
psíquica, eprecian o sua ên ase no sexo; re un iram
certos elementos da concepções num molde de relativismo cultural e focar
psicologia de Sigmund no desenvolvimento da personalidade normal, em vez
Freud. Também
chamada Antropologia patológica. O resultado foi uma nova fase da Antropoloc
Psicodinâmica. Psicológica, uma fase freudiana, caracterizada pelo estu
do desenvolvimento da personalidade em comparação ir-
INSTITUIÇOES
CULTURAIS
PRIMÁRIAS
- tercultural, com uma forte ênfase na importância da prim -
Em Antropologia ra infância.
Psicodinâmica, instituições
que afetam a criação
O principal arquiteto teórico da ANTROPOLOGIA FRE -
infantil e que moldam DIA A foi Abram Kardiner (1891-1981), um psicanali -
a estrutura básica da
que estudou com Freud, mas concluiu que as ideias do me-
personalidade.
tre eram culturalmente condicionadas - em parte produ
INSTITUIÇOES
CULTURAIS da própria infância de Freud - e tinham que ser revista
SECUNDARIAS
- Em
Para realizar essa tarefa, organizou um seminário de an-
Antropologia
Psicodinâmica, instituições tropólogos em Nova York no final da década de 1930. E -
sociais que são projeções tre os principais participantes estavam os boasianos Ru
da estrutura básica da
personalidade e que
Benedict, Ruth Bunzel, Edward Sapir e Cora Du Bois.
ajudam as pessoas a lidar objetivo era desenvolver um arcabouço teórico para inve -
com o mundo.
tigar como diferentes experiências culturais alimentava
ESTRUTURA
BAslCA diferentes tipos de personalidade. A partir das conclusõ
DAPERSONALIDADE
- do seminário, Kardiner montou um modelo de pesqui
Em Antropologia
com três componentes principais: INSTITUIÇÕES CULTURAl
Psicodinâmica, a
personalidade nuclear, PRIMÁRIAS, INSTITUIÇÕES CULTURAIS SECUNDÁRIAS e ESTRUTL-
moldada pelas instituições RA BÁSICA DA PERSONALIDADE. Instituições primárias eram a
culturais primárias e
projetada nas instituições
envolvidas na criação infantil, por exemplo nas práticas d
culturais secundárias. alimentação e desmame e no atendimento em creches. In -
tituições secundárias eram as principais instituições sociai
PSICODINÂMICA
- Relativa
políticas e religiosas. No modelo de Kardiner a estrutura bá-
à Escola de Antropologia
Psicológica, que adotou sica da personalidade era moldada pelas instituições primá-
certos elementos da rias e depois "projetada" sobre as secundárias, cuja função
Psicologia de Sigmund
Freud; com frequência
era ajudar as pessoas a enfrentar o mundo, pintando-o em
chamada de Antropologia cores familiares para a adaptação cultural. Kardiner chamou
Freudiana.
essa abordagem de PSICODINÂMICA.
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h
f,
fi.
-'h j
Desenhos de jovem da Ilha de Alor - Cora Du Bois (1903-1991) usou esses desenhos do jovem
Atamau Maugliki, de 14 anos, para interpretar a "personalidade básica" de Alor: a) coqueiro;
b) samambaia; c) espirito maligno; d) estatueta de espirito guardião da aldeia; e) espirito familiar
maligno de vidente; f) samambaia; g) altar dos espíritos; h) flor do falcoeiro; i) estatueta de espírito
guardião da aldeia; j) escultura de barco dos espíritos.
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de especialistas clínicos. Eles concluíram que a personalidade básica
Ilha de Alor era superficial, indiferente e apática. Como se desenvol
essa personalidade básica? Segundo Du Bois, ela se desenvolvia a par..:
da experiência de desprezo materno na primeira infância, causada
necessidade das mães de passarem longos períodos longe dos filhos
dando das roças. Isso ensinava as crianças a não esperar que suas nec -
sidades emocionais fossem prontamente satisfeitas, com a consequên
posterior de que a baixa expectativa se projetava na religião, caracteriza-
da por divindades indiferentes e imagens produzidas descuidadamen
Moldada por essa projeção, a religião podia ajudar as crianças a se adap -
rem ao desprezo materno. The People of Alar (1944), o livro de Du Boi
foi o ponto alto teórico da Antropologia Psicodinâmica.
Os pontos baixos teóricos foram os estudos de caráter nacional .
período da Segunda Guerra, principalmente os de Geoffrey Gorer sobr
o Japão e a Rússia, que marcaram o fim da mistura séria de Antropologia
e Teoria Freudiana. A partir da década de 1950, inovações nos método
de pesquisa em Ciência Social, sobretudo o uso crescente da Estatísti-
ca, levaram os antropólogos a se distanciar da Psicologia Freudiana,
qual, do ponto de vista da ciência empírica, parecia eivada de conceito
maldefinidos e impossíveis de investigar. Uma nova geração de psicoan-
tropólogos começou a purgar a Antropologia desses conceitos e a usar
a estatística para dar precisão às generalizações culturais transversai .
O esforço pioneiro nessa nova direção foi Child Training and Perso-
nality: A Cross-Cultural Study (1953), de John Whiting e Irvin Child.
que geraram dados em cortes transversais de cultura a partir de fonte
como os Arquivos da Área de Relações Humanas da Universidade Yale
e os manipularam estatisticamente para revelar importantes associaçõe
culturais. Um exemplo de associação foi descrito por Marvin Harri
em The Rise of Anthropological Theory, envolvendo os seguintes traços:
prolongados períodos de aleitamento materno; prolongada proibição de
relações sexuais pós-parto; poligamia, prática de um homem ter mais de
uma mulher; as crianças dormindo exclusivamente com a mãe; patrili-
nearidade e patrilocalidade, determinação da genealogia e da residência
pós-conjugal segundo a linha masculina; e estritos rituais de puberdade
masculina, muitas vezes severos.
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Em estatística, a associação não prova necessariamente SISTEMAS DE MANUTENÇÃO -
No modelo antropológico
ausalidade, mas pode sugeri-la e ajudar a estreitar a
psicológico de John
uisa das relações de causa e efeito. Os antropólogos Whiting e Irvin Child,
No modelo antropológico
OS; e a estrutura básica de personalidade virou VARIÁVEIS
psicológico de John
PERSONALIDADE. Whiting e Irvin Child,
equivalentes á estrutura
os 25 anos entre Coming of Age in Samoa e Child Trai- básica de personalidade
g and Personality, a Antropologia Psicológica Americana de Abram Kardiner sem
-oluiu por fases pré- freudiana, freudiana e pós- freudiana. componentes freudianos.
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