PSICOLOGIA INVESTIGATIVA: A PSICOLOGIA ANALISANDO A
CENA DO CRIME E O PERFIL DOS CRIMINOSOS –
Profª. Drª. Aline Lobato
O que é Psicologia Investigativa?
O termo Psicologia Investigativa foi criado pelo professor David Canter, na
Inglaterra, mais ou menos em 1990, para abranger o alcance das contribuições que a Psicologia pode fazer em favor da Investigação Criminal. O modelo geral da Psicologia Investigativa está baseado no esquema: crime (o evento em si), criminoso (indivíduo que perpetua a ação criminosa), informação (obtenção, manipulação e análise dos dados) e decisão (processos decisórios de suporte à investigação). Neste contexto, existe o crime em si e o criminoso envolvido na ação; o próximo passo então é obter máxima informação sobre ambos, o crime e o criminoso; depois analisar esta informação e tomar decisões em ordem a direcionar e suportar o processo de investigação; objetivando chegar à identificação do criminoso. Dessa forma, basicamente três elementos principais da investigação estão abertos aos estudos da Psicologia: a) processos decisórios policiais e associadas destrezas relacionadas à detecção; b) acesso e análise de informação e processos de entrevista e c) a psicologia do comportamento criminal (Canter, 1995). No entanto, é bem importante compreender que o termo Psicologia Investigativa estabelece essa abordagem dentro da Psicologia e, como tal, prioriza o estudo do comportamento, considerando este como algo relativo às relações interpessoais. De fato, a Psicologia Investigativa enfatiza que “a ação criminal pode ser vista como uma transação interpessoal” (Ainsworth, 2001, p. 118). Assim, a análise do comportamento na cena do crime é a análise das relações do criminoso com sua vítima e ligação desse padrão comportamental com os antecedentes deste criminoso. Neste caso, o criminoso performa ações na cena do crime baseadas em elementos comportamentais utilizados por este criminoso também fora da cena do crime, na sua vida do dia a dia. A Psicologia Investigativa se propõe então a analisar o padrão comportamental performado na cena do crime buscando obter informações sobre as características desse criminoso que perpetuou essas ações. Entendendo que: a maneira como um criminoso comete seus crimes reflete quem ele é, dando pistas sobre os antecedentes, as relações interpessoais, a personalidade deste indivíduo.
Objetivos e Contribuições da Psicologia Investigativa
A contribuição da Psicologia para as atividades jurídicas e policiais precisa ser
vista como parte de um vasto campo. De fato, a identificação de criminosos é relativamente um pequeno e consequente aspecto do trabalho policial. Também são procedimentos comuns do trabalho policial o levantamento e apreciação de provas, a preparação de material para o Tribunal, a apreensão de criminosos e outra variedade de atividades distintas, como lidar com suicidas ou ajudar as pessoas a lidarem com as consequências de um crime. Todavia, no caso da Psicologia Investigativa, as contribuições estão coesas ao objetivo da Psicologia Investigativa em trabalhar com a polícia e a Lei na investigação de crimes. Por isso difere, por exemplo, da Psicologia Forense, da Psicologia Criminal, da Psicologia Penitenciária. Todos esses termos são usados para descrever áreas de atividades da Psicologia, mas não devem ser confundidos quando do entendimento do trabalho desses profissionais. Dessa forma, a Psicologia Investigativa vai ter foco na Investigação criminal, sendo seus principais objetivos e contribuições relacionados a seguir: – explicar comportamento criminal; – entender a variedade da atividade criminal e criar abordagens e técnicas para o estudo e classificação destas atividades; – entender investigação criminal, para melhor engajamento com a equipe; – entender ambos, organização policial e organização criminosa; – auxiliar no tratamento de criminosos, embora não seja esse seu foco principal, faz isso quando identifica padrões de comportamento que podem ser utilizados no tratamento; – ligar processos psicológicos ao processo de decisão em investigação, ou seja, identificar características psicológicas para auxiliar na condução da investigação; – criar procedimentos para relacionar os crimes de um criminoso específico; – desenvolver abordagens para o treinamento de policiais em técnicas de entrevistas, com testemunhas, vítimas e suspeitos, já que esta é importante fonte de informação; – análise de crimes, tipos de crimes e suas específicas peculiaridades comportamentais; – fazer inferências das características do criminoso através da análise da cena do crime; – traçar “perfil” de criminosos.
Questões Psicológicas Centrais para a Investigação Criminal
De acordo com os objetivos da Psicologia Investigativa, podem ser apontadas
três questões psicológicas centrais para a investigação criminal: a) detecção e investigação em um crime são vistas como parte de um processo de tomada de decisão; b) assim sendo, séries de ações criminais devem ser selecionadas considerando as opções disponíveis; c) a decisão de como deve proceder uma investigação deve ser baseada na avaliação das informações; d) todo o processo deve acontecer mediante coleta exaustiva de informação; e) a avaliação dessas informações e o desenvolvimento de opções de linhas de investigação dependem, primordialmente, do entendimento do comportamento criminal e é neste ponto que o processo de traçar perfil de criminosos é relevante e f) de fato, o levantamento das características de um perfil pode definir como será uma determinada investigação. Importante ainda é entender que nesses processos existem implicações de uns para com os outros, uns dependem dos outros. E, mais importante ainda, compreender que esses processos vão demandar e serem baseados em constantes e ativas pesquisas sobre o comportamento criminal. Assim sendo, um elemento dominante de qualquer atividade em Psicologia Investigativa é a pesquisa, pois esta área singular da Psicologia faz exigências acerca de específicas teorias, métodos e técnicas.
Conceitos Básicos da Psicologia Investigativa
A Psicologia Investigativa, após resultados de inúmeras pesquisas,
desenvolveu então suas teorias, métodos e técnicas, estabelecendo sua abordagem em alguns conceitos básicos, à saber: – Ação na cena do crime reflete comportamento do dia a dia. – Como os criminosos interagem com os outros influencia como interagem com suas vítimas. – Ação na cena do crime oferece informações sobre os antecedentes dos criminosos. – A consistência comportamental existe e vai influenciar no cometimento dos crimes. De fato, a maneira como um criminoso se comporta enquanto esta cometendo o crime reflete seu comportamento na vida do dia a dia. Por exemplo, a presença de específica habilidade ou falta desta pode ser relacionada às características do criminoso, como o grau de maturidade, faixa etária, etc. Dessa forma, um criminoso que se comporta na cena do crime mostrando ações relacionadas à experiência sexual no cometimento do ato em si é mais provável de ser de uma idade maior do que a média de idade dos estupradores. Já se o estuprador demonstra, em suas ações, falta de habilidade nos atos sexuais, isso esta implicando sua falta de experiência sexual e, portanto, é mais provável que este seja um indivíduo jovem no início de suas atividades sexuais.
Também, de fato, todo crime é uma transação interpessoal. Canter (1994)
explica que a Psicologia Social já estabeleceu que os estilos de interações interpessoais sejam aprendidos e utilizados socialmente. Assim, o caminho no qual em indivíduo vão interagir com os outros indivíduos é tão bem engrenado que vai influenciar todas as suas interações, incluindo aqui interações entre predador e suas vítimas (Ainsworth, 2001).
Neste contexto, um indivíduo inteligente e educado no seu comportamento com
as pessoas no seu dia a dia é mais provável de cometer crimes controlados e inteligentes, mostrando ações, por exemplo, de preocupação em esconder sua identidade e de controle total da cena do crime, como usar luvas, ou capuz. Já um indivíduo com um comportamento impulsivo, demonstrado no seu dia a dia e com um menor grau de inteligência, é mais provável de cometer crimes também impulsivos, mal elaborados e espontâneos. Mostrando, por exemplo, ações de falta de controle na cena do crime, como comportamentos de incerteza no controle da vítima e na execução do crime e/ou ações de não preocupação com o esconder da identidade. Igualmente, o comportamento na cena do crime também oferece características relacionadas aos antecedentes dos criminosos, podendo ser estes, por exemplo, antecedentes pessoais, familiares, criminais. Assim, em um estupro se o indivíduo, além de cometer o estupro, roubou da vítima, aqui ele está demonstrando um antecedente criminal relacionado à provável convicção prévia por crimes motivados pelo ganho material e não necessariamente por um estupro. Já se em um estupro o criminoso não subtraiu nada de valor da vítima, embora ela tivesse, por exemplo, uma boa quantia de dinheiro na bolsa e o estuprador sequer abriu a bolsa, neste caso, é mais provável que este indivíduo tenha convicções prévias realmente por crimes sexuais e não por crimes que envolvam ganho material. Além da observância desses elementos, um outro elemento básico na concepção da Psicologia Investigativa é o de que existe consistência comportamental e que esta consistência vai influenciar no cometimento dos crimes. Por exemplo, um criminoso pode após estuprar e matar suas vítimas, lavar e passar suas roupas e vesti-las antes da dispersão do corpo e consistir neste comportamento com todas as suas vítimas ao longo de todo o período de cometimento de sua série de crimes, como fazia o assassino baby-city. Dialeticamente analisando, pode ainda ser considerado que essa consistência comportamental vai servir para identificar diferentes padrões comportamentais em relação à diferentes personalidades, já que um indivíduo consiste em seu comportamento e ao consistir se diferencia daquele outro que por sua vez consiste em seu comportamento. E, de fato, “diferentes tipos de comportamento infrator são produtos de diferentes personalidades” (Lobato, 2000, p. 114).
Conclusão
A Psicologia Investigativa, estando baseada na Psicologia, analisa então
padrão comportamental, personalidade, relação criminoso-vítima, ações na cena do crime, buscando contribuir com a tomada de decisão auxiliando a investigação criminal. O criminoso ao cometer seus crimes performa ações e estas ações vão estabelecer um padrão comportamental refletindo características desse indivíduo. E a Psicologia Investigativa se propõe a fazer inferências sobre as características de um criminoso considerando a análise das ações observadas na cena do crime. E, neste contexto, tem muito a contribuir. De fato, em muitos países não se questiona mais a importância do auxílio de psicólogo dessa área para a investigação criminal.
OBS: A principal dificuldade encontrada na criação da Psicologia
Investigativa foi conciliar a cultura do meio acadêmico com a cultura policial, que muitas vezes trabalham com parâmetros opostos, mas que podem perfeitamente se harmonizarem. No Brasil, muitos psicólogos, por mero desconhecimento, ideologia política ou mesmo por incapacidade de trabalharem com o Sistema de Justiça Criminal, apresentam um discurso de resistência a este tipo de atividade, tendo como alegação maior as questões éticas ou mesmo de ofensa aos Direitos Humanos. Referências Bibliográficas: Ainsworth, Peter B. (2001). Offender Profiling and Crime Analysis. Willan: Publishing, UK. Canter, David (1994). Criminal Shadows: Inside the Mind of the Serial Killer. London: Harper Collins, UK. Canter, David (1995). Psychology of Offender Profiling. In D. Canter and L. Alison (eds.) Criminal Detection and the Psychology of Crime. Aldershot: Dartmouth, UK. Lobato, Aline (2000). Criminal Weapon Use in Brasil: A Psychological Analysis. In D. Canter and L. Alison (eds.) Profiling Property Crimes. Offender Profiling Series: Vol. IV. Ashgate: Dartmounth, UK.