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Universidade de São Paulo

Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI

Departamento de Medicina Preventiva - FM/MPR Artigos e Materiais de Revistas Científicas - FM/MPR

2011

Os homens não vêm! Ausência e/ou


invisibilidade masculina na atenção primária

Ciência & Saúde Coletiva, v.16, suppl.1, p.983-992, 2011


http://producao.usp.br/handle/BDPI/9498

Downloaded from: Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI, Universidade de São Paulo
983

Os homens não vêm! Ausência e/ou invisibilidade masculina

ARTIGO ARTICLE
na atenção primária

Men don’t come! Absence and/or invisibility


in primary healthcare services

Romeu Gomes 1
Martha Cristina Nunes Moreira 1
Elaine Ferreira do Nascimento 1
Lucia Emília Figueiredo de Sousa Rebello 1
Márcia Thereza Couto 2
Lilia Blima Schraiber 3

Abstract This article deals with the masculine Resumo O artigo se debruça na discussão da au-
absence and/or invisibility in primary health- sência e/ou invisibilidade masculina nos serviços
care services and the consequent exclusion of men de atenção primária, com consequente ausência
of the preventive care. The analytical frame is da inclusão dos homens nos cuidados preventi-
based on the literature that discusses care related vos. A grade analítica está fundamentada na lite-
to health and masculinity. Methodologically the ratura que discute cuidados em saúde e masculi-
study uses qualitative analysis of the empirical nidade. O método deste estudo se baseia em uma
data (reports) gathered by semi-structured indi- análise qualitativa do material empírico advindo
vidual interviews of 20 professionals and by two dos depoimentos, na forma de entrevistas indivi-
focus groups with 12 workers of the nursing assis- duais semi-estruturadas, de vinte profissionais, e
tants staff of two primary healthcare services of do material de dois grupos focais com doze traba-
the city of Rio de Janeiro (RJ). Results point out lhadoras de nível médio de enfermagem de dois
two significant dimensions: the structural and serviços de saúde em atenção primária do muni-
the symbolic one. The structural dimension re- cípio do Rio de Janeiro (RJ). Os dados da pesquisa
veals low investment in the services’ organiza- apontam para duas dimensões dignas de atenção:
tion related to gender perspective approach, rein- a estrutural e a simbólica. A estrutural revela pou-
forcing the common sense that men are not pri- co investimento na organização do serviço numa
mary healthcare users. The symbolic dimension perspectiva de gênero, reforçando o senso comum
shows the non consideration of the masculine de que os homens não são usuários da atenção
universe themes as the difficulty men have in re- primária. A simbólica diz respeito à não conside-
vealing themselves to the professional, demand- ração de temas do universo masculino, como a
1
Fundação Oswaldo Cruz, ing a special privacy for attendance. Dealing with dificuldade que homens têm em se desnudar para
Instituto Fernandes these questions enhance the possibility of chang- o profissional, demandando uma privacidade no
Figueira, Departamento de
Ensino. Av. Rui Barbosa ing practices that are making men invisible to atendimento. Trabalhar nessas questões pode pos-
716/4º andar, Flamengo. the primary healthcare programs and taking them sibilitar a transformação das práticas que tor-
20550-011 Rio de Janeiro apart of the self care condition as well as the con- nam os homens invisíveis nos programas de saú-
RJ. romeu@iff.fiocruz.br
2
Universidade de São dition of carriers of others. de de atenção primária, afastando-os da condição
Paulo. Key words Men, Primary health care, Absence, de cuidadores de si e dos outros.
3
Departamento de Medicina Invisibility Palavras-chave Homens, Serviços de saúde, Au-
Preventiva, Faculdade de
Medicina, Universidade de sência, Invisibilidade
São Paulo.
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Gomes R et al.

Introdução saúde pública brasileira15 e se relacionam às pró-


prias origens de uma medicina preventiva no in-
Este artigo ancora-se na discussão sobre saúde e terior da assistência à saúde, com as ações de
masculinidade1-4. Os modelos de masculinidade higiene da mãe no pré-natal e da criança na pue-
e a maneira como se dá a socialização masculina ricultura. Com isso, embora em tese destinada a
podem fragilizar ou mesmo afastar os homens toda a população, a atenção primária se identifi-
das preocupações com o autocuidado e a busca cou num momento e num espaço assistenciais
dos serviços de saúde5-9. feminilizados, com o predomínio de uma cultu-
A perspectiva do cuidado masculino pode se- ra profissional também ligada a esses segmentos
guir um caminho positivo quando incorpora a populacionais9.
ideia de que ao homem também é permitida uma Nesse sentido, a proposta do artigo se de-
atenção consigo próprio. Por outro lado, esse cui- bruça na discussão da ausência e/ou invisibilida-
dado também pode distanciá-lo da saúde em ge- de masculina nos serviços de atenção primária,
ral quando atinge o limite do culto extremado ao com consequente ausência da inclusão dos ho-
corpo10,11. Alguns homens, quando promovem o mens nos cuidados preventivos, a partir da in-
cuidado de seu corpo, cultivam um extremo fisi- terpretação de profissionais de saúde de dois ser-
culturismo e, nesse aspecto, o cuidado de si pode viços específicos da cidade do Rio de Janeiro.
transformar-se em risco de adoecimento.
A reivindicação de uma política de saúde mais
integral voltada para a população masculina Método
poderia, à primeira vista, ser tomada como uma
oposição aos programas de gênero destinados à Este estudo – de natureza qualitativa – integra
saúde da mulher12. No entanto, é a partir da pró- uma pesquisa mais ampla, cujo objetivo foi ana-
pria dimensão de gênero que se advoga uma abor- lisar como se dá a relação homens-assistência à
dagem também do masculino, uma vez que tan- saúde em quatro estados (Rio Grande do Norte,
to homens quanto mulheres necessitam ser vis- Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo), finan-
tos em sua singularidade e em sua diversidade ciada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimen-
no âmbito das relações sociais mais amplas que to Científico e Tecnológico (CNPq). Aqui, focali-
estabelecem10. zamos os depoimentos de profissionais de saúde
O conhecimento das singularidades pode de atenção primária de dois serviços do municí-
possibilitar uma melhor aproximação da forma pio do Rio de Janeiro (RJ), denominados neste
imediatamente relacional do par masculino-fe- trabalho de Serviço I e Serviço II. Os serviços fo-
minino, assegurando uma maior densidade de ram escolhidos a partir dos critérios de se seleci-
conhecimento das especificidades de cada pólo onar um serviço com atividades especificamente
em interação, possibilitando ganhos tanto para voltadas para homens e um serviço sem essa es-
a saúde masculina, como para a discussão de pecificidade. Para essa escolha, solicitou-se indi-
temas da saúde feminina que só avançam na cação da Secretaria de Saúde do Município do
medida em que se consegue a participação mas- Rio de Janeiro (RJ). Com base nessa indicação,
culina em seu enfretamento12. definiram-se dois serviços de uma mesma área
Dessa forma, se faz importante problemati- programática (5.2 – Zona Oeste).
zar se a “não presença” dos homens nos serviços No que tange aos sujeitos deste estudo, fo-
de saúde está associada a uma suposta ausência ram realizadas vinte entrevistas semi-estrutura-
ou a um não reconhecimento da sua singulari- das, envolvendo gerentes e coordenadores de
dade, que pode ser interpretada como uma invi- programas nas unidades e profissionais da as-
sibilidade não do sujeito/usuário e sim das polí- sistência, e dois grupos focais (GF) com auxilia-
ticas de saúde em reconhecê-lo e, portanto, in- res de enfermagem, envolvendo doze profissio-
corporá-lo também como um protagonista de nais ao todo. O uso do GF se justifica na medida
suas ações. Corrobora essa necessidade o fato de em que se buscou captar a opinião do conjunto
a atenção primária em saúde, no Brasil, ser vista dos profissionais desse segmento.
como a assistência provida pela rede horizonta- No recorte temático por núcleos de sentido,
lizada de serviços de saúde pública – os centros em termos de organização dos depoimentos, con-
de saúde ou unidades básicas e voltados histori- siderou-se o sexo e a formação profissional de
camente para os cuidados maternos e infantis13,14. base de cada entrevistado, o que permitiu situar
Tais unidades são criadas no modelo da educa- o discurso no interior de sua posição em um
ção sanitária que sucede ao campanhismo na habitus16 profissional. De acordo com Bour-
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dieu16, o habitus é um princípio universal de vi- A organização dos serviços
são e divisão, como um sistema de categorias de
percepção, de pensamento e de ação. Essa pers- Subjacentes aos depoimentos dos profissionais,
pectiva – essencialmente relacional – contribui há sentidos atribuídos à organização dos servi-
para situar os atores no interior de um campo, ços que, de certa forma, dificultam um atendi-
no caso profissional e de gênero. Assim, foram mento julgado adequado por eles. Parte de seus
envolvidas diversas categorias profissionais, pre- depoimentos não diz respeito apenas ao atendi-
valecendo a maioria feminina (Quadro 1). Cabe mento aos homens, mas também às mulheres.
ressaltar que a categoria gestão não foi especifi- Revelam, de um lado, problemas de acesso de
cada propositadamente, buscando evitar a du- segmentos populacionais aos serviços públicos
plicidade de informação. A função de gestor, neste de saúde e, de outro, limites que esses serviços
caso, é exercida por um médico e um engenheiro. têm em dar conta de suas demandas de atendi-
Antes da realização do trabalho de campo, mento. Os depoimentos que seguem ilustram tais
foi obtida a aprovação do Comitê de Ética em limites: “A porta de entrada da saúde pública é
Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio muito ruim. Nossa agenda está lotada.” (Paloma,
de Janeiro. Para garantir o anonimato na pes- assistente social, 1RJ)
quisa, foram criados nomes fictícios para os pro- “Vagas limitadas pra determinados tipos de
fissionais entrevistados, iniciados pela letra P, se- coisas, média ou alta complexidade, que a gente
guidos dos códigos alfanuméricos: 1RJ (Serviço não consegue resolver em nível local. Então, você
I) e 2 RJ (Serviço II). depende de outras organizações.” (Pepita, fisiote-
No tratamento dos depoimentos, utilizou-se rapeuta, 1RJ)
o método de interpretação de sentidos, basean- As dificuldades com o funcionamento em rede,
do-se em princípios hermenêutico-dialéticos que pouco resolutiva, formando filas de espera, con-
interpretam o contexto, as razões e as lógicas de tribuem para a evasão dos usuários do sistema. A
falas, ações e inter-relações entre grupos e insti- demanda cresce, mas o número de profissionais
tuições17,18. Partiu-se da leitura compreensiva do não, gerando uma sobrecarga nas unidades, onde
material; passamos pela problematização das determinados especialistas são encontrados.
ideias presentes nos depoimentos e pela busca de É interessante destacar que a preocupação
significados socioculturais (subjacentes às falas com a porta de entrada nem sempre está voltada
dos sujeitos) e, por último, estabeleceu-se um para a qualificação, ou acolhimento ao usuário,
diálogo entre ideias problematizadas, informa- mas para garantir um controle da clientela, vi-
ções provenientes de outros estudos acerca do sando à segurança do profissional, em realida-
assunto e o referencial teórico do estudo. des de comunidades onde a violência é uma for-
A partir da análise e da interpretação dos da- ma de expressão de linguagem: “Melhor controle
dos, foram reunidos os sentidos subjacentes aos de porta de entrada. Aqui é lugar violento e as
depoimentos dos profissionais em três eixos de pessoas toda hora te intimidam ou até partem pra
discussão: organização dos serviços para aten- agressão, isso é real. O profissional fica com medo,
der os usuários, qualificação dos profissionais tivemos médicas sendo juradas de morte.” (Pom-
para o atendimento das demandas masculinas, peu, médico, 2RJ)
bem como os sentidos atribuídos ao ser usuário Devido ao fato de, em geral, as práticas se-
homem. rem moldadas a partir da estrutura objetiva do
sistema de saúde, a compreensão da organiza-
ção dos serviços é influenciada por aspectos rela-
cionados ao campo formalístico, organicamente
relacionados aos modos de gestão da política, de

Quadro 1. Categorias dos profissionais entrevistados segundo sexo.

Sexo Categoria
Medicina Serviço Enfermagem Psicologia Odontologia Nutrição Fisioterapia Engenharia
Social
Feminino 2 2 7 2 1 1 1 -
Masculino 1 - 1 - 1 - - 1
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Gomes R et al.

ausência de segurança, da infra-estrutura mate- talizadora da atenção primária, em que circuns-


rial (horários, remuneração, inputs para propi- creve a especificidade do usuário homem apenas
ciar a formação/trabalho interdisciplinar e con- na urologia.
tínuo aprimoramento dos profissionais). A di- De um lado, observa-se o fato de que as uni-
mensão espacial da cidade do Rio de Janeiro tam- dades básicas de atenção primária foram orga-
bém se configurou como aspecto relevante, pois nizadas para o funcionamento em horários qua-
dependendo de onde se localizam os serviços, os se sempre incompatíveis com o “homem traba-
profissionais enfrentam mais fortemente as ques- lhador”, acoplado ao reconhecimento no mun-
tões de violência. do do trabalho de que apenas a mulher teria ne-
Os profissionais entrevistados destacam que cessidades de uso regular dos serviços. Por outro
a organização do sistema de saúde historicamente lado, constata-se que o estigma que reúne ho-
vem sendo desenhada a partir da valorização do mem jovem/risco/marginalidade é desafio para
cuidado à saúde da mulher e da criança, tanto no o acolhimento dos homens por meio da amplia-
meio profissional quanto no imaginário social e, ção dos horários de funcionamento do serviço:
por conta disso, demarca as diferenças de abor- “[Seria importante] um turno específico para adul-
dagens de acolhimento por gênero, promovidas to. A segurança é bem complicada. Aqui essa área é
pelos serviços de saúde (instância micro) e as meio perigosa.” (Perilo, dentista, 2RJ)
políticas de saúde (instância macro): “[Há desi- Ainda em relação à estrutura física dos servi-
gualdades] porque os programas de saúde são mais ços, essa não propicia o estabelecimento de um
voltados para a mulher, criança e adolescente. E o atendimento com maior privacidade, como apon-
sexo masculino, o homem, o jovem adulto, já não tam os trechos que se seguem: “Aqui a gente divi-
existe tanta preocupação.” (Paulete, assistente so- de a sala e tem certas coisas até que, para o menino,
cial, 2RJ) ele fica meio constrangido, mas isso seria para a
A pouca procura masculina também aparece menina também.” (Perla, nutricionista, 3RJ)
associada à ausência de acolhimento ou o acolhi- “Não acho certo ter uma clínica de homem e
mento pouco atrativo, que pode estar relaciona- uma clínica de mulher, mas tem horas também
do à frágil qualificação profissional para lidar com que o homem precisa ter a sua privacidade.” (Pilar,
o segmento masculino. Nesse raciocínio, seria dentista, 2RJ)
necessária a adoção de estratégias que se voltas- Essas falas podem ser associadas a um pa-
sem tanto para a ampliação da oferta de ações drão liberal de construção profissional, em que a
como para a sensibilização dos homens para cui- consistência e a força profissionais residem no
darem de sua saúde. Assim, uma estratégia possí- segredo e na invisibilidade da prática, daí a pri-
vel de ser adotada seria a qualificação da porta da vacidade estar relacionada ao segredo, como uma
entrada, voltada para o acolhimento e a resoluti- necessidade do profissional. Podem também se
vidade, desdobrando-se na construção de uma associar à ideia de que os temas que surgem em
rede de atenção à saúde eficaz: “[Não há] para esse uma consulta com usuários homens transbor-
homem uma porta de entrada qualificada, com aco- dam para o campo da sexualidade, das dúvidas
lhimento.” (Paulina, enfermeira, 1RJ) que só podem ser compartilhadas em um espaço
“Falta de conscientização de que há uma ne- privado, onde o segredo é garantido.
cessidade de atrair esses homens e que [esse] ho-
mem também adoece.” (Plínio, enfermeiro, 1RJ)
[No caso dos homens] tenho pouca oferta de A qualificação dos profissionais
serviços, em relação à demanda, nós temos pou- frente às demandas da saúde do homem
quíssimos urologistas, que seria também impor-
tante profissional.” (Pedro, médico, 1RJ) Neste eixo de sentidos, uma primeira posição está
A crítica se amplia quando o foco é a inexis- associada à maneira como o profissional conse-
tência de programas voltados para a saúde mas- gue ou não se dedicar ao planejamento de sua
culina, convivendo com a ideia de que a atenção prática, contribuindo para a construção de pla-
primária não oferece profissionais que compo- nos de trabalho. De um modo geral, na ótica dos
nham a assistência à saúde do homem, princi- profissionais, o sistema de saúde tende a respon-
palmente urologistas. No entanto, ainda que se sabilizá-los pelo êxito ou fracasso de sua ação
reivindique determinada especialidade, com a junto aos usuários, considerando-os inaptos a
justificativa de que o generalista não dá conta de uma escuta qualitativa, sem problematizar que
atender a especificidade do homem, faz-se neces- historicamente esse mesmo sistema priorizou o
sário evitar uma visão reducionista ou fragmen- atendimento à mulher e a criança e reprimiu o
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segmento masculino, mesmo sendo esta credita- acho que a gente tinha que ter uma maior integra-
da à relação profissional/usuário: “A gente mes- ção com o Serviço Social no sentido de se ter um
mo às vezes reprime essa demanda. Se o profissio- mecanismo de vale transporte, para que pudesse o
nal estivesse mais preparado para uma escuta [ade- tratamento não ter estas faltas. Uma coisa que ga-
quada], a gente poderia estar atendendo mais o rantisse a qualidade.” (Pâmela, psicóloga, 3RJ)
usuário masculino. Acho que [o profissional] não A ideia de referência ganha destaque no dis-
está preparado para ninguém, mas pior para o sexo curso do profissional que desenvolve um traba-
masculino.” (Paulete, assistente social, 2RJ) lho específico com os homens, revestido da falta
“A mulher é mais responsável pela sua saúde. de parcerias que transcendam um modelo medi-
Já o homem não tem tanta responsabilidade, isso calizante e que caminhem através de avaliações
acaba causando um pouco de desânimo nos outros conjuntas e práticas integradas. “Houve uma
profissionais.” (Plínio, enfermeiro, 1RJ) necessidade da unidade do serviço social pra união
Um perfil tranquilo, receptivo, flexível e objeti- profissional atender a esses homens e mesmo não
vo de profissional parece ser necessário para lidar tendo outros profissionais que me ajudem nesse
com uma imagem de um homem agressivo, im- trabalho, não vou desanimar . Acho que, futura-
paciente, que não gosta de esperar e que costuma mente, consiga modificar um pouco a cabeça de
questionar as rotinas profissionais que seguem uma alguns profissionais em relação ao atendimento ao
rigidez de horários e rotinas burocráticas: “Tem homem.” (Plínio, enfermeiro, 1RJ)
uma burocracia muito burra, que dificulta, emper- Esse cenário aponta que os profissionais –
ra e você acaba não tendo mais esse cliente na mão, em princípio considerados como aqueles que re-
ele vai embora.” (Piedade, psicóloga, 3RJ) alizam seu trabalho de maneira pouco reflexiva
O produto [do profissional] é baseado não só – estão buscando, ainda que seja num plano ide-
no seu lado técnico, mas no seu lado humanitário. al, relações profissionais voltadas para a realiza-
Quanto mais paciente você for, melhor você de- ção do trabalho numa perspectiva mais integra-
sempenha a sua atividade.” (Petrônio, médico, 2RJ) da entre as diversas áreas que compõem as espe-
As qualidades pessoais ficam destacadas na cialidades. Esse posicionamento reflexivo, de
fala dos profissionais que avaliam sua atuação acordo com Bourdieu16, mobiliza um conjunto
com o usuário masculino. Essas qualidades são de saberes teóricos e metodológicos do campo
referências não só para os usuários, mas tam- das disposições exógenas e endógenas, articulan-
bém para as equipes, produzindo circuitos de do-os concomitantemente ao saber e a vontade
trocas e reciprocidade, na circulação de bens de de compreender.
cura19. Nesse espaço de trocas, faz sentido o en-
contro em grupo como um estímulo de sociabi-
lidades: “O que poderia ser melhorado é o encaixe O homem
multiprofissional que me ajudasse também a lidar como usuário dos serviços de saúde
com algumas situações.” (Plínio, enfermeiro, 1RJ)
“Tinha um grupo de homens que se reuniam. Neste eixo de discussão, destacam-se principal-
Eles conversavam, tinham palestras. Eu achava isso mente os sentidos atribuídos pelos profissionais
muito bom. Ficavam aqui até nove, dez horas da à ausência dos usuários masculinos nos servi-
noite. Eu acho esse encontro muito bom, afetivo ços. Esses trazem uma dimensão valorativa de
entre eles.” (Pilar, dentista, 2RJ) gênero e de geração, ancorada em modelos cul-
Destacam-se as ideias de que há uma indis- turais. A maneira como os profissionais recor-
ponibilidade de alguns profissionais para o tra- rem à cultura, às diferenças de gênero e à geração
balho em equipe em virtude de um desinteresse denota um viés determinista, em que de alguma
pelo que seja o público: “Quando eu cheguei, ten- forma o lugar do agente promotor de mudança
tei implantar um projeto multidisciplinar. As pes- fica submetido a um papel secundário frente ao
soas só estão interessadas realmente na liderança, cenário social. As falas remetem a aspectos valo-
na estatística, número e não avaliam nada disso.” rativos, em que os atores entrevistados buscam
(Priscila, enfermeira, 2RJ) interpretar os comportamentos masculinos, si-
Segundo os profissionais, a construção de tuando-os em um universo de relações e valores.
uma equipe interdisciplinar exige uma série de Por aspectos valorativos entende-se o universo
habilidades e pactuações, esbarrando nas expec- da cultura e da subjetividade, da interpretação
tativas de um em relação ao outro, sem descon- dos fenômenos e acontecimentos relacionados
siderar a necessidade de provocar as interlocu- ao eixo da necessidade e do cuidado de saúde, no
ções internas e suas diferentes especialidades: “Eu marco das diferenças de gênero e geração.
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Gomes R et al.

Segundo os entrevistados, há uma marca cul- do autocuidado. A doença é algo que vem de fora,
tural, no aprendizado de como se cuidar, que faz é descoberta, acomete, invade e por isso ame-
com que o homem chegue ao serviço de saúde dronta, como reforçam os trechos a seguir: “Ho-
com intercorrências graves. Há no ambiente fa- mem tem muito medo de encarar as coisas, as
miliar uma socialização de ideias que não esti- mulheres são mais corajosas. Até por medo de mor-
mulam um comportamento masculino de auto- rer. Os idosos procuram. É medo de morrer. Co-
cuidado, já que ao longo da trajetória pessoal o vardia do homem ter que deixar o trabalho. Só
cuidado dos homens é geralmente mediado por vem quando está no limite.” (GF 1, 2RJ)
figuras femininas como mãe, companheira e Nos grupos focais, ganha força a associação
filha(s): “O homem não tem essa cultura de se cui- entre o significado do cuidado à saúde e o medo
dar. Você enquanto mãe também não passa isso da morte. Na discussão em grupo, a figura femi-
para os filhos.” (GF 5, 2RJ) nina é destacada como aquela que sustenta afeti-
Esse tipo de comportamento influencia não vamente a casa e os cuidados com os filhos e com
só no estado em que esse usuário chega ao servi- o próprio homem. Seu papel ganha um qualifica-
ço de saúde, mas também na maneira como o tivo estruturante na diferença entre os gêneros, o
utiliza. A explicação para esse comportamento se homem sustenta materialmente a casa e a mu-
liga às exigências dos modelos hegemônicos de lher, afetivamente. É a mulher a referência de cui-
masculinidades: “Preconceito. Não, eu sou forte, dado e nesse contraste o papel feminino é ressal-
eu sou macho, eu não tenho nada, eu tenho que tado. A covardia de buscar um cuidado associa-
mostrar que eu sou forte.” (Penha, enfermeira, 2RJ). do ao medo de ter uma doença e à ideia de que
Os entrevistados recorrem às explicações so- pode vir a contar com a mulher como apoio nas
bre a cultura para tentar dar conta desse com- suas dificuldades também ganham peso nos de-
portamento masculino de não cuidar da saúde, poimentos: “Eu já acho que eles têm muito medo
associando a isso um reforço por parte da au- de encarar a realidade das coisas, entendeu? Ele tem
sência de programas no nível local voltados es- a gente como suporte. Se adoecer, se morrer, tem a
pecificamente para essa população. Esse tipo de gente que cuida. Eu vejo por esse lado: medo e por
comportamento masculino gera uma busca por ter a gente como suporte.” (GF1, 2RJ)
ações de saúde com a doença instalada: “Isso é Relativizando a perspectiva de que os homens
uma questão cultural, o homem não tem muito são signatários da fortaleza que lhes é atribuída
essa preocupação de cuidar da saúde e isso junta socialmente, uma das participantes recorre a uma
com a falta de vontade política que eu digo, porque “natureza feminina forte” que supera a do homem,
não existem programas voltados na Secretaria.” ainda em idades precoces, questionando a leitura
(Paulete, assistente social, 2RJ) social sobre a força masculina e justificando a ca-
“Homens que chegam lá com câncer de prósta- pacidade de superação não só da dor, como da
ta já na fase final. Eles demoram a buscar o atendi- morte, a partir de uma suposta natureza feminina:
mento, eles só vêm no último caso.” (Perpétua, en- “Essa questão de índice de morte eu já observava no
fermeira, 2RJ) neonatal. Nascia uma menina e um menino, era
Há uma exigência, socialmente construída, na mais fácil o menino morrer do que a menina. Parece
ideia de que um homem deve ser forte, desdo- que a menina tinha mais força, mais garra para a
brando-se na figura de um homem que teme sobrevivência e os meninos não”. (GF1, 2RJ)
cuidar de sua saúde, adiando tratamentos pre- Outro aspecto que ganha destaque na fala
ventivos. A doença e suas possíveis associações das entrevistadas e que no contexto do grupo
com a finitude da vida representam um perigo e provoca um debate com descontração é a dife-
uma ameaça à vida. É interessante essa associa- rença entre homens e mulheres na realização dos
ção entre frequência ao serviço de saúde e morte, exames preventivos. O preventivo de câncer de
como se a proximidade com esse lugar remetesse próstata para o homem motiva o aparecimento
muito mais ao eixo do tratamento da doença e de preconceitos, na forma de chistes e brincadei-
de suas sequelas, do que a um lugar de cuidado ras: “Uma questão também é o preconceito: foi le-
com a vida e a saúde. Tal perspectiva parece estar var dedada.” (GF, 2RJ)
sintonizada com a representação histórica e so- “Meu pai não queria fazer [o exame de prós-
cialmente compartilhada de que há uma descon- tata]: ‘Poxa, vai. É só o senhor não gostar. Se o
tinuidade entre saúde e doença, que esta última senhor gostar é perigoso! E ele faz.” (GF, 2RJ)
interrompe o ciclo vital e não a compõe. Essa Gomes10 aponta para o papel que a dimen-
perspectiva dificulta a incorporação da experiên- são simbólica ocupa na constituição de imagens
cia de adoecimento e sua elaboração na direção acerca da sexualidade masculina. Essa dimensão
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simbólica, socialmente compartilhada, se faz pre- há] dois homens. Eles têm vergonha de perguntar
sente no discurso e na percepção das mulheres por que só tem mulher, e as mulheres ficam com
que trabalham com homens, como no caso das vergonha de perguntar por que só tem dois ho-
participantes dos grupos focais. mens. Eles têm vergonha de vir.” (GF, 1RJ)
No que se refere ainda à demanda pelos exa- A identificação dos sentimentos de vergonha
mes de prevenção do câncer de próstata, um dos e inibição no ambiente de grupo, compartilha-
profissionais acessa um repertório explicativo que dos por homens e mulheres, reacende a perspec-
destaca o pudor masculino relacionado à per- tiva da diferença entre os gêneros e da ideia de
cepção de invasão do toque retal, como um fator que existem assuntos de mulheres e assuntos de
que interfere na construção de conceitos pejora- homens. E que, para esses assuntos, homens e
tivos que geram resistência à necessidade de rea- mulheres organizam-se com seus pares, compar-
lizar o exame: “Por eles considerado um exame de tilhando seus segredos. Frente à temática da se-
conceitos pejorativos, ele fica mais resistente, se ele xualidade, ressaltam-se os anseios pela privaci-
comentar com os amigos que ele foi fazer um exa- dade, pelo segredo, pela possibilidade de esco-
me de próstata, nego já vai começar com um outro lher quem pode participar da “conversa de ho-
tipo de interpretação, mesmo na brincadeira.” (Pe- mem” e da “conversa de mulher” 20. Os homens
trônio, médico, 2RJ) são socializados para falar da mulher e não com
A necessidade de privacidade é apontada a mulher, comentar suas façanhas sexuais, exer-
como um fator que favoreceria o comportamento citando sua ludicidade no contato com os ideais
de adesão ao tratamento de saúde por parte dos de disputa, competição e vitória.
homens. Esses são percebidos como impacientes Outro ponto digno de nota diz respeito ao
e objetivos, e ao mesmo tempo como envergo- fato de que, para os homens jovens, adolescen-
nhados quando na proximidade com as mulhe- tes, torna-se um complicador, na percepção das
res em grupos mistos: “Falta um pouco de priva- trabalhadoras de enfermagem, serem encami-
cidade naquela sala [porta de entrada]. Tinha que nhados para atendimento em uma sala caracte-
ter uma sala mais preservada, porque a sala é de rizada como “pediatria”, ou em setores reconhe-
marcação e de acolhimento.” (GF, 1RJ) cidos como de atenção às mulheres, como a mas-
Além de assinalarem que para o homem a tologia. Ou seja, assinalam o não reconhecimen-
privacidade da consulta com o profissional é to de sua condição diferenciada, seja de gênero,
importante, os entrevistados afirmam que a es- seja de faixa etária, desencadeando reações de
trutura do serviço de saúde não favorece o reco- vergonha, favorecidas pelo preconceito e pela falta
nhecimento do comportamento masculino como de informação: “Eu quero o clínico por que pedi-
pautado na objetividade, na necessidade de ser atria, eu não sou mais bebê? Eu falei: mas não pode,
reconhecido na sua especificidade masculina. o clínico nosso aqui só atende pessoa da terceira
O fato de o homem ser identificado como al- idade, hipertenso, diabético, você é velhinho? Mas
guém mais prático e objetivo tanto significa uma eu não quero pediatria não, eu tenho vergonha!
dificuldade, quanto uma facilidade. Na realidade, Esse Projeto do Homem Jovem eu tento tirar um
a objetividade e praticidade masculinas interfe- pouquinho do preconceito, porque eles vêm muito
rem na adesão e na construção de vínculo com o envergonhados.” (GF, 1RJ)
serviço de saúde, na busca de serviços mais rápi- Os entrevistados destacam ainda que, no gru-
dos, resolutivos e que demandem menos de suas po dos homens jovens, as necessidades e as de-
disponibilidades de horário. Isso pode significar mandas estão associadas ao campo da sexuali-
a ligação entre resolver o problema e nunca mais dade, do controle da concepção e até mesmo do
retornar ao serviço. No caso de tratamentos que uso da camisinha para prevenção das DST, bem
exigem acompanhamento contínuo, isso é um como das alterações de comportamento.
fator importante que interfere na evasão. A preferência pela atenção a uma faixa etária
Os dados dos grupos focais apontaram para mais idosa – a do “vovozinho” – comparece como
as possíveis dificuldades dos homens em parti- uma atitude de proteção, que vincula ao idoso a
lhar com as usuárias mulheres espaços ofereci- complacência, paciência e tranquilidade, em um
dos pelos serviços de saúde para as palestras de sistema que acaba por exigir dos usuários essas
planejamento familiar, que parecem mobilizar qualidades: “Eu confesso que eu me sinto melhor
sentimentos de vergonha e inibição. Destaca- atendendo vovozinho, porque ele já deixou um
mos que esses grupos foram compostos emi- pouco a agressividade de lado, porque eu sinto mais
nentemente por trabalhadores do gênero femi- segurança e menos problema em lidar com essa fai-
nino: “[No grupo de] planejamento familiar [só xa de população.” (Pompeu, médico, 2RJ)
990
Gomes R et al.

Os homens de outras faixas etárias parecem dos, procurar, rastreamento de patologia prostáti-
manifestar sentimentos de agressividade, impa- ca.” (Pompeu, médico, 2RJ)
ciência, nervosismo e pressa quando necessitam As expressões timidez, vergonha de pergun-
esperar ou não conseguem atendimento. Associ- tar, reservado, resistente, não se expor são utili-
ado a isso, há as exigências do trabalho e a neces- zadas como recurso para justificar o comporta-
sidade de cumprir os compromissos com o mes- mento masculino de não estar cuidando da saú-
mo servem como justificativa para não se cui- de. Apontam tais expressões para uma certa pers-
dar: “Estão sempre com pressa, nervosos, eles que- pectiva de resistência masculina ao autocuidado,
rem ir embora correndo por causa do trabalho. E inclusive como um sinal de fraqueza, de coisa de
fora desse horário não tem atendimento.” (GF, 2RJ) mulherzinha: “O homem parece ser mais tímido,
“Os homens nos agridem verbalmente porque [tem] vergonha de falar, de expor as coisas para a
acham que estamos enrolando, não entendem que o gente.” (Paola, enfermeira, 1RJ)
médico é que não chegou. Você não vê o homem “As mulheres são mais frequentes, porque elas
que está em atividade profissional esperando.” (GF, se tratam. Você manda a mulher ir no ginecologis-
2RJ) ta, manda a mulher ir no cardiologista, no neuro-
A sedução da diferença geracional e entre os logista, ela vai. O homem não vai.” (Percival, mé-
gêneros demarca para a mulher jovem facilida- dico, 1RJ)
des no acesso ao serviço. Considerando o acesso Esses comportamentos de maior reserva e/ou
difícil para ambos, mulheres e homens, as mu- timidez acabam por influenciar no manejo da
lheres de um modo geral levariam vantagem, em abordagem profissional. Ou seja, conseguir ser
função de ser o homem que as recepciona e na melhor sucedido na conquista dos homens para
relação entre os homens cria-se uma estratifica- o cuidado à sua saúde significa conseguir domi-
ção geracional que positiva os idosos no acesso nar um vocabulário, ou um repertório de interes-
aos serviços: “A mulher nova já começa vigilante. ses, adaptar outras práticas no processo de tra-
E quando é [de] meia-idade, isso continua. O ho- balho em saúde que permitam conquistar o ho-
mem novo passa por preguiçoso, longe do serviço, mem para a adesão às práticas de cuidado. Para
porque quer [o] dia, tá armando. Quando na faixa os adolescentes, é importante ainda reconhecer o
altamente produtiva, os próprios colegas de fila valor atribuído ao circuito da sociabilidade, do
acham que ele devia estar trabalhando.” (Pom- encontro lúdico, onde relações de trocas, não so-
peu, médico, 2RJ) mente simbólicas, mas também materiais, se fa-
Nas entrevistas individuais, aparece ainda a çam presentes. Para os homens adultos, o recebi-
dificuldade dos homens em procurarem o servi- mento do remédio em casa funciona como um
ço de saúde em função da vergonha, associada a estímulo de lembrança da consulta e de vinda ao
um sinal de fraqueza. Nesse sentido, as diferen- serviço, e mais uma vez é assinalada a importân-
ças socialmente construídas e compartilhadas cia do circuito de troca, daquilo que Martins19
entre os gêneros comparecem nos pares de opo- identifica como “circulação de bens de cura”. Esses
sição força/fraqueza, em que homens e mulheres bens de cura seriam referidos como a atenção, a
podem alternar essas posições de acordo com a confiança, as palavras técnicas recebidas e os re-
situação: “O homem é aquela pessoa forte, cheio de médios. As redes informais de confiança e amiza-
força, que nunca sente nada. A mulher que é o sexo de geradas no interior dos serviços e fora deles
frágil, agora aos poucos que está mudando alguma favorecem a adesão ao serviço de saúde21.
coisa, tem homens que já senta, já chega pra você e Neste eixo, destacaram-se de forma mais con-
pergunta sobre exame de próstata.” (Perpétua, en- tundente as colocações das trabalhadoras de en-
fermeira, 2RJ) fermagem de nível médio participantes dos gru-
“Homem não tem que se queixar, é forte, não pos focais. A facilidade com que evocam os re-
pode reclamar, não pode chorar. São uns precon- pertórios pessoais – não somente enquanto pro-
ceitos atrasados, quando na realidade nós sabemos fissionais, mas como mulheres comuns – facilita
que homem é muito mais fraco do que a mulher.” a apreensão dos sentidos associados aos precon-
(Pompeu, médico, 2RJ) ceitos, diluídos no senso comum, sem muitas ela-
Com relação aos sentimentos de vergonha, borações ou críticas que filtrem aquilo que possa
aparecem ainda no contexto da prevenção do ser pouco considerado no meio técnico. Foi com
câncer de próstata, dos exames e da percepção esse segmento que os temas da diferença entre os
dos homens sobre os mesmos: “De uma maneira gêneros, que privilegia mulheres e crianças, e as
geral, [eles] têm vergonha de dizer que foram pro- críticas a um sistema hierárquico e burocrático
curar ou que foram submetidos, até nem submeti- presentificam-se. Nesse último aspecto, a crítica
991

Ciência & Saúde Coletiva, 16(Supl. 1):983-992, 2011


aos privilégios concedidos às categorias de nível bom. O segundo é construído a partir de uma
superior é interpretada enquanto interferências lógica do senso comum que, por falta de investi-
fortes na organização da atenção ao usuário. A mento do primeiro, pouco viabiliza a presença
privacidade é referida basicamente como uma mais efetiva dos homens nos serviços de saúde.
prerrogativa de ofertar um melhor cuidado ao Aprofundando a discussão, verifica-se que os
usuário. depoimentos de alguns profissionais reforçam a
percepção de alguns homens de que as unidades
básicas de saúde são destinadas apenas para mu-
Considerações finais lheres e crianças2. Isso revela que nem sempre os
profissionais de saúde conseguem se descolar do
Dentre as conclusões do estudo, destaca-se o fato senso comum em que os sujeitos são vistos muito
de os serviços de saúde serem majoritariamente mais pela doença que lhes acomete do que pelo seu
ocupados por profissionais do sexo feminino, o gênero. Superar esse lugar comum é de funda-
que parece dificultar a abordagem de alguns te- mental importância para que se problematizem
mas, em particular relacionados ao campo da questões do campo simbólico no sentido de con-
sexualidade, em que a presença de um profissio- templar os temas do universo masculino. Dentre
nal homem poderia ser um facilitador. esses temas, destaca-se a dificuldade que homens
Os dados da pesquisa também revelaram que, têm em se desnudar para o profissional em virtu-
para compreender a organização de um serviço de de não terem sido habituados a se expor ao
prestado a usuários homens, se faz necessário médico, diferentemente da socialização feminina2.
entender tanto a lógica do atendimento a esses A não abordagem desse tema pode fazer com que
usuários, quanto à esfera estrutural em que esses não se reconheça a necessidade de privacidade dos
mesmos serviços são oferecidos como um todo. homens, tão mencionada pelos profissionais.
Nesse cenário, dois aspectos precisam ser obser- Considerar essas e outras questões pode vir a con-
vados. O primeiro diz respeito ao fato de que o tribuir para que os serviços também se tornem
sistema de saúde opera segundo uma estrutura um espaço para os homens numa perspectiva re-
preestabelecida em que a oferta se constrói a partir lacional de gênero. E, por consequência, descons-
de um não lugar, ou seja, os homens, de um truir a invisibilidade dos homens nos programas
modo geral, não são usuários da atenção primá- de saúde de atenção primária que pode afastá-los
ria e, sendo assim, o que lhes é oferecido está da condição de cuidadores de si e dos outros.

Colaboradores

R Gomes, MCN Moreira, EF Nascimento e LEFS


Rebello participaram igualmente de todas as eta-
pas da elaboração do artigo, enquanto MTC
Falcão e LB Schraiber participaram da elabora-
ção e redação final do texto.
992
Gomes R et al.

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