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A DEMOCRACIA NA ADMINISTRAGAO PUBLICA E NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO Juraci Murdo Lopes Filho RESUMO O presente trabalho objetiva expor a contradigdo existente em nossa ordem juridica entre o princfpio democritico ¢ as premissas histéricas ¢ socivldgicas que influenciam nosso direito administrative ¢ a estruturagao ¢ funcionamento da Administragao Piiblica, apresentando os pontos mais relevantes desse contraste, sobretudo em fungao de nossas caracteristicas socioldgicas, e evidenciar a necessidade de uma demoeratizagio da atuagao administrativa, mediante a maior participagdo dos cidadaos nas decisdes fundamentais, bem como a necessidade de legitimagao da conduta dos agentes publicos mediante © incremento de processtializagio motivada, e nao mera procedi- mentalizagao, da atuagdo administrativa, sobretudo no exercicio da policia administrativa. Palavras-chave: Democracia. Direito Administrative, Admi- nistragéo Publica. 1 INTRODUGAO Na cultura jurfdica existe uma contradigav pouco refletida entre a estru- turagéo/funcionamento da Administragao Publica e o principio democratico. O Direito Administrativo clissico prescreve uma concepgio francesa de Administragao Publica de origem napolednica c inspiragao militar rigida- mente hierarquizada e piramidal, a qual influencia a relagao interna entre seus integrantes, que também se pauta em lagos de subordinagao. Tanto é as que um dos mais reconhecidos principios constitucionais da Administragio Publica é o da hierarq Também a relagao entre cidadtio ¢ Administragéo Publica é tocada por uma perspectiva de hierarquia veladamente confessada nos livros de Die Administrativo pelo recorrente uso da expresso “administrado” para designar particular, ainda que detentor de direit atv falho denota uma impli perspectiva de uma autoricéria relagéo de ascendéncia do Poder Piblico sobre os ‘Mestre em Direito (UFC) ¢ Dour tem Diteito Processual Civil (UFC). Professor do Curso de Dire Municfpio de Fortaleza. Advogado. Ivan la: sense ots. Proc Consutucional. 2 a Facule ards 1yQ pies aoe ‘Aceracacs na aaminstragie pes #6 Duets Aam.n stra ve bsdeve individuos, bem caracterizada pela previsio de prerrogativas do regime justice administrativo, que se diferencia daquele cle “diteito comum”. Em verdade, o disciplinamento da Administragio Publica, desde sua origem francesa e remodelagem italiana, ignora, em seus elementos fundamen: tais, o principio democrético, 0 qual demanda de qualquer atuagao do Estado o respeito a dimensao de legitimidade social. Os institutos administrativos atentam apenas e to somente para a dimen- sdo da legalidade, a ponco de se pregar uma figura autémata dle agente piblico, desprovido mesmo de vontade, jé que os atos administrativos seriam meras "ma. nifestagées de vontade da lei” ¢ ndo do individuo de carne ¢ osso que 0 pratica. Quando muito, se tem a incidéncia do principio democritico na investidura do Chefe do Executivo, ocupante do pice da pirdmide administrativa. Contude, uma vez investido, sua atuagao desprende-se de qualquer exigéncia demvcrsitica mais especifica que nfo a simples perda ou manutengio de popularidade. Se isso € verdade nos paises centrais do liberalismo capitalista em que se originou 0 Direito Administrative, com maior énfase o & no Brasil. Nossa tradigéo autoritaria, patrimonialista e patriarcal recrudesceu essas relagdes hicrarquizadas da Administragéo Publica, repercutindo até os dias atuais dle estabilidade democratica, seja no ambito interno, seja no externo. Aos agentes priblicos brasileiros, no exercicio das fungies administrativas, € imposta a estrita aplicagao da lei e a obediéncia as determinagies superiores, ressalvada quando manifestamente ilegais, ou seja, para seu descumprimento, no basta uma diivida quanto & ilicitude, preciso uma clara certeza. Isso os toma alheios a qualquer exigéncia puramente democritica ou mesmo jis stits visGes prOprias enquanto cidadaos detentores de dircitos, causando, em muitos, uma cisZo interna do individuo que passa a ter dois egos, o do agente piblico (responsavel pela cega pritica do ato) ¢ outro do cidadao (impotente diante das determinagoes legais e superiores). Entretanto, essa visio de Dircito Administrative, ¢ consequentemente de Administracao Publica no pocle mais persistir. Se Marx j4 indicava a con- tradigfo entre a democracia liberal e 0 funcionamento interno das entidades privadas de grande influéncia na vida social como um grave entrave para a realizacdo plena de democracia, maior risco ha nessa mesma contradligiv nas instituigdes publicas, sobrecudo da escrutura administrativa, ponto nevrilyico de todo o sistema demoecritico. © constitucionalismo atual, com as ideias de forga normativa da consti- tuigdo e a nova teoria dos principios, alga o principio democratic & categoria de prinefpio estruturante de nossa ordem juridica © que, por essa ra permear todos os meandros da atividade juridica ¢ institucional, em especial cka Administrago Piiblica, que deve se desprender de sua raiz autoritaria frincest ¢ dos lagos patemalistas do passado brasileiro e ser reconstruida a partir de demanies iu, dleve REVISTA OPINIAO JURIDICA Jura Nour Lpes Fino € exigéncias proprias da nova realidade brasileira. © longo periodo democriticn experimentado por nossa sociedade ¢ as novas relagdes sociais permitidas por camada social empenhada em adequadamente analisar os principais institutos juridicos criam também ambiente favordvel a esse rompimento de paradigmas. O presente artigo tem por objetivo expor essa contradigao interna de nossa ordem juridica, apresentando os pontos mais relevantes de contraste ¢ evidenciar a necessidade de uma democratizaco da atuagdo administrativa, mediante a maior participagao dos cidadios nas decisdes fundamentais, bem como a necessidade de legitimagio da conduta dos agentes puiblicos mediante © incremento de processualizagio motivada, e ndo mera procedimentalizagio, da atuagao administrativa, sobrecudo no exereicio da policia administrativa. 2O0RANCO AUTORITARIO DA ORIGEM DO DIREITO ADMINIS- TRATIVO E SUA INFLUENCIA NA CONCEPCAO DE ADMINIS- TRACAO PUBLICA Os administrativistas se empenham em propagar o que Gustavo Binen- bojm denomina de mito de origem do Direito Administrative. Consiste na apresentagdo de que esse ramo do direito surgiu para p6r fim as arbitrariedales tipicas do Ancien Régime, mediante a vit6ria da Lei Reta sobre o Império da Forga. Indica-se como seu marco inaugural a Lui de 28 pluviose do ano VIL pela qual se criow uma visio garantistica fruto direto da derrocada da forga diante da lei. Nesse sentido, escreve Edimir Netto de Araijor Com as ideias liberal-democraticas difundidas pela Revolucie Francesa, formou-se o clima necessitiv a elaboragio de um Die Feito Administrative como um corpo de reeras diseipliadonas das estruturas administrativas, dos servigos pablicos, das relagives do Poder com us administradus e com os seus propries agentes Pablicos, que fosse de observancia obrigatoria a wxles, incline a propria (embora ainda incipiente e centralizada) organi: audministrativo do Poder. (..] Por isso, nao sem razdo que se costuma apontar como o marco inicial do Direito Administrative uma lai frances dane de 1900 (naquele excéntrico calendrio francés da épocn, de 28 pluviose do ano VII), que, pela primeira ves, dorou a Administragiw de uma organizagio juridicamente garantida e estivel, exteriormente: obrigatéria a todos os administrados.! Com base na concepgao de supremacia do interesse pablico (consubstin. ciado principalmente na lei) sobre o privado (especialmente subre o interesse pessoal do governante) se erigiu um regime diferenciado do direito comum, caracterizado pela existéncia de prerrogativas e sujeigdes, a fim de melhor realizar esses designios puiblicos, segundo disposigées racionais ¢ objetivas. ‘A democrats ns edmiistagiopiblea € ne Ove Admin stu Saslene Contudo, como dito, essa é uma visao mitica da questio. Em verdade, o Direito Administrative (como regime diferenciado) garantiu a manuten- sao de algumas caracteristicas autoritarias ¢ privilégios tipicos do regime pré-revolucionario, deixando o Executivo imune a muitos valores pregados pela revolugao. Os meios para tanto podem ser condensados em dois pontoy principais: a forma de estruturagao dos Srgivs administratives e a formagao autocratica do regime juridico que os disciplina. Quanto ao primeiro ponto, a formatagao da Administragio Publica francesa do século XIX, que viria a influenciar os mais diversos paises, foi fortemente condicionada pela formagio militar de Napoledo Bonaparte. Com efeito, tal como uma estrutura castrense, o Poder Executive da fase pos- revolucionaria napolednica (que concentrava em si as fungdes administrativas) foi organizado cm uma estrutura piramidal rigidamente hicrarquizada, cuja premissa de divisao interna de atribuigdes era (e ainda é) de que seria decor- réncia de uma desconcentragio a partir do apice ocupado pelo governante, que remanesceria com o poder de avocar essas atribuigdes, orientar por ordens, bem como controlé-las, mediante a possibilidade de revogacao e anulagio dos atos dos ocupantes dos escaldes inferiores. Tem-se, portanto, uma relagio de subordinagio © coordenagio a partir do topo da estrutura piramidal. Todos os seus integrantes devem, assim, se pre- ‘ocupar coma estrita aplicacao da lei (por imposigdo do principio da leyalidade sob uma ética legislativa ¢ positivista) c, em igual medida, cumprir as ordens superiores. A perspectiva formalista ¢ desprendida de qualquer consideragie quanto As aspiragécs ¢ anscios populares fica, pois, garantida pelo modo de funcionamento hierdrquico. A dimensdo de legitimidade é tomada como pre- ocupagio da fungao de governo, da qual se busca apartar o que se entende por fungdo administrativa, tipicamente subsidiaria, J&em relagao ao segundo ponto, nao se pode dizer que o Direito Adminis trativo originou-se de uma redentora cdigdo leyislativa, comu a Loi de 28 phewse do ano VIIL A Administragao Publica nao recebeu um disciplinamento juridiew formulado no Ambito do Poder Legislative. Ao contrario, ele é decorrénecia das decisées dos Conselhos de Estado tranceses (tribunais administrativos que exereem a jurisdigdo nas causas envolvendo o Poder Paiblico) criados justamente a partir da resisténcia napolednica de submeter seus atos av Judicisirio, de cujos membros se tinha grande desconfianga. De fato, © Direito Administrativo foi crindo pelo labor desses tribunais administrativos a partir dle famoso caso Blanco. Ao longo dos tempos, esses tribunais se empenharam em erigir umn rezime diferenciado do direito comum, caracterizando prerrogativas ¢ sujcicdes gute fazem lembrar a vetusta teoria do fisco do periodo do Estado de Policia que entendia que a atuacio estritamente real no poderia se submeter as regrats dos comuns, aplicéveis apenas & parcela patrimonial do Estado (Fisco), nis simt a normas editadas pelo préprio monarca. Jurae Mourb Lopes Fina Essa criacdo pretoriana ao longo do tempo a causa da inexisténcia de uma codificagio administrativa. Portanto, tem-se um regime juridico criado dentro da mesma instituico que deveria disciplinar. Em vez de uma finalidade exclusiva: mente garantistica, verifica-se na origem do Direito Administrativo uma tensie entre a logica da autoridade e a ligica da liberade dos individuos Nesse sentido, Gustavo Binenbojm ¢ preciso: A associagio do direito axlministrativo ao advento do Estado de direito © do principio ca separagiio de poderes na Franga pos revolucionsria caracteriza erro historico ¢ reproducio acrities de uum discurso de embotamento ct realidade repetido por sucessivas geragdes, constituindo aquilo que Paulo Otero denominou ilusio garantistica da yénese. Osurgimento do direito administrativo, ede suas categorias jurfdicas peculiares (supremacia do interesse piblico, prerrogativas da Administragio, dliscricionariedade, insinglicabilies de do mérito administrative, entre outras), represenntou antes ui forma de reproduco e sobrevivéncta dhs priticas administeativas do Antigo Regime que a sta superagi. A juridicizagao embrionsiria da Administragao Pablica nao logrou subordiné-la ao dhreito; ao revés, serviu-lhe apenasdle revestimento ¢ aparato ret6rico para suit perpetuacio fora da esfera de controle dos cidadaos.! O positivismo, como método de ampla influéncia no século XIX ¢ inicio do século XX, com sua verstio formal de democracia também contribuia para esse quadro. Maurizio Fioravanti’ muitu bem expde que, apos a Revolugae Francesa, o labor de muitos constitucionalistas consistiu em retrear a ideia dc soberania popular, indicando a constituigio como instrumento habil para tanto. Relata o autor italiano, expondo pensamento de Carré de Malbery, que tanto na Franga como na Itélia ¢ Alemanha, o direito pablico se desenvolvia ao longo do século XIX e inicio do século XX, numa hase de opusigde 4 ideia de sobcrania popular tipica da revolugao francesa, especialmente sua con: cepgio radical jacobina. Como a Franga nao aceitava, na ocasidio, o controle de constitucionalidade no modelo americano (mais uma vez a descontiancit em relagdo ao Judiciario), a tinica mancira de controlar © poder absoluce da assembleia seria consideré-la apenas como mais um rg do Estado e nao mais um perene poder constituinte. Nesse period, apenas Stuart Mill era defensor de uma ampliagao da ideia democritica Por sua vez, Dilcey defende a superioridade do parlamento © de seu produto, mas no no modelo absuluto francés revolucionario, apenas come representante maior da democracia, pelo que seu produto, a lei, deveria ser a referéncia para os demais poderes. Tudo para garantir a ideia de seguranga de que deriva a Rule of Law. Por todo o século XIX e inicio do século XX havia, portanto, forte oposigo A concepgao de soberania popular, a ponto de que uma constituicio w a0minnrace pba eno Ovee Aan sratvo raster democratica ser algo dificil de se compreender, av menos como fruto de um Iegitimo poder constituinte. Esse quadro muda com o constitucionalismo de Weimar, que influenciow todas as constituigGes posteriores, que € marcada por uma democratizacio e, Consequentemente, 0 entendimento de um poder constituinte que insere na constituigao os principios fundamentais dos cidaddos que passa a ter, entio, © micleo fundamental da sociedade. A partir disso, comega uma busca pelos instrumentos institucionais necessérios para a tutela desses principios. Carl Schmitt langa a figura de Guardiao da Constituigao. Contudo, o pensamento de Hans Kelsen se sobrepas na primeira metade do século XX. Para ele, a constituigio democritica é aquela que serve de fundamento juridico de qualquer poder, excluindo qualquer poder autocritico. Seu cardter democratico decorria simplesmente de ser republicana, pluralist ¢ parlamentar, revelando, como Ihe é peculiar, uma visio eminentemente formalista da questao. Importante destacar que esse matiz autoritério do Dircito Ptiblico habil a influenciar a Administragdo Publica conscyuiu irromper em ambiente que lhe era desfavordvel e em perfodo improvavel. Na Franca do século XIX, ja se per- cebia uma sociedade civil organizada, urbana e ciosa pela realizacio de direitos, uma burguesia autossuficiente que cria prescindir do Estado para expandir a economia. No plano da pritica ¢ teoria politicas, circulavam ideias libertarian © democraticas. Ainda que estas tiltimas ainda nao fossem plenamente lapicladas. jése tinham langados seus fundamentos bisicus a serem incrementades no futuro proximo. Ainda assim, uma visio desnivelada entre Estado e cidadiv conseguiat se impor, ainda que contida por essa dimensio social emancipada e despida de qualquer veste autoritdria, patrimonialista ou patriarcal. No Brasil, contudo, o ambiente social é precisamente v opusto. Sempre we ‘mos hébito de importar instituigdes ¢ ideias da Europa sem considerara adaptagio a nossa propria realidade. A introdugao do Direito Administrative em nosso meio tisnou em tons fortes o autoritarismo das relagdes administrativas ja existente. 3 SOCIEDADE BRASILEIRA, ESTADO E A ADMINISTRACAO PUBLICA Os intérpretes do Brasil, intelectuais que produciram expressivas obras ao longo do século XX para explicar nosso pais, a despeito de divergirem em muitos pontos, convergem om maior ou menor medida na compreensiv de que aqui a relagio entre sociedade e Estady sempre foi bem diferente dasjucla verificada nos patses centrais. Mesino em nossos momentos mais marcantes, quando se recortia a for mulas americanas, francesas, inglesas ov alemis, nao se considerava a intestina diferenga entre as socicdades. Isso pode ser exemplificady pelo discurso liberal ¢ iluminista corrente no periody da independéncia, que, contraditoriamente, rae Meu topes Fao propiciou a formagao de um Estado moniirquico, escrava fa e com profundos lacos com a Igreja Catlica. Lticia Maria Bastos Pereira das Neves bem escreve sobre 0 assunto: Liberdade, igualdade e fraternidade! A famosa trfade que carac- terizou a Revolugio Francesa também ceo no mundo Luse- brasileiro, especialmente a partir da Revolugiie de 24 de agaist de 1820. No entanto, devido as mitigadas Luses portugutesas, estas palavras nao vibravam entre os membros da elite do Reine Unnke com a mesma intensidadle encontrada nos homens esclareciales lo mundo europeu além Pirineus. De qualquer modo, serviram de 9 para © nove vocabulério politico que permenu as principats discusses na imprensa e nos folhetos e panfletos de 1820. 1823, publicados tanto no Brasil, quanto em Porcugal.* A relagio do Estado com a sociedade padece, portanto, dessa dessintonia entre 0 discurso ¢ a pratica. Nossa tradigao patrimonialista e patriarcal sempre impediu 9 pleno fluxo de ideias liberais ¢ democriticas, as quais foram incorpo radas no discurso dos estamentos mais elevados segundos as conveniéncias de cada perfodo, formando a figura que Florestan Fernandes denominou de Senhor- Cidadao, que confundia sociedade civil com os estamentos sociais dominantes. O mesmo autor revela que a democracia no Brasil nunca esteve em crise, pois nao pode entrar em crise aquilo que nunca existiu plenamente, mas apenas dentro de um circuito fechado, de uma democracia burguesa ¢ restr! Enquanto na Europa Central a sucesso do feudalismo medieval pelo estatismo e despotismo moderno representou importante precedente histr co que sedimentou o ambiente social propiciador das praticas ¢ pensamento iluministas, em Portugal — e consequentemente no Brasil ~, nao se conheceu © feudalismo, havendo um salto do patriarcalisme antigo para o patrimonialis mo e paternalismo. Mesmo o despotismo, alvo maior da Revolugio Francesa, aqui ndo se apresentou da mesma forma, como demonstra Sérgio Buarque de Holanda: OFstado, entre nis, nfo precisa e ni deve ser desprinico oles: potismo condlz mal com a dogura de nosso énio -, mas necessiti de pujanga ¢ compostura, de grandeza ¢ soli tempo, se quiser adquirir alguma forga € também esa respettab lidade que os nossos pais ibéricos ensinaram a considerar virtude suprema entre todas. Ele ainda pode conquistar por esse moto in forga verdadciramente assombrosa em todos os departamentos da vida nacional. Mas ¢indispensdvel que as pelas de seu mecanismio funcionem com certa harmonise garbo.* tucie, ao mes Ainda assim, nao se pode negar que tenha havido um “revolugio Bur- guesa no Brasil”, mas, como expde Florestan Fernandes, de maneira distinta daquelas verificadas nos pafses centrais. A independéncia se enquadra nes categoria, pois rompeu com muitos lagos tipicos do colonialismo, mas nio foi an 0 A cemecrecn ng samestagde pts « ne Latete Reminatativ uma revolugéo de massas convulsionadas, e sim dentro manutencao da mesma estrutura da suciedade colonial uma ordem, com a Diante disso, Bernardo Ricupero bem expte como compreender o papel do Estado no Brasil: posstvel, como sugere José Murilo de Carvalho, apontar para a existéncia de das linhas de interpretagiies subre a relagie entre Estado ¢ sociedade no Brasil. De um lado, uma tradicaw ligada, por exemplo, & anslise de Oliveira Viana, que enfati cias desagregadloras da sociedtade; de outro kad, 2 que tem em Faoro seu principal nome, que ressalta a opressie da nagao pelo Estado. A primeira perspectiva poe énfase nu puter primado dos grandes proprietirios territoriais diante de Estado como marco principal da sociedade ¢ da politica brasileiras, Jt a perspectiva ‘estatista’ privileyia, como elemento fundamental do processo histérico brasileiro, o peso do Estado a moldar a nag. > tendén- rerpretagie, Na visio de Oliveira Viana, percebe-se a critica ao fetichismo institucte nal (idealismo utdpico institucional ou constitucional), consistente na cren de que a mera utilizagdo de instituigdes moldadas sob as aspiragdes iluministats bastava para plenamente garantir a irradiagio dessa ideologta em nosso pas. Denuncia 0 desalinhamento entre o recurso a instituigées voltadas para publica” ¢ as praticas estatais norteadas pelo particularismo. a “coisa O autor destaca a relevincia do latiftindio para a formagio da socivdale brasileira. Nessas grandes extensoes de terra, seus proprietirios exerceriam vezes de Estado, dada a quase absoluta independéncia delas. Naturalmente, essa condugao era orientada pelos interesses e visdes particulares do latifundisrio, que, por muito tempo, impediu mesmo a formagio das cides, a solidariedkale da populacdo ou mesmo o surgimento de uma classe média, da pequena burguesia ou de intelectuais sem propriedaces. A sociedhade brasileira possufa um grancle espace vazio entre os grandes proprietarios e as camakts mais baixus ¢ escrava, a pontode © visitante francés Louis Couty vaticinar em 1882 que “o Brasil nde tem povo” Assim, “sem quadros sociais completos; sem classes suciais dlefinidass sem hierarquia social organizada; sem classe médla; sem classe industrial; sem classe social. Sem classes urbanas em geral~a nossa sociedade rural lembra um vaste ¢ impotente edificio, em arcabouco, incompleto, insélito, com os travejann mal ajustados ¢ ainda sem postes firmes de apoio”. nan Diante desse quadro, Oliveira Viana concebia o Estado come o grande ordenador social, habil a cvitar a absoluta ¢ desagregadora influéncia dos lnti- fundidrios na forma de caudilhos. Pregava, entio, um Estado forte € de ostensiva presenga, ainda que nao despético. Mas nav havendo povo, é natural que osagentes piblicos nao dessem relevsineia Adimenséo de legitimidade na conducio do Estado. Ao contrario, nao 6 surpreendente que a vissem como uma extensio de possessdes pesoais, o que imporia uma relagio RevIsTs GerWIAG 5.8: Jurae Hour Lopes Fano também de superioridade sobre a populagdv. Daf o peril autoritario do pensamenty de Oliveira Viana, que bem coloca em evicléncia como o Poder Paiblico no Brasil era tido — e mesmo querido— como instancia superior ¢ condutora da sociedade e1vil. Nesse aspecto, a figura administrador/administrado tem sua justiticativa. Por sua vez, a perspectiva de Faoro, a partir de referencias weberianay, € mais explicita quanto a afirmagao histérica de subordinagaio da sociedade brasileira c portuguesa ao Estado, este tomado como uma realidade acima das classes e que decide o lugar de cada uma delas no quadro social. © jurista gaticho bem formula o conceito de estamento burocratico, entendido como o grupo de individuos incrustados nat maquina estatal que ve propria da soberania e toma as principais decisdes institucionais de uma maneira surda a qualquer demanda popular. Escreve que para levar a suciedade a seus designios “o Estado se aparelha, grau a grau, sempre que a necessictade sugere, com’a organizagao politico-administrativa, juridicamente pensada e escrita, racionalizada e sistematizada pelos jurists. Esta corporagdo de posler se estt tura numa comunidade: o estamento™. No dleimo capitulo de sua obra, expoe A comunidade politica conduz, cominsda, supervision os be g6cios, como negécios privados seus, na origem, como nedcios pablicos depois, em linhas que se demarcam graduslmente. O siidito, a sociedade, se compreendem no Ambito de um apare- Ihamento a explorar, a manipular, a tosyuiar nos casos extreme. Dessa realidade se projeta, em florescimento narutal, a forma poder, institucionalizada num tipo de dominio: » patrimonialismo.” Seja no Estado de Oliveira Viata, que impede por sua portentosa pre senga o poder dos latifundistios, seja no Estado patrimonialista, seguide de estamento, de Faoro, nao se pode por em diivida que nossa tradigiv politica revela uma passividade e mesmo subordinagio diante do Estado. A relagio de autoridade é bem arraigada em nosso meio, o que fomenta relagdes socais gra- duadas ¢ desniveladas do tipo protetor/protegido, administrador, administrady ou simplesmente paternalista. Com isso, a importagio dos institutos de Direito Administrative, com seu viés autoritario, intensificou essa relagdo de subordinagao entre societal e Estado. A figura da “autoridade publica”, nas entrelinhas da legislagsio adlmi- nistrativa, ganha estatura ainda maior. Aascendéncia do Chefe do Executivo, imantado por um personalismo e pr vatismo préiprios de nossa tradigo, se impie com mais vigor. A populagiio, enquante tal, ndo poderia interferir na yestdo da coisa piiblica. Nem se podria falar de uma sociedade civil organizada, dado 0 grande vazio social causado pelo latil longo das décadas, mesmo apis a independéncia. Os individuos habets a compor ¢ articular um grupo social organizadlo eram cooptados pelos estamentos burocrsiticos sem necessitar sequer, até hi alguns anos, de concursy pablice objetivo, fortalecendo, 0s lagos de compadrio ¢ reveréncia hierirquica interna. nde ae soc + Rie a010 A corriqueira participagao direta das forcas armadas, herco da estruru hierarquizada indiferente a dimensao de legitimidade, nos escaldes mais clevados do Executivo também contribuiu para a manutengio da relagio de autorilade. Ogolpe de 1964, segundo, mais uma vez, Florestan Fernandes, pds em evideéncia a dissociagao entre o desenvolvimento capitalista entdo proposto para o Brasil ea democracia. Todos esses aspectus historicos, socivlégicos ¢ politicos muito bem se adequaram ao Direito Administrativo na sua vertente classica @ ao constitu- cionalismo positivista visto no item anterior, imunizando-o de qualquer inze- réncia maior de institutos democraticos nas praticas cotidianas das atividladles administrativas. Se 0 meio social europeu retteava as instituigdes burocriticas, nosso meio, ao invés, foment’ Nesse contexto, o principio democritico, quando muito, era tomeale como norma programética de uma constituigau: encarada numa perspectiva formalista, de documento politico voltado ao parlamento que, s6 entin, ina criat o disciplinamento verdadeiramente juridico. Antonio Carlos Wolkmer bem resume esse quadro brasileiro: O proceso histérico nacional evident Direito Pablico jamais foram resultantes de uma soctedady democratica ¢ de uma cidadania partivipariva, pois « evolueio destas foi fragmentiria, ambigua © individualists, aléin de pet manecerem stettas a constantes TUPLURIS, escaMoteAMeMto ¢ desvins funcionais. Em suma, a falta de tradigao verkuleiramente democritica tos mes do que se convencionou cham de “liheralisme burud fez com que inexistisse — na evolugio das instituigdes juridicas do. pais - a consolidagio & a constineia de um Constitucionalisme de base popular-burguesa, pois, tanto o pobtico quanto o soil foram sempre construgdes momentineas e macabadas de hacgoes societdrias express nas oligarquias artis ft ue as instiineis do A democracia na Administragio Péblica se resume, quando muito, A investidura do chefe do Executivo ¢ & dimensio dle legalidade da torma positivista acima exposta, garantida por um Direito Administrative que s preacupava em esquadrinhar a condura dos agentes piblicus em procedimentos burocratizados e auto-referentes. Com efeito, as primeiras obras de Direito Administratives surgitam end ciunadas pelo Ambito social brasileiro do final do século NIX ¢ inicio do séculs NN mediante a importagao do idedrio francés, numa conjugagao de todo prejudicial. Foi preciso uma mudanga nio sé da sociedad, mas também do constitucio- nalismo, para formagio de cabedal tedrico suficiente para o rompimento com esse quadro autoritério formalista, que passa, entio, a exigir mudanga dos instituros de Direito Administrativo e, como decorréncia, da Administragav Publica. Revista OPINIAG JuRIDICA Jara Murdo Lopes Fino 4 O NEOCONSTITUCIONALISMO E A ELEVACAO JURIDICA DO PRINCIPIO DEMOCRATIVO O paradigma que indicava a constituigio como um documento mais politico do que juridico ¢, portanto, sem vinculagéo direta nem forca normativa auténoma, s6 veio a ser superado na segunda metade do século XX. Também se superou, nesse perfodo, sua fungao de contengdo formal a democracia, passando, ao invés, a ser o instrumento juridico para a ampla irradiagdio desse principio. Esse novo constitucionalismo, apto a teposicionar 0 principio demacratico em nossa ordem juridica, possui marcos histdricos, filosdticos ¢ tecricus, Como marcos histéricos, Lufs Roberto Barroso” aponta as constituicoes alema, italiana, espanhola e portuguesa do segundo pés-guerra, bem como. criagio dos tribunais constitucionais nesses paises, cujos labores toram deter nantes para a superagao da concep¢ao mais acanhada acerca da Constituigio. Os constituintes € as cortes constitucionais desse perfodo possutam in- tensa preocupagao em evitar o que acontecera com a Constituigao de Weimar de 1919, criticada e atacada, em razdo do distanciamento entre 0 que trazia seu texto e aquilo que os indivicuos estavam vivendo naquele conturbado periodo entre-guerras. Buscaram assim dar 0 maximo de efctividade as suas disposigdes principiolégicas mais relevantes. Mais precisamente no Brasil, oi a Constituigio de 1988 a principal respon- savel pelas inovagées no Direito Constitucional, ja que permitiu, sub sta Cyide, 0 mais longo perfodo democratico de nosso pais, no qual o proprio estilo de Diteite foi revigorado nas faculdades, com o aumento da concorréncia pur vagas nas universidades priblicas e a proliferagéo de cursos juridicus no Ambito privado. Com esses novos ares, o ambiente juridico deixou de nario e conservador reinante durante os vinte v quatro anos de regime militar, passando a ser © campo natural para surgimento de contestagties sociais ¢ resisténcias a atitudes tenclentes ao autoritarismo. O debate constitucional ganhou ampla repercussio e passou a ser assunto corriqueiro nos mais diversos Ambitos sociais. Mesmo em periodo em que teve seu texto mais intensamente alterado por indimeras emendas, nao foram poucos os defensores de sua base iolégica, sendo essa reagau, sem diividas, a responsavel por sua manutengiv, arrefecendo a avidez daqueles que, vez por outra, pretendem a convecagau de uma nova assemblcia constituinte. De fato, a Constituigaio de 1988, se no causow uma ruptura drastiea ¢ definitiva como todos os lagos estamentais ¢ patrimonialistas do pasado, con- seguiu lancar uma nova base axioldgica democritica. A debilidade do govern Sarney o impediu de apresentar um projcto proprio sobre v qual a Assemblcia Constituinte trabalhasse, sofrendo, naturalmente, as influéncias do Executivo. Construiu-se, entéo, a Constituigio do zero, sujeita aos mais diversos influxos sociais ¢ marcada pela polarizagao entre os que ficaram conhecidos como Cen: trio e centro-esquerda, resultando em texto realmente plural. As palavray de cr aquele reacio- He RR OO Ulisses Guimaraes no discurso de promulgagiv bem refletem os novos ares que cla pretendcu exala Chegamos! Esperamos a Constituigio como © vigta espera a aurora. Bem-aventurados os que chegam. Niv nos deseticamt- nhamos na longa marcha, nfo nos desmora ante presses aliciadoras © comprometedor: ro caimos no caminho. bel Quando, apss tantos anos de hutas ¢ suctficios, promulgamos 0 estatuto do homem, dla liberdade e da democracia, brackamos por imposigio de sun honra: temos édio A ditadura. Odio e noo L...] Foia sociedade, mobil mos capitilande s, ny desertams, thos colossais comicios dis Diretas-Ji que, pela transicio e pela muckinga, derrovou o Estado usurpadlor. ‘Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nagiio quet mudar. A Nagao deve mudr. A Nagio vai mudar. A Constituigiv pretende ser a voz, a letra, a vontade politica da sociedade rume A mudanga. Que a promulgagio seja nosso grit: ~ Mudlar para vencer! Muda, Brasil! A doutrina nacional também rompeu com os velhos paradigmas, avangan do no aprofundamento de uma teoria da Constituigio que a torna vinculante ¢ efetiva, demandando, sobretudo, uma maior atuagao democratica. O reconhe- cimento de sua relevancia passou a permear todos us ramos da ciéncia juridica, sendo pouco comum encontrarmos algum expoente de uma Area juridica que nfo dé A sua matéria uma abordagem iniciad da Constituigho, evidenciandy superagao da velha dicotomia entre dircito piiblico ¢ direito privado. Como marco filoséfico, temos principalmente a pés-modernidade, que inegavelmente fez superar a filosofia moderna ¢ liberal que serviu de sustentagae ideoldgica do constitucionalismo classicu. A constituigdo até entav s6 poderia ser compreendida se fossem levados em conta os ideais da filosofia dos modernos (como a supremacia de métodos ligico-formais de intelecgdo) ¢ as aspiragces politicas do capitalismo liberal emergente (que acreditava na absoluta apartagio entre Estado e sociedade, entre o piiblico e o privado) Esse Ambito pés-moderno modificou inclusive a papel dos intelectuais. inclusive juristas, na sociedade, como muito bem expae Zygmunt Bauman“! em feliz analogia enue os legisladores e intérpretes. O intelectual legislador, ripiew do periodo moderno, era responsavel pur apresentar as regras universalmente validas da verdade, da qual ninguém poderia se furtar. A razio, desvelada a partir de um rigido método cientifico, nao softeria influxos pontuais, poryusunte decorrente de labor puro e reto. Por sua vez, o intelectual intérprete nvio mais se arroga da condigdo de enunciador de verdades universalmente validas, mas se preocupa em interpretar ¢ adaptar a seu meio proprio aquilo que for bem desenvolvido em outras regides, somando ¢ considerando os influsos e apurande as conseqiiéncias proprias que os dados locais causam sobre objeto do conheci- REVISTA OPINIAO JURIOICA rae Nexto Lopes Fino mento. Esse novo paradigma enuncia, em sentenga definitiva, a inviabilidade das simples importagées de teoria ¢ instituigdes para realidade sociais distintas, demandando dos juristas uma responsdvel andlise de suas conseqiiéncias ¢ adaptagées exigidas. No constitucionalismo, embora tenham havido moulifieagdes até a pri- meira metade do século XX, sua base filosdfica se mantinha ainda a mesma, Somente com as profundas modificagées politicas e tilosdticas do segundo pos -guerra houve real mudanga do alicerce moderno-liberal, sendo esse © motive principal para se falar de um novo constitucionalismo e nfo apenas mais ums fase daquele inaugurado no final do século XVIII. Por fim, como marcos teéricos, sv apontados o reconhecimento da forga. normativa da Constituigéo; a nova teoria dos direitos fundamentais a expansiv da jurisdigao constitucional ¢ a nova hermenéutica constitucional. Por essas novas perspectivas tedricas, os principios deixam de ser fontes subsididrias do dircito c passam a exercer relevantes papéis em toda a ordem juridica, ndo somente com guias interpretativos, mas, principalmente, como base axioldgica que permeia todas as priticas juridicas, e se impoem da maneira que for fatica e juridicamente possivel. Especialmente o principio demueratice € erigido a categoria de principio estruturante, como passamos a expor. 5 O DEVER CONSTITUCIONAL DE LEGITIMAGAO DEMOCRATICA DA ADMINISTRAGAO PUBLICA A democracia é, como ja adiantado, um dos prineipios constitucionais estruturantes do Estado brasileiro. Tais espécies dle prineipins, na linguaeem de JJ. Gomes Canotilho™, sio “constitutives e indlicativos das idéias directivas basicas de toda a ordem constitucional. So, por assim clizer, ay traves-mestras juridico-constitucionais do estatuto juridico do politico” Ainda segundo as ligées do eminente constitucionalista portugues, esse principio estruturante se densifica no princfpio constitucional geral da Soberania Popular ‘que transporta varias dimensies historicamence sedimentashis (1) odominio politico dominio de hom omenis= um dominio pressuposto e aceito, pois carece de umes justilicagio NL A stat OFigem, isto &, precisa de legitimagiio; (2) a legitini ns sobre isto orden Aquer outra instinct. fora’ de prove real ordem divin nacural, ordem hereditiria, ordem slemocritica); (3) 0 pov é, ele mesmo, o titular da soberania ou slo poder, o que significa: (0) de forma negativa, o pader do pove distingue-se de ourra formas le dominio ‘nav populares’ (monarea, classe, cast): (i) dle forma positiva, a necessidade de uma leyitimagao democracica efectiva para o exervicio do poder (0 poder e o exercicio «lo poder devant 202 emia 2010

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