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ISBN 85-225-0545-4
Ia edição — 2006
Todas as traduções foram feitas por Flávio M adureira Heinz, exceto a do capítulo “A
elite nacional” (“The national elite”), de Michael Conniff, realizada p o r Geraldo
Korndõrfer.
O m o d e lo d a s re la ç õ e s p o lític a s e n tr e E sta d o e a to re s so c ia is e m e rg e n te s , a d o
ta d o p e lo s n o v o s d e te n to r e s d o p o d e r u n g id o s p e la R e v o lu ç ã o d e 1930, é a q u e le d o
c o r p o r a tiv is m o , e o s p r in c íp io s e a b a se d o a c o rd o so c ia l so b q u a l se fu n d a m a rc a
r ã o p o r m u ito te m p o a v id a p o lític a e s in d ic a l d o p aís. A o r g a n iz a ç ã o p r o fis s io n a l
n o s m e io s u r b a n o e r u r a l s o fre rá d if e r e n te m e n te se u s e fe ito s. A ssim , c o m p a r a d a a
u m s in d ic a lis m o o p e r á r io em v e r tig in o s o d e s e n v o lv im e n to , a o rg a n iz a ç ã o p r o fis s io
n a l n o m e io r u r a l é p o u c o e x p re ssiv a , e a p e n a s le n ta m e n te p e n e tr a n e sse m e io re-
f r a tá r io ao s m o d e lo s so c ia is f u n d a d o s n a r e a lid a d e d a s s o c ie d a d e s d e classe c o n
te m p o r â n e a s . 1
É a i n d a e m 1 930, e a p e n a s u m m ê s a p ó s a a s c e n s ã o d e V arg as ao p o d e r , q u e
é c r ia d o o i n s t r u m e n t o p r in c i p a l q u e p e r m i t i r á ao E s ta d o r e v o lu c io n á r io , n o s
a n o s s u b s e q ü e n te s , a i n t r o d u ç ã o d e u m s in d ic a lis m o d e tip o c o r p o r a ti v is ta : o
M in i s té r io d o T r a b a lh o , d a I n d ú s t r i a e d o C o m é r c io ( M T I C ) . T rê s m e s e s m a is
ta r d e s e rá p r o m u lg a d a a p r i m e i r a d a s le is s o b r e a o r g a n iz a ç ã o d a r e p r e s e n ta ç ã o
* Versão resu m id a de artig o pu b licad o sob o títu lo “Elites rurais: rep resen tação p ro fissio
nal e p o lítica no Brasil, 1930/1960” (H einz, 2001). Este tex to reto m a, com m odificações,
considerações feitas nos capítulos 3 e 7 de m in h a tese de d o u to ra d o (H einz, 1998b). Em
relação aos tó p ico s aq u i desenvolvidos, a abord ag em p ro so p o g ráfica do tem a já foi objeto
de dois artigos (H einz, 1998a e 1999). %
1 Sobre o co rp o rativ ism o na ag ricu ltu ra brasileira, ver so b retu d o o trab a lh o de Stein (1991).
P ara o d ebate relativo à represen tação dos grandes p ro p rie tá rio s fu n d iário s, no âm b ito dos
trab a lh o s da C om issão Sindical da A gricultura Brasileira, e às m o d alid ad es de organização
sindical da ag ric u ltu ra, ver so b retu d o o capítu lo 2, “A em ergência de u m m o d elo de o rg a
nização co rp o rativ a p ara a a g ric u ltu ra ”, de Esteves (1991:41-75).
124 Por outra história das elites
2 A Lei n 2 19.970, de 19 de m arço de 1931, constitui com efeito um prim eiro esforço no sentido
da estruturação de sindicatos de profissionais urbanos e sua subordinação à tutela estatal. P ri
m eiram ente, a nova lei reconhecia o direito de patrões e em pregados a, paralelam ente, consti
tu ir sindicatos. Em seguida, ela previa que cada “profissão” — a utilização do term o é retom ada
e vulgarizada pelos novos ideólogos e legisladores de 1930 — só poderia contar com u m sindi
cato por base local. Para fazê-lo, o reconhecim ento oficial das organizações representativas das
“categorias econôm icas” (o patronato), por um lado, e das “categorias profissionais” (assalaria
dos em geral), p o r outro, é vinculado à observância das norm as estabelecidas pelo MTIC.
3 Sobre a rep resen tação classista e profissional na C o n stitu in te de 1934, ver B arreto (2001).
4 Criada em 1897, a Sociedade N acional de A gricultura (SNA) é a prim eira entidade criada no
Brasil com am bições de representação nacional dos interesses agrários (há referências a um a
Société Brésilienne p o u r 1’A nim ation de 1’A griculture et de Pélevage, fundada em Paris já em
1895, pelo diplom ata e futuro m inistro da A gricultura J. F. de Assis-Brasil). Entidades locais
(com o os Clubs da Lavoura, do período im perial) e regionais já haviam sido criadas na segun
da m etade do século XIX e há pelo m enos um registro de organização representativa de in te
resses agrícolas ainda na prim eira m etade do século XIX: a Sociedade de A gricultura, C om ér
cio e In dústria da Província da Bahia (1832). U m a idéia geral da difusão de entidades agrícolas
na segunda m etade do século XIX pode ser obtida em Ridings (1994) e Pang (1981). Sobre a
entidade fundada em Paris, há poucas inform ações (ver Scherer, 1973). A SNA nos interessa
aqui m enos po r sua ação específica no cam po da representação patronal que p o r ser a respon
sável pela idealização e pela prom oção da grande entidade do patro n ato rural que será criada
em 1951, a Confederação Rural Brasileira (CRB). É certo que a SNA segue existindo após 1951,
mas sua ação será eclipsada pela CRB a p onto de se transform ar, ao longo dos anos, em um a
entidade de cunho m ais “cultural” e “social” que profissional. Com efeito, a SNA será responsá
vel pela gradativa incorporação, entre os representantes das elites regionais, da necessidade de
que a representação patronal agrícola se investisse do m odelo do sindicalism o corporativista já
am plam ente dissem inado nos setores urbanos. Sobre a SNA, ver Poliano (1942 — história
laudatória, mas bem docum entada, escrita pelo ex-secretário da entidade) e G om es (1988).
Elites rurais entre representação e política 125
5 Poliano, 1951:8. D epois de ter sido analisado no M inistério do Trabalho, o projeto foi tra n s
form ado no D ecreto-Lei n a 7.038, de 10 de novem bro de 1944. O p ro jeto em questão dizia
respeito à sindicalização do p atro n a to e dos trabalhadores agrícolas, p revendo u m a repre
sentação sindical do m eio ru ral brasileiro em m u ito sem elhante ao qu e já existia nos centros
u rb an o s, m as ele p erm anecerá sem efeito. De fato, é apenas em 1963 que u m a lei especifica
m ente d irecionada à sindicalização dos trabalhadores agrícolas, o E statuto do T rabalhador
Rural, é efetivam ente prom ulgada. A reação dos fazendeiros a essa lei n ão será estran h a ao
clim a de extrem a tensão política que reinará no país nos anos 1963 e 1964. É, p o rtan to ,
possível im aginar que a não-aplicação — o boicote institucional, de certa form a — da lei de
sindicalização de 1944 evitara um a reação sem elhante, ainda que a c o n ju n tu ra política da
prim eira m etade dos anos 1940 fosse bem diferente daquela do início dos anos 1960.
6 C om efeito, m u ito s fazendeiros e dirigentes locais tem em a p erd a de a u to n o m ia de suas
en tid ad es u m a vez q u e passassem a algum a esfera de fiscalização do E stado, co m o o M i
nistério do T rabalho o u o M in istério da A gricultura.
7 A com issão cham ad a a d isc u tir as m odificações no Ç ecreto-L ei n a 7.449 era com p o sta
p o r A rth u r T orres Filho, seu p residente e rep resen tan te da SNA; íris M einberg, p residente
da U nião A g ropecuária do Brasil C entral; O scar D au d t Filho, rep rese n tan te da Federação
das A ssociações R urais do Rio G ran d e do Sul; C â n d id o G om es de Freitas, rep rese n tan te da
Sociedade M ineira de A gricultura; A n tô n io A rru d a C âm ara, rep rese n tan te do M inistério
da A gricultura; e Luiz M arques P oliano, secretário da com issão.
126 Por outra história das elites
g o v e rn o e p r o m u lg a d o a p e n a s alg u m as se m a n a s m ais ta rd e : tr a ta - s e d o D ec re to -L e i
n 2 8.127, de 24 de o u tu b r o de 1945. Ele re to m a v a u m p o n to im p o r ta n te e c ritic a d o d a
lei a n te rio r, a saber, a c ria ç ã o de u m sistem a v ertical d e re p re se n ta ç ã o , c o n tro la d o do
alto p o r u m a p o d e ro s a c o n fe d e ra ç ã o n a c io n a l, m as q u e te rá m u ita d ific u ld a d e p a ra se
im p o r: p a s sa d o s a p e n a s cinc<5 dias de sua p ro m u lg a ç ã o , V argas é a fa sta d o d o p o d e r
p o r u m a m a n o b r a d o s chefes m ilita re s; é o fim d a d ita d u r a d o E sta d o N ovo.
E m rela çã o ao P ro je to de Lei n 2 7.038, de 1944, os d o is d e c re to s d e 1945 a p re s e n
ta v a m p r o fu n d a s m o d ific a ç õ e s: os tra b a lh a d o re s ag ríc o las e ra m ex c lu íd o s d o sistem a
de re p re s e n ta ç ã o sin d ic a l — a lei q u e fin a lm e n te irá re g e r a “p ro fis sã o a g ríc o la ” n ão
in c lu i os a s sa la ria d o s — e a sin d ic a liz a ç ã o d o m u n d o r u ra l d e ix a rá a tu te la d o M in is
té rio d o T ra b a lh o p a r a v o lta r à q u e la d o M in isté rio d a A g ric u ltu ra . C o m o re su lta d o
desse p ro c e sso de re g u la m e n ta ç ã o p ro fissio n a l, o c o n ju n to d a a g r ic u ltu r a b ra sile ira
v ai se e n c o n tr a r im p lic a d o n a c o n s titu iç ã o de u m a “exceção r u r a l” n o seio d o a p a re lh o
sin d ic a l d o p aís. C o n tra ria m e n te ao q u e o c o rria n as cid ad e s, o n d e e m p re sá rio s e t r a
b a lh a d o re s se re la c io n a v a m em d o is sistem a s p a ra le lo s d e re p re s e n ta ç ã o d e in teresses,
tu te la d o s p o r u m E sta d o q u e b u sc av a c o n s o lid a r seu p a p e l d e p r o te to r so cial e ag en te
d o d e s e n v o lv im e n to e c o n ô m ic o , n o esp aço r u ra l a n u n c ia v a -s e , e n tã o , u m a fo rm a h í
b rid a de re p re se n ta ç ã o . P re ssio n a d o s p ela am ea ça de e x ten sã o p u r a e sim p le s das leis
sin d ic a is u r b a n a s às áreas ru ra is e de seus p o ssív eis efeito s em te rm o s d e m o b iliz a ç ã o
social d o s tra b a lh a d o re s ru ra is , os fa z e n d e iro s d e lin e ia m u m s iste m a d e re p re se n ta ç ã o
sin d ic a l a m e io c a m in h o e n tre o sin d ic a to e a asso cia çã o civil, co m a n o tá v e l au sên c ia
de p e q u e n o s a g ric u lto re s e tra b a lh a d o re s ru ra is. A fó rm u la e n c o n tr a d a irá ig n o ra r a
id é ia de u m a re p re s e n ta ç ã o “de classe”, d e fe n d e n d o u m a h ip o té tic a u n id a d e d o c o rp o
so cial ru ra l. P o r ela, os fa z e n d e iro s a trib u e m a su as “asso cia çõ e s r u r a is ” o p a p e l “s in d i
ca l” de in te r lo c u to r d o E sta d o n as q u e stõ e s re la c io n a d a s à “p ro fis sã o ag ríc o la ” e a s su
m e m esta n o v a fu n ç ã o de m a n e ira exclusiva, sem a b d ic a r d e seu p o d e r tra d ic io n a l
so b re as áreas ru ra is , p o d e r re fo rç a d o p ela im p o s sib ilid a d e leg al d e c o n s titu iç ã o de
s in d ic a to s de tr a b a lh a d o r e s ru ra is.
D essa fo rm a , o fim d o p r im e iro p e río d o V argas (1 9 3 0 -4 5 ) in v ia b iliz a rá a a p lic a
ção d o d isp o s itiv o legal c ria d o sob seu g o v ern o . Se a Lei n 2 8 .127 — c o m o aliás su c e
d eu à m a io r p a r te d a le g islação v a rg u ista — n ã o foi a n u la d a p o r u m P o d e r L egislativo
q u e re to m a v a su as fu n ç õ e s a p ó s o ito an o s de a u s ê n c ia fo rç a d a , ela su sc ita n ã o o b sta n te
q u e stõ e s q u a n to à su a le g itim id a d e . Se é v e rd a d e q u e as leis tra b a lh is ta s e os sin d ic a to s
o p e rá rio s se h a v ia m to r n a d o tã o o n ip re s e n te s n o c e n á rio n a c io n a l q u e q u a is q u e r p r e
ten sõ es a m o d ific á -lo s em p ro fu n d id a d e d ific ilm e n te p ro s p e ra ria m , o m e sm o n ão a c o n
tece c o m a re c e n te leg islação so b re o d ire ito à asso ciação n o m u n d o ru ra l. D e fato, o
d e b a te q u e se in s ta u r a d esd e os p rim e iro s dias d a n o v a d e m o c ra c ia vai r a p id a m e n te
to r n a r a tu a l u m a a n tig a clivagem e n tre d o is p ó lo s o p o s to s d a re p re se n ta ç ã o d o s in te
resses fu n d iá rio s n o p aís: d e u m lad o , aq u e le q u e p o d e ría m o s c h a m a r e s ta tis ta , r e p r e
s e n ta d o s o b r e tu d o p e la S o cie d ad e N a c io n a l d e A g ric u ltu ra , e, d e o u tro , aq u e le qu e
Elites rurais entre representação e política 127
c h a m a ría m o s p riv a tis ta , re p re s e n ta d o p ela S o cie d ad e R u ral B ra sile ira .8 A ssim , a SNA
se e m p e n h a ra d esd e ce d o em d o ta r o esp aç o r u ra l d o p aís d e u m a e s tr u tu r a a m p la e
u n ifo rm e , à im a g e m d o q u e se p ro d u z ira n o s m e io s so ciais e e c o n ô m ic o s u r b a n o s ao
lo n g o d o p e río d o 1 9 3 0 -4 5 ,9 ao passo q u e a SRB b u scav a, co m ra ra s exceções, p ô r u m
freio n essas in ic ia tiv a s e m a n te r d istâ n c ia d a c u ltu ra sin d ic a l c o rp o ra tiv is ta . A aç ão de
re p re s e n ta ç ã o dessas e n tid a d e s revelava a in d a o u tr a s cliv ag en s, s o b r e tu d o a a tu a lid a d e
da q u e s tã o re g io n a l. S o b re este p o n to , v o lta re m o s m ais a d ia n te .
efetu ad as n a lei de sin d icalização de 1944 e das ten tativ as de re fo rm a d a Lei n 2 8.127, de
1945. D e fato, a eleição d o p rim e iro p re sid e n te d a C o n fed e raçã o R u ral B rasileira ac ab a
ria resolvida, n u m a so lu ç ão de co m p ro m isso , pela in d ic aç ão de u m te rc eiro c a n d id a to .18
O s esfo rço s q u e a C o n fe d e ra ç ã o e suas asso ciaçõ es rea liza m , d u r a n te os a n o s 1950-
60, p a r a im p o r-s e c o m o in stâftcias leg ítim as de re p re s e n ta ç ã o d o s in te resse s d a a g ri
c u ltu ra , so fre m , re ite ra d a s vezes, u m a o p o siç ã o firm e d a p a rte d a S o cie d ad e R u ral B ra
sileira. D e f o rm a geral, a o p o siç ã o e n tre as d u a s e n tid a d e s se fa rá p re se n te em te m as
co m o a re fo rm a a g rá ria e a sin d ica liza çã o d os tra b a lh a d o re s ru ra is e p e q u e n o s p r o p rie
tá rio s. N a m a io r p a rte d o s casos, essa o p o siç ão , n o e n ta n to , n ã o re m e te a d iferen ças
p ro fu n d a s de p e rc e p ç ã o acerca desses te m a s e a m b a s as e n tid a d e s v êe m co m m u ita s
reservas os p ro ce sso s q u e sin alizam m u d a n ç a s n o m u n d o ru ra l. A ssim , a re fo rm a ag rá ria
e o p ro c e sso de sin d ic a liz a ç ã o de tra b a lh a d o re s ag ríc o las só se c o n s titu e m em o b je to
de d e b a te e n tre as e n tid a d e s à m e d id a q u e estão v in c u la d o s à q u e s tã o d o s lim ite s d a
in te rfe rê n c ia le g ítim a d o E stad o n o s esp aço s so ciais, em g eral, e n o m e io ru ra l, em
p a rtic u la r. P ara a CRB, essa in te rv e n ç ã o é n ec essária e o E sta d o é a ú n ic a in s titu iç ã o
c a p az de c o rrig ir d isto rç õ e s sociais e e lim in a r e n tra v e s e s tru tu ra is à m o d e rn iz a ç ã o d a
so c ie d a d e e d a e c o n o m ia ; p a ra a SRB, a in te rv e n ç ã o e sta ta l é s o b r e tu d o in te rfe rê n c ia ,
m ais c ria d is to rç õ e s q u e as c o rrig e .19
ra s u p e r io r e d ir e tiv a d e u m s is te m a n a c io n a l d e r e p r e s e n ta ç ã o , c u jo c o r p o d i r i
g e n te e s tá , p o is , r e g io n a lm e n te d is p e rs o . É n o R io d e Ja n e iro , a c a p ita l fe d e ra l, q u e
os d ir ig e n te s da C o n f e d e r a ç ã o r e a liz a r a m p r io r i ta r ia m e n t e se u s e s tu d o s (3 1 ,5 % ).
E sse n ú m e r o é b a s ta n te sig n ific a tiv o , u m a v ez q u e a p e n a s 9 ,3 % d o s d ir ig e n te s e ra m
o r ig in á r io s d a q u e le e s ta d o e a p e n a s 6 ,2 % a li d e s e n v o lv ia m a tiv id a d e s p r o f is s io
n a is .24 E ssa s o b r e - r e p r e s e n ta ç ã o d o R io d e J a n e iro p o d e se r e x p lic a d a p e la p a r t i c i
p a ç ã o d e d ir ig e n te s filh o s d e p a r la m e n ta r e s e a lto s f u n c io n á r io s n a c io n a is q u e,
m e s m o g u a r d a n d o f o rte v ín c u lo re g io n a l, c o n s tr u í r a m c a r r e ir a s p ú b lic a s n a c a p i
ta l fe d e ra l a p a r t i r d e 1930.
O s e g u n d o e s ta d o em im p o r tâ n c ia na fo rm a ç ã o u n iv e rs itá ria d o s d irig e n te s é São
P au lo , co m 12 d ip lo m a d o s (2 1 % ). Recife, ca p ita l d o e sta d o de P e rn a m b u c o e “c a p ita l”
c u ltu ra l e p o lític a d a reg iã o N o rd e ste , vem em te rc e iro lu g ar, co m sete d ip lo m a d o s ;
se g u e m -se trê s o u tr o s g ra n d e s e sta d o s q u e ta m b é m e ra m c e n tro s u n iv e rs itá rio s re g io
nais: M in a s G erais (c o m q u a tro d ip lo m a d o s ), B ah ia e R io G ra n d e d o Sul (c o m três
ca d a u m ).
28 Sobre a questão das m últiplas profissões en tre os m em b ro s das elites brasileiras, vale
le m b rar as palavras de Sérgio B uarque de H olan d a, em seu ensaio clássico Raízes do Brasil:
“A inda hoje são raros, no Brasil, os m édicos, advogados, en g en h eiro s, jo rn alistas, p ro fes
sores, fu n cio n á rio s que se lim item a ser hom ens de sua profissão. Revem os c o n sta n te m e n
te o fato o b servado p o r B urm eister nos com eços de nossa vida de nação livre: ‘N inguém
aqui p ro c u ra seguir o curso n a tu ra l da carreira iniciada, m as cada q u al alm eja alcançar aos
saltos os altos p o sto s e cargos rendosos: e não raro co nseguem ’. ‘O alferes de lin h a’, dizia,
‘sobe aos pulos a m a jo r e a coronel da m ilícia e cogita, depois, em v o ltar p ara a tro p a de
linha com essa graduação. O fu n cio n á rio público esforça-se p o r o b te r a colocação de e n
genheiro e o m ais ta len to so engenheiro m ilitar ab a n d o n a sua carreira p ara o cu p a r o cargo
de a rrec ad ad o r de d ireito s de alfândega. O oficial de m a rin h a asp ira ao u n ifo rm e de chefe
de esquadra. O c u p a r cinco o u seis cargos ao m esm o te m p o e não exercer n e n h u m é coisa
n ad a ra ra ”’ (H o lan d a , 1995:156).
29 Em u m estu d o a m p lam en te conhecido sobre re c ru ta m e n to p a rla m e n ta r federal no p e
ríodo 1946-65, D avid Fleischer, trab a lh an d o com u m a p o p u lação de 1.047 d ep u tad o s fe
derais brasileiros, e n c o n tro u 14,2% de advogados ou m ag istrad o s, 13,2% de profissionais
da saúde (so b re tu d o m édicos), 11,3% de fu ncion ário s, 10,2% de p rofissionais de im p re n
sa, 10,1% de com erciantes e financistas, 9,7% de professores, 9,1% de ag ricu lto res, 7,9%
da in d ú stria , 4,8% de m ilitares, 9,5% exercendo o u tras profissões. P ara c o m p o r este g ru p o
e resolver o p ro b lem a colocado pelas carreiras com m ú ltip las profissões, Fleischer decidiu
deter-se apenas na o cupação prin cip al, o que explica, so b retu d o , a provável subestim ação
do n ú m e ro de advogados o u de agricultores. O p ró p rio a u to r a firm a que, no p erío d o 1945-
75, m ais da m e ta d e dos p a rla m e n ta re s brasileiros (51,2% ) p o ssu ía d ip lo m a de d ireito
(Fleischer, 1979:5).
30 C o n sid eram o s aqui “p ro p rie tá rio s” ou “socialm ente su p e rio r” as categorias de b a n q u e i
ro, ag ricultor, in d u stria l e com erciante e a m édia o b tid a co rresp o n d e ao c o n ju n to dos d iri
gentes estudados, 27 p ara a SRB, e 64 para a CRB.
Elites rurais entre representação e política 135
P r e s e n ç a c o m p a r a d a de p r o f i s s õ e s r e p r e s e n t a d a s e n t r e os d i r i g e n t e s
d a s du as e n t i d a d e s p a t r o n a i s *
A g rô n o m o 17 26,5 2 +
A dvogado 23 35,9 11 40,7
B a n q u e iro 3 4,6 3 11,1
A g r ic u lto r * * 32 50 21 77,7
F u n c io n á rio 9 14 0 0,0
In d u s tria l 11 17,1 5 18,5
E n g e n h e ir o 6 9,37 2 7,4
Jo r n a lis t a 7 10,9 2 7,4
M é d ic o 8 12,5 3 11,1
M a g is tr a d o 1 1,5 1 3,7
C o m e r c ia n t e 3 4,6 3 11,1
P r o fe s s o r 8 12,5 3 11,1
O u tra 9 14 2 7,4
Total 137 100 58 100
* Percen tagem dos dirigentes da C R B (n = 64) e da S R B (n = 27) que exerciam ou declaravam
ex ercer a profissão.
** C ate g o ria com posta onde incluím os fazendeiro, grande p ro p rietário fundiário, lavrador,
em presário ag rícola.
31 E ntre os 64 dirig entes estu d ad o s, 12 eram paulistas (18,7% ), sete m in eiro s, sete gaúchos,
seis flum inenses, seis p ern a m b u ca n o s, q u atro cearenses e três baian o s. N ote-se que dois
paulistas d irig iram a CRB entre 1952 e 1967: A lkindar M o n teiro Ju n q u e ira (seg u n d o p re
sidente da en tid ad e ) e íris M einberg. D eve-se, co n tu d o , an alisar estes d ad o s com certa
cautela: há u m a clara dispersão dos dirigentes da CRB q u an to à origem regional p o r força
m esm o de seu sistem a federativo de representação.
Elites rurais entre representação e política 137
P o lític a
32 Se estam os certos dos n ú m e ro s referentes aos d ep u tad o s e senadores da CRB en tre 1951
(sua fu n d ação ) e 1967, o m esm o não acontece com os n ú m e ro s aq u i ap resen tad o s relati
vos aos d e p u ta d o s estaduais, que, acreditam os, esteja su b estim ad o : nossa análise, qu e trata
apenas de 64 dos 194 dirigentes nacionais, desconhece p ro v avelm ente os d ad o s sobre res
ponsáveis p atro n a is estaduais cujas carreiras políticas regionais n ão receb eram a atenção
dos d icio n ário s biográficos nacionais consultados.
138 Por outra história das elites
33 Para esses dirigentes p atro n a is de perfil político, o fato de assu m ir u m m a n d ato federal
parece te r sido, com freqüência, um dos requisitos p ara o acesso às in stân cias n acionais da
CRB: 19 se to rn a ra m dirigentes após obter m a n d ato com o d ep u tad o , três o u tro s com o
sen ad o r e cinco co m o d e p u ta d o s estaduais. De fato, dois terço s dos d ep u tad o s federais que
o cu p a ram funções diretivas na CRB aí chegaram após terem sido investidos em seus m a n
d atos p arla m en tares.
34 P ara u m a descrição d etalh ad a do extenso rol de com issões e agências públicas onde
tin h a assento a CRB, ver H einz (1998b:406,n.l05).
35 E ntre os dirigentes da SRB, apenas dois eram d ep u tad o s federais n o m o m e n to de sua
in c o rp o raç ão à d ireção da entidade.
Elites rurais entre representação e política 139
38 Em 1956, o bloco ru ralista era com posto, segundo lista p u b licad a n a im p re n sa associativa
{Gleba, set. 1956), p o r 64 d ep u tad o s federais (sobre u m to tal de 326), dos quais 29 do PSD,
12 do PTB, oito da U D N , seis do PSP, q u atro do PR, três do PSB, u m do PRP e u m do PDC.
39 Esteves, 1991:146.
Elites rurais entre representação e política 141
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