O avesso de Plutarco: as escritas das vidas infames de Michel Foucault
Primeiramente, a autora aponta que, apesar da sugestão inicial do título, é impossível
falar em “escrita biográfica” no sentido estrito, ou mesmo em moldes flexíveis do gênero, na produção de Foucault. “Sem dúvida, a dupla recusa foucaultiana da categoria de autor e do gesto biográfico e, por conseguinte, a desconstrução da evidência da subjetividade como princípio constitutivo do pensamento moderno, vinculam-se inevitavelmente ao problema do sujeito e suas relações com as escritas de vida”(p. 2). O objetivo de M. F. foi exaltar as vozes dos arquivos de seus objetos de estudo para demonstrar que a suposta singularidade do indivíduo moderno é fruto do disciplinamento das condutas e dos corpos. Desde o seu surgimento a biografia e a história foram postas em categorias distintas, contudo, a configuração no campo semântico da biografia se deu em um sentido duplo: um metonímico (acontecimentos de uma vida) e um sentido próprio (escrita da vida) – da mesma forma se dá na história. A opção da autora como objetivo na obra foucaultiana “[...] limita-se a um exercício de leitura de alguns de seus textos que podem oferecer elementos, senão de uma suposta “escrita biográfica” foucaultiana, mas de uma radical desnaturalização da própria evidência desse gênero discursivo” (p. 3). Oliveira aponta que o sujeito para o intelectual francês surge como efeito e objeto de múltiplos saberes que constituem uma tecnologia política do corpo e dispositivos de sujeição. Entretanto, fica evidente a recusa de Foucault em apagar a singularidade e o impacto do discurso de Rivière, ao mesmo tempo que o mesmo escapa de qualquer enquadramento discursivo – por existir como ponto de entrecruzamento de diferentes enunciados. Na obra analisada, Foucault quer “dar voz” ao conjunto de documentos que o mesmo tem contato, isso significa deixar um pouco a subjetividade dele mesmo de lado, para dar espaço aos personagens das fontes. Foucault recusa qualquer explicação e seu objetivo é retirar do silêncio esses indivíduos, representando pessoas realmente existentes, dando significado histórico a eles. Era evidenciar a infâmia estrita, incompatível com qualquer feito majestoso ou glória. Justamente aí estaria o “avesso” de Plutarco – a própria noção antiga de escrever vidas plutarquinaa existirá como referencial, mesmo que de oposição, para a escrita foucaultiana. “Por que Foucault optou por tornar visíveis essas vidas, deixando “falar” as vozes de personagens tão obscuros? Poderíamos pensar em usos do biográfico, mesmo de forma subliminar ou implícita? Tais usos não perpassariam a metodologia de Foucault que, ao longo dos textos citados aqui, afirma sempre pela negativa ou pelo avesso daquilo que seria uma razão biográfica? [...] A primeira constatação é a de que, para abordar os dispositivos do poder, Foucault não consegue escapar das marcas, mesmo ínfimas, deixadas pelos sujeitos que, não tendo desempenhado nenhum papel memorável na história, tiveram vidas infames no sentido mais estrito do termo, isto é, viveram no limite de uma não existência, sem provocar escândalo ou admiração e, portanto, possuem existências esvaziadas de um sentido biográfico usual” (p. 8). Nos casos expostos por Foucault, os indivíduos não foram essencialmente representados como representantes de subjetivação. Por consequência, a escrita dos sujeitos seria a própria constituição do sujeito. Seriam parte de uma “dramaturgia do real”.