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Complexidade e transdisciplinaridade em educação

Complexidade e transdisciplinaridade em
educação: cinco princípios para resgatar o elo
perdido*

Akiko Santos
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
Laboratório de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares

Introdução construção, no entanto, já se nota um grande número


de educadores que recorrem a seus conceitos, como
A teoria da complexidade e transdisciplinarida- também se observam núcleos de docentes-pesquisa-
de surge em decorrência do avanço do conhecimento dores nas universidades começando a se organizar nos
e do desafio que a globalidade coloca para o século níveis local e nacional.
XXI. Seus conceitos contrapõem-se aos princípios Em razão tanto do surgimento de novas teorias
cartesianos de fragmentação do conhecimento e di- pedagógicas como da reconfiguração das já existen-
cotomia das dualidades (Descartes, 1973) e propõem tes, Libâneo (1991, 2005), sempre preocupado em
outra forma de pensar os problemas contemporâneos. oferecer aos professores sínteses classificatórias das
A fragmentação do conhecimento, que se gene- teorias pedagógicas que fundamentam as práticas
raliza e se reproduz por meio da organização social e docentes, elaborou uma nova classificação. Reproduz-
educacional, tem também configurado o modo de ser se, a seguir, tal classificação, para que o leitor possa
e pensar dos sujeitos. A teoria da complexidade e trans- se situar, atentando para a dinâmica de disjunção e
disciplinaridade, ao propor a religação dos saberes conjunção das teorias já conhecidas pelos professo-
compartimentados, oferece uma perspectiva de supe- res, e as emergentes, decorrentes da transformação
ração do processo de atomização. socioeconômica e da renovação cultural.
Como uma teoria pedagógica, a complexidade e No interior da corrente que Libâneo classifica
a transdisciplinaridade encontram-se ainda na fase de como “holística” está a teoria da complexidade, obje-
to do presente texto. A diversidade de modalidades
*
Este texto é uma versão revista e ampliada da comunicação apontada nessa corrente reflete a variedade de cons-
apresentada no I Encontro Brasileiro de Estudos da Complexidade truções em relação ao contexto contemporâneo, o
(EBEC), Curitiba, 11 a 13 de julho de 2005, com o título Princí- holismo propriamente dito, a teoria naturalista do co-
pios orientadores para reencantar a educação. nhecimento, a ecopedagogia e o conhecimento em

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Quadro 1 – Correntes pedagógicas contemporâneas mental da sociedade moderna. A teoria da complexi-


Correntes Modalidades dade e transdisciplinaridade sugere a superação do
Racional-tecnológicas Ensino de excelência modo de pensar dicotômico das dualidades (sujeito-
Ensino tecnológico objeto, parte-todo, razão-emoção etc.) proveniente da
Neocognitivistas Construtivismo pós-piagetiano visão disseminada por Descartes (1973), estimulan-
Ciências cognitivas do um modo de pensar marcado pela articulação.
Sociocríticas Sociologia crítica do currículo Na prática do magistério, esse novo referencial
Teoria histórico-cultural representa mudança epistemológica e vem sugerindo
Teoria sociocultural reconceitualizações de categorias analíticas, de vez
Teoria sociocognitiva que, pelas orientações dicotômicas das dualidades, se
Teoria da ação comunicativa valorizou somente uma das dimensões de tais duali-
“Holísticas” Holismo dades: pela dicotomia inicial sujeito-objeto, houve a
Teoria da complexidade supervalorização da objetividade e da racionalidade,
Teoria naturalista do conhecimento como também se seguiu a orientação de descontex-
Ecopedagogia tualização, simplificação e redução quando o fenô-
Conhecimento em rede meno é complexo, em detrimento da dimensão opos-
Pós-modernas Pós-estrutruralismo ta, igualmente integrante dos fenômenos, que
Neopragmatismo compreende a subjetividade, a emoção, a articulação
Fonte: Libâneo, 2005, p. 30. dos saberes disciplinares e o contexto.
Os princípios que fundamentam as organizações
rede. Aranha (1996) identificava suas características sociais, culturais, educacionais se apóiam, basicamen-
nomeando-as de paradigmas emergentes, e Gadotti te, na recomendação de Descartes (1973, p. 46), se-
(2003) chamou-os de paradigmas holonômicos. gundo a qual, quando um fenômeno é complexo, se
A intenção do presente texto é mais pontual. Pre- deve “dividir cada uma das dificuldades [...] em tan-
tende-se realçar alguns dos seus princípios e discutir tas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias
o potencial que eles têm para resgatar o elo perdido fossem para melhor resolvê-la”.
com a prática de fragmentação do conhecimento. Esse é o princípio da fragmentação. Como con-
A atual estrutura educacional, sedimentada com seqüência dele, a prática pedagógica tendeu a organi-
base em princípios seculares, tem levado os docentes zar-se nos moldes da disjunção dos pares binários:
a uma prática de ensino insuficiente para uma com- simples-complexo, parte-todo, local-global, unidade-
preensão significativa do conhecimento, e muitas ve- diversidade, particular-universal; em contrapartida,
zes suas respostas não satisfazem aos alunos, que per- cristalizou-se a subdivisão do conhecimento em áreas,
guntam: “por que tenho que aprender isso?”. institutos e departamentos, cada qual delimitado pe-
Embora concebidas separadamente, a complexi- las fronteiras epistemológicas. Cada instituto ou de-
dade (também chamada de pensamento complexo) e partamento organiza seus respectivos cursos por meio
a transdisciplinaridade articulam-se. Se vistas sepa- de listas de diferentes disciplinas. São as grades cur-
radamente, uma torna-se princípio da outra. O pensa- riculares que, na prática, funcionam como esquemas
mento complexo foi sistematizado por Edgar Morin mentais ao impedirem o fluxo de relações existentes
(1991), e a transdisciplinaridade, por Basarab entre as disciplinas e áreas de conhecimento. Por
Nicolescu (1999). exemplo, a didática, como disciplina, é tratada sepa-
Ao servirem de instrumentos para a observação radamente da disciplina filosofia. Vigorando o prin-
da realidade, seus princípios revelam a defasagem con- cípio da fragmentação, da divisão, da simplificação,
ceitual da prática educacional, realçando as concep- da redução, tem-se como conseqüência a descontex-
ções ancestrais tácitas na estrutura social, cultural- tualização do agir pedagógico, passando a didática a

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ser uma disciplina apenas técnica, por meio da qual dentro das partes (Morin, 1991). Ressalte-se, com isso,
se aprende o uso de técnicas didáticas. o paradoxo do uno e do múltiplo, ou seja, da íntima
Essa visão descontextualizada e simplificadora, relação e interdependência entre os dois termos que
difundida pela ciência moderna, tornou-se hegemô- se polarizaram na era moderna. Assim, o princípio
nica ao longo dos últimos 400 anos e manteve latente holográfico remete à articulação dos pares binários:
a questão da complementaridade dos pares binários. parte-todo, simples-complexo, local-global, unidade-
A partir das últimas décadas, no entanto, o que per- diversidade, particular-universal.
manecia implícito se manifesta com força significati- Como observou Petraglia (1995), com a disjunção
va e se transforma em princípios científicos, evolu- desses termos na modernidade houve perda de signifi-
ção acontecida no próprio seio da ciência moderna. cação do conhecimento. Os princípios da disjunção e
Ainda que alguns autores considerem esse novo olhar da simplificação concretizam-se na educação por meio
como algo exótico (Carvalho, 2003), já não se pode de uma estrutura disciplinar do conhecimento. Seguin-
mais ignorar a penetração, na vida acadêmica, da ar- do as orientações cartesianas, concretizadas na estru-
ticulação dos pares binários e da conectividade dos turação disciplinar do conhecimento, o professor crê
saberes (Morin, 2001). que a soma das partes listadas nas grades curriculares
Não há dúvida de que o princípio de fragmenta- (estruturadas por meio de uma seqüência de múltiplas
ção acumulou conhecimentos, ocasionando um ver- disciplinas compartimentadas) significa o todo do co-
dadeiro boom tecnológico hoje altamente visível e nhecimento.
vivenciado. No entanto, no cerne desse progresso vem- Essa norma curricular tem provocado a incapa-
se praticando um outro tipo de relação com o conhe- cidade de estabelecer relações entre os conhecimen-
cimento, na forma de rede de relações, o que sugere tos obtidos. Como conseqüência dessa estrutura cur-
mudança conceitual e princípios mais adequados ao ricular, os alunos saem do curso com uma cabeça bem
estágio atual de desenvolvimento da ciência. cheia (Morin, 2000) de conhecimentos justapostos.
Entre esses novos princípios, aquele que tem tido Segundo David Bohm (1980), muitos dos nos-
larga aceitação é o chamado holográfico que, ao fa- sos problemas se devem à tendência de fragmentar o
zer o movimento de volta à contextualização, reco- mundo e ignorar a interligação dinâmica entre todas
nhece que o todo não é somente a simples soma das as coisas, desconhecendo o fato de que o universo é
partes (fatoração mecânica). Segundo Morin (1991, constituído como um holograma. Ou seja, tudo no
p. 123), a soma do conhecimento das partes não é universo faz parte de um contínuo, que, por conta da
suficiente para se conhecer as propriedades do con- sua natureza ativa e dinâmica, o autor chama de
junto, pois o todo é maior do que a soma de suas holomovimento.
partes. Além disso, quando se toma o todo não se vê Karl Pribram (apud Talbot, 1991), neurofisiolo-
a riqueza das qualidades das partes, por ficarem ini- gista da Universidade de Stanford, estudando o cére-
bidas e virtualizadas, impedidas de expressarem-se bro, chegou às mesmas conclusões de David Bohm,
em sua plenitude. Daí que o todo é menor do que a físico quântico, definindo o cérebro como um
soma de suas partes. As relações das partes com o holograma envolto por um universo holográfico.
todo são dinâmicas, portanto, o todo é, ao mesmo tem- A visão holográfica abre nova perspectiva aos
po, menor e maior que a soma das partes. pesquisadores da área educacional. Não se trata somente
de inverter o foco do binário parte-todo, mas de acres-
Princípio holográfico centar o movimento de religação ao conjunto desmon-
tado, à totalidade fragmentada. Trata-se de atuar em
Esse princípio afirma que a parte não somente duas direções opostas: contexto e unidade simples (todo
está dentro do todo, como o próprio todo também está e parte), estabelecendo a interligação dinâmica.

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A contextualização é necessária para explicar e tecimentos. As relações cerebrais estabelecem-se en-


conferir sentido aos fenômenos isolados. As partes só tretecendo-se em teias, em redes. Como observou
podem ser compreendidas a partir de suas inter-rela- Machado (1999, p. 138), “a idéia de conhecer asse-
ções com a dinâmica do todo, ressaltando-se a multi- melha-se à de enredar”.
plicidade de elementos interagentes que, na medida O princípio holográfico coloca aos professores o
da sua integração, revela a existência de diversos ní- dilema posto pelas estruturas disciplinares e fragmen-
veis da realidade, abrindo a possibilidade de novas tárias do ensino. Dilema que os obriga a se exercita-
visões sobre a mesma realidade. rem na transdisciplinaridade, termo cunhado por Jean
Assim, a representação de conhecimento como Piaget, que chegou inclusive a afirmar que, um dia, a
uma árvore, consagrada por Descartes e ainda hoje uti- interdisciplinaridade seria superada por transdiscipli-
lizada, torna-se inadequada por sua separação em ra- naridade (Nicolescu, 2003).
mos e pelas hierarquizações estanques que a imagem
sugere. Hoje, propõe-se rizoma (Deleuze & Guattari, Princípio da transdisciplinaridade
1980) como representação do conhecimento implica-
do. Uma rede de conexões mutuamente implicadas. A transdisciplinaridade tem sua origem no
Ante a nova metáfora de conhecimento em rede, teorema de Gödel, autor que, em 1931, propôs distin-
representada por uma raiz, uma raiz rizomática guir vários níveis de realidade, e não apenas um ní-
(interconectada), o nosso modo de ensinar e a nossa vel, como entende o dogma da lógica clássica (Mello,
atitude conceitual revelam-se desarticulados e insufi- 1999). Com a comprovação na física quântica, tal pro-
cientes, por seu enfoque concentrado no racional e posição provocou um escândalo quando demonstrou
por ignorarem o contexto relacional entre o todo e as que o quanton é composto simultaneamente de ondas
partes. Uma vez percebidas as relações entre o todo e e corpúsculos, e que, no nível do quanton, a contradi-
as partes, revela-se o sentido do conhecimento para a ção entre onda e corpúsculo desaparece, constituindo
vida: o elo perdido. uma unidade.
Assim como a imagem do cérebro como um A partir dessa descoberta, a lógica clássica entra
holograma sugerida por Pribram, no processo de em crise, abalada em seu fundamento centrado na não-
aprendizagem a compreensão do significado de uma contradição. A transdisciplinaridade propõe-se a trans-
frase evoca, instantaneamente, imagens, sons, vivên- cender a lógica clássica, a lógica do “sim” ou “não”,
cias, conhecimentos adquiridos em diversas discipli- do “é” ou “não é”, segundo a qual não cabem defini-
nas, instâncias e momentos da vida, intuições, sensa- ções como “mais ou menos” ou “aproximadamente”,
ções, humores, sentimentos de simpatia ou antipatia, expressões que ficam “entre linhas divisórias” e “além
sentimentos de cooperação ou de rejeição. As reali- das linhas divisórias”, considerando-se que há um ter-
dades objetiva e subjetiva são complexas e interati- ceiro termo no qual “é” se une ao “não é” (quanton).
vas. No entanto, ignorando a dinâmica de interação, E o que parecia contraditório em um nível da realida-
o professor prioriza determinado conteúdo na expec- de, no outro, não é.
tativa de que os alunos o absorvam recorrendo à me- Conforme Nicolescu (1999, p. 29), em termos
morização. matemáticos, a lógica clássica expressa-se da seguin-
A construção de conhecimento, segundo Morin te forma:
(1998), apóia-se nos movimentos retroativos e recur-
sivos. O autor atenta para o fato de que não há uma 1. O axioma da identidade: A é A;
única maneira de aprender. O processo cognitivo é 2. O axioma da não-contradição: A não é não-A;
um processo complexo, uma vez que o sujeito vê o 3. O axioma do terceiro excluído: não há um termo T,
objeto em suas relações com outros objetos ou acon- que é, ao mesmo tempo, A e não-A.

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Por esses axiomas, a lógica clássica admite um mas essenciais. É somente um exemplo de como se
único nível de realidade, uma vez que o axioma nú- pode mobilizar dentro da estrutura tradicional.
mero 3 exclui a possibilidade de articulação. A lógica Ao trabalhar com a multirreferencialidade do
quântica introduz inovações, definindo um terceiro conhecimento, o princípio que rege os temas trans-
termo incluído: “Há um terceiro termo T, que, ao versais muda o conceito de conhecimento. Passa-se
mesmo tempo, é A e não-A” (Nicolescu, 1999, p. 29). da disciplinaridade (lógica clássica) à transdiscipli-
Ao articular, o terceiro termo incluído sempre leva a naridade (lógica do terceiro termo incluído). O co-
um outro nível de realidade, diferente do nível ante- nhecimento é concebido como uma rede de conexões
rior da lógica da não-contradição, abrindo a possibi- (do arbóreo passa-se ao conceito rizomático), o que
lidade de uma nova visão da realidade. leva à multidimensionalidade do conhecimento e à
Como processo, a lógica do terceiro termo in- distinção de vários níveis de realidade.
cluído sempre pressupõe o aparecimento de outros Assim, a multidimensionalidade diz respeito ao
elementos contrapondo-se em qualquer nível de rea- reconhecimento dos diferentes níveis de realidade no
lidade. Trata-se de um processo sem fim. Nesse sen- processo cognitivo. Abertura que se dá conforme os
tido, não se tem uma Verdade última e absoluta, mas tipos de observadores, cujas percepções, quando am-
verdades sempre relativas e passíveis de mudanças pliadas por variadas articulações, possibilitam um
no decorrer do tempo. conhecimento cada vez mais significativo e abran-
Assim, a transdisciplinaridade significa transgre- gente.
dir a lógica da não-contradição, articulando os con- O conhecimento transdisciplinar associa-se à di-
trários: sujeito e objeto, subjetividade e objetividade, nâmica da multiplicidade das dimensões da realidade
matéria e consciência, simplicidade e complexidade, e apóia-se no próprio conhecimento disciplinar. Isso
unidade e diversidade (idem). Ao articular esses pa- quer dizer que a pesquisa transdisciplinar pressupõe
res binários, por meio da lógica do terceiro termo in- a pesquisa disciplinar, no entanto, deve ser enfocada
cluído, a compreensão da realidade ascende a outro a partir da articulação de referências diversas. Desse
nível, tomando um significado mais abrangente e sem- modo, os conhecimentos disciplinares e transdisci-
pre em aberto para novos processos. plinares não se antagonizam, mas se complementam.
Recomendados nos Parâmetros Curriculares Na- Diferente do enfoque tradicional-disciplinar, a
cionais (PCNs) (Brasil, 2001), os temas transversais pesquisa transdisciplinar traz à tona uma multiplici-
recorrem a essa lógica quando articulam os conheci- dade fantástica dos modos de conhecimento. Sua preo-
mentos das diversas disciplinas. Os temas transver- cupação com os níveis de realidade (superando a di-
sais, tendo em vista um tema social, transgridem as mensão única que a pesquisa disciplinar enfatiza) e
fronteiras epistemológicas de cada disciplina, possi- com a idéia de totalidade a leva a aceitar a causalida-
bilitando uma visão mais significativa do conhecimen- de concebida como em circuito e multirreferencial,
to e da vida. em vez de prender-se a uma realidade linear e unidi-
Na medida do viável, os temas transversais res- mensional (Congresso de Locarno, 1997).
gatam as relações existentes entre os conhecimentos. Por sua vez, para revelar-se, a complexidade dos
Outra forma de evidenciar e trabalhar as conexões fenômenos exige do observador uma postura trans-
entre os conhecimentos pode ser a realização perió- disciplinar. Ou seja, para ser conhecido em toda a sua
dica de jornadas temáticas, a exemplo da realizada na dimensão conectiva, o objeto exige conhecimentos e
França, em 1998, sob a direção de Edgar Morin observadores transdisciplinares.
(2001), reunindo professores para apresentar traba- Aplicados ao processo ensino-aprendizagem, os
lhos que rejuntavam os saberes em torno de proble- princípios holográfico e transdisciplinar tornam o

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aprender uma atividade prazerosa na medida em que quer mudança de posturas. Se a atitude não acompa-
resgatam o sentido do conhecimento (perdido em ra- nha as mudanças conceituais, o resultado poderá ser
zão de sua fragmentação e descontextualização). Esse uma interdisciplinaridade apenas pontual.
é o desafio que se coloca na reconstrução da prática Em virtude da formação de tipo disciplinar, os
pedagógica. professores que enfrentam o desafio da transdiscipli-
Para fazer frente a tal desafio, há que se deslocar naridade estão sujeitos a ambigüidades e contradições
para um outro ponto de vista – como diz Boff (1997, que vão sendo corrigidas e adequadas na medida do
p. 9), “todo o ponto de vista é a vista de um ponto”. aprofundamento conceitual e, principalmente, da au-
Isto é, torna-se necessário passar do conceito tocrítica entre os pares. Essa mudança atitudinal
dicotômico (parte-todo, ser-saber) para a construção condiciona-se à mudança epistemológica: mudar um
de um conceito articulado, um pensar que considere o determinado conceito exige, por sua vez, mudanças
ser como sinônimo do saber, o saber como uma razão de outros co-relacionados, dando lugar a uma rede de
de ser, uma relação simbiótica, e não dicotômica como conceitos (sistema).
na pedagogia tradicional. Pedagogia que separa o su- Na prática educativa, os professores desconside-
jeito do conhecimento, considerando o saber como algo ram o princípio holográfico e o princípio da transdis-
objetivo, neutro e nobre, em detrimento da dimensão ciplinaridade, separando a parte do todo, dando um
subjetiva, dimensão esta que, no dizer de Descartes tratamento mecânico ao conhecimento. Os professo-
(1973, p. 143), é “fonte de idéias confusas”. res dedicam-se a explicações exaustivas em defini-
A transdisciplinaridade exige também uma pos- ções, conceitos, fórmulas, e fazem uso da linguagem
tura de democracia cognitiva (todos os saberes são voltada para a racionalidade tecnocientífica. A frag-
igualmente importantes), superando o preconceito mentação traz como conseqüência a idéia de neutra-
introduzido pela hierarquização dos saberes. Em ra- lidade e objetividade do conhecimento. Com esse viés,
zão dessa hierarquização, tem-se como senso comum o conhecimento referido em sala de aula perde senti-
a crença segundo a qual são nobres os conhecimentos do existencial ao não trabalhar a relação com o todo e
da área das ciências exatas, enquanto os das ciências com o sujeito do processo cognitivo.
humanas são “abobrinhas”. Essa banalização requer A transdisciplinaridade maximiza a aprendiza-
uma mudança conceitual quanto ao conhecimento: não gem ao trabalhar com imagens e conceitos que mobi-
mais concebê-lo como neutro, estático, universal e lizam, conjuntamente, as dimensões mentais, emo-
imutável, adquirível mediante memorização, mas cionais e corporais, tecendo relações tanto horizontais
concebê-lo como histórico, não-neutro, dinâmico e como verticais do conhecimento. Ela cria situações
provisório (Aragão, 1993). O conhecimento nunca é de maior envolvimento dos alunos na construção de
definitivo, mas um produto da humanidade, estando significados para si. Os alunos “constroem” conheci-
sempre ligado a circunstâncias históricas, que são di- mentos, como diz Paulo Freire (1997). Trabalhar a
nâmicas como o são os indivíduos que o vivenciam e educação com tal visão supera a mesmice do padrão
o projetam. educativo, encanta o aprender e resgata o prazer de
Esse novo olhar da transdisciplinaridade traz ain- aventurar-se no mundo das idéias.
da um desafio maior: o de transitar pela diversidade
dos conhecimentos (biologia, antropologia, física, Princípio de complementaridade dos opostos
química, matemática, filosofia, economia, sociologia).
Isso requer espírito livre de preconceitos e de frontei- Conceber o conhecimento a partir da visão
ras epistemológicas rígidas. Esse é um dos proble- holográfica, pela transdisciplinaridade, leva ao entre-
mas que a prática da interdisciplinaridade (Fazenda, laçamento desses olhares com o princípio de comple-
1993, 2001) tem enfrentado. Mudança conceitual re- mentaridade dos opostos, de Niels Bohr (1961). Prê-

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mio Nobel de Física em 1922, ao desenvolver a teo- Assim, essa visão de homem e de mundo signifi-
ria da relatividade e da mecânica quântica, esse cien- ca superar o condicionamento experimentado duran-
tista propôs a noção de complementaridade buscando te o processo de formação do indivíduo sob o princí-
resolver impasses em torno da questão das unidades pio da dicotomia, reforçado, ao longo da vida, desde
subatômicas, afirmando então que onda e partícula as ameaças (para modelar o comportamento das crian-
são dimensões integrantes de uma mesma realidade. ças) com o “bicho-papão” e do “lobo mau”; literatu-
A partir dessa mudança de percepção, o conceito ras infantis dirigidas a cristalizar um pensar dicoto-
de complementaridade passou a ser usado para des- mizado, o bem personificado num personagem
crever os fenômenos da natureza. Para a geração de (Cinderela), e o mal, no outro (madrasta). Tal percep-
físicos daquela época não foi fácil passar aos novos ção ainda se reproduz, por exemplo, por certos filmes
conceitos sugeridos pela teoria quântica. Relutou-se e novelas da televisão. Esse dualismo também per-
muito em abandonar velhos conceitos da física clás- passa os noticiários, como testemunhamos nos infor-
sica (Heisenberg, 1996). mativos sobre o conflito entre os Estados Unidos da
Assim como não foi fácil a mudança conceitual América e o Iraque. O mal sempre está representado
para aqueles físicos, o homem também enfrenta um no outro. O bem e o mal nunca convivem no mesmo
ambiente que reproduz velhos conceitos, e ele pró- sujeito. Cada um representa o mal no outro.
prio é educado nos moldes duais, interpretando o Essa visão dicotômica é absorvida pelos indiví-
mundo em termos polares e reducionistas. duos e manifesta-se no modo de pensar, sentir, agir e
Ao articular os opostos, o princípio da comple- viver. Cada um dos pares binários, dicotomizados,
mentaridade opõe-se à dicotomia dos binários, reme- devem ser olhados desde um outro prisma, o da arti-
tendo o olhar para o nível de realidade integrada, isto culação. Quando se muda o ponto de vista obtém-se
é, razão “e” emoção, indivíduo “e” sociedade, saúde uma vista diferente, um outro panorama dos fenôme-
“e” doença, subjetivo “e” objetivo, sapiens “e” demens, nos em observação.
bem “e” mal, clausura “e” abertura das crenças ou das Por exemplo, pode-se, ainda, verificar a simbiose
teorias. Impõe-se colocar a conjunção “e” para signifi- dos opostos no binário ordem-desordem. A busca do
car a junção, a associação, a articulação desses pares. homem pela ordem manifesta-se desde os seus pri-
Dicotomizar e exaltar apenas uma das caracte- mórdios. Os mitos, as religiões, as teorias filosóficas
rísticas dos binários (por exemplo racionalidade e são manifestações dessa procura diante de uma natu-
objetividade) como base do ensino tem levado a in- reza poderosa que, ao mesmo tempo em que lhe dá
compreensões do processo de ensino e aprendizagem, vida, pode também tirá-la. Nessa relação homem-
justamente pela unilateralidade. Essa polaridade natureza, a ciência é o ápice da conquista do homem
igualmente provoca nas gerações que passaram e con- e tem focalizado a ordem nos fenômenos da natureza
tinuam a passar por tal sistema a incapacidade de e da vida. As crenças e teorias dão ao homem uma
articular as diversas dimensões do seu ser. Na moder- margem de atuação sobre essa natureza.
nidade, ao dicotomizar o binário razão-emoção, a emo- A ordem, a repetição, a constância significam
ção delimitou-se às disciplinas de psicologia e psica- segurança para o homem, mas essa invariância leva à
nálise. degeneração. E, para o homem tomado individual-
Resgatar a dimensão emocional não significa mente, ao tédio e ao embrutecimento. A desordem, o
supervalorizá-la: nem só razão, nem apenas emoção. aleatório, a irregularidade, o desvio, o imprevisível,
O que se está propondo é articular pares binários. o acaso regenera a vida e a própria ordem, colocando
Razão sem emoção não capta a característica huma- ao homem o desafio da sobrevivência, obrigando-o a
na, enquanto emoção sem razão não conduz a parte construir nova ordem como um permanente processo
alguma. de revigoramento por meio da construção de novas

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organizações e maneiras de situar-se neste mundo. certeza e na ordem. Daí a mensagem implícita, “feliz
Ordem e desordem, separadamente, levam ambas à para sempre”, ao final de cada novela. Aliás, nada
degradação e à degeneração. mais falso, considerando-se a natureza instável do
No âmbito da gestão educacional, a ordem está homem e da própria vida. Então, há que integrar o
representada pela legislação e pela organização, nor- princípio da incerteza à certeza que se constrói para
mas legais e burocráticas, grades curriculares. Na orientar as ações do dia-a-dia.
gestão dessa organização surgem a desordem e a am-
bigüidade, introduzidas pelos sujeitos que dão dina- Princípio da incerteza
micidade ao modelo de funcionalidade e racionalida-
de do sistema. Seres humanos, com sua diversidade, O conceito de incerteza contrapõe-se às mensa-
dão suporte e funcionalidade ao gerenciamento da gens dualistas dicotomizadas, que priorizam somente
organização. O comportamento das pessoas na insti- a dimensão que contribui para a construção da ordem,
tuição é um misto de dependência e autonomia (outro da certeza, tornando-se uma visão parcial, reducio-
par binário). A ordem é desejável, mas a desordem, o nista, determinista e objetivista. Esse é o conceito dis-
espontaneísmo, a desobediência, proporcionam vita- seminado pela ciência moderna e pelo método cientí-
lidade à instituição, embora, em excesso, levem à sua fico de comprovação. Ao considerar o princípio de
desintegração. Como se vê, há entre ambas uma rela- complementaridade dos opostos, necessariamente
ção simbiótica de interdependência, os dois termos entra em questão a articulação das dualidades (no caso,
estão estreitamente associados. certeza e incerteza), e não a sua dicotomização.
Nesse sentido, pode-se ainda aplicar o princípio Esse princípio tem origem na elaboração mate-
da complementaridade ao binário dependência-autono- mática de Werner Heisenberg (1962). Prêmio Nobel
mia. O ser humano é dependente do sistema onde vive, de Física em 1932, esse autor demonstrou que o com-
porém, ao manter a sua autonomia como sujeito criati- portamento das partículas é totalmente imprevisível.
vo que está em permanente renovação, introduz com- Ao deparar-se com a impossibilidade em elaborar uma
portamentos ambíguos e, muitas vezes, contraditórios descrição objetiva da natureza sem se referir ao pro-
em relação às regras estabelecidas pelo sistema. cesso de observação, identificou tal fenômeno como
De acordo com a lógica clássica, as asseverações uma indeterminação; o que ficou mais conhecido
dos parágrafos anteriores constituem uma irraciona- como princípio da incerteza.
lidade por não obedecerem ao axioma da não-contra- O princípio da incerteza está integrado à vida e é
dição, importante nessa lógica. Segundo Morin (1983, íntimo dos seres humanos, que o manipulam em ra-
p. 131), trata-se de zão da sua própria sobrevivência. A construção da
certeza proporciona ao homem normalidade, no en-
[...] uma noção lógica, é a autonomia que é ao mesmo tem- tanto, trata-se de uma normalidade em termos não
po dependente sem deixar de ser autônoma, é, de certo modo, absolutos, porque o seu contrário é uma presença
a necessidade de bastardizar os nossos instrumentos acoplada.
conceptuais e renunciar a um princípio unificador mestre e As instituições de saúde, de educação, empresas
supremo. e a legislação funcionam com base em certezas, pro-
vendo uma base geral para o seu funcionamento. A
Outro conceito profundamente arraigado no ima- estabilidade e a continuidade são essenciais. No en-
ginário social e repetidamente reforçado pelas nove- tanto, demasiada estabilidade ameaça a continuida-
las televisivas, que sempre terminam em casamento, de. Instituições que não se renovam caminham para a
é a certeza da felicidade na estabilidade matrimonial. esclerose. O mesmo sucede com o ser humano. Como
Acredita-se que a felicidade está na estabilidade, na já foi observado anteriormente, o sujeito que não se

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Complexidade e transdisciplinaridade em educação

renova embrutece e geralmente é excluído da dinâ- Na ação pedagógica, todos os professores sabem
mica social. que os objetivos educacionais e o planejamento didá-
Para o indivíduo e para a sociedade, o conser- tico costumam ir por água abaixo se à certeza não se
vadorismo é tão importante para a sua manutenção integra o princípio da incerteza. A incerteza diz res-
e funcionamento quanto o é a renovação para a sua peito às características dinâmicas do sujeito, do co-
continuidade. A renovação constitui um risco neces- nhecimento e da sociedade humana. A certeza cons-
sário. truída terá sempre uma janela aberta à incerteza.
A escola mantém-se pelas repetições de normas, O princípio da incerteza legitima o que sempre
valores e sanções sociais. É a certeza. A avaliação é vem acontecendo na vida cotidiana e acompanha o
prevista no calendário letivo. Em geral se faz a ava- homem desde o seu nascimento até a morte. No coti-
liação por meio de instrumentos que aferem a repro- diano, a articulação dos contrários é constantemente
dução do que foi ministrado em determinado perío- realizada por qualquer ser humano na tomada de de-
do. Tal tipo de instrumento está suficientemente cisões. Tem-se certeza de algumas coisas, porém, na
padronizado, e tanto os alunos como os professores tomada de decisões, tem-se de pensar na multiplici-
sabem suas regras. Aos alunos exige-se a memoriza- dade de fatores implicados e incertos. A incerteza é
ção e a reprodução de teorias e práticas vigentes. O sempre uma premissa flutuante. Esse fenômeno é tão
professor normal é aquele que segue à risca as regras íntimo do homem que passa despercebido. Constan-
instituídas, e cujo comportamento é previsível, por temente se lida com os paradoxos: certeza-incerteza,
estar dentro das normas. conservadorismo-inovação, ordem-desordem. O que
Os alunos preferem a certeza, a repetição dos é certo e o que é errado depende da premissa teórica.
modos de dar aulas, porque já as conhecem e sabem Os contrários são geradores de vida e fazem parte do
todas as maneiras de driblar o autoritarismo do siste- processo evolutivo.
ma. Mas a repetição não provoca entusiasmo, o en- Querer moldar os alunos por meio de punições e
canto está na novidade. uso de instrumentos de avaliação é colocar em práti-
O encanto das relações humanas reside na incer- ca a filosofia da pedagogia tradicional, reafirmando
teza, mas é a certeza que nos faz funcionar como uma uma sociedade classista, elitista e excludente. E ain-
instituição. O homem adora a incerteza, mas é a cer- da mais: a educação nos moldes tradicionais (rigidez
teza que traz a tranqüilidade, uma vida sem sustos, conceitual e atitudinal) não concorda com o que, no
sem sobressaltos, como diz Demo (2000). mundo contemporâneo, se exige em relação ao perfil
O conhecimento não está estagnado, ele é dinâ- de flexibilidade e autonomia dos trabalhadores, colo-
mico. Seu desenvolvimento, ao longo da história, con- cado pelo mercado de trabalho. Porém, nesse caso,
solidado nos modos de pensar da humanidade, tem- objetivando a produtividade, a educação pode colo-
se orientado pelo paradoxo clausura-abertura. A car aqueles aspectos em função do sujeito, e não so-
ciência, fenômeno marcante da era moderna, cons- mente em função da produtividade.
trói e desconstrói a sua própria construção. Apesar de a interação professor-aluno envolver
Hoje se vivencia um ritmo acelerado de novas a totalidade da natureza humana, os professores, em
descobertas científicas que, em curto tempo, são razão dos princípios da pedagogia tradicional implí-
transformadas em tecnologias integradas ao funcio- citos nas estruturas do sistema e na mentalidade do-
namento da sociedade, requerendo mão-de-obra minante, tendem a ignorar o processo de construção
compatível. Esse fenômeno faz com que o movimen- do conhecimento, suas características paradoxais, in-
to de clausura e abertura seja um movimento cons- certas, diversas e complexas. Nessa interação os pro-
tante, integrado à vida das empresas para que se fessores abstraem a subjetividade; despersonalizam
mantenham competitivas. os alunos, os homogeneízam, priorizando a razão e a

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Akiko Santos

memória. Dá-se, então, a reprodução do sistema, um do coisas’ acerca do seu meio ambiente, ou seja, o
sistema educacional com orientações objetivistas, ra- organismo exerce, a todo momento, uma complexa
cionalistas, uniformizantes, burocratizantes, economi- atividade eferente (i. e. que conduz de ‘dentro’ para
cistas e excludentes. Orientações essas que são ainda ‘fora’)”.
reforçadas pelo horizonte de punição para o qual apon- Cada estrutura cerebral “negocia”, “adapta” e
ta a avaliação classificatória. integra no sistema neuronal a forma de compreen-
são dos fenômenos que a afeta, equacionando se-
Princípio da autopoiese gundo suas próprias características. Assim, todo co-
nhecimento significa reconstrução do conhecimento.
Além dos quatro princípios já citados, mutuamen- Os indivíduos “ouvem” e “vêem” não somente pe-
te implicados (holográfico, transdisciplinaridade, los sentidos, mas também pelo cérebro, pela condi-
complementaridade e incerteza), há ainda um outro, ção estrutural cerebral possível. Segundo Maturana
de suma importância para os professores, e que tam- e Varela (1995, p. 219), “cada pessoa diz o que diz e
bém faz repensar a metodologia de ensino. É o prin- ouve o que ouve segundo sua própria determinação
cípio da autopoiese (autofazer-se), termo empregado estrutural”.
por Maturana e Varela (1995). Em suas pesquisas, De acordo com a concepção tradicional, a percep-
esses pesquisadores concluíram que todo ser vivo é ção é dualística: emissor-receptor. Esse conceito de
um sistema autopoiético, ou seja, que se auto-organi- percepção fundamenta a pedagogia de transmissão de
za e autoconstrói. A idéia de autopoiese relembra, conhecimentos. A percepção é entendida como um fe-
imediatamente, a proposição de Paulo Freire (1997) nômeno de uma só via: de fora para dentro. O conheci-
segundo a qual o conhecimento não se transmite, se mento situa-se fora do sujeito, que precisa memorizá-
constrói. lo para dele apropriar-se. O pressuposto aqui é que o
Na prática do magistério, tal conceito implica conhecimento repassado constitui verdade indiscutível,
recorrer a uma metodologia que estimule os alunos a só restando aos alunos memorizá-lo.
produzir o próprio conhecimento. A função docente Essa prática educacional esvazia o encanto e o
passa a ser de facilitar diálogos com os saberes, res- prazer de aprender, ao separar ser e saber (conseqüên-
peitando-se a diversidade e as características de cada cia da dicotomia cartesiana sujeito-objeto). O saber é
um dos participantes do processo educativo, aceitan- objetivado, coisificado e cobrado por meio das pro-
do-se cada aluno como um ser indiviso, com estilo vas. Essa prática ainda é hegemônica, principalmente
próprio de aprendizagem e diferente forma de resol- nas universidades. Em virtude da estrutura fragmen-
ver problemas. tária de institutos como ilhas de saberes específicos e
O conhecimento resulta do enredamento dos as- fechados em si, os professores não costumam estar
pectos do físico, do biológico e do social, considera- em dia com as construções na área pedagógica.
dos inseparáveis e simultâneos. Tudo o que existe no Aqueles que praticam a pedagogia tradicional
ambiente influencia o ser, que o capta e integra no acreditam (e esperam comprovar por meio das pro-
processo mental de interação e construção. Nesse caso, vas) que as informações repassadas em salas de aula
impõe-se a necessidade de ressignificar, também, o são assimiladas integralmente pelos “bons” alunos
próprio conceito de percepção. (pedagogia bancária ou da domesticação).
Deve-se considerar a percepção como um fenô- Na apropriação do conhecimento, o sujeito, ao
meno constituído por duas vias simultâneas e mobilizar suas características individuais, não man-
interagentes: de fora para dentro e de dentro para fora. tém a fidedignidade da informação. Por isso se diz
Como já foi dito por Assmann (1998, p. 38), “Qual- que todo conhecimento é uma reconstrução do co-
quer organismo vivo está continuamente ‘presumin- nhecimento. Trata-se de uma atividade auto-organi-

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Complexidade e transdisciplinaridade em educação

zativa que produz diferenças em decorrência da di- disciplinaridade constituem um corpo teórico que pos-
versidade do meio, das relações humanas, da carga sibilita o resgate do elo perdido, o sentido do conhe-
genética de cada indivíduo e da sua própria história cimento para a vida.
de vida. Um sistema conceitual que, segundo o próprio
O ser humano aprende tendo por base conheci- Edgar Morin (1997), responsável por essa sistemati-
mentos já estruturados, não apenas conhecimentos zação, no momento em que é lançado ao mundo sofre
objetivos, mas também as sensações, as emoções e as o jogo das ações e interações e segue direções ines-
intuições. A aprendizagem emerge de dentro do su- peradas, muitas vezes até contrárias às intenções dos
jeito cognoscente. Como indica a noção de autopoiese, autores. A esse jogo de ações e interações Morin cha-
o sujeito estabelece relações com o novo na produção ma de “ecologia da ação”, o que significa que o co-
da vida, reestruturando o seu próprio organismo. O nhecimento é dinâmico, mas também sofre o fenô-
novo enreda-se no velho, reestruturando as sinapses meno do “reducionismo”, como ocorreu, por exemplo,
neuronais. com a pedagogia libertadora, que se transformou em
O ser humano é uma organização viva e contex- “método Paulo Freire”, omitindo sua fundamentação
tualizada; um sistema aberto que possui uma estrutu- e sendo preenchida com conceitos da pedagogia tra-
ra própria de auto-regulação e dispõe de um modo dicional, que é o senso comum.
particular de construção, sempre inserido no meio As teorias são construções humanas para inter-
ecológico, com o qual interage e assume compromis- pretar os fenômenos da natureza e conferir sentido à
sos e responsabilidades. existência humana. São sistemas conceituais que têm
Aprendizagem é um processo progressivo em na sua essência a completude (para sua operacionali-
anel retroativo-recursivo que transgride a lógica clás- zação), e também o seu contrário, a incompletude, ou
sica, em direção a um nível cada vez mais integrado seja, uma face aberta à renovação. Elas situam-se num
ao todo. Esse conceito de aprendizagem não visa à terreno movediço, sempre sujeito a incertezas e trans-
acumulação de conhecimentos, mas pretende que os formações. A desagregação, o religar outra vez e o
alunos dialoguem com os conhecimentos, reestrutu- contextualizar novamente são incessantes. Enquanto
rando-se e retendo o que é significativo. Relembran- houver vida no homem, esse processo é interminável.
do as palavras do neurofisiologista Karl Pribram Sua sobrevivência depende dessa capacidade reorga-
(apud Talbot, 1991), o cérebro é um holograma en- nizativa.
volto por um universo holográfico. Aprender é uma As teorias podem transformar-se em paradig-
construção pessoal, autopoiética, interagindo com os mas que norteiam as ações humanas num dado mo-
acontecimentos em volta. mento histórico, porém se defasam quando seus ins-
Assim, educar significa levar os jovens a dialo- trumentos conceituais não mais explicam os
garem com o conhecimento. Cuidar da auto- fenômenos que emergem do desenrolar da vida no
referencialidade por meio da multirreferencialidade. planeta. Portanto, elas serão sempre históricas, di-
Cuidar da unidade por intermédio da diversidade. É nâmicas e provisórias.
um paradoxo? Certamente que sim.
Referências bibliográficas
Considerações finais
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HEISENBERG, Werner. Physics and philosophy: the revolution
in modern science. New York: Harper Torcbooks, 1962. AKIKO SANTOS, doutora em educação pela Universidade
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filosofia, religião e política. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Rural do Rio de Janeiro, atuando no mestrado de educação agrí-
Contraponto, 1996. cola. Publicou recentemente: “Teorias e métodos pedagógicos sob
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1991. a ótica do pensamento complexo” (In: LIBÂNEO, José Carlos;
. As teorias pedagógicas modernas revisitadas pelo SANTOS, Akiko (Orgs.). Educação na era do conhecimento em
debate contemporâneo na educação. In: LIBÃNEO, José Carlos; rede e transdisciplinaridade. Campinas: Alínea, 2005, p. 63-83.);
SANTOS, Akiko (Orgs.). Educação na era do conhecimento em Didática sob a ótica do pensamento complexo (Porto Alegre:
rede e transdisciplinaridade. Campinas: Alínea, 2005. p. 19-63. Sulina, 2003); “Des-construindo a didática” (Revista Universida-

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Complexidade e transdisciplinaridade em educação

de Rural, Rio de Janeiro: UFRRJ, série Ciências Humanas, v. 23, mentaridade dos opostos” (http://www.ufrrj.br/leptrans). E-mail:
n. 1, jan./jun. 2001); “Técnicas didáticas: um novo olhar” (Revis- akiko.santos@gmail.com
ta Comunicações, ano 6, n. 1, jun. 1999). Pesquisa conjunta em
desenvolvimento no Laboratório de Estudos e Pesquisas Trans- Recebido em abril de 2007
disciplinares: “Mente Humana – Clausura-Abertura: a comple- Aprovado em outubro de 2007

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Resumos/Abstracts/Resumens

exposición de varios documentos de Nicolescu), the uncertainty principle pícios da Secretaria de Educação do
organismos internacionales. Discute el (Werner Heisenberg) and that of Distrito Federal. Busca-se aqui superar
papel de la legislación brasileña, el autopoiesis (H. Maturana e F. Varela) a idéia da fotografia como mera ilustra-
impulso que propició a las iniciativas which are integrated in the theory of ção para as análises escritas, conside-
de educación continua en Brasil, los complexity and transdisciplinarity. rando-a fonte histórica que requer uma
problemas que emergieron y las nuevas Key words: education; complexity; construção teórico-metodológica sin-
legislaciones emergentes. transdisciplinarity gular.
Palabras claves: educación continua; Complejidad y transdiciplinalidad Palavras-chave: fotografia; memória;
política de la educación; legislación de en la educación: cinco principios formação de professores; Instituto de
la educación; formación de profesores; para rescatar el eslabón perdido Educação
educación a distancia El artículo discute la potencialidad de Images from a legacy site of the new
algunos principios, elaborados por education: the Rio de Janeiro
Akiko Santos científicos de diferentes áreas, en el Institute of Education in the 30’s
Complexidade e rescate de un sentido del conocimiento This article uses photographic images
transdisciplinaridade em educação: para la vida, el eslabón perdido con la to highlight the key role played by the
cinco princípios para resgatar o elo práctica de su fragmentación. Estos Rio de Janeiro Institute of Education
perdido principios son: principio holográfico as one of the most significant
O artigo discute a potencialidade de al- (David Bohm/Edgar Morin), principio experiential spaces of the New
guns princípios, elaborados por cientis- de complementariedad de los opuestos Education. It deals with a privileged
tas de diferentes áreas, no resgate de (Niels Böhr), principio de legacy site (Nora, 1993) of this reform
um sentido do conhecimento para a transdiciplinalidad (Basarab movement which, as a centre of
vida, elo perdido com a prática de sua Nicolescu), principio de la excellence in teacher education, served
fragmentação. Tais princípios são: incertidumbre (Werner Heisenberg) y as a point of reference for the whole
princípio holográfico (David Bohm/ el principio de la autopoiese (H. country throughout the 1930s. The
Edgar Morin), princípio de comple- Maturana y F. Varela). Estos principios images that were analysed were
mentaridade dos opostos (Niels Böhr), están integrados a la teoría de la published by the periodical Arquivos
princípio da transdisciplinaridade complejidad y transdiciplinalidad. do Instituto de Educação (Archives of
(Basarab Nicolescu), princípio da in- Palabras claves: educación; the Institute of Education) which was
certeza (Werner Heisenberg) e princí- complejidad; transdiciplinalidad launched in 1934 under the auspices of
pio da autopoiese (H. Maturana e F. the Secretariat of Education of the
Varela). Esses princípios estão integra- Sonia de Castro Lopes Federal District. This article seeks to
dos à teoria da complexidade e trans- Imagens de um lugar de memória da surpass the concept of photography as
disciplinaridade. Educação Nova: Instituto de mere illustration for written texts and
Palavras-chave: educação; complexi- Educação do Rio de Janeiro nos anos to regard photography as a historical
dade; transdisciplinaridade de 1930 source that requires a specific
Complexity and transdisciplinarity O artigo utiliza imagens fotográficas theoretical and methodological
in education: five principles for para sublinhar a importância conferida construction.
rescuing the lost link ao Instituto de Educação do Rio de Ja- Key words: photography; legacy;
This article discusses the potential of a neiro como um dos mais expressivos teacher education; Institute of
number of principles, elaborated by laboratórios da Escola Nova. Trata-se, Education
scientists of different areas, for na verdade, de um lugar de memória Imágenes de un sitio de memoria de
rescuing the meaning of knowledge for (Nora, 1993) privilegiado desse movi- la nueva educación: Instituto de
life, a link lost by the practice of mento, servindo de referencial para o Educación de Rio de Janeiro en los
fragmentation. These are the país durante a década de 1930 como años de 1930
holographic principle (David Bohm/ centro de excelência na formação de El artículo utiliza imágenes
Edgar Morin), the principle of professores. As imagens analisadas fo- fotográficas para subrayar la
complementarity of opposites (Niels ram veiculadas pelo periódico Arquivos importancia concedida al Instituto de
Böhr), the principle of do Instituto de Educação, publicado Educación de Rio de Janeiro como uno
transdisciplinarity (Basarab pela primeira vez em 1934, sob os aus- de los más expresivos laboratorios de

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