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Convencimento e Persuasão: um estudo de auditórios 3
o destaque para o caráter superficial ou ma- pela adesão de um auditório faz-se por meios
nipulador de um discurso. retóricos, que Perelman classifica como as-
Segundo Perelman (1993), em sua con- sociação e dissociação de noções: nesse
cepção moderna, uma teoria da argumen- sentido, argumentar é comparar, aproximar-
tação vem retomar e renovar a retórica clás- se ou afastar-se de determinados valores ou
sica, concebida como a arte de bem falar, pressupostos.
falar de modo a persuadir e a convencer, Com efeito, Perelman sustenta que é fun-
retomando a dialética e a tópica, artes do damental conhecer as referências de um au-
diálogo e da controvérsia. Por oposição à ditório, pois serão as bases da argumentação:
demonstração, toda a argumentação é pes- para além dos fatos e das verdades (que o lo-
soal e necessariamente situada. A argumen- cutor supõe como aceitos pelo seu auditório),
tação constitui um local de intersubjetivi- também o conhecimento das presunções de-
dades Persuadir é procurar a adesão intelec- sempenha um papel importante em qualquer
tual de um auditório, estruturando o discurso ato de argumentar. Por presunção, entende-
em função desse mesmo auditório, com vista se aquilo que é aceito como normal pelo au-
à eficácia. ditório.
Conhecer o auditório, conhecer as suas
crenças e valores é, pois, fundamental
2 Estudando o auditório
para o orador: assim, o segundo livro da
Retórica de Aristóteles propõe uma análise Se conduzido pelas vossas promes-
das paixões e emoções do auditório. É tam- sas e aterrorizado pelas vossas
bém o auditório que condiciona a classifi- ameaças, se rejeita o que condenais
cação dos discursos nos três gêneros (de- e abraça o que recomendais; se ele
liberativo, judicial e epidítico). O conheci- se lamenta diante do que apresen-
mento desses valores evitará a petição de tais como lamentável e se rejubila
princípio (falácia que supõe admitida uma com o que apresentais como reju-
tese que se deseja fazer aceita pelo au- bilante; se se apieda diante daque-
ditório): para evitar basear a sua argumen- les que apresentais como dignos de
tação numa petição de princípio, o orador piedade e se afasta daqueles que
terá que conhecer as teses admitidas pelo au- apresentais como homens a temer
ditório. e a evitar (SANTO AGOSTINHO
A retórica está situada no quadro da ar- apud PERELMAN, 1993, p. 32)
gumentação, que se distingue da demons-
tração. A argumentação joga com o É a partir desse discurso, em que Santo
equívoco das línguas naturais (MEYER, Agostinho conseguiu que seus fiéis mu-
1982), permitindo ao auditório a descoberta dassem de atitude, que se pode começar
dos conceitos utilizados e dando-lhe margem (partindo de Perelman) o estudo de uma
de decisão em favor desta ou daquela tese. análise da adesão de idéias por auditórios.
Para Perelman (1993), todo o discurso supõe O “auditório” em questão deve ser enten-
um auditório, já que todo o discurso en- dido simplesmente como o conjunto daque-
volve argumentação e retórica. A procura les a quem um discurso se dirige, aqueles
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dos quais o autor deseja o efeito de adesão. efeito, como a argumentação visa
Perelman & Olbrechts-Tyteca (1958) de- obter a adesão daqueles a quem se
finem o auditório como aquele grupo ou indi- dirige, ela é, por inteiro, relativa ao
víduo que o orador quer influenciar com sua auditório que procura influenciar
argumentação. O auditório não é, então, o (PERELMAN & OLBRECHTS-
conjunto de pessoas que aderiram á idéia a- TYTECA, 1999, p. 24)
presentada, e sim àqueles que simplesmente
tiveram “contato” com o discurso realizado. É o orador quem deve adaptar-se ao dis-
curso, e é por isso que a análise de uma
Quem são aqueles que, no sen- argumentação deve ser vista em função de
tido técnico da teoria da argumen- sua aceitação pelo auditório, a quem a men-
tação, constituem o auditório de sagem é direcionada.. Ainda que o auditório
um orador? Serão todos aque- seja uma criação do orador, uma vez criado,
les que entendem [escutam] o seu é o orador quem depende dele2 .
discurso ou todos aqueles que A tarefa do orador é persuadir ou con-
poderão lê-lo quando ele for publi- vencer o auditório. O bom orador não
cado? Evidentemente que não. (...) seria então nem aquele totalmente apaixo-
Será aquele que é interpelado no nado nem tampouco aquele simples demons-
início do discurso? Nem sempre. trador, inclusive por ser tarefa quase impos-
(...) De fato, o auditório, tecnica- sível delimitar quando começa um e quando
mente, é o conjunto de todos aque- termina o outro, mas sim aquele que se
les que o orador quer influenciar adapta de fato ao tipo de auditório para o
mediante o seu discurso (PEREL- qual se dirige. Por esse motivo é que na pu-
MAN, 1977, p. 237). blicidade é necessário que o texto de adapte
ao tipo de auditório que receberá a men-
Não existe discurso sem auditório, nem sagem, procurando, sempre, uma linha de
que esse seja formado pelo próprio autor construção dos argumentos, seguindo ou a
do discurso. Em outras palavras, o au- persuasão ou o convencimento, o que não
ditório nada mais é que uma construção do quer dizer que uma deva eliminar a outra,
orador/autor àqueles a quem ele visa ganhar e sim, devem se complementar, apenas com
a adesão através de seus argumentos, sem enfoque maior para aquele que se propõe
qualquer definição empírica, sem limitações a atender os objetivos preestabelecidos pelo
específicas, apenas idealizado. É a partir do 2
Como visto, a figura do orador, dependendo do
discurso produzido que se define o tipo de
meio utilizado na expressão, recebe nomes variados:
auditório a quem o orador se dirige. falante, emissor, locutor, autor, etc, assim como a do
auditório recebe o nome de ouvinte, auditor, público,
Esse contato entre o orador e seu etc. Não se levará em conta aqui os termos utiliza-
auditório não concerne unicamente dos e suas variações, e sim seus conceitos no sentido
às condições prévias da argumen- mais amplo, tendo como discurso a própria argumen-
tação, orador/emissor como aquele que emite o dis-
tação: é essencial também para curso (seja qual for o meio) e receptor/interlocutor
todo o desenvolvimento dela. Com aquele à quem o discurso é dirigido.
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emissor da mensagem com relação ao seu posição, e sim uma adesão que leve, conse-
público.. Todo o desenvolvimento da argu- qüentemente, a uma ação.
mentação, desde o ponto de partida, supõe A nova retórica também dá importância
o acordo, o entendimento e o conhecimento para esse duplo efeito da adesão, já que
do auditório. Assim, o estudo dos diversos
auditórios particulares tem grande importân- a argumentação não tem unica-
cia ao orador que pretende ser eficaz em sua mente como finalidade a adesão
argumentação. puramente intelectual. Ela visa,
Na intenção de oferecer um quadro mais muito freqüentemente, incitar à
geral da teoria da argumentação, Perel- ação ou, pelo menos, criar uma
man distingue tipos de auditório que per- disposição para a ação. É essencial
mitem classificar as diferentes argumen- que a disposição assim criada seja
tações, inspirando-se no mecanismo usado suficientemente forte para superar
por Aristóteles na distinção entre os dife- os eventuais obstáculos (PEREL-
rentes gêneros oratórios. MAN, 1993, p. 31)
A variedade de auditórios é infinita e, à
medida que eles determinam a qualidade e São dois os objetivos possíveis que servem
o desenvolvimento da argumentação, temos de base para se verificar se um discurso ar-
também infinitas formas e tipos de argumen- gumentativo será eficaz: ou conseguir do au-
tos. Perelman procura, com base nisso, esta- ditório um efeito puramente intelectual, ou
belecer distinções que permitam discernir os seja, uma disposição para admitir uma tese
auditórios visados por argumentações mais (segundo a intenção do orador) ou provo-
qualificadas – que se propõem ao convenci- car uma ação a realizar imediata ou poste-
mento de seus ouvintes – daquelas menos riormente o objetivo proposto no discurso.
qualificadas – que se limitam à mera per- Logo, com base no critério da tendência para
suasão. Este estudo dos argumentos com re- a ação, pode-se configurar o primeiro como
lação aos auditórios deve ser levado em con- "adesão passiva"e o segundo, como "adesão
sideração no momento da construção de uma ativa” (PERELMAN, 1993). Num e noutro
mensagem publicitária, quando é delimitado caso, porém, sempre está em causa a com-
o enfoque que será dado e ela (ou para o con- petência argumentativa do orador, os méto-
vencimento ou para a persuasão) para que se dos e as técnicas retóricas a que este recorre
possa, então, escolher argumentos mais ou e, de suma importância, o auditório ao qual
menos qualificados que atendam aos obje- ele se refere.
tivos da mensagem. Depois de conhecido o público a quem o
Acima disso, no entanto, Perelman tem discurso vai se dirigir, e da delimitação do
preocupação por aquilo que pode ser tipo de argumento, que poderá se propor en-
chamado de "adesão ativa", ou seja, a idéia tão tanto à uma adesão passiva quando à uma
de que em muitos casos não basta ao orador adesão ativa, é preciso discorrer então so-
levar o auditório a concordar com a sua bre como esse argumento será desenvolvido,
tese (“adesão passiva”), que seria uma dis- se fundamentado em princípios racionais ou
emocionais, aqueles em que a subjetividade
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Referências Bibliográficas
ALVES, M. A. A argumentação filosófica:
Chaïm Perelman e o auditório universal.
Belo Horizonte, MG: [s.n], 2005
Lisboa, I.N.C.M.
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