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Original? O Sétimo Selo ou Noites de Circo passe, a rigor Sorrisos de uma Noite de
Amor; mas Monika e o Desejo, Sonhos de Mulheres, Rumo à Alegria, no máximo um
sub-Maupassant, no tocante à técnica, falemos dos enquadramentos à la Germaine Dulac, dos
efeitos à la Man Ray, dos reflexos n’água como não é mais permitido fazer de tão
ultrapassado: “Não, o cinema é outra coisa” berram nossos técnicos patenteados; e, antes de
tudo, é uma profissão.
Na verdade não! O cinema não é uma profissão. É uma arte. Não é uma equipe.
Estamos sempre sozinhos, sobre o palco como em frente à página em branco. E para
Bergman, estar só, é fazer perguntas. E fazer filmes, é respondê-las. Não saberíamos como ser
mais classicamente românticos.
Com certeza, dentre todos os cineastas contemporâneos, ele é sem nenhuma dúvida o
único a não renegar abertamente os processos caros aos vanguardistas dos anos 1930, que se
arrastam ainda em cada festival de filmes experimentais ou amadores. Mas é mais ousadia da
parte do diretor de Sede de Paixões, porque Bergman destina essa confusão, com perfeito
conhecimento de causa, a outros fins. Esses planos de lagos, de florestas, de plantas, de
nuvens, esses ângulos falsamente insólitos, os contraluzes excessivamente estudados, não são
mais, dentro da estética bergmaniana, brincadeiras abstratas de câmera ou proezas de
fotógrafo: eles integram-se, ao contrário, dentro da psicologia dos personagens ao instante
preciso o qual se trata, para Bergman, de exprimir um sentimento não menos preciso; por
exemplo, o prazer de Monika, atravessando de barco uma Estocolmo que acorda, depois sua
preguiça invertendo o trajeto através da Estocolmo que dorme.
Quando Vadim apareceu, nós o aplaudimos por estar na hora exata quando a maior
parte de seus colegas ainda estava uma guerra atrasados. Quando nós vimos as caretas
poéticas de Giulietta Massina, nós aplaudimos também Fellini, a quem o frescor barroco
trouxe uma boa renovação. Mas, cinco anos antes, o filho de um pastor sueco já havia levado
esse renascimento do cinema moderno ao seu apogeu. Com o quê estávamos sonhando então
quando Monika foi lançado em telas parisienses? Tudo o que nós reprovávamos por não ter
sido feito pelos cineastas franceses, Ingmar Bergman já tinha feito. Monika já era E Deus
Criou a Mulher, mas executado de maneira perfeita. E esse último plano de Noites de
Cabíria, enquanto Giulietta Massina olha fixa e obstinadamente para a câmera, nós havíamos
já esquecido que acontece também na penúltima bobina de Monika? Essa brusca conspiração
entre o espectador e o ator que tanto entusiasma André Bazin, havíamos nós esquecido já tê-la
vivido, com mil vezes mais força e poesia, quando Harriett Andersson, seus olhos risonhos
transbordando aflição voltados para a objetiva, nos tornando testemunhas do nojo que ela
experimenta por optar pelo inferno ao invés do céu?
Um autor verdadeiramente original é aquele que não deixará jamais seus roteiros à
sociedade do mesmo nome. Porque Bergman nos prova que o que é novo é exato, e será exato
o que é profundo. Ou, a profunda novidade de Juventude, de Sede de Paixões, d’O Sétimo
Selo, é de ter, antes de qualquer coisa, uma admirável exatidão de tom. Para Bergman, com
certeza, um gato é só um gato. Mas ele o é por outras tantas razões e esta é a menor das
coisas. O importante é que, dotado de uma elegância moral a toda prova, Bergman pode se
acomodar dentro de não importa qual verdade, mesmo a mais escabrosa (o último sketch de
Quando as Mulheres Esperam). É profundo o que é imprevisível, e cada novo filme de nosso
autor desnorteia constantemente os partidários do precedente. Quando se espera uma comédia,
segue um filme de mistério da Idade Média. O único ponto em comum entre os dois é
comumente essa liberdade incrível de situações às quais Feydeau apontava, como
Montherlant poderia fazer à veracidade dos diálogos, ao momento também de supremo
paradoxo, quando Giraudoux fará a mesma coisa quanto ao pudor. Não é preciso dizer que
esse desembaraço soberano na elaboração do manuscrito se duplica, desde que a câmera
ronrona, em uma mestria absoluta na direção dos atores. Ingmar Bergman, nessse asunto, é o
equivalente a um Cukor ou um Renoir. É verdade que na maior parte seus intérpretes, que
também fizeram parte algumas vezes de sua trupe de teatro, são em geral profissionais
notáveis. Penso sobretudo em Maj-Britt Nilsson, de quem o queixo protuberante e os
biquinhos de desprezo fazem lembrar Ingrid Bergman. Mas é preciso ter visto Birger
Malmsten como jovem sonhador em Juventude, e reencontrá-lo, irreconhecível, como burguês
engomado em Sede de Paixões; É preciso ter visto Gunnar Björnstrand e Harriet Andersson
no primeiro episódio de Sonhos de Mulheres e reencontrá-los, com outro olhar, novas manias,
um ritmo de corpo diferente em Sorrisos de uma Noite de Verão, para se dar conta do
prodigioso trabalho de modelagem que Bergman é capaz a partir desse “gado” do qual falava
Hitchcock.
Ou roteiro contra mise en scène. Será que é isso mesmo? Podemos opor um Alex Joffé
e um René Clément por exemplo, porque é uma questão de talento. Mas quando o talento
chega tão perto da genialidade obtida em Juventude e Noites Brancas, será que é útil dissertar
a perder de vista até saber quem é superior no fim das contas: o autor completo ou o puro
encenador? Talvez sim, afinal de contas, é analisar duas concepções de cinema das quais uma
talvez seja melhor que a outra.
Existem, grosso modo, dois tipos de cineastas. Aqueles que andam na rua de cabeça
baixa e aqueles que andam de cabeça erguida. Os primeiros, para ver o que se passa ao seu
redor, são obrigados a levantar seguida e rapidamente a cabeça, e girá-la às vezes para a
esquerda, às vezes para a direita, abarcando com uma série de olhadelas o campo que se abre
à sua visão. Eles vêem. Os segundos não vêem nada, eles olham, fixando a atenção em um
ponto preciso que lhes interessa. Quando rodarem um filme, o enquadramento dos primeiros
será aéreo, fluído (Rosselini), o dos segundos, medido em milímetros (Hitchcock).
Encontraremos nos filmes dos primeiros uma decupagem sem dúvida disparatada, mas
terrivelmente sensível à tentação do acaso (Welles), e nos filmes dos segundos os movimentos
do aparato, não somente de uma precisão incrível sobre o palco, mas que têm seu próprio
valor abstrato de movimento no espaço (Lang). Bergman faria parte do primeiro grupo, o do
cinema livre. Visconti, do segundo, o do cinema rigoroso.
Enquanto homem do teatro, Bergman admite encenar as peças dos outros. Mas,
enquanto homem do cinema, ele permanece o único mestre a bordo. Ao contrário de um
Bresson e de um Visconti, que transfiguram um ponto de partida que lhes é raramente pessoal,
Bergman cria ex nihilo aventuras e personagens. O Sétimo Selo é menos habilmente encenado
que Noites Brancas, seus enquadramentos são menos precisos, seus ângulos menos rigorosos,
ninguém negará: mas, e aí é o ponto capital da distinção, por um homem de um talento tão
imenso quanto Visconti, fazer um filme muito bom, no fim das contas, é coisa de muito bom
gosto. Ele tem certeza de não se enganar, e em certa medida, é fácil. É fácil escolher as
cortinas mais bonitas, os móveis mais perfeitos, fazer somente os movimentos de aparato
possíveis, se soubermos antes que temos o talento pra isso. Da parte de um artista, se conhecer
bem demais é um pouco ceder à facilidade.