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Por
Ajaan Thanissaro
“Neste caso o bhikkhu ... estando em isolamento, pensa o seguinte: ‘Há pessoas que
vivem a vida em família, desfrutando dos prazeres dos cinco sentidos, que entraram na
correnteza, que retornarão uma vez, que não retornarão. Quanto aos bhikkhus, eles vêm
formas prazerosas precebidas através do olho, ouvem ... cheiram ... saboreiam ... sentem
sensações prazerosas tangíveis através do corpo. Eles usam tapetes e roupas macias. Tudo
isso é adequado. Então porque não deveria a visão, som, aroma, sabor e toque de uma mulher
ser adequado? Estes também são adequados!’ Assim ... comparando uma semente de
mostarda ao monte Sineru, ele dá origem a esta idéia perniciosa, ‘Porque o Abençoado – como
se estivesse com um grande esforço, prendendo o oceano – formulou a primeira regra de
treinamento parajika (contra a relação sexual)? Não há nada de errado com esse ato.’”
“Bhikkhus, estes dois difamam o Tathagata. Quais dois? Aquele que apresenta um
discurso que deve ser inferido como um discurso cujo significado já foi completamente
explicado. E aquele que apresenta um discurso cujo significado já foi completamente explicado
como um discurso cujo significado deve ser inferido ...”
Tendo estabelecido esse ponto, o discurso o ilustra com o símile da cobra, que por seu
turno é uma introdução ao símile da balsa. É importante enfatizar a conexão entre esses dois
símiles pois esta com freqüência não é captada. Muitos leitores superficiais concluem do símile
da balsa simplesmente que o Dhamma é para ser abandonado. Na verdade, um importante
texto Mahayana – o Sutra do Diamante – interpreta o símile da balsa como significando que é
necessário abandonar a balsa de modo a cruzar o rio. No entanto, o símile da cobra argumenta
que o Dhamma tem que ser apreendido; o truque encontra-se em apreendê-lo da forma
correta. Quando este ponto é então aplicado ao símile da balsa, a implicação é um pouco
menos clara: a pessoa deve agarrar-se à balsa de modo adequado para cruzar o rio. Apenas
quando ela chegar à segurança da outra margem, poderá soltar-se daquilo.
A segunda inferência incorreta é que, dado o esmero com o qual o Buda ensina o não-
eu, a pessoa infere que não existe um eu. Essa inferência é tratada de modo menos explícito
neste discurso, embora seja tocada brevemente em termos do que o Buda ensina e como ele
ensina.
Em termos do que o Buda ensina: O Buda de modo explícito afirma que ele não
consegue enxergar uma doutrina de um eu, que, sendo agarrada, não conduza à tristeza,
lamentação, dor, angústia e desespero. Ele não relaciona todas as possíveis doutrinas de um
eu abrangidas por essa afirmação, mas o MN 2 proporciona no mínimo uma lista parcial:
"‘Um eu existe em mim’ ... ‘um eu não existe em mim’ ... ‘eu percebo o eu através do
eu’ ... ‘eu percebo o não-eu através do eu’ ... ‘eu percebo o eu através do não-eu’ ... ‘É esse
meu eu que fala e sente e experimenta aqui e ali o resultado de boas e más ações; mas esse
meu eu é permanente, interminável, eterno, não sujeito à mudança e que irá durar tanto
tempo quanto a eternidade.’ Essas idéias especulativas, se denominam um emaranhado de
idéias, uma confusão de idéias, idéias contorcidas, idéias vacilantes, idéias que agrilhoam.
Aprisionado pelas idéias que agrilhoam, a pessoa comum sem instrução não se vê livre do
nascimento, envelhecimento e morte, da tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero; ela
não se vê livre do sofrimento, eu digo."
Portanto a idéia ‘um eu não existe em mim’ é tanto uma doutrina de um eu quanto a
idéia ‘um eu existe em mim.’ Porque a ação do apego envolve aquilo que o Buda chama de
“fabricação do eu” – a criação da noção de um eu – se alguém for se apegar à idéia de que
não existe um eu, ele estaria criando uma noção muito sutil de um eu em torno dessa idéia,
veja o AN IV.24. Mas, tal como ele diz, o Dhamma é ensinado “para a eliminação de todos os
pontos de vista, decisões, obsessões, adesões, tendências, para silenciar todas as formações,
para abandonar todas as aquisições, para a destruição do desejo, para o desapego, para a
cessação, para Nibbana.”