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8/7/2018 A Wakanda do “Pantera Negra” é um quilombo no espectro planetário de dominação | Revista Fórum

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23 DE FEVEREIRO DE 2018, 22H10

A Wakanda do “Pantera Negra” é um quilombo no espectro


planetário de dominação
Em conversa com Douglas Belchior e Viviane Pistache, representatividade, visão colonizada da África, negritude na diáspora,
táticas políticas em con ito e o privilégio dos isolados em meio à miséria

Por Tomaz Amorim Izabel (https://www.revistaforum.com.br/autor/tomaz/)

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planetário de dominação - https://www.revistaforum.com.br/wakanda-do-pantera-negra-e-um-
quilombo-no-espectro-planetario-de-dominacao/)
Na coluna desta semana entrevistei os intelectuais militantes do movimento negro Douglas Belchior
(http://negrobelchior.cartacapital.com.br/) e Viviane Pistache (http://negrobelchior.cartacapital.com.br/). Aproveito para
convidar o leitor para voltar à coluna na semana que vem, quando Viviane tratará novamente do “Pantera Negra”, mas desta
vez sobre a representação das mulheres no lme.

Tomaz Amorim: Douglas e Viviane, o “Pantera Negra” é um lme de cção cientí ca. Ele diz algo sobre a África de
verdade? Nós estamos acostumados com uma representação colonial que mostra a África como lugar de miséria, de
pobreza. Aí vem este lme e mostra um reino africano rico e cheio de tecnologia. É só fantasia?

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Douglas Belchior: A arte imita a vida, né. É verdade que a África esconde tesouros. A África enquanto continente é uma
Wakanda do ponto de vista da riqueza planetária. É por isso que ela foi sempre violentada, porque os outros queriam o
usufruto das suas riquezas naturais e humanas. Um importante exemplo disso foi a experiência da República de Biafra, muito
bem relatada na obra “Meio Sol Amarelo”, da escritora Chimamanda Ngozi Adichie. O projeto de país que Biafra representou
foi em parte derrotado em função da potência de recursos petrolíferos, assim como se deu em toda a Nigéria, cujas riquezas
naturais são, em grande medida, a razão do massacre que alçou este país à atual condição de miserabilidade tão propalada.

Viviane Pistache: Mas essa imagem de um continente desfavorecido tem sido historicamente questionada no sentido da
sua superação. E esse deslocamento de imaginários proposto no lme tem importantes antecedentes, como a obra do
grande pensador senegalês Cheikh Anta Diop (1923-1986), que revolucionou o pensamento mundial, ao apontar que o Egito
Antigo foi uma civilização negra, abalando assim um racismo cientí co que fora tão bem sedimentado no imaginário
ocidental. No Brasil, também temos publicações que enaltecem a riqueza intelectual do continente africano e dos povos
negros na diáspora, a exemplo da obra “Gênios da Humanidade”, fruto do incansável trabalho de pesquisa do historiador
Carlos Machado. Assim, no sentido de reverter os efeitos nefastos do eurocentrismo na formação na nossa consciência
política, importantes segmentos intelectuais negros têm disputado a construção de novos imaginários sobre negritude,
ocupando espaços seja na linha de frente ou nos bastidores. E desse modo tentar retirar das lentes brancas o arbítrio poder
de de nir o que o negro pode pensar sobre si próprio e reivindicar outras representações imagéticas.

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Tomaz Amorim: Aí entra a questão do Afrofuturismo (https://www.revistaforum.com.br/afrofuturismo-ou-raio-


laser-mais-barato/). A África é pensada sempre como o continente do passado primitivo e a questão do
Afrofuturismo é justo mostrar e imaginar um lugar no futuro para a África, para os africanos e para os africanos na
diáspora. Quando a gente pensa na África, a gente também pensa em tradição, mas no pensamento ocidental isso é
muito separado. Tradição é uma coisa e tecnologia é outra, são coisas opostas. Vocês têm interesse nisso? O que
acham dessa questão tecnológica, a tecnologia de uma perspectiva africana.

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Douglas Belchior: Eu acho esses esforços políticos e artísticos muito importantes. Eu não conheço muito, mas são
segmentos de produção de cultura que podem e devem ser ocupados por uma perspectiva que aborda questões raciais. Eu
acho ótimo, acho que a população negra também tem todo direito de produzir e consumir esses produtos de cultura, de
formular e consumir, não apenas de consumir. São espaços que também precisam espelhar a diversidade do mundo. Agora,
sobre a questão tecnológica da África. A África sempre foi uma reserva de riquezas naturais, mas também da experiência
humana para o mundo. É preciso lembrar que do ponto de vista da produção de vários segmentos do conhecimento, a África
alimentou o mundo. Matemática, Música, Filoso a, Literatura, basta ver, por exemplo, a importância do Egito para a Grécia e

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das próprias cidades gregas no norte da África. A importância indisputável da in uência africana na música popular do
mundo todo: Jazz, Soul, RAP, Rock, Samba, Bossa Nova. A África sempre alimentou o mundo para além do material humano
reduzido ao trabalho compulsório, para além dos seres humanos escravizados mundo afora. A África, assim como Wakanda,
é precursora de avanços tecnológicos, de conhecimentos que foram exportados ou roubados para usufruto do norte racista
e elitista. Então, o lme não é só invenção, mas tem um lastro histórico, um paralelo com a realidade histórica.

Viviane Pistache: No que concerne à discussão sobre Afrofuturismo, o lme faz uma importante sugestão de cunho
político: a suposta História dos Vencedores, tal como conhecemos, é também um atestado de que um projeto político
branco e masculino falhou, pelo menos do nosso ponto de vista, pois só criou e aprofundou desigualdades entre os povos,
violências e múltiplas misérias. O lme teve o mérito de suscitar algumas utopias, como um projeto político que seja africano,
negro, que concilie tradição e modernidade; num encontro profícuo entre ancestralidade e juventude, força física e
sabedoria estratégica, um projeto de governo em que as mulheres são fundamentais e não meras coadjuvantes. Saímos da
sala de cinema com a sensação de que nossos passos vêm de longe, pois como diz a escritora angolana Dya Kasembe: “Entre
as pernas da mulher, correm os caminhos do mundo”. Reconhecemo-nos na luta de Okoye, que bravamente lidera o exército
das Dora Milaje, e em todas as mulheres negras que têm lutado historicamente, ainda que reiteradamente invisibilizadas nas
múltiplas batalhas cotidianas.

(https://www.revistaforum.com.br/wp-content/uploads/2018/02/imagem-3.jpg)
Black Panther 2018, Sun Ra 1974

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Tomaz Amorim: Daí chegamos em uma das questões principais em relação ao lme: representatividade. Os dois
lados da moeda. A gente sabe que a representatividade é fundamental. Para as crianças negras ter um lme de alta
produção de um super-herói parecido com elas é um impacto gigantesco no psicológico. É ele ou ela ali na tela,
nalmente, pela primeira vez. Por outro lado, é a indústria do cinema, é um nicho de mercado, que a indústria foi
forçada a reconhecer, mas é um nicho de mercado. Eu queria que vocês falassem um pouco sobre isso. De uma
perspectiva só afrocentrada, o lme é um grande sucesso. Já de uma perspectiva afrocentrada de esquerda a
questão é mais complexa. O que vocês acham?

Douglas Belchior: Veja, é um lme de Hollywood, é feito para lucro, é um produto formulado para um certo público
dialogando com o momento. Um produtor olha para o mercado e percebe que há demanda por determinado produto, que
há um nicho de mercado que não foi explorado. Então, antes de tudo, esse é o pressuposto do cara. Como não conseguiram
impedir uma certa ascensão, então o Capital fez o que sempre faz, cooptar para que isso possa gerar lucro, sem romper com
a lógica estabelecida. Mas mesmo considerando isso, as coisas são contraditórias, é um lme muito legal, um lme que traz a
África fora do imaginário que temos dela, que eles têm dela, a África como um lugar selvagem e primitivo. Você tem um
lme de longa-metragem de Hollywood, da Marvel, mostrando a África como ponta-de-lança da tecnologia mundial. É uma
narrativa poderosa, que mexe com o imaginário e nós sabemos como o imaginário também é fundamental na política.
Wakanda é uma experiência de autonomia, é um quilombo no espectro planetário de dominação. Após a sequência de
acusações de racismo que a grande indústria cinematográ ca norte-americana tem sido alvo, o debate racial já não pode ser
ignorado. Após dez anos de existência e dezoito lmes, a Marvel aparentemente atingiu alguma maturidade conceitual que a
permitiu experimentar construir um lme que mesclasse entretenimento e debate político.

Viviane Pistache: Uma estratégia usada para a divulgação do lme foi conceber uma imagem do T’Challa o rei de Wakanda,
sentado no trono em trajes de Pantera Negra evocando a icônica foto de Huey P. Newton, cofundador do Partido dos
Panteras Negras, sentado numa cadeira de vime. O militante aparece vestindo a clássica combinação de jaqueta de couro
preto e uma boina, trazendo ainda com ri e numa mão e uma lança na outra, além de estar cercado por artefatos de origem
africana.

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Ademais, é possível perceber que se trata de uma cção cientí ca alimentada por elementos de importantes documentários
lançados recentemente a exemplo de “Eu não Sou Seu Negro”, de Raul Peck e 13ª Emenda, de Ava Duvernay. O resultado
disso é que “Pantera Negra” gura como um lme altamente bem avaliado pela “Rotten Tomatoes”, plataforma norte-
americana que agrega críticas sobre cinema de todo o mundo. Obviamente que vale problematizar até que ponto essas
produções realmente revolucionaram a indústria cinematográ ca; mas é inegável que está em curso uma profunda
transformação no modo como são concebidas as peças criativas, bem como as personagens negras, com histórias
profundamente melhores talhadas. Tudo isso graças ao fato de que cada vez mais aumenta o percentual de artistas e
intelectuais negros bem formados e capacitados para atuar no setor cinematográ co tanto à frente das telas bem como, e

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sobretudo, nos bastidores, que é o coração da produção audiovisual. Apesar da ampliação das oportunidades que se abrem
para os pro ssionais negros, os brancos ainda são os mandatários do processo em todas as etapas, fazendo uso do potencial
revolucionário da linguagem visual reescrita numa perspectiva antirracista para continuar multiplicando suas fortunas.

Tomaz Amorim: A questão da representatividade é sempre política, né? Às vezes, as pessoas e os grupos
interessados em que não se politize nada, para que as coisas sigam como elas estão, acham que a
representatividade se basta em si mesma. Que com mais negros, mulheres e LGBTs em posições de poder, por
exemplo, as coisas vão, por si só, se equilibrar.

Douglas Belchior: O pressuposto de um pensamento libertador descolonizado parte da análise de como o mundo se
estabelece, de como ele funciona, de como essas forças interagem. No mundo moderno, do capitalismo moderno, ele se
cristaliza a partir da posse da riqueza, da tomada da riqueza enquanto propriedade de um grupo. O que a gente viu se
desenvolver no último século e meio foi o desenvolvimento de um sistema planetário que garantiu a partir da opressão o
subjugo dos povos do Sul pelos povos do Norte. Uma superconcentração de riqueza, poder político, econômico e bélico nas
mãos dos povos do Norte, nas mãos daqueles que colonizaram os territórios do Sul e o Novo Mundo. Então, é óbvio que a
representação, do ponto de vista do imaginário, é importante, mas nós partilhamos da ideia daqueles que pensam
descolonização e liberdade a partir do rompimento com esse sistema. É necessariamente uma leitura que reivindica a matriz
de origem racial, que reivindica uma perspectiva do mundo a partir dos olhos e da vida dos povos historicamente oprimidos,
africanos, ameríndios e outros, contestando a maneira como a sociedade está organizada. A representatividade sem esses
valores não serve como um instrumento para libertação, é simples assim. A reivindicação da identidade racial pode ser
explosiva, revolucionária, libertadora. Ou ela pode servir apenas como um souvenir narrativo, como enfeite na fachada de um
shopping. Não basta que os pretos sejam considerados belos se eles continuarem sendo mortos pela polícia e se as mulheres
continuarem sendo estupradas, abandonadas e subjugadas. Não adianta o fato de nalmente haver representação negra nas
novelas e nos comerciais se o povo que produz aqueles produtos jamais vai ter acesso a eles. Então, eu corroboro com a
ideia da valorização da representatividade, mas da luta por uma representatividade que esteja ligada a um projeto de
libertação, de uma representatividade que se dá a partir do rompimento com esse modo de vida do Capital, com o sistema
do superconsumo que para permanecer de pé precisa necessariamente que poucos vivam bem e uma maioria esmagadora
viva mal. Nesse sentido, a representatividade por si só, a representatividade vazia que apenas faz uso dos corpos
desvinculado de projetos, não resolve o nosso problema. O que adianta uma representatividade, uma representação política
que não propõe solução para os nossos problemas? O Fernando Holiday é exemplo disso. É você ter uma gura negra que
não propõe o rompimento, mas que, pelo contrário, retroalimenta o sistema, que oprime seu povo, que muitas vezes presta
serviço ainda mais e ciente para o opressor. É muito mais e ciente um presidente operário à serviço das elites, é muito mais
e ciente um afrodescendente a serviço do privilégio branco.

Viviane Pistache: Este lme certamente vem na esteira do debate puxado por importantes nomes de artistas e diretores
negros tanto nos Estados Unidos e na Europa, que têm interpelado a grande indústria sobre a sub-representatividade negra
histórica neste setor. O conjunto destes eventos, somados ao trabalho incansável de artistas negros, tem contribuído para
que algumas mudanças aconteçam, ainda que muito aquém do necessário. Exemplo disso foi que o constrangimento quanto
à ausência de guras negras em importantes premiações como a do Oscar 2016 gerou repercussões que vão além da
consagração do “Moonlight” (dirigido e protagonizado por negros) como melhor lme no ano seguinte. Vale lembrar o
impacto do discurso da apresentadora Oprah Winfrey na cerimônia de entrega do Globo de Ouro, que escancarou as lacunas
e potências do discurso sobre representatividade negra não apenas na indústria do entretenimento, indo muito além, no
sentido inclusive de apontá-la como possível panaceia para sanar as enfermidades da combalida democracia norte-
americana. Assim, uma mulher negra, que fez carreira na indústria do entretenimento, ao passo que denuncia as
desigualdades de raça e gênero na representatividade no audiovisual, ocupa também um complexo papel de bússola para
uma nação sem rumo. E vale lembrar que Oprah Winfrey compõe o panteão dos novos profetas do Capital, sendo eleita uma
das maiores pensadoras neoliberais da atualidade. Apesar do desconforto de saber que o traje do sistema é uma camisa de
força com estampa neoliberal; dentro das margens opressoras, talvez seja possível considerar que Oprah e um conjunto de
artistas, diretores e empresários negros estejam ajudando a esgarçar alguns limites, colorindo de gênero e raça correntes
ideológicas do entretenimento que são hegemonicamente brancas e masculinas. Se por um lado é sintomático destes
tempos a noção de que devemos nos adaptar ao mundo em mudança, e não mudar o mundo em que vivemos; por outro,
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sujeitos negros no mundo do entretenimento estadunidense nos provocam a atentarmos para os papéis das estruturas
políticas, econômicas e sociais em nossas vidas. Ainda que estejam promovendo o sonho americano como possível; o fazem
exacerbando os ruídos de desigualdades de gênero e raça, que marcaram historicamente uma cidadania de segunda classe
dos/das afro-americanos/as. Assim, é que surge o “Pantera Negra” que a um só tempo tenta implodir e reconstruir este
malfadado sonho em novos termos.

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Tomaz Amorim: Douglas, você gosta de super-heróis? Quando você era mais moleque ou adolescente, você assistia
coisas assim? E a questão racial, tem algum herói de que você lembra ou você sentia falta de uma representação
assim?

Douglas Belchior: Cara, eu fui uma criança que adorava heróis. Mas no meu tempo não tinha nem resquício de um debate
racial relacionado a isso, não tenho lembrança de nenhuma referência de super-herói. Mas também porque eu sempre
acompanhei a indústria da cultura mais de massa, generalizada. Nunca fui um cara que foi procurar quadrinhos especí cos,
desenhos especí cos. Nem tinha esse papo de canal fechado, antes o máximo que tinha era satélite, e não tinha produção
mais especí ca a qual eu tivesse acesso. O máximo que eu consumia fora do padrão do herói americano eram os japoneses.
Então, sim, eu tive heróis que não eram americanos, o Jiban, o Jiraya, o Flashman. Isso também in uenciou na minha geração,
da minha adolescência até os 90, era o que fazia sucesso no mercado fora desse radar da produção americana. Era a
produção dos japoneses, o que não deixava de ser contra-hegemônica. Mas eu sempre gostei, sim, só não tive muita chance
de acompanhar profundamente. Para falar a verdade, acho incrível que agora tem um monte de série. Claro, é uma questão
de mercado, a produção industrial da cultura e do diálogo que o Capital faz com a demanda, mas hoje você entra no Net ix
e eu mesmo estou assistindo umas três ou quatro séries de heróis negros: Nick Cage, Raio Negro, e tudo mais. Eu estou
achando isso lindo!

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Tomaz Amorim: Quando eu saí do lme eu quei me perguntando quem era o verdadeiro vilão da história. Porque o
Killmonger, o vilão, não tem uma pauta parecida com a nossa, de luta internacional, antirracista e de esquerda? Ele
é o cara que quer, com a tecnologia de Wakanda, ajudar libertar os povos oprimidos do mundo. É o caminho da
violência revolucionária. Enquanto que o Pantera Negra, na tradição da família real, quer conservar a situação em
Wakanda e proteger seu povo. Quem é o vilão do lme para vocês?

Douglas Belchior: Vou te dizer que o que me incomodou no lme, mas tem razão de ser, é o fato de que os vilões são
invisíveis, eles quase não aparecem no lme. O que aparece são as vítimas dos grandes vilões do planeta disputando um
entendimento, uma narrativa, uma compreensão do mundo. Desse modo, os verdadeiros vilões seguem imunes, com os
pescoços seguramente blindados e confortáveis em colarinhos brancos; ao passo no campo das lutas antirracistas, bem
como as de esquerdas, feministas ou das questões lbgtqias e tantas outras, eventualmente perdemos com o narcisismo das
pequenas diferenças, que cria fraturas entre nós que acabam por fortalecer o “status quo”.

Viviane Pistache: Na contramão disso, o lme apresenta poderosas metáforas: Apesar de atuarem em campos ideológicos
distintos, tanto Killmonger quanto o Pantera Negra apresentam projetos políticos para emancipação e fortalecimento dos
povos pretos na diáspora. Tendo em vista que as ações de Killmonger são fortemente informadas pela noção de pan-
africanismo, é complexo rotulá-lo de vilão numa acepção simplista. Ele está muito mais para antagonista, um espelho diante
do qual é possível re etir de modo mais acurado, a face do protagonista desta história. Obviamente que houve uma aposta
na trama de vilanizar algumas de suas ações, destacando posicionamentos equivocados ou violentos para enfraquecer, em
alguma medida, o o de empatia que o espectador cria com ele. Mas, no geral, a posição ideológica de Killmonger
complementa, amplia e enriquece a do Pantera Negra.

Tomaz Amorim: As duas posições, a do Pantera Negra e a do Killmonger, são legítimas?

Douglas Belchior: Sim, são duas compreensões extremamente legítimas. A do Pantera é daquele que quer preservar seu
povo e que percebe a África como ela é de fato. A África não é uma coisa só, não é país de um povo, não é uma língua, não é
uma etnia, mas é uma diversidade gigantesca. A África como continente é composta por povos diferentes entre si, culturas,
religiões, matrizes e que por causa dessas diferenças sempre lutaram, sempre se indispuseram, como em outras regiões do
mundo. Essas diferenças são parte da cultura e da história da África. Tem uma cena muito simbólica do Pantera Negra
conversando com o Killmonger, quando ele diz: “O mundo está repleto de milhões de negros, de pessoas parecidas com a
gente, e vocês, com tudo isso aqui, nunca zeram nada. É o nosso povo”. E o Pantera responde: “Não, não é o nosso povo, o
nosso povo é esse aqui, esse é o meu povo”. E os dois têm razão. Os dois são heróis a partir das suas histórias e dos seus
pontos de vista. Mas os dois são vítimas de um sistema. O Pantera é rei da sua tribo, então ele a defende e, em última
instância, ele está certo nisso, tem razão de ser. E o outro, que é fruto da diáspora, da violação da diáspora, está correto
também, a partir de uma visão pan-africanista de que somos todos um povo africano e que, portanto, essa unidade é
necessária para a libertação.

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Viviane Pistache: Apesar das diferenças que existem quanto aos posicionamentos destes personagens, é possível encontrar
pontos de convergências entre ambos. Por exemplo: A perspectiva de T’Challa, o protagonista de Pantera Negra, em alguma
instância é informada pelo sentido de africanidade na obra de Frantz Fanon, uma vez que a centralidade da África para
Fanon é de tal ordem, que acaba sendo não é apenas um tema, mas é o ponto de partida, a matéria, o sumo, o coração de
suas proposições teóricas e de ação política. Curiosamente, é possível dizer que o personagem de Killmonger também é
informado pelo legado de Fanon, no que concerne a possibilidade de adoção de ações violentas como estratégias de
autodefesa e luta por parte do colonizado.

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Tomaz Amorim: A leitura de uma África única já é resultado da leitura colonial da África. Mas ela também tem algo
de libertária em um contexto de exploração global. E é esta leitura ao mesmo tempo colonial e libertária que o
Killmonger traz?

Douglas Belchior: É curioso. Ele é o antagonista que leva a leitura colonialista da África para dentro daquela comunidade.
Mas existe um sentido teórico, no sentido de um Steve Biko ou de um Frantz Fanon, de que somos todos um povo, de que
deveríamos todos ter uma consciência negra. Somos todos africanos da diáspora, alvos da mesma opressão e é isso que nos
uni ca. Se somos diversos na África, somos um povo só fora da África, alvo da violação histórica e do racismo estrutural.
Então os dois são heróis do seu ponto de vista e da sua realidade. Ambos, oprimidos pela hegemonia racial branca e
capitalista do mundo.

Viviane Pistache: Apesar de Wakanda ter conotações paradisíacas, está plantada num mundo condenado pela tragédia da
escravidão; secularmente alimentado pelos múltiplos frutos da violência, seja física, psíquica, ideológica, simbólica, estrutural
etc. Não por acaso, a armadura do Pantera Negra absorve a violência que lhe é desferida para se tornar mais forte, numa
leitura incrível do que vem a ser resiliência. Ao passo que Killmonger, à semelhança de Malcom X, rede ne a violência como
estratégia de luta, depois de ser reiteradamente violentado. É comovente a cena entre Killmonger criança e seu pai na
dimensão ancestral: “Filho, você não vai derramar uma lágrima por mim? Não pai. Aqui morre-se muito todos os dias”. Com
diálogos dessa envergadura, o lme, apesar de ser um “blockbuster”, abre espaço para re exões sobre a necropolítica que
enseja o genocídio da população negra. É uma narrativa que infelizmente soa completamente familiar para nós, brasileiros.
Não por acaso, em entrevista ao jornal O Globo, Michael B. Jordan que deu vida ao Killmonger, revelou que um dos
exercícios para a construção do personagem foi um aprofundado estudo sobre o lme “Cidade de Deus”. Mas tendo em vista
que a violência é também prerrogativa do imperialismo, Killmonger não tem como negar sua condição de negro
estadunidense. As marcas que carrega na pele certamente remetem às cicatrizes das tatuagens dos povos Mursi e Surma na
Etiópia; mas são ao mesmo tempo, sinais que comprovam que Killmonger é uma e ciente máquina mortífera construída pelo
sistema bélico estadunidense.

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Tomaz Amorim: Mas a nossa visão, de brasileiros, acaba sendo a visão da diáspora, não é?

Douglas Belchior: Nós que somos negros da diáspora temos di culdade em perceber o que é a realidade africana. A gente
percebe isso muito nos africanos que vêm para cá, quando alguns deles preferem não se meter nos nossos problemas raciais.
Porque para eles parece que não tem nenhum sentido, já que lá cada povo é um povo. Na lógica deles não tem nenhum
sentido dizer que “somos uma coisa só” porque lá quem oprime os pretos são eles próprios. Então, a nossa discussão aqui
não tem nada a ver com disposição na realidade deles. É contraditório, mas também tem um potencial crítico: a nossa leitura
de negros da diáspora, quando entendemos que somos todos um povo africano, vítimas do racismo e do capital no mundo,
é uma leitura colonizada. É uma leitura fruto da opressão colonizadora e de alguma maneira essas duas visões se opõem no
lme. A visão africana de quem não foi colonizado e a visão por assim dizer pan-africana (no sentido de pan-africanista de
esquerda do Fanon, de N´Krumah e das lideranças revolucionárias internacionalistas nas lutas por independência na África),
que é uma visão “colonial” da realidade dos negros. No lme, os africanos não colonizados ganham. O Pantera Negra mata o
Killmonger, mas vai acertar contas com seus ancestrais concordando com ele de certa forma. Ele diz: “Poxa, vocês erraram,
vocês deviam ter cuidado do mundo”. Ele volta, mata o rapaz, garantindo assim a vida e a defesa do seu povo, mas termina o
lme falando na ONU que seus antepassados erraram e que, sim, eles deveriam dali para frente construir um mundo melhor,
construir pontes. Ou seja, é a leitura do negro que viveu a experiência da colônia e que, a partir disso, enxerga uma saída
comum para o problema do mundo atual.

Viviane Pistache: É necessário pontuarmos que sendo este lme um produto da indústria do entretenimento, está
completamente desobrigado de ser um tratado sobre o pensamento africano na atualidade. No entanto, “Pantera Negra”
acabou suscitando re exões sobre alguns conceitos bem caros à intelectualidade negra mundo afora. Assim, noções como
imperialismo, colonialismo, neocolonialismo, consciencismo, pan-africanismo, pan-negrismo, pós-colonialismo,
descolonialismo, afropolitanismo, diáspora, dentre outras, podem ser levemente pinceladas ao longo da trama. Tendo em
vista o extenso e complexo o histórico que envolve cada um destes conceitos, certamente que nas poucas linhas que nos
cabe aqui, não daríamos conta de contemplar a monumentalidade deste debate teórico. No entanto, seria importante ao
menos apontar estas pistas conceituais para quem quiser aprofundar o entendimento desta obra fílmica.

Tomaz Amorim: Para além da disputa entre uma visão plural da África a partir da África e de uma leitura uni cadora
da África vista a partir de fora, o lme também coloca uma disputa de métodos, de tática de ação. Não sei se você
concorda, mas para um lme de super-heróis ele coloca a questão de um jeito muito matizado. Parece que tem ali
tradições de pensamento e posturas em embate, sem que apenas uma tenha razão total. Como você vê esse aspecto
mais diretamente político do lme em relação às lutas negras?

Douglas Belchior: Considerando o pano de fundo do lme, não é a revolução, obviamente, mas dentro dos limites que
estão estabelecidos o lme traz mensagens que são muito importantes. É como nessa analogia fazem entre o Professor
Xavier e o Magneto dos X-Men com as ideias do Martin Luther King e do Malcolm X, em que pesem as diferenças e
discordâncias, ambos são muito importantes historicamente na luta do povo negro. Diálogo e negociação quando é
necessário, e radicalização quando é necessária. Entre as posições do Pantera Negra e do Killmonger, qual seria então o
caminho da solução para os nossos problemas e para a mudança efetiva na realidade? Isso ca a cargo da análise, do
segmento de pensamento que cada um vai fazer, mas tem muita mensagem ali que não é nem subliminar, mas explícita.
Quando o Killmonger se aproxima do Pantera Negra pela primeira vez e faz a cobrança de que há muitos parecidos conosco
que morrem todos os dias, que são oprimidos, é uma denúncia forte. É o Malcom X brigando com Luther King quando ele diz
para ele: Você ca negociando, oferecendo a outra face, querendo compor um mundo com os assassinos do nosso povo.
Então, tem muito sentido nessa cobrança. Quando na hora da morte ele diz: “Jogue o meu corpo no oceano. Como todos os
meus ancestrais que pularam dos barcos porque sabiam que a morte era melhor do que o cativeiro”, é muito pesado. É uma
referência direta à escravidão e às consequências da escravidão. Outra coisa triste, mas que tem que ser dita, é que o lme
também mostra como quase sempre aqueles que buscam lutar com mais radicalidade são levados à morte. A mensagem é
que o radicalismo é ine ciente, que no nal ele perde. O radical não se apresenta como uma solução, embora ele tenha razão
na pauta dele. En m, parece que não existe uma única solução no nal do lme. Os moderados sucumbem a uma

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8/7/2018 A Wakanda do “Pantera Negra” é um quilombo no espectro planetário de dominação | Revista Fórum

determinada demanda dos radicais, mas não são os radicais que a levam a cabo, eles morrem. A pauta deles é incorporada e
levada adiante pelos moderados, por assim dizer. Então, são questões complexas que o lme coloca, é uma contribuição de
re exão muito grande, muito bonita, muito poderosa, muito pertinente para o momento.

(https://www.revistaforum.com.br/wp-content/uploads/2018/02/imagem-7.jpg)

Tomaz Amorim: Mas também é possível pensar que o lme critica Wakanda. É a pauta do Killmonger, Wakanda
como um mundo de privilegiados cercado de miséria. É difícil pensar nessa metáfora historicamente do ponto de
vista racial. Nos EUA talvez dê mais, lá eles têm uma pequena elite negra, já tiveram um presidente negro, etc. É
interessante como o lme inverte, coloca o reino africano como um lugar de privilegiados que pode contribuir com o
resto do mundo. Mas a crítica, em sentido histórico, serviria mais aos Europeus que vão se fechando na sua
fortaleza, ignorando os refugiados que suas políticas externas produzem. Ou os EUA, com Trump, que quer fechar o
país com muros. Isso tudo é muito presente no Brasil de maneira complexa. O que você acha?

Douglas Belchior: O lme deixa uma provocação, é possível olhar para as relações internacionais e pensar nas experiências
dos países que propuseram algum tipo de rompimento com a lógica mundial estabelecida. É possível uma ilha de privilégios
cercada por um deserto, cercada pela miséria, pela fome e pela desigualdade? Nesse sentido, o internacionalismo é uma
necessidade. No lme, o Rei e a tradição daquele lugar tentam de se proteger através do auto isolamento, ignorando as
mazelas do mundo, mas é também por ignorá-las que eles acabam rea rmando e reforçando elas até o ponto em que elas se
voltam contra eles. A ideia do nacionalismo e do isolacionismo, das políticas de “autoproteção” dos países, sempre geram
uma contrarreação. Os Estados Unidos, a grande potência mundial, é superprotecionista, só pensa em si e oprime as demais
nações do mundo. A mesma coisa com o comunismo nacional na Rússia. Não é possível um país que consiga se sustentar
cercado de inimigos. É preciso compartilhar soluções, é preciso pensar o todo, não é possível permanecer por muito tempo
alheio às desigualdades do entorno. Acho que é isso que ca do lme, não é? Se eu acumulo muita riqueza aqui enquanto ao
meu redor só tem pobreza naturalmente eu vou ser alvo legítimo da insatisfação e do ódio. O Rio de Janeiro é um exemplo
disso, dessa riqueza que é cercada de pobreza. Ela nunca vai dormir tranquila, vai sempre precisar de guarda. A cobrança que
de alguma forma é feita de Wakanda serve a todos, serve para a classe média negra americana, para a esquerda no Brasil,
serve para todos aqueles que acham que é possível viver com tranquilidade em meio ao mundo em caos. Não é possível.

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