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administrativos discricionários*
The judicial review of
administrative acts discretionary
Carolline Leal Ribas**
Gustavo Almeida Paolinelli de Castro***
RESUMO
Por muito tempo, os atos administrativos discricionários foram vistos
como intangíveis à análise do Judiciário no que se refere ao mérito, ou
seja, aos critérios de conveniência e oportunidade do administrador. Com
fulcro nesse entendimento, entendia-se que o julgador apenas poderia
adentrar ao exame de legalidade do ato, de forma a verificar se foram
obedecidos os critérios formais imprescindíveis à sua elaboração. Todavia,
essa discricionariedade ampla concedida ao administrador dava margem
a abusos de poder, interesses pessoais, omissões, injustiças e corrupção.
*
Artigo recebido em 4 de janeiro de 2012 e aprovado em 7 de junho de 2012.
** Pós-graduanda em direito público pela PUC-Minas. Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: carollinelr@hotmail.com.
*** Professor orientador, doutorando e mestre em direito público (PUC-Minas). Especialista
em direito constitucional — Universidade Castilla La-Mancha (Espanha-2006) e em direito
constitucional (Cumih). Graduado em Direito — Universidade Fumec (2003). Professor de
graduação do Centro Universitário Uni-BH. Sócio-diretor do Escritório Paolinelli de Castro
Advogados Associados. Membro pesquisador do Núcleo Jurídico de Políticas Públicas
(Nujup). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais,
Brasil. E-mail: gustavopaolinelli@gmail.com.
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Palavras-chave
Ato administrativo discricionário — mérito — constitucionalização do di
reito administrativo — princípios constitucionais — controle jurisdicional
ABSTRACT
For a long time, the discretionary administrative actions were seen
as intangible analysis of the judiciary as to the merits, i.e., the criteria
of convenience and opportunity of the administrator. With this core
understanding, it was believed that the judge could only enter the exa
mination of the legality of the act in order to see if we followed the formal
criteria essential to its development. However, the wide discretion granted
to the administrator gave rise to abuses of power, personal interests,
omissions, injustice and corruption. Thus, they became more necessary
control measures in order to curb the practice of acts unrelated to the
public interest and against the interests of a democratic state. To this end,
entrusted to the judiciary the power to exercise greater control of these
acts in order to effectively guarantee the law that was enshrined in the
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Keywords
Discretionary administrative act — merit — constitutionalization of
administrative law — constitutional principles — judicial review
1. Introdução
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1
Verdú apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 66.
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O Estado, uma vez constituído, realiza os seus fins por meio de três
funções em que se reparte a sua atividade: legislação, administração
e jurisdição. A função legislativa liga-se aos fenômenos de formação
do direito, enquanto as outras duas, administrativa e jurisdicional,
se prendem à fase de sua realização. Legislar (editar o direito posi
tivo), administrar (aplicar o direito de ofício) e julgar (aplicar a lei
contenciosamente) são três fases da atividade estatal, que se completam
e se esgotam em extensão.4
2
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Manda
mentos, 2002. p. 62-63.
3
Ibid., p. 63.
4
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 8. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2010. p. 3.
5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São
Paulo: Atlas, 1991. p. 15.
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Assim, pode-se dizer que no Estado liberal o direito foi visto como uma
ordem, um sistema fechado de regras, visto que as leis, uma vez gerais e
abstratas, garantiam os direitos subjetivos de cada indivíduo.6
Foi nesse contexto que se consagrou o princípio da legalidade, vez que
ninguém poderia ter sua liberdade restrita senão em virtude de lei.7
Como consequência, a administração pública se vinculava à legalidade
em sentido estrito, podendo fazer tudo o que a lei não lhe proíba, o que restou
conhecido como “vinculação negativa da Administração”.8
Desse modo, naqueles pontos não regulados pela lei poderia o poder
público atuar conforme sua discricionariedade, a qual era considerada um
campo insusceptível de controle judicial.9
O Poder Judiciário, por sua vez, se limitava a dirimir conflitos inter
particulares ou entre estes e a administração, adequando o caso concreto à
vinculação ao sentido literal da lei.10
No sistema brasileiro, o período liberal foi marcado pela Constituição
de 1891, a qual estremou o papel do Legislativo na função de elaborar as leis,
bem como o papel da administração, dando-lhe amplo poder discricionário,
apenas podendo sofrer limites expressamente previstos em lei.11
O cenário liberal, entretanto, passou por sérias alterações e críticas,
vez que esse paradigma não era mais suficiente para garantir os direitos e
liberdades dos indivíduos.
Assim, tornou-se necessário uma maior intervenção do Estado, como
meio de superar o individualismo e proporcionar uma ampliação dos direitos
sociais.12
6
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,
2002. p. 57-58.
7
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, op. cit.,
p. 15.
8
Ibid., p. 19.
9
Ibid.
10
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, Direito constitucional, op. cit., p. 57.
11
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 29-30.
12
Diaz apud Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco,
Curso de direito constitucional, op. cit., p. 68.
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13
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 231.
14
CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito constitucional. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2008. p. 82-83.
15
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 29.
16
Ibid., p. 29-31.
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17
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, op. cit.,
p. 27.
18
Ibid.
19
Ibid., p. 28.
20
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet BRANCO, Curso
de direito constitucional, op. cit., p. 69.
21
Diaz apud Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet
BRANCO, Curso de direito constitucional, op. cit., p. 69.
22
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da cons
trução do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 39.
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Ibid., p. 37-39.
24
Constituição Federal de 1988: “Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Demo
crático de Direito e tem como fundamentos: I — a soberania; II — a cidadania; III — a
dignidade da pessoa humana; IV — os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa; V — o
pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
25
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 29.
26
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, op. cit.,
p. 34.
27
Ibid.
28
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia
e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 70.
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29
Constituição Federal de 1988: “Art. 2o São Poderes da União, independentes e harmônicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
30
CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito constitucional. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2008. p. 169.
31
Lênio Luiz Streck, Hermenêutica jurídica e(m) crise, op. cit., p. 59.
32
Ibid., p. 55-57.
33
Ibid., p. 39-40, 55.
34
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. O triunfo
tardio do direito constitucional no Brasil. Jus Navegandi, Teresina, ano 10, n. 851, p. 3, 1o nov.
2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547>. Acesso em: 5 jun. 2012.
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35
BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Con
sultor Jurídico, São Paulo, p. 2, 2008. Disponível em: <www.conjur.com.br/ 2008-dez-22/judi
cializacao_ativismo_legitimidade_democratica>. Acesso em: 1o out. 2011.
36
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de
direito constitucional, op. cit., p. 166.
37
Constituição Federal de 1988: “Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXV — a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
38
Foi nesse contexto que surgiu a denominação “ativismo judicial”. Para Barroso, a “ideia de
ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na
concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação
dos outros dois Poderes”. BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legi
timidade democrática, op. cit., p. 4. Tal concepção destaca justamente a confiança que se
depositou à nova magistratura como meio de se resgatar as promessas inseridas na Consti
tuição. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco,
Curso de direito constitucional, op. cit., p. 80.
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Essa discussão, entretanto, não pode ser levada adiante sem uma aná
lise do ato administrativo discricionário, conforme a seguir, posto que objeto
indispensável à compreensão dessa contenda.
39
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 212.
40
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010. p. 48.
41
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
p. 172.
42
Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle jurisdicional, op. cit., p. 9, 17.
43
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 10. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003. p. 103.
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44
Moreira Neto apud GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 91.
45
Moreira Neto apud ibid.
46
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 213.
47
Ibid., p. 213-214.
48
Ibid., p. 214-215. A autora ressalva que há hipóteses em que se permite exame discricionário
do ato. São os casos em que a lei prevê mais de um meio de se praticar um mesmo ato, como,
a exemplo, a ciência do interessado, podendo ser, quando a lei permitir, dada por meio de
publicação ou de notificação direta. Logo, apesar de haver previsão em lei, o agente é que irá
optar pela forma mais adequada in casu.
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49
ZIMMER JÚNIOR, Aloísio. Curso de direito administrativo. 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico,
2009. p. 189.
50
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 392.
51
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 215.
52
Celso Antônio Bandeira de Mello, Discricionariedade e controle jurisdicional, op. cit., p. 92-94.
53
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 215.
54
Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, op. cit., p. 430. Carvalho Filho,
todavia, entende que “a discricionariedade não pressupõe imprecisão de sentido, como ocorre
nos conceitos jurídicos indeterminados, mas, ao contrário, espelha a situação jurídica diante
da qual o administrador pode optar por uma dentre várias condutas lícitas e possíveis”. José
dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, op. cit., p. 37.
55
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 216.
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56
José dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, op. cit., p. 91.
57
Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, op. cit., p. 158.
58
Miguel Seabra Fagndes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, op. cit., p. 92.
59
José dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, op. cit., p. 34.
60
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 212.
61
José dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, op. cit., p. 35.
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62
PEGORARO, Luiz Nunes. Controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários.
Campinas, SP: Servanda Editora, 2010. p. 114.
63
Súmula no 473 do STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos
os casos, a apreciação judicial.
64
Luiz Nunes Pegoraro, Controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, op. cit., p. 72.
65
Há de se destacar que princípios e regras são normas jurídicas. Para Canotilho, os princípios
“são normas jurídicas impositivas de uma otimização, compatíveis com vários graus de
concretização, consoante os condicionalismos fáticos e jurídicos”. CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 167. Continua o respeitável
doutrinador: “são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo
com as possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo
em termos de tudo ou nada; impõem a otimização de um direito ou de um bem jurídico,
tendo em conta a reserva do possível, fática ou jurídica”. Ibid., p. 534. Já as regras “são normas
que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou
não é cumprida”. (Ibid., p. 167-168). As regras correspondem a determinações no campo do
possível fático e juridicamente, de modo que, uma vez válidas, se exige o seu cumprimento
pleno, não podendo o agente fazer mais nem menos do que elas obrigam, Alexy apud
PEDRON, Flávio Quinaud. Algumas considerações sobre a interpretação de Robert Alexy
sobre a tese da única resposta correta de Ronald Dworkin. Âmbito Jurídico, Rio Grande, n. 19,
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e mérito, vez que, além do fato de estar em conformidade com a lei, deve-se
buscar a conveniência e oportunidade em prol do interesse público.70
Com efeito, a doutrina e a jurisprudência vinham adotando o posicio
namento de que se o Judiciário analisasse o mérito haveria infringência à
separação dos poderes. Veja-se o entendimento empossado na clássica obra
de Fagundes: “Ao Poder Judiciário é vedado apreciar, no exercício do controle
jurisdicional, o mérito dos atos administrativos. Cabe-lhe examiná-los, tão
somente, sob o prisma da legalidade”.71
Entretanto, esse paradigma vem sendo questionado e caindo em desuso,
principalmente no contexto da constitucionalização do direito administrativo,
o qual passou a considerar princípios constitucionais como imprescindíveis à
prática de qualquer ato administrativo, conforme será demonstrado a seguir.
O conceito de mérito, bem como de discricionariedade, não permaneceu
estático ao longo do tempo. Na modernidade, no conhecido estado democrá
tico de direito, os conceitos de legalidade e de mérito são analisados em con
junto,72 vez que os aspectos do mérito devem guardar respaldo nos ditames
do princípio da legalidade em sentido amplo.
Assim, não há mais, tecnicamente, uma dicotomia entre mérito dos atos
discricionários e legalidade, visto que “o antigo mérito do ato administrativo
sofre, assim, um sensível estreitamento, por decorrência desta incidência
direta dos princípios constitucionais”.73
Nesse sentido, afasta-se qualquer contradição entre mérito e legalidade,74
já que os critérios de conveniência e oportunidade devem observar não apenas
a legalidade em sentido estrito, como também aos princípios constitucionais.
Conforme demonstrado no início do presente estudo, a tendência é
ampliar o conceito de legalidade, abrangendo o ideal de justiça embasado no
direito, o que deu ensejo ao princípio da legalidade latu senso. Percebe-se que
nesse contexto de constitucionalização do direito administrativo, já tratado,
os princípios constitucionais foram incluídos no conceito de legalidade em
sentido amplo, dentre eles, ressalta-se o princípio da razoabilidade e da
proporcionalidade.75
70
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 216.
71
Miguel Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, op. cit., p. 179.
72
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 30.
73
Gustavo Binenbojm, Uma teoria do direito administrativo, op. cit., p. 71.
74
Luiz Nunes Pegoraro, Controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, op. cit., p. 110.
75
Segundo Mello, o princípio da razoabilidade estabelece que o administrador deve agir confor
me os critérios aceitáveis do ponto de vista racional, ou seja, conforme a maioria da população
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faria. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, op. cit., p. 108. Com
efeito, excluem-se, por serem consideradas ilegítimas e jurisdicionalmente inválidas, as con
dutas desarrazoadas, bizarras ou inconvenientes, eis que ao contrário do senso normal das
pessoas equilibradas. Assim, referido princípio cifra-se na proibição do excesso, o que limita
a conduta do administrador, e, por consequência, confere ao julgador a possibilidade de
adequação, no caso concreto, do fim eleito e os meios em razão do qual o ato fora praticado.
Luiz Nunes Pegoraro, Controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, op. cit.,
p. 117. Pelo princípio da proporcionalidade entende-se que as condutas administrativas
somente podem ser “validamente exercidas na extensão e intensidade correspondentes ao
que seja realmente demandado para o cumprimento da finalidade de interesse público a que
estão atreladas”. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, op. cit., p.
110. Ato contínuo, as condutas desproporcionais ao que fora exigível em lei são consideradas
ilegais e inadequadas, o que permite que o Judiciário as anule ou as invalide por ofensa à
Constituição. Ibid.
76
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE no 410.715/AgR/SP. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário.
Relator ministro Celso de Mello, j. 22/11/2005. Diário de Justiça, Brasília, DF, 10 dez. 2005.
Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia /pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso
em: 1o out. 2011.
77
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Jurisprudência. AC no 70021811302. Des. Adão
Sérgio do Nascimento Cassiano. DJ, Porto Alegre, 15 abr. 2008. Disponível em: <www.tjrs.jus.
br/busca/?tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7
a%2520do%2520RS.(TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o|TipoDecisao%3Amo
nocr%25C3%25A1tica|TipoDecisao:null)&t=s&pesq=ementario.>. Acesso em: 11 nov. 2011.
78
Luiz Nunes Pegoraro, Controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, op. cit., p. 115.
79
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 30.
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80
FARIA, Edimur Ferreira de. Controle do mérito do ato administrativo pelo Judiciário. Belo
Horizonte: Fórum, 2011. p. 156.
81
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 29-31.
82
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, op. cit.,
p. 125.
83
ARENHART, Sergio Cruz. As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Poder
Judiciário. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 777, 19 ago. 2005. Disponível em: <http://jus.
rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 268, p. 83-116, jan./abr. 2015
CAROLLINE LEAL RIBAS, GUSTAVO ALMEIDA PAOLINELLI DE CASTRO | O controle jurisdicional dos atos... 103
com.br/revista/texto/7177/as-acoes-coletivas-e-o-controle-das-politicas-publicas-pelo-poder-
judiciario>. Acesso em: 1o out. 2011. Sem adentrar ao mérito do controle de políticas públicas,
eis que, na oportunidade, não consiste no objeto central, cumpre salientar que tanto a doutrina
quanto a jurisprudência vêm admitindo maior controle, desde que se verifique alguma lesão
a direitos individuais e/ou coletivos. Esclarece o ministro Celso de Mello (Informativo no
345/2004) que a atribuição de instituir e formular políticas públicas constitui um encargo
excepcional do Poder Judiciário, eis que inerentes aos Poderes Executivo e Legislativo.
Assim, tal incumbência apenas ocorre quando os órgãos estatais descumprirem políticas
administrativas ou deixarem de adotar medidas impostas na Constituição, sob o fundamento
da “reserva do possível”, cabendo ao magistrado, nessas hipóteses, efetivar e concretizar
os direitos e garantias estampadas na Constituição (mínimo existencial). BRASIL. Supremo
Tribunal Federal, RE no 410.715/AgR/SP, op. cit.
84
MOTA, Marcel Moraes. Racionalidade e discricionariedade administrativa. Conpedi, Brasília,
n. 20, p. 5639, 21/22 nov. 2008. Disponível em: <www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/
brasilia/12_178.pdf>. Acesso em: 5 jun. 2012.
85
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Controle judicial da administração pública, da legalidade estrita à
lógica do razoável. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 61.
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104 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o
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86
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp no 429.570/GO. 2. T. Relatora ministra Eliana
Calmon. Diário de Justiça, Brasília, DF, 22 mar. 2004. Disponível em: <www.stj.jus.br/SCON/>.
Acesso em: 1o out. 2011. Grifo nosso.
87
Ibid.
88
Nesse mesmo sentido, ver jurisprudência: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE no 410.715/
AgR/SP, op. cit.
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106 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o
89
Gustavo Binenbojm, Uma teoria do direito administrativo, op. cit., p. 235-236.
90
Ibid., p. 236.
91
Edimur Ferreira de Faria, Controle do mérito do ato administrativo pelo Judiciário, op. cit., p. 274.
92
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Jurisprudência. AC no 70021811302, op. cit.
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93
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp no 429.570/GO, op. cit.
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108 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o
94
Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, op. cit.
95
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit.
96
Dentre os doutrinadores que mantêm o entendimento clássico de que o mérito dos atos
administrativos discricionário é intocável, fundados nas lições de Fagundes, destacam-se
Cretella Júnior (Curso de direito administrativo, op. cit., p. 255) e Gasparini (Direito administrativo,
op. cit., p. 92).
97
Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, op. cit., p. 123.
98
Krell apud Luiz Nunes Pegoraro, Controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários,
op. cit., p. 126.
99
Sergio Cruz Arenhart, As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo Poder
Judiciário, op. cit.
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100
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Jurisprudência. AC no 70021811302, op. cit.
101
ASSUNÇÃO, Matheus Carneiro. O controle judicial dos atos administrativos discricionários
à luz da jurisprudência do STF e do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1078, 14 jun. 2006.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8508/o-controle-judicial-dos-atos-administra
tivos-discricionarios-a-luz-da-jurisprudencia-do-stf-e-do-stj>. Acesso em: 1o out. 2011.
102
José dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, op. cit., p. 36.
103
Não há de se negar a celeuma envolvendo a suposta irracionalidade metodológica do
princípio da proporcionalidade por Habermas. Para o referido autor, quanto mais as
controvérsias políticas se aproximam dos princípios constitucionais, mais se assemelham do
discurso moral, o qual depende de convicções pessoais de fé. HABERMAS, Jürgen. A inclusão
do outro. São Paulo: Loyola, 2002. p. 102-103. Nesse sentido, o direito e a moral devem ser insti
tutos que se complementem, de forma que o direito positivo possa buscar sua legitimidade
no direito moral (Ibid., 288-289). Não há de se contestar a existência de divergências entre
direito e moral que o estudo do que se considera razoável pode levantar. Assim, apesar de
conhecer a polêmica do debate, não se ignora o peso das críticas, as quais, em virtude da natu
reza do trabalho monográfico, não se terá condições de aprofundar neste estudo. Para maior
aprofundamento do tema sugere-se a leitura da obra citada de Habemas.
104
Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, op. cit., p. 94-95.
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110 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o
105
Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, op. cit., p. 953-954.
106
Ibid., p. 967.
107
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, op. cit., p. 218.
108
Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, op. cit., p. 970-971.
109
Id., Discricionariedade e controle jurisdicional, op. cit., p. 403.
110
Assim também vem decidindo o STJ e vários tribunais em recorrentes decisões: STJ Resp
778.648/PE, Recurso Especial 2005/0146395-7. Ministro Mauro Campbell Marques. 2 T.,
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j. 6/11/2008. DJe, Brasília, DF, 1o dez. 2008; TJMG no 1.0672.98.008062-2/001(1). Relator des.
Dárcio Lopardi Mendes, j. 3/8/2006. DJMG, Belo Horizonte, 5 set. 2006; TJSP no 9092261-
50.2008.8.26.0000. Relator Marrey Uint, j. 17/5/2011. DJSP, São Paulo, 23 maio 2011; TJRS. AC
no 70021811302. Relator des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, j. 12/3/2008, DJRS, Rio
Grande do Sul, 15/4/2008; TRF 5a região AC no 342.739-PE. Relator des. Francisco Cavalcanti, j.
30/11/2004. DJPE, Recife, 18 abr. 2005.
111
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AgR no 365.368/SC. Ag. Regimental no Recurso Extraor
dinário. 1. T. Relator ministro Ricardo Lewandowski, j. 22/5/2007. Diário de Justiça, Brasília, DF,
29 maio 2007. Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.
asp>. Acesso em: 1o out. 2011.
112
Luiz Nunes Pegoraro, Controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, op. cit., p. 182.
rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 268, p. 83-116, jan./abr. 2015
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5. Conclusão
Referências
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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São
Paulo: Malheiros, 2009.
rda – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 268, p. 83-116, jan./abr. 2015
116 Re vi s t a d e D i r eit o Administ ra t iv o
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