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labrys, études féministes/ estudos feministas

juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012 - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012

BAFÃO do KIT GAY: ANÁLISE DO DISCURSO DA MILITÂNCIA LGBT[1]


Zuleide Paiva da Silva[2]

Resumo

Reconhecendo a linguagem patriarcal como produtora de violências discursivas que recaem, sobretudo, nas mulheres, este
trabalho, construído à luz da Análise do Discurso da linha francesa, tem o proposto de analisar os sentidos que emanam das
práticas discursivas produzidas pelas militância LGBT no contexto do “Bafão do kit gay”, isto é, no ato de expressar
posicionamento político em relação ao veto da presidenta Dilma Rousseff a todo o conteúdo do kit informativo do Projeto
Escola sem Homofobia. O corpus analisado se circunscreve a um conjunto de mensagens eletrônicas produzidas e
socializadas por militantes gays nesse contexto, fazendo alusão ao Gênero e à Sexualidade da presidenta. O interdiscurso é
produzido pelas teóricas feministas que apresentam o patriarcado e a heterossexualidade compulsória como chave de análise
da violência contra a mulher. O resultado aponta que a crise gerada em torno do referido veto visibiliza tanto a misoginia gay,
quanto a solidariedade entre as mulheres.

Palavras-chave: Projeto Anti-homofobia ABGLT. Homofobia Violência de gênero contra mulher

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Introdução

Um pequeno deslize pode causar um grande problema

(Provérbio popular)

No cenário brasileiro da última eleição para presidente da república[3], o


slogan do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis, Transgênero),
“Somos milhões, estamos em todos os lugares e o futuro nos pertece” ecoou em
diferentes espaços. Ruas, praças e lares foram corloridos pelas bandeiras do arco-
íris. É possivel dizer, sem, contudo, afirmar, que jamais na história deste país o
voto colorido das pessoas LGBT foi tão procurado pelos partidos políticos.

A matéria intitulada “Agenda gay sai do armário e entra na pauta”, veiculada


pelas redes sociais em 25 de julho de 2010[4], afirma que o Partido dos
Trabalhadores - PT, que possui um núcleo de gays e lésbicas desde 1991, é o
primeiro partido a investir no eleitorado gay. De acordo com Julian Rodrigues,
coordenador nacional setorial LGBT do PT, também coordenador do programa de
governo de Dilma Rousseff nessa área, 80% dos militantes gays estão no PT. Nesses
80% estão inseridas as lésbicas e as mulheres bissexuais, invisibilizadas pela
linguagem que universaliza os sujeitos e transforma o humano em “homem”; lésbicas
e mulheres bissexuais em “gays”, dentre outras possibilidades de violência da
linguagem.

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Mas a mesma militância LGBT, de dentro e de fora do PT, que em 2010 foi às
ruas, fez campanha, votou e comemorou a vitória da primeira mulher brasileira a
chegar ao cargo de presidente do Brasil, em 25 de maio de 2011 foi surpreendida
com a decisão da presidenta Dilma Rousseff de vetar a divulgação dos materiais
produzidos no contexto do Projeto Escola sem Homofobia, isto é, um “kit”
informativo composto por 1 cartaz, 6 boletins, 3 vídeos e 2 cadernos.

A expectativa era a distribuição desse material em 6 mil instituições de


ensino da rede pública, contribuído assim, com o processo de mudança de
mentalidade. Além do kit informativo, vale o esclarecimento, fazem parte do
referido projeto Escola sem Homofobia a realização de uma pesquisa de abrangência
nacional sobre o tema e 5 capacitações, sendo uma em cada região brasileira.

A possibilidade real de difusão de um material dessa natureza, capaz de


contribuir com a pluralização dos gêneros, isto é, capaz de contribuir com a
produção de sentidos sobre gêneros e sexualidades que põem em risco a ordem sexual
vigente, provocou a fúria ddos fundamentalistas religiosos que tramam, tecem uma
rede de intrigas e inverdades em torno do material. Uma das inverdades difundidas
por esses sujeitos afirma que os vídeos que compõem o Kit informativo fazem
apologia a homossexualidade. No entanto, as cópias dos referidos vídeos que
circularam pela Internet desmontam essa afirmação, pois os vídeos trazem para o
debate não o proselitismo em relação à homossexualidade, mas cenas do cotidiano
escolar, com foco na superação da violência vivenciada por estudantes lésbicas,
bissexuais e travestis.

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A surpresa inicial da militância LGBT com o veto da presidenta foi
transformada em indignação, reação. Com a mesma força empenhada na eleição da
presidenta, a militância divulgou notas de repudio e foi às ruas protestar contra
o veto. Pelas redes sociais, espaços privilegiados de produção e difusão de
sentidos, de forma quase ininterrupta, circularam, e ainda circulam, diferentes
correntes de pensamento sobre o tema “Kit gay”. A militância LGBT, sentindo-se
traída pela presidente, mostrou- se feroz, criou pelas redes sociais o “Bafão do
Kit”, um caloroso debate político em torno do veto da presidenta. Não há quem não
tenha uma opinião, contra ou a favor sobre essa polêmica, cujo pano de fundo é a
violência simbólica contra pessoas LGBT Diferentes grupos organizados, a exemplo
da AGBLT, AMB (Articulação de Mulheres Brasileiras); ABL (Articulação Brasileira
de Lésbicas, Católicas pelo direito de decidir), dentre tantas outras entidades,
produziram moções de repúdio ao veto. Mas há quem preferiu não fazer
pronunciamento público coletivo, a exemplo da LBL (Liga Brasileira de Lésbicas),
que, por não ter participado, do processo de construção do referido Kit, optou por
não produzir nota pública sobre a questão. Mas, em reunião das organizações da
sociedade civil que integram o Conselho Nacional LGBT, convocada pela Ministra
Maria do Rosário a fim de tratar da suspensão do Kit anti-homofobia, a LBL,
através da sua/nossa representante neste Conselho, apresentou um posicionamento
critico, reconhecendo que o pronunciamento da Presidenta, ao dizer que "o governo
não fará propaganda de opção sexual" (sic), autoriza no não dito, o
recrudescimento da violência homofóbica, além de abrir precedentes para outras
proibições. A represente da LBL também questionou o fato de parte da militância

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LGBT estar atuando junto ao governo, comprometendo assim, a autonomia dos
movimentos.

Busco neste estudo, analisar sentidos que emanam do “Bafão do kit gay”, isto
é, das práticas discursivas produzidas pelas militâncias LGBT, em especial da
militância gay, no ato de protestar, de expressar posicionamento político. Como
pesquisadora feminista com especial interesse na produção de sentidos sobre a
sexualidade lésbica e relação desses com a violência de gênero contra a mulher,
pensada como uma violação dos Direitos Humanos, me interessa, sobretudo,
investigar a violência do discurso como um efeito de sentido.

Reconhecendo que toda leitura exige um artefato teórico, me filio à Analise


de Discurso apresentada por Orlandi (2009), que problematiza o ato de ler, de
pensar, de escrever e de comunicar; problematiza o sujeito que fala, o sujeito que
ouve, o sujeito que vê. Da mesma forma, problematiza o dito, o não dito, o
esquecido, o lembrado, o guardado, o apagado, sem separar sujeito e sentido
(ORLANDI, 2009). De acordo com Orlandi, a Analise de Discurso oferece
dispositivos que “nos coloca em estado de reflexão e, sem cairmos na ilusão de
sermos conscientes de tudo, permite-nos ao menos sermos capazes de uma relação
menos ingênua com a linguagem” (ORLANDI, 2009: p. 9). Ressalto, porém, que este
estudo não se pretende um discurso de verdade, mas a emergência de efeitos de
sentidos.

Questões norteadoras da análise

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Reconhecendo que a linguagem não é neutra, questiono: Quais são as redes de
sentido produzidas nas práticas discursivas da militância LGBT em torno da
polêmica “Bafão do Kit gay”? Como o lugar de fala, da memória e do imaginário LGBT
se articulam na produção de sentidos sobre o veto da presidenta? Que imagem
discursiva da presidenta é produzida pela militância LGBT no cenário em questão?

O Corpus

O Corpus analisado se circunscreve a um conjunto de mensagens eletrônicas


produzidas em uma lista de discussão LGBT que reúne diferentes grupos e pessoas
LGBT. Essa lista é aqui apreendida como um espaço profícuo de produção e difusão
de sentidos e organização política sobre diferentes questões de interesse das
pessoas LGBT. Todas as mensagens que compõem o corpus foram produzidas no contexto
do “Bafão do Kit gay”, representado na nota abaixo, isto é, são mensagens
relacionadas ao veto do Kit anti-homofobia do projeto “Escola sem homofobia”.

Frente ao pânico moral que cercou o KIT ANTI-HOMOFOBIA do Ministério da


Educação. DILMA E O KIT ANTIHOMOFOBIA. A presidenta e o "kit gay".
EXPLICAÇÃO E SOLUÇÃO PARA O BAFÃO DILMÁ. Sobre o Kit contra homofobia -
URGENTÍSSIMO!!!!. OTIMA ANÁLISE!!! A Guerra Santa dos Neopentecostais.
Nota Oficial da ABGLT sobre a suspensão do kit educativo do projeto Escola
Sem Homofobia. Manifestação em repúdio ao veto de Dilma ao Kit Anti-homof
obia do MEC. PAU DE SEBO PARA DILMÁ.Marcha pela Liberdade - Manifesto
LGBT! Kit Escola Sem Homofobia. Superintendente da Educação Básica fala
sobre respeito à diversidadee. UFBA pelo Estado laico e em defesa do

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Projeto Escola Sem Homofobia.] Polêmica do kit contra homofobia leva
assunto para sala de aula NAO É MACHISMO QUESTIONAR Há quanto tempo ALGUEM
NAO GOZA?[5]

Diante da profusão de mensagens relacionadas ao Kit que circularam por essa


lista, em função da especificidade da questão, o Corpus se restringe a mensagens
enviadas/recebidas no período de maio a junho de 2011, com alusões, ditas e/ou não
ditas, sobre o Gênero e/ou à Sexualidade da presidenta . No total, são 7 mensagens
selecionadas. Essas mensagens são fruto do diálogo entre três gays e uma lésbica.
Por questão de ética, esta analise não identifica a Lista LGBT, tampouco os nomes
verdadeiros dos(as) autores(as) das mensagem, que recebem os seguintes nomes
fictícios: João Mata, Pedro Mata, Marco Mata e Márcia. O número de falas masculina
e feminina representa a baixa participação lésbica na referida lista.

O Interdiscurso

Caracterizado como lugar de onde a leitura é feita, interdiscurso é o


referente teórico que auxilia-nos para fazer emergir sentidos ditos e a partir
destes os não ditos. Pinçado das teorias feministas que norteiam a pesquisa de
doutorado que desenvolvo sobre sexualidade lésbica, o dispositivo de análise é
embasado nas correntes teóricas feministas, que apresentam categorias
fundamentais para a análise, isto é o “Patriarcado” e “Gramática sexual”
(SAFFIOTT, 1997, 2002, 2004); “Contrato Sexual” (PATEMAN, 1993) “Pensamento
Hetero” (WITTIG, 1980), “Heterossexualidade Compulsória” (RICH, 1981, WITTIG,
1980), apresentadas como categorias políticas; chave de leitura dos fenômenos

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sociais. A partir dessas categorias estruturantes da analise, outras se encaixam
na análise do interdiscurso, dentre as quais destaco: a “invisibilidade” (SWAIN,
2009; LESSA, 2003). Destaco ainda o “continuum lésbico” (RICH, 1881)

Sempre aprendiz, diante do corpus, reconhecendo o interdiscurso como produto


do enlace entre os Dispositivo Teórico e Analítico, busco, como nos orienta
Orlandi ( 2009: 59),

colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em um lugar com o
que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é dito de outro,
procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz mas que
constitui igualmente os sentido das suas palavras.

Através do enlace entre o dispositivo analíticos supracitado e o dispositivo


teórico da Analise do Discurso destaco operar com os conceitos de: a) Relações de
Força e Relações de Sentido; b) Antecipação: formações imaginárias; c) Formação
Discursiva; d) o dito e o não dito. À luz da Analise do Discurso, busco não o
sentido verdadeiro, pois não há verdade atrás do texto, mas a compreensão de como
um enunciado produz sentido, isto é, efeitos de sentidos numas dadas condições de
produção.

Kit Anti-homofobia: produto do diálogo entre o Estado e os Movimentos LGBT

Atuar, produzir, criar é remédio para todos os males

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(Provérbio popular)

Grande parte da militância LGBT, sobretudo os movimentos ligados ao PT,


estabeleu diálogos profícuos com o governo Lula, considerado o “papai noel dos
gays”, como sugere a reportagem da revista Veja, publicada e 2003.[6] A
experiência da militância LGBT junto ao governo Lula foi, de fato, muito profícua.
Muitas foram as ações desenvolvidas que garantem avanços para a comunidade LGBT.

Dentre essas ações, está o Programa Brasil sem Homofobia, criado em 2004, e
a 1ª Conferência Nacional LGBT, realizada 2008, em Brasília, convocada por decreto
presidencial. Vale ressaltar que a partir das resoluções aprovadas nesta
Conferência, que contou com a participação de representantes dos poderes públicos
e da sociedade civil, oriundos de todos os 26 estados do país e do Distrito
Federal, foi produzido o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos Direitos
Humanos LGBT, lançado em 2009[7], uma política importante para toda a sociedade,
já que implica uma formação mais humana no campo da sexualidade. Uma das ações
contempladas neste Plano foi a criação de um projeto de cooperação público-
governamental de extensão nas escolas públicas, utilizando produções artístico-
culturais com temática de sexualidade, diversidade sexual e identidade de gênero,
com recorte de raça e etnia, como forma de educar para a diversidade.

No Documento Final da Conferência Nacional de Educação, realizada em 2009,


consta, entre as inúmeras propostas aprovadas na plenária final relativas à

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população LGBT, o compromisso do Estado de garantir que o MEC assegure os recursos
necessários para a implementação de políticas públicas para a educação presentes
no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, lançado em
maio de 2009, a exemplo do Projeto Escola sem Homofobia, apoiado pelo Ministério da
Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(MEC/SECAD), hoje SECADI -. Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e
Inclusão. Esse projeto, de acordo com nota divulgada pela ABGLT, em 31/05/2011[8],
tem o seguinte propósito:

![...]contribuir para a implementação do Programa Brasil sem Homofobia


pelo Ministério da Educação, através de ações que promovam ambientes
políticos e sociais favoráveis à garantia dos direitos humanos e da
respeitabilidade das orientações sexuais e identidade de gênero no âmbito
escolar brasileiro”. (ABGLT, 2011: on line)

Kit anti-homofobia Kit Gay !?

“Os dedos não são iguais”

(Provérbio popular)

Reconhecendo a interdependência das praticas discursivas, isto é,


reconhecendo que os textos sempre recorrem a outros textos contemporâneos ou
historicamente anteriores para lhe garantir sentido, coloco em suspenso a

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expressão “kit Gay”. Por que um conjunto de material didático que trata da
diversidade sexual e do respeito à diversidade foi transformado em um “Kit gay”?
Que redes de sentido são acionadas por essa formação discursiva? Se levarmos em
conta que a produção do referido Kit é de autoria dos movimentos ligados a ABGLT
(Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Travestis), é possível dizer que a
simples substituição de uma expressão por outra revela a autoria do mesmo. Mas se
levarmos em conta que o movimento LGBT é formado por uma pluralidade de sujeitos,
é possível dizer que o termo “gay” oculta todos os outros. Cabe então questionar o
que sustenta esse ocultamento.

Segundo Saffioti (1997), nas sociedades humanas não há um único eixo de


hierarquização, pois socialmente são construídas várias gramáticas, ou eixo de
regras, que regem o comportamento de homens e mulheres, de brancos e negros, de
ricos e pobres, de crianças e adultos, das pessoas normais e daquelas
interditadas, consideradas loucas. Para a autora, as principais gramáticas
normativas da sociedade são:

· Gramática sexual ou de gênero, que regula as relações entre homens


e mulheres, as relações entre homens e as relações entre mulheres, especificando
as condutas socialmente aceitáveis quanto ao sexo [...].

· A de raça/etnia, que define as relações, por exemplo, entre


brancos e negros, determinando que estes obedeçam aqueles. Brancos e negros são de
raças diferentes, que são socialmente hierarquizadas[...].

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· A de classe social, cujas leis exigem comportamentos distintos dos
pobres e dos ricos. Estes, para se manterem no poder, precisam dominar/explorar os
pobres [...] (SAFFIOTI, 1997: 41).

De acordo com Foucault, (2010, p.10), o louco “desde a alta Idade Média é
aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: pode ocorrer que sua
palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo verdade nem
importância [...]”. Foucault também evidencia que ao longo da história o
qualitativo de perverso, de doentio sempre foi associado aos homossexuais. Ainda
hoje, em especial no campo da psicanálise, ainda se encontra a associação entre a
homossexualidade e a perversão, à loucura (BARBEIRO, 2005)

Essa rede de sentidos tecida pela “gramática de gênero” desenha uma pirâmide
social onde o homem branco, heterossexual, de classe favorecida está no topo da
pirâmide, seguido dos gays brancos da mesma classe social. As mulheres e as
lésbicas, em especial as negras pobres estão na base da pirâmide. Essa hierarquia
do sistema de gênero brasileiro, que divide os gêneros em duas categorias: Homem e
Mulher, tem sido amplamente problematizado pela literatura feminista,
especialmente pelo feminismo lésbico, que tem o propósito de produzir saberes
relevantes para as lésbicas e suas/nossas lutas. Uma das pesquisadoras do
feminismo lésbico que mais contribui com o debate sobre a hierarquia dos gêneros é
Monique Wittig, que apresenta a noção de “Pensamento Hetero” (1980), que promove a
divisão da sociedade em dois sexos e faz da linguagem um forte instrumento de
dominação dos sistemas teóricos modernos e das ciências sociais. De acordo com

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Wittig, o mundo inteiro é apenas um conjunto das mais diversas linguagens, onde os
seres humanos são literalmente os signos utilizados para comunicar. Essas
linguagens, ou melhor, estes discursos, ressalta a autora, se encaixam um nos
outros, se se interpenetram, apoiam-se uns aos outros, reforçam-se, se auto-
originam, dando origem uns aos outros. O conjunto desses discursos, que tomam
como certo que a base da sociedade, de qualquer sociedade, é a heterossexualidade,
constitui o “pensamento hetero” (WITTIG, 1980), que oprime, sobretudo, as
lésbicas, as mulheres e os homens homossexuais.

A palavra “discurso” tem ideia de curso, de percurso, de correr por, de


movimento. É palavra em movimento, linguagem em ação (ORLANI, 1999). Assim, a
partir da linguagem a sociedade heterossexual é fundamentada e o discurso da
heterossexualidade é apresentado como o discurso hegemônico e todo discurso que o
questiona é oprimido, negado, invisibilizado. A sociedade hetero, ao operar com
uma estrutura bipolar, que hierarquiza corpos e mentes; define papeis sociais e
sexuais, constrói o “verdadeiro homem” e a “verdadeira mulher”, que se
complementam e se reproduzem. Corpos que escapam a esse modelo são abjetos, não
importam para a sociedade. A noção de abjeção aqui é dada por Butler. Cito-a:

O abjeto designa aqui aquela ‘zonas inóspitas’ e ‘inabitáveis’ da vida


social, que são, não obstante, densamente povoadas por aqueles que não
gozam de status de sujeito, mas cujo habitar sob o signo do ‘inabitável’ é
necessário para que o domínio do sujeito seja circunscrito (2003:. 155).

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Desse ângulo de análise, o corpo gay, assim como o corpo lésbico, que escapa
ao modelo binário ao romper com a norma sexual estabelecida, é corpo abjeto,
descartável. A partir dessa relação de sentidos, isto é, a partir da gramática de
gênero apresentada por Saffiotti (1977) e da noção de “pensamento hetero”,
apresentado por Wittig, é possível afirmar que a lógica discursiva que transforma
o Kit anti homofobia em “kit gay” é uma lógica perversa de desqualificação do
material e a invisibilidade dos demais sujeitos autores do referido material. O
que está em questão é a desqualificação, a não aceitação da homossexualidade e a
supremacia masculina, independente da orientação sexual. É a linguagem
(re)produzindo a hierarquia social e legitimando discursos.

Ameaça e desqualificação LGBT: “Pau de sebo para Dilmá”

“Se sua língua transformar-se em faca, cortará


sua boca”

(provérbio popular)

Em conjunto, a avalanche de mensagens que circularam pelas redes


eletrônicas imediatamente após o veto de Dima Rousseff ao Kit aint-homofobia pode
ser classificada em 4 tipos a saber: a) informativas – aquelas que trazem
informações e opiniões de especialistas sobre o tema; b) opinativas – aquelas que
expressam a opinião dos(as) integrantes da lista quase sempre carregadas de
sentimentos, em especial, a indignação e a revolta; c) propositivas - aquelas que

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propõem alguma ação/intervenção política; d) deliberativas – aquelas que
apresentam uma decisão/posicionamento coletivo.

Dentre as propositivas, estão as mensagens 1 e 2, trocadas entre João Mata,


e Pedro Mata:

Quadro 1: mensagens eletrônicas: “Pau de sebo para Dilmá” -Lista LGBT- maio/
2011

Mensagem 1 Mensagem 2

Autor: Pedro Mata


Autor: João Mata

Data de postagem: 30 de maio de


2011 Data de postagem: 30 de maio de 2011

Assunto: PAU DE SEBO PARA DILMÁ


Assunto: PAU DE SEBO PARA DILMÁ

Colegas [...]

sugiro que Dilma receba o Pau de Sebo pela sua atitude


Caso a Presidenta não volte atrás e o Kit
ridícula e apolítica de trair os LGBTT e suspender a
antihomofobia Escolar não seja realmente autorizado, claro
distribuição do Kit Anti-Homofobia [...]
que Dilma estará na lista do Pau de Sebo, pois gente menos

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graduada e com ação menos homofóbica recebeu esse troféu. E, mais, sugiro uma campanha de "Impeachment" contra a
Alguém é contra? traidora da cidadania. Arrependo-me do meu voto [...]

Agora, no primeiro turno votei em Dilma, e no segundo nela


também.

Arrependi-me amargamente.

Abaixo Dilma, fora traidora dos LGBTT

O dito das mensagens acima é revelador da intencionalidade dos seus autores.


A expressão “PAU DE SEBO PARA DILMÁ”, indicada no assunto das mensagens, aciona
uma rede de sentidos que evidencia a presidenta Dilma como “má”, “malvada”. Uma
inimiga, homofóbica que deve ser punida, calada, interdita. Por sua vez, o não
dito dessas mensagens ratifica o pensamento machista vinculado nas vozes dos
homossexuais, que se traem pelo discurso, pois utilizam o mesmo padrão de
pensamento e crítica do macho em relação à fêmea como forma de assimetria de
gênero, isto é, revela desigualdades produzidas a partir das diferenças percebidas
entre os sexos. Os ditos e os não ditos das mensagens se inscrevem no “pensamento
hetero”, que fundamenta e é fundamentado pelo “patriarcado”.

De acordo com Saffioti (2002, 2004), “patriarcado” é um regime político


sexual de dominação-exploração das mulheres, onde o fenômeno da exploração deve
ser explicado ao lado de dominação. Para essa autora, um dos elementos nucleares
do patriarcado, que está em permanente transformação/atualização, reside
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exatamente no controle da sexualidade feminina (2004: 49). Para explicar essa
afirmativa, Saffioti recorre a Pateman (1993) e faz uma incursão na vertente
sexual a partir da teoria/doutrina do contrato social, entendido pelas autoras
como um contrato entre os homens, cujo objeto é as mulheres. De acordo com Carole
Pateman (1993: 16)

O pacto original é tanto um contrato sexual quanto social: é social no


sentido de patriarcal – isto é, cria o direito dos homens sobre as mulheres -, e
também sexual no sentido do estabelecimento de um acesso sistemático dos homens ao
corpo das mulheres [...]. O contrato está longe de se contrapor ao patriarcado:
ele é o meio pelo qual o se constitui o patriarcado moderno.

Pateman ressalta que a ideologia patriarcal tem defendido a ideia de que o


contrato social é distinto do contrato sexual, restringindo-se este último à
esfera privada. Na visão de Pateman (1993) e de Saffioti,(2002, 2004,)
“Patriarcado,” um conceito que traz de forma implícita a noção de relações
hierarquizadas entre seres desiguais. Para elas, o patriarcado é o único conceito
que se refere especificamente à sujeição da mulher e que singulariza a forma de
direito político que todos os homens têm sobre as mulheres pelo simples fato de
serem homens. É, portando, no regime patriarcal, que o machismo, entendido como
uma prática social, uma forma de sexismo, se estabelece.

Assim, ao anunciar a presidenta como uma mulher “má”, “homofóbica”, que


merece “pau de sebo” e "Impeachment", os autores das mensagens fortalecem o

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“pensamento hetero”, e, ao fazê-lo, (re)produzem a “violência psicológica”,
definida no glossário do Portal da Violência contra as mulheres como

Ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos,


crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça
direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique
prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal
(PORTAL violência, 2011: on line)

A mensagem de Pedro Mata, além de reiterar a suposta “maldade” da


presidenta, sugere o "Impeachment" da primeira mulher a chegar à presidência do
Brasil. Ao fazê-lo, vai de encontro às bandeiras feministas que promovem a
inclusão das mulheres nas esferas de poder.

Recorrendo ao conceito de antecipação, cabe questionar se, ao mostrar


arrependimento por ter votado em Dilma nas eleições de 2010, ao anunciar “Abaixo
Dilma, fora traidora dos LGBTT”, estaria Pedro da Mata antecipando o processo
eleitoral de 2014? Seria essa uma estratégia discursiva de campanha eleitoral
anti-Dilma?

Dima Rousseff: “Bem estilo sapatona”

“A dor que dói no outro é tão grande quanto a que nos


dói”

(provérbio popular)

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Nas mensagens 3 e 4, indicadas no Quadro abaixo, João Mata e Pedro Mata
refletem sobre o veto da presidenta fazendo alusão ao gênero e a sexualidade da
presidente: “Bem estilo sapatona” ; “sapatão guerrilheira”

Quadro 2: mensagens eletrônicas: Dilmá-Sapatona/guerrilheira - Lista LGBT –


maio e junho/ 2011

Mensagem 3 Mensagem 4:

Autor: João Mata Autor: Pedro Mata

Data de postagem 26/05/2011 Data de postagem: 31/06/2011

Assunto: EXPLICAÇÃO E SOLUÇÃO PARA O Assunto: DILMA ASSINA CARTA APOIO


BAFÃO DILMÁ EVANGELICOS

Colegas

Refleti sobre esse cipoal de Vergonhoso. Passei a campanha


opiniões do governo em relação ao Kit Gay toda com questionamento sobre como
e gostaria de sugerir uma pista para iríamos votar num sapatão que inclusive
entender e solucionar este grave impasse fora guerrilheira. Enfrentei muito
provocada pelas declarações intempestivas, preconceito. Agora, estou arrependido
contraditórias e tresloucadas da de defender alguém, que, mesmo sabendo

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Presidente, de seu ministro porta voz e do que as pessoas usaram a opção sexual
ministro da educação. dela como forma de baixar o nível da
sua campanha, eu apostei nela e estou
[...] bastante ofendido [...].
Dilma caiu no conto dos
evangélicos, que maliciosamente entregaram
a ela um vídeo sobre sexo seguro na
prevenção da AIDS, dizendo que era o kit
da abglt, ela viu de noite, e segundo seu
porta voz, ficou indignada e divulgando
outros adjetivos altamente depreciativos.
Bem estilo sapatona. QUE temas sobre
costume tem de ser objeto de plebiscito,
etc (grifo nosso)

O que revela o dito dessas construções discursivas? Qual é o não dito? O


imaginário? O real? O que é sapatona?

As teorias do século XIX, que trataram a homossexualidade feminina como


doença passível de cura e tratamento, influenciaram os profissionais da ciência do
início do século XX, que produziram como verdade a noção de que o relacionamento
amoroso e a prática sexual entre mulheres são desvios sexuais, comportamento de

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pessoas doentes, perigosas, perversas, nocivas ao convívio social (NOGUEIRA, 2008:
62). Até mesmo Beauvoir (1949), matriz teórica do pensamento feminista, via as
lésbicas como seres invertidos, incompletos, irrealizados: “a homossexualidade da
mulher lésbica é uma tentativa, entre outras, de conciliar sua autonomia com a
passividade da sua carne (BEAUVOIR, 1949: 146).

Ao discutir a lesbiandade nos feminismos, Lessa (2003) questiona quem são as


lésbicas, o que tem sido escrito sobre elas, onde suas falas aparecem. A autora
não apresenta respostas para essas questões, mas evidencia o silêncio da história
em relação às lésbicas. Utilizando argumentos de Swain para ressaltar que existem
muitos sentidos expressos no silêncio da História, Lessa diz que a aparição das
lésbicas pode representar uma contradição à ordem naturalizada da
heterossexualidade dominada pelo masculino.

A homossexualidade feminina ou lesbiandade, como queiram, está sendo


engendrada, seja através dos silêncios ou das idéias e práticas que buscam
engessá-la em modelos mais atraentes ou quem sabe mais vendáveis. O silenciamento
das vozes sociais não é o simples apagamento dos seus personagens, mas o silêncio
marca uma existência abjeta, indesejável, por isso quando se proíbem certas
palavras de circularem proíbem-se junto a elas certos sentidos (LESSA, 2003: 5).

Que as lésbicas vivam a sua sexualidade em segredo, que não mostrem


sua/nossa existência à sociedade, é o desejado pelo regime patriarcal produtor de
verdades e de silêncios que invisibilizam, marginalizam, maltratam, agridem e
matam as lésbicas. Mas, levando em conta a cultura patriarcal que deseja manter na

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invisibilidade, no silêncio, no apagamento não só a sexualidade lésbica e toda a
sexualidade que escapa à matriz da “heterossexualidade compulsória” (RICH, 1981),
votar em uma “sapatão guerrilheira”, isto é, votar em uma mulher que rompe com
amarras grilhões históricos para presidente do Brasil não deveria ser, a
princípio, um motivo de orgulho para os ativistas LGBT, como o é para os
movimentos feministas e de mulheres? Qual o interesse em visibilizar a suposta
sexualidade lésbica da presidenta e ainda adjetivando de sapatona?

A construção discursiva sapatão/sapatona/guerrilheira aciona outras redes de


sentidos. Comumente os termos “sapatona”, “sapatão”, assim como “fanchona”,
“Buch”, dentre outros, são usados como xingamento para identificar uma mulher que
se relaciona sexualmente com outras mulheres, especialmente a mulher que assume
performance masculina, se afastando completamente das normas esperadas do
comportamento do feminino (NOGUEIRA, 2009: 77). “Guerrilheira”, por sua vez, é um
termo usado para indicar uma pessoa envolvida em luta armada, “sem obediência às
normas estabelecidas nas convenções internacionais”, conforme sugere o Novo
Dicionário Aurélio (1986). Uma mulher guerrilheira também se afasta de todos os
esquemas definidores do lugar e o papel da mulher na sociedade.

O passado guerrilheiro da presidenta, sua luta política, sua agência não se


encaixam no modelo explicativo da sociedade heteronormativa, que, conforme
ressaltado anteriormente, opera com a lógica binária e cria tanto a “mulher de
verdade”, aquela a quem o prazer sexual é negado, como o “homem de verdade”;
aquele a quem a sociedade patriarcal reservou os prazeres da carne, a liberdade

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sexual, e o direito à mente e aos corpos das mulheres. Esse mito “mulher de
verdade” é reiterado pelo “pensamento hetero”, que através dos fios da cultura,
forja o gênero a partir dos corpos sexuados, isto é, a partir das diferenças
percebidas entre o sexo (SCOTT, 1995: 86).

Tanto o gênero quanto a sexualidade são inteiramente culturais, já que o


gênero é maneira de existir do corpo e o corpo é uma situação, uma performance
(BUTLER, 2003: 192) ou seja, um campo de possibilidades culturais recebidas e
reinterpretadas. Nessa perspectiva, o corpo de uma mulher é fundamental para
definir sua situação no mundo. Contudo, é insuficiente para defini-la como mulher.
O gênero cria o sujeito. Mas a constituição do sujeito, homem/mulher/lésbica/gay,
dentre tantas outras possibilidades de ser do sujeito, não se faz exclusivamente
através do gênero. A classe, a raça/etnia, a sexualidade também são constitutivas
do sujeito.

Dilma Rousseff, gozando de privilégios da raça e da classe que a constituem


sujeito, escapa às amarras do gênero e torna-se a mulher mais empoderada do Brasil
ao chegar a Presidência da República, mas, em função do seu gênero, não escapa da
violência discursiva dos gays em questão.

Transformar discursivamente a mulher mais poderosa do país em


sapatona/sapatão/guerrilheira num contexto social em que o imaginário desqualifica
a lesbianidade, é uma tentativa de destituí-la do poder. É operar com a lógica
patriarcal instituída no/pelo pensamento hetero. É fortalecer todas as redes

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discursivas que dão aos homens o direito à mente e aos corpos das mulheres. É
vulnerabilizar a sexualidade feminina.

Assim, constituídos pela lógica patriarcal, sentindo-se traídos por uma


suposta “igual”, “autorizados” pelo poder que garante a supremacia do macho, mesmo
sendo gays, e como tal, são constituídos corpos abjetos, os autores das mensagens,
João Mata e Pedro Mata, fazem da linguagem uma lâmina cortante, e, através da
língua, atacam a presidente na sua condição de mulher, atacando a “perigosa
sexualidade feminina”, que sempre foi terreno sobre o qual proliferaram discursos
das mais diversas instituições, além de influenciar os próprios sujeitos.

O Machismo gay e a solidariedade feminista

Questionar é uma arte. Questionar-se é a arte das artes

(provérbio popular)

Machismo pode ser entendido como um ordenamento social de gênero através de


um conjunto de leis, que não só acolhe o poder masculino sobre a mulher, como o
normatiza, proibindo e criminalizando seus excessos. Assim pesado, o machismo
promove a ordem do gênero, onde o homem desfruta de grandes privilégios em relação
à mulher. Esses privilégios são construídos e mantidos pela ideologia patriarcal,
representada no regime atual de relações homem/mulher através do esquema de
dominação-exploração masculina.

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Saffioti (1997) pontua que relação “exploração-dominação” é exercida pelos
homens em todas as sociedades. Para essa autora a exploração e dominação masculina
são faces de um mesmo fenômeno e a relação “Exploração-dominação” não pressupõe o
esmagamento da figura subalterna, ao contrário, integra a necessidade de
preservação da mulher, que não é vitima passiva. Como bem ressalta essa autora,
“Em todas as sociedades conhecidas as mulheres detêm parcelas de poder” (SAFFIOTI,
1997: 184), o que lhes permitem negociar a sua sobrevivência.

Assim, fortalecidos na crença de que possuem um “direito natural” sobre as


mulheres, mas negando as mulheres em função da identidade sexual que os constituem
sujeitos do discurso, gays machistas se legitimam e insistem em questionar a
sexualidade da presidenta, trazendo para o debate tanto a suposta sexualidade
lésbica da presidente como uma suposta ausência de orgasmo na sua vida sexual,
como mostram as mensagens 5 e 6, produzidas por Marco Mata e João Mata,
respectivamente.

Quadro 3: mensagens eletrônicas- Não é machismo questionar – Lista LGBT –


maio / 2011

Mensagem 5 Mensagem 6:

Autor: Marco Mata Autor: João Mata

Data de postagem 26/05/2011 Data de postagem: 26/05/2011

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Assunto: Há quanto tempo a Assunto: NAO É MACHISMO QUESTIONAR
Homofóbica Presidenta Dilma não Goza? Há quanto tempo a Homófiva
[Sic] (sic)Presidenta Dilma não Goza?

Uma leitora de carta me revelou que [...] essa mensagem posso repassar
a Presidenta Homofobica Dilma Roussef não para as listas, né, não compromete a
goza há mais de 5 anos? politica interna [...]

colegas feministas de plantão

Será que é isso tudo? NAO TEM MACHISMO ALGUM EM


QUESTIONAR ALGUEM, SEJA COM PICA OU
BUCETA, SE FAZ MESMO CINCO ANOS QUE NAO
Quanto tempo voce acha que ela não GOZA.
goza? esse patrulhimo feminista é dose,
nao busquem machismo onde nao há. embora
gozar nao leva necessariamente a acertar
na vida, mas evita varias neuroses e
frustrações sim.
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AGORA PRESTEM ATENÇÃO, NAO SOU EU,
“João Matta” quem está chingando dilmá,
questionando se é mesmo lébica,
oscambau. a unica coisa minha é mesma
antes desse bafão, chanma-la de
DILMÁÁÁÁÁÁ´(sic)

e Lula la, nunca mais também


[sic].

Levando em conta que não há discurso que não se relaciona com outro, é
possível afirmar que a ligação entre as praticas discursivas que questionam a
ausência do gozo sexual da presidenta e aquelas que apontam a sua suposta
sexualidade lésbica evidenciam uma tentativa de controle da sexualidade e do
prazer da mulher, sustentada pela ideologia patriarcal; consequentemente, revela
uma forma vil de desqualificar o feminino. Levando em conta as redes discursivas
que definem o machismo, é possível afirmar que o dito das mensagens de Marco Mata
e João Mata são carregada de machismo explícito, reduz a mulher a nada, a um
objeto, um ser sem vida, sem desejos nem direitos. É crença no forte ou exagerado
senso de masculinidade que se manifesta por atributos como coragem, agressividade,
virilidade, exacerbação física e corporal e atitude de dominação sobre as
mulheres. Estamos diante de cenas discursivas do machismo gay, muito embora João
Mata conteste essa avaliação.

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Recorrendo ao dispositivo revelador da relação de força e poder estabelecida
entre os gêneros, considerando que aos códigos estabelecidos nas comunicações
virtuais que reconhecem a fonte maiúscula como expressão de grito, é possível
inferir que João Mata ao optar por grafar certos trechos da mensagem em caixa
alta, revela vontade de poder/saber, é uma busca de legitimar o seu lugar de poder
instituído pelo machismo. Ao socializar a mensagem de Marco Mata para outras
listas, na certeza de que não estaria ferindo a política interna da lista LGBT,
conforme o dito da mensagem, João Mata estaria, ele próprio revelando
posicionamento político pautado nos fundamentos do patriarcado, que promovem tanto
a supremacia masculina quanto a solidariedade entre os homens, garantindo assim a
permanente atualização do contrato sexual patriarca (SAFFIOTI, 2004; PATEMAN,1993)

Em texto intitulado “afinal que diabos é machismo”, assinado por Jack Deth,
o autor afirma:

A acusação de que homens gays são machistas não procede (em parte).
Dificilmente homens gays devem ter a intenção de “dominar” as lésbicas e
muito menos se consideram superiores a elas. Homens gays, ao lutar por
direitos iguais e criar uma cultura underground própria, estão apenas
construindo seu próprio espaço no mundo. Porém, homens gays, de certa
forma, são corajosos e agressivos, e até mesmo viris, ao lutar pelos seus
direitos e construir uma cultura própria, e, se nos guiarmos pelas
definições dos dicionários, nesse sentido eles são “machistas”.

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A verdade é que os homens gays estão apenas sendo homens, e isto é o que
realmente incomoda as lésbicas. Explicando melhor, homens (sejam heterossexuais ou
gays), quando estão em alguma situação ruim, se unem em busca de soluções, lutam
pelo que querem, etc

Não duvide que daqui a algum tempo apareça alguma intelectual lésbica com
teorias de que os homens gays criaram um “patriarcado” dentro do movimento LGBT
para “dominar” as mulheres lésbicas, da mesma forma que feministas adoram acusar
os homens heterossexuais (Deth, 2010: on line).

O que significa ser “apenas homem” no contexto LGBT? Levando em conta que o
patriarcado ao longo da história tem se reconfigurado, se metamorfoseado, se
modernizado, estaríamos diante de uma reedição LGBT do patriarcado, isto é,
estaríamos nós lésbicas e mulheres bissexuais vivenciando um “patriarcado gay” no
seio do movimento LGBT?

Muito embora negado, não admitido, não reconhecido, portanto, difícil de ser
desconstruído, o machismo gay, não passa tão despercebido pelas “feministas de
plantão”, sempre atentas à violência do discurso, como mostra a mensagem 7,
enviada por Marcia, em resposta à mensagens 5 e 6:

Em 27 de maio de 2011 14:54

MACHISMO!

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è impressionante como o machismo aflora em situação de crise, ao menos
esse episódio lamentável da presidência,e sta servindo para tirar os
machistas do armário! [sic]

O “armário” referido por Marcia é apreendido como “segredo aberto”,


dispositivo de regulação da vida de gays e lésbicas que concerne, também, aos
heterossexuais e seus privilégios de visibilidade e hegemonia de valores (SEDGWIK,
2007). A epistemologia do armário, com suas regras limitantes e contraditórias em
torno da privacidade, do publico e do privado “serviu para dar forma ao modo como
muitas questões de valores e epistemologia foram concebidas e abordadas na moderna
sociedade ocidental como um todo” (SEDGWIK, 2007: 19). Nessa perspectiva, Dilma
Rousseff teve seu armário “arrombado” pelos gays, que ao se legitimaram pela
supremacia do sexo trouxeram a sexualidade da presidenta para as listas de
discussão, tentaram desqualificá-la tratando-a de “sapatona”, “sapatão
guerrilheira”, “mulher/homem”, “butch”, “mulher masculinizada”, dentre outros
termos que o discurso patriarcal utiliza para se referir àquelas que ao longo da
história foram acusadas de querer ser homem (Wittig, 1980).

Ao “arrombar” o armário da presidenta, João Mata, Pedro Mata e Marco Mata,


escancaram seus próprios armários e deixaram escapar pelas brechas do discurso a
ideologia machista que os constituem sujeitos políticos. Ao fazê-lo, tornam
(re)produtores da violência da linguagem, “que é tomada como um espiral onde o uso
e abuso das afirmações de desprezo e ódio se tornam justificadoras do ato
linguístico, mas também no ato físico” (DÉPÊCHE, 2008: .214). Há aí o sistema da

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representação, da ideologia atravessando os sujeitos que se assujeitam pela
linguagem e se contradizem nos atos falhos e no esquecimento ideológico, que
produz a evidência do sentido, a ilusão de controlar seu discurso e de que os
sentidos estão lá nas palavras. Para a AD as “ilusões” não são defeitos são uma
necessidade para que a linguagem funcione nos sujeitos e na produção de sentidos
(ORLANDI, 1999,p36).

Segundo o mecanismo de antecipação, ao fomentar a imagem da presidenta Dilma


Rousseff como “inimiga dos gays”, “homofóbica”, Sapatona/sapatão/guerrilheira” é
possível pensar que o não dito, além de revelar a dificuldade masculina de
reconhecer e valorizar o empoderamento feminino, revela intenções eleitorais em
2014, isto é, revela que os referidos gays João Mata, Pedro Mata e Marco Mata,
podem estar em campanha anti-Dilma, tornando-se eles próprios, inimigos dos
movimentos feministas e de mulheres, fato que nos deixam em alerta.

Por outro lado, a feminista Marcia, ao reconhecer e denunciar o machismo


gay, aciona uma construção teórica que reconhece e visibiliza a solidariedade
entre as mulheres, isto é, aciona o “continuum lésbico”, (RICH, 1981),
dispositivo que aponta que relações sociais nem sempre são patriarcais.Se implica
no dizer e traz outros discursos para tecer o seu. Aciona a memória discursiva
engendrada no social e as construções de sentidos sustentadas pelos discursos que
apresenta para o debate.

O Continnum lésbico, diz Swain (2002: on line), que apresenta uma longa
tradição de união entre as mulheres, nega o paradigma que aponta as mulheres como

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rivais, falando tanto as relações de amizade quanto das relações de amor e ou
erótica no universo feminino. A partir do continuum lésbicos, mulheres tecem redes
de amizade, de solidariedade, proteção e enfrentamento a todas as formas de
violência contra as mulheres.

Considerações finais

Este estudo, ao colocar em questão práticas discursivas que se articulam


entre si e para além de si com grande capacidade de produzir efeitos de sentido
que se materializam em violência do discurso que recai sobre o corpo feminino,
busca corroborar com os estudos feministas que combatem a violência da linguagem
que hierarquiza o corpo feminino, marcando-o de especificidades, de fraquezas, de
dependências, de impossibilidades diversas.

Carregando intencionalidades situadas, essa análise se apresenta como um


discurso lésbico feminista que não se pretende “de verdade”, único. Apresenta-se
como registro de um olhar singular, um ponto de vista, um discurso possível. Em
síntese, encerro parafraseando Orlandi (1999) ao afirmar que este texto foi
refletir como sujeitos e sentidos são fortemente regidos pela simbolização das
relações de poder e colocar a linguagem como o lugar da constituição da
subjetividade, provocando rupturas e deslocamentos necessários.

Referências bibliográficas

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do Psicólogo, 2005

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BUTLER, J. Problemas de gênero.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

DÉPÊCHE, Marie-France. Reações hiperbólicas da violência da linguagem patriarcal e o corpo feminino. In: STEVENS,
C.M.T.; SWAIN. T. N. A Construção dos corpos: perspectiva feminista. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2008, p.207-218.

DETH, J. Afinal, que diabos é machismo. 2010.

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FOUCAULT, M. A. Ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2010.

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WITTIG, Monique. La pensée straigh: questions feminists. n. 7, Paris: Tierce, fev. 1980.

nota biográfica:

Zuleide Paiva da Silva é Bibliotecária, Professora Assistente da Universidade Estado da Bahia. Doutoranda do Programa
Multi- institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC), mestre em “Gênero, Mulheres e
Feminismos”, pelo PPG/NEIM/UFBA.

[1] Trabalho orientado pelo Professor Doutor José Luiz Michinel do Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em
Didfusão do Conhecimento, da Universidade Federal da Bahia -(DMMDC UFBA)

[2] Bibliotecária, Professora Assistente da Universidade Estado da Bahia. Doutoranda do Programa Multi- institucional e
Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento (DMMDC), mestre em “Gênero, Mulheres e Feminismos”, pelo
PPG/NEIM/UFBA.

[3] Em 2010, pela primeira vez na história do Brasil, foi preciso pouco mais de uma hora de apuração após o fechamento das
urnas em todo o país para que a matemática confirmasse a eleição da primeira mulher à Presidência da Republica. A

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candidata petista Dilma Rousseff foi eleita com 55,99% dos votos.
[4<] Disponível em: http://radioleszone.com.br/pelafresta/?p=190. Acessado em 19/06/2011.

[5] Lista dos assuntos indicados nas mensagens que compõem o “Bafão do Kit gay” Reportagegem intitulada “Lula: o papai
noel dos gays”, postada em publicada na revista VEJA (2010). Disponível em: <[6]
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/lula-o-papai-noel-dos-gays/>

[7] http://portal.mj.gov.br/sedh/homofobia/planolgbt.pdf

[8] Disponível em http://www.eloslgbt.org.br/2011/05/nota-oficial-sobre-o-projeto-escola-sem.html. Acesso em 21/06/2011.

labrys, études féministes/ estudos feministas


juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012 - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012

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