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A primeira parte do trajeto nos levará a percorrer 108 anos da história do país,
desde a independência, em 1822, até o final da Primeira República, em 1930. (...) Do
ponto de vista do progresso da cidadania, a única alteração importante que houve
nesse período foi a abolição da escravidão, em 1888.
Por outro lado, a exploração do ouro e do diamante sofreu com maior força a
presença da máquina repressiva e fiscal do sistema colonial. As duas coisas, maior
mobilidade e maior controle, tornaram a região mineradora mais propícia à rebelião
política. (...) O gado desenvolveu-se no interior do país como atividade subsidiária da
grande propriedade agrícola. A pecuária era menos concentrada do que o latifúndio,
usava menos mão-de-obra escrava e tinha sobre a mineração a vantagem de fugir ao
controle das autoridades coloniais.
Não se pode dizer que os senhores fossem cidadãos. Eram, sem dúvida, livres,
votavam e eram votados nas eleições municipais. Eram os “homens bons” do período
colonial.
A justiça do rei tinha alcance limitado, ou porque não atingia os locais mais
afastados das cidades, ou porque sofria a oposição da justiça privada dos grandes
proprietários, ou porque não tinha autonomia perante as autoridades executivas, ou,
finalmente, por estar sujeita à corrupção dos magistrados. (...) Mulheres e escravos
estavam sob a jurisdição privada dos senhores, não tinham acesso à justiça para se
defenderem. Aos escravos só restava o recurso da fuga e da formação de quilombos.
Não havia república no Brasil, isto é, não havia sociedade política; não havia
“repúblicos”, isto é, não havia cidadãos.
A eleição era indireta, feita em dois turnos. (...) Nos municípios, os vereadores
e juízes de paz eram eleitos pelos votantes em um só turno.
Ainda pelo lado positivo, note-se que houve eleições ininterruptas de 1822 até
1930. (...) A proclamação da República, em 1889, também interrompeu as eleições
por muito pouco tempo; elas foram retomadas já no ano seguinte. A frequência das
eleições era também grande, pois os mandatos de vereadores e juízes de paz eram de
dois anos, havia eleições de senadores sempre que um deles morria, e a Câmara dos
Deputados era dissolvida com frequência.
Nas áreas rurais e urbanas, havia ainda o poder dos comandantes da Guarda
Nacional. A Guarda era uma organização militarizada que abrangia toda a população
adulta masculina.
A maior parte dos cidadãos do novo país não tinha tido prática do exercício do
voto durante a Colônia. (...) Apenas pequena parte da população urbana teria noção
aproximada da natureza e do funcionamento das novas instituições.
Mas votar, muitos votavam. Eram convocados às eleições pelos patrões, pelas
autoridades do governo, pelos juízes de paz, pelos delegados de polícia, pelos
párocos, pelos comandantes da Guarda Nacional. A luta política era intensa e
violenta. (...) O chefe político local não podia perder as eleições. A derrota significava
desprestígio e perda de controle de cargos públicos, como os de delegados de polícia,
de juiz municipal, de coletor de rendas, de postos na Guarda Nacional. (...) As
eleições eram frequentemente tumultuadas e violentas. (...) No período inicial, a
formação das mesas eleitorais dependia da aclamação popular. Aparentemente, um
procedimento muito democrático. (...) E imagine-se que tudo isto acontecia dentro das
Igrejas! (...) O principal era o cabalista.
Havia ainda uma razão material para combater o voto ampliado. (...) A vitória
era importante para manter seu prestígio e o apoio do governo. (...) Além disso, como
vimos, o votante ficava cada vez mais esperto e exigia pagamentos cada vez maiores.
A do Paraguai teve sem dúvida este efeito. (...) A guerra veio alterar a
situação. (...) Podem-se mencionar a apresentação de milhares de voluntários no início
da guerra, a valorização do hino e da bandeira, as canções e poesias populares. Caso
marcante foi o de Jovita Feitosa, mulher que se vestiu de homem para ir à guerra a
fim de vingar as mulheres brasileiras injuriadas pelos paraguaios.
1881: Tropeço
Em 1881, a Câmara dos Deputados aprovou lei que introduzia o voto direto,
eliminando o primeiro turno das eleições.
O limite de renda estabelecido pela nova lei, 200 mil-réis, ainda não era muito
alto. Mas a lei era muito rígida no que se referia à maneira de demonstrar a renda. (...)
Muitas pessoas com renda suficiente deixavam de votar por não conseguirem provar
seus rendimentos ou por não estarem dispostas a ter o trabalho de prová-los. Mas
onde a lei de fato limitou o voto foi ao excluir os analfabetos. A razão é simples:
somente 15% da população era alfabetizada, ou 20%, se considerarmos apenas a
população masculina.
A herança colonial pesou mais na área dos direitos civis. (...) Esses três
empecilhos ao exercício da cidadania civil revelaram-se persistentes. A escravidão só
foi abolida em 1888, a grande propriedade ainda exerce seu poder em algumas áreas
do país e a desprivatização do poder público é tema da agenda atual de reformas.
A escravidão
A escravidão estava tão enraizada na sociedade brasileira que não foi colocada
seriamente em questão até o final da guerra contra o Paraguai. (...) Em obediência a
suas exigências, foi votada em 1831 uma lei que considerava o tráfico como pirataria.
(...) Antes de ser votada, houve grande aumento de importação de escravos, o que
permitiu certa redução nas entradas logo após sua aprovação.
Dessa primeira lei contra o tráfico surgiu a expressão “lei para inglês ver”,
significando uma lei, ou promessa, que se faz apenas por formalidade, sem intenção
de a pôr em prática.
Calcula-se que, desde o início do tráfico até 1850, tenham entrado no Brasil 4
milhões de escravos. (...) De início, nos séculos XVI e XVII, concentravam-se na
região produtora de açúcar, sobretudo Pernambuco e Bahia.
A resposta pode ser dada em duas partes. A primeira é que a escravidão era
mais difundida no Brasil do que nos Estados Unidos. (...) A principal razão da guerra
civil de 1860 foi a disputa sobre a introdução ou não da escravidão nos novos estados
que se formavam. (...) A linha era geográfica.
A Grande Propriedade
A Cidadania Operária
Os Direitos Sociais
Com direitos civis e políticos tão precários, seria difícil falar de direitos
sociais. A assistência social estava quase exclusivamente nas mãos de associações
particulares. (...) Irmandades e associações funcionavam em base contratual, isto é, os
benefícios eram proporcionais às contribuições dos membros.
Cidadãos em Negativo
Em 1925, o deputado Gilberto Amado fez um discurso na Câmara em que,
sem citar Couty, repetia a análise, atualizando os dados. (...) Desse milhão, dizia, não
mais de 100 mil, “em cálculo otimista, têm, por sua instrução efetiva e sua capacidade
de julgar e compreender, aptidão cívica no sentido político da expressão”.
Não foi outro o sentido de minha argumentação até aqui. Mas é preciso fazer
duas ponderações.
Além disso, se o povo não era um eleitor ideal e nem sempre teve papel
central nos grandes acontecimentos, como a proclamação da independência e da
República, ele achava com frequência outras maneiras de se manifestar. (...) Em
janeiro de 1822, 8 mil pessoas assinaram o manifesto contra o regresso de D. Pedro a
Portugal.
Isto era muito mais do que a elite, que os considerava selvagens, massas-
brutas, gentalha, estava disposta a fazer.
Mas nenhum líder exerceu qualquer controle sobre a ação popular. Ela teve
espontaneidade e dinâmica próprias.
O SENTIMENTO NACIONAL