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Marcela Zamboni1
1 INTRODUÇÃO
A questão que guiou este estudo está relacionada à construção dos discursos
dos operadores jurídicos em julgamentos de casos de estupro como “verdade” jurídica e fato
social.
O corpus deste trabalho será elaborado a partir da participação e da análise de
uma audiência realizada em meados de 2002, em uma Vara Criminal, das vinte e uma
existentes no Fórum da Cidade do Recife, e será utilizado apenas como um exemplo
ilustrativo que servirá para estabelecer um diálogo com o que vem sendo produzido acerca
da construção da verdade jurídica em casos de estupro.
Este trabalho será dividido da seguinte forma: em primeiro lugar, as questões
consideradas relevantes ao tema serão pontuadas, a partir de estudos teóricos e empíricos
apresentados em outras pesquisas e formulações teóricas. O exemplo demonstrativo será
analisado e confrontado com a bibliografia existente sobre a construção da verdade jurídica
em casos de estupro.
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Professora assistente da UFRPE, na Unidade Acadêmica de Serra Talhada e Doutoranda do Programa de Pós-
Graduação de Sociologia da UFPE.
III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007.
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A hipótese que guiou esse trabalho foi a de que a produção de verdade dos
operadores jurídicos num processo penal extrapola os aspectos legais, embora esse
funcione dentro de uma estrutura técnico-burocrática, a sua dinâmica não está
fundamentada apenas nesta estrutura. Dentre esses aspectos, podem-se explicitar as
disputas e os acordos profissionais como elementos que interferem na produção da
sentença e podem ser combinados ou ainda simulados como aspectos estritamente legais –
com base na tecnologização do discurso e em argumentos retóricos.
A literatura apresentada acima aponta para a permanência de conceitos pré-
modernos, alicerçados na ordem do status. A produção da verdade no fluxo do sistema de
justiça brasileiro, em casos de estupro, ainda carrega essas marcas.
Segue-se adiante, a análise da audiência realizada no Fórum da cidade do
Recife. Apesar da utilização de apenas um caso ilustrativo, pode-se apontar algumas
semelhanças entre os resultados de estudos anteriores e este exemplo ilustrativo, quando
sugerem que os atos são transformados em autos, e a verdade jurídica é produzida não
apenas a partir da aplicabilidade da lei, mas principalmente segundo padrões sociais de
moralidade.
III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007.
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O “corpus” deste trabalho foi formado pelo registro e análise de uma audiência.
Deve-se ressaltar a importância da compreensão dos lugares ocupados por cada ator social,
segundo conflitos e disputas diversas. A atuação dos operadores do Direito varia entre a
informalidade e o controle de vozes. A imparcialidade dos representantes da justiça cede
lugar à participação inflamada ou irônica na sala de audiência.
O momento interacional desnuda aquilo que não foi dito no processo e cria um
novo espaço para compreensão e análise. Percebe-se que o controle interacional se deu
de forma amistosa e pouco formal. A atenção que o Juiz reservou à vítima ocorreu de modo
informal (em nenhum momento, este usou de sua autoridade para intimidar a mesma, muito
pelo contrário, esperou a vítima acalmar-se para dar início à audiência). Ainda num tom
informal e irônico, comentou: “gosto muito de estuprador, adoro estuprador”. Depois da
observação, iniciou a audiência (agora em tom formal) dirigindo-se à vítima: “nos ajude
para julgarmos de acordo com a verdade. Não se envergonhe de falar, pois a senhora foi
vítima”.
O Juiz inicia o processo demonstrando a sua preocupação com “a perda da
virgindade”. O referido tema, presente em estudos anteriores citados acima, apresenta-se
mais uma vez como definidor do status da mulher na sociedade brasileira contemporânea. A
ordem do status toma corpo, enfraquecendo a ordem contratual.
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Os quadros apresentados nas análises das audiências são formados por trechos considerados relevantes para
esse trabalho.
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4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ADORNO, Sérgio (1994). Crime, justiça penal e desigualdade jurídica: as mortes que se
contam no tribunal do júri”, Revista da USP, n.28.
III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS São Luís – MA, 28 a 30 de agosto 2007.
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FOUCAULT, Michel (1997). Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu
pai, Rio de Janeiro, Graal.
LARA, Silvia Hunold Org. (1999). Ordenações Filipinas: livro V, São Paulo, Companhia das
Letras.
MACHADO, Lia Zanotta (1999). Sexo, estupro e purificação, in Mireya Suárez e Lourdes
Bandeira (orgs), Violência, gênero e crime no Distrito Federal, Brasília, Editora ,
Universidade de Brasília.
VARGAS, Joana Domingues (2000). Crimes sexuais e Sistema de Justiça, São Paulo,
IBCCRIM .
VIGARELLO, Georges (1998). História do estupro- violência sexual nos séculos XVI-
XX, Rio de Janeiro, Jorge Zahar.
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