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LICENCIATURA EM MATEMÁTICA
Francisco Regis Alves Vieira
Fortaleza, 2011
Créditos
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Dilma Vana Rousseff Marília Maia Moreira
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Ministro da Educação Saskia Natália Brígido
Fernando Haddad Maria Vanda Silvino da Silva
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Diretor de EaD - CAPES Benghson da Silveira Dantas
Carlos Eduardo Bielschowsky Germano José Barros Pinheiro
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Reitor do IFCE José Albério Beserra
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Pró-Reitor de Ensino Lucas de Brito Arruda
Gilmar Lopes Ribeiro Marco Augusto M. Oliveira Júnior
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Diretora de EAD/IFCE e Coordenadora Roland Gabriel Nogueira Molina
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Régia Talina Silva Araújo Fabrice Marc Joye
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Tecnologia em Hotelaria Lucas do Amaral Saboya
José Solon Sales e Silva Ricardo Werlang
Samantha Onofre Lóssio
Coordenador do Curso de Tibério Bezerra Soares
Licenciatura em Matemática
Priscila Rodrigues de Alcântara Revisão Textual
Aurea Suely Zavam
Elaboração do conteúdo Nukácia Meyre Araújo de Almeida
Francisco Regis Alves Vieira
Revisão Web
Equipe Pedagógica e Design Instrucional Antônio Carlos Marques Júnior
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Glória Monteiro Macedo Secretários
Iraci Moraes Schmidlin Breno Giovanni Silva Araújo
Irene Moura Silva Francisca Venâncio da Silva
Isabel Cristina Pereira da Costa
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Karine Nascimento Portela Ana Paula Gomes Correia
Lívia Maria de Lima Santiago Bernardo Matias de Carvalho
Lourdes Losane Rocha de Sousa Isabella de Castro Britto
Luciana Andrade Rodrigues Wagner Souto Fernandes
Catalogação na Fonte: Islânia Fernandes Araújo (CRB 3 - Nº 917)
CDD – 510.1
Sumário
Aula 1 - Filosofia das Ciências e da Matemática................................. 7
Tópico 1 - Relações entre filosofia das ciências e
filosofia da matemática e o ensino de matemática................................................8
Tópico 2 - A natureza do conhecimento matemático..........................................18
Tópico 3 - Os precursores da filosofia..............................................................24
Nesta parte inicial discutiremos algumas noções introdutórias relacionadas aos cam-
pos de investigação da Filosofia da Matemática e das Ciências. Vamos nos deter ini-
cialmente na demarcação e no interesse de cada uma das áreas e em seguida na
discussão dos elementos mais interessantes com respeito ao ensino de Matemática.
Nesta aula inicial apresentaremos algumas noções fundamentais no âmbito da Filoso-
fia das Ciências e da Filosofia da Matemática, introduziremos também, a partir desta
primeira aula e de modo sistemático nas subseqüentes, alguns termos particulares e
específicos destas áreas de investigação.
Objetivos
• Descrever os pressupostos básicos da Filosofia da Matemática comparando-a com Filosofia
das Ciências.
• Discutir a natureza do saber matemático e alguns exemplos de ordem lógica formal.
• Conhecer os principais pensadores que estabeleceram o terreno fértil para a Filosofia da
Matemática.
7
01
TÓPICO
RELAÇÕES ENTRE FILOSOFIA DAS
CIÊNCIAS E FILOSOFIA DA MATEMÁTICA
E O ENSINO DE MATEMÁTICA
OBJETIVO
Descrever os pressupostos básicos da Filosofia
da Matemática comparando-a com Filosofia das
Ciências.
8 Licenciatura em Matemática
o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua
formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus
produtos intelectuais;
b) Epistemologia global (geral), quando trata do saber globalmente
considerado, com a virtualidade e os problemas do conjunto de sua
organização, quer sejam especulativos, quer científicos;
c) Epistemologia particular, quando trata de levar em consideração A
um campo particular de saber, quer especulativo, quer científico; 1
d) Epistemologia específica, quando trata de levar em conta uma
disciplina intelectualmente constituída em unidade bem definida do T
saber, e de estudá-la de modo próximo, detalhado e técnico, mostrando 1
sua organização, seu funcionamento e as possíveis relações que ela
mantém com as demais disciplinas.
Depois dessas caracterizações, torna-se necessário sublinharmos a ênfase que
daremos ao longo destas aulas à Epistemologia Específica e, de modo particular, à
Epistemologia da Matemática, que possui de modo intrínseco um seu viés filosófico.
Assim, defendemos a compreensão do movimento filosófico da Matemática na medida
em que identificamos mudanças e substituições de paradigmas epistemológicos.
Defendemos, assim, a impossibilidade de compreendermos a Filosofia da
Matemática, muito menos diversos fenômenos que evoluem no universo didático,
histórico, lógico e metodológico (Figura 1), recorrendo-se apenas à Filosofia
das Ciências. Deste modo, daremos ênfase aos elementos apresentados abaixo,
identificados no item (2):
História da Matemática 9
interseção é observada graças à necessidade e insuficiência que muitas áreas do
conhecimento científico apresentam; deste modo, necessitam se apoiar, “importar”
e se ‘apropriar’ de determinados paradigmas e métodos próprios da Matemática para
seu próprio interior, como garantia de rigor e cientificidade.
A
1
T
1
Figura 2: Relações entre Ciências e Matemática (elaboração própria)
Por outro lado, destacamos, também na Figura 2, uma região pertencente ainda
à Filosofia da Matemática que possui vigor próprio, que indicamos por (?), a qual
não é encontrada e/ou identificada em mais nenhuma outra área do conhecimento
científico. Sua importância se explicita na medida em que desenvolvermos nossas
considerações acerca do ensino de Matemática que não pode desprezar a dimensão
filosófica do saber matemático.
Para exemplificar, são esclarecedoras as considerações do professor Jairo José da
Silva, quando, em seu livro intitulado Filosofias da Matemática, destaca:
A matemática entrou na cultura primeiramente como uma técnica, a
de fazer cálculos aritméticos e geométricos elementares, e suas origens
perdem-se nos primórdios da história. Dentre os povos antigos, os
egípcios foram bons matemáticos, como suas realizações técnicas o
atestam, mas os babilônios foram ainda melhores. Mas, ainda que
essas culturas tenham produzido uma matemática reconhecível como
tal, faltava a ela o caráter sistemático, rigoroso, puro – isto é, não
empírico – e, em grande medida, a indiferença com respeito a aplicações
práticas e imediatas que caracterizam o conhecimento matemático, tal
como entendemos hoje (SILVA, 2007, p. 31).
10 Licenciatura em Matemática
transição, encontrado em determinadas fases históricas mais proeminentes, como
as fases históricas discutidas por Silva, são objeto de estudo do que Hilton Japiassu
chamou acima da epistemologia específica da Matemática.
A Filosofia da Matemática que por ora discutimos se interessa por questões
desta natureza. Além disso, vamos discutir, ainda, outros interesses que podem ser
identificados apenas nesta área e em mais nenhuma outra área do conhecimento
científico (Figura 2). A
Destacamos outro trecho de Silva (2007, p.34) com a intenção de ilustrar, em 1
nossa discussão filosófica inicial, a significação do termo Filosofia da Matemática.
O gênio de Euclides, porém, estava no modo como ele fez isso. A T
partir de um sistema mínimo e supostamente completo de verdades 1
não-demonstradas e indemonstráveis – axiomas e postulados
(posteriormente verificou-se que faltavam pressupostos substituídos
pela intuição espacial) -, Euclides, demonstrava racionalmente
todos os enunciados de Os elementos. Estava assim criado o método
axiomático-dedutivo que viria a servir de modelo para toda a
matemática a partir de então: a redução racional (preferivelmente
lógica) de todas as verdades de uma teoria e uma base mínima e
completa de verdades evidentes ou simplesmente pressupostas. Não
havia nada de remotamente similar na matemática não grega.
História da Matemática 11
condições que dizem respeito, quer às contribuições do sujeito, que às
do objeto no processo de estruturação do conhecimento. Portanto, para
Piaget, só há ciência quando estiverem reunidos esse três elementos: (1)
elaboração de fatos; (2) formalização lógico-matemática; (3) controle
experimental (JAPIASSU, 1988, p. 44).
12 Licenciatura em Matemática
Filosofia das Ciências. Retomando a Figura 2, lembramos
que a Filosofia da Matemática é marcada por elementos
particulares que não são encontrados nas outras áreas do
conhecimento científico humano. No início sublinhamos SAIBA MAIS!
uma “crença” equivocada segundo a qual muitos ainda
Para conhecer um pouco mais sobre a
acreditam na possibilidade de se compreender o particular Filosofia das Ciências, acesse o site:
partindo-se do geral (). Assumimos que este ponto de
h t t p : / / w w w. m o l w i c k . c o m / p t / A
vista encontrado no locus acadêmico é completamente metodos-cientificos/528-metodos- 1
equivocado e interpretamos esta atitude e posicionamento experimental.html
epistemológico como uma espécie de “miopia acadêmica”. T
Adotamos, por outro lado, o percurso inverso () por acreditarmos que assim 1
poderemos proporcionar melhor entendimento.
Figura 3: Relação entre o caráter particular e o geral dos saberes científicos (elaboração própria)
Para exemplificar de que modo os sintomas da “miopia” e mesmo, em terminados
casos, cegueira acadêmica pode ocorrer, recordamos a seguinte caracterização
fornecida por Bicudo & Guarnica (2001, p. 19), ao defenderem a supremacia da
Filosofia da Educação sobre a Filosofia da Matemática:
A Filosofia da Educação, por proceder de modo analítico, crítico
e abrangente, volta-se para questões que tratam de como fazer
educação, de aspectos básicos presentes ao ato do educador como é o
caso do ensino, da aprendizagem, de propostas político-pedagógicas,
do local onde a educação se dá e, de maneira sistemática e abrangente,
as analisa, buscando estender seu significado para o mundo e para o
próprio homem.
História da Matemática 13
região de inquérito da matemática, diferencia-se da matemática, pois
não se dispõe a fazer matemática, construindo o conhecimento desta
ciência, mas dedica-se a entender o seu significado no mundo, o sentido
que faz para o homem, de uma perspectiva antropológica e psicológica,
a lógica da construção do seu conhecimento, os modos de expressão
pelos quais aparece e materializa-se, cultural e historicamente, a
A realidade dos seus objetos, a gênese do seu conhecimento (BICUDO;
1 GUARNICA, 2001, p. 27).
14 Licenciatura em Matemática
Mais adiante os autores destacam que o tratamento destas questões é relevante
para a autocompreensão da Matemática e necessário para a definição de propostas
curriculares, por determinar escolhas de conteúdos, atitudes de ensino, expectativas
de aprendizagem, indicadores de avaliação (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 27).
Depois destas ponderações, acreditamos ser insustentável a crença de que a
formação em Filosofia da Educação deve anteceder qualquer formação e informação
relativa à Filosofia da Matemática. Além da maior importância da Filosofia da A
Matemática, no que diz respeito à instrumentalização efetiva do futuro mestre, 1
assumir este posicionamento implica aceitar o diagrama que propomos (Figura 3),
ou melhor, significa compreender o particular, para depois compreender o geral. T
Vários epistemólogos nos fornecem esta lição, entre eles podemos citar Karl Popper 1
e Thomas Khun .
Como tencionamos nesta primeira parte descrever os pressupostos iniciais que
adotaremos neste curso, inclusive suas implicações para o ensino de Matemática,
recordamos ainda que a Filosofia da Matemática interessa-se por questões de caráter:
(i) ontológico: o que existe em Matemática; (ii) epistemológico: como se conhece o
que existe em Matemática e o que pode ser considerado conhecimento matemático;
(iii) axiológico: quando um conhecimento matemático pode ser considerado como
verdadeiro. Estes questionamentos podem nos fornecer elementos para compreender
os processos necessários que tornam nossas crenças matemáticas em conhecimento
matemático válido.
História da Matemática 15
Por focalizar a matemática no contexto da educação, a Filosofia da
Educação Matemática também se coloca questões sobre o conteúdo a
ser ensinado e a ser apreendido e, desse modo, necessita de análises
e reflexões da filosofia da matemática sobre a natureza dos objetos
matemáticos, da veracidade do conhecimento matemático, do valor da
matemática (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 30).
A
1 Esta área de investigação será retomada por nós no final de nossos estudos. Assim,
para prosseguir de acordo com o que acreditamos ser o mais compreensível para o
T leitor (Figura 3), detalharemos a partir deste ponto outras questões relacionadas ao
1 saber matemático.
Nesta lição, discutimos e demarcamos alguns elementos essenciais relacionados
com a Filosofia das Ciências e Filosofia das Matemáticas. No próximo tópico
introduziremos outros elementos que diferenciam e distinguem a evolução do saber
matemático no contexto científico de qualquer outro saber acadêmico.
16 Licenciatura em Matemática
A
1
T
1
02
TÓPICO
A NATUREZA DO
CONHECIMENTO MATEMÁTICO
A
OBJETIVO
1 Discutir a natureza do saber matemático e alguns
18 Licenciatura em Matemática
pela razão, sem o recurso da observação do mundo real (1991, p. 4). Aqui, a razão
empregada pelo autor consiste no recurso de lógica dedutiva e significados de termos,
tipicamente encontrados em definições. Em oposição, conhecimento a posteriori ou
conhecimento empírico consiste em proposições produzidas com respeito a uma base
de experimentos e observações do mundo real.
Mais adiante, Ernest (1991, p.4) esclarece:
O conhecimento matemático é classificado como conhecimento a priori, A
desde que consista de proposições e seja fundamentado a partir da 1
razão. Razão que inclui lógica dedutiva e definições que são usadas
em conjunção de axiomas e postulados, como base para a obtenção de T
inferências. Todavia, a fundação do conhecimento matemático consiste 2
em investigar a verdade nas proposições matemáticas, consiste no
método dedutivo.
História da Matemática 19
tudo decorre daí. Não interessa i que os números são; (isto seria mais um
problema filosófico) o que interessa é como eles se comportam. Embora
os axiomas por ele adotados já fossem conhecidos por Dedekind, tudo
indica que Peano trabalhou independentemente. O mais importante
não são quais os axiomas ele escolheu e sim qual a atitude que ele
adotou, a qual veio a prevalecer na Matemática atual, sob o nome de
A método axiomático.
1
Por outro lado, o que destacamos há pouco nada possui ou apresenta de filosófico,
T todavia a descrição que fizemos acima, com destaque para o item (iii), que caracteriza
2 o princípio de indução matemática, é pura Filosofia da Matemática. Caraça (1951, p.
4) referenda nosso posicionamento quando comenta que:
A ideia de numero natural não é um produto puro do pensamento
humano, independentemente da experiência; os homens não adquirem
primeiro os números naturais para depois contarem; pelo contrário, os
números naturais foram-se formando lentamente pela prática diária
de contagens. A imagem do homem criando de uma maneira completa a
ideia de número, para depois aplicar à prática da contagem, é cômoda,
mas falsa.
20 Licenciatura em Matemática
de Peano, sabemos que x + 0 = x = 0 + x , para todo x Î . Temos também que
x + s( y ) = s(x + y ) , onde x, y Î . Na sequência, o fato banal simbolizado por
1 + 1 = 2 , é verificado formalmente por Ernest (1991, p. 5), após executar dez passos
de inferências lógicas como vemos na Figura 5.
A
1
T
2
História da Matemática 21
A visão absolutista da matemática encontrou e enfrentou vários problemas
(ERNEST, 1991, p. 8) séculos mais tarde, todavia nos deteremos neste assunto,
de modo pormenorizado, nas próximas aulas. Para concluir, destacamos algumas
características do saber matemático, fornecidas por Morris Kline:
Outro uso básico da matemática, sobretudo nestes tempos modernos, tem
sido fornecer uma organização racional para a natureza dos fenômenos.
A Os conceitos, os métodos e conclusões a respeito de que a matemática
1 constitui o substratum das ciências físicas. (KLINE, 1964, p. 5).
22 Licenciatura em Matemática
03
TÓPICO
OS PRECURSORES DA FILOSOFIA
A
OBJETIVO
1 Conhecer os principais pensadores que
VOCÊ SABIA?
N
uma família ateniense de classe alta.
esta parte discutiremos alguns dos principais
pensadores gregos que mais contribuíram
para o estabelecimento inicial de algumas
SAIBA MAIS! doutrinas na Matemática, com destaque para Platão e
Aristóteles.
Platão sustenta que há ideias eternas A primeira figura ilustre a ser lembrada quando
e independentes dos sentidos, como
o um, o dois, etc., ou seja, as Formas falamos de Filosofia da Matemática é Platão. No que diz
Aritméticas e outras como o ponto, respeito ao período de formação de Platão, Barbosa (2009,
a reta, plano, que são as Formas p. 27) explica:
Geométricas. Quando enunciamos
É muito provável que Platão, em torno de seus vinte anos,
propriedades ou relações entre esses
entes, estamos descrevendo relações tenha conhecido Sócrates e freqüentado o seu círculo, não
entre as Formas (CURY, 1994, p. 42). com o intuito de se tornar um filósofo, mas com o propósito
24 Licenciatura em Matemática
de, mediante o estudo da filosofia, aprimorar seus conhecimentos para
a vida política. Todavia, o destino, sempre caprichoso, mudaria por
completo os rumos de seus objetivos.
História da Matemática 25
ao devir mundano, a esse doloroso vir-a-ser, e sofrer as tribulações do
corpo e a ignorância da mente.
Barbosa (2009), no excerto acima, faz referência a uma corrente filosófica absolutista
da Matemática conhecida como logicismo. Discutiremos as principais características
desta corrente nas próximas aulas. De qualquer modo, são esclarecedoras suas
A palavras na medida em que explicam as intenções iniciais do antigo filósofo, e é
1 interessante conhecer as consequências que tiveram e as implicações desta ideologia
ou doutrina do platonismo com relação ao saber matemático. Neste contexto, Barbosa
T (2009, p. 37) acrescenta ainda:
3 Uma boa parte do platonismo, assim como nós o conhecemos hoje, é,
portanto, uma criação posterior a Platão. O platonismo na moderna
filosofia matemática é descrito como uma teoria que trata das verdades
das proposições matemáticas, sendo “usualmente tomado como um
tipo de realismo, equivalente a crença de que os objetos da matemática
tais como os números literalmente existem independentes de nós e de
nossos pensamentos a respeito deles”.
26 Licenciatura em Matemática
imanente, que garante, ele também, uma existência dos objetos
matemáticos independentemente de um sujeito [...].
Silva (2007, p. 40) sublinha que, para Platão, existe uma pluralidade de números
matemáticos. Para ele, não existem vários números ‘2’, e sim a ideia de dois. Se existisse
no mundo ideal apenas um número 2, que sentido teria a identidade 2 + 2 = 4 , na qual
comparecem duas instâncias da ideia de ‘2’ (SILVA, 2007, p. 40). Essa identidade não A
pode ser uma relação entre Ideias numéricas – sendo entidades singulares elas não 1
admitem cópias de si próprias – mas entre números, que precisam então existir em
abundância. Platão teve assim que admitir a existência, além da perfeita Ideia de 2, T
das várias instâncias perfeitas desta Ideia (SILVA, 2007, p. 40). 3
Outros conceitos estudados por Platão que merecem atenção são os conceitos de
números pares e números ímpares. Barbosa (2009, p. 48) acrescenta que os conceitos
de par e ímpar permeiam toda a aritmética platônica, sendo eles capazes de gerar
todos os outros números. Esta dualidade pode indicar certa concordância com o
pitagorismo. E ainda, Platão teria utilizado os números dois e três precisamente por
se tratarem dos primeiros par e ímpar, respectivamente. Na Antiguidade, em geral,
não se considerava o um como número (BARBOSA, 2009, p. 48).
Não podemos esquecer as preocupações de Platão com o ensino e, com respeito a
isto, Barbosa (2009, p. 49) ilustra:
Voltando ao método da hipótese, ele é também utilizado no Mênon.
Nesse diálogo, Platão faz uma brilhante exposição do método socrático
como instrumento de ensino, quando primeiramente leva o escravo a
reconhecer o próprio erro, e depois o induz ao conhecimento certo. O
problema colocado para o escravo é o de calcular a área de um quadrado
de lado 2. Feito isso, Sócrates questiona o
jovem escravo sobre o que aconteceria com
cada linha deste quadrado se a sua área
fosse duplicada [...] Sócrates constrói com ATENÇÃO!
o escravo um novo quadrado sobre aquele
A filosofia da Matemática de Aristóteles
inicialmente dado, o que tem lados com
foi desenvolvida, em parte, em
medida de 2 pés, prolongando os seus lados oposição a de Platão, pois ele critica
até que atinjam a medida 4 pés. O escravo a Teoria das Formas, dizendo que ela
parece estarrecido ao notar que o quadrado não é racional. Para Aristóteles, cada
objeto empírico, cada ser existente, é
construído com as linhas duplicadas do uma unidade e não existe separado de
quadrado original tem o quádruplo de sua sua forma ou essência (CURY, 1994, p.
área. 47).
História da Matemática 27
O discípulo de Platão, Aristóteles (384 – 322 a. C.), permitia-se discordar do
mestre. Em primeiro lugar, Aristóteles não admitia a existência de um reino
transcendente de Ideias e formas matemáticas. As formas geométricas e numéricas
existem, para Aristóteles, apenas como aspectos de objetos e coleções de objetos reais
(SILVA, 2007, p. 43).
Para Aristóteles, os objetos matemáticos são uma abstração apenas ou, na pior
A das hipóteses, uma ficção útil (SILVA, 2007, p. 44). Eles não têm existência separada
1 dos objetos empíricos, são apenas aspectos delas, e se por vezes pensamos como
independentes, isto é, não tem maiores consequências. Um objeto empírico é um
T objeto matemático na medida em que nós podemos considerá-lo do ponto de vista de seu
3 aspecto matemático, ou seja, como um objeto matemático (SILVA, 2007, p. 44).
Machado (1994, p. 21) fornece uma distinção interessante quando declara:
Enquanto que para Platão, os enunciados matemáticos eram
verdadeiros por serem descrições de, ou relações entre, formas
matemáticas de existência objetiva. Aristóteles reabilita o mundo
empírico bem como o trabalho do matemático. E recoloca a questão
de os objetos matemáticos e os enunciados serem verdadeiros ou falsos
não em termos absolutos, mas por serem mais ou menos adequados à
representação do mundo empírico, adequação esta relativa a algum
fim que se objetiva.
28 Licenciatura em Matemática
Mas o posicionamento aristotélico produziu respostas inclusive para os limites da
abstração humana. Neste sentido, Silva (2007, p. 45) questiona: poderíamos, porém,
perguntar, e os números tão grandes que não podem numerar nenhuma coleção real, e
as formas geométricas tão esdrúxulas que não podem dar forma a nenhum objeto real
(como o miriágono, o polígono de dez mil lados)?
O autor acrescenta que a saída vislumbrada por Aristóteles foi admitir que entre
os objetos matemáticos também encontramos formas fictícias. Essas, no entanto, por A
serem construtíveis a partir de certas formas reais, são possíveis na realidade (SILVA, 1
2007, p. 45). De fato:
Um número muito grande pode ser construído, por adição sucessiva de T
unidades, a partir de qualquer número pequeno dado, e o miriágono 3
pode ser construído a partir de figuras geométricas reais, como
círculos e segmentos de reta. Assim, numa compreensão mais ampla,
a matemática, segundo Aristóteles, trata não apenas de formas
abstratas atuais, mas também de formas abstratas possíveis (SILVA,
2007, p. 45).
História da Matemática 29
matemática é, assim, a idealização de um aspecto da bola, e só assim
ela existe.
30 Licenciatura em Matemática
políticos entre os matemáticos, será retomado nas próximas aulas, uma vez que não
se tem uma resposta de argumentação satisfatória.
Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às contribuições de
Aristóteles com relação a algumas noções que funcionam até nossos dias como
pedras angulares para o saber matemático. Um destes exemplos e que foi objeto de
reflexão para Aristóteles diz respeito à noção de infinito.
Em virtude das ponderações aristotélicas, A
desenvolveram-se as noções de infinito atual e infinito 1
potencial, entretanto, no que diz respeito ao aspecto
matemático desta noção, Georg Cantor (1845-1918) ATENÇÃO! T
forneceu o acabamento final, acrescentando alguns Acreditamos que a radical mudança na
3
elementos descuidados por Aristóteles. Com relação a tais abordagem sobre o infinito promovida
por Cantor no final do século XIX pode
noções, Silva (2007, p. 51) acrescenta:
ser melhor destacada com uma análise
Devemo-lhes a distinção fundamental entre sob três ângulos, que interpretamos
o infinito atual e o infinito potencial, ou seja, como três pontos de vista sobre o
entre a noção de uma totalidade finita em infinito: o histórico, o filosófico e o
matemático.
que sempre cabe mais um indefinidamente
– o infinito potencial – e uma totalidade
infinita acabada. Segundo Aristóteles, aos matemáticos bastava a
noção de infinito potencial. Se bem que esta ideia não corresponde à
realidade da prática matemática, uma vez que a noção de infinito
atual é essencial a muitas teorias matemáticas, uma vez que a noção
de infinito atual é essencial a muitas teorias matemáticas, ela foi, e
ainda é, aceita por muitos matemáticos, que não vêem na matemática
do infinito senão uma fonte de absurdos e contradições.
Nas próximas aulas, nos deteremos um pouco mais nestas duas noções
importantes para a Matemática. Para concluir esta seção, discutiremos ainda parte
das contribuições devidas à Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) e Immanuel
Kant (1724-1804) . Machado (1994) explica que cerca de dois mil anos se passaram
para que a obra aristotélica, enquanto Lógica, fosse retomada e desenvolvida.
Segundo Machado (1994, p. 22), Leibniz fornece uma intensa contribuição
ao aceitar a pressuposição aristotélica da forma sujeito-predicado de todas as
proposições. E vai além, ao afirmar que o predicado de uma proposição sempre está
contido, em algum sentido, no sujeito. Machado (1994, p. 22) esclarece que:
Para Leibniz há duas classes de verdades: as verdades da razão e
as verdades dos fatos. As verdades da razão são necessárias e sua
negação não faz sentido. A necessidade se exprime através da análise
História da Matemática 31
e da conseqüente decomposição em proposições mais simples até que
se chegue a um ponto em que a necessidade lógica seja transparente. O
princípio que regula a análise é o da não-contradição, que engloba o da
não identidade e o do terceiro excluído.
32 Licenciatura em Matemática
simbólico, foram elementos auxiliares
ocasionais, Leibniz acreditava que a
representação concreta do pensamento em
símbolos adequados era, segundo suas SAIBA MAIS!
próprias palavras, o “fio de Ariadne”
Experiência sensível: Este termo possui
que conduz a mente. E o desenvolvimento dupla raiz etimológica. A palavra latina
que ele imprime à Lógica decorre do seu experientia de onde deriva a palavra A
experiência, é originária da expressão
propósito de criar um método de representar
grega. Deriva-se também de um uso
1
o pensamento através de signos, de específico da palavra empírico.
características relacionadas com o que se T
está pensando. 3
História da Matemática 33
espaço e no tempo. Não é possível estudá-los, conhecê-los, investigá-
los, percebê-los sensorialmente, sem uma concepção inicial do espaço e
do tempo. A estrutura conceitual do par espaço-tempo é que determina
o modo como o mundo empírico é apreendido. Esta estruturação é,
a uma só vez, sintética e a priori. Ao descrever o tempo e o espaço,
descrevemos não impressões sensíveis de algo situado fora de nós, do
A mundo empírico, mas sim as matrizes permanentes, invariantes, de
1 tais conceitos, que existem em nós, independentemente das impressões
sensíveis e que são a condição de possibilidade de atuar no mundo
T empírico. E a matemática, enquanto se refere ao espaço e ao tempo,
3 é constituída de proposições sintéticas a priori e não analíticas, como
anteriormente era considerada.
O principal mecanismo de acesso a tais entes não se dá mais por meios dos órgãos
sensoriais, e sim, por meio da razão introspectiva.
As ideias repercutidas por estes personagens emblemáticos receberam séculos
mais tarde uma enorme atenção de matemáticos e filósofos modernos. O interessante
será reservado a uma análise da forma como tais ideologias ainda se manifestam e
condicionam as formas de veiculação e ensino do saber matemático. Na próxima
aula, discutiremos as implicações deste pensamento filosófico antigo.
ATIVIDADES DE APROFUNDAMENTO
34 Licenciatura em Matemática
Aula 2
Filosofia da Matemática
Nas próximas seções, nos deteremos em alguns dos pressupostos fundamentais as-
sumidos pelas principais correntes filosóficas da Matemática. Uma das implicações
mais importantes diz respeito à identificação de distorções e incongruências relacio-
nadas ao ensino de Matemática. Tais distorções se referem à interpretação dos fenô-
menos relacionados a este ensino sob o viés de teorias pedagógicas de campos de
saberes não aplicáveis e insuficientes ao saber matemático. Assim, o conhecimento
das correntes filosóficas da Matemática poderá instrumentalizar o futuro professor
no sentido de proporcionar uma leitura filosófica de sua própria prática docente.
Objetivo:
• Conhecer as principais correntes absolutistas da Matemática.
• Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático e os fundamentos da teorização de
Piaget e suas implicações para o ensino.
35
01
TÓPICO
AS CORRENTES FILOSÓFICAS
DA MATEMÁTICA
A
OBJETIVO
1 Conhecer as principais correntes absolutistas da
T Matemática.
3
1
2
36 Licenciatura em Matemática
Certamente que a classificação fornecida por Machado (1994) é de caráter
esquemático e pedagógico, uma vez que é impossível enquadrar de modo indiscutível
todas as concepções nesta camisa-de-força (MACHADO, 1994, p. 26). No contexto
histórico, identificamos que, no final do século passado, a Matemática havia-
se desenvolvido enormemente, com os trabalhos de Leonhard Euler, Johann Carl
Friedrich Gauss (no século XVIII) e as contribuições, principalmente os resultados
obtidos por Georg Cantor (no século XIX). A
Cury (1994, p. 53) destaca que alguns filósofos matemáticos, no entanto, estavam 2
preocupados com o surgimento de paradoxos e contradições na Lógica e na Teoria dos
Conjuntos. Assim, com a intenção de identificar critérios mais rigorosos e confiáveis T
no sentido de fundamentar a Matemática, desenvolveram-se três escolas de filosofia, 1
cuja influência se faz sentir até os dias atuais: o Logicismo, o Intuicionismo e o
Formalismo (CURY, 1994, p. 53).
Ao declarar que seus efeitos ainda podem ser identificados nos dias de hoje, Cury
faz um parêntese importante que nos auxiliará no aprofundamento com respeito à
atividade avaliativa em Matemática. Muitos tentam compreender e descrever este
fenômeno específico por meio de teorias “importadas” de outros campos do saber, o
que resulta em uma leitura e significação de caráter retórico, pouco operacional no
que diz respeito à sua aplicação no ensino efetivo de Matemática.
Iniciamos nossa discussão com uma reflexão de
Russell (1920, p. 18) quando alerta que:
Matemática e lógica, historicamente,
têm sidoestudos inteiramente distintos
VOCÊ SABIA?
[...] Mas ambos têm se desenvolvido
em tempos modernos; a lógica tornou-se Bertrand Russell foi um matemático,
filósofo, lógico e historiador
mais matemática e matemática tornou-
matemático inglês.
se mais lógica. A conseqüência é que
agora se tornou completamente impossível traçar uma linha entre
os dois, na verdade os dois são um só [..] A prova da sua identidade é,
naturalmente, uma questão de detalhe.
História da Matemática 37
Silva (2007, p. 127) acentua que a estratégia logicista de Frege começa com uma
releitura das distinções kantianas. Frege nos alerta de saída para nunca confundirmos
o lógico com o psicológico. Em sua concepção:
A razão é simples, representações são “cópias” das coisas em nossa
mente, elas são objetos mentais, e qualquer tentativa de definir
analiticidade em termos de representações mentais corre o risco de ser
A contaminada pelo psicologismo. Para Frege, essa distinção entre o a
2 priori e o posteriori, é puramente lógica [...] (SILVA, 2007, p. 127).
38 Licenciatura em Matemática
em tal proposição observamos que sua demonstração se fundamenta em fatos e
verdades gerais, ela será a priori (SILVA, 2007, p. 127). De modo resumido, temos o
quadro sistemático de classificação segundo as concepções de Frege.
Quanto à
Proposições Características
demonstração
Emprega verdades de
Proposição sintética escopo limitado para
Quando recorre apenas a A
assegurar sua validade
verdades gerais (a priori)
2
Quando se fundamenta
Sua verificação envolve
em verdades T
Proposição analítica
o recurso de leis gerais
da lógica e definições
particulares, não 1
demonstráveis (a
formais
posteriori)
Quadro 1: Propriedades das proposições (SILVA, 2007, p. 133)
História da Matemática 39
progressiva dos conceitos matemáticos, passo a passo. Neste sentido, destaca o papel
da abstração humana como a capacidade ontológica do indivíduo que proporciona
determinados saltos, avanços e retrocessos qualitativos do indivíduo.
Nesse sentido, Russell (1981, p. 9) salienta que os antigos geômetras gregos ao
passarem das regras de agrimensura empíricas egípcias e proposições gerais pelas quais
se constatou estarem aquelas regras justificadas, e daí para os axiomas e postulados
A de Euclides, estavam praticando a Filosofia da Matemática. Por outro lado, uma vez
2 atingido os axiomas e postulados, o seu emprego dedutivo, como testemunhamos em
Euclides, pertencia à matemática no sentido comum. A distinção entre matemática e
T filosofia da matemática depende do interesse que inspire a pesquisa e da etapa por esta
1 atingida e não das proposições às quais a investigação esteja afetada (RUSSELL, 1981,
p. 9).
Russell, considerado um filósofo logicista, ressaltava alguns aspectos que
deveriam ser tomados com vigilância pelos próprios logicistas. Em suas palavras,
percebemos alguma destas ressalvas:
Uma vez toda a matemática pura e tradicional reduzida à teoria dos
números naturais, o passo seguinte na análise lógica, foi reduzir essa
própria teoria ao menor conjunto de premissas e termos não definidos
dos quais se pudesse ser derivada. Esse trabalho foi realizado por Peano.
Ele mostrou que toda a teoria dos números naturais podia ser derivada
de três ideias primitivas e cinco proposições primitivas, além daquelas
da Lógica pura. Essas três ideias e cinco proposições tornaram-se,
desse modo, por assim dizer, as garantias de toda a matemática pura.
Seu “peso” lógico, caso se possa usar tal expressão, é igual ao de toda a
série de ciências deduzidas da teoria dos números naturais; a verdade
das cinco proposições primitivas, desde que, naturalmente, nada haja
de errôneo no aparato lógico também envolvido (1981, p. 12).
40 Licenciatura em Matemática
Cury (1994, p. 54) menciona que alguns dos logicistas mereceram destaque, como
Russell e Whitehead. Cury chama atenção para o coroamento das pesquisas de vários
matemáticos que antecederam os logicistas. Neste sentido, destacamos o simbolismo
exagerado e a formalização presentes na obra escrita por Russell intitulada Principia
Mathematica mostram que, para os seus autores, a matemática existe em um “céu
platônico”, desligada dos problemas humanos.
Cury (1994, p. 54) destaca, no entanto que: A
[...] a tentativa de Russell e Whitehead de mostrar que a matemática 2
clássica pode ser reduzida à Lógica não estava completa. Para evitar
os paradoxos e as críticas que surgiam à sua obra, Russell teve que T
edificar a teoria dos tipos e assumir o axioma do infinito, que não tem 1
caráter lógico estrito, pois é uma hipótese sobre o mundo real. Assim,
o programa logicista não teve êxito em sua tentativa de assegurar a
visão absolutista da matemática.
No final de sua vida, Russell abandonou a visão platônica em que se apoiara nos seus
trabalhos iniciais, talvez pelo desencanto em relação às possibilidades de fundamentar
a matemática (CURY, 1994, p. 54). Machado (1994, p. 27) salienta que:
A Lógica elementar contém regras de quantificação que provêem a
matemática de instrumental eficiente quando se trata de frases onde
esteja bem-estabelecida a caracterização do indivíduo e do atributo,
distinção essa que sabemos de raízes aristotélicas. Entretanto, ela
não admite, sem enfrentar dificuldades, regras de quantificação para
expressões bem-formadas onde atributos são tratados como indivíduos.
Assim, frases do tipo “todos os indivíduos i têm o atributo A” ou
“existe um indivíduo i que tem o atributo A” não oferecem problemas;
mas frases como “todos os atributos A têm o atributo B” ou “existe um
atributo A que tem o atributo B” conduziriam a dificuldades lógicas.
História da Matemática 41
Ora, se as resposta é sim, não é membro de M, de acordo com a definição
estabelecida há pouco. Por outro lado, supondo que M não se contém a si mesmo,
tem de ser membro de M, de acordo mais uma vez com a definição de M. Deste modo,
as afirmações “M é membro de M” e “M não é membro de M” conduzem ambas
a inconsistências e contradições. Já no sistema devido a Frege, M corresponde ao
conceito e não recai no conceito de sua definição. O sistema de Frege conduz ainda
A a outras contradições.
2 Para concluir, vamos recordar o Paradoxo do Barbeiro de Sevilha. Tal paradoxo
é explicado a partir da Lógica e da Teoria dos Conjuntos. O paradoxo envolve uma
T aldeia onde, todos os dias um barbeiro faz a barba de todos os homens que não se
1 barbeiam a si próprios e a mais ninguém. Ora, tal aldeia pode existir? O raciocínio
nos conduz a duas possibilidades: i) se o barbeiro não se barbeia a si mesmo, então
terá de fazer a barba de si mesmo; (ii) se o barbeiro se barbear a si mesmo, de acordo
com a regra estabelecida, ele não pode se barbear a si mesmo.
A regra anterior caracteriza uma situação indecidível . O paradoxo costuma ser
atribuído a Bertrand Russell, um matemático britânico que no ano de 1901 elaborou
este paradoxo para demonstrar a natureza auto-contraditória e inconsistente da teoria
dos conjuntos estruturada por Cantor. Não nos deteremos de modo aprofundado
nestas questões que exigem um conhecimento aprofundado de lógica e noções e
programação.
Machado (1994, p. 27) discute outro paradoxo:
Consideremos o conjunto cujos elementos são os catálogos de livros
(indivíduos). Diremos que um catálogo é normal (atributo) se ele
não se incluir entre os livros que cita; se ele se incluir, será anormal.
Consideremos, agora, o conjunto de todos os catálogos normais e
organizemos o catálogo de todos os catálogos normais (indivíduo?). Este
catálogo será normal ou anormal? Se ele for normal, ele não se incluirá,
por definição deste atributo e, portanto, deverá se incluir uma vez que
é o catálogo de todos os catálogos normais, sendo, consequentemente,
anormal. Se ele for anormal, ele se incluirá e, portanto, será normal,
uma vez que só inclui os normais. E agora?.
42 Licenciatura em Matemática
um jogo formal sem sentido, constituído de marcas no papel, seguindo regras. O seu
maior proponente foi David Hilbert. A corrente formalista teve em Kant profunda
inspiração, assim como em Leibniz, que na sua lógica fundou o logicismo. Para
Kant, o papel que a lógica desempenha é semelhante ao papel em qualquer outro
setor do conhecimento. Podemos caracterizar um pressuposto formalista a partir das
considerações de Machado (1994, p. 29) quando observa que tal corrente:
Considera que, sem dúvida, em matemática, os teoremas decorrem de A
axiomas, de acordo com as leis da lógica. Nega, no entanto, que os 2
axiomas constituem eles mesmos princípios lógicos ou conseqüências,
de tais princípios. Admite, isto sim, que eles sejam descritivos da T
estrutura dos dados da percepção sensível, em particular, do espaço 1
e tempo.
História da Matemática 43
Machado (1994, p. 30) responde que uma teoria formal consta de termos
primitivos, regras de formação de fórmulas a partir delas, axiomas ou postulados,
regras de inferências e teoremas. De modo esquemático, vemos o diagrama proposto
na Figura 1, em que o autor descreve a organização epistemológica de uma teoria.
A
2
T
1
Como se sabe, o sistema formal elaborado por Euclides para a Geometria, durante
mais de dois mil anos, permaneceu soberano como descritivo da estrutura perceptual
do espaço. Tendo como termos primitivos as noções de ponto, reta e plano, Euclides
enunciou os cinco postulados para este sistema formal:
P1 : É possível traçar uma linha reta de qualquer ponto a qualquer ponto;
P2 : Qualquer segmento de reta finito pode ser prolongado indefinidamente para
constituir uma linha reta;
P3 : Dados um ponto qualquer e uma distância qualquer, pode-se traçar um
círculo de centro naquele ponto e raio igual à distância dada;
P4 : Todos os ângulos retos são iguais entre si;
44 Licenciatura em Matemática
P5 : Se uma reta cortar duas outras de modo que os dois ângulos interiores de um
mesmo lado tenham soma menor que dois ângulos retos, então as duas outras retas
se cruzarão, se prolongadas indefinidamente, do lado da primeira reta em que se
encontram os dois ângulos citados.
A
2
T
1
Machado (1994, p. 32) explica ainda que Euclides assumiu outros cinco princípios
de caráter mais geral, de natureza que julgava lógica e que seriam utilizados em todas
as matérias. Estes princípios ele chamou de axiomas:
A1 : Duas coisas iguais a uma terceira coisa são iguais entre si;
A2 : Se parcelas iguais forem somadas a quantias iguais os resultados obtidos
serão iguais;
A3 : Se quantias iguais forem subtraídas de quantias iguais, os restos obtidos
serão iguais;
História da Matemática 45
A4 : Coisas que coincidem umas com as outras são iguais entre si;
A5 : O todo é maior do que cada uma das partes.
Machado (1994, p. 32) sublinha que a ideia subjacente à fixação dos postulados
e axiomas é que eles sejam de tal modo evidentes que ninguém deles duvide. E a
partir deles que todos os fatos geométricos, todos os teoremas são demonstrados. Por
outro lado, um problema profundo de natureza filosófica diz respeito ao caráter de
A “evidência” atribuído aos axiomas e postulados. Neste sentido, Machado (1994, p.
2 32) sublinha que:
1 matemáticos desde o início, uma vez que ele parecia menos evidente
que os demais, anômalo em algum sentido que não era explicitamente
percebido. Na verdade, o 5º postulado parecia um teorema como os
inúmeros demonstrados por Euclides e não faltaram candidatos, ao
longo dos séculos, a tentarem demonstrá-lo a partir dos outros quatro.
O problema maior apontado no trecho acima diz respeito ao caráter não tão
evidente do 5º postulado. Como consequência deste caráter de incredibilidade e
falta de consenso da comunidade, não faltaram candidatos, ao longo dos séculos, a
tentarem demonstrá-lo partir dos outros quatro (MACHADO, 1994, p. 32). Como essa
ideia se mostrou impraticável e tratou-se de uma tarefa não trivial, os esforços se
modificaram na tentativa de substituição do 5º postulado por outro enunciado de
natureza mais simples ou evidente. Todavia, tais iniciativas mostraram que existem
muitos outros princípios geométricos capazes de substituir o 5º postulado, sem que o
sistema formal (Figura 1) perca qualquer de seus teoremas (MACHADO, 1994, p. 32).
A partir daí, a História da Matemática descreve o advento das Geometrias Não
Euclidianas. Nestas novas geometrias, coisas estranhas e propriedades que contrariam
nossos sentidos, erigidos a partir dos modelos euclidianos, são exploradas. Por
exemplo, podemos recordar o problema que descreve que partindo de um ponto da
Terra, um caçador andou 10 km para Sul, 10 km para Leste e 10 km para Norte,
voltando assim ao ponto de partida. Aí encontrou um urso. Qual a cor do urso?
À primeira vista, podemos imaginar que esta situação problema não possui
solução e, portanto, o caçador não retornaria ao ponto de partida, como mostra o
esquema da figura 3. No entanto, não podemos esquecer o fato de que a Terra não
é uma superfície plana, mas curva. Assim, a solução está à vista: andando 10Km
segundo aquelas três direções perpendiculares, o caçador só voltará ao ponto inicial
de partida se iniciar sua caminhada no Pólo Norte. Mas enquanto ao urso?
46 Licenciatura em Matemática
Com a história toda se desenvolve no Pólo Norte, só pode ser um urso polar e
por isso um urso de cor branca. Toda a dificuldade na solução deste problema passa
pelo fato de pensarmos na Geometria sobre um plano. Note-se que desde o século
passado, com o aparecimento de Geometria Não Euclidiana, surge uma nova solução
para este problema.
A
2
T
1
.
Figura 3: O problema do urso polar envolvendo noções de geometrias não euclidianas
Vamos pensar ainda que o caçador está no Pólo Sul e a Terra possui círculos
concêntricos, com comprimentos distintos. Um desses círculos terá 10 km de
comprimento então, qualquer que seja o ponto, situado a 10km para a direção norte
desse círculo, satisfará as condições e exigências do problema inicial. De fato, o
caçador anda 10 km para a direção Sul e chega a esse circulo; em seguida anda 10km
para a direção Leste e dá uma volta completa; ao andar 10km para a direção Norte,
retorna ao mesmo ponto de origem. Nesta nova solução esta ainda o urso, todavia,
não existem ursos no Pólo Sul. Se bem que os ursos não tem relação alguma com a
Matemática, tem?
No século XVIII, o matemático italiano Sachieri fez outro tipo de tentativa: em
vez de demonstrar o 5º postulado de Euclides, a partir dos demais postulados ou de
propor um substituto mais evidente, ele investigou a independência deste postulado
em relação aos outros quatro (MACHADO, 1994, p. 33). Seu plano é descrito por
Machado (1994, p. 33) do seguinte modo:
[...] era admitir os quatro primeiros postulados e negar o 5º postulado,
para efeito de discussão, considerando o novo sistema formal resultante.
Naturalmente ele [Sachieri] esperava, com este novo sistema, chegar
História da Matemática 47
a absurdos, a contradições que revelassem a necessidade formal do
5º postulado. No entanto, curiosamente, Sachieri não obteve o que
esperava, não deparou com nenhuma inconsistência, tendo, isto
sim, demonstrado muitos resultados considerados “estranhos” e
que se caracterizariam, mais tarde, como os teoremas de uma nova
Geometria.
A
2 Na sequencia, exibimos a Figura 4, na qual visualizamos alguns dos resultados
emblemáticos da Geometria euclidiana que podem não ser esperados nas Geometrias
T não euclidianas, como a propriedade que diz que a soma dos ângulos internos de um
1 triângulo vale dois ângulos retos conforme demonstrada por Euclides.
48 Licenciatura em Matemática
reduzi-la à logica ou dos formalistas de alcançar uma formalização rigorosa resulta
em mal entendidos fundamentais sobre a natureza da matemática. Para Brouwer, os
formalistas concebiam a Matemática como constituída de duas partes: um conteúdo
específico, autônomo e uma linguagem que dependia, para o seu crédito, da Lógica.
Por outro lado, o ponto de vista do intuicionismo, é:
[...] o de que a matemática é uma construção de entidades abstratas,
a partir da intuição do matemático, e tal construção prescinde de uma A
redução à linguagem especial que é a lógica ou de uma formalização 2
rigorosa em um sistema dedutivo. Admitem os intuicionistas
a utilidade dos sistemas formais, mas os consideram produtos T
acessórios resultantes de uma atividade autônoma, construtiva. E, 1
com certo desprezo, atribuem à linguagem matemática uma função
essencialmente pedagógica (MACHADO, 1994, p. 40).
Para concluir esta seção, destacamos que esta corrente filosófica sofreu vários
reveses, parte deles foram assentados em fatos matemáticos que aparentemente
resultavam de contradições em relação às informações obtidas por intermédio da
intuição matemática. Em outras aulas, nos deteremos um pouco mais na compreensão
de uma habilidade cognitiva que chamamos de intuição, e que proporciona uma
atitude filosófica na Matemática. Na próxima seção, diferenciaremos e traçaremos
algumas críticas e distorções ao ensino de Matemática que assume o pressuposto
construtivista.
História da Matemática 49
02
TÓPICO
O CONSTRUTIVISMO NA MATEMÁTICA
E O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO
A
OBJETIVO
1 Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático
50 Licenciatura em Matemática
na gênese dessas leis lógicas. O formalismo pregou que os sistemas
formais, que utilizavam essas mesmas leis, constituiriam em si o
objeto da matemática, independentemente de suas interpretações. Mas
também não deu grandes passos no sentido de investigar o mecanismo
que possibilita a concordância, mais cedo ou mais tarde, destes sistemas
abstratos com o real através das interpretações. O intuicionismo deixou
em permanente penumbra a dinâmica das intuições que conduziam os A
matemáticos à criação de seu mundo autônomo. Nunca esclareceu o 2
modo como se mesclavam as concepções a priori sobre o espaço e o
tempo e as construções dos matemáticos. T
2
De modo semelhante ao discutido por Ermest (1991), neste trecho acima Machado
aponta de modo consistente os pontos mais delicados das correntes que discutimos
na seção anterior. Ademais, Machado (1994) insere nesta discussão as formulações
de Piaget, todavia, antes de discutirmos seu ponto de vista, torna-se imperioso
compreendermos a corrente filosófica construtivista pertencente à Filosofia da
Matemática, que se diferencia de modo substancial do construtivismo piagetiano.
Neste sentido, Ernest (1991, p. 11) declara que o
programa construtivista diz respeito à reconstrução do
conhecimento matemático (e reformulação da prática
matemática). Seu objetivo caracterizou-se por rejeitar ATENÇÃO!
argumentos não construtivistas, tais como os argumentos O princípio do Terceiro Excluído
de Cantor relacionados a não enumerabilidade do conjunto diz que uma proposição pode ser
dos números reais, e as leis da lógica relacionada ao verdadeira se não for falsa e só pode ser
falsa se não for verdadeira.
Princípio do Terceiro Excluído. Os construtivistas da
Matemática mais conhecidos foram Brouwer e Arend
Heyting (1898-1980) que foi um matemático holandês. Ademais variadas dimensões
do construtivismo podem ser identificas hoje em dia (ERNEST, 1991, p. 11).
Esta corrente filosófica reúne matemáticos que acreditam que a Matemática
clássica necessita ser reconstruída a partir de métodos e raciocínio adequado. Os
construtivistas assumem que tanto as verdades matemáticas como os objetos existentes
da matemática precisam ser estabelecidos por meio de métodos construtivos (ERNEST,
1991, p. 11).
Ernest (1991, p. 12) explica que, considerando a clássica demonstração de
existência matemática em demonstrações, deve-se de modo similar demonstrar a
necessidade lógica da existência, e uma prova construtiva da existência pode mostrar
como construir o objeto matemático cuja existência é defendida. Por outro lado, os
História da Matemática 51
construtivistas não demonstraram que existem problemas inescapáveis diante de
problemas clássicos de matemática (ERNEST, 1991, p. 12).
Todavia, de modo semelhante às outras correntes filosóficas absolutistas, a
perspectiva construtivista na Matemática, em alguns resultados, mostrou-se
inconsistente em relação a alguns resultados da Matemática clássica. Com respeito a
esta tendência verificada, Jairo (2007, p. 143) esclarece:
A Considerando a linguagem e os métodos caracteristicamente
2 construtivos da matemática grega, o construtivismo remonta à
Antiguidade Clássica. Mas como uma filosofia da matemática, em
T particular uma ontologia e uma epistemologia, ele é mais moderno;
2 Kepler foi talvez o primeiro a dizer explicitamente que uma figura
geométrica não construída não existe. Mas o pioneiro na elaboração de
uma filosofia construtivista da matemática foi Kant e, de um modo ou
de outro, todos os filósofos da matemática de orientação construtivista
são seus herdeiros.
Kant não hesitou em negar como matemática tudo aquilo que não fosse atual ou
potencialmente construído, neste sentido, as raízes quadradas de números negativos
foram seriamente evitados. Segundo o próprio Kant, essas raízes são pseudonúmeros,
por não admitirem exemplificação intuitiva (SILVA, 2007, p. 143). No entanto, foi no
final do século XIX, primeiras décadas do século XX, que o construtivismo ganhou
maior vigor na comunidade de matemáticos. Jairo (2007, p. 145) comenta ainda que:
Construtivistas, como Poincaré e Brouwer, preferiam deixar Deus e
a lógica para apelar para a intuição humana. Eles acreditavam que
é no interior da consciência humana e suas vivências que os números
naturais se constituem e suas verdades se fundamentam. Não há,
segundo eles, como definir esses números em termos mais elementares.
Poincaré, além de ridicularizar todo o projeto logicista, criticou, como
mencionamos há pouco, as tentativas de Dedekind de definir o conceito
de número natural. São esses os herdeiros legítimos de Kant.
52 Licenciatura em Matemática
aprendizagem, apesar de seus pressupostos iniciais indicarem elementos diferenciados
de natureza epistemológica e filosófica.
Seu principal expoente foi Jean Piaget (1896-1980), que sempre manifestou
profundas inspirações no conhecimento matemático. Para ele, as soluções clássicas
do problema da relação da Matemática com a realidade se encerravam no dilema: ou
a matemática se impõe, a priori, à realidade empírica, ou a matemática é construída a
partir de construções abstratas que emergem da realidade (MACHADO, 1994, p. 42). A
Machado (1994, p. 42) explica o dilema piagetiano ressaltando: 2
Em outras palavras, as soluções clássicas do problema da relação da
matemática com a realidade se encerram no dilema: ou a matemática T
se impõe, a priori, à realidade empírica, ou a matemática é construída 2
a partir de construções abstratas que emergem desta realidade. Em
outras palavras, as soluções caracterizam ou uma proeminência do
sujeito do conhecimento ou uma proeminência do objeto do conhecimento,
permanecendo presas a esta dicotomia.
História da Matemática 53
generalizado a operação inversa da adição: a “subtração lógica”,
interpretando o que os logicista chamam de “negação” (PIAGET,
1937, p. 99, tradução nossa.)
No excerto acima, identificamos o vocábulo
conhecido na Matemática como “grupo”. Mais adiante no
mesmo artigo, o próprio Jean Piaget discute propriedades
ATENÇÃO!
A especificas relacionadas com a noção de grupo quando
2 Em Matemática o conceito de Grupo é menciona:
dado como um conjunto de elementos Cremos ter encontrado analogias de estruturas do que
T associados a uma operação que
concerne a composição, a associatividade e inversas. Quanto
2 combina dois elementos quaisquer
para formar um terceiro elemento Para à operação idêntica, uma diferença fundamental se opõe
se qualificar um grupo, o conjunto e ao grupo lógico com respeito aos grupos aritméticos: cada
a operação devem satisfazer algumas igualdade desempenha um papel idêntico com respeito à
condições chamadas de axiomas de
grupo: associatividade, identidade e igualdade de ordem inferior. Esta oposição, que se relaciona
existência de elementos inversos. A com respeito ao bloqueio de classes umas sobre as outras na
ubiquidade dos grupos em inúmeras ausência de interação na lógica mostra que muito diferente
áreas – dentro e fora da matemática
possível entre os dois tipos de grupos, e destacamos outras
– os tornam um princípio central nas
ciências. (PIAGET, 1937, p. 100, tradução nossa).
54 Licenciatura em Matemática
Para concluir, Machado (1994, p. 43) destaca as profundas preocupações de
Piaget com a Matemática ao declarar que:
Grosso modo, sua proposta é de fundar a lógica nessa moderna
Psicologia, científica e objetiva. Ele pretende que, em sua origem, as
operações lógico-matemáticas procedam diretamente das ações mais
gerais que podemos exercer sobre objetos ou grupos de objetos. Elas
consistem em estabelecer correspondências contar, reunir, associar, A
dissociar, ordenar, etc. A gênese das operações lógico-matemáticas 2
deve ser buscada, segundo ele, neste aspecto de atividade coordenadora
das ações físicas mais elementares. T
2
Deste modo, a perspectiva filosófica de Piaget pode ser descrita do seguinte
modo, no que diz respeito ao desenvolvimento da Matemática:
1) os entes matemáticos originam-se da coordenação das ações físicas mais gerais
que o sujeito exerce sobre o objeto;
2) desta ligação, tais entes se distanciam mais e mais do objeto concreto,
entretanto, conservam o poder de reunirem ao objeto, de se reencontrarem com a
realidade imediata em todos os níveis, de dizerem respeito à realidade, por mais alto
que seja o vôo alcançado.
Mais adiante, Machado (1994, p. 43) levanta algumas questões de ordem filosófica:
a) Como, apesar deste afastamento da realidade, o pensamento matemático segue
fecundo?
b) O que possibilita este constante acordo com a realidade? Qual a condição de
possibilidade de tal compatibilidade?
Piaget responde alguns destes questionamentos quando declara que o pensamento
matemático é fecundo porque, ao ser uma assimilação do real às coordenadas gerais da
ação, é, essencialmente, operatório (PIAGET, 1978, apud MACHADO, 1994, p. 44).
Assim, alguns de seus pressupostos envolvem a intenção de explicar as operações
de composição das ações básicas em novas ações mais complexas que se estabelecem
e se sobrepõem às anteriores, na dependência de um caráter de operacionalidade.
Para Piaget, é inexato dizer que os entes matemáticos e as estruturas matemáticas
se formam a partir do objeto isolado. Para ele, o pensamento matemático em relação
à realidade física:
É criação e agrega a ela em lugar de abstrair algo ou de extrair sua matéria...
antecipa experiências, em alguns casos, antes que se produzam, e lhes
proporciona marcos antes que a idéia de tais experiências haja germinado no
pensamento (PIAGET, 1978, apud, MACHADO, 1994, p. 44).
História da Matemática 55
Na Figura 5 abaixo, descrevemos as relações que podem ser estabelecidas entre
o sujeito do conhecimento (indivíduo) e um objeto matemático. Note-se que vários
pensadores discutem as formas (dimensão filosófica) e maneiras da ocorrência de
um fenômeno (dimensão cognitiva) que conhecemos por abstração matemática, que,
depois da perspectiva piagetiana, passou a ser melhor compreendido.
A
2
T
2
Machado (1994, p. 46) exalta o ponto de vista original piagetiano quando declara
que:
O fato de Piaget ter concentrado seus esforços na Psicologia teve
como conseqüência uma aparência de maior aproximação de seu
trabalho da prática docente o que conduziu a diversas tentativas de
fundamentação de uma didática para a matemática. Entretanto,
o superdimensionamento da componente psicológica da atividade
didática, em detrimento de outros fatores, frequentemente mais
proeminentes, é um dado que compromete tais tentativas, por não ser
circunstancial, mas sim inteiramente decorrente da visão piagetiana
da relação da matemática com a realidade.
56 Licenciatura em Matemática
estruturas algébricas matemáticas (MAIO, 2002). Desse modo, sem dispor de uma
formação razoável em Matemática. não se pode esperar compreender Piaget.
Ademais, as pessoas costumam valorizar a face visível da Matemática, e neste
sentido, a dimensão lúdica recebe destaque, entretanto a beleza ou curiosidade
realçada por um educador adquire sentido na medida em que compreendemos
também o modelo lógico-matemático que reside nestas aplicações, alias, observamos
com frequência exemplos de aplicações supérfluas que, no final das contas, em nada A
acrescentam ao conhecimento do futuro professor de Matemática. 2
O segundo ponto que requer vigilância se refere à necessidade de adquirirmos um
“olhar filosófico” do conhecimento matemático. De fato, observamos vários exemplos T
de pensadores que destacam a ‘beleza’ do saber matemático quando vislumbrado 2
por meio de uma perspectiva filosófica, embora o domínio do conteúdo seja ainda
uma condição imprescindível para esta visão filosófica.
O terceiro ponto que requer vigilância se relaciona com os desdobramentos e
consequências das correntes filosóficas (formalismo, logicismo e intuicionismo) que
discutimos nas seções anteriores. Veremos que algumas delas mostraram-se mais
marcantes do que outras e conseguiram um espaço maior de influência, tanto no
que diz respeito à atitude do professor, quanto ao que pode ser relacionado à sua
práxis em sala de aula. Algumas destas “distorções” e “incongruências” no ensino
de Matemática são determinadas, em maior ou menor parte, por algumas dessas
correntes filosóficas. Nesse ponto, identificamos um discurso acadêmico, ancorado
em conhecimentos que apresentam campos epistêmicos distintos da própria
Matemática, todavia empregados de modo inadequado e superficial para explicar/
significar/compreender as distorções no ensino desta ciência.
Para encerrar, salientamos nesta aula a discussão em torno das correntes filosóficas
absolutistas da Matemática. Neste rol de posicionamentos filosóficos, discutimos o
construtivismo na Matemática e o distinguimos do construtivismo de Piaget. Com
relação a um observador mais atento, as conseqüências destas tendências podem ser
observadas no ambiente escolar em nossos dias e não podem ser confundidas com
movimentos pedagógicos inerentes às outras áreas do conhecimento.
História da Matemática 57
58 Licenciatura em Matemática
Aula 3
Arquimedes e a Noção de Demonstração
Objetivo:
• Reconhecer os aspectos filosóficos relacionados às definições matemáticas.
• Identificar as influências das correntes filosóficas no ensino atual de Matemática.
• Identificar as características de uma definição matemática vinculando-as ao ensino.
59
01
TÓPICO
SOBRE A NATUREZA DAS
DEFINIÇÕES MATEMÁTICAS
A
OBJETIVOS
1
2 Reconhecer os aspectos filosóficos relacionados às
T definições matemáticas.
1
2
3
4
60 Licenciatura em Matemática
As definições matemáticas, como Maroger explica, assumem um papel essencial
para a compreensão dos objetos da Matemática. E não se pode perder de vista
que a compreensão de tais objetos depende do seu caráter sintático, semântico e
das propriedades intrínsecas condicionadas pelas suas regras formais explicitadas
a priori ou a posteriori, com referência ao momento do estabelecimento de suas
respectivas definições formais dentro de uma teoria.
Em muitos casos, teoremas, corolários e regras caracterizarão o modo de A
manipular, calcular, empregar e, de modo essencial, de compreender e raciocinar 3
com determinados objetos. Uma definição matemática condiciona uma determinada
manipulação e/ou operação mental. De fato, Maroger (1908, p. 67) explica que a T
definição tem precisamente por objetivo assegurar uma especificação semelhante, de 1
fornecer uma realidade, subjetiva ao menos, no sentido filosófico da palavra, a um
objeto do pensamento.
Quando definimos axiomaticamente um objeto matemático ou realizamos
formalmente a sua construção, adquirimos a possibilidade de distinguir/diferenciar
este objeto definido dos demais. Adquirimos a possibilidade de raciocinar e
conjecturar sobre tal objeto, que agora passa a ser um objeto de nosso pensamento,
de nossa reflexão. Neste sentido, Buffet (2003, p. 20) recorda que D´Alembert
atribuía importância às definições pois elas abreviam o discurso, e a inexatitude de
uma definição pode impedir a obtenção da verdadeira significação da palavra. Por
outro lado, em Matemática, não se pode perder de vista que estamos numa espécie
de camisa de força, dentro de um sistema teórico formal. Assim, seu uso constante a
todo o momento é exigido.
Em virtude deste fato, devemos ficar atentos no sentido de respeitar as
propriedades previamente existentes ao objeto definido. Acrescentamos que uma
única condição, mais absoluta, será requerida para a validade de uma definição: que
esta não implica numa contradição, em outros termos, que o objeto definido seja possível
(MAROGER, 1908, p. 67).
Maroger adverte que a criação/estabelecimento de uma definição matemática, por
um lado, não pode ser abusiva, e, por outro, não pode ser comparada à liberdade de
um poeta. Ela esta condicionada e amarrada ao sistema teórico em que determinado
objeto matemático é definido. Por exemplo, quando nos referimos ao Cálculo
Diferencial e Integral, estamos sujeitos a determinadas regras particulares que se
diferenciam das regras peculiares à Álgebra baseada em modelos finitos.
Maroger (1908, p. 68) discute uma questão fundamental formulada do seguinte
modo: Todos os objetos, todas as noções de especulação matemática, podem ser
definidos? Dito de outro modo, não existem noções que sabemos caracterizar o
História da Matemática 61
mais claro possível e que, portanto, podem permanecer
indefiníveis, de forma rigorosa? Maroger acrescenta que,
depois de Pascal, não se pode mais conceber tal idéia (1908,
SAIBA MAIS! p. 68), uma vez que Blaise Pascal (1623-1662) foi um
Blaise Pascal foi um matemático francês matemático que se destacou, entre outros motivos, pela
que contribuiu para a sistematização sua preocupação demasiada com o papel das definições em
do método científico e a pesquisa em
A Matemática.
Matemática.
3 Com o intuito de enriquecer nossa discussão e
extrair algumas implicações relacionadas aos objetos da
T Matemática, adotamos provisoriamente as distinções assumidas por Maroger. Assim,
1 diremos resumidamente que existem dois tipos de definições matemáticas. A saber:
Definições matemáticas que necessitam das propriedades características do objeto
matemático definido, as quais podemos demonstrar sua existência;
Definições matemáticas que prescindem do objeto definido, sem demonstrar sua
existência.
Maroger assinala que a diferença entre as duas
caracterizações remonta a episódios sobre a história
do pensamento matemático e acrescenta ainda que as
VOCÊ SABIA? definições do primeiro tipo definem o objeto, enquanto
a segunda somente caracteriza-o e são chamadas apenas
Henri Poincaré foi considerado
por muitos como um matemático por caracterizações. Resumidamente, as definições, de fato,
universal. Com trabalhos nas áreas de são as primeiras e, em termos filosóficos, são chamadas de:
Matemática e Física Teórica. definições reais, causais, por generação ou genéticas.
Veremos que no primeiro caso, em que as definições
requerem a verificação do objeto definido, podem ocorrer dificuldades, sobretudo
de compreensão, nas situações ordinárias do seu ensino. Por outro lado, um aspecto
mencionado pelo autor é que uma definição é a melhor possível, quando podemos
legitimá-la de uma forma mais simples possível (MAROGER, 1908, p. 71).
Neste contexto de discussão, vale lembrar que não existe somente uma
única forma de se definir um objeto que lhe é submetido (MAROGER, 1908, p. 71).
Assim, dependendo de nossos objetivos, no caso do matemático profissional são
investigativos, mas, também, podem ser objetivos com vistas ao ensino, temos a
possibilidade de escolher a definição que melhor nos apraz e/ou a definição que
proporciona melhores condições ao entendimento.
62 Licenciatura em Matemática
aspectos que foram objeto de análise por parte de Poincaré (1904), destacam-se
suas preocupações relacionadas à intuição matemática e as definições matemáticas.
Poincaré questiona sobre o papel das demonstrações em Matemática, interroga
se a compreensão de uma demonstração de um teorema se limita a examinar
sucessivamente cada silogismo e constatar que são corretos. Pergunta ainda se no
caso de compreendermos uma definição matemática, se seria suficiente constatar que
não se obteria uma contradição com o seu emprego (POINCARÉ, 1904, p. 258). A
Mais adiante ele sublinha que, para cada palavra, é necessário se acrescentar uma 3
imagem sensível; é necessário que a definição matemática evoque tal imagem e que a
cada passo da demonstração pode-se observar sua evolução. Somente nesta condição T
ocorrerá a compreensão. (POINCARÉ, 1904, p. 259). 1
Poincaré questiona a posição tradicional de seus
contemporâneos ao declarar que para compreender as
propriedades que geraram uma definição, é necessário
apelar à experiência ou a intuição, sem o que os teoremas VOCÊ SABIA?
seriam perfeitamente rigorosos, mas perfeitamente inúteis
Louis Liard foi Professor da École
(POINCARÉ, 1904, p. 263). Entretanto, como encontrar
Normal de Paris, lecionava Filosofia e
um enunciado conciso que satisfaça ao mesmo tempo as Letras. Foi diretor do ensino superior
regras da lógica e ao nosso desejo de compreender o local em um ministério francês.
novo de uma noção dentro da ciência matemática, e a
necessidade de pensar por meio de imagens?
Poincaré destaca a importância do raciocínio intuitivo na produção das definições
matemáticas que não podem ser meramente arbitrárias e baseadas puramente em
argumentos lógicos. Finaliza dizendo que grande parte das definições matemáticas,
como demonstrou Louis Liard, são verdadeiras construções edificadas sobre noções
mais simples (POINCARÉ, 1904, p. 268).
Na tese de doutorado Des définitions géométriques et des définitions empiriques,
Louis Liard (1846-1917) desenvolve uma profunda reflexão sobre os elementos
essenciais que constituem as definições matemáticas. Logo no início do seu trabalho,
o referido autor explica que descrevemos as representações e definimos as ideias.
Descrever é determinar a circunscrição de um indivíduo; definir é determinar a
circunscrição de uma idéia. A descrição se faz por acidente, e a definição por meio de
essência (LIARD, 1873, p. 7).
Liard discute a origem das noções geométricas que derivam da experiência, como
podemos observar no seguinte trecho:
Em toda figura existem elementos, os quais se podem encontrar
sua origem na experiência, a saber: o conteúdo, o limite e a forma
História da Matemática 63
do conteúdo, a exterioridade da figura com respeito ao pensamento.
Um teorema enuncia a relação entre uma figura e uma propriedade
geométrica; a definição nos faz conhecer a essência de uma forma
determinada. Quando dizemos que a definição é uma generalização de
nossa experiência, queremos dizer generalização entre as noções que
compreendem a figura e sua forma (LIARD, 1873, p. 31)
A
3 Talvez o matemático mais famoso pela criação de “boas” notações tenha sido,
segundo Cajori (1929, p. 181), G. W. Leibniz. Num de seus manuscritos, comentados
T por Couturat (1901, p. 86), Florian Cajori esclarece que os algarismos árabes possuem
1 sobre os algarismos romanos a vantagem de melhor expressar a “gênese” dos números,
e em seguida sua definição, de sorte que sejam mais cômodos, não somente pela forma
de escrevê-los, mas também pelo cálculo mental. Cajori recorda que Leibniz mostrou
a importância atribuída aos signos e as condições de sua utilidade.
A invenção do Cálculo Infinitesimal procede da pesquisa de símbolos os mais
apropriados (COUTURAT, 1901, p 87). O matemático confirma a perspectiva de
Leibniz sobre a importância capital e a proficuidade vantajosa de um símbolo bem
escolhido. Veremos agora de que maneira a notação relacionada a uma definição pode
interferir diretamente na aprendizagem e no ensino do Cálculo quando nos atemos
a uma análise pormenorizada de natureza filosófica. Por exemplo, já comentamos
em textos passados que Cauchy e D´Alembert grafavam o símbolo de limites como
Limf (x ) , enquanto em notação moderna os livros adotam a notação lim x®a f (x ) .
A vertente filosófica essencialista exaltava a dimensão construtiva dos objetos
matemáticos. Aristóteles, por exemplo, se refere às definições matemáticas como uma
espécie de discurso, que deve exprimir a essência das coisas. Em sua tese, Buffet
(2003, p. 29), valendo-se das palavras de Aristóteles, ilustra assim seu ponto de
vista: Para conhecer a essência, é necessário encontrar o gênero ao qual pertence à coisa
e seu tratamento particular que diferencia esta coisa das outras.
Observando este último excerto, quando analisamos um objeto cuja natureza é
essencialmente algébrica, identificamos aspectos que não se mostram ausentes em
relação a outro objeto de natureza essencialmente geométrica. Em relação a esta última
categoria de objetos, Bonnel (1870, p. 28) aponta como uma qualidade essencial de uma
definição geométrica é que a figura, que deve ser definida, seja possível. E acrescenta
que, para demonstrar que uma construção é possível, é suficiente explicitar o meio de
executá-la. Na Figura 1, destacamos alguns elementos relacionados ao ensino.
64 Licenciatura em Matemática
A
3
T
1
Figura 1: Relações identificadas no ensino de Matemática (elaboração própria).
História da Matemática 65
de validade dentro de um sistema simbólico. Couturat (1901, p. 88), por sua vez,
comentou que para Leibniz tais sistemas devem ser concisos: eles são destinados a
abreviar o trabalho do espírito, condensando qualquer tipo de raciocínio. A partir daí,
vemos a utilidade ou a necessidade em Matemática, na qual os teoremas são, segundo
a expressão francesa de Couturat (1901, p. 88), “abregés de pensée”.
Leibniz, citado por Couturat (1901, p. 89) forneceu uma profunda reflexão que
A não pode ser esquecida pelo professor de Matemática quando sublinhou que a fraca
3 capacidade do espírito não pode abranger e nem ser exposto ao mesmo tempo além
do que um pequeno número de ideias, nem efetuar de uma única vez mais do que
T uma dedução imediata e simples.
1 O matemático alemão desenvolveu uma verdadeira teoria da definição, pois os
únicos princípios primeiros para Leibniz são as definições. Uma demonstração, para
ele, parece um encadeamento de definições e distingue, na arte de demonstrar, duas
outras artes: a arte de definir (l´art de definir) e a arte de combinar definições (l´art de
combiner les définitions) (BUFFET, 2003, p. 31).
Como vimos, vários matemáticos e filósofos destacam e caracterizam o papel
das definições matemáticas. Outro aspecto que pode ser encarado como uma
consequência imediata desta preocupação diz respeito à compreensão que o professor
de Matemática precisa possuir para antever os aspectos positivos e os aspectos
negativos, com relação ao entendimento dos estudantes, vinculados à natureza de
uma definição matemática. Ou de outra forma, existem definições mais adaptadas ao
ensino do que outras? Existem definições matemáticas formais mais intuitivas do que
outras? No que se refere à caracterização lógica de uma definição, qual a melhor e
mais acessível ao entendimento dos aprendizes?
Questionamentos desta natureza são incongruentes com teorias generalistas para
o ensino. Por outro lado, quando assumimos desde o início a importância do estudo
da filosofia própria da Matemática, nos instrumentalizamos com mecanismos mais
precisos para a análise de nossa realidade, para compreender a esfera de práticas do
professor de Matemática. Vejamos um exemplo no qual evidenciamos de que modo
a natureza de uma definição matemática pode intervir diretamente no ensino de
Matemática.
No ensino ordinário, os estudantes aprendem o conceito e são apresentados
à definição formal de função bijetora, quando existe uma aplicação f : A ® B ,
de modo que (i) "x, y Î A, com x ¹ y ® f(x) ¹ f(y) ; (ii) f ( A) = B . A primeira é
conhecida como injetividade e a segunda propriedade diz respeito à sobrejetividade.
Por outro lado, do ponto de vista da lógica, temos outra formulação equivalente
a que descrevemos em (i), declarando que: (iii) "x, y Î A , se f (x ) = f ( y ) ® x = y .
66 Licenciatura em Matemática
Se admitirmos (i) como inferência direta, o que descrevemos em (iii) é sua
contrarrecíproca. E sabemos que p ® q (direta ) Û ~ q ® ~ p (contra-recíproca) .
O problema metodológico é: Qual das duas formas de definir uma propriedade
da função f : A ® B é mais viável para o ensino do que a outra.? Qual das duas
definições envolve uma melhor interpretação geométrica?
Por exemplo, se consideramos a definição (i), dados "x, y Î A, com x ¹ y ,
digamos x < y , poderemos determinar os elementos no plano ´ . Notamos A
na Figura 2-I que podemos representar suas imagens no gráfico. A dificuldade é 3
conseguir condições formais de verificar que f(x) ¹ f(y) . Muitos matemáticos
formalistas desacreditavam o raciocínio matemático apoiado em figuras e desenhos. T
Por outro lado, para verificar a condição equivalente (iii), necessitamos da 1
condição geométrica descrita algebricamente por f (x ) = f ( y ) . Note-se que na
Figura 2 do lado direito, necessitaríamos verificar que não pode acontecer x < y e
também que x > y . Nota-se que, no primeiro caso, nossa preocupação metodológica
recairá sobre a necessidade de verificar, do ponto de vista lógico, que f (x ) < f ( y )
ou f (x ) > f ( y ) . Por outro lado, no caso de (iii), o esforço didático recai sobre a
necessidade de verificação que não pode ocorrer a condição x < y e também a outra
possibilidade x > y . Deste modo, dependendo da definição de injetividade adotada,
o professor enfrentará maiores ou menores dificuldades metodológicas.
História da Matemática 67
realiza o valor numérico, por meio da regra formal característica da função geral
f : A ® B . Sua negação pode ser mais complicada ainda, de fato, na Figura 3,
lado esquerdo: Como investigar um possível elemento que nunca poderá realizar a
propriedade desejada que declara a igualdade f ( A) = B ?
A
3
T
1
68 Licenciatura em Matemática
A
3
T
1
02
TÓPICO
AS INFLUÊNCIAS DAS CORRENTES
FILOSÓFICAS NO ENSINO ATUAL
A
OBJETIVO
1
2 Identificar as influências das correntes filosóficas no
1
2
3
4
C omo comentamos nas aulas anteriores, pessoas que carregam consigo apenas
uma aprendizagem e único contato com a Matemática a partir do cenário
escolar, como estudantes, dificilmente conseguem perceber, descrever,
identificar e compreender os condicionantes demarcados ao longo dos séculos
provenientes das correntes filosóficas que apresentam um caráter epistemológico de
raízes profundas no saber matemático.
Tal fato pode ser observado na postura pedagógica do ensino escolar e, de modo
especial, nas práticas avaliativas que se desenvolvem em torno do saber matemático.
Como já descrevemos na disciplina de Didática da Matemática, o maior problema
enfrentado pela maioria dos cursos de graduação no Estado do Ceará diz respeito
à situação em que o futuro professor de Matemática não estuda na graduação
aquilo que vai ensinar. Ademais, parte do que se estuda na graduação compõe-
70 Licenciatura em Matemática
se de disciplinas que veiculam saberes de natureza epistemológica de outras áreas
do conhecimento, distintas da Matemática, portanto nem sempre são aplicáveis,
adequadas e suficientes para a explicação/predição de fenômenos intrínsecos da
Matemática.
De modo particular, reforçamos nossa última argumentação nos valendo das
palavras de Souza e Fernandes (2010, p. 28):
Por isto, é necessário que, na prática avaliativa, para que esta A
realmente seja desenvolvida de forma qualitativa, é necessário que o 3
professor tenha compreensão das concepções e princípios de avaliação.
A partir daí, ao tomar conhecimento de conceitos avaliativos, das T
referidas metodologias e dos instrumentos de avaliação, tal prática 2
provavelmente se tornará mais eficaz.
História da Matemática 71
Outros elementos que merecem atenção dizem respeito ao ato de avaliar a
aprendizagem em relação a um conceito de Matemática ou à definição vinculada ao
referido conceito. Embora o aprofundamento destas questões tenha sido realizado
na disciplina de Didática da Matemática, é oportuno destacar a sugestão fornecida
por Souza e Fernandes (2010, p. 28) quando aconselham:
Todavia, a avaliação é um processo que deve ser realizado a partir dos
A resultados obtidos das atitudes tomadas pelo educando diante do saber
3 escolar. Diante da atividade do aluno, o professor deve analisar não
apenas o resultado como também os saberes mobilizados pelo aluno
T para chegar a resposta final. Assim, o professor poderá perceber o
2 nível de conhecimento do aluno e analisar se ele necessita ou não de
acompanhamento, bem como quais ações pedagógicas são necessárias
para que o aluno continue o processo de aprendizagem.
72 Licenciatura em Matemática
professor considera que as regras formais de uso do conteúdo são mais
importantes do que o significado que é atribuído a esse conteúdo. E
são as regras que contam na avaliação, uma vez que ela é feita com
base no uso das mesmas regras em uma prova. Mesmo quando o
professor salienta sua preocupação com o desenvolvimento da questão,
essa observação se refere ao encadeamento lógico dos raciocínios, à
elegância, à correção, ao rigor das provas apresentadas, ou seja, A
àqueles elementos valorizados pela comunidade matemática, segundo 3
os quais um trabalho na área pode ou não habilitar-se a ser lido pelos
membros da comunidade (CURY, 1994, p. 69). T
2
Cury (1994) faz referência às concepções, práticas de ensino, rituais introjetados,
cristalizados e condicionados pelas correntes absolutistas ou por seus prolongamentos.
Tais concepções e visões sobre o conteúdo e seu ensino dificilmente podem ser
explicados por teorias oriundas de outros campos epistêmicos, nomeadamente as
teorias do campo pedagógico das ciências humanas. Basta evidenciar, por exemplo,
que, se um educador observar que quando o professor considera que as regras formais
de uso do conteúdo são mais importantes do que o significado que é atribuído a esse
conteúdo, esse educador interpretará tal fenômeno a partir da corrente pedagógica
tecnicista, o que nos parece um equívoco e desconhecimento gritante. Mas se um
matemático observar o mesmo fato interpretará e identificará as influências diretas
da corrente filosófica formalista, devida a David Hilbert.
Outra influência considerável das correntes filosóficas é observada nas
determinações curriculares na Matemática. Nota-se que não nos referimos a um
currículo qualquer, de uma área do conhecimento geral e, sim, de modo específico,
ao currículo de Matemática. Uma obra que merece destaque e que foi amplamente
divulgada nos Estados Unidos, no final da década de 60, é O fracasso da Matemática
Moderna, do matemático norte-americano Morris Kline, um protagonista da
reforma do ensino da Matemática que ocorreu na segunda metade do século XX,
um período que inclui os programas da Nova Matemática. Em 1956, Professor
de Matemática, revista publicada por Kline, responsabiliza os professores pelos
fracassos dos alunos. Kline (1976, p. 34) escreveu: Há um problema estudantil,
mas também existem três outros fatores que são responsáveis pelo estado atual da
aprendizagem matemática, ou seja, os currículos, os textos, e os professores. O discurso
tocou um nervo, e as mudanças começaram a acontecer. Reproduzimos abaixo um
trecho do livro no qual o autor descreve o estado e as características equivocadas do
currículo de Matemática daquela época.
História da Matemática 73
Embora o currículo tradicional tenha sido algo afetado nos últimos anos
pelo espírito de reforma, suas características básicas são facilmente
descritas. Os primeiros seis graus da escola elementar são dedicados à
aritmética. No sétimo e oitavo graus, os alunos aprendem um pouco de
álgebra e os fatos simples de geometria, tais como fórmulas para a área e o
volume de figuras comuns. O primeiro ano de escola secundária preocupa-
A se com álgebra elementar, o segundo com geometria dedutiva e o terceiro
3 com mais álgebra (geralmente denominada álgebra intermediária) e com
trigonometria. O quarto ano de escola secundária geralmente abrange
T geometria sólida e álgebra adiantada [...] Houve, frequentemente, várias
2 criticas sérias que se aplicam ao currículo. A primeira critica diz respeito
à álgebra presente no mesmo que força o aluno a memorização em
detrimento da compreensão (KLINE, 1976, P. 19).
74 Licenciatura em Matemática
Kline, como constamos a seguir, descreve de modo melancólico a análise
do currículo com relação aos conceitos de Álgebra e de Geometria e aponta um
dos conhecimentos que são menos aprofundados nos cursos de graduação. Tal
conhecimento diz respeito à Geometria Plana e Espacial herdada de Euclides. E o
mais curioso em nossos dias é que se perguntarmos a um aluno da escola regular
suas preferências, ele exclamará sem pestanejar que prefere Álgebra em vez de
Geometria. O que ocorre de mais irônico, para não dizer trágico, é que se fizermos a A
mesma pergunta para um professor de Matemática recém formado, ele dirá também 3
que prefere ensinar Álgebra, em detrimento da Geometria dedutiva. Com respeito a
tal cenário, Kline (1976) observa: T
Após um ano deste estudo de álgebra, o currículo tradicional passa 2
para a geometria euclidiana. Nela a matemática torna-se subitamente
dedutiva, isto é, o texto começa com definições das figuras geométricas
e com axiomas ou asserções que presumivelmente são “obviamente
verdadeiras” acerca das figuras. Eles provam depois teoremas aplicando
o raciocínio dedutivo aos axiomas. Os teoremas seguem um ao outro
numa sequência lógica; quer dizer, as demonstrações dos teoremas
posteriores dependem das conclusões já estabelecidas nos anteriores.
Esta mudança repentina de álgebra mecânica para a geometria
dedutiva certamente transtorna a maioria dos alunos. Até então, em
seu estudo de Matemática, não aprenderam o que “demonstração” é e
tem que estar senhor deste conceito além, da aprendizagem da própria
matéria (p. 22).
Por fim, Kline aponta um problema que depende da visão e das concepções que
o professor de Matemática constrói, ao longo de sua carreira, sobre a Matemática.
Neste sentido, se o docente não consegue identificar e compreender a “beleza”
do conhecimento matemático, nunca conseguirá transmitir tal sensação para seus
educandos, sem falar nos casos em que o professor leciona Matemática por que não
encontrou outra maneira de garantir sua subsistência material ou por que está a
espera de uma outra oportunidade profissional. Com respeito a isto, Kline (1976, p.
23) declara no trecho abaixo:
Além de poucas falhas que já descrevemos, o currículo tradicional sofre
do defeito mais grave que se pode lançar sobre qualquer currículo:
falta da motivação. A própria matemática – para empregarmos as
palavras do famoso matemático do século vinte, Hermann Weyl, - tem
a qualidade não humana da luz estelar, brilhante e nítida, porém, fria.
História da Matemática 75
É também abstrata. Trata de conceitos mentais embora alguns, como os
geométricos, possam ser visualizados. Dadas ambas as considerações,
de sua qualidade fria e caráter abstrato, muito poucos são os estudantes
que se sentem atraídos por esta matéria de ensino (p. 23).
O trecho acima nos serve de modo eficiente para discutir linhas de pensamento
que em nada explicam, caracterizam ou prevêem as mudanças ocorridas ao longo
dos séculos no currículo de Matemática. Nossa posição é clara no sentido de que não
adianta buscar formar o futuro professor para a cidadania, no sentido de desenvolver
um ensino inclusivo, prazeroso, “lúdico”, se ele mesmo não consegue fazer seus
alunos compreenderem o motivo e a justificativa pela qual multiplicamos as linhas
pelas colunas de uma matriz.
Em outras palavras, antes de tomar consciência de que o campo curricular
não constitui apenas uma técnica, o futuro professor deve compreender que a
constituição do currículo de Matemática sempre foi o resultado do embate e do jogo
de poder entre matemáticos, num determinado período histórico em que o saber
matemático sempre serviu de paradigma para a evolução das sociedades e para a
fundamentação de outras áreas do saber, e não o contrário.
Neste sentido, Santos (2008, p. 176) recorda as ideias diferenciadas do físico
teórico e epistemólogo Thomas Khun (1922-1996), quando comenta que:
Muitos dos opositores da idéia de revolução em matemática
argumentam que as verdades nesse campo são sempre preservadas,
mesmo com o aparecimento de novas teorias. Por esse motivo, o uso do
conceito de revolução nestes casos é um erro, já que esse conceito traz
76 Licenciatura em Matemática
consigo aquilo que foi chamado a pouco de princípio de destituição do
antigo regime.
Santos (2008, p. 177) indica ainda o locus científico onde devemos nos acomodar
para o desenvolvimento de uma análise filosófica adequada ao acrescentar que:
As revoluções em matemática se parecem com certos eventos que, por
vezes, também percebemos ocorrer nas ciências naturais. A teoria da
relatividade de Einstein é, sem dúvida, um marco na história da física
e da astronomia contemporânea. Depois de Einstein componentes
curriculares em cursos de graduação e de pós-graduação tiveram que
ser revistos, novos campos de pesquisa foram abertos, livros escolares
se tornaram ultrapassados. Em suma, a física e a astronomia do século
XX em diante não pode mais ser considerada a mesma desde então.
História da Matemática 77
formadores de professores no ambiente de graduação. Assim, admite-se que o professor sabe
este conteúdo e priorizam-se tópicos de Matemática avançada.
Neste contexto de discussão é que a Filosofia da Matemática pode fornecer um viés
de análise privilegiada para o professor. Nesse sentido, seria auspicioso para o professor
saber identificar os desdobramentos e condicionantes das antigas correntes filosóficas da
Matemática em sua sala de aula, na própria maneira de conceber, assim como saber explicar
A o significado do conhecimento matemático.
3 A título de exemplo, Cury (1994, p. 44) discute um condicionante interessante ao afirmar
que:
T Vemos, aqui, germe da seleção pela matemática, pois ela servirá
2 para os eleitos. Quando estudada em profundidade, propicia-lhe
chegar à verdade. O seu uso para os cálculos cotidianos é considerado
desprezível, assim como eram os mercadores e negociantes frente aos
guerreiros. Está estabelecida a separação entre a matemática pura e a
aplicada, com a evidente valorização da primeira (p. 44).
78 Licenciatura em Matemática
se identifica sempre com uma afirmação verdadeira sobre algo. Isto
é, um conhecimento é sempre a compreensão de uma verdade. Não
é possível, portanto, um conhecimento sobre algo que não exista,
dado que nenhuma verdade, assim como nenhuma falsidade, pode ser
afirmada sobre o que não existe.
História da Matemática 79
Outro exemplo é o nome do maior trabalho de Lakatos, Provas e
refutações é um jogo direto sobre Conjecturas e refutações de Popper.
A partir de Lakatos, a LDM passa a ser objeto de estudo filosófico nas ciências da
Matemática. De modo sistemático, Jesus (2002) propõe a seguinte tabela explicativa
que distingue o pensamento generalista de Popper (LDC – Lógica da Descoberta
A Científica) da visão específica e particular de Lakatos (LDM – Lógica da Descoberta
3 da Matemática), conforme figuras 4 e 5.
T
2
80 Licenciatura em Matemática
representada como segue: Dado um problema matemático (P) e uma
teoria matemática informal (T) um passo inicial na gênese de novo
conhecimento é a proposta de uma conjectura (C). O método de provas
e refutações é aplicado a essa conjectura, e uma prova informal da
conjectura é construída e então submetida à crítica, levando a uma
refutação informal. Em resposta a essa refutação, a conjectura, e
possivelmente também a teoria informal e o problema original, são A
modificados ou trocados em uma nova síntese, completando o ciclo 3
(JESUS, 2002, p. 91).
T
O posicionamento falibilista, a partir de Lakatos, proporcionou um grande avanço 2
no que diz respeito às doutrinas absolutistas do passado. Jesus (2002, p. 124) desenvolve
uma comparação interessante que pode iluminar nosso entendimento ao afirmar:
Uma área central da controvérsia entre absolutismo e falibilismo
na filosofia da matemática trata da distinção entre os contextos
da descoberta e da justificação. Para os absolutistas, o contexto da
justificação e o da descoberta dizem respeito a domínios distintos do
conhecimento; por isso, devem ser mantidos separados. O contexto da
justificação lidaria com condições objetivas e lógicas do conhecimento,
com a atividade racional da avaliação e da validação do conhecimento
constituído; portanto, lidaria com um objeto pertencente ao domínio da
epistemologia e da filosofia da matemática. O contexto da descoberta
trataria de circunstâncias contingentes da invenção humana ou
histórica, e por não ser um processo racional, não poderia ser tratado
lógica e objetivamente, constituindo, portanto, um objeto pertencente
ao domínio da psicologia ou da história da matemática.
Certamente esta discussão requer páginas e páginas para que possamos compreender
o pensamento de Imre Lakatos, entretanto não poemos deixar de ressaltar que este
posicionamento de Lakatos adquiriu vigor tanto na Filosofia da Matemática como na
Filosofia das Ciências. Como já discutimos na seção passada, é improvável a compreensão
do aprendiz por meio da seguinte trajetória geral ® particular . Assim compreendendo,
a Lógica da Descoberta Matemática (LDM), por exemplo, se tornará mais acessível ao
entendimento do movimento proposto por Popper, denominado pelo próprio de Lógica
da Descoberta Científica (LDC), que se caracteriza pela trajetória particular ® geral .
Na próxima seção veremos alguns exemplos específicos do ensino de Álgebra,
que recorre de modo frequente às definições matemáticas formais.
História da Matemática 81
03
TÓPICO AS CARACTERÍSTICAS DE
UMA DEFINIÇÃO MATEMÁTICA
E O ENSINO DE ÁLGEBRA
A
OBJETIVO
1
2 Identificar as características de uma definição
1
2
3
4
82 Licenciatura em Matemática
de resultados plenos de sentido matemático, dos quais possam ser
deduzidas asserções que constituirão a teoria num processo lógico-
dedutivo, caracterizando-se como o estudo das estruturas. Esse é o
movimento do pensar que se mostra na construção do conhecimento das
estruturas da álgebra nos livros de Álgebra em geral e, em particular,
no livro que vinha sendo adotado no programa da disciplina de Álgebra
Abstrata que eu ministrava. A
3
Kluth (2005, p. 175), em determinado momento, indica as consequências e
condicionamentos impostos pelas correntes filosóficas absolutistas quando comenta: T
ao educar-se, tendo como material de apoio a Matemática, evidencia- 3
se, na maioria das vezes, o pensar técnico, prático e utilitário
em detrimento dos aspectos essenciais da Matemática como uma
Modulação de mundo. [...] o conhecimento aprofundado e amplificado
dos objetos da Matemática, que englobam técnicas, teorias, análises
e reflexões sobre essa Modulação, possam auxiliar os Educadores
Matemáticos a exercerem sua professoralidade, até mesmo nas ações
cotidianas mais comuns, como por exemplo, ao decidir qual definição
vai apresentar aos seus alunos. [...] As definições podem, ou não,
apresentar a priori sintético e a priori estrutural.
História da Matemática 83
modo recorrente ao significado dos elementos pertencentes às inferências lógicas
empregadas, e sim à própria simbologia. Mas quando refletimos a respeito do que
foi obtido, vemos que a soma de parcelas infinita 1 + a + a 2 + ........ é equivalente à
execução de duas operações apenas. A primeira, uma subtração da unidade por “a”,
em seguida a divisão da unidade “1” por “1-a”. Isto foi motivo de desconfiança para
muitos matemáticos do passado.
A Exemplos como estes e outros são discutidos por Otte (1991) quando descreve o
3 raciocínio algorítmico. Tal raciocínio proporciona, na maioria dos casos, a resolução
e a obtenção da resposta esperada pelo professor, todavia, qual o significado dos
T valores encontrados?
3 Na figura abaixo, vemos a ilustração de um labirinto. Por meio de uma instrução
ou por meio de um conjunto de regras a priori conhecidas (Figura 5), um estudante
perdido dentro deste labirinto certamente conseguirá sair e se livrar desta situação
periclitante. Entretanto, Otte (1991) questiona se o estudante se torna mais sábio ou
inteligente pelo fato de conseguir lograr êxito na situação.
1. Escolha uma direção inicial arbitrária, chame-a de “norte” e vire-se para essa
direção;
2. Vá em direção ao “norte” em linha reta até encontrar um obstáculo;
3. Vire à esquerda até que esse obstáculo esteja à sua direita;
4. Contorne o obstáculo, mantendo-o à sua direita até que a volta total (incluindo
a volta inicial do passo 3) seja igual a zero.
84 Licenciatura em Matemática
e justificam e determinam toda a aprendizagem.
Na História da Matemática, estes condicionamentos e obstáculos filosóficos são
apontados num trecho de um livro de Caraça (1951, p. 166), que denuncia:
De todas as surpresas que a história das Matemáticas nos apresenta,
a menor não é certamente esta – que, antes de os números negativos
serem considerados como verdadeiros números, já eram conhecidas
e praticadas quase todas as regras operatórias sobre os números A
complexos, coisa que parece simplesmente absurda, uma vez que, 3
os números complexos resultam de raízes quadradas de números
negativos. A razão é esta – que os matemáticos se resignavam ao T
formalismo, consentindo em criar e usar aquelas regras convenientes 3
para efetuar um calculo que fornecesse um resultado desejado; mas
daí a considerarem todos os símbolos sobre que operavam como
números, isto é, uma grande distancia, aquela distancia que separa
um simples expediente de manipulação, do cuidado, mais profundo, da
compreensão (p. 166).
História da Matemática 85
Aula 4
As dimensões filosóficas da intuição, seu papel da
atividade do matemático e alguns paradoxos
Objetivo:
• Reconhecer as características e os aspectos filosóficos da intuição matemática.
• Descrever o papel da intuição na atividade investigativa.
• Identificar paradoxos e situações em que o raciocínio intuitivo conduz a falsas concepções.
87
01
TÓPICO
AS DIMENSÕES FILOSÓFICAS
DA INTUIÇÃO MATEMÁTICA
OBJETIVO
Reconhecer as características e os aspectos
filosóficos da intuição matemática.
88 Licenciatura em Matemática
entre homem e objeto e sobre os elementos da relação estabelecida que permitem
compreender e investigar propriedades intrínsecas do objeto.
Entendemos bem esse posicionamento dos antigos gregos quando
observamos as afirmações de Aristóteles, presentes no texto Boutroux (1908) quando
declarava que:
Querer conhecer os fatos, não apenas do modo como se apresentam
mas, também, do modo como devem ser é querer resolver o contingente A
e o necessário. É necessário, todavia, investigar as condições pelas 4
quais o espírito concebe algo como necessário; em outras palavras,
é necessário inicialmente encarar a ciência em sua forma, abstração T
feita do seu conteúdo: é o objeto da lógica (BOUTROUX, 1908, p. 116, 1
tradução nossa.)
das crenças e concepções que, em alguns casos, formamos (Disponível em: <www.suapesquisa.
com/grecia/jonios.htm>)
a partir dos nossos sentidos, é inigualável. Recorremos
mais uma vez a Boutroux, que extrai um ensinamento
influenciado pela tradição helênica, quando afirma que:
No que concerne à inteligência, uma boa educação aprimora e dirige
as faculdades, mais do que força a memória. Existem dois exercícios
da faculdade: um é livre, é o jogo; o outro imposto é o trabalho. Este
último é obrigatório por si mesmo e no ensino não é substituído
pelo primeiro. A faculdade da intuição deve ser formada antes do
entendimento. Todo ensino será inicialmente intuitivo, representativo e
técnico (BOUTROUX, 1908, p. 394, tradução nossa.)
História da Matemática 89
No final do excerto, vemos claramente a orientação e valorização de um ensino
intuitivo, entretanto, se desconhecemos a natureza, a fonte, o propósito e as
possibilidades alcançadas pelo entendimento humano ao fazer uso da habilidade ou
faculdade intuitiva, caminharemos por uma via infrutífera que torna inexequível
seguir o ensinamento de Boutroux.
A intuição mereceu atenção de Immanuel Kant (1724-1804). Kant assegurava que
A um conceito permanecia vazio a menos que o mesmo se correspondesse com a intuição;
4 intuição é necessária para o estabelecimento de uma realidade objetiva do conceito, isto
é, a possibilidade de uma instância (KANT, apud PARSONS, 2008, p. 8).
T Kant se interessou de modo especial pelas figuras geométricas na Matemática,
1 as quais denominava formas (empíricas) ou objetos. Nas provas, tais objetos são
construídos intuitivamente (no sentido de que podem ser intuídos). Representações
intuitivas surgem também na Matemática a partir de outros objetos, embora para os
números de modo particular estas surgem a partir de uma intuição mais indireta do que
as formas geométricas (KANT apud PARSONS, 2008, p. 8).
Parsons (2008, p. 8) dedica algumas páginas de sua obra para explicar o termo em
inglês “intuitability”, que traduziremos por a capacidade de aprender por intuição.
Parsons caracteriza o mencionado termo na acepção de uma condição geral dos
objetos. O autor recorda que Kant empregava o termo intuição (intuition) como uma
representação imediata de um objeto individual (2008, p. 8).
Por outro lado, que significado atribuímos ao termo “imediato” (immediate)?
Conforme o autor, este termo foi fruto de intensa polêmica. Retornando à discussão
do termo intuitability e o papel da intuição, observamos que seu conceito ocupa
um lugar não trivial de discussão entre diferentes noções que merecem atenção por
parte de filósofos e matemáticos.
Na Matemática, a importância do seu papel foi defendida por alguns e atacada
por outros, como recorda Parsons (2008, p. 139). Num âmbito filosófico, intuição
é mencionada em ambas as relações estabelecidas com objetos e relações com
proposições. Parsons usa as expressões “intuition of” e “intuition that” para marcar
as duas relações possíveis na perspectiva de alguns filósofos.
Para compreender o significado do termo “intuition of” e “intuition that” e o seu
emprego no âmbito filosófico, recorremos as suas ponderações:
O que fornece à “intuition of” um importante local na filosofia é
provavelmente o fato de que Kant´s Anschauung é intuição de objetos.
Todavia, Kant certamente confere ao conhecimento intuitivo uma
indicação do que seria uma espécie de “intuition of”. Eu penso ser
bastante claro que Kant possuía tal concepção, porém não as designou
90 Licenciatura em Matemática
pelo termo Anschauung ou igualmente usado como na frase anschauliche
Erknntnis (PARSONS, 2008, p. 140, tradução nossa.)
História da Matemática 91
com o objeto. Tal relação é realizada ou cumprida se o objeto se apresenta à intuição
(ou ao menos representado na imaginação); no caso da intuição atual (actual intuition)
(PARSONS, 2008, p. 145).
Por outro lado, pode-se identificar uma estreita conexão dos pensamentos
kantianos e husserlianos, como destaca Parsons, no que diz respeito à noção de
intuition that e intuition of. De acordo com Kant, intuition (que nós temos observado
A como intuition of) em Matemática confere evidência ao que é imediato, como, por
4 exemplo, o caso dos axiomas. Mas, evidentemente, a imediaticidade de um julgamento
origina-se da construção da intuição sobre um objeto (PARSONS, 2008, p. 146).
T Parsons (2008, p. 146) explica ainda que:
1 Tipicamente, uma proposição envolve referências aos objetos,
evidência envolverá a intuição destes objetos, porém eles
fazem parte dos constituintes de estágio de acontecimentos
que são intuitivamente presentes, pelos menos no caso ideal
SAIBA MAIS!
(tradução nossa).
Acesse http://pt.wikipedia.org/wiki/
Kurt_G%C3%B6del e conheça um
Parsons analisa também a perspectiva de Gödel,
pouco da vida e obra de Kurt Gödel.
matemático austríaco, para quem deve existir algo
semelhante à percepção na teoria dos conjuntos. Ele recorda que em virtude da
clareza de determinadas proposições e declarações na teoria dos conjuntos, pode-se
contar neste caso com a intuition that. Certamente que
esta possui um estrito vínculo com a intuition of e, neste sentido, vale
observar que a intuition that permanece de algum modo vinculada a
intuition of. E intuition of é algo que se pode esperar quando a intuition
that é análoga à percepção, desde que um dos elementos centrais da
percepção seja a própria presença do objeto percebido. Por exemplo,
sabemos por percepção que minha bicicleta é azul ao vê-la. Alguém
que nunca viu minha bicicleta nunca saberá algo sobre a mesma por
meio da percepção num sentido mais direto (PARSONS, 2008, p. 147).
92 Licenciatura em Matemática
construirão nenhuma crença por meio da percepção. No segundo caso, os estudantes
contam com a própria presença (na tela do computador) do objeto que chamamos de
derivada parcial.
Retomando nossa discussão filosófica, sublinhamos que debilidade da intuição
sensível, segundo Bunge (1996, p. 21) é a fonte de nossos juízos de percepção. Deste
modo, sempre corremos algum risco ao desenvolver raciocínios rápidos e breves,
alicerçados por crenças perceptuais e, neste patamar, não se pode contar com o A
alcance da verdade matemática. 4
De fato, Bunge (1996, p. 60) comenta que hoje se compreende que nem todas as
entidades, relações e operações se originam na intuição sensível e se reconhece que T
a evidência não serve de critério de verdade e que as provas não podem se apresentar 1
somente por figuras, pois os raciocínios são invisíveis. Desse modo, com o fracasso
das intuições sensíveis e espaciais (ou geométricas) como guia para a construção
da Matemática, observamos o surgimento de concepções matemático-filosóficas que
caracterizariam a intuição pura.
Nesse contexto, uma corrente de pensamento matemático denominada
intuicionismo matemático (discutida na aula 2) se caracterizou como: a) uma reação
contra os exageros do logicismo e do formalismo; b) uma tentativa de resgatar a
Matemática do naufrágio que parecia ameaçar no início do século, como o resultado do
descobrimento dos paradoxos na teoria dos conjuntos; c) um produto menor da filosofia
kantiana (BUNGE, 1996, p. 61).
Na próxima seção discutiremos a relevância e a função da intuição na atividade
do matemático profissional.
História da Matemática 93
02
TÓPICO
O PAPEL DA INTUIÇÃO DA
ATIVIDADE DO MATEMÁTICO
OBJETIVO
Descrever o papel da intuição na atividade
investigativa.
94 Licenciatura em Matemática
distrações ou excentricidades matemáticas célebres não possuem outra
origem. É que a descoberta de uma demonstração não se obtém em
geral sem o auxílio de períodos de concentração intenso que se renovam
possivelmente por meses ou anos até que o resultado pretendido seja
alcançado (DIEUDONNÉ, 1987, p. 19, tradução nossa.)
História da Matemática 95
alcançamos? Algumas destes questionamentos não constituem simples tarefas para
se responder em poucos parágrafos, entretanto destacamos os que se aproximam da
nossa temática. Por exemplo, existe uma verdade única na Matemática? Guerrier
(2005, p. 12), por exemplo, destaca que:
A questão de saber se a verdade vincula-se ao domínio da Matemática
ou ao domínio da Lógica é uma questão bem antiga. Aristóteles
A distinguia as verdades de fato (vérités de facto) e as verdades
4 necessárias (vérités nécessaires). Aquelas obtidas como conclusão de
um silogismo concluído a partir de premissas verdadeiras; e as últimas
T são os objetos da Lógica (tradução nossa).
2
E enquanto buscamos e ainda não alcançamos
uma verdade necessária, como chamava Aristóteles,
raciocinamos intuitivamente? E nesta condição, ou seja,
SAIBA MAIS!
por meio da intuição, obteremos tal verdade?
A História da Ciência evidencia o Vale lembrar que Frege considera que não se pode sempre
recurso ao apelo intuitivo para a
edificação posterior de várias teorias. confiar na intuição (GUERRIER, 2005, p. 13). Todavia, para
Na Física, Almaraz (1997, p. 11) que haja a compreensão e a certeza de estarmos fazendo
recorda que Einstein obteve, por meio uso da intuição, mesmo no caso em que buscamos uma
de imagens mentais, indícios intuitivos
verdade necessária, como na prática comum do matemático,
que o serviram para elaborar a Teoria
da Relatividade. necessitamos definir o vocábulo “intuição matemática”.
Neste momento nos deparamos com outro entrave
histórico e filosófico. De fato, Boutroux (1920, p. 224) lembra que:
Pascal, melhor do que Descartes caracterizou a intuição. E o mesmo
escreveu uma vez: Nós conhecemos a verdade, não somente pela
razão, mais, sobretudo pelo coração; e é por esta última sorte que nós
conhecemos os princípios primeiros, e é neste terreno que raciocinamos,
e não existe outro ponto de partida, outra sorte de combater... E é
sobre este conhecimento do coração e do instinto que a razão se apóia e
fundamenta todo o seu discurso (tradução nossa).
96 Licenciatura em Matemática
resultado de construções ou deduções lógicas. Portanto, eles supõem
um modo de percepção que não se confunde, nem com a experiência
dos sentidos, nem com o raciocínio. Temos consciência deste modo de
percepção por alguns instantes de pratica (no trabalho de descoberta),
e nos parece que ele não se assemelha a nenhum conhecimento
demonstrativo (BOUTROUX, 1920, p. 225, tradução nossa).
A
Ficam patentes nas afirmações de Boutroux duas dimensões a considerar: a primeira 4
relaciona o caráter afetivo/motivacional, enquanto a segundo diz respeito ao campo
epistêmico. Sublinhamos o termo afetivo/motivacional, uma vez que, na atividade T
do matemático, apesar de nem sempre ser claro para o próprio investigador, a busca 2
pela estética se relaciona de modo íntimo com a ação de descoberta e invenção.
Burton (2004, p. 66) desenvolveu um interessante estudo que fornece certos
indícios promissores. Ele caracterizou três características da estética: a função
generativa, a função avaliativa e a função motivacional. Com referência às três
características mencionadas, explica:
A função generativa foca no papel da estética na invenção e descoberta
matemática; a avaliativa tipicamente se manifesta nos próprios
julgamentos de um produto matemático, tal como um teorema; a
função motivacional relaciona-se com o papel da estética na medida
em que induz ou inspira a atividade matemática. Outra igualmente
importante dimensão que se deve considerar é a epistemológia baseada
na estética deve apresentar uma função de: De que modo opera ou
funciona a estética como um modo de conhecer? (BURTON, 2004, p.
66, tradução nossa).
História da Matemática 97
A estética, para a maioria dos entrevistados, era concebida como um produto
da cultura dos matemáticos, dentro desta, a comunidade a constitui como: estrutura,
compacidade, conexão ou qualquer outra categoria funcional para a obtenção de
conhecimento, particularmente, na relação com o produto matemático, provas e
teoremas. Por outro lado, é importante distinguir o cognitivo do afetivo. E no caso
destes dois modelos componentes, a estética e a intuição parecem ser inexplicavelmente
A interconectadas (BURTON, 2004, p. 72).
4 Burton (2004, p. 72) acrescenta ainda que a intuição
fornece, para muitos, a energia convincente que motiva
T e justifica o trabalho necessário na produção de estética a
2 qual um número de matemáticos chama de “euphoria” que
SAIBA MAIS!
acompanha a resolução de problema. Embora para muitos,
Sauriau (1881, p. 121) diz que quando ainda que nem todos destes matemáticos tenham sido
mencionamos, por exemplo, a palavra
consultados no seu estudo, a estética e a intuição parecem
‘triângulo’, ou se a vemos escrita,
imaginamos imediatamente a figura preencher diferentes funções psicológicas, evidenciamos
geométrica que aprendemos associar uma exaltação no reconhecimento da ligação da estética
a este som ou letras. E de modo
mais conectada com a prova.
similar, se pronuncio ou escrevo esta
palavra, sabemos que a mesma não Hadamard (1945, p. 41) nos fornece uma
faltará em me sugerir uma concepção interessante explicação a respeito da noção de estética e
semelhante. Assim, as palavras
prova ao mencionar que:
possuem a propriedade de despertar
em nossos espíritos certas imagens, que Pode ser surpreendente ver a sensibilidade emocional evocada
são o que denomino de significação. nas demonstrações matemáticas que, aparentemente,
interessam apenas ao intelecto. [...] Esta é a verdadeira
estética do sentimento que todos os matemáticos conhecem, e certamente
pertence à sensibilidade emocional (tradução nossa).
Assim como outros pensadores, Jacques Salomon Hadamard (1865-1963) comenta
o papel do elemento afetivo, tanto na descoberta como na invenção matemática, que o
mesmo faz questão de diferenciar. Hadamard discute também outros elementos nem
sempre explícitos na atividade do matemático que se relacionam de algum modo
com a faculdade intuitiva. Com esta perspectiva, Hadamard discute os momentos
em que o matemático trabalha de modo consciente na atividade solucionadora de
problemas e outros momentos em que ocorrem determinados fenômenos mentais
sem o controle intencional e um pensamento sistemático.
Hadarmard discute alguns pontos de vista fornecidos por Henri Poincaré.
Recorda que Poincaré salientava a importância da intervenção de uma atividade
consciente, após uma atividade mental inconsciente, não apenas para o emprego
de uma linguagem conveniente, mas também para verificar e precisar os resultados
98 Licenciatura em Matemática
finais, uma vez que é flagrante a insistência de Poincaré na atribuição de uma
significação geométrica antes mesmo de possuir uma demonstração (ROBADEY, 2006,
p. 1999). No que diz respeito à verificação dos resultados, Hadarmard (1945, p. 64)
esclarece que o sentimento de certeza absoluta que acompanha a inspiração geralmente
corresponde à verdade; porém, este pode nos enganar.
Em todo caso, seja num momento de esforço mental consciente ou estágio
mental inconsciente em que se encontre o matemático, as imagens mentais e A
representações que alicerçam uma ideia particular proporcionam o terreno para a 4
atividade intuitiva. Neste sentido, Souriau (1881, p. 12) explica:
As imagens que concebemos a cada momento T
não surgem do caos, mas de um pensamento 2
anterior. Antes que nossas ideias se combinem
numa ordem presente, elas possuíam já certa
SAIBA MAIS!
ordem, ou nosso espírito já apresentava
determinada organização. Na medida em Sauriau (1881, p. 128) explica que
a linguagem é capaz de substituir o
que em concebemos um pensamento novo,
pensamento, uma vez que as palavras
consideramos certo tipo de inteligência podem substituir as ideias, ao menos
adquirida, e tal inteligência determinará, provisoriamente, e ver de que modo
pode ser feito o emprego de signos no
pelo menos em parte, o tipo de pensamento
trabalho da invenção.
que conceberemos (tradução nossa).
Hadamard discute algumas das ideias de Paul Souriau, como a que destacamos no
trecho acima. A expressão “pensar de lado” teve origem com Paul Souriau (1852 –
1926), com seu livro “Théorie de L’Invention”, de 1881. Tal atividade mental requer
o emprego da intuição, na medida em que o indivíduo percebe a necessidade de
relacionar as ideias objetivadas quando ‘pensava de lado’, e as ideias principais
que buscava compreender. Notamos que, em todo caso, as ideias se combinam na
dependência das imagens que formamos.
Por outro lado, quando falamos do aluno ou do indivíduo que tenta compreender
um raciocínio empregado por um matemático profissional, identificamos dificuldades
consideráveis, uma vez que:
Na procura de se abstrair ao máximo, o matemático se priva de uma
determinada sorte de intuição e priva de modo similar o leitor que não
compreende mais o porquê das definições e acredita se perder numa
nuvem escura (QUENNEAU, 1978, p. 23).
História da Matemática 99
mudança do modus operandi do matemático. De fato, enquanto, em sua pesquisa,
as imagens mentais e representações provisórias auxiliavam seu raciocínio, na sala
de aula, figuras ou representações que fornecem ideias particulares podiam ser
evitadas, em detrimento do alcance das ideias mais gerais que explicam os teoremas
que devem ser discutidos. Além disso, no âmbito de sua pesquisa, os problemas são
atacados, em muitos casos de modo indireto e de modo sistemático; entretanto, no
A seu ensino, apresenta argumentações diretas para a resolução definitiva de situações-
4 problema.
Acrescentamos que, em muitos casos, o tempo didático não permite o exercício
T da ‘incubação’ das ideias que, para Hadamard, possibilitava a combinação e
2 recombinação das ideias, de modo consciente ou não, com a expectativa do
alcance, de modo individual, de uma solução. Com isto temos a oportunidade de
proporcionar que o estudante vivencie situações de euforia e contentamento em
virtude do alcance de um objetivo.
Com consequência, o estudante não alcança o prazer de uma descoberta
matemática, como consequência do exercício de sua imaginação; e assim, não
compreende o que significa fazer Ciência. Hadamard (1945) comenta de modo
pitoresco o papel de imaginação quando considera que:
Imaginação, por si só, não possibilita fazer Ciência, entretanto, em
certos casos, devemos explorá-la. Primeiramente, focando o objeto
que desejamos considerar, prevenimos os desvios de percurso [...]
Imaginação pode ser essencial na solução de problemas por meio de
várias deduções, e os resultados precisam ser coordenados após uma
completa enumeração (p. 86, tradução nossa.)
OBJETIVO
Identificar paradoxos e situações em que o
raciocínio intuitivo conduz a falsas concepções.
A
Uma das maneiras conhecidas de mostrar que o conjunto ´ é enumerável,
4
isto é, que existe uma bijeção entre ´ e , (onde = {0; 1; 2; …} é o conjunto
T dos números naturais), é exibir uma bijeção de ´ sobre , inspirada na figura:
3 (0; 0) (0; 1) (0; 2) (0; 3) …
(1; 0) (1; 1) (1; 2) (1; 3) …
(2; 0) (2; 1) (2; 2) (2; 3) …
(3; 0) (3; 1) (3; 2) (3; 3) …
… … … …
3
Na Figura 2, do lado direito, discute um exemplo no qual temos o conjunto
X = C -{P } obtido retirando da circunferência o ponto ‘P’ e Y uma reta perpendicular
ao diâmetro que passa por P. Definindo-se uma correspondência biunívoca f : X ® Y
pondo, para cada x Î X , f (x ) := interseção da semi-reta Px com a reta Y (LIMA,
2004, p. 43). Neste caso estabelecemos que os conjuntos X = C -{P } e Y possuem
o mesmo numero cardinal, ou seja, podemos definir, no sentido de Lima (2004), uma
correspondência biunívoca entre os mesmos.
Em outros exemplos curiosos fornecidos por Domingues (1991), encontramos a
x
função f (x ) = definida em f : ®] - 1,1[ , tomada como bijetora. Assim, por
1+ x
meio da definição anterior, os conjuntos e ] - 1,1[ possuem a mesma cardinalidade
de elementos.
Por outro lado, antes de exibir tal função, Domingues discute a possibilidade de
se estabelecer uma bijeção entre os intervalos ]0,1[ e [0,1] . Neste sentido, o autor
1 1 1 1
explica que tomando [0,1] = A È {0,1, , ,....,...} e que ]0,1[= A È { , ,....,...} ,
2 3 2 3
1 1
onde se tomou A = [0,1] -{0,1, , ,....,...} . A função desejada definida em
2 3
f : [0,1] ®]0,1[ é definida do seguinte modo:
ìï 1
ïï se x=0
ïï 2 A
f (x ) = í
ïï 1
se x=
1 4
ïï n+2 n
ïïx se x Î A
ïï
T
ïïî 3
Domingues (1991, p. 247) declara que tal função é injetora, assim os intervalos
]0,1[ e [0,1] possuem a mesma cardinalidade. Num modelo geométrico relacionado
ao Calculo Diferencial e Integral, o matemático Morris Klein (1908-1992) discute a
noção de reta tangente a uma curva, no contexto de construção da derivada de uma
função. Questiona a partir de um desenho (Figura 4) se podemos acreditar que a
curva e a reta candidata à tangente em um ponto possuem de fato apenas um ponto
de interseção?
Figura 4: Desenho sugerido por Klein em 1893 em relação a noção intuitiva de derivada
Figura 5: Gravura analisada por Klein (1985), que exemplifica a perspectiva linear
Assim como Felix Klein, Morris Kline e Henri Poincaré referenciaram os equíivocos
e contradições nos quais podemos incorrer quando apoiamos nossas conclusões
predominantemente na intuição. Não que isto caracterize um defeito ou limitação que
deve ser evitado e eliminado na atividade do matemático, ou na atividade do professor
e do aluno, entretanto é preciso atenção e vigilância no
momento em que temos de utilizá-las.
Mas aí intervém outra dificuldade, a saber: quando
de fato mobilizamos um raciocínio intuitivo? Quando
ATENÇÃO!
compreendemos algo, a partir de uma relação estabelecida
Como já salientamos no curso de com um objeto matemático, por intermédio da intuição?
Cálculo, grafamos o símbolo de limites
com “L” maiúsculo. Assim faziam Quais as características da intuição?
também os matemáticos Cauchy e M. No ensino as respostas para estas questões possuem
Young. caráter indispensável para quem tenciona atuar no ensino.
Caraça (1951, p. 233) aponta problemas no uso da
linguagem matemática e da língua materna quando analisa o conceito de sequências
de números reais denotadas por {xn }nÎ . Neste sentido, modernamente dizemos
que uma sequência converge quando Limn®+¥ xn = L . Caraça considera que podem
ter o mesmo significado as seguintes sentenças: (i) a sucessão enumerável {xn }nÎ
tem por limite L; (ii) a sucessão enumerável {xn }nÎ tende para L; (iii) a sucessão
enumerável {xn }nÎ converge para L. Note-se que a opção por uma ou por outra
numéricas que convergem. Baseando-se apenas nas figuras, você, aluno, acredita
æ 50n ö÷ æ n ö÷
que vale Limn®+¥ çç ÷ = 0 ou que Limn®+¥ ççç ÷ = 1?
è n ! ø÷ è n + 1ø÷
A
4
T
3
Para concluir esta seção, salientamos mais uma vez a dimensão filosófica do raciocínio
intuitivo. Algumas características do raciocínio intuitivo deverão ser caracterizadas, do
ponto de vista psicológico. Nesta aula, tencionamos salientar seus aspectos filosóficos e
epistemológicos. Muitos destes aspectos não são simples de se detectar e compreender.
Por outro lado, o que deve ficar claro para o futuro professor de Matemática é que, se
desconhecemos as características, a natureza, a função e a dimensão criativa da intuição
na atividade matemática, nunca conseguiremos promover e estimular raciocínios desta
natureza. Afinal é bem mais fácil; e digamos “concreto”, estimular e desenvolver um
ensino de Matemática baseado no pensamento algorítmico (OTTE, 1991).
A ponta do iceberg na frente pedagógica é um ensino baseado em regras e memorização.
Para os leigos, com pouca ou nenhuma formação em Matemática, tal situação se explica
dizendo: “Ah... Isto é culpa da metodologia do professor!”. Ou dirão ainda “A matemática
é a ciência dos números!”. Com maior preocupação, escutamos alguns desavisados se
pronunciarem: “Vamos estimular o lúdico para que tudo fique mais prazeroso!”.
Concepções dessa natureza são recorrentes no ensino de Matemática, principalmente
no discurso de pessoas que carregam consigo o saber matemático restrito ao escolar,
entretanto uma visão e uma formação filosófica dessa ciência proporcionará um olhar
critico do professor de Matemática no sentido de questionar e evitar a evolução de
concepções retrógradas, ideias inócuas e crenças equivocadas e pouco fundamentadas.
Objetivo:
• Descrever a construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais.
111
01
TÓPICO UM PROBLEMA ANTIGO RELACIONADO
À EQUAÇÃO POLINOMIAL DO SEGUNDO
GRAU
OBJETIVO
Apresentar situações-problema de civilizações
antigas que envolvem a equação quadrática.
Demonstração:
Vamos admitir a função sucessor s : ® . Definimos o conjunto
A := {n Î tal que s(n) ¹ n} . Desejamos verificar que A = , ou seja, nenhum
número natural é sucessor de si mesmo. Para tanto, usaremos o axioma (iii). De
fato, notamos que A := {n Î tal que s(n) ¹ n} ¹ Æ , uma vez que s(0) ¹ 0 , para
n = 0 Î , pois 0 Ï Im(s(n)) e s(0) Î Im(s(n)) .
Verificaremos agora que se k Î A , então s(k ) Î A . De fato, se k Î A , pela definição
deste conjunto s(k ) ¹ k . Aplicando a função sucessor a ambos os membros, segue
injetora
que s(k ) ¹ k ® s(s(k )) ¹ s(k ) \ s(k ) Î A . Pelo axioma (iii), chamado de Princípio
da Indução, concluímos que A = .
Para verificar (ii) Im(s(n)) = -{0} , usaremos o Princípio da Indução do
seguinte modo: A = {0} È Im(s(n)) Ì . Ademais 0 Î A e vimos que se k Î A ,
então s(k ) Î A . Logo A = e 0 Ï Im(s(n)) \ Im(s(n)) = -{0} .
Ferreira (2010, p. 24) denota * = -{0} e diz que todo elemento de * é
sucessor de um único número natural, que se chama seu antecessor. A partir disto,
definiremos de modo axiomático as operações de soma (+) e multiplicação (× ) de
números naturais.
Ferreira (2010, p. 24) define a adição de dois números naturais, m e n designada
A definição acima nos fornece, então, a soma de um número arbitrário ‘m’ com ‘0’:
m + 0 = m (FERREIRA, 2010, p. 25).
ii i
Ela nos dá também a soma de ‘m’ com s(0) : m + s(0) = s(m + 0) = s(m) (*). Temos,
A ii (*)
ainda, usando as propriedades (i) e (ii): m + s(s(0)) = s(m + s(0)) = s(s(m)) (**).
5 ii (**)
Temos também: m + s(s(s(0))) = s(m + s(s(0))) = s(s(s(m))) . A formalização deste
T processo se dá pelo Princípio da Indução e nos mostra que a soma m + n está definida
1 para todo par m, n Î . Introduziremos a familiar notação para os números naturais
que conhecemos desde nossa infância.
Note-se que, quando definimos, a soma m + n está definida para todo par
m, n Î . Até este momento não mencionamos nenhuma propriedade relacionada à
comutatividade destes objetos, ou seja, m + n = n + m . Na sequência começaremos
a caracterizar axiomaticamente esta propriedade.
Definição:
Indicaremos por ‘1’ (lê-se “um”) o número natural que é sucessor de 0, ou seja,
i
1 = s(0) . Notamos assim que 1 = s(0) \ 1 + 0 = s(0) + 0 = s(0) . Em seguida, Ferreira
(2010, p. 25) enuncia a proposição
Proposição:
Para todo número natural m, tem-se s(m) = m + 1 e s(m) = 1 + m . Portanto
1+ m = m +1 .
Demonstração:
Como resultado desta proposição verificaremos a comutatividade da expressão
1 + m = m + 1 para este caso particular. De fato, a partir de (ii) escrevemos
definição ii i
m + 1 = m + s(0) = s(m + 0) = s(m) \ m + 1 = s(m) . Falta verificar que
s (m ) = 1 + m .
Para tanto, Ferreira (2010, p. 26) emprega a seguinte estratégia: consideremos
definição
o conjunto A := {m Î ; s(m)=1+m} . Claramente A ¹ Æ , pois s(0) = 1 . Mas
vimos que 1 = s(0) \ s(0) = 1 + 0 , segue que 0 Î A ¹ Æ . Seja então m Î A , assim
escrevemos (Hipótese de Indução - HP) s(m)=1+m . Vamos mostrar que s(m) Î A .
HI ii
De fato, notamos que s(s(m)) = s(1 + m) =1 + s(m) . Isto é, s(m) Î A . Pelo
axioma 3 de Peano, teremos A := {m Î ; s(m)=1+m}= . Ferreira (2010, p. 26)
prossegue explicando que como era de se esperar, passaremos a adotar a notação
indo-arábica (de base dez) para os elementos de ; já temos os símbolos ‘0’ e ‘
ii ii
2 + 2 = 2 + s(1) = s(2 + 1) = s(2 + s(0)) = s(s(2 + 0)) = s(s(2)) = s(3) = 4 .
ii
Por fim temos 0 + 2 = 0 + s(1) = s(0 + 1) = s(1) = 2 . Ferreira (2010, p. 27) destaca
que algumas propriedades da adição, que admitíamos como intuitivamente óbvias,
são demonstradas no teorema seguinte com base nos axiomas de Peano e nas definições
precedentes.
Teorema2 : Sejam m, n e p números naturais arbitrários. São verdadeiras as
afirmações:
i) Propriedade associativa da adição: m + (n + p) = (m + n) + p ;
ii) Propriedade comutativa da adição: n + m = m + n ;
iii) Lei do cancelamento da adição m + p = n + p Þ m = n .
Demonstração:
Mostraremos inicialmente (i). Para tanto, fixando os naturais m, n Î
quaisquer, aplicaremos indução sobre ‘p’. Seja agora o conjunto
A( m ,n ) := { p Î tal que m+(n+p)=(m+n)+p} Ì . De imediato, inferimos
ii ii Hipótese de indução ii
m+(n+s(k))= m + s(n + k ) = s(m + (n + k )) = s((m + n) + k ) =(m + n) + s(k )
Definição:
A multiplicação de dois números naturais, m e n, é designada por m × n e definida
ïìm × 0 = 0
recursivamente do seguinte modo: ïí .
ïïîm × (n + 1) = m × n + m
TEOREMA:
Para m, n e p naturais arbitrários, valem as proposições abaixo:
i) m × n Î , isto é, a multiplicação de fato é uma operação em ;
ii) existência do elemento neutro multiplicativo 1× n = n × 1 = n ;
iii) distributividade m × (n + p) = m × n + m × p e (m + n) × p = m × p + n × p ;
iv) associatividade m × (n × p) = (m × n) × p ;
v) m × n = 0 Þ m = 0 ou n=0 ;
vi) comutatividade m × n = n × m .
Demonstração:
Ferreira (2010, p. 30) destaca que novamente usa-se o Princípio da Indução para
demonstrar todos os seis itens. Note-se que a importância do item (i) é que definimos
uma ‘nova’ operação com dois números naturais m e n Î , denotada por m × n e
precisamos garantir que, quando aplicada tal ‘operação’, continuamos ainda com
um número natural. É o que quer dizer a implicação m × n Î .
Faremos agora o item (ii), notando inicialmente que n × 1 = n . De fato, temos
ii i
n × 1 = n × (0 + 1) = n × 0 + n = 0 + n = n , usando a definição de multiplicação. Agora,
por indução, veremos que 1× n = n . De fato, já temos, por definição, 1× 0 = 0 e,
pela hipótese indutiva, escrevemos 1× n = n . Na sequência investigamos a expressão
Hipótese
1× (n + 1) = 1× n + 1 = n + 1 . Segue o resultado. Para verificar (iii), Ferreira (2010,
Definição:
Uma relação binária R em um conjunto não vazio A diz-se uma relação de ordem
em A quando satisfizer as condições, para quaisquer x, y, z Î A ,
Re1: reflexividade xRx ;
Re2: antissimetria se xRy e yRx , então x = y ;
Re3: transitividade se xRy e yRz , então xRz .
Um conjunto não vazio A, munido desta relação de ordem, diz-se um conjunto
ordenado. Na sequência, definiremos uma relação de ordem em através da
operação da adição, tornando-o, portanto, um conjunto ordenado.
Definição:
Dados m, n Î , dizemos que mRn se existir p Î tal que n = m + p .
Exercício:
Mostre que é uma relação de ordem em .
Definição:
Para m, n Î , se mRn , onde R é a relação da definição anterior, dizemos que
m é menor do que ou igual a n e passaremos a escrever o símbolo £ no lugar de R;
assim, m £ n significará mRn .
Ferreira (2010, p. 32) destaca que a expressão “m é menor ou igual a n”, embora
gramaticalmente incorreta, é de uso corrente desde o Ensino Fundamental. Mais
adiante, Ferreira (2010) estabelece as notações:
1) Se m £ n , mas m ¹ n , escrevemos m < n e dizemos que m é menor do que n;
TEOREMA:
(Compatibilidade da relação de ordem com as operações em ) Sejam a, b, c Î
quaisquer. São válidas as seguintes implicações:
i) a £ b Þ a + c £ b + c
ii) a £ b Þ ac £ bc .
Demonstração:
Deixamos para você, aluno, fazer..
TEOREMA:
(Lei do cancelamento da multiplicação) Sejam a, b, c Î , com c ¹ 0 , tais que
ac = bc , então a = b .
Demonstração:
Deixamos para você, aluno.
TEOREMA:
Sejam a, b Î . Então a < b se, e somente se, a + 1 £ b .
Demonstração:
Deixamos para você, aluno.
Demonstração:
Deixamos para você, aluno.
Concluímos este tópico destacando a importância, para o professor de Matemática,
de compreender e dominar a axiomática formal subjacente à construção dos números
naturais e, principalmente, de saber responder o questionamento referente ao que é
um número natural. Prosseguimos com a construção dos números inteiros.
A
OBJETIVO
5 Descrever a construção axiomática dos números
T inteiros.
TEOREMA:
A relação ‘ ~ ’ em x definida por (a, b) ~ (c , d ) quando a + d = b + c é de
equivalência.
Demonstração:
Vejamos cada um dos itens que exigem verificar para que de fato tenhamos
uma relação de equivalência, entretanto, antes de desenvolvermos a demonstração
formal, vale destacar o comentário de Ferreira (2010, p. 43):
[...] se admitirmos por um momento a nossa noção intuitiva de números
inteiros e de subtração, notamos que a + d = b + c Û a - b = c - d ,
isto é, dois pares ordenados são equivalentes segundo a definição
DEFINIÇÃO:
x
O conjunto quociente ou x ~ é constituído pelas classes de equivalências
~
(a, b) , se denota por , e será chamado de conjunto dos números inteiros. Assim,
æ x ö÷
estabelecemos = çç ÷ = {(a, b) tal que (a,b) Î x} .
è ~ ÷ø
A partir desta definição, descreveremos o modo de operar os elementos deste
novo conjunto. Assim, poderemos falar da noção de adição e subtração em .
Temos agora (a, b) ~ (x, y) que equivale a (a, b) = (x, y) , expressa pelo fato de que
a + y = b + x « (a - b) = x - y . Vamos utilizar esta observação como ponto de
partida para buscar uma definição rigorosa de adição de inteiros (FERREIRA, 2010,
p. 44).
Veremos então o que deveria ser (a, b) + (c , d ) . Neste sentido, Ferreira
(2010, p.44) argumenta que se (a, b) expressa, em essência, a “diferença”
DEFINIÇÃO:
A
Dados (a, b) e (c , d ) em = çç
æ x ö÷
÷ , definiremos a soma de dois elementos
5
è ~ ø÷
(a, b) + (c , d ) := (a + c, b + d ) .
T
Ao definirmos objetos que envolvem classes de equivalências, é necessário verificarmos 2
que tais definições não dependem de como os representamos em classes (FERREIRA,
2010, p. 45). Nesse sentido, Ferreira (2010, p. 45) observa que, pela definição, teríamos
(3,5) + (4,1) = (7,6) . No entanto, temos também (2,4) = (3,5) e (3,0) = (4,1)
, logo deveríamos ter (2,4) + (3,0) também igual a (7,6) . E pela definição dada,
(2,4) + (3,0) = (5,4) , felizmente, é igual a (7,6) . Mostraremos agora que isso vale,
em geral, isto é, a definição dada não depende dos representantes das classes de
equivalências envolvidas. Neste caso, dizemos que a adição de números inteiros está
bem definida.
TEOREMA:
Se (a, b) = (a ', b ') e (c , d ) = (c ', d ') , então (a, b) + (c , d ) = (a ', b ') + (c ', d ') , isto é,
a adição de números inteiros + está bem definida.
Demonstração:
Sabemos pelo teorema anterior que, (a, b) = (a ', b ') , então
se
(a, b) ~ (a ', b ') Û a + b ' = b + a ' . Por outro lado, temos (c , d ) = (c ', d ') , então,
(c , d ) ~ (c ', d ') Û c + d ' = d + c ' . Logo, temos: (a, b) + (c , d ) := (a + c, b + d )
e (a ', b ') + (c ', d ') := (a '+ c ', b '+ d ') . Ferreira (2010, p. 46) verifica que
os dois segundos membros coincidem. Mas isto equivale a verificar que
(a + c ) + (b '+ d ') = (b + d ) + (a '+ c ') . O resto deixaremos a seu cargo, aluno.
TEOREMA:
A operação de adição em é associativa, comutativa, tem (0,0) como
elemento neutro e vale a lei do cancelamento, como em . Além disso, vale a
propriedade do elemento oposto (ou simétrico, ou inverso aditivo): dado (a, b) Î ,
existe um único (c , d ) Î tal que (a, b) + (c , d ) = (0,0) Î . Este (c , d ) Î é o
Demonstração:
Deixamos a seu cargo, aluno.
DEFINIÇÃO:
Dados (a, b) Î e (c , d ) Î , definimos o produto (a, b) × (c , d ) como sendo o
A inteiro (ac + db, ad + bc ) .
5
T TEOREMA:
2 A multiplicação em está bem definida, isto é, se (a, b) = (a ', b ') e (c , d ) = (c ', d ') ,
então (a, b) × (c , d ) = (a ', b ') × (c ', d ') .
TEOREMA:
A multiplicação em é comutativa, associativa, tem (1,0) como elemento neutro
da multiplicação e é distributiva em relação à adição. Além disso, vale a propriedade
do cancelamento multiplicativo, isto é, se a, b , g Î , com g ¹ (0,0) , então se
ag = bg ® a = b .
Demonstração:
Deixamos para você, leitor.
Definição:
Dados os inteiros (a, b) Î e (c , d ) Î , escrevemos (a, b) £ (c , d ) , quando
a + d £ b + c . Os símbolos ³,< e < definem-se de forma análoga à que fizemos para
a relação de ordem em (FERREIRA, 2010, p. 50).
Como nos casos da adição e multiplicação, verifica-se que a relação de ordem
definida por Ferreira (2010) está bem definida. Os símbolos de desigualdade utilizados
para a relação de ordem em são os mesmos que utilizamos para a relação de ordem
em , mas o contexto deixará claro que ordem está sendo considerada (FERREIRA,
2010, p. 50).
TEOREMA:
A relação £ definida acima é uma relação de ordem em , ou seja, é reflexiva,
Demonstração: A
Deixamos a seu cargo, leitor. 5
DEFINIÇÃO: T
Dado (a, b) Î , dizemos que: 2
i) (a, b) é positivo quando (a, b) > (0,0) ; ii) (a, b) é não negativo quando
(a, b) ³ (0,0) ; iii) (a, b) é negativo quando (a, b) < (0,0) ; iv) (a, b) é não positivo
quando (a, b) £ (0,0) .
Ferreira (2010, p. 52) observa que (a, b) ³ (0,0) Û a + 0 ³ b + 0 \ a ³ b .
Analogamente, se (a, b) > (0,0) Û a + 0 > b + 0 \ a > b . Ademais, se
(a, b) £ (0,0) Û a £ b . Essa observação está de acordo com a ideia de que a classe
de equivalência (a, b) Î representa a “diferença a - b ”. Tornaremos essa ideia
precisa mais adiante, ao final das observações após o próximo teorema.
Observamos ainda que se (a, b) Î é positivo, como vimos que a > b , então
existe m Î * tal que a = b + m . Esta igualdade equivale a (a, b) = (m,0) .
Analogamente, se (a, b) Î é negativo, então existe m Î * tal que (a, b) = (0, m) .
Essas observações levantadas por Ferreira (2010, p. 52) e o princípio da Tricotomia
nos dizem que: = {(0, m) tal que m Î * } È {(0,0)} È {(m,0) tal que m Î * } sendo
uma união disjunta. A partir desta constatação, utilizaremos as seguintes notações:
*- := {(0, m) tal que m Î * } , *+ = {(m,0) tal que m Î * } ,
+ = *+ È {(0,0)}, - = *- È {(0,0)} . Note-se ainda que o conjunto dos números
inteiros não negativos, + , está em bijeção com . Esta bijeção é bastante especial
porque mostra que + é uma “cópia algébrica” de , no sentido dado pelo teorema
seguinte (FERREIRA, 2010, 51).
TEOREMA:
Seja f : ® dada por f (m) = (m,0) . Então, f é injetora e valem as propriedades:
i) f (m + n) = f (m) + f (n) ;
ii) f (mn) = f (m) f (n) ;
iii) Se m £ n então f (m) £ f (n) .
5 como (3,0)£(5,0) , o que confirma nosso comentário do início desta seção de que a
ordem em é uma extensão da ordem de (FERREIRA, 2010, p. 53).
T Assim, do ponto de vista das operações aritméticas e da ordenação, + é
2 indistinguível de . Embora, no nosso contexto, não seja um subconjunto de ,
sua cópia algébrica + o é (FERREIRA, 2010, p. 53). Na sequencia, notamos que
f : ® acima chama-se uma imersão de em . Esta imersão mostra que
é infinito. Obtemos, então, sob a identificação de com + , via f , que:
= {-m tal que m Î * } È {0} È * = {...,...,-m,.... - 2,-1,0,1,2,...., m,....} como
no Ensino Fundamental.
Em seguida, Ferreira (2010. p. 54) mostra que, à semelhança de , o conjunto
é bem ordenado.
DEFINIÇÃO:
Seja X um subconjunto não vazio de .Dizemos que X é limitado inferiormente
se existe a Î , tal que a £ x , para todo x Î X . Um tal a se chama cota inferior
de X. Analogamente, definimos subconjunto de limitado superiormente e cota
superior dele.
Demonstração:
Seja a uma cota inferior de X , isto é, a £ x Û x - a ³ 0 , "x Î X . Consideremos
o conjunto X ' = {x - a | x Î X} . Claramente, vemos que X ' = {x - a | x Î X} Ì
(identificado com + ) e, pelo Princípio da Boa Ordenação em , o conjunto X '
possui elemento mínimo, digamos m ' . Assim, m ' Î X ' e m ' £ y , para todo y Î X ' .
Afirmamos que m = m '+ a é um elemento mínimo do conjunto X .
Primeiramente, Ferreira (2010, p. 55) explica que m Î X , pois m ' = m - a Î X ' .
Em segundo lugar, m £ x , "x Î X , uma vez que isso equivale a m - a £ x - a ,
para todo x Î X , ou seja, m ' £ y , "y Î X ' , que é verdade pela definição de m ' .
Logo, m é o elemento mínimo de X.
COROLÁRIO:
Seja x Î tal que 0 < x £ 1 , então x = 1 .
Demonstração:
Use como sugestão o conjunto A = { y Î | 0<y £ 1} . Use o PBO para mostrar que
este conjunto possui elemento mínimo. Conclua que A = { y Î | 0<y £ 1}={1} .
A
COROLÁRIO: 5
Sejam n, x Î , tais que n < x £ n +1 , então x = n +1 .
T
Demonstração: 2
Deixaremos para você, aluno.
DEFINIÇÃO:
ìïx se x ³ 0
Seja x Î , definimos o valor absoluto de s, denotando por x = ïí .
ï-
ïî x se x<0
DEFINIÇÃO:
Um elemento x Î diz-se inversível se existe y Î tal que xy = 1 .
PROPOSIÇÃO:
Os únicos elementos inversíveis em são 1 e -1.
Demonstração:
Seja então x Î * um elemento inversível, tal que xy = 1 . Segue que,
a partir da propriedade de módulo 1 = 1 = xy , e como x ³0, y ³0,
temos xy = x y = 1 \ x > 0 e y > 0 . Assim, podemos concluir que
x ³ 1 e y ³ 1 , multiplicando a última desigualdade por x . Segue que
y ³ 1 Þ 1 = x × y ³ 1× x ³ 1× 1 = 1 \ 1 ³ x ³ 1 Û x = 1 ou x= - 1 .
Exercício:
ïì2n - 1 se n>0
Mostre que f (n) = ïí é uma bijeção de f : ® .
ï-
ïî 2n se n £ 0
Para concluir esta seção, vale destacar as considerações de Ferreira (2010, p. 57) ao mencionar
que Cantor rompeu o paradigma grego de que “o todo é sempre maior do que suas partes
próprias”, como vimos também na aula anterior. Cantor caracterizou conjuntos infinitos que
podem ser colocados em bijeção com uma parte própria sua (FERREIRA, 2010, p. 58).
Nesta aula procedemos com a construção axiomática dos números inteiros. Na aula seguinte.
abordaremos a construção dos números racionais, denotados por , ao discutir as inclusões
Ì Ì . Os números que, no senso comum, são interpretados como “pedaços de pizza”
ou “partes de um bolo” no contexto escolar, evidenciam uma acepção superficial que não pode
ser suficiente para um futuro professor de Matemática.
A
OBJETIVO
5 Descrever a construção axiomática dos números
T racionais.
1
2
Ferreira (2010, p. 62) destaca ainda que, para se chegar a uma definição adequada,
novamente trabalha-se com o conceito de relação de equivalência, do mesmo modo
que empregamos para definir um número inteiro a partir do conceito de número natural.
Consideremos o conjunto x * := {(a, b) tal que a Î e b Î * } . Definimos nele
a relação (a, b) ~ (c , d ) Û ad = bc . Em seguida temos o seguinte teorema.
TEOREMA:
A relação (a, b) ~ (c , d ) Û ad = bc é de equivalência.
Demonstração:
Ferreira (2010, p. 62) diz que a prova de que ~ tem as propriedades reflexiva
e simétrica fica como exercício. Quanto à propriedade transitiva, se (a, b) ~ (c , d )
e (c , d ) ~ (e , f ) , então queremos mostrar que (a, b) ~ (e , f ) , isto é, se ad = bc e
cf = de , então af = be . Multiplicando ambos os membros da primeira igualdade
por ‘f’ e da segunda igualdade por ‘b’, obtemos adf = bcf e bcf = bde , onde segue
que adf = bde , cancelando d ¹ 0 , obtemos o que queríamos. É por causa deste
último detalhe da demonstração que partimos de x * e não de x (FERREIRA,
2010, p. 62).
DEFINIÇÃO:
a
Dado (a, b) Î x * , denotamos por (que se lê “a sobre b”) a classe de equivalência
b a
do par (a, b) pela relação ~ acima. Assim, = {(x, y ) Î x * se (x,y)~(a,b)} .
b
a
Temos agora um significado preciso para o símbolo de fração . Trata-se de
b
uma classe de equivalência com respeito à relação de equivalência que acabamos de
introduzir (FERREIRA, 2010, p. 63).
A
5 DEFINIÇÃO:
Denotamos por , e denominamos conjunto dos números racionais,
T o conjunto quociente de x * pela relação de equivalência ~ , isto é,
3 ( x * ) a
= ~ = { b tal que a Î e b Î } como no Ensino Fundamental
*
DEFINIÇÃO:
a c
Sejam e números racionais, isto é, elementos de . Definimos as operações
b d
a c ad + bc
chamadas de adição e de multiplicação, respectivamente, por: (*) + = e
bd bd
a c ad + bc
(**) = .
bd bd
TEOREMA:
As operações + e × estão bem definidas.
Demonstração:
Deixaremos para você, leitor.
Demonstração: A
Deixaremos para você, leitor. 5
De modo semelhante ao que fez no conjunto dos números inteiros, Ferreira (2010,
T
p. 67) define a seguinte relação de ordem em .
3
DEFINIÇÃO:
a c a c
Sejam e números racionais, com b, d > 0 . Escrevemos £ , quando
b d b d
a c
ad £ bc e dizemos que é menor do que ou igual a .
b d
TEOREMA:
A relação £ , introduzida acima, está bem definida e é uma relação de ordem em
.
Demonstração:
Deixaremos para você, aluno.
Demonstração:
a c
Escrevendo r = e s = Î , com b, d > 0 , vamos comparar os inteiros ad
b d
e bc . Pela Lei da Tricotomia em , ou ad = bc , em cujo caso ocorre r = s , ou
ad < bc , em cujo caso ocorre r < s , ou ad > bc , em cujo caso ocorre s < r . Além
disso, a validade de uma das afirmações exclui a validade das outras.
n
Em seguida, Ferreira (2010, p. 68) define a função i : ® por i(n) = , para
1
todo n Î . Esta é a função de que falamos anteriormente, que “imerge” em .
Assim, podemos enunciar o seguinte teorema.
Exercício:
Sejam X um subconjunto de um universo U e {An }nÎ Ì U uma família de subconjuntos
de U. Mostre que X \ (UnÎ An ) = ÇnÎ ( X \ An ) e X \ (ÇnÎ An ) = ÈnÎ ( X \ An ) ,
lembrando que UnÎ An = {x Î U tal que x Î A n , para algum n Î } e
ÇnÎ An = {x Î U tal que x Î A n , " n Î } .
Lema1 : Todo subconjunto infinito de é enumerável.
Demonstração:
Seja X um subconjunto infinito de e x0 seu menor elemento, que existe devido
ao Principio da Boa Ordem. Como X é infinito, o conjunto Y0 = X -{x0 } ¹ Æ . Seja
agora x1 o menor elemento de Y0 . De modo indutivo, obteremos por meio deste
raciocínio os elementos x0 , x1 , x2 , x3 ,....., xn . Em seguida, obtemos o elemento xn+1
como o menor elemento de Yn = X -{x0 , x1 , x2 , x3 ,......, xn } ¹ Æ , para todo n Î .
Caso contrário, o conjunto X seria finito. Afirmamos agora que:
= X = {x0 , x1 , x2 , x3 ,......, xn ,.....,....} = {x0 } È {x0 , x1 } È {x0 , x1 , x2 } È ..... = ÈnÎ An
onde An = {x0 , x1 , x2 , x3 ,......, xn } . De fato, pelo exercício anterior, podemos
escrever que X \ (UnÎ An ) = ÇnÎ ( X \ An ) = ÇnÎ (Yn ) . Assim, se existisse mais
algum x Î X - (UnÎ An ) , tal que x Î [ÇnÎ (Yn )] , e como tal, deveria ser maior do
que x0 , com mesma razão, deve ser maior do que x1 , por estar em Y1 , e, assim,
PROPOSIÇÃO:
*+ é enumerável.
Demonstração:
Consideremos os números racionais escritos na forma irredutível, dada pelo lema
æm ö
anterior. Seja f : *+ ® dada por f çç ÷÷÷ = 2m × 3n . O teorema Fundamental da
ènø
Aritmética e a unicidade da representação de frações na forma irredutível, dada
pela proposição acima, mostram que f é 1-1 e tem como imagem um subconjunto
infinito de , que é, enumerável.
TEOREMA:
é enumerável.
Demonstração:
Basta escrever = *- È {0} È *+ .
Note-se, porém, que este formalismo e artificialismo, condenado por Kline, não
pode ser de completo desconhecimento do professor, afinal, é impossível conceber
uma abordagem intuitiva para um conceito matemático se desconhecemos de modo
consistente seu comportamento e natureza dentro da teoria formal a qual pertence.
Espera-se, assim, do professor de Matemática, encerradas estas aulas, saber
declarar, de fato, do que se trata e qual a natureza de um número natural, inteiro
ou racional. Compreender que as inclusões Ì Ì tratam-se de “criações
pedagógicas” que podem tornar menos tortuosos o entendimento dos pequenos,
todavia, formalmente falando, o professor sabe que isto está equivocado, como
explica Ferreira (2010).
Para finalizar, antecipando um pouco de nosso próximo assunto, que
proporcionará escrever Ì Ì Ì , destacamos que existem várias formas de
construir os números reais. Um dos métodos possíveis é caracterizado por sequências
de Cauchy de números racionais (o completamento de ), descrito por Aragona
(2010). A vantagem deste método, segundo o autor, é que ele nos leva de forma rápida
e natural à representação decimal dos números reais que foi a forma em que estes
números foram conhecidos durante muito tempo antes de ter sua teoria devidamente
estruturada (ARAGONA, 2010, p. 39).
Nesta última aula, discutiremos alguns aspectos formais a respeito dos números re-
ais e dos números complexos. Lima (2004) critica de modo veemente a forma pela
qual são introduzidos tais conceitos no ensino escolar. Além de serem introduzidos
de forma indevida e de modo equivocado, na medida em que não se conhece sua
natureza em essência, dificilmente o professor percebe tais problemas, uma vez que
nem sempre na graduação se dá a ênfase devida a esses conceitos. Com a reflexão
que propomos nesta aula, buscamos, assim, evitar esse problema no âmbito da for-
mação do futuro professor.
Objetivos:
• Descrever a construção axiomática dos números reais;
• Descrever a construção axiomática dos números complexos.
137
01
TÓPICO
AS DIMENSÕES FILOSÓFICAS DOS
FUNDAMENTOS DA MATEMÁTICA III
A
OBJETIVO
5 Descrever a construção axiomática dos números
T reais.
1
2
2
de uma unidade, por falta, o maior número inteiro n Î tal que n2 < 2 < (n + 1) .
Assim, diz-se que o número n +1 é denominado de raiz quadrada de ‘2’ a menos de
uma unidade por excesso. No caso inicial, para n = 1 , que implica que a solução de
x 2 = 2 satisfaz 1 < x < 2 . A seguir, realizamos as aproximações decimais da solução
desta raiz que se encontra entre 1 e 2.
1
Denomina-se raiz quadrada de 2 a menos de por falta, ao maior número inteiro
10 2 2
ænö æ n + 1÷ö
de décimos cujo quadrado é menor do que 2. Isto equivale a çç ÷÷÷ < 2 < çç ÷÷ .
è10 ø è 10 ø
n +1
Reparamos agora que o número é a raiz quadrada de 2, por excesso e por
10
menos de um décimo. Para proceder ao cálculo desta outra aproximação, toma-se o
Finalmente, por meio da construção das classes E e F, como vimos acima, e de suas
propriedades, é possível definir a solução que buscamos para a equação x 2 = 2 , fato
que foi investigado profundamente por Dedekind. Precisamos da seguinte definição.
Exemplo:
Observamos que o elemento mínimo do conjunto A = é o número ‘0’. Por outro
lado, o conjunto A = {x Î | 0<x<1} não tem elemento mínimo, pelo fato de que,
Definição: Dizemos que ‘a’ é uma cota superior para um conjunto A quando
a ³ x , "x Î A . Por exemplo, todo número racional a Î , tal que a >1 é cota
superior para o conjunto A = {x Î | 0<x<1} . De modo semelhante, definimos a
cota inferior para um conjunto A Ì .
A
6
A partir destas definições, dizemos que, se um conjunto não vazio A Ì de T
todas as cotas superiores possui um elemento mínimo, é chamado de supremo de A 1
e denotamos por Sup( A). De modo análogo, se um conjunto não vazio A Ì de
todas as cotas inferiores possui um elemento máximo, é chamado de ínfimo de A e
denotamos por Inf ( A) .
Vejamos então uma definição importante a seguir.
q çè q ÷ø q
6 ( p2 - 2q2 ) >
1 1
+ « 32q2 ( p2 - 2q2 ) > 1 + 16q2 «
2
32q 2
T 32q2 ⋅ p2 − 64q 4 − 16q2 > 1 ↔ 32q2 ⋅ p2 > 64q 4 + 16q2 + 1
1
32q2 ⋅ p2 64 q 2 ⋅ p 2
>1↔ >2
(8q2 + 1) (8q2 + 1)
2 2
2 2 3
{
a) O conjunto a = x Î | x<
3
5 }
é um corte. De fato, notamos que tomando
2
Î e < , assim, vale o item (i). No caso do item (ii), considerando r = Î a ,
5 5 5 2 3 5
notamos que, se s Î e s < , então, s < \ s Î a . Para verificar que o conjunto
5 5
{
a = x Î | x<
3
5 }não admite elemento máximo.
{
b) O conjunto a = x Î | x>
3
5 }
não é um corte. Deixamos como exercício.
{
e) O conjunto a = x Î | - 3 £ x<
8
5 } não é um corte. Deixamos como
exercício.
f) O conjunto a = {x Î | x< - 1} não é um corte.
De fato, apesar de -2 Î a = {x Î | x< - 1} ¹ Æ (vale i), verificamos que se
r Î a e s < r < -1 , com s Î , então s < -1 .
g) O conjunto a = {x Î | x<0} é um corte.
De fato, observamos que -1 Î a ¹ Æ (i) e que, se r Î a e s < r (s Î ) , temos
p
r < 0 , com = s < r < 0 \ s < 0 (ii). Por fim, notamos que, para todo r Î a , temos
q
r +0 r r
r< = < 0 , com Î a (iii).
2 2 2
Proposição:
Seja a um corte, p Î a e q Ï a . Então, q> p .
Demonstração:
Vamos negar a propriedade desejada acima, ou seja, supor que q £ p . Como
admitimos que a é um corte, já temos de graça a condição (i). Por outro lado, se q £ p ,
onde p Î a e q Î , então, pelo item (ii) da definição, deveríamos ter que q Î a , o
que implica uma contradição. Assim, necessariamente, temos q > p .
Observamos que a negação da propriedade fornecida por esta proposição pode
ser útil, assim, caso tenhamos um corte a , com p Î a e se q £ p , necessariamente,
obtemos que q Î a , que é basicamente a condição (iii).
Proposição:
Se r Î e a = {x Î | x<r} , então a é um corte e r é a menor cota superior de a .
1 2
Î a . Assim, sempre conseguimos obter um valor maior do que s Î a , de
s +r
modo que Î a , ou seja, s Î a não é elemento máximo. Ferreira (2010, p. 80)
2
sublinha que ‘ r ’ é a menor cota superior. De fato, supomos que exista outra cota
superior r ' de a = {x Î | x<r} , menor do que ‘ r ’, ou seja, r ' < r .
Os cortes do tipo da proposição anterior são denominados cortes racionais e
se representam por r * . Os cortes que não possuem cota superior mínima não são
racionais.
Pode-se verificar que todo corte que possui cota superior mínima é racional.
Mostraremos que existem cortes que não possuem cota superior mínima, logo não
são racionais.
Demonstração: Verificaremos o item (i). De fato, de imediato temos Æ ¹ a , pois
¹ Æ e 0 Ï a = {x Î + | x2 <2} È *- , logo a ¹ . Para o item (ii), desejamos
*
-
Teorema:
Seja a = {x Î + | x <2} È - . Então a é um corte que não é racional.
2 *
Deixamos as condições (i) e (ii) para discutir mais adiante. Quanto à condição
(iii), devemos provar que, se x Î a , então existe y Î a , com y > x (não admite
elemento máximo). Isso é óbvio se x £ 0 . Mas vamos supor que x > 0 , com x 2 < 2 .
Para encontrarmos um elemento ‘y’ nas condições acima, tomaremos h Î *+ tal que
(x + h) < 2 e pôr y = x + h . Vamos trabalhar com a condição (x 2 + 2h × x + h2 ) < 2
2
Notação:
A
6
Denotaremos por  o conjunto de todos os cortes, ou seja,  := {a | a é um corte} .
T
Na sequência, veremos que se podem definir duas operações em  , denotadas 1
por “+” e “× ”, e uma relação de ordem.
Proposição:
Sejam a, b Î Â . Dizemos que a é menor do que b e escrevemos a < b quando
b \a ¹Æ.
Definição:
Se a Î Â e a > 0 * , a chama-se corte positivo. Se a > 0 * , a é dito corte negativo. Se
a ³ 0 * , a se chama corte não negativo e se a £ 0 * , a se chama corte não positivo.
Teorema (tricotomia):
Para a, b Î Â , uma e apenas umas das possibilidades ocorre, a = b ou a < b ou
a>b.
Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.
Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.
A
6 Teorema:
A relação ‘ £ ’ é uma relação de equivalência em  .
T
1 Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.
Teorema:
Sejam a, b Î Â . Se g := {r + s | r Î a e s Î b } , então g Î Â .
Demonstração:
Mostraremos que o conjunto acima satisfaz as três condições de corte. Notamos que
estamos admitindo que a, b ¹ Æ , portanto g ¹ Æ . Sejam t Î - a e y Î - b ,
e observamos que, por definição, t > r , "r Î a e u > s , "s Î b . Assim, obtivemos
t + u > r + s , "r Î a e "s Î b , ou seja, t + u Ï g , logo g ¹ .
Na condição (ii), notamos que, se r Î g e s<r , com s Î , mostraremos que s Î g .
Notamos que ‘r’ é do tipo p + q , com p Î a e q Î b . Daí, s<p+q e escrevemos
s = p + q ' , onde q ' < q , e, portanto, q ' Î b . Conclui-se que s Î g .
Para verificar a condição (iii), precisamos mostrar que o conjunto não possui
elemento máximo, ou seja, se r Î g , existe s Î g tal que s > r . Pelo fato de que
r Î g , escrevemos r = p + q, com p Î a e q Î b , que por sua vez são cortes. Assim,
existe p ' Î a, com p'>p e q' Î b , com q'>q , portanto tomamos s = p '+ q Î g , que
é maior do que r.
Definição:
Para a, b Î Â , definimos a + b como sendo o corte do teorema anterior, ou seja,
a + b := {r + s | r Î a e s Î b } .
Teorema:
*
A adição de cortes em  é comutativa, associativa, e possui elemento 0 como neutro.
LEMA:
A
Sejam a Î Â e r Î *+ , então o conjunto {s + m × r | m Î } não é limitado
6
superiormente em . T
1
Demonstração:
Deixamos a seu cargo, leitor.
LEMA:
Sejam a Î Â e r Î *+ , então existem números racionais p e q tais que p Î a ,
q Ï a , q não é cota superior mínima de a e q - p = r .
Demonstração:
Vamos tomar um elemento qualquer s Î a e consideremos a sequência
s, s + r , s + 2r , s + 3r , s + 4r ,......, s + nr . Notamos que essa sequência não é limitada
superiormente, e a é limitado superiormente e s Î a , então existe um único inteiro
m ³ 0 tal que s + mr Î a e s + (m + 1)r Ï a .
Se s + (m + 1)r não for cota superior mínima de a , tome p = s + mr
e q = s + (m + 1)r . Se s + (m + 1)r for cota superior mínima de a , tome
r
p = s + mr + e q = s + (m + 1)r .
2
Definição:
Seja a Î Â . Existe um único b Î Â tal que a + b = 0 * . Como no caso dos inteiros e
racionais, tal elemento b denota-se por -a e se chama simétrico (ou inverso aditivo) de
a.
Demonstração:
Ferreira (2010, p. 86) supõe a condição em que se tem a + b1 = a + b2 = 0 * . Na sequência,
associatividade
escreve b2 = b2 + 0 * = b2 + (a + b1 ) = (b2 + a ) + b1 = 0 * + b1 = b1 . Por outro
lado, a demonstração da existência do simétrico depende, no entanto, da situação
considerada (FERREIRA, 2010, p. 86).
Ferreira (2010, p. 86) sublinha que, no caso geral, não temos necessariamente cortes
racionais e, então, o símbolo (-a )* pode não fazer sentido. Mostremos que b é um
corte e que a + b = 0 * . Como de costume, precisamos verificar as três condições.
As condições (i) e (ii) deixaremos como atividades e verificaremos a condição (iii).
Com esta intenção, Ferreira (2010, p. 87) toma r Î b . Queremos mostrar que
podemos encontrar s > r em b . Como -r é cota superior de a , mas não é mínima,
logo existe t Î , com -t < -r , tal que -t é cota superior de a e, portanto, -t Ï a .
r +t
Seja então s = . Temos -t < -s < -r , de modo que -s é cota superior de a .
2
Em seguida, o autor verifica que vale a propriedade a + b = 0 * .
Definição:
Como nos casos de e , definimos a subtração em  por
a - b = a + (-b ) , "a,b Î Â .
Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.
Definição:
Dado a Î Â , definimos o valor absoluto de a ( ou o módulo de a ), representado por
ìïa se a ³ 0 *
a , do seguinte modo a = ïí .
ïï-a se a £ 0 *
î
Definição:
Sejam a, b , g Î Â , definimos:
Teorema:
A multiplicação de cortes é comutativa, associativa, tem 1* como elemento neutro e se
a, b , g Î Â , vale:
i) a(b + g ) = ab + ag
ii) a × 0 * = 0 *
iii) ab = 0 * se, e somente se, a = 0 * ou b = 0 *
iv) se a ³ b e g ³ 0 * , então ag £ bg
v) se a ³ b e g < 0 , então ag ³ bg
*
A Demonstração:
6 Deixamos como tarefa para você, leitor.
T Proposição:
1 Seja a Î Â , temos que r Î a se, e somente se, r * < a .
Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.
Proposição:
Sejam a, b Î Â e a < b , então existe um corte racional r * tal que a < r < b .
*
Demonstração:
Deixamos a seu cargo, leitor.
Ferreira (2010, p. 90) comenta que o conjunto  munido de duas operações é uma
relação de ordem obedecendo às mesmas leis aritméticas dos racionais. Além disso, a
aplicação j : ® Â dada por j(r ) = r * é injetora e preserva a adição, multiplicação e
ordem. O autor explica ainda que obtivemos uma cópia algébrica de um conjunto em
outro, desta vez, j() é uma cópia de em  , sendo j() precisamente o conjunto
dos cortes racionais (FERREIRA, 2010, p. 90).
Recordamos um teorema que assegura a existência de cortes não racionais.
Portanto, podemos afirmar que  - j() ¹ Æ . Em seguida, Ferreira (2010, p. 91)
apresenta a importante definição.
Definição:
O conjunto dos cortes  será, a partir de agora, denominado de conjunto dos números
reais e é denotado por . Os cortes racionais serão identificados, via a injeção
j : ® Â , com os números racionais. Todo corte que não for racional será denominado
numero irracional.
Demonstração:
Vamos supor que existam dois números g1 e g2 ,
nas condições do enunciado acima, com g1 <g2 , nas condições do enunciado do
teorema. Consideremos g3 tal que g1 <g3 < g2 , devido pela proposição anterior.
Repare que de g3 < g2 , resulta que g3 Î A , pois b ³ g2 , "b Î B e = A È B . De
modo análogo, g1 <g3 , resulta que g3 Î B . Obtemos então que g3 Î A Ç B = Æ uma
contradição. A existência fica a seu cargo, leitor.
Ferreira (2010, p. 93) acentua que este teorema fornece, em essência, a diferença
entre e . E acrescenta: no teorema anterior e o exercício anterior nos dizem,
informalmente que, em não há “lacunas”, mas que em , há. Por esta razão,
dizemos que possui a propriedade da completude ou que é completo (FERREIRA,
2010, p. 93).
Corolário:
Nas condições do teorema anterior, ou existe em A um número máximo, ou, em B um
número mínimo.
Demonstração:
Deixamos para você, leitor.
A
OBJETIVO
5 Descrever a construção axiomática dos números
T complexos.
1
2
Definição:
Consideremos o conjunto ´ = 2 e nele definamos a adição e a multiplicação com
acima. O conjunto 2 , denotado por essas operações, será denominado conjunto dos
números complexos e denotado por .
Teorema:
As operações em têm as seguintes propriedades: a adição e a multiplicação são
comutativas, associativas e têm elemento neutro. (0,0) para a adição e (1,0) para a
multiplicação. Além disso, dado (a, b) Î seu simétrico existe, -(a, b) , e é (-a,-b) ,
æ a -b ÷ö
e é çç
-1
e se (a, b) ¹ (0,0) , seu inverso existe (a, b)
çè a 2 + b2 , a 2 + b2 ÷÷ø . Finalmente, a
multiplicação é distributiva e relação a adição.
Demonstração:
Deixamos como exercício para você, leitor.
Demonstração:
Deixamos como exercício para você, leitor.
A
6
T
2
Figura ������������������������������������������������������������������������������������
1�����������������������������������������������������������������������������������
: Descrição geométrica da situação envolvendo o conceito de números complexos (BER�
LINGHOFF; GOUVÊA, 2004, p. 123).
T
2
Figura ������������������������������������������������������������������������������������
3�����������������������������������������������������������������������������������
: Fluxograma proposto para uma adequada formação do professor de Matemática (elabo�
ração própria).
1
2
G rugnetti & Rogers (2000, p. 53) explicam que a História da Matemática pode
atuar não apenas como um fator de ligação entre tópicos de Matemática,
como também as ligações entre a Matemática e outras disciplinas. Os
referidos autores desenvolvem uma análise na perspectiva da História da Matemática
e discutem como determinados saberes podem ser mediados no ensino.
Entretanto, no âmbito do ensino de Matemática, assumimos a necessidade da
adoção de uma proposta metodológica que viabilize a abordagem de conteúdos
matemáticos por meio de sua história. Assim, adotaremos a “proposta teórico-
metodológica apresentada por um grupo de Educadores Matemáticos do Estado do
Ceará” (BORGES et al, 2001, p. 3) denominada Sequência Fedathi – SF que possibilita
a criação de um clima experimental que retrata o os momentos e as dificuldades
enfrentadas por um matemático profissional em busca da constituição de um saber.
A
6
T
3
Figura 2: Relações conceituais exploradas (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 5).
Honsberger (1985, p. 104) menciona, sem fornecer muitos detalhes, que, “não
existe dificuldade em estender a seqüência de Fibonacci no sentido indefinidamente
oposto”. De fato, notamos que: f1 = f0 + f-1 \ f-1 = 1; f0 = f-1 + f-2 \ f-2 = -1 ,...,
etc. Sucessivamente temos:
{f-n }nÎ :{......; f-n ;...; f-8 ; f-7 ; f-6 ; f-5 ; f-4 ; f-3 ; f-2 ; f-1 ; f0 }
(1)
{ ....;...... ; - 21; 13 ; - 8 ; 5 ; - 3 ; 2 ; - 1 ; 1 ; 0}
Destacamos que, em nenhuma das obras consultadas, encontramos a descrição
da sequência de Fibonacci para o conjunto dos inteiros
negativos. Entretanto, usando o mesmo princípio
para a forma geral fn = fn-1 + fn-2 , estabelecemos
SAIBA MAIS! f-n = f-n-1 + f-n-2 , n Î . Acrescentamos ainda que
Conheça mais sobre a história do o modelo matemático descrito por fn = fn-1 + fn-2 ,
matemático Giovanni Domenico pode ser considerado, numa linguagem atual, como
Cassini acessando o site http://www.
uma singela modelagem da geração de coelhos; todavia,
apprendre-math.info/portugal/
historyDetail.htm?id=Cassini o mesmo não podemos dizer em relação à sequência
{f-n }nÎ .
De modo análogo, lembrando que L1 = L0 + L-1 \ L-1 = L1 - L0 = -1, temos a
seguinte regra L-n = L-n-1 + L-n-2 , para n Î . Exibimos a sequência:
{L-n }nÎ :{..; L-n ;...; L-8 ; L-7 ; L-6 ; L-5 ; L-4 ; L-3 ; L-2 ; L-1 ; L0 }
(2)
{ ...;...... ; ; 18 ; - 11 ; 7 ; - 4 ; 3 ; - 1 ; 2 }
A vantagem desta formulação pode ser compreendida, por exemplo, a partir da
fórmula fn+1 × fn-1 - fn 2 = (-1) n demonstrada pela primeira vez por Giovanni Domenico
Cassini (1625-1712), em 1680, como explica Koshy (2007, apud ALVES; BORGES
NETO, p. 134). Vamos agora realizar o mesmo raciocínio para a sequência descrita
Figura 3: Apresentação geométrica das sequências (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 8).
A
6
T
3
Professor Francisco Regis Vieira Alves atua há dez anos no ensino superior de Mate-
mática e possui experiência de ensino no ambiente escolar durante alguns anos. Foi
professor da Universidade Regional do Cariri – URCA, onde promoveu a modificação
e reorganização de um currículo para o professor de matemática em consonância com
paradigmas atuais e internacionais. Foi coordenador de cursos de especialização nesta
instituição voltados ao ensino da matemática. Atualmente é professor do Instituto Fede-
ral de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará, no qual, possui atividades
direcionadas ao curso de licenciatura. No que diz respeito á sua formação acadêmica,
é licenciado e bacharel em Matemática – UFC; é mestre em Matemática Pura - UFC e
mestre em Educação pela mesma universidade, com ênfase no ensino de matemática.
Encontra-se em fase de conclusão do doutorado em Educação com ênfase no ensino de
Matemática em nível superior.