Sunteți pe pagina 1din 172

Ministério da Educação - MEC

Universidade Aberta do Brasil


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
Diretoria de Educação a Distância

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA
Francisco Regis Alves Vieira

Filosofia das Ciências


e da Matemática

Fortaleza, 2011
Créditos
Presidente Maria Irene Silva de Moura
Dilma Vana Rousseff Marília Maia Moreira
Maria Luiza Maia
Ministro da Educação Saskia Natália Brígido
Fernando Haddad Maria Vanda Silvino da Silva
Presidente da CAPES Equipe Arte, Criação e Produção Visual
Joao Carlos Teatine Climaco Ábner Di Cavalcanti Medeiros
Diretor de EaD - CAPES Benghson da Silveira Dantas
Carlos Eduardo Bielschowsky Germano José Barros Pinheiro
Gilvandenys Leite Sales Júnior
Reitor do IFCE José Albério Beserra
Cláudio Ricardo Gomes de Lima José Stelio Sampaio Bastos Neto
Pró-Reitor de Ensino Lucas de Brito Arruda
Gilmar Lopes Ribeiro Marco Augusto M. Oliveira Júnior
Navar de Medeiros Mendonça e Nascimento
Diretora de EAD/IFCE e Coordenadora Roland Gabriel Nogueira Molina
UAB/IFCE Samuel da Silva Bezerra
Cassandra Ribeiro Joye
Equipe Web
Vice-Coordenadora UAB Benghson da Silveira Dantas
Régia Talina Silva Araújo Fabrice Marc Joye
Coordenador do Curso de Luiz Bezerra de Andrade FIlho
Tecnologia em Hotelaria Lucas do Amaral Saboya
José Solon Sales e Silva Ricardo Werlang
Samantha Onofre Lóssio
Coordenador do Curso de Tibério Bezerra Soares
Licenciatura em Matemática
Priscila Rodrigues de Alcântara Revisão Textual
Aurea Suely Zavam
Elaboração do conteúdo Nukácia Meyre Araújo de Almeida
Francisco Regis Alves Vieira
Revisão Web
Equipe Pedagógica e Design Instrucional Antônio Carlos Marques Júnior
Ana Claúdia Uchôa Araújo Débora Liberato Arruda Hissa
Andréa Maria Rocha Rodrigues Saulo Garcia
Carla Anaíle Moreira de Oliveira
Cristiane Borges Braga Logística
Eliana Alves Moreira Francisco Roberto Dias de Aguiar
Gina Maria Porto de Aguiar Vieira Virgínia Ferreira Moreira
Glória Monteiro Macedo Secretários
Iraci Moraes Schmidlin Breno Giovanni Silva Araújo
Irene Moura Silva Francisca Venâncio da Silva
Isabel Cristina Pereira da Costa
Jane Fontes Guedes Auxiliar
Karine Nascimento Portela Ana Paula Gomes Correia
Lívia Maria de Lima Santiago Bernardo Matias de Carvalho
Lourdes Losane Rocha de Sousa Isabella de Castro Britto
Luciana Andrade Rodrigues Wagner Souto Fernandes
Catalogação na Fonte: Islânia Fernandes Araújo (CRB 3 - Nº 917)

V657f Vieira, Francisco Regis Alves

Filosofia das Ciências e Matemática: semestre VI / Francisco Régis


Vieira; Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. - Fortaleza: UAB/IFCE,
2011.
172p. : il. ; 27cm.

1. FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS 2. FILOSOFIA DA MATEMÁTICA.


3. MATEMÁTICA I. Joye, Cassandra Ribeiro (Coord.). II. Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE. III.
Universidade Aberta do Brasil – UAB. IV. Título.

CDD – 510.1
Sumário
Aula 1 - Filosofia das Ciências e da Matemática................................. 7
Tópico 1 - Relações entre filosofia das ciências e
filosofia da matemática e o ensino de matemática................................................8
Tópico 2 - A natureza do conhecimento matemático..........................................18
Tópico 3 - Os precursores da filosofia..............................................................24

Aula 2 - Filosofia da Matemática.........................................................35


Tópico 1 - As correntes filosóficas da matemática...............................................36
Tópico 2 - O construtivismo na matemática e o construtivismo piagetiano...............50

Aula 3 - Arquimedes e a Noção de Demonstração...........................59


Tópico 1 - Sobre a natureza das definições matemáticas......................................60
Tópico 2 - As influências das correntes filosóficas no ensino atual..........................70
Tópico 3 - As características de uma definição matemática e o ensino de álgebra......82

Aula 4 - As dimensões filosóficas da intuição, seu papel da atividade


do matemático e alguns paradoxos....................................................87
Tópico 1 - As dimensões filosóficas da intuição matemática..................................88
Tópico 2 - O papel da intuição da atividade do matemático.................................94
Tópico 3 - Os paradoxos relacionados à intuição matemática.............................102

Aula 5 - A construção axiomática dos números naturais,


inteiros e racionais............................................................................. 111
Tópico 1 - Um problema antigo relacionado à equação polinomial
do segundo grau.......................................................................................112
Tópico 2 - As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática II.................120
Tópico 3 - As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III................128

Aula 6 - A construção dos números reais,


complexos e considerações finais.................................................... 137
Tópico 1 - As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III................138
Tópico 2 - As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IV................154
Tópico 3 - Uma aplicação de sequência metodológica de ensino
por meio de sua história.............................................................................162

Referências Bibliográficas................................................................. 170


Apresentação
Caro estudante, apresentamos o material referente à disciplina de Filosofia das Ci-
ências e da Matemática. De início, recordamos um ensinamento pertinente, atribu-
ído ao filósofo da ciência Karl Popper, e ao matemático Imre Lakatos. O primeiro
investigou a Lógica da Descoberta Científica – LDC, enquanto o segundo, em sua
vida acadêmica, analisou a Lógica da Descoberta Matemática – LDM. Sustentamos
a “impossibilidade”, do ponto de vista filosófico, de compreensão da LDC, por par-
te do futuro professor, sem um entendimento razoável da LDM, embora muitos
defendam o contrário. Para tanto, traçamos, nas aulas iniciais, o cenário filosófico,
epistemológico e político, pelo qual identificamos a evolução e a revolução dos
paradigmas da Matemática. Nosso objetivo é a busca de um pensamento, de um
olhar, de um sentimento filosófico do professor com relação à sua disciplina que,
aos olhos dos incipientes, lhes parece uma “ciência dos números”. Acrescentamos
que a Matemática é bem mais do que isso, bem mais do que a aplicação tácita de
fórmulas. Por fim, trazemos a filosofia pessoal de Bertrand Russell, Henri Poincaré e
Morris Kline, com a intenção de inspirar a pedagogia do futuro docente.

Francisco Regis Vieira Alves


Aula 1
Filosofia das Ciências e da Matemática

Nesta parte inicial discutiremos algumas noções introdutórias relacionadas aos cam-
pos de investigação da Filosofia da Matemática e das Ciências. Vamos nos deter ini-
cialmente na demarcação e no interesse de cada uma das áreas e em seguida na
discussão dos elementos mais interessantes com respeito ao ensino de Matemática.
Nesta aula inicial apresentaremos algumas noções fundamentais no âmbito da Filoso-
fia das Ciências e da Filosofia da Matemática, introduziremos também, a partir desta
primeira aula e de modo sistemático nas subseqüentes, alguns termos particulares e
específicos destas áreas de investigação.

Objetivos
• Descrever os pressupostos básicos da Filosofia da Matemática comparando-a com Filosofia
das Ciências.
• Discutir a natureza do saber matemático e alguns exemplos de ordem lógica formal.
• Conhecer os principais pensadores que estabeleceram o terreno fértil para a Filosofia da
Matemática.

7
01
TÓPICO
RELAÇÕES ENTRE FILOSOFIA DAS
CIÊNCIAS E FILOSOFIA DA MATEMÁTICA
E O ENSINO DE MATEMÁTICA

OBJETIVO
Descrever os pressupostos básicos da Filosofia
da Matemática comparando-a com Filosofia das
Ciências.

N a perspectiva do professor de matemática em formação, o que podemos


tomar como mais significativo a compreensão da evolução do saber
científico ou a compreensão do saber matemático científico? Neste sentido,
é surpreendente encontrarmos pessoas no ambiente acadêmico que se apoiam na
crença segundo a qual “é possível compreender o movimento interno impulsionador
e de evolução da Matemática a partir da compreensão dos movimentos e da
evolução que marcaram determinados períodos históricos
num contexto mais amplo e geral”, como o contexto
das Ciências. De modo inquestionável, encontramos na
SAIBA MAIS! literatura vários pensadores e epistemólogos (JAPIASSU,
1988) que fornecem um depoimento que assegura o papel
Epistemologia: Diz respeito ao
estudo da gênese, da estrutura, da de modelo deste paradigma para várias outras áreas do
organização/evolução dos métodos saber científico.
e a validade/confiabilidade do
Neste sentido, para compreendermos o pensamento
conhecimento científico.
filosófico, necessitamos, em grande parte, nos
apropriarmos do pensamento epistemológico. A respeito da
epistemologia, Japiassu (1988) faz a seguinte distinção:
a) Epistemologia, no sentido bem amplo do termo, pode ser considerada

8 Licenciatura em Matemática
o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua
formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus
produtos intelectuais;
b) Epistemologia global (geral), quando trata do saber globalmente
considerado, com a virtualidade e os problemas do conjunto de sua
organização, quer sejam especulativos, quer científicos;
c) Epistemologia particular, quando trata de levar em consideração A
um campo particular de saber, quer especulativo, quer científico; 1
d) Epistemologia específica, quando trata de levar em conta uma
disciplina intelectualmente constituída em unidade bem definida do T
saber, e de estudá-la de modo próximo, detalhado e técnico, mostrando 1
sua organização, seu funcionamento e as possíveis relações que ela
mantém com as demais disciplinas.
Depois dessas caracterizações, torna-se necessário sublinharmos a ênfase que
daremos ao longo destas aulas à Epistemologia Específica e, de modo particular, à
Epistemologia da Matemática, que possui de modo intrínseco um seu viés filosófico.
Assim, defendemos a compreensão do movimento filosófico da Matemática na medida
em que identificamos mudanças e substituições de paradigmas epistemológicos.
Defendemos, assim, a impossibilidade de compreendermos a Filosofia da
Matemática, muito menos diversos fenômenos que evoluem no universo didático,
histórico, lógico e metodológico (Figura 1), recorrendo-se apenas à Filosofia
das Ciências. Deste modo, daremos ênfase aos elementos apresentados abaixo,
identificados no item (2):

Figura 1: Aspectos do saber matemático (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 2)


O diagrama da Figura 2, reproduzida a seguir, nos ajuda a defender que
determinados fenômenos característicos do âmbito das Ciências não explicam/
caracterizam ou significam determinadas dimensões do saber matemático, apesar
de possuírem uma região de interface comum, todavia tal interface ou região de

História da Matemática 9
interseção é observada graças à necessidade e insuficiência que muitas áreas do
conhecimento científico apresentam; deste modo, necessitam se apoiar, “importar”
e se ‘apropriar’ de determinados paradigmas e métodos próprios da Matemática para
seu próprio interior, como garantia de rigor e cientificidade.

A
1
T
1
Figura 2: Relações entre Ciências e Matemática (elaboração própria)

Por outro lado, destacamos, também na Figura 2, uma região pertencente ainda
à Filosofia da Matemática que possui vigor próprio, que indicamos por (?), a qual
não é encontrada e/ou identificada em mais nenhuma outra área do conhecimento
científico. Sua importância se explicita na medida em que desenvolvermos nossas
considerações acerca do ensino de Matemática que não pode desprezar a dimensão
filosófica do saber matemático.
Para exemplificar, são esclarecedoras as considerações do professor Jairo José da
Silva, quando, em seu livro intitulado Filosofias da Matemática, destaca:
A matemática entrou na cultura primeiramente como uma técnica, a
de fazer cálculos aritméticos e geométricos elementares, e suas origens
perdem-se nos primórdios da história. Dentre os povos antigos, os
egípcios foram bons matemáticos, como suas realizações técnicas o
atestam, mas os babilônios foram ainda melhores. Mas, ainda que
essas culturas tenham produzido uma matemática reconhecível como
tal, faltava a ela o caráter sistemático, rigoroso, puro – isto é, não
empírico – e, em grande medida, a indiferença com respeito a aplicações
práticas e imediatas que caracterizam o conhecimento matemático, tal
como entendemos hoje (SILVA, 2007, p. 31).

Identificamos em suas palavras uma passagem e transição de um saber


matemático especulativo, empírico e desinteressado, apontado e produzido por
algumas civilizações mais antigas para um saber matemático de caráter “rigoroso”,
“sistemático” e “puro”, como o próprio autor acentua. Ora, este movimento de

10 Licenciatura em Matemática
transição, encontrado em determinadas fases históricas mais proeminentes, como
as fases históricas discutidas por Silva, são objeto de estudo do que Hilton Japiassu
chamou acima da epistemologia específica da Matemática.
A Filosofia da Matemática que por ora discutimos se interessa por questões
desta natureza. Além disso, vamos discutir, ainda, outros interesses que podem ser
identificados apenas nesta área e em mais nenhuma outra área do conhecimento
científico (Figura 2). A
Destacamos outro trecho de Silva (2007, p.34) com a intenção de ilustrar, em 1
nossa discussão filosófica inicial, a significação do termo Filosofia da Matemática.
O gênio de Euclides, porém, estava no modo como ele fez isso. A T
partir de um sistema mínimo e supostamente completo de verdades 1
não-demonstradas e indemonstráveis – axiomas e postulados
(posteriormente verificou-se que faltavam pressupostos substituídos
pela intuição espacial) -, Euclides, demonstrava racionalmente
todos os enunciados de Os elementos. Estava assim criado o método
axiomático-dedutivo que viria a servir de modelo para toda a
matemática a partir de então: a redução racional (preferivelmente
lógica) de todas as verdades de uma teoria e uma base mínima e
completa de verdades evidentes ou simplesmente pressupostas. Não
havia nada de remotamente similar na matemática não grega.

Nas palavras do autor, observamos um dos elementos


peculiares ao pensamento matemático que influenciou,
séculos mais tarde, várias áreas do conhecimento
SAIBA MAIS!
científico. Note-se que a dimensão epistêmica é sempre
exigida para que possamos compreender o caráter O Método axiomático–dedutivo
filosófico dos saberes científicos constituídos até nossos foi sistematizado a partir dos gregos
evoluiu e se aperfeiçoou, alcançando
dias. De fato, Silva (2007) fez menção explicita ao método
seu apogeu com o grupo Bourbaki.
axiomático-dedutivo, inaugurado pela civilização jônica. A intenção principal consiste em
Sua função naquela época assumiu um papel fundamental formalizar e descrever o conhecimento
matemático por meio de estruturas
do ponto de vista epistemológico, principalmente quando
gerais e abstratas.
adotamos a seguinte significação:
A epistemologia pode, então ser definida
como o ‘estudo da constituição dos conhecimentos válidos’. O termo
‘constituição’ recobre ao mesmo tempo as ‘condições de acesso’,
isto é, os processos de aquisição dos conhecimentos, e as ‘condições
propriamente constitutivas, quer dizer, as condições formais ou
experimentais que dizem respeito à validade dos conhecimentos, e as

História da Matemática 11
condições que dizem respeito, quer às contribuições do sujeito, que às
do objeto no processo de estruturação do conhecimento. Portanto, para
Piaget, só há ciência quando estiverem reunidos esse três elementos: (1)
elaboração de fatos; (2) formalização lógico-matemática; (3) controle
experimental (JAPIASSU, 1988, p. 44).

A Notamos no trecho acima o registro de um grande pensador recordado pelo


1 epistemólogo Hilton Japiassu, trata-se do epistemólogo geneticista Jean Willian
Fritz Piaget (1896-1980) . Destacamos o grande pesquisador Piaget não só por sua
T importância no campo científico, mas, sobretudo pelo valor de seu estudo sobre a
1 análise e os processos de reformulação de certos conceitos científicos por meio de uma
análise lógica (JAPIASSU, 1988, p. 44). A Matemática para Piaget assumiu um papel
imprescindível para a explicação e previsão de inúmeros fenômenos observados no
âmago do conhecimento científico moderno.
Antes, porém, de discutirmos um pouco mais a respeito do caráter epistemológico
do saber matemático e sua função no interior de Filosofia da Matemática, sublinhamos
a explicação do pesquisador inglês Paul Ernest (1991, p. 3):
A filosofia da Matemática é um ramo da filosofia cuja tarefa se reflete
ao tomar em consideração a natureza da Matemática. Esta é um caso
especial de epistemologia que leva em consideração o conhecimento
humano em geral. A filosofia da Matemática se orienta no sentido
de responder algumas questões: Qual é a base do conhecimento
matemático? Qual é a natureza da verdade matemática? O que
caracteriza a verdade em matemática? O que é uma afirmação e sua
justificação? Por que as verdades em matemática são necessariamente
verdades?

Ernest confirma a presença e necessidade da adoção de vários pressupostos


epistemológicos, corroborando com o que mencionamos nos parágrafos anteriores,
quando menciona que, ao adotarmos largamente uma abordagem epistemológica,
assumimos que conhecimento é qualquer área representada por um conjunto de
proposições, aliado a um conjunto de procedimentos capazes de realizar verificação
e assegurar sua confiabilidade (1991, p. 4).

Na citação anterior, observamos alguns questionamentos intrínsecos ao que


chamamos de Filosofia da Matemática, que se apresenta como um campo distinto da

12 Licenciatura em Matemática
Filosofia das Ciências. Retomando a Figura 2, lembramos
que a Filosofia da Matemática é marcada por elementos
particulares que não são encontrados nas outras áreas do
conhecimento científico humano. No início sublinhamos SAIBA MAIS!
uma “crença” equivocada segundo a qual muitos ainda
Para conhecer um pouco mais sobre a
acreditam na possibilidade de se compreender o particular Filosofia das Ciências, acesse o site:
partindo-se do geral (). Assumimos que este ponto de
h t t p : / / w w w. m o l w i c k . c o m / p t / A
vista encontrado no locus acadêmico é completamente metodos-cientificos/528-metodos- 1
equivocado e interpretamos esta atitude e posicionamento experimental.html
epistemológico como uma espécie de “miopia acadêmica”. T
Adotamos, por outro lado, o percurso inverso () por acreditarmos que assim 1
poderemos proporcionar melhor entendimento.

Figura 3: Relação entre o caráter particular e o geral dos saberes científicos (elaboração própria)

Para exemplificar de que modo os sintomas da “miopia” e mesmo, em terminados
casos, cegueira acadêmica pode ocorrer, recordamos a seguinte caracterização
fornecida por Bicudo & Guarnica (2001, p. 19), ao defenderem a supremacia da
Filosofia da Educação sobre a Filosofia da Matemática:
A Filosofia da Educação, por proceder de modo analítico, crítico
e abrangente, volta-se para questões que tratam de como fazer
educação, de aspectos básicos presentes ao ato do educador como é o
caso do ensino, da aprendizagem, de propostas político-pedagógicas,
do local onde a educação se dá e, de maneira sistemática e abrangente,
as analisa, buscando estender seu significado para o mundo e para o
próprio homem.

De modo semelhante, os mesmos autores definem a Filosofia da Matemática como


uma área em que:

Proceder conforme o pensar filosófico, ou seja, mediante a análise critica,


reflexiva, sistemática e universal, ao tratar de temas concernentes à

História da Matemática 13
região de inquérito da matemática, diferencia-se da matemática, pois
não se dispõe a fazer matemática, construindo o conhecimento desta
ciência, mas dedica-se a entender o seu significado no mundo, o sentido
que faz para o homem, de uma perspectiva antropológica e psicológica,
a lógica da construção do seu conhecimento, os modos de expressão
pelos quais aparece e materializa-se, cultural e historicamente, a
A realidade dos seus objetos, a gênese do seu conhecimento (BICUDO;
1 GUARNICA, 2001, p. 27).

T Neste ponto registramos que a “miopia” acadêmica acontece quando pensamos


1 que, de um ponto de vista prático e utilitarista, seria mais importante para o
professor de matemática um razoável conhecimento em Filosofia da Educação
em detrimento da Filosofia da Matemática. Tal patologia intelectual pode ocorrer
também quando acreditamos de modo ingênuo que, compreendendo a Filosofia da
Educação, consequentemente, o professor compreenderá a Filosofia da Matemática.
E, por fim, com vistas finais ao ensino de matemática propriamente dito, qual das
duas se apresenta de maior relevância para o futuro professor de matemática?
Recordamos um pressuposto simples e recorrentemente descuidado por
profissionais que desconhecem o real e o concreto efetivo significado da regência
numa aula de Matemática, que se refere ao fato de que a maior parte do tempo
despendido pelo professor na escola é dedicada à ação de dar aula de Matemática.
Assim, a retórica que identificamos na definição fornecida por Bicudo & Guarnica
(2001) relativa à Filosofia da Educação, em termos práticos, em nada melhorará ou
aperfeiçoará a ação que mencionamos. Nesse sentido, destacamos a relevância de um
saber vinculado e determinado pelo saber matemático que poderá proporcionar o
aperfeiçoamento da ação docente, de acordo com o que exibimos na Figura 1.
Antes de apresentarmos nosso argumento final, discutiremos outras questões
levantadas por Bicudo & Guarnica (2001, p. 27) quando afirmam que:
As perguntas básicas da filosofia – “O que existe?”, “O que é o
conhecimento?”, “O que vale?” -, são trabalhadas pela filosofia da
matemática, focalizando-se especificamente nos objetos da matemática.
Desdobram-se em termos de “Qual a realidade dos objetos da
matemática?”, “Como são conhecidos os objetos matemáticos e quais
os critérios que sustentam a veracidade das afirmações matemáticas?”,
“Os objetos e as leis matemáticas são inventadas (construídas) ou
descobertas?”.

14 Licenciatura em Matemática
Mais adiante os autores destacam que o tratamento destas questões é relevante
para a autocompreensão da Matemática e necessário para a definição de propostas
curriculares, por determinar escolhas de conteúdos, atitudes de ensino, expectativas
de aprendizagem, indicadores de avaliação (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 27).
Depois destas ponderações, acreditamos ser insustentável a crença de que a
formação em Filosofia da Educação deve anteceder qualquer formação e informação
relativa à Filosofia da Matemática. Além da maior importância da Filosofia da A
Matemática, no que diz respeito à instrumentalização efetiva do futuro mestre, 1
assumir este posicionamento implica aceitar o diagrama que propomos (Figura 3),
ou melhor, significa compreender o particular, para depois compreender o geral. T
Vários epistemólogos nos fornecem esta lição, entre eles podemos citar Karl Popper 1
e Thomas Khun .
Como tencionamos nesta primeira parte descrever os pressupostos iniciais que
adotaremos neste curso, inclusive suas implicações para o ensino de Matemática,
recordamos ainda que a Filosofia da Matemática interessa-se por questões de caráter:
(i) ontológico: o que existe em Matemática; (ii) epistemológico: como se conhece o
que existe em Matemática e o que pode ser considerado conhecimento matemático;
(iii) axiológico: quando um conhecimento matemático pode ser considerado como
verdadeiro. Estes questionamentos podem nos fornecer elementos para compreender
os processos necessários que tornam nossas crenças matemáticas em conhecimento
matemático válido.

Figura 4: Relações entre conhecimento e crença matemática

Muitas destas questões serão discutidas e significadas dentro da própria


Matemática, uma vez que esta é, em tese, a área de maior interesse do futuro
professor de Matemática.
Para finalizar, destacamos uma área de investigação, internacionalmente firmada
e reconhecida, chamada Filosofia da Educação Matemática. Tal área de inquérito
investigativo é assim caracterizada:

História da Matemática 15
Por focalizar a matemática no contexto da educação, a Filosofia da
Educação Matemática também se coloca questões sobre o conteúdo a
ser ensinado e a ser apreendido e, desse modo, necessita de análises
e reflexões da filosofia da matemática sobre a natureza dos objetos
matemáticos, da veracidade do conhecimento matemático, do valor da
matemática (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 30).
A
1 Esta área de investigação será retomada por nós no final de nossos estudos. Assim,
para prosseguir de acordo com o que acreditamos ser o mais compreensível para o
T leitor (Figura 3), detalharemos a partir deste ponto outras questões relacionadas ao
1 saber matemático.
Nesta lição, discutimos e demarcamos alguns elementos essenciais relacionados
com a Filosofia das Ciências e Filosofia das Matemáticas. No próximo tópico
introduziremos outros elementos que diferenciam e distinguem a evolução do saber
matemático no contexto científico de qualquer outro saber acadêmico.

16 Licenciatura em Matemática
A
1
T
1
02
TÓPICO
A NATUREZA DO
CONHECIMENTO MATEMÁTICO

A
OBJETIVO
1 Discutir a natureza do saber matemático e alguns

T exemplos de ordem lógica formal.

C omo mencionamos sem maiores detalhes na seção


anterior, a Matemática, tradicionalmente, foi
vista como paradigma para certos conhecimentos,
desde que foi erigida há 2500 anos com Euclides, como
bem atesta Ernest (1991, p. 4). Nos séculos subsequentes,
VOCÊ SABIA?
sua influência continuou a se mostrar promissora e
Conhecimento a priori: a frutífera para inúmeros campos do saber. De fato, Ernest
priori (do latim, « partindo daquilo
(1991, p. 4) recorda que:
que vem antes »), expressão do âmbito
filosófico que designa uma etapa para Desde a época de Euclides até o final do século XIX, seu
se chegar ao conhecimeto válido, que paradigma foi explorado para estabelecer a verdade e a
consiste o pensamento dedutivo. Note- certeza. Newton usou alguns elementos no seu Principia
se que o conhecimento proposicional
não pode ser adquirido, incorporado encontrados ainda nos Elementos de Euclides; Spinoza em
por meio da percepção, introspecção, sua estética [...] A matemática desde muito tempo tem sido
memória ou testemunho. É, deste tomada como fonte de muitos saberes da raça humana.
modo, uma anterioridade lógica e
não cronológica que é designada na
noção “a priori”. Tal conhecimento se Ernest adverte que conhecimento é a base na qual
complementa com o conhecimento assentamos todas nossas afirmações. Explica ainda
a posteriori, que designa aquele
que conhecimento a priori consiste em proposições que
que adquirimos com a experiência
mundana. são produzidas unicamente assentadas ou sustentadas

18 Licenciatura em Matemática
pela razão, sem o recurso da observação do mundo real (1991, p. 4). Aqui, a razão
empregada pelo autor consiste no recurso de lógica dedutiva e significados de termos,
tipicamente encontrados em definições. Em oposição, conhecimento a posteriori ou
conhecimento empírico consiste em proposições produzidas com respeito a uma base
de experimentos e observações do mundo real.
Mais adiante, Ernest (1991, p.4) esclarece:
O conhecimento matemático é classificado como conhecimento a priori, A
desde que consista de proposições e seja fundamentado a partir da 1
razão. Razão que inclui lógica dedutiva e definições que são usadas
em conjunção de axiomas e postulados, como base para a obtenção de T
inferências. Todavia, a fundação do conhecimento matemático consiste 2
em investigar a verdade nas proposições matemáticas, consiste no
método dedutivo.

Vamos trazer para ilustrar nossa discussão o problema relacionado ao princípio


de indução matemática abordado pelo matemático Giuseppe Peano (1858-1932). Para
tanto, é importante recordarmos o conjunto  ={1,2,3,.....,....,...} , que é chamado
de conjunto dos números naturais que estão relacionados de modo íntimo com a
noção de conjunto enumerável (LIMA, 2004, p. 32). Lima (2004, p. 32) explica que os
axiomas de Peano exibem os números naturais como “números ordinais”, isto é, objetos
que ocupam lugares determinados numa sequencia ordenada. O axioma de Peano é
enunciado do seguinte modo:
Existe uma função injetiva s :  ®  . A imagem s(n) de cada número natural
n Î  chama-se o sucessor de ‘n’;
Existe um único número natural 1 Î  tal que 1 ¹ s(n) para todo n Î  ;
Se um conjunto X Ì  é tal que 1 Î X e s( X ) Ì X , isto é, se n Î X ® s (n) Î X ,
então X =  .
Tais condições podem ser reformuladas do seguinte modo:
(i’) Todo número natural tem um sucessor, que ainda é um número natural;
números diferentes têm sucessores diferentes;
(ii’) Existe um único número natural ‘1’ que não é sucessor de nenhum outro;
(iii’) Se um conjunto de números naturais contém o número ‘1’ e contém também
o sucessor de cada um dos seus elementos, então esse número contém todos os
números naturais.
Lima (2004, p. 33) principia uma discussão filosófica ao declarar que:
Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos. É
apresentada uma lista de propriedades gozadas por eles (os axiomas) e

História da Matemática 19
tudo decorre daí. Não interessa i que os números são; (isto seria mais um
problema filosófico) o que interessa é como eles se comportam. Embora
os axiomas por ele adotados já fossem conhecidos por Dedekind, tudo
indica que Peano trabalhou independentemente. O mais importante
não são quais os axiomas ele escolheu e sim qual a atitude que ele
adotou, a qual veio a prevalecer na Matemática atual, sob o nome de
A método axiomático.
1
Por outro lado, o que destacamos há pouco nada possui ou apresenta de filosófico,
T todavia a descrição que fizemos acima, com destaque para o item (iii), que caracteriza
2 o princípio de indução matemática, é pura Filosofia da Matemática. Caraça (1951, p.
4) referenda nosso posicionamento quando comenta que:
A ideia de numero natural não é um produto puro do pensamento
humano, independentemente da experiência; os homens não adquirem
primeiro os números naturais para depois contarem; pelo contrário, os
números naturais foram-se formando lentamente pela prática diária
de contagens. A imagem do homem criando de uma maneira completa a
ideia de número, para depois aplicar à prática da contagem, é cômoda,
mas falsa.

Note-se que, dependendo do sistema matemático formal,


SAIBA MAIS!
o conjunto  ={0,1,2,3,.....,.....} ou  ={1,2,3,.....,.....}
A criação de um símbolo para . De fato, quando consideramos a teoria aritmética dos
representar o nada constitui um dos números, o primeiro conjunto é assumido, e quando
atos mais audazes do pensamento,
estudamos os conteúdos de Análise Real, o conjunto  é
uma das maiores aventuras da razão.
Essa criação é relativamente recente assumido sem o zero ‘0’. Lima (2004, p. 150) se manifesta
(talvez pelos primeiros séculos da era do seguinte modo:
cristã) e foi devida às exigências da
Sim e não. Incluir ou não o número 0 no conjunto dos
numeração escrita. (CARAÇA, 1951,
p. 6). números naturais é uma questão de preferência pessoal ou,
mais objetivamente, de conveniência. O mesmo professor ou
autor pode, em diferentes circunstâncias, escrever 0 Î  ou 0 Ï  .
Como assim? Consultemos um tratado de Álgebra. Praticamente em
todos eles encontramos  ={0,1,2,3,.....,.....} . Vejamos um livro de
Análise. Lá achamos quase sempre  ={1,2,3,.....,.....} .
Ernest (1991) discute o exemplo da verificação que de fato 1 + 1 = 2 , segundo
o sistema axiomático de Peano. Para tanto, assumimos os axiomas que garantem
que podemos escrever que s(0) = 1 e s(1) = 2 . Também a partir da Aritmética

20 Licenciatura em Matemática
de Peano, sabemos que x + 0 = x = 0 + x , para todo x Î  . Temos também que
x + s( y ) = s(x + y ) , onde x, y Î  . Na sequência, o fato banal simbolizado por
1 + 1 = 2 , é verificado formalmente por Ernest (1991, p. 5), após executar dez passos
de inferências lógicas como vemos na Figura 5.

A
1
T
2

Figura 5: Passos de inferências lógicas (ERNEST, 1991, p. 5)

Alguns dos elementos discutidos anteriormente apontam para a direção de


considerar o conhecimento matemático dotado de verdades universais, infalível e
não questionável. Essencialmente construído a partir de verdades estabelecidas a
priori. Tal perspectiva é o que Ernest (1991, p. 7) chama de visão absolutista da
matemática. De acordo com tal visão, o conhecimento matemático fornece o único
modo de alcançarmos a verdade.
O autor explica ainda que parte deste poder e caráter absolutista é fortalecido
por meio do método dedutivo formal. Tal terreno é construído a partir da lógica e
pode fornecer absoluta certeza ao conhecimento. Ernest (1991, p. 7- 8) salienta ainda
que, no primeiro momento, todos os pressupostos básicos são assumidos a partir da
exploração de suas provas e demonstrações. Ademais, os axiomas matemáticos são
assumidos como verdade e, a partir da necessidade de considerações anteriores, as
definições formais matemáticas são construídas assumindo também valores lógicos
verdadeiros.
No segundo momento, as regras lógicas e modelos de inferência devem preservar
a verdade e conduzir também à verdade. E, verdade deve ser obtida a partir de
verdades, por meio do emprego destes modelos lógicos. Ernest (1991, p. 8) acrescenta
ainda que toda afirmação ou proposição estabelecida num sistema dedutivo deverá
conter suas conclusões e, uma vez estabelecido um teorema por meio do método
dedutivo, o conhecimento extraído deste teorema deve ser sempre verdadeiro.

História da Matemática 21
A visão absolutista da matemática encontrou e enfrentou vários problemas
(ERNEST, 1991, p. 8) séculos mais tarde, todavia nos deteremos neste assunto,
de modo pormenorizado, nas próximas aulas. Para concluir, destacamos algumas
características do saber matemático, fornecidas por Morris Kline:
Outro uso básico da matemática, sobretudo nestes tempos modernos, tem
sido fornecer uma organização racional para a natureza dos fenômenos.
A Os conceitos, os métodos e conclusões a respeito de que a matemática
1 constitui o substratum das ciências físicas. (KLINE, 1964, p. 5).

T Em outro trecho, Kline (1964, p. 6-7) enaltece algumas características da beleza


2 do conhecimento matemático ao declarar que:
Além da beleza da estrutura concluída, o uso indispensável da intuição,
imaginação árida na criação de provas e conclusões oferece satisfação
estética de alta para o criador. Se a percepção e a imaginação, simetria
e proporção, a falta de superfluidade, e adaptação exata entre meios
e fins são compreendidas em beleza e são características das obras
de arte, então a matemática é uma arte com uma beleza própria [...]
Grandes pensadores cedem às modas intelectuais do seu tempo como as
mulheres fazem a moda no vestuário. Mesmo os gênios criativos para
quem a matemática era puramente um hobby prosseguido os problemas
que agitavam os matemáticos e cientistas profissionais. No entanto,
esses “amadores” e matemáticos em geral, não têm se preocupado
principalmente com a utilidade do seu trabalho.

Vários autores discutem a natureza do conhecimento matemático. Neste âmbito de


reflexão, podemos perceber que determinadas facetas filosóficas dificilmente seriam
percebidas por um estudante que não apresente uma formação em Matemática além
da escolar. Este assunto será retomado por nós adiante, por ora, apresentamos,
na seção seguinte, alguns dos precursores do pensamento matemático filosófico
ocidental.

22 Licenciatura em Matemática
03
TÓPICO

OS PRECURSORES DA FILOSOFIA

A
OBJETIVO
1 Conhecer os principais pensadores que

T estabeleceram o terreno fértil para a Filosofia da


Matemática.
1
2

VOCÊ SABIA?

Platão é sempre lembrado pelas ideias


e concepções que influenciou os
românticos da matemática. Nasceu
em 428/427 a.C. e foi descendente de

N
uma família ateniense de classe alta.
esta parte discutiremos alguns dos principais
pensadores gregos que mais contribuíram
para o estabelecimento inicial de algumas
SAIBA MAIS! doutrinas na Matemática, com destaque para Platão e
Aristóteles.
Platão sustenta que há ideias eternas A primeira figura ilustre a ser lembrada quando
e independentes dos sentidos, como
o um, o dois, etc., ou seja, as Formas falamos de Filosofia da Matemática é Platão. No que diz
Aritméticas e outras como o ponto, respeito ao período de formação de Platão, Barbosa (2009,
a reta, plano, que são as Formas p. 27) explica:
Geométricas. Quando enunciamos
É muito provável que Platão, em torno de seus vinte anos,
propriedades ou relações entre esses
entes, estamos descrevendo relações tenha conhecido Sócrates e freqüentado o seu círculo, não
entre as Formas (CURY, 1994, p. 42). com o intuito de se tornar um filósofo, mas com o propósito

24 Licenciatura em Matemática
de, mediante o estudo da filosofia, aprimorar seus conhecimentos para
a vida política. Todavia, o destino, sempre caprichoso, mudaria por
completo os rumos de seus objetivos.

Platão identifica, nas discussões de sua época, a


dicotomia instalada entre a retórica e a filosofia. Neste ATENÇÃO!
contexto, os sofistas que tinham como objetivo a formação
Sofistas: constituíram de grupos de A
do espírito e a multiplicidade de métodos determinam esta mestres que viajavam pelas cidades 1
discussão. Neste sentido, Barbosa (2009, p. 28) declara: realizando aparições e eventos
Enquanto matemática e filosofia se animam públicos para distrair curiosos e T
mutuamente na ampliação dos horizontes
estudantes. Os mesmos cobravam 3
taxas pelo serviço fornecido. Seu foco
especulativos da realidade circundante, a principal concentrou-se no logos ou
sofística vem a preencher, no contexto do no discurso, com preocupação nas
estratégias de argumentação.
conhecimento, um espaço outrora vazio,
visto que, ao contrário das duas primeiras,
não tem como escopo um saber teórico ou científico, mas trata de uma
exigência de ordem estritamente prática.

O resultado desta discussão foi a primazia do conhecimento enciclopédico e


intelectualizante que herdamos até nossos dias; assim sendo, esse novo “saber
enciclopédico” (polimathia) e estruturado passou a
representar um fenômeno que veio a formular os conceitos
ocidentais da educação como difusão do saber (BARBOSA,
2009, p. 28). No que se refere à contribuição específica ATENÇÃO!
de Platão com respeito à Filosofia da Matemática, Barbosa
Platonismo: Corrente filosófica
(2009, p. 37) adverte: baseada no pensamento do seu
Quando nos referimos ao platonismo na precursor, Platão, talvez a mais
conhecida, recordada e de implicações
esfera da filosofia da matemática, não
ainda hoje discutida por estudos
podemos atribuir uma doutrina a Platão acadêmicos. Sua escola, dos séculos
da mesma forma como associamos, por IV até I a.C. foi responsável pela
exemplo, o logicismo a Frege e Russell, sistematização e aprofundamento de
suas concepções.
isto é, como um corpo de preceitos, um
sistema filosófico em sua acepção moderna.
E isso ocorre justamente porque não era essa a intenção de Platão. Ele
estaria mais preocupado em estimular as pessoas a pensar, colocando
deste modo as almas no caminho certo do conhecimento puro e
desinteressado, que outrora vislumbraram antes de serem condenadas

História da Matemática 25
ao devir mundano, a esse doloroso vir-a-ser, e sofrer as tribulações do
corpo e a ignorância da mente.

Barbosa (2009), no excerto acima, faz referência a uma corrente filosófica absolutista
da Matemática conhecida como logicismo. Discutiremos as principais características
desta corrente nas próximas aulas. De qualquer modo, são esclarecedoras suas
A palavras na medida em que explicam as intenções iniciais do antigo filósofo, e é
1 interessante conhecer as consequências que tiveram e as implicações desta ideologia
ou doutrina do platonismo com relação ao saber matemático. Neste contexto, Barbosa
T (2009, p. 37) acrescenta ainda:
3 Uma boa parte do platonismo, assim como nós o conhecemos hoje, é,
portanto, uma criação posterior a Platão. O platonismo na moderna
filosofia matemática é descrito como uma teoria que trata das verdades
das proposições matemáticas, sendo “usualmente tomado como um
tipo de realismo, equivalente a crença de que os objetos da matemática
tais como os números literalmente existem independentes de nós e de
nossos pensamentos a respeito deles”.

Segundo Silva (2007, p. 37), para Platão, as entidades matemáticas constituem um


domínio objetivo independente e auto-suficiente, ao qual temos acesso pelo entendimento.
Para outro importante personagem grego, Aristóteles, os entes matemáticos têm uma
existência parasitária dos objetos reais – uma vez que os objetos matemáticos só
existem encarnados em objetos reais – e só nos são revelados com o concurso, ao
menos em parte, dos sentidos. Silva (2007, p. 37-38) diferencia de modo eficiente as
duas perspectivas desenvolvidas por estes dois pensadores ao declarar que:
Para Platão, o mundo real apenas reflete imperfeitamente um mundo
puro de entidades perfeitas, imutáveis e eternas – os conceitos
matemáticos entre elas. Para Aristóteles, o mundo sensível é a
realidade fundamental, os entes matemáticos são ‘extraídos’ dos
objetos sensíveis por meio de operações do pensamento, e os conceitos
matemáticos são apenas modos de tratar o mundo real. [...] De um
lado o racionalismo de Platão, que atribui à razão humana o poder de
penetrar nos domínios supra-sensíveis da matemática, e o seu realismo
ontológico transcendente, que afirma que a existência independente dos
entes matemáticos num reino fora deste mundo; de outro, o empirismo
de Aristóteles, que se recusa a dar morada aos entes matemáticos em
qualquer outro reino que não o deste mundo, e o seu realismo ontológico

26 Licenciatura em Matemática
imanente, que garante, ele também, uma existência dos objetos
matemáticos independentemente de um sujeito [...].

Silva (2007, p. 40) sublinha que, para Platão, existe uma pluralidade de números
matemáticos. Para ele, não existem vários números ‘2’, e sim a ideia de dois. Se existisse
no mundo ideal apenas um número 2, que sentido teria a identidade 2 + 2 = 4 , na qual
comparecem duas instâncias da ideia de ‘2’ (SILVA, 2007, p. 40). Essa identidade não A
pode ser uma relação entre Ideias numéricas – sendo entidades singulares elas não 1
admitem cópias de si próprias – mas entre números, que precisam então existir em
abundância. Platão teve assim que admitir a existência, além da perfeita Ideia de 2, T
das várias instâncias perfeitas desta Ideia (SILVA, 2007, p. 40). 3
Outros conceitos estudados por Platão que merecem atenção são os conceitos de
números pares e números ímpares. Barbosa (2009, p. 48) acrescenta que os conceitos
de par e ímpar permeiam toda a aritmética platônica, sendo eles capazes de gerar
todos os outros números. Esta dualidade pode indicar certa concordância com o
pitagorismo. E ainda, Platão teria utilizado os números dois e três precisamente por
se tratarem dos primeiros par e ímpar, respectivamente. Na Antiguidade, em geral,
não se considerava o um como número (BARBOSA, 2009, p. 48).
Não podemos esquecer as preocupações de Platão com o ensino e, com respeito a
isto, Barbosa (2009, p. 49) ilustra:
Voltando ao método da hipótese, ele é também utilizado no Mênon.
Nesse diálogo, Platão faz uma brilhante exposição do método socrático
como instrumento de ensino, quando primeiramente leva o escravo a
reconhecer o próprio erro, e depois o induz ao conhecimento certo. O
problema colocado para o escravo é o de calcular a área de um quadrado
de lado 2. Feito isso, Sócrates questiona o
jovem escravo sobre o que aconteceria com
cada linha deste quadrado se a sua área
fosse duplicada [...] Sócrates constrói com ATENÇÃO!
o escravo um novo quadrado sobre aquele
A filosofia da Matemática de Aristóteles
inicialmente dado, o que tem lados com
foi desenvolvida, em parte, em
medida de 2 pés, prolongando os seus lados oposição a de Platão, pois ele critica
até que atinjam a medida 4 pés. O escravo a Teoria das Formas, dizendo que ela
parece estarrecido ao notar que o quadrado não é racional. Para Aristóteles, cada
objeto empírico, cada ser existente, é
construído com as linhas duplicadas do uma unidade e não existe separado de
quadrado original tem o quádruplo de sua sua forma ou essência (CURY, 1994, p.
área. 47).

História da Matemática 27
O discípulo de Platão, Aristóteles (384 – 322 a. C.), permitia-se discordar do
mestre. Em primeiro lugar, Aristóteles não admitia a existência de um reino
transcendente de Ideias e formas matemáticas. As formas geométricas e numéricas
existem, para Aristóteles, apenas como aspectos de objetos e coleções de objetos reais
(SILVA, 2007, p. 43).
Para Aristóteles, os objetos matemáticos são uma abstração apenas ou, na pior
A das hipóteses, uma ficção útil (SILVA, 2007, p. 44). Eles não têm existência separada
1 dos objetos empíricos, são apenas aspectos delas, e se por vezes pensamos como
independentes, isto é, não tem maiores consequências. Um objeto empírico é um
T objeto matemático na medida em que nós podemos considerá-lo do ponto de vista de seu
3 aspecto matemático, ou seja, como um objeto matemático (SILVA, 2007, p. 44).
Machado (1994, p. 21) fornece uma distinção interessante quando declara:
Enquanto que para Platão, os enunciados matemáticos eram
verdadeiros por serem descrições de, ou relações entre, formas
matemáticas de existência objetiva. Aristóteles reabilita o mundo
empírico bem como o trabalho do matemático. E recoloca a questão
de os objetos matemáticos e os enunciados serem verdadeiros ou falsos
não em termos absolutos, mas por serem mais ou menos adequados à
representação do mundo empírico, adequação esta relativa a algum
fim que se objetiva.

Diferentemente de Platão, Aristóteles se volta à estrutura das teorias matemáticas,


aos sistemas de proposições. Aristóteles vislumbra a necessidade e o método que
identificamos até nossos dias que diz respeito à organização das proposições nas
hipóteses iniciais, logicamente necessárias e nas proposições dedutíveis a partir delas,
tratando especificamente de estruturar as possíveis deduções (MACHADO, 1994, p. 21).
Suas concepções podem ser consideradas as precursoras do pensamento que motivou
os princípios que passaram a regular e caracterizar as subdivisões sucessivas da
matemática em várias ramificações (no caso das geometrias: Geometria Euclidiana,
Geometria Diferencia, Geometria Hiperbólica, Geometria Riemanniana, etc).
Silva (2007, p. 45) diferencia o pensamento aristotélico do seguinte modo:
Analogamente, para Aristóteles, a matemática estuda objetos sob certos
aspectos apenas, uma bola como uma esfera, um par de dois livros como
dois. Ao fazer isso, abstraímos da bola a sua forma geométrica e da
coleção de livros sua forma aritmética. Visto assim, Aristóteles, é um
empirista em ontologia, pois, para ele, apenas os objetos dos sentidos
existem realmente, com um sentido pleno de existência.

28 Licenciatura em Matemática
Mas o posicionamento aristotélico produziu respostas inclusive para os limites da
abstração humana. Neste sentido, Silva (2007, p. 45) questiona: poderíamos, porém,
perguntar, e os números tão grandes que não podem numerar nenhuma coleção real, e
as formas geométricas tão esdrúxulas que não podem dar forma a nenhum objeto real
(como o miriágono, o polígono de dez mil lados)?
O autor acrescenta que a saída vislumbrada por Aristóteles foi admitir que entre
os objetos matemáticos também encontramos formas fictícias. Essas, no entanto, por A
serem construtíveis a partir de certas formas reais, são possíveis na realidade (SILVA, 1
2007, p. 45). De fato:
Um número muito grande pode ser construído, por adição sucessiva de T
unidades, a partir de qualquer número pequeno dado, e o miriágono 3
pode ser construído a partir de figuras geométricas reais, como
círculos e segmentos de reta. Assim, numa compreensão mais ampla,
a matemática, segundo Aristóteles, trata não apenas de formas
abstratas atuais, mas também de formas abstratas possíveis (SILVA,
2007, p. 45).

Para concluir nossas considerações sobre Aristóteles, vale destacar as ponderações


devidas a Machado (1994, p. 22) quando destaca:
Em resumo, poderíamos dizer que a posição de Aristóteles no que se
refere à relação da Matemática com a realidade pode ser situada,
simultaneamente, na origem tanto do realismo como do idealismo
modernos, na medida em que, por um lado, reabilita o mundo empírico
e, por outro lado, o trabalho do matemático deixa de ser um mero
caçador de borboletas no mundo perfeito das Formas, vislumbrando a
possibilidade dele mesmo ser um ‘fabricante’ de borboletas.

O posicionamento assumido por Aristóteles em relação à Matemática pode ser


compreendido também nas palavras de Silva (2007, p. 46), quando explica:
Como a entendo, a abstração aristotélica, a operação pela qual
consideramos objetos e coleções de objetos empíricos como objetos
matemáticos, comporta também um elemento de idealização. Tratar
uma bola como uma esfera é uma operação complexa: abstrair-se da
bola a sua forma mais ou menos esférica e, simultaneamente, idealiza-
se essa forma, isto é, desconsideram-se as diferenças entre ela e a esfera
matemática perfeita (determinada pela sua definição como o lugar
geométrico dos pontos espaciais eqüidistantes de um centro). Uma esfera

História da Matemática 29
matemática é, assim, a idealização de um aspecto da bola, e só assim
ela existe.

A Matemática como a conhecemos hoje é o exemplo mais puro e clássico de


ciência dedutiva, e várias outras áreas do conhecimento buscaram e adaptaram, na
medida do possível, alguns de seus pressupostos e paradigmas de rigor. De fato, é
A relevante a influencia do pensamento aristotélico no desenvolvimento da ciência em
1 geral (SILVA, 2007, p. 50). Aristóteles entendia a Matemática como um edifício
logicamente estruturado de verdades encadeadas em relações de conseqüência lógica a
T partir de pressupostos fundamentais não demonstrados (2007, p. 50).
3 Aristóteles contribuiu também com relação às noções metamatemáticas
(propriedades elementares da metodologia das ciências dedutivas) fundamentais,
como as de axioma, definição, hipótese e demonstração. Aristóteles critica o modelo
de demonstrações em Matemática que conhecemos por redução ao absurdo. O mesmo
considera-as não explicativas, isto é, sabe-se que algo é verdadeiro sem saber por que é
verdadeiro (SILVA, 2007, p. 52). A este respeito, Silva (2007, p. 52) comenta:
Demonstrações por redução ao absurdo (para se demonstrar que
uma asserção qualquer A, supõe-se a falsidade de A e obtêm-se como
conseqüência uma falsidade qualquer ou, equivalentemente uma
contradição. O que mostra que A não pode ser falsa, sendo, portanto,
verdadeira) ocorrem com freqüência na matemática grega,
em particular no método da exaustão de Arquimedes, que
envolve uma dupla redução ao absurdo. A introdução de
métodos infinitarios na matemática do século XVII, em
VOCÊ SABIA?
especial por Cavalieri, visava em grande medida substituir
Zenão de Eléia foi um filósofo pré- demonstrações por exaustão por demonstrações diretas,
socrático e foi discípulo de Parmênides.
Das suas descobertas, destacamos causais, respondendo assim às demandas aristotélicas.
a dialética clássica, o modo de
argumentar que consiste em derivar Em vários aspectos podemos dizer que os germes da
contradições das teses do opositor
ideia da importância de uma ciência dedutiva e o poder
ao seu discurso. Zenão utilizou o
método na defesa das ideias de da lógica puramente formal encontram-se nas concepções
Parmênides acerca da unidade do ente aristotélicas. Nesta perspectiva, à matemática formal não
e da impossibilidade do movimento,
importa o significado nem a veracidade das asserções, mas
propondo algumas contradições
ou aporias, que desafiaram os seus apenas as relações formais entre elas (SILVA, 2007, p. 51).
contemporâneos e intrigam até nossos Mas isto quer dizer que podemos tomá-la apenas como
dias. Ver sua descrição no curso de
um jogo formal sem nenhuma intenção cognitiva? Este
História da Matemática.
questionamento, fruto de intensas querelas e embates

30 Licenciatura em Matemática
políticos entre os matemáticos, será retomado nas próximas aulas, uma vez que não
se tem uma resposta de argumentação satisfatória.
Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às contribuições de
Aristóteles com relação a algumas noções que funcionam até nossos dias como
pedras angulares para o saber matemático. Um destes exemplos e que foi objeto de
reflexão para Aristóteles diz respeito à noção de infinito.
Em virtude das ponderações aristotélicas, A
desenvolveram-se as noções de infinito atual e infinito 1
potencial, entretanto, no que diz respeito ao aspecto
matemático desta noção, Georg Cantor (1845-1918) ATENÇÃO! T
forneceu o acabamento final, acrescentando alguns Acreditamos que a radical mudança na
3
elementos descuidados por Aristóteles. Com relação a tais abordagem sobre o infinito promovida
por Cantor no final do século XIX pode
noções, Silva (2007, p. 51) acrescenta:
ser melhor destacada com uma análise
Devemo-lhes a distinção fundamental entre sob três ângulos, que interpretamos
o infinito atual e o infinito potencial, ou seja, como três pontos de vista sobre o
entre a noção de uma totalidade finita em infinito: o histórico, o filosófico e o
matemático.
que sempre cabe mais um indefinidamente
– o infinito potencial – e uma totalidade
infinita acabada. Segundo Aristóteles, aos matemáticos bastava a
noção de infinito potencial. Se bem que esta ideia não corresponde à
realidade da prática matemática, uma vez que a noção de infinito
atual é essencial a muitas teorias matemáticas, uma vez que a noção
de infinito atual é essencial a muitas teorias matemáticas, ela foi, e
ainda é, aceita por muitos matemáticos, que não vêem na matemática
do infinito senão uma fonte de absurdos e contradições.

Nas próximas aulas, nos deteremos um pouco mais nestas duas noções
importantes para a Matemática. Para concluir esta seção, discutiremos ainda parte
das contribuições devidas à Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) e Immanuel
Kant (1724-1804) . Machado (1994) explica que cerca de dois mil anos se passaram
para que a obra aristotélica, enquanto Lógica, fosse retomada e desenvolvida.
Segundo Machado (1994, p. 22), Leibniz fornece uma intensa contribuição
ao aceitar a pressuposição aristotélica da forma sujeito-predicado de todas as
proposições. E vai além, ao afirmar que o predicado de uma proposição sempre está
contido, em algum sentido, no sujeito. Machado (1994, p. 22) esclarece que:
Para Leibniz há duas classes de verdades: as verdades da razão e
as verdades dos fatos. As verdades da razão são necessárias e sua
negação não faz sentido. A necessidade se exprime através da análise

História da Matemática 31
e da conseqüente decomposição em proposições mais simples até que
se chegue a um ponto em que a necessidade lógica seja transparente. O
princípio que regula a análise é o da não-contradição, que engloba o da
não identidade e o do terceiro excluído.

Acrescenta ainda que não só as tautologias como também os axiomas, os postulados


A e os teoremas são verdades da razão, ou seja, são verdades cuja negação é impossível
1 de sustentar sem incorrer em contradições (MACHADO, 1994, p. 23). As verdades da
razão enunciam que uma coisa é necessária e universal, não podendo de modo algum
T ser diferente do que é e de como é.
3 Um exemplo evidente das verdades da razão são as ideias matemáticas. É
inquestionável que o triângulo não possua três lados e que a soma dos seus ângulos
seja diferente de dois ângulos retos. Outro exemplo interessante de verdade da razão
é que um circulo não tenha todos os pontos eqüidistantes do centro. Outra verdade
da razão é que não se pode contradizer o que 2+2 seja diferente de 4; é impossível
questionar que o todo é maior do que suas partes constituintes.
As verdades de fato, por outro lado, são as que dependem de nossa experiência
captada no mundo em que vivemos. De fato, elas são obtidas através da sensação,
da percepção e da memória. Elas são empíricas e se referem a coisas que poderiam
ser diferentes do que são, mas podemos identificar causas que sejam assim. Quando
dizemos que uma rosa é branca, nada impede que ela possa ser vermelha ou amarela,
mas se ela é branca é porque alguma causa a fez deste modo e aparência. Mas não
é acidental ou contingente que ela tenha cor e é a “cor” que possui e envolve uma
causa necessária.
As verdades de fato são verdades porque para elas funciona e empregamos
o principio da razão suficiente, segundo o qual tudo o que existe, tudo o que
percebemos e identificamos, e tudo aquilo que temos experiência possui uma causa
determinada e identificável e conhecida. Pelo princípio da razão suficiente – isto
é, pelo conhecimento das causas – toda a verdade de fato pode tornar-se verdades
necessárias e serem consideradas verdades da razão, ainda que para conhecê-las
dependamos da experiência mundana.
Machado (1994, p. 23) explica ainda que as verdades dos fatos são proposições
empíricas cuja negação não encontra óbices do ponto de vista lógico. É uma verdade
da razão que minha caneta é uma caneta ou que 32 + 42 = 52 . É uma verdade de fato
que minha caneta é preta ou que um corpo, abandonado em uma certa altura da Torre
de Pisa, cairá até o solo. Machado (1994, p. 23) fornece uma importante distinção:
Diferentemente de Platão, para quem diagramas, figuras, cálculo

32 Licenciatura em Matemática
simbólico, foram elementos auxiliares
ocasionais, Leibniz acreditava que a
representação concreta do pensamento em
símbolos adequados era, segundo suas SAIBA MAIS!
próprias palavras, o “fio de Ariadne”
Experiência sensível: Este termo possui
que conduz a mente. E o desenvolvimento dupla raiz etimológica. A palavra latina
que ele imprime à Lógica decorre do seu experientia de onde deriva a palavra A
experiência, é originária da expressão
propósito de criar um método de representar
grega. Deriva-se também de um uso
1
o pensamento através de signos, de específico da palavra empírico.
características relacionadas com o que se T
está pensando. 3

Para concluir esta seção, destacamos a figura


emblemática da Imanuel Kant. Sua proposta inicial SAIBA MAIS!
consiste na distinção de duas classes de proposições.
Validação: Este termo aqui é
As proposições sintéticas: as que são empíricas, ou empregado no sentido restrito ao
as sintéticas a posteriori e as que não são empíricas, ou âmbito da investigação em Matemática
sintéticas a priori. As proposições sintéticas a posteriori Pura, assim, diz respeito à aplicação de
paradigmas de testagem e verificação
dependem, segundo Kant, da experiência sensível, para da confiabilidade dos conteúdos
sua verificação, para sua validação e aceitação. Ou ainda matemáticos obtidos.
de modo indireto, uma vez que são consequências de
inferências proposicionais passíveis de alguma verificação
experimental.
Por outro lado, Machado (1994, p. 24) explica que:
SAIBA MAIS!
Já as proposições sintéticas a priori não
dependem da percepção sensorial para sua Para a Geometria, o espaço puro é
validação, nem são analíticas, isto é, nem um dos primeiros pressupostos. A
Geometria supõe o espaço sob os seus
a sua negação conduz a contradições. São
conceitos de polígonos. Por exemplo, a
proposições necessárias por constituírem linha reta é a distância mais curta entre
a base, a condição de possibilidade da dois pontos (qualquer linha reta =
universalidade, em quaisquer condições
ciência, da experiência objetiva.
= necessidade). Embora não tenha
em si o princípio de não contradição,
Para Kant, todas as proposições da Matemática são e dependa da intuição de espaço e,
sintéticas a priori. Machado (1994, p. 25) explica este portanto é sintética, essa afirmação é
conhecimento puro ou a priori porque a
posicionamento ao mencionar que: intuição do espaço está em nossa mente.
Os objetos do mundo empírico situam-se no E uma vez concebida, não depende
mais da experiência sensível captada
por nossos órgãos sensórios.

História da Matemática 33
espaço e no tempo. Não é possível estudá-los, conhecê-los, investigá-
los, percebê-los sensorialmente, sem uma concepção inicial do espaço e
do tempo. A estrutura conceitual do par espaço-tempo é que determina
o modo como o mundo empírico é apreendido. Esta estruturação é,
a uma só vez, sintética e a priori. Ao descrever o tempo e o espaço,
descrevemos não impressões sensíveis de algo situado fora de nós, do
A mundo empírico, mas sim as matrizes permanentes, invariantes, de
1 tais conceitos, que existem em nós, independentemente das impressões
sensíveis e que são a condição de possibilidade de atuar no mundo
T empírico. E a matemática, enquanto se refere ao espaço e ao tempo,
3 é constituída de proposições sintéticas a priori e não analíticas, como
anteriormente era considerada.

Para concluir, ressaltamos que Kant destacou que os


matemáticos são os indivíduos “eleitos” para desvendar os segredos
do harmônico universo platônico preexistente, de perquiridores de tal
mundo perfeito universo, ou de criadores de abstrações, de conceitos
gerais para explicar o mundo, a partir do imperfeito material empírico
(MACHADO, 1994, p. 25).

O principal mecanismo de acesso a tais entes não se dá mais por meios dos órgãos
sensoriais, e sim, por meio da razão introspectiva.
As ideias repercutidas por estes personagens emblemáticos receberam séculos
mais tarde uma enorme atenção de matemáticos e filósofos modernos. O interessante
será reservado a uma análise da forma como tais ideologias ainda se manifestam e
condicionam as formas de veiculação e ensino do saber matemático. Na próxima
aula, discutiremos as implicações deste pensamento filosófico antigo.

ATIVIDADES DE APROFUNDAMENTO

1. Pesquisar exemplos de infinito atual e infinito potencial dentro da Matemática.


2. Pesquisar exemplos de verdades da razão e de verdades dos fatos.
3. Pesquisar exemplos de conhecimentos que não derivam da experiência empírica.

34 Licenciatura em Matemática
Aula 2
Filosofia da Matemática

Nas próximas seções, nos deteremos em alguns dos pressupostos fundamentais as-
sumidos pelas principais correntes filosóficas da Matemática. Uma das implicações
mais importantes diz respeito à identificação de distorções e incongruências relacio-
nadas ao ensino de Matemática. Tais distorções se referem à interpretação dos fenô-
menos relacionados a este ensino sob o viés de teorias pedagógicas de campos de
saberes não aplicáveis e insuficientes ao saber matemático. Assim, o conhecimento
das correntes filosóficas da Matemática poderá instrumentalizar o futuro professor
no sentido de proporcionar uma leitura filosófica de sua própria prática docente.

Objetivo:
• Conhecer as principais correntes absolutistas da Matemática.
• Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático e os fundamentos da teorização de
Piaget e suas implicações para o ensino.

35
01
TÓPICO
AS CORRENTES FILOSÓFICAS
DA MATEMÁTICA
A
OBJETIVO
1 Conhecer as principais correntes absolutistas da

T Matemática.

3
1
2

N esta aula discutiremos as principais correntes filosóficas da Matemática.


Alguns dos autores escolhidos e consultados ao longo do texto as
denominam de correntes absolutistas, pelo fato de não conceber o caráter
falível do saber matemático. Um comentário introdutório sobre tais correntes podem
ser encontradas em Machado (1994, p. 26) quando esclarece que:
As principais concepções a respeito da natureza da Matemática, de
sua relação com a realidade, a despeito de suas várias raízes e dos
inúmeros filósofos envolvidos, convergiram a partir da segunda
metade do século XIX, para três grandes troncos. Estas três grandes
correntes do pensamento matemático, cada uma das quais pretendendo
fundamentar a Matemática, sua produção, seu ensino, são o Logicismo,
o Formalismo e o Intuicionismo.

36 Licenciatura em Matemática
Certamente que a classificação fornecida por Machado (1994) é de caráter
esquemático e pedagógico, uma vez que é impossível enquadrar de modo indiscutível
todas as concepções nesta camisa-de-força (MACHADO, 1994, p. 26). No contexto
histórico, identificamos que, no final do século passado, a Matemática havia-
se desenvolvido enormemente, com os trabalhos de Leonhard Euler, Johann Carl
Friedrich Gauss (no século XVIII) e as contribuições, principalmente os resultados
obtidos por Georg Cantor (no século XIX). A
Cury (1994, p. 53) destaca que alguns filósofos matemáticos, no entanto, estavam 2
preocupados com o surgimento de paradoxos e contradições na Lógica e na Teoria dos
Conjuntos. Assim, com a intenção de identificar critérios mais rigorosos e confiáveis T
no sentido de fundamentar a Matemática, desenvolveram-se três escolas de filosofia, 1
cuja influência se faz sentir até os dias atuais: o Logicismo, o Intuicionismo e o
Formalismo (CURY, 1994, p. 53).
Ao declarar que seus efeitos ainda podem ser identificados nos dias de hoje, Cury
faz um parêntese importante que nos auxiliará no aprofundamento com respeito à
atividade avaliativa em Matemática. Muitos tentam compreender e descrever este
fenômeno específico por meio de teorias “importadas” de outros campos do saber, o
que resulta em uma leitura e significação de caráter retórico, pouco operacional no
que diz respeito à sua aplicação no ensino efetivo de Matemática.
Iniciamos nossa discussão com uma reflexão de
Russell (1920, p. 18) quando alerta que:
Matemática e lógica, historicamente,
têm sidoestudos inteiramente distintos
VOCÊ SABIA?
[...] Mas ambos têm se desenvolvido
em tempos modernos; a lógica tornou-se Bertrand Russell foi um matemático,
filósofo, lógico e historiador
mais matemática e matemática tornou-
matemático inglês.
se mais lógica. A conseqüência é que
agora se tornou completamente impossível traçar uma linha entre
os dois, na verdade os dois são um só [..] A prova da sua identidade é,
naturalmente, uma questão de detalhe.

No excerto acima identificamos a dificuldade de traçarmos uma linha divisória


entre Matemática e Lógica. De fato, até mesmo mentes brilhantes, como a de Bertrand
Russell (1872-1970), destacavam tal empecilho. Mas já que introduzimos a polêmica
em torno da Lógica, discutiremos inicialmente alguns aspectos relacionados ao
Logicismo. Para falar do Logicismo, é necessário falar de Gottlob Frege (1848-1925).

História da Matemática 37
Silva (2007, p. 127) acentua que a estratégia logicista de Frege começa com uma
releitura das distinções kantianas. Frege nos alerta de saída para nunca confundirmos
o lógico com o psicológico. Em sua concepção:
A razão é simples, representações são “cópias” das coisas em nossa
mente, elas são objetos mentais, e qualquer tentativa de definir
analiticidade em termos de representações mentais corre o risco de ser
A contaminada pelo psicologismo. Para Frege, essa distinção entre o a
2 priori e o posteriori, é puramente lógica [...] (SILVA, 2007, p. 127).

T No trecho acima, Silva expõe a crítica de Frege ao Psicologismo que manifesta


1 preocupação com a interpretação que possamos dar às nossas representações mentais
que construímos no decorrer de nossa existência finita no mundo.
Seu posicionamento do valor da Lógica é identificado por Silva (2007, p. 126-
127) quando menciona:
Apesar de concordar com Kant quanto à Geometria, Frege acreditava
que a aritmética é analítica, porém em um sentido de analiticidade
diferente de Kant. Mais precisamente, para Frege, a aritmética é
redutível à lógica, ela nada mais é do que pura lógica. Para fazer
prevalecer esse ponto de vista, Frege engajou-se numa luta sem
quartel contra as filosofias que, segundo ele, comprometiam o caráter
da verdade aritmética em particular os empiristas, para os quais a
verdade aritmética é uma generalização da experiência, fundada em
sólida base indutiva; e os psicologistas, para os quais os números são
entidades mentais e as verdades aritméticas dependem de leis empíricas
que regulam nossos processos mentais; isto é, leis da psicologia.

Para Frege, uma proposição matemática pode apresentar


duas naturezas distintas. De fato, temos uma proposição
SAIBA MAIS!
analítica quando a demonstração desta proposição
O Empirismo é descrito e caracterizado envolve apenas leis lógicas gerais e definições formais.
pelo conhecimento científico, a Se, pelo contrário, qualquer demonstração de uma
sabedoria é adquirida por intermédio
proposição recorre ao emprego de verdades de escopo
da apreensão perceptual, pela
origem das ideias por onde captamos limitado (como os axiomas da geometria), ela será uma
e percebemos as coisas, de modo proposição sintética. Ademais, quando a mesma proposição
independe de seus objetivos e utiliza verdades particulares, embora não demonstráveis
significados. E pela relação de causa-
efeito por onde fixamos nossa mente, (como as asserções que expressam os dados imediatos dos
o que é percebido/identificado atribui sentidos), ela será uma proposição a posteriori. E quando
à percepção causas e efeitos.

38 Licenciatura em Matemática
em tal proposição observamos que sua demonstração se fundamenta em fatos e
verdades gerais, ela será a priori (SILVA, 2007, p. 127). De modo resumido, temos o
quadro sistemático de classificação segundo as concepções de Frege.

Quanto à
Proposições Características
demonstração
Emprega verdades de
Proposição sintética escopo limitado para
Quando recorre apenas a A
assegurar sua validade
verdades gerais (a priori)
2
Quando se fundamenta
Sua verificação envolve
em verdades T
Proposição analítica
o recurso de leis gerais
da lógica e definições
particulares, não 1
demonstráveis (a
formais
posteriori)
Quadro 1: Propriedades das proposições (SILVA, 2007, p. 133)

Dando continuidade ao pensamento da corrente Logicista, encontramos o


matemático e filósofo Bertrand Russell. Silva (2007, p. 134) diz que Russell não foi
tão pessimista quanto Frege sobre o destino do programa logicista. Seu pensamento
pode ser contemplado no seguinte trecho:
A matemática é um estudo que, quando iniciado de suas partes mais
familiares, pode ser levado a efeito em duas direções opostas. A mais
comum é construtivista, no sentido da complexidade gradativamente
crescente: dos inteiros para as frações, os números reais, os números
complexos, da adição e multiplicação para a diferenciação e integração
e daí para a matemática superior. A outra direção, que é menos
familiar, avança, pela análise, para a abstração e a simplicidade
lógica sempre maiores; em vez de indagar o que pode ser definido e
deduzido daquilo que se admita para começar, indaga-se que mais
ideias e princípios gerais podem ser encontrados, em função dos quais
o que fora o ponto de partida possa ser definido ou deduzido. É o fato de
seguir essa direção oposta é que caracteriza a Filosofia da Matemática,
em contraste comum com a matemática (RUSSELL, 1981, p. 9, apud
SILVA, 2007, p. 135).

Note-se que, no trecho acima, apesar de extenso, há espaço para a inspiração


adequada para nossa discussão. Observamos a distinção do termo construtivismo em
Matemática. Russell faz indicações concretas a respeito da necessidade de construção

História da Matemática 39
progressiva dos conceitos matemáticos, passo a passo. Neste sentido, destaca o papel
da abstração humana como a capacidade ontológica do indivíduo que proporciona
determinados saltos, avanços e retrocessos qualitativos do indivíduo.
Nesse sentido, Russell (1981, p. 9) salienta que os antigos geômetras gregos ao
passarem das regras de agrimensura empíricas egípcias e proposições gerais pelas quais
se constatou estarem aquelas regras justificadas, e daí para os axiomas e postulados
A de Euclides, estavam praticando a Filosofia da Matemática. Por outro lado, uma vez
2 atingido os axiomas e postulados, o seu emprego dedutivo, como testemunhamos em
Euclides, pertencia à matemática no sentido comum. A distinção entre matemática e
T filosofia da matemática depende do interesse que inspire a pesquisa e da etapa por esta
1 atingida e não das proposições às quais a investigação esteja afetada (RUSSELL, 1981,
p. 9).
Russell, considerado um filósofo logicista, ressaltava alguns aspectos que
deveriam ser tomados com vigilância pelos próprios logicistas. Em suas palavras,
percebemos alguma destas ressalvas:
Uma vez toda a matemática pura e tradicional reduzida à teoria dos
números naturais, o passo seguinte na análise lógica, foi reduzir essa
própria teoria ao menor conjunto de premissas e termos não definidos
dos quais se pudesse ser derivada. Esse trabalho foi realizado por Peano.
Ele mostrou que toda a teoria dos números naturais podia ser derivada
de três ideias primitivas e cinco proposições primitivas, além daquelas
da Lógica pura. Essas três ideias e cinco proposições tornaram-se,
desse modo, por assim dizer, as garantias de toda a matemática pura.
Seu “peso” lógico, caso se possa usar tal expressão, é igual ao de toda a
série de ciências deduzidas da teoria dos números naturais; a verdade
das cinco proposições primitivas, desde que, naturalmente, nada haja
de errôneo no aparato lógico também envolvido (1981, p. 12).

A principal tese logicista foi defendida por Russell, Whitehead, na fundamental


obra Principia Mathematica. O autor pretendia derivar as leias da Aritmética e, de
resto, toda a Matemática, das leis da Lógica normativa elementar. Muito cedo, porém,
a Lógica aristotélica, mesmo incorporando os desenvolvimentos de Leibniz, bem como
os que seguiram, mostrou-se pequena demais para tal tarefa (MACHADO, 1994, p.
27). Neste sentido, Machado (1994) aponta os seguintes objetivos propostos pelos
logicistas:
a) todas as proposições matemáticas podem ser expressas na terminologia lógica;
b) todas as proposições matemáticas verdadeiras são expressões de verdades lógicas.

40 Licenciatura em Matemática
Cury (1994, p. 54) menciona que alguns dos logicistas mereceram destaque, como
Russell e Whitehead. Cury chama atenção para o coroamento das pesquisas de vários
matemáticos que antecederam os logicistas. Neste sentido, destacamos o simbolismo
exagerado e a formalização presentes na obra escrita por Russell intitulada Principia
Mathematica mostram que, para os seus autores, a matemática existe em um “céu
platônico”, desligada dos problemas humanos.
Cury (1994, p. 54) destaca, no entanto que: A
[...] a tentativa de Russell e Whitehead de mostrar que a matemática 2
clássica pode ser reduzida à Lógica não estava completa. Para evitar
os paradoxos e as críticas que surgiam à sua obra, Russell teve que T
edificar a teoria dos tipos e assumir o axioma do infinito, que não tem 1
caráter lógico estrito, pois é uma hipótese sobre o mundo real. Assim,
o programa logicista não teve êxito em sua tentativa de assegurar a
visão absolutista da matemática.

No final de sua vida, Russell abandonou a visão platônica em que se apoiara nos seus
trabalhos iniciais, talvez pelo desencanto em relação às possibilidades de fundamentar
a matemática (CURY, 1994, p. 54). Machado (1994, p. 27) salienta que:
A Lógica elementar contém regras de quantificação que provêem a
matemática de instrumental eficiente quando se trata de frases onde
esteja bem-estabelecida a caracterização do indivíduo e do atributo,
distinção essa que sabemos de raízes aristotélicas. Entretanto, ela
não admite, sem enfrentar dificuldades, regras de quantificação para
expressões bem-formadas onde atributos são tratados como indivíduos.
Assim, frases do tipo “todos os indivíduos i têm o atributo A” ou
“existe um indivíduo i que tem o atributo A” não oferecem problemas;
mas frases como “todos os atributos A têm o atributo B” ou “existe um
atributo A que tem o atributo B” conduziriam a dificuldades lógicas.

Machado (1994) discute o Paradoxo de Russell, que consiste em uma situação


contraditória descoberta por Bertrand Russell em 1901 e que prova que a teoria
de conjuntos de Cantor e Frege é contraditória. Consideramos então o conjunto M
como definido “conjunto de todos os conjuntos que não se contêm a si próprio como
membro. Empregando a notação matemática, escrevemos A é elemento pertencente
de M se, e somente se, A não é elemento de A, ou seja, M := {A ; A Ï A} .
No sistema concebido por George Cantor, M é um conjunto bem definido. A
questão que se apresenta diz respeito da possibilidade de M conter-se a si mesmo?

História da Matemática 41
Ora, se as resposta é sim, não é membro de M, de acordo com a definição
estabelecida há pouco. Por outro lado, supondo que M não se contém a si mesmo,
tem de ser membro de M, de acordo mais uma vez com a definição de M. Deste modo,
as afirmações “M é membro de M” e “M não é membro de M” conduzem ambas
a inconsistências e contradições. Já no sistema devido a Frege, M corresponde ao
conceito e não recai no conceito de sua definição. O sistema de Frege conduz ainda
A a outras contradições.
2 Para concluir, vamos recordar o Paradoxo do Barbeiro de Sevilha. Tal paradoxo
é explicado a partir da Lógica e da Teoria dos Conjuntos. O paradoxo envolve uma
T aldeia onde, todos os dias um barbeiro faz a barba de todos os homens que não se
1 barbeiam a si próprios e a mais ninguém. Ora, tal aldeia pode existir? O raciocínio
nos conduz a duas possibilidades: i) se o barbeiro não se barbeia a si mesmo, então
terá de fazer a barba de si mesmo; (ii) se o barbeiro se barbear a si mesmo, de acordo
com a regra estabelecida, ele não pode se barbear a si mesmo.
A regra anterior caracteriza uma situação indecidível . O paradoxo costuma ser
atribuído a Bertrand Russell, um matemático britânico que no ano de 1901 elaborou
este paradoxo para demonstrar a natureza auto-contraditória e inconsistente da teoria
dos conjuntos estruturada por Cantor. Não nos deteremos de modo aprofundado
nestas questões que exigem um conhecimento aprofundado de lógica e noções e
programação.
Machado (1994, p. 27) discute outro paradoxo:
Consideremos o conjunto cujos elementos são os catálogos de livros
(indivíduos). Diremos que um catálogo é normal (atributo) se ele
não se incluir entre os livros que cita; se ele se incluir, será anormal.
Consideremos, agora, o conjunto de todos os catálogos normais e
organizemos o catálogo de todos os catálogos normais (indivíduo?). Este
catálogo será normal ou anormal? Se ele for normal, ele não se incluirá,
por definição deste atributo e, portanto, deverá se incluir uma vez que
é o catálogo de todos os catálogos normais, sendo, consequentemente,
anormal. Se ele for anormal, ele se incluirá e, portanto, será normal,
uma vez que só inclui os normais. E agora?.

Por oposição de superação destes e outros entraves, identificamos na história o


surgimento de outra corrente filosófica que, em determinados aspectos, sustentava a
superação dos entraves logicistas. Assim, observamos o surgimento do formalismo,
uma das correntes que mais repercutiu no ensino de Matemática (CURY, 1994).
Segundo Ernest (1991, p. 10), o formalismo é uma visão da matemática como

42 Licenciatura em Matemática
um jogo formal sem sentido, constituído de marcas no papel, seguindo regras. O seu
maior proponente foi David Hilbert. A corrente formalista teve em Kant profunda
inspiração, assim como em Leibniz, que na sua lógica fundou o logicismo. Para
Kant, o papel que a lógica desempenha é semelhante ao papel em qualquer outro
setor do conhecimento. Podemos caracterizar um pressuposto formalista a partir das
considerações de Machado (1994, p. 29) quando observa que tal corrente:
Considera que, sem dúvida, em matemática, os teoremas decorrem de A
axiomas, de acordo com as leis da lógica. Nega, no entanto, que os 2
axiomas constituem eles mesmos princípios lógicos ou conseqüências,
de tais princípios. Admite, isto sim, que eles sejam descritivos da T
estrutura dos dados da percepção sensível, em particular, do espaço 1
e tempo.

Seu maior ícone foi David Hilbert (1862 — 1943), um matemático alemão que


contribuiu a matemática com ideais inovadoras que se espalharam em diversas
áreas da matemática. Nasceu na cidade de Könisberg, atualmente Kaliningrado,
onde teve seu período de estudos acadêmicos na Universidade de Könisberg. No
ano de 1895 foi nomeado para a universidade de Göttingen, onde lecionou até sua
aposentadoria, em1930. David Hilbert é frequentemente considerado como um dos
maiores matemáticos do século XXX, no nível comparado do de Henri Poincaré.
Devemos a ele a lista famosa de 23 problemas, alguns dos mesmos sem solução até
os dias de hoje, que Hilbert apresentou em 1900 no Congresso Internacional de
Matemáticos em Paris.
Hilbert adotou as ideias de Kant em seu ambicioso programa prático que
caracterizou o formalismo. Grosso modo, fundamentava-se da seguinte forma:
a) A Matemática compreende descrições de objetos e construções concretas,
extra-lógicas;
b) Tais construções e estes objetos deve ser enlaçados em teorias formais em que a
Lógica é o instrumento fundamental;
c) O trabalho do matemático deve consistir no estabelecimento de teorias formais
consistentes, cada vez mais abrangentes até que se alcance a formalização completa da
Matemática. (MACHADO, 1994, p. 29)
Mais adiante, Machado (1994) levanta as seguintes questões:
- Em que consiste uma teoria formal?
- A que objetos ou construções se referem às teorias formais?
- O que significa ser uma teoria formal consistente?
- O que significa formalização completa?

História da Matemática 43
Machado (1994, p. 30) responde que uma teoria formal consta de termos
primitivos, regras de formação de fórmulas a partir delas, axiomas ou postulados,
regras de inferências e teoremas. De modo esquemático, vemos o diagrama proposto
na Figura 1, em que o autor descreve a organização epistemológica de uma teoria.

A
2
T
1

Figura 1: Teoria formal segundo Machado (1994, p. 30)

Machado (1994, p. 30) explica o diagrama acima ao esclarecer que:


Os termos primitivos descrevem os objetos concretos de que trata a
teoria. As regras de formação de fórmulas organizam o discurso a
respeito destes objetos, distinguem as fórmulas bem-formadas das que
carecem de significado. Os axiomas são as verdades básicas, iniciais,
que devem se apoiar na evidência empírica. As regras de inferência
determinam as inferências legítimas e distinguem, dentre as fórmulas
bem-formadas, as que constituem os teoremas, que são verdades
demonstráveis a partir dos axiomas, em última análise.

Como se sabe, o sistema formal elaborado por Euclides para a Geometria, durante
mais de dois mil anos, permaneceu soberano como descritivo da estrutura perceptual
do espaço. Tendo como termos primitivos as noções de ponto, reta e plano, Euclides
enunciou os cinco postulados para este sistema formal:
P1 : É possível traçar uma linha reta de qualquer ponto a qualquer ponto;
P2 : Qualquer segmento de reta finito pode ser prolongado indefinidamente para
constituir uma linha reta;
P3 : Dados um ponto qualquer e uma distância qualquer, pode-se traçar um
círculo de centro naquele ponto e raio igual à distância dada;
P4 : Todos os ângulos retos são iguais entre si;

44 Licenciatura em Matemática
P5 : Se uma reta cortar duas outras de modo que os dois ângulos interiores de um
mesmo lado tenham soma menor que dois ângulos retos, então as duas outras retas
se cruzarão, se prolongadas indefinidamente, do lado da primeira reta em que se
encontram os dois ângulos citados.

A
2
T
1

Figura 2: Interpretação do 5º postulado euclidiano por Machado (1994, p. 31)

Ainda com referência ao trabalho erigido por Euclides, destacamos o trecho


interessante do trabalho de Machado (1993, p. 103) quando explica que:

Machado (1994, p. 32) explica ainda que Euclides assumiu outros cinco princípios
de caráter mais geral, de natureza que julgava lógica e que seriam utilizados em todas
as matérias. Estes princípios ele chamou de axiomas:
A1 : Duas coisas iguais a uma terceira coisa são iguais entre si;
A2 : Se parcelas iguais forem somadas a quantias iguais os resultados obtidos
serão iguais;
A3 : Se quantias iguais forem subtraídas de quantias iguais, os restos obtidos
serão iguais;

História da Matemática 45
A4 : Coisas que coincidem umas com as outras são iguais entre si;
A5 : O todo é maior do que cada uma das partes.
Machado (1994, p. 32) sublinha que a ideia subjacente à fixação dos postulados
e axiomas é que eles sejam de tal modo evidentes que ninguém deles duvide. E a
partir deles que todos os fatos geométricos, todos os teoremas são demonstrados. Por
outro lado, um problema profundo de natureza filosófica diz respeito ao caráter de
A “evidência” atribuído aos axiomas e postulados. Neste sentido, Machado (1994, p.
2 32) sublinha que:

T A análise da afirmação do 5º postulado perturbou a muitos

1 matemáticos desde o início, uma vez que ele parecia menos evidente
que os demais, anômalo em algum sentido que não era explicitamente
percebido. Na verdade, o 5º postulado parecia um teorema como os
inúmeros demonstrados por Euclides e não faltaram candidatos, ao
longo dos séculos, a tentarem demonstrá-lo a partir dos outros quatro.

O problema maior apontado no trecho acima diz respeito ao caráter não tão
evidente do 5º postulado. Como consequência deste caráter de incredibilidade e
falta de consenso da comunidade, não faltaram candidatos, ao longo dos séculos, a
tentarem demonstrá-lo partir dos outros quatro (MACHADO, 1994, p. 32). Como essa
ideia se mostrou impraticável e tratou-se de uma tarefa não trivial, os esforços se
modificaram na tentativa de substituição do 5º postulado por outro enunciado de
natureza mais simples ou evidente. Todavia, tais iniciativas mostraram que existem
muitos outros princípios geométricos capazes de substituir o 5º postulado, sem que o
sistema formal (Figura 1) perca qualquer de seus teoremas (MACHADO, 1994, p. 32).
A partir daí, a História da Matemática descreve o advento das Geometrias Não
Euclidianas. Nestas novas geometrias, coisas estranhas e propriedades que contrariam
nossos sentidos, erigidos a partir dos modelos euclidianos, são exploradas. Por
exemplo, podemos recordar o problema que descreve que partindo de um ponto da
Terra, um caçador andou 10 km para Sul, 10 km para Leste e 10 km para Norte,
voltando assim ao ponto de partida. Aí encontrou um urso. Qual a cor do urso?
À primeira vista, podemos imaginar que esta situação problema não possui
solução e, portanto, o caçador não retornaria ao ponto de partida, como mostra o
esquema da figura 3. No entanto, não podemos esquecer o fato de que a Terra não
é uma superfície plana, mas curva. Assim, a solução está à vista: andando 10Km
segundo aquelas três direções perpendiculares, o caçador só voltará ao ponto inicial
de partida se iniciar sua caminhada no Pólo Norte. Mas enquanto ao urso?

46 Licenciatura em Matemática
Com a história toda se desenvolve no Pólo Norte, só pode ser um urso polar e
por isso um urso de cor branca. Toda a dificuldade na solução deste problema passa
pelo fato de pensarmos na Geometria sobre um plano. Note-se que desde o século
passado, com o aparecimento de Geometria Não Euclidiana, surge uma nova solução
para este problema.

A
2
T
1

.
Figura 3: O problema do urso polar envolvendo noções de geometrias não euclidianas

Vamos pensar ainda que o caçador está no Pólo Sul e a Terra possui círculos
concêntricos, com comprimentos distintos. Um desses círculos terá 10 km de
comprimento então, qualquer que seja o ponto, situado a 10km para a direção norte
desse círculo, satisfará as condições e exigências do problema inicial. De fato, o
caçador anda 10 km para a direção Sul e chega a esse circulo; em seguida anda 10km
para a direção Leste e dá uma volta completa; ao andar 10km para a direção Norte,
retorna ao mesmo ponto de origem. Nesta nova solução esta ainda o urso, todavia,
não existem ursos no Pólo Sul. Se bem que os ursos não tem relação alguma com a
Matemática, tem?
No século XVIII, o matemático italiano Sachieri fez outro tipo de tentativa: em
vez de demonstrar o 5º postulado de Euclides, a partir dos demais postulados ou de
propor um substituto mais evidente, ele investigou a independência deste postulado
em relação aos outros quatro (MACHADO, 1994, p. 33). Seu plano é descrito por
Machado (1994, p. 33) do seguinte modo:
[...] era admitir os quatro primeiros postulados e negar o 5º postulado,
para efeito de discussão, considerando o novo sistema formal resultante.
Naturalmente ele [Sachieri] esperava, com este novo sistema, chegar

História da Matemática 47
a absurdos, a contradições que revelassem a necessidade formal do
5º postulado. No entanto, curiosamente, Sachieri não obteve o que
esperava, não deparou com nenhuma inconsistência, tendo, isto
sim, demonstrado muitos resultados considerados “estranhos” e
que se caracterizariam, mais tarde, como os teoremas de uma nova
Geometria.
A
2 Na sequencia, exibimos a Figura 4, na qual visualizamos alguns dos resultados
emblemáticos da Geometria euclidiana que podem não ser esperados nas Geometrias
T não euclidianas, como a propriedade que diz que a soma dos ângulos internos de um
1 triângulo vale dois ângulos retos conforme demonstrada por Euclides.

Figura 4: Um triângulo nas geometrias não euclidianas

Assim como o formalismo, o intuicionismo tem raízes em Kant e Brouwer. Nesta


corrente filosófica, a intuição resultante da introspecção resulta em evidenciar a
verdade das proposições matemáticas e não a observação direta de objetos externos
(MACHADO, 1994, p. 39). Em relação ao intuicionismo, encontramos na literatura
que essa escola:
[...] parte do pressuposto contrário ao dos logicistas, pois considera
que há algo errado com a matemática clássica. Pensavam, então,
os intuicionistas, em reconstruí-la desde os alicerces e, para isso, só
aceitavam a parte da matemática construída a partir dos números
naturais (CURY, 1994, p. 55).

Machado (1994, p. 39) esclarece que, para os intuicionistas, a Matemática é


uma atividade totalmente autônoma, autossuficiente. A pretensão dos logicistas de

48 Licenciatura em Matemática
reduzi-la à logica ou dos formalistas de alcançar uma formalização rigorosa resulta
em mal entendidos fundamentais sobre a natureza da matemática. Para Brouwer, os
formalistas concebiam a Matemática como constituída de duas partes: um conteúdo
específico, autônomo e uma linguagem que dependia, para o seu crédito, da Lógica.
Por outro lado, o ponto de vista do intuicionismo, é:
[...] o de que a matemática é uma construção de entidades abstratas,
a partir da intuição do matemático, e tal construção prescinde de uma A
redução à linguagem especial que é a lógica ou de uma formalização 2
rigorosa em um sistema dedutivo. Admitem os intuicionistas
a utilidade dos sistemas formais, mas os consideram produtos T
acessórios resultantes de uma atividade autônoma, construtiva. E, 1
com certo desprezo, atribuem à linguagem matemática uma função
essencialmente pedagógica (MACHADO, 1994, p. 40).

Para concluir esta seção, destacamos que esta corrente filosófica sofreu vários
reveses, parte deles foram assentados em fatos matemáticos que aparentemente
resultavam de contradições em relação às informações obtidas por intermédio da
intuição matemática. Em outras aulas, nos deteremos um pouco mais na compreensão
de uma habilidade cognitiva que chamamos de intuição, e que proporciona uma
atitude filosófica na Matemática. Na próxima seção, diferenciaremos e traçaremos
algumas críticas e distorções ao ensino de Matemática que assume o pressuposto
construtivista.

História da Matemática 49
02
TÓPICO
O CONSTRUTIVISMO NA MATEMÁTICA
E O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO

A
OBJETIVO
1 Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático

T e os fundamentos da teorização de Piaget e suas


implicações para o ensino.
3
1
2

N esta aula abordaremos uma palavra recorrentemente explorada e aplicado


em situações e domínio epistêmicos completamente distintos dos quais
efetivamente se originou. De fato, o termo “construtivismo” se espalhou
com tanto vigor que na atualidade não se encontra ninguém não se autodenomine
um construtivista. O equívoco acadêmico diz respeito ao desconhecimento de dois
pressupostos filosóficos. O primeiro é o construtivismo no seio da própria Matemática
e o segundo, mais popularizado, o construtivismo piagetiano. Para compreender-
mos um pouco mais do primeiro a ponto de distingui-lo do segundo, destacamos
Machado (1994, p. 41) quando comenta os principais elementos inconsistentes e
que receberam críticas das correntes absolutistas da Matemática do seguinte modo:
O logicismo pretendeu fundar a matemática nas leis gerais do
pensamento sem que nunca penetrasse nas características específicas,

50 Licenciatura em Matemática
na gênese dessas leis lógicas. O formalismo pregou que os sistemas
formais, que utilizavam essas mesmas leis, constituiriam em si o
objeto da matemática, independentemente de suas interpretações. Mas
também não deu grandes passos no sentido de investigar o mecanismo
que possibilita a concordância, mais cedo ou mais tarde, destes sistemas
abstratos com o real através das interpretações. O intuicionismo deixou
em permanente penumbra a dinâmica das intuições que conduziam os A
matemáticos à criação de seu mundo autônomo. Nunca esclareceu o 2
modo como se mesclavam as concepções a priori sobre o espaço e o
tempo e as construções dos matemáticos. T
2
De modo semelhante ao discutido por Ermest (1991), neste trecho acima Machado
aponta de modo consistente os pontos mais delicados das correntes que discutimos
na seção anterior. Ademais, Machado (1994) insere nesta discussão as formulações
de Piaget, todavia, antes de discutirmos seu ponto de vista, torna-se imperioso
compreendermos a corrente filosófica construtivista pertencente à Filosofia da
Matemática, que se diferencia de modo substancial do construtivismo piagetiano.
Neste sentido, Ernest (1991, p. 11) declara que o
programa construtivista diz respeito à reconstrução do
conhecimento matemático (e reformulação da prática
matemática). Seu objetivo caracterizou-se por rejeitar ATENÇÃO!
argumentos não construtivistas, tais como os argumentos O princípio do Terceiro Excluído
de Cantor relacionados a não enumerabilidade do conjunto diz que uma proposição pode ser
dos números reais, e as leis da lógica relacionada ao verdadeira se não for falsa e só pode ser
falsa se não for verdadeira.
Princípio do Terceiro Excluído. Os construtivistas da
Matemática mais conhecidos foram Brouwer e Arend
Heyting (1898-1980) que foi um matemático holandês. Ademais variadas dimensões
do construtivismo podem ser identificas hoje em dia (ERNEST, 1991, p. 11).
Esta corrente filosófica reúne matemáticos que acreditam que a Matemática
clássica necessita ser reconstruída a partir de métodos e raciocínio adequado. Os
construtivistas assumem que tanto as verdades matemáticas como os objetos existentes
da matemática precisam ser estabelecidos por meio de métodos construtivos (ERNEST,
1991, p. 11).
Ernest (1991, p. 12) explica que, considerando a clássica demonstração de
existência matemática em demonstrações, deve-se de modo similar demonstrar a
necessidade lógica da existência, e uma prova construtiva da existência pode mostrar
como construir o objeto matemático cuja existência é defendida. Por outro lado, os

História da Matemática 51
construtivistas não demonstraram que existem problemas inescapáveis diante de
problemas clássicos de matemática (ERNEST, 1991, p. 12).
Todavia, de modo semelhante às outras correntes filosóficas absolutistas, a
perspectiva construtivista na Matemática, em alguns resultados, mostrou-se
inconsistente em relação a alguns resultados da Matemática clássica. Com respeito a
esta tendência verificada, Jairo (2007, p. 143) esclarece:
A Considerando a linguagem e os métodos caracteristicamente
2 construtivos da matemática grega, o construtivismo remonta à
Antiguidade Clássica. Mas como uma filosofia da matemática, em
T particular uma ontologia e uma epistemologia, ele é mais moderno;
2 Kepler foi talvez o primeiro a dizer explicitamente que uma figura
geométrica não construída não existe. Mas o pioneiro na elaboração de
uma filosofia construtivista da matemática foi Kant e, de um modo ou
de outro, todos os filósofos da matemática de orientação construtivista
são seus herdeiros.

Kant não hesitou em negar como matemática tudo aquilo que não fosse atual ou
potencialmente construído, neste sentido, as raízes quadradas de números negativos
foram seriamente evitados. Segundo o próprio Kant, essas raízes são pseudonúmeros,
por não admitirem exemplificação intuitiva (SILVA, 2007, p. 143). No entanto, foi no
final do século XIX, primeiras décadas do século XX, que o construtivismo ganhou
maior vigor na comunidade de matemáticos. Jairo (2007, p. 145) comenta ainda que:
Construtivistas, como Poincaré e Brouwer, preferiam deixar Deus e
a lógica para apelar para a intuição humana. Eles acreditavam que
é no interior da consciência humana e suas vivências que os números
naturais se constituem e suas verdades se fundamentam. Não há,
segundo eles, como definir esses números em termos mais elementares.
Poincaré, além de ridicularizar todo o projeto logicista, criticou, como
mencionamos há pouco, as tentativas de Dedekind de definir o conceito
de número natural. São esses os herdeiros legítimos de Kant.

Até o momento já dispomos de elementos teóricos que nos permitirão comparar


o construtivismo piagetiano com o construtivismo na Matemática. Provavelmente
o que ambos possuem de comum é a identificação de elementos essenciais
pertencentes à cognição humana que precisam ser ativados e estimulados de modo
conveniente (MAIO, 2002) para que possamos esperar uma razoável aprendizagem.
O construtivismo piagetiano apresenta várias distorções no contexto de ensino

52 Licenciatura em Matemática
aprendizagem, apesar de seus pressupostos iniciais indicarem elementos diferenciados
de natureza epistemológica e filosófica.
Seu principal expoente foi Jean Piaget (1896-1980), que sempre manifestou
profundas inspirações no conhecimento matemático. Para ele, as soluções clássicas
do problema da relação da Matemática com a realidade se encerravam no dilema: ou
a matemática se impõe, a priori, à realidade empírica, ou a matemática é construída a
partir de construções abstratas que emergem da realidade (MACHADO, 1994, p. 42). A
Machado (1994, p. 42) explica o dilema piagetiano ressaltando: 2
Em outras palavras, as soluções clássicas do problema da relação da
matemática com a realidade se encerram no dilema: ou a matemática T
se impõe, a priori, à realidade empírica, ou a matemática é construída 2
a partir de construções abstratas que emergem desta realidade. Em
outras palavras, as soluções caracterizam ou uma proeminência do
sujeito do conhecimento ou uma proeminência do objeto do conhecimento,
permanecendo presas a esta dicotomia.

Piaget, diferentemente de muitos pontos de vista passados, propôs que a relação


da Matemática com a realidade não possa se fundar no sujeito pensante (apriorismo)
e nem apenas no objeto pensado (empirismo), mas numa interação intensa entre
sujeito e objeto. Todavia, não podemos destacar esta atitude como original, afinal
todas as soluções anteriores, poderiam, pelo menos enquanto discurso, se pretender
captando tal interação (MACHADO, 1994, p. 42).
Machado (1994, p. 42) acrescenta que:
A originalidade da posição de Piaget consiste na situação da interação
sujeito-objeto no interior do sujeito. Por esta via, elege, naturalmente,
a Psicologia como seu fundamental instrumento para as explicitações
desta interação. Não uma psicologia qualquer, mas a Psicologia
Genética [...].

A utilização da Matemática em todos os seus estudos é muito marcante.


Observamos a relevância dessa área do conhecimento, a partir das próprias palavras
de Piaget, que caracteriza os objetivos de uma pesquisa ao mencionar que:
O objetivo desta nota não se trata de elaborar um novo procedimento
de cálculo logístico, mas unicamente de pesquisar se as operações de
adição e subtração, próprias da Álgebra e da Lógica, são suscetíveis,
uma vez colocadas sob forma de igualdade, de fabricar um verdadeiro
grupo. A única novidade, do ponto de vista do cálculo lógico, é de ter

História da Matemática 53
generalizado a operação inversa da adição: a “subtração lógica”,
interpretando o que os logicista chamam de “negação” (PIAGET,
1937, p. 99, tradução nossa.)
No excerto acima, identificamos o vocábulo
conhecido na Matemática como “grupo”. Mais adiante no
mesmo artigo, o próprio Jean Piaget discute propriedades
ATENÇÃO!
A especificas relacionadas com a noção de grupo quando
2 Em Matemática o conceito de Grupo é menciona:
dado como um conjunto de elementos Cremos ter encontrado analogias de estruturas do que
T associados a uma operação que
concerne a composição, a associatividade e inversas. Quanto
2 combina dois elementos quaisquer
para formar um terceiro elemento Para à operação idêntica, uma diferença fundamental se opõe
se qualificar um grupo, o conjunto e ao grupo lógico com respeito aos grupos aritméticos: cada
a operação devem satisfazer algumas igualdade desempenha um papel idêntico com respeito à
condições chamadas de axiomas de
grupo: associatividade, identidade e igualdade de ordem inferior. Esta oposição, que se relaciona
existência de elementos inversos. A com respeito ao bloqueio de classes umas sobre as outras na
ubiquidade dos grupos em inúmeras ausência de interação na lógica mostra que muito diferente
áreas – dentro e fora da matemática
possível entre os dois tipos de grupos, e destacamos outras
– os tornam um princípio central nas
ciências. (PIAGET, 1937, p. 100, tradução nossa).

É patente o emprego constante de Piaget de estruturas matemáticas para a descrição/


compreensão de várias operações cognitivas de pensamento da criança. Parece-nos um
ponto de vista bastante equivocado tentar apresentar a teoria elaborada por este pensador
ao futuro professor de Matemática sem falar/relacioná-la com a própria Matemática.
Neste sentido, destacamos um trecho de um artigo de Jean Piaget relacionado com as
relações de igualdade algébrica estabelecidas pela criança.

54 Licenciatura em Matemática
Para concluir, Machado (1994, p. 43) destaca as profundas preocupações de
Piaget com a Matemática ao declarar que:
Grosso modo, sua proposta é de fundar a lógica nessa moderna
Psicologia, científica e objetiva. Ele pretende que, em sua origem, as
operações lógico-matemáticas procedam diretamente das ações mais
gerais que podemos exercer sobre objetos ou grupos de objetos. Elas
consistem em estabelecer correspondências contar, reunir, associar, A
dissociar, ordenar, etc. A gênese das operações lógico-matemáticas 2
deve ser buscada, segundo ele, neste aspecto de atividade coordenadora
das ações físicas mais elementares. T
2
Deste modo, a perspectiva filosófica de Piaget pode ser descrita do seguinte
modo, no que diz respeito ao desenvolvimento da Matemática:
1) os entes matemáticos originam-se da coordenação das ações físicas mais gerais
que o sujeito exerce sobre o objeto;
2) desta ligação, tais entes se distanciam mais e mais do objeto concreto,
entretanto, conservam o poder de reunirem ao objeto, de se reencontrarem com a
realidade imediata em todos os níveis, de dizerem respeito à realidade, por mais alto
que seja o vôo alcançado.
Mais adiante, Machado (1994, p. 43) levanta algumas questões de ordem filosófica:
a) Como, apesar deste afastamento da realidade, o pensamento matemático segue
fecundo?
b) O que possibilita este constante acordo com a realidade? Qual a condição de
possibilidade de tal compatibilidade?
Piaget responde alguns destes questionamentos quando declara que o pensamento
matemático é fecundo porque, ao ser uma assimilação do real às coordenadas gerais da
ação, é, essencialmente, operatório (PIAGET, 1978, apud MACHADO, 1994, p. 44).
Assim, alguns de seus pressupostos envolvem a intenção de explicar as operações
de composição das ações básicas em novas ações mais complexas que se estabelecem
e se sobrepõem às anteriores, na dependência de um caráter de operacionalidade.
Para Piaget, é inexato dizer que os entes matemáticos e as estruturas matemáticas
se formam a partir do objeto isolado. Para ele, o pensamento matemático em relação
à realidade física:
É criação e agrega a ela em lugar de abstrair algo ou de extrair sua matéria...
antecipa experiências, em alguns casos, antes que se produzam, e lhes
proporciona marcos antes que a idéia de tais experiências haja germinado no
pensamento (PIAGET, 1978, apud, MACHADO, 1994, p. 44).

História da Matemática 55
Na Figura 5 abaixo, descrevemos as relações que podem ser estabelecidas entre
o sujeito do conhecimento (indivíduo) e um objeto matemático. Note-se que vários
pensadores discutem as formas (dimensão filosófica) e maneiras da ocorrência de
um fenômeno (dimensão cognitiva) que conhecemos por abstração matemática, que,
depois da perspectiva piagetiana, passou a ser melhor compreendido.

A
2
T
2

Figura 5: Relações estabelecidas entre sujeito e objeto matemático diante à realidade

Machado (1994, p. 46) exalta o ponto de vista original piagetiano quando declara
que:
O fato de Piaget ter concentrado seus esforços na Psicologia teve
como conseqüência uma aparência de maior aproximação de seu
trabalho da prática docente o que conduziu a diversas tentativas de
fundamentação de uma didática para a matemática. Entretanto,
o superdimensionamento da componente psicológica da atividade
didática, em detrimento de outros fatores, frequentemente mais
proeminentes, é um dado que compromete tais tentativas, por não ser
circunstancial, mas sim inteiramente decorrente da visão piagetiana
da relação da matemática com a realidade.

Para concluir esta aula, destacamos que, no ambiente da formação de professores,


muito se fala a respeito do construtivismo piagetiano e nada se comenta ou se discute
a respeito do construtivismo na Matemática. Com relação a este fato é necessário
estabelecer alguns pontos de vigilância.
Com relação ao primeiro ponto, evidenciamos com preocupação o discurso
retórico a respeito do construtivismo piagetiano no ambiente de formação, todavia,
como vimos em alguns exemplos, Piaget apoiou fortemente sua teoria na Matemática
e desenvolveu raciocínio metafóricos e analogias entre as operações cognitivas e as

56 Licenciatura em Matemática
estruturas algébricas matemáticas (MAIO, 2002). Desse modo, sem dispor de uma
formação razoável em Matemática. não se pode esperar compreender Piaget.
Ademais, as pessoas costumam valorizar a face visível da Matemática, e neste
sentido, a dimensão lúdica recebe destaque, entretanto a beleza ou curiosidade
realçada por um educador adquire sentido na medida em que compreendemos
também o modelo lógico-matemático que reside nestas aplicações, alias, observamos
com frequência exemplos de aplicações supérfluas que, no final das contas, em nada A
acrescentam ao conhecimento do futuro professor de Matemática. 2
O segundo ponto que requer vigilância se refere à necessidade de adquirirmos um
“olhar filosófico” do conhecimento matemático. De fato, observamos vários exemplos T
de pensadores que destacam a ‘beleza’ do saber matemático quando vislumbrado 2
por meio de uma perspectiva filosófica, embora o domínio do conteúdo seja ainda
uma condição imprescindível para esta visão filosófica.
O terceiro ponto que requer vigilância se relaciona com os desdobramentos e
consequências das correntes filosóficas (formalismo, logicismo e intuicionismo) que
discutimos nas seções anteriores. Veremos que algumas delas mostraram-se mais
marcantes do que outras e conseguiram um espaço maior de influência, tanto no
que diz respeito à atitude do professor, quanto ao que pode ser relacionado à sua
práxis em sala de aula. Algumas destas “distorções” e “incongruências” no ensino
de Matemática são determinadas, em maior ou menor parte, por algumas dessas
correntes filosóficas. Nesse ponto, identificamos um discurso acadêmico, ancorado
em conhecimentos que apresentam campos epistêmicos distintos da própria
Matemática, todavia empregados de modo inadequado e superficial para explicar/
significar/compreender as distorções no ensino desta ciência.
Para encerrar, salientamos nesta aula a discussão em torno das correntes filosóficas
absolutistas da Matemática. Neste rol de posicionamentos filosóficos, discutimos o
construtivismo na Matemática e o distinguimos do construtivismo de Piaget. Com
relação a um observador mais atento, as conseqüências destas tendências podem ser
observadas no ambiente escolar em nossos dias e não podem ser confundidas com
movimentos pedagógicos inerentes às outras áreas do conhecimento.

História da Matemática 57
58 Licenciatura em Matemática
Aula 3
Arquimedes e a Noção de Demonstração

Na aula passada, estudamos as correntes absolutistas da Matemática, conhecidas


como formalismo, logicismo e intuicionismo. Nesta aula, mostraremos outras cor-
rentes filosóficas que, embora tenham apresentado uma origem não necessaria-
mente no seio da Matemática, influenciaram diretamente os matemáticos de vários
séculos passados. Duas delas serão destacadas, o nominalismo e o essencialismo.
O interessante será a compreensão da práxis do professor que pode se enquadrar
numa destas correntes filosóficas.

Objetivo:
• Reconhecer os aspectos filosóficos relacionados às definições matemáticas.
• Identificar as influências das correntes filosóficas no ensino atual de Matemática.
• Identificar as características de uma definição matemática vinculando-as ao ensino.

59
01
TÓPICO
SOBRE A NATUREZA DAS
DEFINIÇÕES MATEMÁTICAS
A
OBJETIVOS
1
2 Reconhecer os aspectos filosóficos relacionados às

T definições matemáticas.

1
2
3
4

N esta aula abordaremos aspectos específicos relacionados ao ensino da


Matemática. Fatores que para um observador descuidado podem parecer
naturais e de caráter neutro, todavia, recebem ainda influencia das
correntes filosóficas.
Assim, recordamos que uma das dificuldades que os alunos enfrentam no estudo
da Matemática diz respeito à exigência das operações de pensamento realizadas
sobre objetos conceituais idealizados, as quais, em muitos casos, são regidas por
propriedades extraídas das demonstrações. Parte destes condicionantes é indicada
por Maroger (1908, p. 67) ao declarar que:
Não é suficiente conhecer os primeiros princípios da especulação
matemática e a natureza das demonstrações, é necessário também
preocupar-se com as noções, os objetos do pensamento que formam a
matéria do raciocínio. Estes objetos matemáticos são criados por meio
das definições.

60 Licenciatura em Matemática
As definições matemáticas, como Maroger explica, assumem um papel essencial
para a compreensão dos objetos da Matemática. E não se pode perder de vista
que a compreensão de tais objetos depende do seu caráter sintático, semântico e
das propriedades intrínsecas condicionadas pelas suas regras formais explicitadas
a priori ou a posteriori, com referência ao momento do estabelecimento de suas
respectivas definições formais dentro de uma teoria.
Em muitos casos, teoremas, corolários e regras caracterizarão o modo de A
manipular, calcular, empregar e, de modo essencial, de compreender e raciocinar 3
com determinados objetos. Uma definição matemática condiciona uma determinada
manipulação e/ou operação mental. De fato, Maroger (1908, p. 67) explica que a T
definição tem precisamente por objetivo assegurar uma especificação semelhante, de 1
fornecer uma realidade, subjetiva ao menos, no sentido filosófico da palavra, a um
objeto do pensamento.
Quando definimos axiomaticamente um objeto matemático ou realizamos
formalmente a sua construção, adquirimos a possibilidade de distinguir/diferenciar
este objeto definido dos demais. Adquirimos a possibilidade de raciocinar e
conjecturar sobre tal objeto, que agora passa a ser um objeto de nosso pensamento,
de nossa reflexão. Neste sentido, Buffet (2003, p. 20) recorda que D´Alembert
atribuía importância às definições pois elas abreviam o discurso, e a inexatitude de
uma definição pode impedir a obtenção da verdadeira significação da palavra. Por
outro lado, em Matemática, não se pode perder de vista que estamos numa espécie
de camisa de força, dentro de um sistema teórico formal. Assim, seu uso constante a
todo o momento é exigido.
Em virtude deste fato, devemos ficar atentos no sentido de respeitar as
propriedades previamente existentes ao objeto definido. Acrescentamos que uma
única condição, mais absoluta, será requerida para a validade de uma definição: que
esta não implica numa contradição, em outros termos, que o objeto definido seja possível
(MAROGER, 1908, p. 67).
Maroger adverte que a criação/estabelecimento de uma definição matemática, por
um lado, não pode ser abusiva, e, por outro, não pode ser comparada à liberdade de
um poeta. Ela esta condicionada e amarrada ao sistema teórico em que determinado
objeto matemático é definido. Por exemplo, quando nos referimos ao Cálculo
Diferencial e Integral, estamos sujeitos a determinadas regras particulares que se
diferenciam das regras peculiares à Álgebra baseada em modelos finitos.
Maroger (1908, p. 68) discute uma questão fundamental formulada do seguinte
modo: Todos os objetos, todas as noções de especulação matemática, podem ser
definidos? Dito de outro modo, não existem noções que sabemos caracterizar o

História da Matemática 61
mais claro possível e que, portanto, podem permanecer
indefiníveis, de forma rigorosa? Maroger acrescenta que,
depois de Pascal, não se pode mais conceber tal idéia (1908,
SAIBA MAIS! p. 68), uma vez que Blaise Pascal (1623-1662) foi um
Blaise Pascal foi um matemático francês matemático que se destacou, entre outros motivos, pela
que contribuiu para a sistematização sua preocupação demasiada com o papel das definições em
do método científico e a pesquisa em
A Matemática.
Matemática.
3 Com o intuito de enriquecer nossa discussão e
extrair algumas implicações relacionadas aos objetos da
T Matemática, adotamos provisoriamente as distinções assumidas por Maroger. Assim,
1 diremos resumidamente que existem dois tipos de definições matemáticas. A saber:
Definições matemáticas que necessitam das propriedades características do objeto
matemático definido, as quais podemos demonstrar sua existência;
Definições matemáticas que prescindem do objeto definido, sem demonstrar sua
existência.
Maroger assinala que a diferença entre as duas
caracterizações remonta a episódios sobre a história
do pensamento matemático e acrescenta ainda que as
VOCÊ SABIA? definições do primeiro tipo definem o objeto, enquanto
a segunda somente caracteriza-o e são chamadas apenas
Henri Poincaré foi considerado
por muitos como um matemático por caracterizações. Resumidamente, as definições, de fato,
universal. Com trabalhos nas áreas de são as primeiras e, em termos filosóficos, são chamadas de:
Matemática e Física Teórica. definições reais, causais, por generação ou genéticas.
Veremos que no primeiro caso, em que as definições
requerem a verificação do objeto definido, podem ocorrer dificuldades, sobretudo
de compreensão, nas situações ordinárias do seu ensino. Por outro lado, um aspecto
mencionado pelo autor é que uma definição é a melhor possível, quando podemos
legitimá-la de uma forma mais simples possível (MAROGER, 1908, p. 71).
Neste contexto de discussão, vale lembrar que não existe somente uma
única forma de se definir um objeto que lhe é submetido (MAROGER, 1908, p. 71).
Assim, dependendo de nossos objetivos, no caso do matemático profissional são
investigativos, mas, também, podem ser objetivos com vistas ao ensino, temos a
possibilidade de escolher a definição que melhor nos apraz e/ou a definição que
proporciona melhores condições ao entendimento.

O matemático Jules-Henri Poincaré (1854-1912) manifesta em sua obra profunda


preocupação com a compreensão e entendimento dos iniciantes. Dentre os vários

62 Licenciatura em Matemática
aspectos que foram objeto de análise por parte de Poincaré (1904), destacam-se
suas preocupações relacionadas à intuição matemática e as definições matemáticas.
Poincaré questiona sobre o papel das demonstrações em Matemática, interroga
se a compreensão de uma demonstração de um teorema se limita a examinar
sucessivamente cada silogismo e constatar que são corretos. Pergunta ainda se no
caso de compreendermos uma definição matemática, se seria suficiente constatar que
não se obteria uma contradição com o seu emprego (POINCARÉ, 1904, p. 258). A
Mais adiante ele sublinha que, para cada palavra, é necessário se acrescentar uma 3
imagem sensível; é necessário que a definição matemática evoque tal imagem e que a
cada passo da demonstração pode-se observar sua evolução. Somente nesta condição T
ocorrerá a compreensão. (POINCARÉ, 1904, p. 259). 1
Poincaré questiona a posição tradicional de seus
contemporâneos ao declarar que para compreender as
propriedades que geraram uma definição, é necessário
apelar à experiência ou a intuição, sem o que os teoremas VOCÊ SABIA?
seriam perfeitamente rigorosos, mas perfeitamente inúteis
Louis Liard foi Professor da École
(POINCARÉ, 1904, p. 263). Entretanto, como encontrar
Normal de Paris, lecionava Filosofia e
um enunciado conciso que satisfaça ao mesmo tempo as Letras. Foi diretor do ensino superior
regras da lógica e ao nosso desejo de compreender o local em um ministério francês.
novo de uma noção dentro da ciência matemática, e a
necessidade de pensar por meio de imagens?
Poincaré destaca a importância do raciocínio intuitivo na produção das definições
matemáticas que não podem ser meramente arbitrárias e baseadas puramente em
argumentos lógicos. Finaliza dizendo que grande parte das definições matemáticas,
como demonstrou Louis Liard, são verdadeiras construções edificadas sobre noções
mais simples (POINCARÉ, 1904, p. 268).
Na tese de doutorado Des définitions géométriques et des définitions empiriques,
Louis Liard (1846-1917) desenvolve uma profunda reflexão sobre os elementos
essenciais que constituem as definições matemáticas. Logo no início do seu trabalho,
o referido autor explica que descrevemos as representações e definimos as ideias.
Descrever é determinar a circunscrição de um indivíduo; definir é determinar a
circunscrição de uma idéia. A descrição se faz por acidente, e a definição por meio de
essência (LIARD, 1873, p. 7).
Liard discute a origem das noções geométricas que derivam da experiência, como
podemos observar no seguinte trecho:
Em toda figura existem elementos, os quais se podem encontrar
sua origem na experiência, a saber: o conteúdo, o limite e a forma

História da Matemática 63
do conteúdo, a exterioridade da figura com respeito ao pensamento.
Um teorema enuncia a relação entre uma figura e uma propriedade
geométrica; a definição nos faz conhecer a essência de uma forma
determinada. Quando dizemos que a definição é uma generalização de
nossa experiência, queremos dizer generalização entre as noções que
compreendem a figura e sua forma (LIARD, 1873, p. 31)
A
3 Talvez o matemático mais famoso pela criação de “boas” notações tenha sido,
segundo Cajori (1929, p. 181), G. W. Leibniz. Num de seus manuscritos, comentados
T por Couturat (1901, p. 86), Florian Cajori esclarece que os algarismos árabes possuem
1 sobre os algarismos romanos a vantagem de melhor expressar a “gênese” dos números,
e em seguida sua definição, de sorte que sejam mais cômodos, não somente pela forma
de escrevê-los, mas também pelo cálculo mental. Cajori recorda que Leibniz mostrou
a importância atribuída aos signos e as condições de sua utilidade.
A invenção do Cálculo Infinitesimal procede da pesquisa de símbolos os mais
apropriados (COUTURAT, 1901, p 87). O matemático confirma a perspectiva de
Leibniz sobre a importância capital e a proficuidade vantajosa de um símbolo bem
escolhido. Veremos agora de que maneira a notação relacionada a uma definição pode
interferir diretamente na aprendizagem e no ensino do Cálculo quando nos atemos
a uma análise pormenorizada de natureza filosófica. Por exemplo, já comentamos
em textos passados que Cauchy e D´Alembert grafavam o símbolo de limites como
Limf (x ) , enquanto em notação moderna os livros adotam a notação lim x®a f (x ) .
A vertente filosófica essencialista exaltava a dimensão construtiva dos objetos
matemáticos. Aristóteles, por exemplo, se refere às definições matemáticas como uma
espécie de discurso, que deve exprimir a essência das coisas. Em sua tese, Buffet
(2003, p. 29), valendo-se das palavras de Aristóteles, ilustra assim seu ponto de
vista: Para conhecer a essência, é necessário encontrar o gênero ao qual pertence à coisa
e seu tratamento particular que diferencia esta coisa das outras.
Observando este último excerto, quando analisamos um objeto cuja natureza é
essencialmente algébrica, identificamos aspectos que não se mostram ausentes em
relação a outro objeto de natureza essencialmente geométrica. Em relação a esta última
categoria de objetos, Bonnel (1870, p. 28) aponta como uma qualidade essencial de uma
definição geométrica é que a figura, que deve ser definida, seja possível. E acrescenta
que, para demonstrar que uma construção é possível, é suficiente explicitar o meio de
executá-la. Na Figura 1, destacamos alguns elementos relacionados ao ensino.

64 Licenciatura em Matemática
A
3
T
1
Figura 1: Relações identificadas no ensino de Matemática (elaboração própria).

Como consequência da discussão anterior, perspectivamos duas vias possíveis de


serem adotadas no ensino. Na primeira via, o professor de Matemática apresenta uma
preocupação maior em discutir os principais aspectos e propriedades (essência) de um
objeto matemático particular, só então passará a discutir as condições epistemológicas
que propiciam assegurar a existência e unicidade do objeto. Na segunda via,
aparentemente a maior preocupação do professor reside em assegurar a existência de
um objeto, mesmo que possa ou não contar com a compreensão dos seus estudantes.
Em seguida, o professor passa a preocupar-se com a essência do objeto.
Nota-se que, no ensino acadêmico, identificamos, na maioria dos casos, a
predominância da segunda trajetória. De fato, aparentemente, para o professor do
locus acadêmico, é mais “cômodo” ou eficiente, explorar existência ® essência .
Entretanto, vale recordar que os alunos deste nível de ensino possuem uma flexibilidade
cognitiva bem mais elaborada do que estudantes comuns do nível escolar.
Lima (2004, p. 44) faz uma reflexão interessante quando comenta:
Isto explica (embora não justifique) a definição dada no dicionário
mais vendido do país. Em algumas situações, ocorrem em matemática
definições do tipo seguinte: um vetor é o conjunto de todos os segmentos
de reta do plano que são eqüipolentes a um segmento dado. (definição
por abstração). Nessa mesma veia, poder-se-ia tentar dizer que:
“numero cardinal de um conjunto é o conjunto de todos os conjuntos
equivalentes a esse conjunto”.

Ademais, parece-nos importante lembrar que a atividade demonstrativa, seja ela


auxiliada por uma construção geométrica ou não, se estabelece e adquire o caráter

História da Matemática 65
de validade dentro de um sistema simbólico. Couturat (1901, p. 88), por sua vez,
comentou que para Leibniz tais sistemas devem ser concisos: eles são destinados a
abreviar o trabalho do espírito, condensando qualquer tipo de raciocínio. A partir daí,
vemos a utilidade ou a necessidade em Matemática, na qual os teoremas são, segundo
a expressão francesa de Couturat (1901, p. 88), “abregés de pensée”.
Leibniz, citado por Couturat (1901, p. 89) forneceu uma profunda reflexão que
A não pode ser esquecida pelo professor de Matemática quando sublinhou que a fraca
3 capacidade do espírito não pode abranger e nem ser exposto ao mesmo tempo além
do que um pequeno número de ideias, nem efetuar de uma única vez mais do que
T uma dedução imediata e simples.
1 O matemático alemão desenvolveu uma verdadeira teoria da definição, pois os
únicos princípios primeiros para Leibniz são as definições. Uma demonstração, para
ele, parece um encadeamento de definições e distingue, na arte de demonstrar, duas
outras artes: a arte de definir (l´art de definir) e a arte de combinar definições (l´art de
combiner les définitions) (BUFFET, 2003, p. 31).
Como vimos, vários matemáticos e filósofos destacam e caracterizam o papel
das definições matemáticas. Outro aspecto que pode ser encarado como uma
consequência imediata desta preocupação diz respeito à compreensão que o professor
de Matemática precisa possuir para antever os aspectos positivos e os aspectos
negativos, com relação ao entendimento dos estudantes, vinculados à natureza de
uma definição matemática. Ou de outra forma, existem definições mais adaptadas ao
ensino do que outras? Existem definições matemáticas formais mais intuitivas do que
outras? No que se refere à caracterização lógica de uma definição, qual a melhor e
mais acessível ao entendimento dos aprendizes?
Questionamentos desta natureza são incongruentes com teorias generalistas para
o ensino. Por outro lado, quando assumimos desde o início a importância do estudo
da filosofia própria da Matemática, nos instrumentalizamos com mecanismos mais
precisos para a análise de nossa realidade, para compreender a esfera de práticas do
professor de Matemática. Vejamos um exemplo no qual evidenciamos de que modo
a natureza de uma definição matemática pode intervir diretamente no ensino de
Matemática.
No ensino ordinário, os estudantes aprendem o conceito e são apresentados
à definição formal de função bijetora, quando existe uma aplicação f : A ® B ,
de modo que (i) "x, y Î A, com x ¹ y ® f(x) ¹ f(y) ; (ii) f ( A) = B . A primeira é
conhecida como injetividade e a segunda propriedade diz respeito à sobrejetividade.
Por outro lado, do ponto de vista da lógica, temos outra formulação equivalente
a que descrevemos em (i), declarando que: (iii) "x, y Î A , se f (x ) = f ( y ) ® x = y .

66 Licenciatura em Matemática
Se admitirmos (i) como inferência direta, o que descrevemos em (iii) é sua
contrarrecíproca. E sabemos que p ® q (direta ) Û ~ q ® ~ p (contra-recíproca) .
O problema metodológico é: Qual das duas formas de definir uma propriedade
da função f : A ® B é mais viável para o ensino do que a outra.? Qual das duas
definições envolve uma melhor interpretação geométrica?
Por exemplo, se consideramos a definição (i), dados "x, y Î A, com x ¹ y ,
digamos x < y , poderemos determinar os elementos no plano  ´  . Notamos A
na Figura 2-I que podemos representar suas imagens no gráfico. A dificuldade é 3
conseguir condições formais de verificar que f(x) ¹ f(y) . Muitos matemáticos
formalistas desacreditavam o raciocínio matemático apoiado em figuras e desenhos. T
Por outro lado, para verificar a condição equivalente (iii), necessitamos da 1
condição geométrica descrita algebricamente por f (x ) = f ( y ) . Note-se que na
Figura 2 do lado direito, necessitaríamos verificar que não pode acontecer x < y e
também que x > y . Nota-se que, no primeiro caso, nossa preocupação metodológica
recairá sobre a necessidade de verificar, do ponto de vista lógico, que f (x ) < f ( y )
ou f (x ) > f ( y ) . Por outro lado, no caso de (iii), o esforço didático recai sobre a
necessidade de verificação que não pode ocorrer a condição x < y e também a outra
possibilidade x > y . Deste modo, dependendo da definição de injetividade adotada,
o professor enfrentará maiores ou menores dificuldades metodológicas.

Figura 2: Representação de funções injetoras (elaboração própria).

De modo semelhante, podemos descrever a condição (ii) f ( A) = B por (iv)


"y Î B , existe x Î A tal que y = f (x ) . Neste caso, a definição formal de função
sobrejetora trata de uma questão pouco trivial e de conteúdo indiscutivelmente
filosófica, conhecida como existência de um objeto x Î A , de modo que sua imagem

História da Matemática 67
realiza o valor numérico, por meio da regra formal característica da função geral
f : A ® B . Sua negação pode ser mais complicada ainda, de fato, na Figura 3,
lado esquerdo: Como investigar um possível elemento que nunca poderá realizar a
propriedade desejada que declara a igualdade f ( A) = B ?

A
3
T
1

Figura 3: Representação de funções sobrejetoras (elaboração própria).

Antes de concluir esta seção, destacamos algumas ponderações de cunho


filosóficas devidas a Lima (2004, p. 60) quando desenvolve as seguintes declarações
sobre o conjunto dos números reais intimamente ligadas à noção de existência:
Um espírito mais crítico indagaria sobre a existência dos números
reais, ou seja, se realmente se conhece algum exemplo de corpo
ordenado completo. Em outras palavras: partindo-se dos números
naturais (digamos, apresentados através dos axiomas de Peano) seria
possível, por meio de extensões sucessivas do conceito de número,
chegar à construção dos números reais? A resposta é afirmativa. Isto
pode ser feito de varias maneiras. A passagem crucial é dos racionais
para os reais, a qual pode ser o método de cortes de Dedekind ou das
sequencias de Cauchy (devido a Cantor), para citar apenas os dois
mais populares.

Nota-se ainda que, dependendo da vertente filosófica assumida, determinados


argumentos indicados por Lima (2004) não são aceitos como confiáveis. Na seção
seguinte estabeleceremos alguns ambientes de atuação do professor nos quais
identificamos os condicionantes, os entraves e as concepções herdadas a partir das
correntes absolutistas da Matemática.

68 Licenciatura em Matemática
A
3
T
1
02
TÓPICO
AS INFLUÊNCIAS DAS CORRENTES
FILOSÓFICAS NO ENSINO ATUAL

A
OBJETIVO
1
2 Identificar as influências das correntes filosóficas no

T ensino atual de Matemática.

1
2
3
4

C omo comentamos nas aulas anteriores, pessoas que carregam consigo apenas
uma aprendizagem e único contato com a Matemática a partir do cenário
escolar, como estudantes, dificilmente conseguem perceber, descrever,
identificar e compreender os condicionantes demarcados ao longo dos séculos
provenientes das correntes filosóficas que apresentam um caráter epistemológico de
raízes profundas no saber matemático.
Tal fato pode ser observado na postura pedagógica do ensino escolar e, de modo
especial, nas práticas avaliativas que se desenvolvem em torno do saber matemático.
Como já descrevemos na disciplina de Didática da Matemática, o maior problema
enfrentado pela maioria dos cursos de graduação no Estado do Ceará diz respeito
à situação em que o futuro professor de Matemática não estuda na graduação
aquilo que vai ensinar. Ademais, parte do que se estuda na graduação compõe-

70 Licenciatura em Matemática
se de disciplinas que veiculam saberes de natureza epistemológica de outras áreas
do conhecimento, distintas da Matemática, portanto nem sempre são aplicáveis,
adequadas e suficientes para a explicação/predição de fenômenos intrínsecos da
Matemática.
De modo particular, reforçamos nossa última argumentação nos valendo das
palavras de Souza e Fernandes (2010, p. 28):
Por isto, é necessário que, na prática avaliativa, para que esta A
realmente seja desenvolvida de forma qualitativa, é necessário que o 3
professor tenha compreensão das concepções e princípios de avaliação.
A partir daí, ao tomar conhecimento de conceitos avaliativos, das T
referidas metodologias e dos instrumentos de avaliação, tal prática 2
provavelmente se tornará mais eficaz.

No que diz respeito à atividade avaliativa do professor de Matemática, quando


lemos o excerto acima, obteríamos uma resposta pelo menos provisória das seguintes
questões: O que significa uma prática avaliativa em Matemática de natureza
qualitativa? Que concepções condicionam/determinam e modelam as relações que
são travadas em torno do saber escolar? De onde são provenientes e/ou originados,
do ponto de vista epistemológico, os conceitos avaliativos? A que metodologias
específicas os autores Souza e Fernandes (2010) se referem ou mesmo fazem menção?
O que caracteriza a “eficacidade” de uma prática avaliativa para os autores Souza e
Fernandes (2010)? Em relação a que campo ou esfera de práticas fazem referência?
E conhecendo-a, como operacionalizá-la de fato, em sala de aula, no ensino de
Matemática?
Em nossa realidade, encontramos professores recém formados, com pouca
maturidade e limitada eficiência prático-operacional, repletos de teorias desconexas,
e que são obrigados a responder estes e outros questionamentos de forma solitária,
desamparados pela universidade.
Diante de nossos objetivos e da limitação de espaço deste material, não nos
deteremos em cada uma destas questões, entretanto algumas delas merecem uma
maior atenção. Neste sentido, assumimos não ser muito produtivo para o professor
de Matemática adquirir toda uma retórica a respeito do “processo avaliativo” se
ele mesmo não consegue elaborar um instrumento de avaliação que diferencie o
caráter quantitativo e qualitativo de entendimento do saber matemático. Ademais,
com relação aos saberes e raciocínios mobilizados num instrumento de avaliação
do conhecimento matemático do estudante, o professor deve identificar raciocínios
intuitivos e raciocínios lógicos- formais empregados pelo mesmo.

História da Matemática 71
Outros elementos que merecem atenção dizem respeito ao ato de avaliar a
aprendizagem em relação a um conceito de Matemática ou à definição vinculada ao
referido conceito. Embora o aprofundamento destas questões tenha sido realizado
na disciplina de Didática da Matemática, é oportuno destacar a sugestão fornecida
por Souza e Fernandes (2010, p. 28) quando aconselham:
Todavia, a avaliação é um processo que deve ser realizado a partir dos
A resultados obtidos das atitudes tomadas pelo educando diante do saber
3 escolar. Diante da atividade do aluno, o professor deve analisar não
apenas o resultado como também os saberes mobilizados pelo aluno
T para chegar a resposta final. Assim, o professor poderá perceber o
2 nível de conhecimento do aluno e analisar se ele necessita ou não de
acompanhamento, bem como quais ações pedagógicas são necessárias
para que o aluno continue o processo de aprendizagem.

O motivo diz respeito basicamente ao fato de que estes autores se apóiam em


fundamentações teóricas erigidas a partir de outra esfera de práticas, distinta do
campo de atuação do professor de Matemática, e que se mostram insuficientes
neste âmbito particular. Por outro lado, em sua tese, Cury (1994) desenvolve sua
argumentação relativa ao fenômeno avaliativo na medida em que analisa e identifica
as influências das correntes filosóficas da Matemática no ensino. Em relação a este
fato, Cury (1994, p. 69) conclui:
Parece-nos que a visão absolutista da matemática está presente nesse
procedimento dos professores: ele acreditam que, efetivamente, na
existência, em matemática, de uma verdade absoluta que não pode
ser sujeita a criticas e correções e, por extensão, de uma maneira de
fazer, uma resolução certa que deveria ser seguida por todos [...]
Quando os professores de matemática constroem um gabarito, já
estão estabelecendo uma verdade única, isolada para os alunos. Outro
agravante pode ser citado: ao avaliar a prova separadamente das
outras atividades desenvolvidas durante o período de aprendizagem,
ou seja, do próprio trabalho da sala de aula, do estudo individual ou
dos trabalhos de casa, o professor isola o processo de aprendizagem de
seu produto.

Mais adiante acrescenta um interessante ponto de vista quando comenta:


Na correção de cada questão, surge, em nossa opinião, novamente
o laivo absolutista, agora em sua versão formalista, quando o

72 Licenciatura em Matemática
professor considera que as regras formais de uso do conteúdo são mais
importantes do que o significado que é atribuído a esse conteúdo. E
são as regras que contam na avaliação, uma vez que ela é feita com
base no uso das mesmas regras em uma prova. Mesmo quando o
professor salienta sua preocupação com o desenvolvimento da questão,
essa observação se refere ao encadeamento lógico dos raciocínios, à
elegância, à correção, ao rigor das provas apresentadas, ou seja, A
àqueles elementos valorizados pela comunidade matemática, segundo 3
os quais um trabalho na área pode ou não habilitar-se a ser lido pelos
membros da comunidade (CURY, 1994, p. 69). T
2
Cury (1994) faz referência às concepções, práticas de ensino, rituais introjetados,
cristalizados e condicionados pelas correntes absolutistas ou por seus prolongamentos.
Tais concepções e visões sobre o conteúdo e seu ensino dificilmente podem ser
explicados por teorias oriundas de outros campos epistêmicos, nomeadamente as
teorias do campo pedagógico das ciências humanas. Basta evidenciar, por exemplo,
que, se um educador observar que quando o professor considera que as regras formais
de uso do conteúdo são mais importantes do que o significado que é atribuído a esse
conteúdo, esse educador interpretará tal fenômeno a partir da corrente pedagógica
tecnicista, o que nos parece um equívoco e desconhecimento gritante. Mas se um
matemático observar o mesmo fato interpretará e identificará as influências diretas
da corrente filosófica formalista, devida a David Hilbert.
Outra influência considerável das correntes filosóficas é observada nas
determinações curriculares na Matemática. Nota-se que não nos referimos a um
currículo qualquer, de uma área do conhecimento geral e, sim, de modo específico,
ao currículo de Matemática. Uma obra que merece destaque e que foi amplamente
divulgada nos Estados Unidos, no final da década de 60, é O fracasso da Matemática
Moderna, do matemático norte-americano Morris Kline, um protagonista da
reforma do ensino da Matemática que ocorreu na segunda metade do século XX,
um período que inclui os programas da Nova Matemática. Em 1956, Professor
de Matemática, revista publicada por Kline, responsabiliza os professores pelos
fracassos dos alunos. Kline (1976, p. 34) escreveu: Há um problema estudantil,
mas também existem três outros fatores que são responsáveis pelo estado atual da
aprendizagem matemática, ou seja, os currículos, os textos, e os professores. O discurso
tocou um nervo, e as mudanças começaram a acontecer. Reproduzimos abaixo um
trecho do livro no qual o autor descreve o estado e as características equivocadas do
currículo de Matemática daquela época.

História da Matemática 73
Embora o currículo tradicional tenha sido algo afetado nos últimos anos
pelo espírito de reforma, suas características básicas são facilmente
descritas. Os primeiros seis graus da escola elementar são dedicados à
aritmética. No sétimo e oitavo graus, os alunos aprendem um pouco de
álgebra e os fatos simples de geometria, tais como fórmulas para a área e o
volume de figuras comuns. O primeiro ano de escola secundária preocupa-
A se com álgebra elementar, o segundo com geometria dedutiva e o terceiro
3 com mais álgebra (geralmente denominada álgebra intermediária) e com
trigonometria. O quarto ano de escola secundária geralmente abrange
T geometria sólida e álgebra adiantada [...] Houve, frequentemente, várias
2 criticas sérias que se aplicam ao currículo. A primeira critica diz respeito
à álgebra presente no mesmo que força o aluno a memorização em
detrimento da compreensão (KLINE, 1976, P. 19).

Vale destacar que a predominância ainda nos dias de hoje do pensamento


algébrico é observada quando encontramos pessoas, com conhecimento limitado
em Matemática que a concebem como a “ciência dos números”. Esta visão constitui,
dentro dos pensamentos do senso comum, o mais limitado e equivocado ponto de
vista. Mas o que merece ser observado é que o currículo criticado por Kline foi o
resultado de pressões de grupos políticos de matemáticos, em determinada época
histórica, que determinaram e apontaram os paradigmas mais importantes do saber
matemático naquela época.
Ainda nos deteremos nestes e outros aspectos, principalmente na identificação
dos fatores filosóficos, mas antes disso, em outro trecho abaixo, observamos as
determinações do currículo sobre a práxis do professor, identificadas e caracterizadas
por Kline (1976, p. 20) de modo eficiente ao mencionar que:
Uma boa professora sem dúvida esforçar-se-ia por auxiliar os alunos
a compreender o fundamento lógico deste processo, mas, via de regra, o
currículo tradicional não dá muita atenção à compreensão. Confia em
exercícios para fazer com que os alunos sigam facilmente o processo.
Após aprenderem a somar as frações numéricas, os alunos enfrentam
a somar frações onde letras se acham envolvidas. Conquanto se
3 2
empregue o mesmo processo para calcular? + os passos
x+a x+a
individuais são mais complicados. Novamente o currículo confia em
que os exercícios transmitam a lição. É solicitado ao aluno que faça as
somas em inúmeros exercícios até que as possa realizar com facilidade.

74 Licenciatura em Matemática
Kline, como constamos a seguir, descreve de modo melancólico a análise
do currículo com relação aos conceitos de Álgebra e de Geometria e aponta um
dos conhecimentos que são menos aprofundados nos cursos de graduação. Tal
conhecimento diz respeito à Geometria Plana e Espacial herdada de Euclides. E o
mais curioso em nossos dias é que se perguntarmos a um aluno da escola regular
suas preferências, ele exclamará sem pestanejar que prefere Álgebra em vez de
Geometria. O que ocorre de mais irônico, para não dizer trágico, é que se fizermos a A
mesma pergunta para um professor de Matemática recém formado, ele dirá também 3
que prefere ensinar Álgebra, em detrimento da Geometria dedutiva. Com respeito a
tal cenário, Kline (1976) observa: T
Após um ano deste estudo de álgebra, o currículo tradicional passa 2
para a geometria euclidiana. Nela a matemática torna-se subitamente
dedutiva, isto é, o texto começa com definições das figuras geométricas
e com axiomas ou asserções que presumivelmente são “obviamente
verdadeiras” acerca das figuras. Eles provam depois teoremas aplicando
o raciocínio dedutivo aos axiomas. Os teoremas seguem um ao outro
numa sequência lógica; quer dizer, as demonstrações dos teoremas
posteriores dependem das conclusões já estabelecidas nos anteriores.
Esta mudança repentina de álgebra mecânica para a geometria
dedutiva certamente transtorna a maioria dos alunos. Até então, em
seu estudo de Matemática, não aprenderam o que “demonstração” é e
tem que estar senhor deste conceito além, da aprendizagem da própria
matéria (p. 22).

Por fim, Kline aponta um problema que depende da visão e das concepções que
o professor de Matemática constrói, ao longo de sua carreira, sobre a Matemática.
Neste sentido, se o docente não consegue identificar e compreender a “beleza”
do conhecimento matemático, nunca conseguirá transmitir tal sensação para seus
educandos, sem falar nos casos em que o professor leciona Matemática por que não
encontrou outra maneira de garantir sua subsistência material ou por que está a
espera de uma outra oportunidade profissional. Com respeito a isto, Kline (1976, p.
23) declara no trecho abaixo:
Além de poucas falhas que já descrevemos, o currículo tradicional sofre
do defeito mais grave que se pode lançar sobre qualquer currículo:
falta da motivação. A própria matemática – para empregarmos as
palavras do famoso matemático do século vinte, Hermann Weyl, - tem
a qualidade não humana da luz estelar, brilhante e nítida, porém, fria.

História da Matemática 75
É também abstrata. Trata de conceitos mentais embora alguns, como os
geométricos, possam ser visualizados. Dadas ambas as considerações,
de sua qualidade fria e caráter abstrato, muito poucos são os estudantes
que se sentem atraídos por esta matéria de ensino (p. 23).

No trecho acima, o matemático acentua a importância do desenvolvimento de


A mecanismos que instigam e motivam os estudantes a estudar Matemática. Antes de
3 discutirmos alguns pontos mais próximos de nossa discussão filosófica, destacamos
oportunamente trecho de um pensamento dos autores Moreira e Silva (1995, p. 7).
T O currículo há muito tempo deixou de ser apenas uma área meramente
2 técnica, voltada para questões relativas a procedimentos, técnicas e
métodos. Já se pode falar agora em uma tradição crítica do currículo,
guiada por questões sociológicas, epistemológicas. Embora questões
relativas ao “como” do currículo continuem importantes, elas adquirem
sentido dentro de uma perspectiva que as considere em sua relação com
questões que perguntem pelo “por quê” das formas de organização do
conhecimento escolar.

O trecho acima nos serve de modo eficiente para discutir linhas de pensamento
que em nada explicam, caracterizam ou prevêem as mudanças ocorridas ao longo
dos séculos no currículo de Matemática. Nossa posição é clara no sentido de que não
adianta buscar formar o futuro professor para a cidadania, no sentido de desenvolver
um ensino inclusivo, prazeroso, “lúdico”, se ele mesmo não consegue fazer seus
alunos compreenderem o motivo e a justificativa pela qual multiplicamos as linhas
pelas colunas de uma matriz.
Em outras palavras, antes de tomar consciência de que o campo curricular
não constitui apenas uma técnica, o futuro professor deve compreender que a
constituição do currículo de Matemática sempre foi o resultado do embate e do jogo
de poder entre matemáticos, num determinado período histórico em que o saber
matemático sempre serviu de paradigma para a evolução das sociedades e para a
fundamentação de outras áreas do saber, e não o contrário.
Neste sentido, Santos (2008, p. 176) recorda as ideias diferenciadas do físico
teórico e epistemólogo Thomas Khun (1922-1996), quando comenta que:
Muitos dos opositores da idéia de revolução em matemática
argumentam que as verdades nesse campo são sempre preservadas,
mesmo com o aparecimento de novas teorias. Por esse motivo, o uso do
conceito de revolução nestes casos é um erro, já que esse conceito traz

76 Licenciatura em Matemática
consigo aquilo que foi chamado a pouco de princípio de destituição do
antigo regime.

Mais adiante, Santos (2008) diferencia o campo epistêmico do saber matemático


de outros campos do saber. A partir de suas palavras referendamos nossas posições de
crítica com respeito à aplicação de “teorias pedagógicas” para explicar/caracterizar
os movimentos próprios de evolução do saber matemático. Santos (2008, p. 177) A
indica elementos que não encontramos e/ou identificamos nestas teorias quando 3
declara:
E de fato as verdades matemáticas são, pelo menos em algum nível T
de consideração, preservadas com o aparecimento de totalmente novas 2
teorias. No entanto, para que essas verdades sejam preservadas, e
para que continuem a ter uma aplicação efetiva dentro da matemática,
surge à necessidade de serem reavaliadas e remodeladas dentro dos
parâmetros indicados pelas novas escolas e teorias matemáticas.

Santos (2008, p. 177) indica ainda o locus científico onde devemos nos acomodar
para o desenvolvimento de uma análise filosófica adequada ao acrescentar que:
As revoluções em matemática se parecem com certos eventos que, por
vezes, também percebemos ocorrer nas ciências naturais. A teoria da
relatividade de Einstein é, sem dúvida, um marco na história da física
e da astronomia contemporânea. Depois de Einstein componentes
curriculares em cursos de graduação e de pós-graduação tiveram que
ser revistos, novos campos de pesquisa foram abertos, livros escolares
se tornaram ultrapassados. Em suma, a física e a astronomia do século
XX em diante não pode mais ser considerada a mesma desde então.

As tradições no currículo de Matemática são guiadas por questões de ordem


particular da própria Matemática e uma epistemologia também particular. E antes
de explorar de modo equivocado a necessidade de compreensão do porquê da
constituição do conhecimento matemático escolar, o professor deve compreender
a própria constituição do seu currículo de graduação, a constituição do currículo
escolar de Matemática, e o motivo pelo qual estuda mais Cálculo Diferencial e
Integral em detrimento de Geometria Plana.
Dois equívocos precisam ser apontados aqui. O primeiro diz respeito à sensação de que o
professor, ainda nos cursos de graduação, acha que “sabe” Geometria Plana, entretanto não
sabe. De fato, encontramos vários trabalhos acadêmicos dando conta da precária atenção dos

História da Matemática 77
formadores de professores no ambiente de graduação. Assim, admite-se que o professor sabe
este conteúdo e priorizam-se tópicos de Matemática avançada.
Neste contexto de discussão é que a Filosofia da Matemática pode fornecer um viés
de análise privilegiada para o professor. Nesse sentido, seria auspicioso para o professor
saber identificar os desdobramentos e condicionantes das antigas correntes filosóficas da
Matemática em sua sala de aula, na própria maneira de conceber, assim como saber explicar
A o significado do conhecimento matemático.
3 A título de exemplo, Cury (1994, p. 44) discute um condicionante interessante ao afirmar
que:
T Vemos, aqui, germe da seleção pela matemática, pois ela servirá
2 para os eleitos. Quando estudada em profundidade, propicia-lhe
chegar à verdade. O seu uso para os cálculos cotidianos é considerado
desprezível, assim como eram os mercadores e negociantes frente aos
guerreiros. Está estabelecida a separação entre a matemática pura e a
aplicada, com a evidente valorização da primeira (p. 44).

Assim, o futuro professor precisa ser formado no sentido de compreender estes


condicionantes,que agem e condicionam, de modo velado e com pouca nitidez, a
aprendizagem dos estudantes, escolhendo e selecionando os “eleitos”, os que possuem
mais habilidade com a Matemática. Esse tipo de função social, esse tipo de “funil social”,
assumido há séculos pela Matemática, precisa ser compreendido pelo professor e não será
a partir de teorias gestadas numa esfera de práticas completamente distantes da esfera de
prática do professor que o docente tornará sua ação mais eficaz.
Esta função de “seleção” é reforçada pela herança e hegemonia de concepções
absolutistas no ambiente de ensino/aprendizagem, como a descrita por Santos (2008, p. 98):
Frege se refere aos axiomas como aquelas verdades irrefutáveis, para
as quais, contudo, não é possível nenhuma prova. Trata-se, portanto,
de um contra-senso tentar fornecer uma prova para uma verdade auto-
evidente, seja devido à natureza dessa verdade, que não admite, em
princípio, uma refutação, seja devido ao teor extremamente primitivo
do conteúdo do que é expresso na proposição. Os dois casos, muitas
vezes, se identificam numa única e mesma condição, aquela que
determina se uma afirmação pode ou não ser considerada um axioma
do ponto de vista clássico, uma verdade imediata e inabalável.

Em outro fragmento, Santos (2008, p. 99) destaca que:


O conhecimento legítimo é um dado irrefutável, visto que é auto-
evidente ou é obtido por meio de uma demonstração. Um conhecimento

78 Licenciatura em Matemática
se identifica sempre com uma afirmação verdadeira sobre algo. Isto
é, um conhecimento é sempre a compreensão de uma verdade. Não
é possível, portanto, um conhecimento sobre algo que não exista,
dado que nenhuma verdade, assim como nenhuma falsidade, pode ser
afirmada sobre o que não existe.

Para concluir esta seção, destacaremos de modo breve alguns pensamentos de A


Imre Lakatos (1922 – 1974), que se graduou em Matemática, Física e Filosofia, e então 3
iniciou suas pesquisas em Filosofia da Matemática. Também se dedicou à Filosofia
da Ciência. Ele foi ativo em Filosofia da Matemática entre T
os anos de 1950 e 1967, com algum trabalho retomado 2
em torno de 1973. Seu maior trabalho em Filosofia
ATENÇÃO!
da Matemática foi Provas e Refutações, republicado
postumamente em 1976. Falibilismo é a doutrina filosófica
Com respeito a Lakatos, Jesus (2002, p. 75) comenta segundo a qual não podemos ter
a certeza de qualquer forma de
que o matemático húngaro é considerado falibilista
conhecimento.
devido à influência do falseacionismo e do falibilismo de
Popper. Wittgenstein, por sua vez, ora é considerado o
mais estrito finitista, ora um convencionalista. Mas o que o caracterizou mesmo foi a
sua singularidade na tradição filosófica. Jesus (2002, p. 78) esclarece que:
Lakatos considera que a ciência constitui um dos jogos lingüísticos
legítimos. A filosofia da ciência, não. Segundo ele, o principal crime
dos filósofos da ciência de antanho – e dos filósofos da matemática e da
lógica – foi tentar erigir-se a si mesmos em um novo jogo de linguagem,
autônomo com respeito à ciência. Além disso, continua Lakatos, os
filósofos tradicionais queriam estabelecer um jogo de linguagem
incorreto com regras explícitas – os wittgensteinianos dizem mecânicas
– que separassem a ciência da pseudociência, e com critérios explícitos
de progresso e degeneração dentro da ciência.

Mais adiante, Jesus (2002, p. 80-81) diferencia o olhar e a análise generalista de


Karl Popper com o olhar e o posicionamento filosófico de Lakatos quando declara:
Paul Ernest situa as raízes da filosofia da matemática de Lakatos em
Hegel, em Polya e em Popper. Seguramente este último fora uma das
maiores influências no pensamento de Lakatos. Alguns paralelos dão
conta dessa influência: a metodologia de Popper é chamada de lógica da
descoberta científica; a metodologia de Lakatos: lógica da descoberta
matemática (LDM), o que é uma transposição direta, segundo Ernest.

História da Matemática 79
Outro exemplo é o nome do maior trabalho de Lakatos, Provas e
refutações é um jogo direto sobre Conjecturas e refutações de Popper.

A partir de Lakatos, a LDM passa a ser objeto de estudo filosófico nas ciências da
Matemática. De modo sistemático, Jesus (2002) propõe a seguinte tabela explicativa
que distingue o pensamento generalista de Popper (LDC – Lógica da Descoberta
A Científica) da visão específica e particular de Lakatos (LDM – Lógica da Descoberta
3 da Matemática), conforme figuras 4 e 5.

T
2

Figura 4: Diferença entre LDC e LDM (JESUS,2002, p. 81)

Figura 5: Comparação entre LDC e LDM (JESUS, 2002, p. 81)

Mais adiante, Jesus estabelece importantes diferenças entre posicionamentos


filosóficos assumidos por Popper e Lakatos. Jesus (2002, p. 81) recorre à análise do
neo filósofo Paul Ernest ao sublinhar que:
Além dessas semelhanças, Ernest chama a atenção para uma diferença
importante. Para Popper, não haveria conexão necessária entre o novo
problema ou nova conjectura e a conjectura original (refutada) e na sua
metodologia nada poderia ser dito sobre a gênese de conjecturas porque
esta pertenceria ao contexto da descoberta, e não à filosofia da ciência.
Para Lakatos, ao contrário, existiria uma continuidade essencial entre
a conjectura primitiva e a conjectura melhorada. A conexão é que a
crítica, a análise e o fortalecimento da prova da conjectura primitiva é
o que levariam à nova conjectura. Portanto, os contextos da descoberta
e da justificação são mantidos juntos, ao passo que, para Popper, eles
são separados.
E prossegue afirmando que
Em Provas e refutações, Lakatos propõe uma teoria da criação
do conhecimento em matemática que Ernest considera que pode ser

80 Licenciatura em Matemática
representada como segue: Dado um problema matemático (P) e uma
teoria matemática informal (T) um passo inicial na gênese de novo
conhecimento é a proposta de uma conjectura (C). O método de provas
e refutações é aplicado a essa conjectura, e uma prova informal da
conjectura é construída e então submetida à crítica, levando a uma
refutação informal. Em resposta a essa refutação, a conjectura, e
possivelmente também a teoria informal e o problema original, são A
modificados ou trocados em uma nova síntese, completando o ciclo 3
(JESUS, 2002, p. 91).
T
O posicionamento falibilista, a partir de Lakatos, proporcionou um grande avanço 2
no que diz respeito às doutrinas absolutistas do passado. Jesus (2002, p. 124) desenvolve
uma comparação interessante que pode iluminar nosso entendimento ao afirmar:
Uma área central da controvérsia entre absolutismo e falibilismo
na filosofia da matemática trata da distinção entre os contextos
da descoberta e da justificação. Para os absolutistas, o contexto da
justificação e o da descoberta dizem respeito a domínios distintos do
conhecimento; por isso, devem ser mantidos separados. O contexto da
justificação lidaria com condições objetivas e lógicas do conhecimento,
com a atividade racional da avaliação e da validação do conhecimento
constituído; portanto, lidaria com um objeto pertencente ao domínio da
epistemologia e da filosofia da matemática. O contexto da descoberta
trataria de circunstâncias contingentes da invenção humana ou
histórica, e por não ser um processo racional, não poderia ser tratado
lógica e objetivamente, constituindo, portanto, um objeto pertencente
ao domínio da psicologia ou da história da matemática.

Certamente esta discussão requer páginas e páginas para que possamos compreender
o pensamento de Imre Lakatos, entretanto não poemos deixar de ressaltar que este
posicionamento de Lakatos adquiriu vigor tanto na Filosofia da Matemática como na
Filosofia das Ciências. Como já discutimos na seção passada, é improvável a compreensão
do aprendiz por meio da seguinte trajetória geral ® particular . Assim compreendendo,
a Lógica da Descoberta Matemática (LDM), por exemplo, se tornará mais acessível ao
entendimento do movimento proposto por Popper, denominado pelo próprio de Lógica
da Descoberta Científica (LDC), que se caracteriza pela trajetória particular ® geral .
Na próxima seção veremos alguns exemplos específicos do ensino de Álgebra,
que recorre de modo frequente às definições matemáticas formais.

História da Matemática 81
03
TÓPICO AS CARACTERÍSTICAS DE
UMA DEFINIÇÃO MATEMÁTICA
E O ENSINO DE ÁLGEBRA

A
OBJETIVO
1
2 Identificar as características de uma definição

T matemática vinculando-as ao ensino.

1
2
3
4

N as aulas próximas aulas introduziremos a discussão de outras correntes


filosóficas que se ocuparam pela investigação científica filosófica acerca
da natureza das definições matemáticas. O consenso nesta seara de
perquirição não é preponderante e regra entre os pensadores, todavia, antes de
discutirmos suas vertentes de modo individualizado, vale recordar que Kluth (2005,
p. 12) explicita o papel das definições matemáticas e dos teoremas que funcionam
como guias construtores de definições na atividade algébrica do alunos, quando
menciona:
A apresentação das estruturas da Álgebra nos livros de Matemática
dá-se por meio de definições. Espera-se que, lendo-as e possuindo um
prévio conhecimento de outras definições e teoremas, os significados
das estruturas da Álgebra possam vir à tona, como uma articulação

82 Licenciatura em Matemática
de resultados plenos de sentido matemático, dos quais possam ser
deduzidas asserções que constituirão a teoria num processo lógico-
dedutivo, caracterizando-se como o estudo das estruturas. Esse é o
movimento do pensar que se mostra na construção do conhecimento das
estruturas da álgebra nos livros de Álgebra em geral e, em particular,
no livro que vinha sendo adotado no programa da disciplina de Álgebra
Abstrata que eu ministrava. A
3
Kluth (2005, p. 175), em determinado momento, indica as consequências e
condicionamentos impostos pelas correntes filosóficas absolutistas quando comenta: T
ao educar-se, tendo como material de apoio a Matemática, evidencia- 3
se, na maioria das vezes, o pensar técnico, prático e utilitário
em detrimento dos aspectos essenciais da Matemática como uma
Modulação de mundo. [...] o conhecimento aprofundado e amplificado
dos objetos da Matemática, que englobam técnicas, teorias, análises
e reflexões sobre essa Modulação, possam auxiliar os Educadores
Matemáticos a exercerem sua professoralidade, até mesmo nas ações
cotidianas mais comuns, como por exemplo, ao decidir qual definição
vai apresentar aos seus alunos. [...] As definições podem, ou não,
apresentar a priori sintético e a priori estrutural.

Observamos no trecho uma reflexão feita pela autora, uma professora de


Matemática. Destaca-se sua preocupação com respeito ao domínio aprofundado do
conhecimento que se tenciona explicar/ensinar. Sem tal aprofundamento, um ensino
“lúdico” e apoiado em atividades “prazerosas”, como muitos desavisados defendem,
torna-se um episódio rápido e passageiro, uma vez que, no momento da avaliação,
por meio de condicionantes absolutistas, é bem mais fácil ater-se ao gabarito das
provas. Principalmente no caso da Álgebra em que a linguagem, e, portanto, o
domínio sintático, em detrimento do domínio semântico, é priorizada.
De fato, neste contexto, o domínio sintático encobre muitos significados
dos conceitos. No final, resta ao aluno apenas as habilidades algorítmicas que
funcionam, embora não forneçam ou construam um significado do que se esperava
ser aprendido. Por exemplo, quando se toma S = 1 + a + a 2 + ........ , logo o
professor de Matemática, multiplica a expressão: a × S = a + a 2 + a 3 + ........ .
Portanto, temos S = 1 + (a + a 2 + ........) = 1 + a × S Þ S = 1 + a × S Û (1 - a ) × S = 1 .
1
Ou seja, S = . Neste tipo de “malabarismo algébrico”, não nos atemos de
1- a

História da Matemática 83
modo recorrente ao significado dos elementos pertencentes às inferências lógicas
empregadas, e sim à própria simbologia. Mas quando refletimos a respeito do que
foi obtido, vemos que a soma de parcelas infinita 1 + a + a 2 + ........ é equivalente à
execução de duas operações apenas. A primeira, uma subtração da unidade por “a”,
em seguida a divisão da unidade “1” por “1-a”. Isto foi motivo de desconfiança para
muitos matemáticos do passado.
A Exemplos como estes e outros são discutidos por Otte (1991) quando descreve o
3 raciocínio algorítmico. Tal raciocínio proporciona, na maioria dos casos, a resolução
e a obtenção da resposta esperada pelo professor, todavia, qual o significado dos
T valores encontrados?
3 Na figura abaixo, vemos a ilustração de um labirinto. Por meio de uma instrução
ou por meio de um conjunto de regras a priori conhecidas (Figura 5), um estudante
perdido dentro deste labirinto certamente conseguirá sair e se livrar desta situação
periclitante. Entretanto, Otte (1991) questiona se o estudante se torna mais sábio ou
inteligente pelo fato de conseguir lograr êxito na situação.

Figura 6: A metáfora do Labirinto desenvolvida por Otte (1991, p. 286).

1. Escolha uma direção inicial arbitrária, chame-a de “norte” e vire-se para essa
direção;
2. Vá em direção ao “norte” em linha reta até encontrar um obstáculo;
3. Vire à esquerda até que esse obstáculo esteja à sua direita;
4. Contorne o obstáculo, mantendo-o à sua direita até que a volta total (incluindo
a volta inicial do passo 3) seja igual a zero.

De modo semelhante, vemos isto ocorrer no ensino de Álgebra. Os estudantes


aprendem rotinas que envolvem “malabarismos algébricos” descritos e estabelecidos
de modo arbitrário pelo professor. Tais rotinas “funcionam”, adquirem status de
conduzir os estudantes sempre a um resultado. Basta entrarmos com os dados
iniciais e obteremos uma resposta. As próprias regras encerram o caráter de verdade

84 Licenciatura em Matemática
e justificam e determinam toda a aprendizagem.
Na História da Matemática, estes condicionamentos e obstáculos filosóficos são
apontados num trecho de um livro de Caraça (1951, p. 166), que denuncia:
De todas as surpresas que a história das Matemáticas nos apresenta,
a menor não é certamente esta – que, antes de os números negativos
serem considerados como verdadeiros números, já eram conhecidas
e praticadas quase todas as regras operatórias sobre os números A
complexos, coisa que parece simplesmente absurda, uma vez que, 3
os números complexos resultam de raízes quadradas de números
negativos. A razão é esta – que os matemáticos se resignavam ao T
formalismo, consentindo em criar e usar aquelas regras convenientes 3
para efetuar um calculo que fornecesse um resultado desejado; mas
daí a considerarem todos os símbolos sobre que operavam como
números, isto é, uma grande distancia, aquela distancia que separa
um simples expediente de manipulação, do cuidado, mais profundo, da
compreensão (p. 166).

Os elementos apontados acima podem ser registrados facilmente em sala de aula,


a partir da práxis do professor de Matemática, entretanto seria ingênuo entendê-los
como elementos isolados em uma esfera de práticas específicas do nosso professor.
Assim, preferimos um posicionamento crítico e filosófico no sentido de interpretar
estes e outros condicionantes como herança das visões filosóficas de matemáticos
dos séculos passados.
Na próxima aula, abordaremos outro tema polêmico e de natureza filosófica. Assim
como no caso das definições matemáticas formais, esta futura temática apresenta um
caráter de neutralidade, todavia veremos que está condicionada à dependência da
corrente filosófica predominante do momento histórico em que está inserida.

História da Matemática 85
Aula 4
As dimensões filosóficas da intuição, seu papel da
atividade do matemático e alguns paradoxos

A capacidade ontológica humana, característica de uma habilidade cognitiva que


chamamos de intuição, revelou enorme importância tanto para a pesquisa como
para a atividade do matemático, e consequentemente do professor. Nesta aula,
discutiremos alguns elementos epistemológicos e filosóficos relacionados a uma te-
mática que recebeu atenção e reflexão de matemáticos, filósofos, epistemólogos,
psicólogos, entre outros estudiosos interessados na capacidade do homem produzir
conhecimento.

Objetivo:
• Reconhecer as características e os aspectos filosóficos da intuição matemática.
• Descrever o papel da intuição na atividade investigativa.
• Identificar paradoxos e situações em que o raciocínio intuitivo conduz a falsas concepções.

87
01
TÓPICO
AS DIMENSÕES FILOSÓFICAS
DA INTUIÇÃO MATEMÁTICA

OBJETIVO
Reconhecer as características e os aspectos
filosóficos da intuição matemática.

N as aulas passadas discutimos as filosofias absolutistas da Matemática.


Destacamos também algumas de suas consequências no ensino atual e
suas condicionantes com respeito à práxis do professor de Matemática.
Nesta aula, detalharemos uma discussão relacionada à intuição matemática. Veremos
que matemáticos, epistemólogos, filósofos e outros pensadores, se detiveram à busca
de compreender tal faculdade psíquica que intervém em todo momento na criação
matemática. Mas não se pode falar de intuição sem mencionarmos outra característica
ontológica do ser humano conhecida por percepção.
De fato, o interesse pela percepção que nos permite captar, entender e interpretar
o mundo que nos cerca remonta à história dos povos antigos. A civilização helênica,
de modo insuperável, foi a que deu a maior contribuição, o que permitiu distingui-
la de outras civilizações. De fato, os gregos, desde cedo, refletiram sobre a relação

88 Licenciatura em Matemática
entre homem e objeto e sobre os elementos da relação estabelecida que permitem
compreender e investigar propriedades intrínsecas do objeto.
Entendemos bem esse posicionamento dos antigos gregos quando
observamos as afirmações de Aristóteles, presentes no texto Boutroux (1908) quando
declarava que:
Querer conhecer os fatos, não apenas do modo como se apresentam
mas, também, do modo como devem ser é querer resolver o contingente A
e o necessário. É necessário, todavia, investigar as condições pelas 4
quais o espírito concebe algo como necessário; em outras palavras,
é necessário inicialmente encarar a ciência em sua forma, abstração T
feita do seu conteúdo: é o objeto da lógica (BOUTROUX, 1908, p. 116, 1
tradução nossa.)

Étienne Émile Marie Boutroux (1845-1921), filósofo


e historiador francês, descreveu a preocupação de
Aristóteles em conhecer e sistematizar os dados
pesquisados. Boutroux destaca, ainda, como vemos no VOCÊ SABIA?
final do excerto acima, que um dos elementos que podem
Os jônios, ou jônicos, representavam
promover o entendimento na investigação do espírito é a um povo indo-europeu e ficaram
Lógica. conhecidos pela grande organização
social e tradição militar. Participaram
Um dos povos da Grécia Antiga, os jônicos atribuíam
ativamente da expansão grega e
papel de relevo às ciências matemáticas que recorrem à colaboraram significativamente com o
Lógica para o estabelecimento de diversos fundamentos, desenvolvimento da cultura na Grécia
apesar de, em sua origem, a Matemática não ter obedecido Antiga, principalmente, da ciência e do
racionalismo. Os jônios foram um dos
a regras explícitas e fórmulas bem formadas que quatro povos que formaram o povo
explicassem sua gênese. Desse modo, a contribuição desse grego, junto com os aqueus, eólios e
povo helênico, no sentido da sistematização e depuração dórios.

das crenças e concepções que, em alguns casos, formamos (Disponível em: <www.suapesquisa.
com/grecia/jonios.htm>)
a partir dos nossos sentidos, é inigualável. Recorremos
mais uma vez a Boutroux, que extrai um ensinamento
influenciado pela tradição helênica, quando afirma que:
No que concerne à inteligência, uma boa educação aprimora e dirige
as faculdades, mais do que força a memória. Existem dois exercícios
da faculdade: um é livre, é o jogo; o outro imposto é o trabalho. Este
último é obrigatório por si mesmo e no ensino não é substituído
pelo primeiro. A faculdade da intuição deve ser formada antes do
entendimento. Todo ensino será inicialmente intuitivo, representativo e
técnico (BOUTROUX, 1908, p. 394, tradução nossa.)

História da Matemática 89
No final do excerto, vemos claramente a orientação e valorização de um ensino
intuitivo, entretanto, se desconhecemos a natureza, a fonte, o propósito e as
possibilidades alcançadas pelo entendimento humano ao fazer uso da habilidade ou
faculdade intuitiva, caminharemos por uma via infrutífera que torna inexequível
seguir o ensinamento de Boutroux.
A intuição mereceu atenção de Immanuel Kant (1724-1804). Kant assegurava que
A um conceito permanecia vazio a menos que o mesmo se correspondesse com a intuição;
4 intuição é necessária para o estabelecimento de uma realidade objetiva do conceito, isto
é, a possibilidade de uma instância (KANT, apud PARSONS, 2008, p. 8).
T Kant se interessou de modo especial pelas figuras geométricas na Matemática,
1 as quais denominava formas (empíricas) ou objetos. Nas provas, tais objetos são
construídos intuitivamente (no sentido de que podem ser intuídos). Representações
intuitivas surgem também na Matemática a partir de outros objetos, embora para os
números de modo particular estas surgem a partir de uma intuição mais indireta do que
as formas geométricas (KANT apud PARSONS, 2008, p. 8).
Parsons (2008, p. 8) dedica algumas páginas de sua obra para explicar o termo em
inglês “intuitability”, que traduziremos por a capacidade de aprender por intuição.
Parsons caracteriza o mencionado termo na acepção de uma condição geral dos
objetos. O autor recorda que Kant empregava o termo intuição (intuition) como uma
representação imediata de um objeto individual (2008, p. 8).
Por outro lado, que significado atribuímos ao termo “imediato” (immediate)?
Conforme o autor, este termo foi fruto de intensa polêmica. Retornando à discussão
do termo intuitability e o papel da intuição, observamos que seu conceito ocupa
um lugar não trivial de discussão entre diferentes noções que merecem atenção por
parte de filósofos e matemáticos.
Na Matemática, a importância do seu papel foi defendida por alguns e atacada
por outros, como recorda Parsons (2008, p. 139). Num âmbito filosófico, intuição
é mencionada em ambas as relações estabelecidas com objetos e relações com
proposições. Parsons usa as expressões “intuition of” e “intuition that” para marcar
as duas relações possíveis na perspectiva de alguns filósofos.
Para compreender o significado do termo “intuition of” e “intuition that” e o seu
emprego no âmbito filosófico, recorremos as suas ponderações:
O que fornece à “intuition of” um importante local na filosofia é
provavelmente o fato de que Kant´s Anschauung é intuição de objetos.
Todavia, Kant certamente confere ao conhecimento intuitivo uma
indicação do que seria uma espécie de “intuition of”. Eu penso ser
bastante claro que Kant possuía tal concepção, porém não as designou

90 Licenciatura em Matemática
pelo termo Anschauung ou igualmente usado como na frase anschauliche
Erknntnis (PARSONS, 2008, p. 140, tradução nossa.)

Pode-se falar, seguindo-se esta tradição de influencia kantiana, em intuição


de objetos e intuição de verdades, embora, neste último caso, alguns dilemas e
ambiguidades de âmbito filosófico precisem ser esclarecidos. Parsons (2008, p. 140)
diz que quando temos uma intuição sobre à (proposição), isto significa que seguimos A
tal proposição. Por exemplo, quando um filósofo fala sobre suas ou sobre as intuições 4
dos outros, isto frequentemente significa que a pessoa em questão está inclinada a
acreditar, pelo menos no início da inquirição, ou apenas como uma matéria do senso T
comum. 1
Nesse sentido, as intuições não precisam ser sempre verdadeiras. Elas podem
ser guias bastante falíveis para o alcance da verdade. Parsons analisa as concepções
e os sentidos atribuídos por figuras ilustres ao termo intuição. Quando menciona
Descartes, explica que o filósofo e matemático francês diferenciava intuição de
dedução. Em sua acepção, a conclusão de uma inferência poderia não ser intuição.
Na discussão das fontes de conhecimento, não apenas a intuição seria
distinguível dos resultados dos argumentos envolvendo inferências,
porém tais resultados poderiam não se tratar de intuição, embora
possivelmente uma proposição possa ser ou não conhecida por intuição
(PARSONS, 2008, p. 142).

Mais adiante, o autor destaca que a explicação de


Descartes de intuitio apresentada na Regras (Rules)
fornece uma analogia com percepção. E é claro que se SAIBA MAIS!
refere a intuition that nos exemplos que Descarte fornece
Quer saber um pouco mais sobre
na Regra Terceira para todo proposição (PARSONS, 2008,
Edmund Husserl, acesse http://
p. 144). Já em relação a Leibniz, Parsons afirma que o educacao.uol.com.br/biografias/
filósofo e matemático alemão não usa tais analogias como edmund-husserl.jhtm
Descartes, em suas explicações acerca do conhecimento
claro e distinto na obra “Meditations on Knowledge, truth and ideas” (1684). E
existe um contraste comparativo entre intuitivo (intuitive) e o conhecimento cego
ou simbólico. Nesse sentido, conhecimento de uma noção é intuitivo quando podemos
considerar todos os seus componentes ao mesmo tempo (PARSONS, 2008, p. 145).
Outra figura emblemática discutida por Parsons é Edmund Husserl, para quem a
noção de intuição assume uma posição de significância geral. Na sua teoria, equivale
aos atos ou experiências intencionais que constituem nossa consciência e às relações

História da Matemática 91
com o objeto. Tal relação é realizada ou cumprida se o objeto se apresenta à intuição
(ou ao menos representado na imaginação); no caso da intuição atual (actual intuition)
(PARSONS, 2008, p. 145).
Por outro lado, pode-se identificar uma estreita conexão dos pensamentos
kantianos e husserlianos, como destaca Parsons, no que diz respeito à noção de
intuition that e intuition of. De acordo com Kant, intuition (que nós temos observado
A como intuition of) em Matemática confere evidência ao que é imediato, como, por
4 exemplo, o caso dos axiomas. Mas, evidentemente, a imediaticidade de um julgamento
origina-se da construção da intuição sobre um objeto (PARSONS, 2008, p. 146).
T Parsons (2008, p. 146) explica ainda que:
1 Tipicamente, uma proposição envolve referências aos objetos,
evidência envolverá a intuição destes objetos, porém eles
fazem parte dos constituintes de estágio de acontecimentos
que são intuitivamente presentes, pelos menos no caso ideal
SAIBA MAIS!
(tradução nossa).
Acesse http://pt.wikipedia.org/wiki/
Kurt_G%C3%B6del e conheça um
Parsons analisa também a perspectiva de Gödel,
pouco da vida e obra de Kurt Gödel.
matemático austríaco, para quem deve existir algo
semelhante à percepção na teoria dos conjuntos. Ele recorda que em virtude da
clareza de determinadas proposições e declarações na teoria dos conjuntos, pode-se
contar neste caso com a intuition that. Certamente que
esta possui um estrito vínculo com a intuition of e, neste sentido, vale
observar que a intuition that permanece de algum modo vinculada a
intuition of. E intuition of é algo que se pode esperar quando a intuition
that é análoga à percepção, desde que um dos elementos centrais da
percepção seja a própria presença do objeto percebido. Por exemplo,
sabemos por percepção que minha bicicleta é azul ao vê-la. Alguém
que nunca viu minha bicicleta nunca saberá algo sobre a mesma por
meio da percepção num sentido mais direto (PARSONS, 2008, p. 147).

As palavras de Parsons são promissoras no âmbito do ensino de Cálculo


Diferencial e Integral. De fato, quando comparamos os estudantes submetidos ao
ensino tradicional desta matéria, que privilegia a formalização e o estabelecimento
da verdade de enunciados a respeito da derivada parcial, com os estudantes que
são levados a conhecer o referido objeto por intermédio de crenças perceptuais
adequadas, depreendemos, a partir da diferença estabelecida por Parsons, que os
primeiros conhecem o objeto derivada por intermédio da intuition that e nunca

92 Licenciatura em Matemática
construirão nenhuma crença por meio da percepção. No segundo caso, os estudantes
contam com a própria presença (na tela do computador) do objeto que chamamos de
derivada parcial.
Retomando nossa discussão filosófica, sublinhamos que debilidade da intuição
sensível, segundo Bunge (1996, p. 21) é a fonte de nossos juízos de percepção. Deste
modo, sempre corremos algum risco ao desenvolver raciocínios rápidos e breves,
alicerçados por crenças perceptuais e, neste patamar, não se pode contar com o A
alcance da verdade matemática. 4
De fato, Bunge (1996, p. 60) comenta que hoje se compreende que nem todas as
entidades, relações e operações se originam na intuição sensível e se reconhece que T
a evidência não serve de critério de verdade e que as provas não podem se apresentar 1
somente por figuras, pois os raciocínios são invisíveis. Desse modo, com o fracasso
das intuições sensíveis e espaciais (ou geométricas) como guia para a construção
da Matemática, observamos o surgimento de concepções matemático-filosóficas que
caracterizariam a intuição pura.
Nesse contexto, uma corrente de pensamento matemático denominada
intuicionismo matemático (discutida na aula 2) se caracterizou como: a) uma reação
contra os exageros do logicismo e do formalismo; b) uma tentativa de resgatar a
Matemática do naufrágio que parecia ameaçar no início do século, como o resultado do
descobrimento dos paradoxos na teoria dos conjuntos; c) um produto menor da filosofia
kantiana (BUNGE, 1996, p. 61).
Na próxima seção discutiremos a relevância e a função da intuição na atividade
do matemático profissional.

História da Matemática 93
02
TÓPICO
O PAPEL DA INTUIÇÃO DA
ATIVIDADE DO MATEMÁTICO

OBJETIVO
Descrever o papel da intuição na atividade
investigativa.

D ecididamente, quando nos atemos ao fenômeno do ensino de Matemática,


questionamos até que ponto esta claro para o entendimento do professor
de Matemática, o papel e as formas de manifestação do raciocínio
intuitivo. Para compreender tal função inerente à atividade matemática, torna-se
imprescindível que entendamos o caráter de ubiqüidade da intuição matemática,
tanto no contexto escolar como no contexto acadêmico. O matemático Jean
Dieudonné (1906-1992) descreve uma maneira particular na qual a intuição exerce
seu papel coercitivo, ao declarar que:
Semelhantemente a vida da maioria dos sábios, a vida do matemático
é dominada por uma curiosidade insaciável, uma vontade de resolver
os problemas estudados que confirmam sua paixão e que conduzem à
realização de uma abstração quase total da realidade do ambiente; as

94 Licenciatura em Matemática
distrações ou excentricidades matemáticas célebres não possuem outra
origem. É que a descoberta de uma demonstração não se obtém em
geral sem o auxílio de períodos de concentração intenso que se renovam
possivelmente por meses ou anos até que o resultado pretendido seja
alcançado (DIEUDONNÉ, 1987, p. 19, tradução nossa.)

A intuição matemática sempre despertou o interesse de muitos filósofos. Parte A


desses interesses se caracterizava pela compreensão do tipo de ligação que a intuição 4
permite, especialmente, com a verdade ou, pelo menos, com a ausência do erro.
Observamos uma reflexão particular do filósofo inglês John Locke (1632-1704), T
sobre o conhecimento geométrico presente na Matemática. Stewart (1821, p. 23) 2
destaca este episódio ao lembrar que:
Há muito tempo Locke destacou, à respeito dos axiomas da Geometria,
estabelecidos por Euclides, que embora a proposição seja inicialmente
enunciada em termos gerais, e posteriormente fazendo recurso na
particularidade de suas aplicações, como o princípio previamente
examinado e admitido, todavia a verdade não é menos evidente neste
último caso do que no padrão inicial. Ele observou mais adiante que em
algumas de suas aplicações que a verdade de cada axioma é percebida
pela mente e, todavia, a proposição geral, distante do local onde foi
assentada e da verdade que encerra, é apenas uma generalização
verbal do que, em instâncias particulares, foi aceito como verdade
(tradução nossa).

Stewart aponta a preocupação manifesta por Locke a respeito da origem ou a fonte


da verdade matemática. A verdade deste tipo de saber é originada nos enunciados
mais gerais e distanciados das aplicações ou nos casos particulares em que vemos suas
aplicações? Em situações mais perceptíveis e menos abstratas a verdade matemática
está mais próxima do nosso entendimento?
Um elemento que merece atenção diante da situação pouco complexa observada
por Locke que é exemplificada por Mill (1869) diz respeito à possibilidade de que
enquanto tal verdade não se estabelece, enquanto a incerteza sobre o que conhecemos
da Geometria e como conhecemos não for reduzida a zero, a intuição desempenhará
um papel importante.
Mas é possível reduzir a zero nossas incertezas com a intenção de atingirmos
a verdade durante a investigação? Qual ou quais verdades podemos identificar no
saber matemático? E na condição de se atingi-la, de onde partimos e como saber se a

História da Matemática 95
alcançamos? Algumas destes questionamentos não constituem simples tarefas para
se responder em poucos parágrafos, entretanto destacamos os que se aproximam da
nossa temática. Por exemplo, existe uma verdade única na Matemática? Guerrier
(2005, p. 12), por exemplo, destaca que:
A questão de saber se a verdade vincula-se ao domínio da Matemática
ou ao domínio da Lógica é uma questão bem antiga. Aristóteles
A distinguia as verdades de fato (vérités de facto) e as verdades
4 necessárias (vérités nécessaires). Aquelas obtidas como conclusão de
um silogismo concluído a partir de premissas verdadeiras; e as últimas
T são os objetos da Lógica (tradução nossa).
2
E enquanto buscamos e ainda não alcançamos
uma verdade necessária, como chamava Aristóteles,
raciocinamos intuitivamente? E nesta condição, ou seja,
SAIBA MAIS!
por meio da intuição, obteremos tal verdade?
A História da Ciência evidencia o Vale lembrar que Frege considera que não se pode sempre
recurso ao apelo intuitivo para a
edificação posterior de várias teorias. confiar na intuição (GUERRIER, 2005, p. 13). Todavia, para
Na Física, Almaraz (1997, p. 11) que haja a compreensão e a certeza de estarmos fazendo
recorda que Einstein obteve, por meio uso da intuição, mesmo no caso em que buscamos uma
de imagens mentais, indícios intuitivos
verdade necessária, como na prática comum do matemático,
que o serviram para elaborar a Teoria
da Relatividade. necessitamos definir o vocábulo “intuição matemática”.
Neste momento nos deparamos com outro entrave
histórico e filosófico. De fato, Boutroux (1920, p. 224) lembra que:
Pascal, melhor do que Descartes caracterizou a intuição. E o mesmo
escreveu uma vez: Nós conhecemos a verdade, não somente pela
razão, mais, sobretudo pelo coração; e é por esta última sorte que nós
conhecemos os princípios primeiros, e é neste terreno que raciocinamos,
e não existe outro ponto de partida, outra sorte de combater... E é
sobre este conhecimento do coração e do instinto que a razão se apóia e
fundamenta todo o seu discurso (tradução nossa).

Mais adiante Boutroux adverte que:


Os intelectuais modernos, contudo, não buscam eles mesmos explicar,
eles não pretendem compreender completamente em que consiste e em
que condições podem agir por intuição. As definições que eles fornecem
permanecem na maioria das vezes negativas. As verdades matemática,
dizem eles, não são nem conseqüência de fatos experimentais e nem

96 Licenciatura em Matemática
resultado de construções ou deduções lógicas. Portanto, eles supõem
um modo de percepção que não se confunde, nem com a experiência
dos sentidos, nem com o raciocínio. Temos consciência deste modo de
percepção por alguns instantes de pratica (no trabalho de descoberta),
e nos parece que ele não se assemelha a nenhum conhecimento
demonstrativo (BOUTROUX, 1920, p. 225, tradução nossa).
A
Ficam patentes nas afirmações de Boutroux duas dimensões a considerar: a primeira 4
relaciona o caráter afetivo/motivacional, enquanto a segundo diz respeito ao campo
epistêmico. Sublinhamos o termo afetivo/motivacional, uma vez que, na atividade T
do matemático, apesar de nem sempre ser claro para o próprio investigador, a busca 2
pela estética se relaciona de modo íntimo com a ação de descoberta e invenção.
Burton (2004, p. 66) desenvolveu um interessante estudo que fornece certos
indícios promissores. Ele caracterizou três características da estética: a função
generativa, a função avaliativa e a função motivacional. Com referência às três
características mencionadas, explica:
A função generativa foca no papel da estética na invenção e descoberta
matemática; a avaliativa tipicamente se manifesta nos próprios
julgamentos de um produto matemático, tal como um teorema; a
função motivacional relaciona-se com o papel da estética na medida
em que induz ou inspira a atividade matemática. Outra igualmente
importante dimensão que se deve considerar é a epistemológia baseada
na estética deve apresentar uma função de: De que modo opera ou
funciona a estética como um modo de conhecer? (BURTON, 2004, p.
66, tradução nossa).

No trecho acima observamos a relação entre a função generativa da estética com


a invenção e descoberta. Note-se que, nesses momentos, o matemático, sob um
ponto de vista psicológico, habita um mundo de incertezas, inseguranças e dúvidas.
Situação bem diferente da execução de uma prova matemática que requer exatidão,
generalidade, conexões lógicas e o conhecimento da estrutura matemática com a
qual está lidando.
Burton ressalva que, no âmbito de obtenção de um caminho para a aquisição de
conhecimento, a função generativa da estética adquire, na opinião dos matemáticos
participantes do seu estudo, um caráter de acessibilidade, interesse, satisfação,
simetria, transparência e surpresa. Burton (2004, p. 71) relata, em seu estudo empírico
que envolveu a participação de cerca de 80 participantes, que os matemáticos não
falaram a respeito do papel da imaginação.

História da Matemática 97
A estética, para a maioria dos entrevistados, era concebida como um produto
da cultura dos matemáticos, dentro desta, a comunidade a constitui como: estrutura,
compacidade, conexão ou qualquer outra categoria funcional para a obtenção de
conhecimento, particularmente, na relação com o produto matemático, provas e
teoremas. Por outro lado, é importante distinguir o cognitivo do afetivo. E no caso
destes dois modelos componentes, a estética e a intuição parecem ser inexplicavelmente
A interconectadas (BURTON, 2004, p. 72).
4 Burton (2004, p. 72) acrescenta ainda que a intuição
fornece, para muitos, a energia convincente que motiva
T e justifica o trabalho necessário na produção de estética a
2 qual um número de matemáticos chama de “euphoria” que
SAIBA MAIS!
acompanha a resolução de problema. Embora para muitos,
Sauriau (1881, p. 121) diz que quando ainda que nem todos destes matemáticos tenham sido
mencionamos, por exemplo, a palavra
consultados no seu estudo, a estética e a intuição parecem
‘triângulo’, ou se a vemos escrita,
imaginamos imediatamente a figura preencher diferentes funções psicológicas, evidenciamos
geométrica que aprendemos associar uma exaltação no reconhecimento da ligação da estética
a este som ou letras. E de modo
mais conectada com a prova.
similar, se pronuncio ou escrevo esta
palavra, sabemos que a mesma não Hadamard (1945, p. 41) nos fornece uma
faltará em me sugerir uma concepção interessante explicação a respeito da noção de estética e
semelhante. Assim, as palavras
prova ao mencionar que:
possuem a propriedade de despertar
em nossos espíritos certas imagens, que Pode ser surpreendente ver a sensibilidade emocional evocada
são o que denomino de significação. nas demonstrações matemáticas que, aparentemente,
interessam apenas ao intelecto. [...] Esta é a verdadeira
estética do sentimento que todos os matemáticos conhecem, e certamente
pertence à sensibilidade emocional (tradução nossa).
Assim como outros pensadores, Jacques Salomon Hadamard (1865-1963) comenta
o papel do elemento afetivo, tanto na descoberta como na invenção matemática, que o
mesmo faz questão de diferenciar. Hadamard discute também outros elementos nem
sempre explícitos na atividade do matemático que se relacionam de algum modo
com a faculdade intuitiva. Com esta perspectiva, Hadamard discute os momentos
em que o matemático trabalha de modo consciente na atividade solucionadora de
problemas e outros momentos em que ocorrem determinados fenômenos mentais
sem o controle intencional e um pensamento sistemático.
Hadarmard discute alguns pontos de vista fornecidos por Henri Poincaré.
Recorda que Poincaré salientava a importância da intervenção de uma atividade
consciente, após uma atividade mental inconsciente, não apenas para o emprego
de uma linguagem conveniente, mas também para verificar e precisar os resultados

98 Licenciatura em Matemática
finais, uma vez que é flagrante a insistência de Poincaré na atribuição de uma
significação geométrica antes mesmo de possuir uma demonstração (ROBADEY, 2006,
p. 1999). No que diz respeito à verificação dos resultados, Hadarmard (1945, p. 64)
esclarece que o sentimento de certeza absoluta que acompanha a inspiração geralmente
corresponde à verdade; porém, este pode nos enganar.
Em todo caso, seja num momento de esforço mental consciente ou estágio
mental inconsciente em que se encontre o matemático, as imagens mentais e A
representações que alicerçam uma ideia particular proporcionam o terreno para a 4
atividade intuitiva. Neste sentido, Souriau (1881, p. 12) explica:
As imagens que concebemos a cada momento T
não surgem do caos, mas de um pensamento 2
anterior. Antes que nossas ideias se combinem
numa ordem presente, elas possuíam já certa
SAIBA MAIS!
ordem, ou nosso espírito já apresentava
determinada organização. Na medida em Sauriau (1881, p. 128) explica que
a linguagem é capaz de substituir o
que em concebemos um pensamento novo,
pensamento, uma vez que as palavras
consideramos certo tipo de inteligência podem substituir as ideias, ao menos
adquirida, e tal inteligência determinará, provisoriamente, e ver de que modo
pode ser feito o emprego de signos no
pelo menos em parte, o tipo de pensamento
trabalho da invenção.
que conceberemos (tradução nossa).

Hadamard discute algumas das ideias de Paul Souriau, como a que destacamos no
trecho acima. A expressão “pensar de lado” teve origem com Paul Souriau (1852 –
1926), com seu livro “Théorie de L’Invention”, de 1881. Tal atividade mental requer
o emprego da intuição, na medida em que o indivíduo percebe a necessidade de
relacionar as ideias objetivadas quando ‘pensava de lado’, e as ideias principais
que buscava compreender. Notamos que, em todo caso, as ideias se combinam na
dependência das imagens que formamos.
Por outro lado, quando falamos do aluno ou do indivíduo que tenta compreender
um raciocínio empregado por um matemático profissional, identificamos dificuldades
consideráveis, uma vez que:
Na procura de se abstrair ao máximo, o matemático se priva de uma
determinada sorte de intuição e priva de modo similar o leitor que não
compreende mais o porquê das definições e acredita se perder numa
nuvem escura (QUENNEAU, 1978, p. 23).

Quenneau aponta um hábito peculiar na frente investigativa que em muitos casos


se manifesta na sala de aula do locus acadêmico. Paradoxalmente, observamos uma

História da Matemática 99
mudança do modus operandi do matemático. De fato, enquanto, em sua pesquisa,
as imagens mentais e representações provisórias auxiliavam seu raciocínio, na sala
de aula, figuras ou representações que fornecem ideias particulares podiam ser
evitadas, em detrimento do alcance das ideias mais gerais que explicam os teoremas
que devem ser discutidos. Além disso, no âmbito de sua pesquisa, os problemas são
atacados, em muitos casos de modo indireto e de modo sistemático; entretanto, no
A seu ensino, apresenta argumentações diretas para a resolução definitiva de situações-
4 problema.
Acrescentamos que, em muitos casos, o tempo didático não permite o exercício
T da ‘incubação’ das ideias que, para Hadamard, possibilitava a combinação e
2 recombinação das ideias, de modo consciente ou não, com a expectativa do
alcance, de modo individual, de uma solução. Com isto temos a oportunidade de
proporcionar que o estudante vivencie situações de euforia e contentamento em
virtude do alcance de um objetivo.
Com consequência, o estudante não alcança o prazer de uma descoberta
matemática, como consequência do exercício de sua imaginação; e assim, não
compreende o que significa fazer Ciência. Hadamard (1945) comenta de modo
pitoresco o papel de imaginação quando considera que:
Imaginação, por si só, não possibilita fazer Ciência, entretanto, em
certos casos, devemos explorá-la. Primeiramente, focando o objeto
que desejamos considerar, prevenimos os desvios de percurso [...]
Imaginação pode ser essencial na solução de problemas por meio de
várias deduções, e os resultados precisam ser coordenados após uma
completa enumeração (p. 86, tradução nossa.)

Em sentido contrário, não fazemos Ciência e, de modo particular, não fazemos


Matemática quando desenvolvemos em nossos estudantes o hábito de exploração de
sua capacidade imaginativa. Resulta na eliminação paulatina do espírito inventivo
do estudante, que, segundo a opinião de Souriau (1881, p. 106), deve ser curioso e
original. Com isto, o estudante permanece indiferente à descoberta de uma verdade
matemática e não fará nenhum esforço para pensar. Mas para pensar energicamente,
é necessário o estabelecimento de um objetivo e o desejo de alcançá-lo, é necessário, em
uma única palavra, ser curioso (SOURIAU, 1881, p. 106).
Nesta seção analisamos alguns aspectos e elementos que explicam e se relacionam
de modo íntimo com a intuição. Na sequência, discutiremos alguns exemplos
particulares nos quais poderemos observar de que modo nossa intuição acarreta em
conclusões errôneas, paradoxos, surpresas inesperadas e uma flagrante contradição
com a teoria matemática formal.

100 Licenciatura em Matemática


A
4
T
2
03
TÓPICO
OS PARADOXOS RELACIONADOS
À INTUIÇÃO MATEMÁTICA

OBJETIVO
Identificar paradoxos e situações em que o
raciocínio intuitivo conduz a falsas concepções.

E m vários contextos nos deparamos com fatos matemáticos estranhos. De


fato, desde os períodos escolares aprendemos que o conjunto dos números
pares e o conjunto dos números impares fazem parte da ‘coleção’ que
chamamos de números naturais, todavia, formalmente falando, podemos afirmar que
existem mais naturais do que pares? Ou que existem mais números naturais do que
ímpares?
Outro conceito explicado de modo intuitivo e vago no contexto escolar é
conhecido como números racionais e irracionais. No contexto acadêmico (LIMA,
2010), encontramos argumentações dando conta que dado um intervalo (a, b) , no
mesmo podemos encontrar tanto um número racional como um número irracional.
Ora, argumentações como esta não constituem demonstrações formais, todavia,
tais propriedades relacionam-se com algumas operações aprendidas na academia

102 Licenciatura em Matemática


que preservam propriedades intrínsecas que podem contrariar nossos sentidos.
Neste sentido, um dos nossos primeiros exemplos é discutido por Caraça (1951,
p. 14) quando menciona que:
A nossa operação da contagem vai ainda fornecer-nos o modelo
(mas agora só o modelo) do que há a fazer para comparar os vários
tipos de infinito. Vimos que se realiza uma contagem fazendo
corresponder objetos a números; ‘Vejamos 58 será possível estender A
a ideia de correspondência aos conjuntos infinitos. Nada mais 4
fácil; pela correspondência, a cada elemento vem associado antro
pelo pensamento; não há mais que supor que esta operação - fazer T
corresponder a - se pode repetir indefinidamente. Ora, se já aceitámos, 3
duas vezes, a possibidade de repetição ilimitada dum certo ato mental
porque não a admitir agora? Assentemos, portanto, em que se estende
a conjuntos infinitos a noção de correspondência e vamos transportar
para eles, tanto quanto possível, as coisas já adquiridas, em especial a
noção de equivalência, tão importante, corno vimos, na contagem das
coleções finitas - se, entre os elementos de dois conjuntos infinitos, puder
estabelecer-se uma correspondência biunívoca, esses dois conjuntos
dizem-se equivalentes.

O trecho de Caraça faz referências a vários aspectos


interessantes. Inicialmente, o autor menciona a
necessidade de realizarmos uma contagem dos elementos
de um conjunto. Nos tempos atuais, quando dispomos
SAIBA MAIS!
de um conjunto A que apresenta uma quantidade finita
de objetos, que podemos denotar por Car ( A) < ¥ ( Paradoxo e antinomias: Em sentido
Car := cardinalidade ), por definição, diz-se que isto amplo, «paradoxo» significa o que
é «contrário à opinião recebida e
ocorre quando existe uma bijeção f : In ® A , onde
comum», ou à opinião admitida
In = {1,2,3,....., n} . Por exemplo, se temos dois conjuntos como válida. Em Filosofia, paradoxo
finitos A, B Ì U , onde Card ( A) = n e Card (B) = m , e designa o que é aparentemente
contraditório, mas que apesar de
se A Ì B , então, devemos ter que n £ m . Assim, por
tudo tem sentido. Em Matemática,
definição, podemos considerar duas bijeções f : In ® A fala-se muitas vezes de paradoxo
e f ' : Im ® B , onde In Ì Im = {1,2,3,...., m} . matemático ou paradoxo lógico, ou
seja, de uma contradição deduzida no
Por exemplo, quando consideramos os conjuntos
seio dos sistemas lógicos e das teorias
dos pares e ímpares à := {n = 2k, k Î } e matemáticas.
I := {n = 2k + 1, k Î } , notamos que à I=Æ.
Ademais, podemos intuir que à , I Ì  , entretanto
podemos realizar uma inferência visual na seguinte listagem:

História da Matemática 103


2 4 6 8 10 12 14 ........ 2n
1 2 3 4 5 6 7 n
De modo particular, relacionado com a noção de conjuntos infinitos e outras
noções, encontramos na matemática e na lógica um intenso debate que caracterizaram
paradoxos.

A
Uma das maneiras conhecidas de mostrar que o conjunto  ´  é enumerável,
4
isto é, que existe uma bijeção entre  ´  e  , (onde  = {0; 1; 2; …} é o conjunto
T dos números naturais), é exibir uma bijeção de  ´  sobre  , inspirada na figura:
3 (0; 0) (0; 1) (0; 2) (0; 3) …
(1; 0) (1; 1) (1; 2) (1; 3) …
(2; 0) (2; 1) (2; 2) (2; 3) …
(3; 0) (3; 1) (3; 2) (3; 3) …
… … … …

Observando-a, podemos conjecturar a seguinte enumeração dos elementos do


conjunto x : (0; 0); (1; 0); (0; 1); (2; 0); (1; 1); (0; 2); (3; 0); (2; 1); (1; 2); (0; 3);…
Ou seja, colocamos, sucessivamente, os pares (a; b) tais que a soma a + b assuma
os valores 0; 1; 2; 3; …, e dentro da cada grupamento que tenha a + b constante
(correspondente, na figura, a uma das diagonais indicadas), ordenamos os pares pela
ordem natural de sua segunda componente.
Obtém-se então a seguinte bijeção:
f : ´ → 
(0; 0) → 0
(1; 0) → 1
(0; 1) → 2
(2; 0) → 3
(1; 1) → 4
(0; 2) → 5
………….
Observamos que f(x; y) é o lugar que ocupa (x; y) nesta enumeração (como
estamos incluindo 0 em N, é preciso começar a contar a partir do 0-ésimo lugar).
Uma questão interessante é construir uma fórmula para esta função e utilizar esta
fórmula para provar que f é realmente uma bijeção descrita em f : x ®  . Para
isto, seja (x; y)  ´  . Observando a figura, vê-se que se (x; y) for tal que x + y =
s > 0, então o par (x; y) é precedido, pelo menos, por todos os pares (u; v) tais que u
+ v = 0; 1; 2;…;s – 1.

104 Licenciatura em Matemática


Existe um par que tem soma 0, dois que têm soma 1, e assim por diante, até s pares
s(s + 1)
que têm soma s – 1, de modo que esses pares são em número de 1 + ... + s = .
2
Além disto, já na sua diagonal, o par (x; y) é precedido por y pares.
(x + y )(x + y + 1) ( x + y )2 + x + 3 y
Portanto, f (x ; y ) = + y= .
2 2
Finalmente, constata-se diretamente que esta fórmula também é válida se (x; y) =
(0; 0). Podemos então afirmar que f é dada pela fórmula analítica: A
f : ´ ®  4
( x + y )2 + x + 3 y T
f (x ; y ) =
2 3
Eis um exemplo clássico em que nossa intuição parece contrariar o modelo lógico a
partir da constatação de que sendo a função bijetora, concluímos, por definição, que
os conjuntos x e  possuem a mesma quantidade de elementos. Para ilustrar
e relacionar com os nossos conhecimentos sobre Cálculo, plotamos o gráfico da
função f :  ´  ®  e damos ênfase aos pares ordenados do plano (x, y ) Î  ´ 
nos quais a função originariamente está definida. Para cada ponto desta superfície
associamos uma imagem pertencente ao eixo (0,0, z ) Î  ´  ´  .

Figura 1: Representação geométrica da função f : ´ ® 

Lima (2004, p. 42) fornece um exemplo interessante quando considera a situação


em que Y é a base de um triângulo e X um segundo segmento paralelo a Y, unindo
os outros dois lados desse triângulo. Toma ainda o ponto P o vértice oposto à base
Y. Obtém-se assim uma correspondência biunívoca do tipo f : X ® Y associando
a cada ponto x Î X , o ponto f (x ) onde a semirreta Px intersecta a base Y. Veja na
Figura 2, lado esquerdo.

História da Matemática 105


A
4
T Figura 2: Exemplos de Lima (2004) que contrariam a intuição

3
Na Figura 2, do lado direito, discute um exemplo no qual temos o conjunto
X = C -{P } obtido retirando da circunferência o ponto ‘P’ e Y uma reta perpendicular
ao diâmetro que passa por P. Definindo-se uma correspondência biunívoca f : X ® Y
pondo, para cada x Î X , f (x ) := interseção da semi-reta Px com a reta Y (LIMA,
2004, p. 43). Neste caso estabelecemos que os conjuntos X = C -{P } e Y possuem
o mesmo numero cardinal, ou seja, podemos definir, no sentido de Lima (2004), uma
correspondência biunívoca entre os mesmos.
Em outros exemplos curiosos fornecidos por Domingues (1991), encontramos a
x
função f (x ) = definida em f :  ®] - 1,1[ , tomada como bijetora. Assim, por
1+ x
meio da definição anterior, os conjuntos  e ] - 1,1[ possuem a mesma cardinalidade
de elementos.

Figura 3: Bijeção entre a reta e um intervalo (DOMINGUES,1991, p. 247)

Por outro lado, antes de exibir tal função, Domingues discute a possibilidade de
se estabelecer uma bijeção entre os intervalos ]0,1[ e [0,1] . Neste sentido, o autor
1 1 1 1
explica que tomando [0,1] = A È {0,1, , ,....,...} e que ]0,1[= A È { , ,....,...} ,
2 3 2 3
1 1
onde se tomou A = [0,1] -{0,1, , ,....,...} . A função desejada definida em
2 3
f : [0,1] ®]0,1[ é definida do seguinte modo:

106 Licenciatura em Matemática


1 1 1
{0,1, , , ,....,...} È A
2 3 4
ß ß Identidade ou de modo analítico temos:
1 1 1
{ , , ,....,...} È A
2 3 4

ìï 1
ïï se x=0
ïï 2 A
f (x ) = í
ïï 1
se x=
1 4
ïï n+2 n
ïïx se x Î A
ïï
T
ïïî 3
Domingues (1991, p. 247) declara que tal função é injetora, assim os intervalos
]0,1[ e [0,1] possuem a mesma cardinalidade. Num modelo geométrico relacionado
ao Calculo Diferencial e Integral, o matemático Morris Klein (1908-1992) discute a
noção de reta tangente a uma curva, no contexto de construção da derivada de uma
função. Questiona a partir de um desenho (Figura 4) se podemos acreditar que a
curva e a reta candidata à tangente em um ponto possuem de fato apenas um ponto
de interseção?

Figura 4: Desenho sugerido por Klein em 1893 em relação a noção intuitiva de derivada

Outro matemático de não menor importância (cf. Figura 5) comenta as ilusões de


ótica provocadas por ilustrações e figuras. Em sua análise, a atividade intuitiva do
observador desempenha papel fundamental. Neste, como nos casos passados, nossas
faculdades intuitivas, por meio de conclusões por vezes imediatas, tácitas, podem
nos conduzir a equívocos e estimular o desenvolvimento de falsas concepções ou
raciocínios inconsistentes, do ponto de vista lógico matemático.

História da Matemática 107


A
4
T
3

Figura 5: Gravura analisada por Klein (1985), que exemplifica a perspectiva linear

Assim como Felix Klein, Morris Kline e Henri Poincaré referenciaram os equíivocos
e contradições nos quais podemos incorrer quando apoiamos nossas conclusões
predominantemente na intuição. Não que isto caracterize um defeito ou limitação que
deve ser evitado e eliminado na atividade do matemático, ou na atividade do professor
e do aluno, entretanto é preciso atenção e vigilância no
momento em que temos de utilizá-las.
Mas aí intervém outra dificuldade, a saber: quando
de fato mobilizamos um raciocínio intuitivo? Quando
ATENÇÃO!
compreendemos algo, a partir de uma relação estabelecida
Como já salientamos no curso de com um objeto matemático, por intermédio da intuição?
Cálculo, grafamos o símbolo de limites
com “L” maiúsculo. Assim faziam Quais as características da intuição?
também os matemáticos Cauchy e M. No ensino as respostas para estas questões possuem
Young. caráter indispensável para quem tenciona atuar no ensino.
Caraça (1951, p. 233) aponta problemas no uso da
linguagem matemática e da língua materna quando analisa o conceito de sequências
de números reais denotadas por {xn }nÎ . Neste sentido, modernamente dizemos
que uma sequência converge quando Limn®+¥ xn = L . Caraça considera que podem
ter o mesmo significado as seguintes sentenças: (i) a sucessão enumerável {xn }nÎ
tem por limite L; (ii) a sucessão enumerável {xn }nÎ tende para L; (iii) a sucessão
enumerável {xn }nÎ converge para L. Note-se que a opção por uma ou por outra

108 Licenciatura em Matemática


expressão destacada por Caraça (1951) dependerá de uma preferência individual do
solucionador de problemas e, nesta escolha, a intuição guiará o raciocínio, até de
modo às vezes inconsciente. Na Figura 6, exibimos o comportamento de sequências

numéricas que convergem. Baseando-se apenas nas figuras, você, aluno, acredita
æ 50n ö÷ æ n ö÷
que vale Limn®+¥ çç ÷ = 0 ou que Limn®+¥ ççç ÷ = 1?
è n ! ø÷ è n + 1ø÷
A
4
T
3

Figura 6: Exemplos de sequências de números reais convergentes

Para concluir esta seção, salientamos mais uma vez a dimensão filosófica do raciocínio
intuitivo. Algumas características do raciocínio intuitivo deverão ser caracterizadas, do
ponto de vista psicológico. Nesta aula, tencionamos salientar seus aspectos filosóficos e
epistemológicos. Muitos destes aspectos não são simples de se detectar e compreender.
Por outro lado, o que deve ficar claro para o futuro professor de Matemática é que, se
desconhecemos as características, a natureza, a função e a dimensão criativa da intuição
na atividade matemática, nunca conseguiremos promover e estimular raciocínios desta
natureza. Afinal é bem mais fácil; e digamos “concreto”, estimular e desenvolver um
ensino de Matemática baseado no pensamento algorítmico (OTTE, 1991).
A ponta do iceberg na frente pedagógica é um ensino baseado em regras e memorização.
Para os leigos, com pouca ou nenhuma formação em Matemática, tal situação se explica
dizendo: “Ah... Isto é culpa da metodologia do professor!”. Ou dirão ainda “A matemática
é a ciência dos números!”. Com maior preocupação, escutamos alguns desavisados se
pronunciarem: “Vamos estimular o lúdico para que tudo fique mais prazeroso!”.
Concepções dessa natureza são recorrentes no ensino de Matemática, principalmente
no discurso de pessoas que carregam consigo o saber matemático restrito ao escolar,
entretanto uma visão e uma formação filosófica dessa ciência proporcionará um olhar
critico do professor de Matemática no sentido de questionar e evitar a evolução de
concepções retrógradas, ideias inócuas e crenças equivocadas e pouco fundamentadas.

História da Matemática 109


Aula 5
A construção axiomática dos números
naturais, inteiros e racionais

Nas aulas passadas, apresentamos e discutimos o caráter filosófico dos Axiomas de


Peano. Tal discussão torna-se essencial na medida em que tencionamos formar a
visão epistemológica do futuro professor de Matemática. Nesta aula, retomaremos
este assunto com o auxílio de argumentos axiomáticos modernos os quais Giuseppe
Peano (1858-1932) não dispôs de métodos axiomáticos modernos para a construção
e verificação das inclusões  Ì  Ì  discutidas no contexto escolar. Concluiremos
ainda nesta aula, a partir do desenvolvimento teórico devido a Ferreira (2010), que
tanto as inclusões  Ì  Ì  como outros fatos matemáticos admitidos de “modo
intuitivo” no contexto escolar são completamente equivocados e formalmente in-
corretos.

Objetivo:
• Descrever a construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais.

111
01
TÓPICO UM PROBLEMA ANTIGO RELACIONADO
À EQUAÇÃO POLINOMIAL DO SEGUNDO
GRAU

OBJETIVO
Apresentar situações-problema de civilizações
antigas que envolvem a equação quadrática.

N as aulas passadas, tecemos algumas considerações acerca do conjunto 


. Nesta aula discutiremos algumas propriedades axiomáticas e teoremas
interessantes que proporcionam resultados inesperados quando
confrontados com nossa intuição. Neste sentido, recordamos que Ferreira (2010, p.
22) define um conjunto X infinito quando existe uma função injetora f :  ® X . Diz
ainda que um conjunto é dito finito quando não for infinito. Ou seja, um conjunto é
infinito quando contiver um subconjunto Y em bijeção com  , o que também se
expressa dizendo que Y é eqüipotente a  .
Acrescenta que:
Há outras definições de conjuntos infinitos (portanto, de conjuntos
finitos) obviamente equivalentes à que demos acima. Vale a pena
comentar que uma das definições, que é devida a Cantor, porque ela

112 Licenciatura em Matemática


rompeu com o paradigma milenar grego de que o todo é sempre maior
do que suas próprias partes. Um conjunto diz-se infinito quando existe
uma bijeção entre ele e um subconjunto próprio dele (FERREIRA,
2010, p. 22).

Vale recordar a função definida por Peano:


(i) Axioma: Existe uma função injetiva s :  ®  . A imagem s(n) de cada A
número natural n Î  chama-se o sucessor de ‘n’; 5
(ii) Axioma: Existe um único número natural 1 Î  tal que 1 ¹ s(n) para todo
nÎ; T
(iii) Axioma: Se um conjunto X Ì  é tal que 1 Î X e s( X ) Ì X , isto é, se 1
n Î X ® s(n) Î X , então X =  .
Muitas das propriedades do conjunto dos números naturais conhecidas de modo
intuitivo podem ser verificadas de modo axiomático e deveriam ser conhecidas pelo
futuro professor. Ferreira (2010, p. 23) enuncia o teorema: Seja a função s :  ® 
a função sucessor, então, tem-se:
i) s(n) ¹ n para todo n Î  ;
ii) Im(s(n)) =  -{0} .

Demonstração:
Vamos admitir a função sucessor s :  ®  . Definimos o conjunto
A := {n Î  tal que s(n) ¹ n} . Desejamos verificar que A =  , ou seja, nenhum
número natural é sucessor de si mesmo. Para tanto, usaremos o axioma (iii). De
fato, notamos que A := {n Î  tal que s(n) ¹ n} ¹ Æ , uma vez que s(0) ¹ 0 , para
n = 0 Î  , pois 0 Ï Im(s(n)) e s(0) Î Im(s(n)) .
Verificaremos agora que se k Î A , então s(k ) Î A . De fato, se k Î A , pela definição
deste conjunto s(k ) ¹ k . Aplicando a função sucessor a ambos os membros, segue
injetora
que s(k ) ¹ k ® s(s(k )) ¹ s(k ) \ s(k ) Î A . Pelo axioma (iii), chamado de Princípio
da Indução, concluímos que A =  .
Para verificar (ii) Im(s(n)) =  -{0} , usaremos o Princípio da Indução do
seguinte modo: A = {0} È Im(s(n)) Ì  . Ademais 0 Î A e vimos que se k Î A ,
então s(k ) Î A . Logo A =  e 0 Ï Im(s(n)) \ Im(s(n)) =  -{0} .
Ferreira (2010, p. 24) denota  * =  -{0} e diz que todo elemento de  * é
sucessor de um único número natural, que se chama seu antecessor. A partir disto,
definiremos de modo axiomático as operações de soma (+) e multiplicação (× ) de
números naturais.
Ferreira (2010, p. 24) define a adição de dois números naturais, m e n designada

História da Matemática 113


ïì(i) m + 0 = m
por m + n e definida recursivamente do seguinte modo: ïí .
ïïî(ii) m + s(n) = s(m + n)

A definição acima nos fornece, então, a soma de um número arbitrário ‘m’ com ‘0’:
m + 0 = m (FERREIRA, 2010, p. 25).
ii i
Ela nos dá também a soma de ‘m’ com s(0) : m + s(0) = s(m + 0) = s(m) (*). Temos,
A ii (*)
ainda, usando as propriedades (i) e (ii): m + s(s(0)) = s(m + s(0)) = s(s(m)) (**).
5 ii (**)
Temos também: m + s(s(s(0))) = s(m + s(s(0))) = s(s(s(m))) . A formalização deste
T processo se dá pelo Princípio da Indução e nos mostra que a soma m + n está definida
1 para todo par m, n Î  . Introduziremos a familiar notação para os números naturais
que conhecemos desde nossa infância.
Note-se que, quando definimos, a soma m + n está definida para todo par
m, n Î  . Até este momento não mencionamos nenhuma propriedade relacionada à
comutatividade destes objetos, ou seja, m + n = n + m . Na sequência começaremos
a caracterizar axiomaticamente esta propriedade.

Definição:
Indicaremos por ‘1’ (lê-se “um”) o número natural que é sucessor de 0, ou seja,
i
1 = s(0) . Notamos assim que 1 = s(0) \ 1 + 0 = s(0) + 0 = s(0) . Em seguida, Ferreira
(2010, p. 25) enuncia a proposição

Proposição:
Para todo número natural m, tem-se s(m) = m + 1 e s(m) = 1 + m . Portanto
1+ m = m +1 .

Demonstração:
Como resultado desta proposição verificaremos a comutatividade da expressão
1 + m = m + 1 para este caso particular. De fato, a partir de (ii) escrevemos
definição ii i
m + 1 = m + s(0) = s(m + 0) = s(m) \ m + 1 = s(m) . Falta verificar que
s (m ) = 1 + m .
Para tanto, Ferreira (2010, p. 26) emprega a seguinte estratégia: consideremos
definição
o conjunto A := {m Î  ; s(m)=1+m} . Claramente A ¹ Æ , pois s(0) = 1 . Mas
vimos que 1 = s(0) \ s(0) = 1 + 0 , segue que 0 Î A ¹ Æ . Seja então m Î A , assim
escrevemos (Hipótese de Indução - HP) s(m)=1+m . Vamos mostrar que s(m) Î A .
HI ii
De fato, notamos que s(s(m)) = s(1 + m) =1 + s(m) . Isto é, s(m) Î A . Pelo
axioma 3 de Peano, teremos A := {m Î  ; s(m)=1+m}= . Ferreira (2010, p. 26)
prossegue explicando que como era de se esperar, passaremos a adotar a notação
indo-arábica (de base dez) para os elementos de  ; já temos os símbolos ‘0’ e ‘

114 Licenciatura em Matemática


proposição
1 = s (0) ’. Definiremos: s(1) = 1 + 1 = 2 ; s(2) = 2 + 1 , s(3) = 3 + 1 e assim por
diante. Reparamos as dificuldades para verificar uma propriedade simples como
s(m) = m + 1 = m + 1 . Daqui em diante, a partir dessas considerações axiomáticas,
escrevemos: {0, s(0), s(s(0)), s(s(s(0))),.....} = {0,1,2,....} .
A questão que se coloca agora é:  contém outros elementos além destes? Se a
resposta for negativa, teremos concluído que os axiomas de Peano realmente formalizam
A
a nossa ideia intuitiva de conjunto de números naturais? (FERREIRA, 2010, p. 26).
5
Assim, poderemos enunciar o seguinte teorema.
Teorema1 :  ={0,1,2,3,....} . T
Demonstração:
1
Seja S o conjunto S := {0,1,2,3,....} , desejamos estabelecer a igualdade acima.
Ferreira (2010, p. 26) esclarece que S foi construído como um subconjunto de  que
contém o ‘0’, ou seja, 0 Î S e também o sucessor de qualquer elemento nele contido.
Pelo principio da Indução, concluímos que S =  .
Ferreira (2010, p. 27) comenta ainda que 0 ¹ 1, mas não sabemos ainda comparar
‘0’ com ‘1’, isto é, não formalizamos ainda a ideia intuitiva de que ‘1’ é maior do ‘0’.
Isso decorrerá a partir da definição de uma relação de ordem em  , que estabeleceremos
proposição
posteriormente. Para ilustrar, Ferreira (2010, p. 27): 1 + 1 = s(1) = 2 ,
2 + 1 = s(2) = 3 , e ainda temos:

ii ii
2 + 2 = 2 + s(1) = s(2 + 1) = s(2 + s(0)) = s(s(2 + 0)) = s(s(2)) = s(3) = 4 .

ii
Por fim temos 0 + 2 = 0 + s(1) = s(0 + 1) = s(1) = 2 . Ferreira (2010, p. 27) destaca
que algumas propriedades da adição, que admitíamos como intuitivamente óbvias,
são demonstradas no teorema seguinte com base nos axiomas de Peano e nas definições
precedentes.
Teorema2 : Sejam m, n e p números naturais arbitrários. São verdadeiras as
afirmações:
i) Propriedade associativa da adição: m + (n + p) = (m + n) + p ;
ii) Propriedade comutativa da adição: n + m = m + n ;
iii) Lei do cancelamento da adição m + p = n + p Þ m = n .

Demonstração:
Mostraremos inicialmente (i). Para tanto, fixando os naturais m, n Î 
quaisquer, aplicaremos indução sobre ‘p’. Seja agora o conjunto
A( m ,n ) := { p Î  tal que m+(n+p)=(m+n)+p} Ì  . De imediato, inferimos

História da Matemática 115


que A( m ,n ) ¹ Æ , visto que 0 Î A( m ,n ) . Com efeito, basta notar que
i i
m+(n+0)=m+n=(m+n)=(m+n)+0 . Mostraremos que se k Î A( m ,n ) ® s(k ) Î A( m ,n ) .
De fato, notamos que, admitindo a hipótese indutiva k Î A( m ,n ) , escrevemos:

ii ii Hipótese de indução ii
m+(n+s(k))= m + s(n + k ) = s(m + (n + k )) = s((m + n) + k ) =(m + n) + s(k )

A Segue que A( m ,n ) := { p Î  tal que m+(n+p)=(m+n)+p}= . Para verificar


5 o item (ii), inicialmente necessitamos verificar que m + 0 = 0 + m , "m Î  . Em
T seguida, fixando m Î  , define-se o conjunto Cm := {n Î  tal que n+m=m+n} .
1 E por indução deve-se concluir que Cm := {n Î  tal que n+m=m+n}= . A Lei
do cancelamento fica como exercício para você, leitor. Definiremos em seguida
propriedades relacionadas à multiplicação de números naturais.

Definição:
A multiplicação de dois números naturais, m e n, é designada por m × n e definida
ïìm × 0 = 0
recursivamente do seguinte modo: ïí .
ïïîm × (n + 1) = m × n + m

TEOREMA:
Para m, n e p naturais arbitrários, valem as proposições abaixo:
i) m × n Î  , isto é, a multiplicação de fato é uma operação em  ;
ii) existência do elemento neutro multiplicativo 1× n = n × 1 = n ;
iii) distributividade m × (n + p) = m × n + m × p e (m + n) × p = m × p + n × p ;
iv) associatividade m × (n × p) = (m × n) × p ;
v) m × n = 0 Þ m = 0 ou n=0 ;
vi) comutatividade m × n = n × m .

Demonstração:
Ferreira (2010, p. 30) destaca que novamente usa-se o Princípio da Indução para
demonstrar todos os seis itens. Note-se que a importância do item (i) é que definimos
uma ‘nova’ operação com dois números naturais m e n Î  , denotada por m × n e
precisamos garantir que, quando aplicada tal ‘operação’, continuamos ainda com
um número natural. É o que quer dizer a implicação m × n Î  .
Faremos agora o item (ii), notando inicialmente que n × 1 = n . De fato, temos
ii i
n × 1 = n × (0 + 1) = n × 0 + n = 0 + n = n , usando a definição de multiplicação. Agora,
por indução, veremos que 1× n = n . De fato, já temos, por definição, 1× 0 = 0 e,
pela hipótese indutiva, escrevemos 1× n = n . Na sequência investigamos a expressão
Hipótese
1× (n + 1) = 1× n + 1 = n + 1 . Segue o resultado. Para verificar (iii), Ferreira (2010,

116 Licenciatura em Matemática


p. 30) considera m.n Î  arbitrários e, em seguida, usa indução sobre ‘p’. Seja então
Pm ,n ( p) a afirmação caracterizada pela propriedade que tencionamos verificar, ou seja,
m × (n + p) = m × n + m × p . Observamos que Pm ,n (0) é verdade, pois m × (n + 0) = m × n
definição
e m × n + m × 0 = m × n + 0 = m × n . Logo, m × (n + 0) = m × n + m × 0 . Verificaremos
por indução que, se Pm ,n ( p) é verdade, então vale Pm ,n ( p + 1) . Com efeito,
observamos que
definição hipotese
A
m ⋅ (n + [ p + 1]) = m ⋅ ((n + p) + 1) = m ⋅ (n + p) + m = m ⋅ n + m ⋅ p + m ⋅ 1 = 5
= m ⋅ n + (m ⋅ p + m ⋅ 1) =
= m ⋅ n + (m ⋅ p + m) = m ⋅ n + m ⋅ ( p + 1). T
1
Após desenvolver todas estas essas propriedades do ponto de vista axiomático,
Ferreira (2010, p. 31) destaca que a relação de ordem em  nos permitirá comparar
os números naturais, formalizando a ideia intuitiva de que ‘0’ é menor do que ‘1’, que
é menor do que ‘2’, e assim por diante.

Definição:
Uma relação binária R em um conjunto não vazio A diz-se uma relação de ordem
em A quando satisfizer as condições, para quaisquer x, y, z Î A ,
Re1: reflexividade xRx ;
Re2: antissimetria se xRy e yRx , então x = y ;
Re3: transitividade se xRy e yRz , então xRz .
Um conjunto não vazio A, munido desta relação de ordem, diz-se um conjunto
ordenado. Na sequência, definiremos uma relação de ordem em  através da
operação da adição, tornando-o, portanto, um conjunto ordenado.

Definição:
Dados m, n Î  , dizemos que mRn se existir p Î  tal que n = m + p .

Exercício:
Mostre que é uma relação de ordem em  .
Definição:
Para m, n Î  , se mRn , onde R é a relação da definição anterior, dizemos que
m é menor do que ou igual a n e passaremos a escrever o símbolo £ no lugar de R;
assim, m £ n significará mRn .
Ferreira (2010, p. 32) destaca que a expressão “m é menor ou igual a n”, embora
gramaticalmente incorreta, é de uso corrente desde o Ensino Fundamental. Mais
adiante, Ferreira (2010) estabelece as notações:
1) Se m £ n , mas m ¹ n , escrevemos m < n e dizemos que m é menor do que n;

História da Matemática 117


2) Escrevemos n ³ m como alternativa a m £ n . Leremos n é maior do que ou igual a n;
3) Escrevemos n > m como alternativa a m < n . Leremos n é maior do que m.

TEOREMA (LEI DA TRICOTOMIA):


Para quaisquer m, n Î  , temos uma e apenas uma das seguintes relações:
a) m < n b) m = n c) m > n
A Demonstração:
5 Deixamos para você, aluno, fazer...
T Ferreira (2010, p. 34) comenta que
1 a lei tricotomia equivale a dizer que, dados m, n Î  , tem-se,
necessariamente que m £ n ou m ³ n , isto é, dois naturais quaisquer
são sempre comparáveis pela relação de ordem acima definida. Por
isso, uma relação de ordem que satisfaz à lei da tricotomia é chamada
de relação de ordem total.

A partir desta relação, enunciamos os seguintes teoremas.

TEOREMA:
(Compatibilidade da relação de ordem com as operações em  ) Sejam a, b, c Î 
quaisquer. São válidas as seguintes implicações:
i) a £ b Þ a + c £ b + c
ii) a £ b Þ ac £ bc .

Demonstração:
Deixamos para você, aluno, fazer..

TEOREMA:
(Lei do cancelamento da multiplicação) Sejam a, b, c Î  , com c ¹ 0 , tais que
ac = bc , então a = b .

Demonstração:
Deixamos para você, aluno.

TEOREMA:
Sejam a, b Î  . Então a < b se, e somente se, a + 1 £ b .

Demonstração:
Deixamos para você, aluno.

118 Licenciatura em Matemática


Para concluir esta parte inicial relativa à importante construção axiomática dos
números naturais, apresentamos um teorema que reflete um fato intuitivo claro desde
o Ensino Fundamental: o de que todo subconjunto não vazio de números naturais possui
um menor elemento (FERREIRA, 2010, p. 36).
Observamos que tal propriedade não é verificada no conjunto dos números
racionais. Por exemplo, se consideramos o subconjunto dos números racionais positivos,
ele possui um menor elemento (Por quê?) (FERREIRA, 2010, p. 36). Já no conjunto dos A
números inteiros, só possuem elemento mínimo os subconjuntos que são limitados 5
inferiormente.
Formalmente, dizemos que um elemento a de um conjunto ordenado A é um T
menor elemento de A, se a £ x , para todo x Î A . Se a relação de ordem é total em A, 1
tem-se um menor elemento, quando existe, é único, também chamado de elemento
mínimo de A. Ele se denota por min( A) . De modo similar, define-se maior elemento
ou elemento máximo de um conjunto A, denotado por max( A) .

TEOREMA (PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO – PBO)


Todo subconjunto não vazio de números naturais possui um menor elemento.

Demonstração:
Deixamos para você, aluno.
Concluímos este tópico destacando a importância, para o professor de Matemática,
de compreender e dominar a axiomática formal subjacente à construção dos números
naturais e, principalmente, de saber responder o questionamento referente ao que é
um número natural. Prosseguimos com a construção dos números inteiros.

História da Matemática 119


02
TÓPICO
AS DIMENSÕES FILOSÓFICAS DOS
FUNDAMENTOS DA MATEMÁTICA II

A
OBJETIVO
5 Descrever a construção axiomática dos números

T inteiros.

N o tópico anterior, falamos dos números naturais. Neste tópico prosseguimos


a construção  Ì  . Sabemos que os números inteiros necessitaram de um
tempo maior para serem completamente compreendidos, principalmente
pelo fato de determinadas intuições equivocadas, construídas em anos iniciais da
formação escolar, precisarem ser esclarecidas. Nesse sentido, destacamos que, no
inicio do capítulo referente à construção axiomática dos números inteiros, Ferreira
(2010, p. 41) explica que:
Em  estão definidas duas operações que denominamos de adição
e multiplicação. No Ensino Fundamental, os números inteiros
negativos e suas propriedades são introduzidos para dar significado
a certas subtrações, do tipo: 3 - 5, 8 - 13, etc . Uma vez introduzidos
tais números, são “definidas” as demais operações com eles, como:
3 - (-5),(-8) × (-3),8 ¸ (-4),(-3)2 , etc. As aspas devem-se ao fato de
que tais “definições” são dadas de modo ingênuo, não rigoroso, numa
tentativa de estender as operações aritméticas e suas propriedades no
conjunto  para o conjunto  . E é isso mesmo o que está acessível
ao estudante do Ensino Fundamental (embora mais se espere de seu
professor de matemática, para quem este livro foi escrito).

120 Licenciatura em Matemática


Ferreira (2010, p. 41) discute ainda que foi dessa forma empírica que os números
inteiros negativos foram descobertos e aplicados na expressão matemática de certas
situações e na resolução de problemas. Todavia, do ponto de vista do rigor matemático,
apenas admitir a existência de números inteiros negativos e incorporá-los ao conjunto 
não é adequado. Além disso, temos em  as operações de adição e multiplicação. A
subtração, como entendemos na matemática elementar, não é, a rigor, uma operação
em  , conforme discutiremos mais adiante, em um exercício. Por essas razões, não A
seguiremos a linha adotada no Ensino Fundamental. O que faremos é construir esses 5
números negativos a partir da estrutura aritmética que temos em  , através das noções
básicas de Teoria dos Conjuntos e de relações de equivalência (FERREIRA, 2010, p. 42). T
A estratégia de Ferreira (2010) constitui-se em definir uma relação de equivalência 2
no conjunto x . Assim, o autor concluirá que um número inteiro será então
definido como uma classe de equivalência dada por essa relação. O conjunto  dos
números inteiros será, portanto, o conjunto dessas classes de equivalência (p. 42).
Lembramos que uma relação de equivalência sobre um conjunto não vazio X,
segundo Aragona (2010, p. 9), é uma relação (binária) entre os elementos de X, que
podemos indicar, por exemplo, por ‘ ~ ’, que tem as três propriedades seguintes:
Re1) x ~ x , "x Î X (reflexiva);
Re2) Se x Î X , y Î X e x ~ y então y ~ x (simétrica).
Re3) Se x Î X , y Î X , z Î X e x ~ y , y ~ z então x ~ z (transitiva).
Mais adiante, Ferreira (2010) explica que sua estratégia será definir duas operações
aritméticas em  e mostrar que  contém uma cópia algébrica do conjunto  , num
sentido que precisaremos na sequência. Por fim, o autor declara que a operação de
subtração em  que, restrita a elementos da cópia de  em  , trará significado às
operações do tipo 3 - 5 e às demais operações.

TEOREMA:
A relação ‘ ~ ’ em x definida por (a, b) ~ (c , d ) quando a + d = b + c é de
equivalência.

Demonstração:
Vejamos cada um dos itens que exigem verificar para que de fato tenhamos
uma relação de equivalência, entretanto, antes de desenvolvermos a demonstração
formal, vale destacar o comentário de Ferreira (2010, p. 43):
[...] se admitirmos por um momento a nossa noção intuitiva de números
inteiros e de subtração, notamos que a + d = b + c Û a - b = c - d ,
isto é, dois pares ordenados são equivalentes segundo a definição

História da Matemática 121


acima, quando a diferença entre suas coordenadas, na mesma ordem,
coincidem. [...] É esta a forma que os matemáticos do final do século
XIX encontraram para iniciar a construção do conjunto  sem
mencionar subtração, mas trazendo na sua essência o germe dessa
operação, tendo como ponto de partida o conjunto  e suas operações,
as noções de produto cartesiano e de relação de equivalência [...].
A
5 Após estas explicações filosóficas, para verificar a reflexividade,
observamos que (a, b) ~ (a, b) , pois temos sempre a + b = b + a , como
T propriedade herdada desde o conjunto  . Para verificar a simetria descrita
2 por (a, b) ~ (c , d ) , basta recorrer mais uma vez à comutatividade em  , isto é,
Em 
(a, b) ~ (c, d ) Û a + d = b + c Û c + b = d + a Û (c , d ) ~ (a, b) . Para verificar
a transitividade, podemos inferir que, se (a, b) ~ (c , d ) e (c , d ) ~ (e , f ) , então
(a, b) ~ (e , f ) . Mas esta demonstração deixamos como tarefa para você, aluno.
Denotaremos por (a, b) a classe de equivalência do par ordenado (a, b) pela
relação ‘ ~ ’, isto é, (a, b) := {(x, y ) Î x tal que (x,y) ~ (a, b)} . Por exemplo,
podemos observar os elementos pertencentes às seguintes classes:
i) (3,0) = {(3,0) ,(4,1) ,(5,2) ,(6,3) ,.......,....};
ii) (0,3) = {(0,3) ,(1,4) ,(2,5) ,(3,6) ,.......,....};
iii) (5,2) = {(3,0) ,(4,1) ,(5,2) ,(6,3) ,.......,....}.
Notamos que (3,0) = (5,2) que é consequência de um teorema que pode ser
facilmente demonstrado (ver exercícios no final desta aula). A próxima definição é
crucial para nossa construção.

DEFINIÇÃO:
x
O conjunto quociente ou x ~ é constituído pelas classes de equivalências
~
(a, b) , se denota por  , e será chamado de conjunto dos números inteiros. Assim,
æ x ö÷
estabelecemos  = çç ÷ = {(a, b) tal que (a,b) Î x} .
è ~ ÷ø
A partir desta definição, descreveremos o modo de operar os elementos deste
novo conjunto. Assim, poderemos falar da noção de adição e subtração em  .
Temos agora (a, b) ~ (x, y) que equivale a (a, b) = (x, y) , expressa pelo fato de que
a + y = b + x « (a - b) = x - y . Vamos utilizar esta observação como ponto de
partida para buscar uma definição rigorosa de adição de inteiros (FERREIRA, 2010,
p. 44).
Veremos então o que deveria ser (a, b) + (c , d ) . Neste sentido, Ferreira
(2010, p.44) argumenta que se (a, b) expressa, em essência, a “diferença”

122 Licenciatura em Matemática


( a - b) , e (c , d ) expressa (c - d ) , a matemática elementar nos dá
associatividade
( a - b) + ( c - d ) = a - b + c - d = a + c - b - d = (a + c ) - (b + d ) . E esta
última expressão se traduz, no nosso contexto, como a classe (a + c , b + d ) . Passando
a limpo, obtemos a definição formal de adição de inteiros, sem mencionar subtrações de
naturais nem elementos da matemática elementar (FERREIRA, 2010, p. 45).

DEFINIÇÃO:
A
Dados (a, b) e (c , d ) em  = çç
æ x ö÷
÷ , definiremos a soma de dois elementos
5
è ~ ø÷
(a, b) + (c , d ) := (a + c, b + d ) .

T
Ao definirmos objetos que envolvem classes de equivalências, é necessário verificarmos 2
que tais definições não dependem de como os representamos em classes (FERREIRA,
2010, p. 45). Nesse sentido, Ferreira (2010, p. 45) observa que, pela definição, teríamos
(3,5) + (4,1) = (7,6) . No entanto, temos também (2,4) = (3,5) e (3,0) = (4,1)
, logo deveríamos ter (2,4) + (3,0) também igual a (7,6) . E pela definição dada,
(2,4) + (3,0) = (5,4) , felizmente, é igual a (7,6) . Mostraremos agora que isso vale,
em geral, isto é, a definição dada não depende dos representantes das classes de
equivalências envolvidas. Neste caso, dizemos que a adição de números inteiros está
bem definida.

TEOREMA:
Se (a, b) = (a ', b ') e (c , d ) = (c ', d ') , então (a, b) + (c , d ) = (a ', b ') + (c ', d ') , isto é,
a adição de números inteiros + está bem definida.

Demonstração:
Sabemos pelo teorema anterior que, (a, b) = (a ', b ') , então
se
(a, b) ~ (a ', b ') Û a + b ' = b + a ' . Por outro lado, temos (c , d ) = (c ', d ') , então,
(c , d ) ~ (c ', d ') Û c + d ' = d + c ' . Logo, temos: (a, b) + (c , d ) := (a + c, b + d )

e (a ', b ') + (c ', d ') := (a '+ c ', b '+ d ') . Ferreira (2010, p. 46) verifica que

os dois segundos membros coincidem. Mas isto equivale a verificar que
(a + c ) + (b '+ d ') = (b + d ) + (a '+ c ') . O resto deixaremos a seu cargo, aluno.

TEOREMA:
A operação de adição em  é associativa, comutativa, tem (0,0) como
elemento neutro e vale a lei do cancelamento, como em  . Além disso, vale a
propriedade do elemento oposto (ou simétrico, ou inverso aditivo): dado (a, b) Î  ,
existe um único (c , d ) Î  tal que (a, b) + (c , d ) = (0,0) Î  . Este (c , d ) Î  é o

História da Matemática 123


elemento (b, a) Î  .

Demonstração:
Deixamos a seu cargo, aluno.

DEFINIÇÃO:
Dados (a, b) Î  e (c , d ) Î  , definimos o produto (a, b) × (c , d ) como sendo o
A inteiro (ac + db, ad + bc ) .

5
T TEOREMA:
2 A multiplicação em  está bem definida, isto é, se (a, b) = (a ', b ') e (c , d ) = (c ', d ') ,
então (a, b) × (c , d ) = (a ', b ') × (c ', d ') .
 

TEOREMA:
A multiplicação em  é comutativa, associativa, tem (1,0) como elemento neutro
da multiplicação e é distributiva em relação à adição. Além disso, vale a propriedade
do cancelamento multiplicativo, isto é, se a, b , g Î  , com g ¹ (0,0) , então se
ag = bg ® a = b .

Demonstração:
Deixamos para você, leitor.

Ferreira (2010, p. 50) explica que como em  , vamos comparar os elementos de 


através de uma relação de ordem. Com motivações análogas àquelas que precederam as
definições de adição e de multiplicação, temos a seguinte definição:

Definição:
Dados os inteiros (a, b) Î  e (c , d ) Î  , escrevemos (a, b) £ (c , d ) , quando
a + d £ b + c . Os símbolos ³,< e < definem-se de forma análoga à que fizemos para
a relação de ordem em  (FERREIRA, 2010, p. 50).
Como nos casos da adição e multiplicação, verifica-se que a relação de ordem
definida por Ferreira (2010) está bem definida. Os símbolos de desigualdade utilizados
para a relação de ordem em  são os mesmos que utilizamos para a relação de ordem
em  , mas o contexto deixará claro que ordem está sendo considerada (FERREIRA,
2010, p. 50).

TEOREMA:
A relação £ definida acima é uma relação de ordem em  , ou seja, é reflexiva,

124 Licenciatura em Matemática


antissimétrica e transitiva. Além disso, essa relação é compatível com as operações
em  , isto é, para quaisquer a, b , g Î  ,vale:
a) a £ b Þ a + g £ b + g ;
b) se a £ b e g ¹ (0,0) Þ ag £ bg ;
c) (Lei da tricotomia): apenas uma das situações seguintes ocorre:
a = (0,0) ou a > (0,0) ou a < (0,0) .

Demonstração: A
Deixamos a seu cargo, leitor. 5
DEFINIÇÃO: T
Dado (a, b) Î  , dizemos que: 2
i) (a, b) é positivo quando (a, b) > (0,0) ; ii) (a, b) é não negativo quando
(a, b) ³ (0,0) ; iii) (a, b) é negativo quando (a, b) < (0,0) ; iv) (a, b) é não positivo
quando (a, b) £ (0,0) .
Ferreira (2010, p. 52) observa que (a, b) ³ (0,0) Û a + 0 ³ b + 0 \ a ³ b .
Analogamente, se (a, b) > (0,0) Û a + 0 > b + 0 \ a > b . Ademais, se
(a, b) £ (0,0) Û a £ b . Essa observação está de acordo com a ideia de que a classe
de equivalência (a, b) Î  representa a “diferença a - b ”. Tornaremos essa ideia
precisa mais adiante, ao final das observações após o próximo teorema.
Observamos ainda que se (a, b) Î  é positivo, como vimos que a > b , então
existe m Î  * tal que a = b + m . Esta igualdade equivale a (a, b) = (m,0) .
Analogamente, se (a, b) Î  é negativo, então existe m Î  * tal que (a, b) = (0, m) .
Essas observações levantadas por Ferreira (2010, p. 52) e o princípio da Tricotomia
nos dizem que:  = {(0, m) tal que m Î  * } È {(0,0)} È {(m,0) tal que m Î  * } sendo
uma união disjunta. A partir desta constatação, utilizaremos as seguintes notações:
 *- := {(0, m) tal que m Î  * } ,  *+ = {(m,0) tal que m Î  * } ,
 + =  *+ È {(0,0)},  - =  *- È {(0,0)} . Note-se ainda que o conjunto dos números
inteiros não negativos,  + , está em bijeção com  . Esta bijeção é bastante especial
porque mostra que  + é uma “cópia algébrica” de  , no sentido dado pelo teorema
seguinte (FERREIRA, 2010, 51).

TEOREMA:
Seja f :  ®  dada por f (m) = (m,0) . Então, f é injetora e valem as propriedades:
i) f (m + n) = f (m) + f (n) ;
ii) f (mn) = f (m) f (n) ;
iii) Se m £ n então f (m) £ f (n) .

História da Matemática 125


Demonstração:
Deixamos a seu cargo, aluno.

Ferreira (2010, p. 53) comenta ainda que o conjunto f ( ) =  + tem, pelo


teorema acima, a mesma estrutura algébrica que  . Por exemplo, 3 + 5 = 8 em  ,
corresponde, via f , a (3,0) +(5,0) = (8,0) . Do mesmo modo, 3 × 5 = 15 se preserva,

A via f , como (3,0) × (5,0) = (15,0) . Finalmente, a relação 3 £ 5 se preserva, via f ,

5 como (3,0)£(5,0) , o que confirma nosso comentário do início desta seção de que a

ordem em  é uma extensão da ordem de  (FERREIRA, 2010, p. 53).
T Assim, do ponto de vista das operações aritméticas e da ordenação,  + é
2 indistinguível de  . Embora, no nosso contexto,  não seja um subconjunto de  ,
sua cópia algébrica  + o é (FERREIRA, 2010, p. 53). Na sequencia, notamos que
f :  ®  acima chama-se uma imersão de  em  . Esta imersão mostra que
 é infinito. Obtemos, então, sob a identificação de  com  + , via f , que:
 = {-m tal que m Î  * } È {0} È  * = {...,...,-m,.... - 2,-1,0,1,2,...., m,....} como
no Ensino Fundamental.
Em seguida, Ferreira (2010. p. 54) mostra que, à semelhança de  , o conjunto
 é bem ordenado.

DEFINIÇÃO:
Seja X um subconjunto não vazio de  .Dizemos que X é limitado inferiormente
se existe a Î  , tal que a £ x , para todo x Î X . Um tal a se chama cota inferior
de X. Analogamente, definimos subconjunto de  limitado superiormente e cota
superior dele.

TEOREMA (PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO PARA  )


Seja X Ì  não vazio e limitado inferiormente. Então X possui elemento mínimo.

Demonstração:
Seja a uma cota inferior de X , isto é, a £ x Û x - a ³ 0 , "x Î X . Consideremos
o conjunto X ' = {x - a | x Î X} . Claramente, vemos que X ' = {x - a | x Î X} Ì 
(identificado com  + ) e, pelo Princípio da Boa Ordenação em  , o conjunto X '
possui elemento mínimo, digamos m ' . Assim, m ' Î X ' e m ' £ y , para todo y Î X ' .
Afirmamos que m = m '+ a é um elemento mínimo do conjunto X .
Primeiramente, Ferreira (2010, p. 55) explica que m Î X , pois m ' = m - a Î X ' .
Em segundo lugar, m £ x , "x Î X , uma vez que isso equivale a m - a £ x - a ,
para todo x Î X , ou seja, m ' £ y , "y Î X ' , que é verdade pela definição de m ' .
Logo, m é o elemento mínimo de X.

126 Licenciatura em Matemática


Em seguida, Ferreira (2010, p. 55) enuncia o seguinte corolário.

COROLÁRIO:
Seja x Î  tal que 0 < x £ 1 , então x = 1 .

Demonstração:
Use como sugestão o conjunto A = { y Î | 0<y £ 1} . Use o PBO para mostrar que
este conjunto possui elemento mínimo. Conclua que A = { y Î | 0<y £ 1}={1} .
A
COROLÁRIO: 5
Sejam n, x Î  , tais que n < x £ n +1 , então x = n +1 .
T
Demonstração: 2
Deixaremos para você, aluno.

DEFINIÇÃO:
ìïx se x ³ 0
Seja x Î  , definimos o valor absoluto de s, denotando por x = ïí .
ï-
ïî x se x<0
DEFINIÇÃO:
Um elemento x Î  diz-se inversível se existe y Î  tal que xy = 1 .

PROPOSIÇÃO:
Os únicos elementos inversíveis em  são 1 e -1.

Demonstração:
Seja então x Î  * um elemento inversível, tal que xy = 1 . Segue que,
a partir da propriedade de módulo 1 = 1 = xy , e como x ³0, y ³0,
temos xy = x y = 1 \ x > 0 e y > 0 . Assim, podemos concluir que
x ³ 1 e y ³ 1 , multiplicando a última desigualdade por x . Segue que
y ³ 1 Þ 1 = x × y ³ 1× x ³ 1× 1 = 1 \ 1 ³ x ³ 1 Û x = 1 ou x= - 1 .

Exercício:
ïì2n - 1 se n>0
Mostre que f (n) = ïí é uma bijeção de f :  ®  .
ï-
ïî 2n se n £ 0
Para concluir esta seção, vale destacar as considerações de Ferreira (2010, p. 57) ao mencionar
que Cantor rompeu o paradigma grego de que “o todo é sempre maior do que suas partes
próprias”, como vimos também na aula anterior. Cantor caracterizou conjuntos infinitos que
podem ser colocados em bijeção com uma parte própria sua (FERREIRA, 2010, p. 58).
Nesta aula procedemos com a construção axiomática dos números inteiros. Na aula seguinte.
abordaremos a construção dos números racionais, denotados por  , ao discutir as inclusões
 Ì  Ì  . Os números que, no senso comum, são interpretados como “pedaços de pizza”
ou “partes de um bolo” no contexto escolar, evidenciam uma acepção superficial que não pode
ser suficiente para um futuro professor de Matemática.

História da Matemática 127


03
TÓPICO
AS DIMENSÕES FILOSÓFICAS DOS
FUNDAMENTOS DA MATEMÁTICA III

A
OBJETIVO
5 Descrever a construção axiomática dos números

T racionais.

1
2

P arece-nos temerário para o futuro professor de Matemática saber exemplificar


os números racionais somente por meio de exemplos concretos como
“pedaços de pizza” ou “pedaços de bolo”. Assumimos que o professor deve
conhecer bem mais do que o estudante e ter condições de interpretar a teoria formal
subjacente a cada situação de ensino. Com relação a um fato semelhante, destacamos
que, no início da construção do conjunto dos números racionais, Ferreira (2010, p.
61) comenta que:
No Ensino Fundamental, aprendemos que um número racional é a
“razão” ente dois números inteiros. Assim, por exemplo, o número
3
é a “razão” entre 3 e 5. O termo “razão” naquele contexto significa
5 3
“divisão”. Dessa forma, é o mesmo que 3 : 5 , que tem o mesmo
5
resultado da divisão 6 :10 , o qual se escreve como 0,6 . No nosso
contexto, os termos “razão”, “divisão” e mesmo “fração” devem ser
definidos com base no que já temos, isto é, o conjunto dos números
inteiros e suas propriedades algébricas.

128 Licenciatura em Matemática


Ferreira (2010, p. 61) observa ainda que em  estão definidas apenas as operações
de adição, de multiplicação e a subtração, que é um caso particular da adição: a - b
, que é por definição a + (-b) , onde -b é o simétrico de b. Ferreira (2010, p. 61)
explica ainda que:
Poderíamos tentar definir a divisão de modo análogo à definição de
subtração, ou seja, a : b = a × b-1 , onde b-1 é o inverso multiplicativo
de b, isto é, o número que multiplicado por b resulta no neutro A
multiplicativo 1 (do mesmo que o simétrico de b é o número -b , que 5
somando a b resulta o neutro aditivo 0). O problema é que os únicos
elementos inversíveis de  são o 1 e o -1[...] logo não faz sentido a
T
definição de divisão acima, dentro dos propósitos de uma definição
3
rigorosa de número racional.

Ferreira (2010, p. 62) destaca ainda que, para se chegar a uma definição adequada,
novamente trabalha-se com o conceito de relação de equivalência, do mesmo modo
que empregamos para definir um número inteiro a partir do conceito de número natural.
Consideremos o conjunto x * := {(a, b) tal que a Î  e b Î  * } . Definimos nele
a relação (a, b) ~ (c , d ) Û ad = bc . Em seguida temos o seguinte teorema.

TEOREMA:
A relação (a, b) ~ (c , d ) Û ad = bc é de equivalência.

Demonstração:
Ferreira (2010, p. 62) diz que a prova de que ~ tem as propriedades reflexiva
e simétrica fica como exercício. Quanto à propriedade transitiva, se (a, b) ~ (c , d )
e (c , d ) ~ (e , f ) , então queremos mostrar que (a, b) ~ (e , f ) , isto é, se ad = bc e
cf = de , então af = be . Multiplicando ambos os membros da primeira igualdade
por ‘f’ e da segunda igualdade por ‘b’, obtemos adf = bcf e bcf = bde , onde segue
que adf = bde , cancelando d ¹ 0 , obtemos o que queríamos. É por causa deste
último detalhe da demonstração que partimos de x * e não de x (FERREIRA,
2010, p. 62).

DEFINIÇÃO:
a
Dado (a, b) Î x * , denotamos por (que se lê “a sobre b”) a classe de equivalência
b a
do par (a, b) pela relação ~ acima. Assim, = {(x, y ) Î x * se (x,y)~(a,b)} .
b

TEOREMA (PROPRIEDADE FUNDAMENTAL DAS FRAÇÕES)


a c
Se (a, b) e (c , d ) são elementos de x * , então = Û ad = bc .
b d

História da Matemática 129


Demonstração:
Deixaremos a seu cargo, leitor.

a
Temos agora um significado preciso para o símbolo de fração . Trata-se de
b
uma classe de equivalência com respeito à relação de equivalência que acabamos de
introduzir (FERREIRA, 2010, p. 63).
A
5 DEFINIÇÃO:
Denotamos por  , e denominamos conjunto dos números racionais,
T o conjunto quociente de x * pela relação de equivalência ~ , isto é,
3 ( x  * ) a
= ~ = { b tal que a Î  e b Î  } como no Ensino Fundamental
*

(FERREIRA, 2010, p. 63). A partir de agora, podemos definir algumas operações


neste conjunto, dotando-o, portanto, de uma estrutura algébrica que estudaremos
posteriormente. No Ensino Fundamental, aprendemos que  Ì  . É claro que do
nosso ponto de vista atual isso não faz sentido, pois os elementos de  são classes
de equivalência de pares inteiros, logo de natureza diferente da dos números inteiros
(FERREIRA, 2010, p. 64).
Ferreira (2010, p. 64) destaca ainda que:
No entanto, veremos que existe uma aplicação injetora de  em  que
“preserva” as operações aritméticas e, dessa forma, permite que a imagem
de  em  por essa aplicação seja uma cópia algébrica de  em  .
Assim, do ponto de vista da álgebra, poderemos considerar  como um
subconjunto de  . Note a analogia com a imersão de  em  .

DEFINIÇÃO:
a c
Sejam e números racionais, isto é, elementos de  . Definimos as operações
b d
a c ad + bc
chamadas de adição e de multiplicação, respectivamente, por: (*) + = e
bd bd
a c ad + bc
(**)  = .
bd bd

TEOREMA:
As operações + e × estão bem definidas.
 

Demonstração:
Deixaremos para você, leitor.

130 Licenciatura em Matemática


TEOREMA:
O conjunto  , munido das operações acima, tem as propriedades algébricas de
0 1
 , onde o elemento neutro aditivo é e o neutro multiplicativo é . Além disso,
1 1
a 0 c a c 1
dado ¹ Î  , existe Î  tal que  = , isto é, todo elemento não nulo de
b 1 d bd 1
 tem inverso multiplicativo.

Demonstração: A
Deixaremos para você, leitor. 5

De modo semelhante ao que fez no conjunto dos números inteiros, Ferreira (2010,
T
p. 67) define a seguinte relação de ordem em  .
3

DEFINIÇÃO:
a c a c
Sejam e números racionais, com b, d > 0 . Escrevemos £ , quando
b d b d
a c
ad £ bc e dizemos que é menor do que ou igual a .
b d

TEOREMA:
A relação £ , introduzida acima, está bem definida e é uma relação de ordem em
.

Demonstração:
Deixaremos para você, aluno.

TEOREMA (LEI DA TRICOTOMIA)


Dados r , s Î  , um, e apenas uma, das situações seguintes ocorre: ou r = s , ou
r < s ou s < r .

Demonstração:
a c
Escrevendo r = e s = Î  , com b, d > 0 , vamos comparar os inteiros ad
b d
e bc . Pela Lei da Tricotomia em  , ou ad = bc , em cujo caso ocorre r = s , ou
ad < bc , em cujo caso ocorre r < s , ou ad > bc , em cujo caso ocorre s < r . Além
disso, a validade de uma das afirmações exclui a validade das outras.
n
Em seguida, Ferreira (2010, p. 68) define a função i :  ®  por i(n) = , para
1
todo n Î  . Esta é a função de que falamos anteriormente, que “imerge”  em  .
Assim, podemos enunciar o seguinte teorema.

História da Matemática 131


TEOREMA:
A função i :  ®  , acima definida, é injetora. Além disso, ela preserva as
operações e a relação de ordem de  em  no seguinte sentido:
1. i(m + n) = i(m) + i(n)
2. i(m × n) = i(m) × i(n)
 

3. se m £ n , então i(m) £ i(n) .


A Demonstração:

5 No item (i) temos que se i(m) = i(n) Û


m n
= Û n × 1 = m × 1 Û n = m (1-1).
1 1  
T Mostremos que i :  ®  preserva a estrutura algébrica de  . Do seguinte modo
3 definição
i( n ) + i( m ) =
n m definição n × 1 + m × 1 n + m definição
+ = = = i(m + n) . De modo semelhante,
1 1 1× 1 1
verificamos as outras condições.
n
Assim, o conjunto i() = { tal que n Î } é uma cópia algébrica de  em  ,
1
no sentido de i :  ® i() Ì  . Essa imersão de  em  também mostra que 
é infinito, já que  contém uma cópia de  que é infinito e enumerável. Antes de
demonstramos os teoremas mais importantes que encerram esta seção, enunciamos
o lema.

Exercício:
Sejam X um subconjunto de um universo U e {An }nÎ Ì U uma família de subconjuntos
de U. Mostre que X \ (UnÎ An ) = ÇnÎ ( X \ An ) e X \ (ÇnÎ An ) = ÈnÎ ( X \ An ) ,
lembrando que UnÎ An = {x Î U tal que x Î A n , para algum n Î } e
ÇnÎ An = {x Î U tal que x Î A n , " n Î } .
Lema1 : Todo subconjunto infinito de  é enumerável.

Demonstração:
Seja X um subconjunto infinito de  e x0 seu menor elemento, que existe devido
ao Principio da Boa Ordem. Como X é infinito, o conjunto Y0 = X -{x0 } ¹ Æ . Seja
agora x1 o menor elemento de Y0 . De modo indutivo, obteremos por meio deste
raciocínio os elementos x0 , x1 , x2 , x3 ,....., xn . Em seguida, obtemos o elemento xn+1
como o menor elemento de Yn = X -{x0 , x1 , x2 , x3 ,......, xn } ¹ Æ , para todo n Î  .
Caso contrário, o conjunto X seria finito. Afirmamos agora que:
= X = {x0 , x1 , x2 , x3 ,......, xn ,.....,....} = {x0 } È {x0 , x1 } È {x0 , x1 , x2 } È ..... = ÈnÎ An
onde An = {x0 , x1 , x2 , x3 ,......, xn } . De fato, pelo exercício anterior, podemos
escrever que X \ (UnÎ An ) = ÇnÎ ( X \ An ) = ÇnÎ (Yn ) . Assim, se existisse mais
algum x Î X - (UnÎ An ) , tal que x Î [ÇnÎ (Yn )] , e como tal, deveria ser maior do
que x0 , com mesma razão, deve ser maior do que x1 , por estar em Y1 , e, assim,

132 Licenciatura em Matemática


sucessivamente. Deste modo, x deveria ser maior do que xn , para todo n Î  .
Nesse sentido, o conjunto infinito X = {x0 , x1 , x2 , x3 ,......, xn ,.....,....} Ì I x , onde
Ix ={1,2,3,......, x} e seria, portanto, finito, uma contradição.
No que segue, Ferreira (2010, p. 70) aplica o Teorema Fundamental da Aritmética.
Seu enunciado intuitivo, segundo Ferreira, pode ser descrito por: todo número
natural maior do que 1 pode ser expresso como produto de números primos. Além disso,
essa fatoração é única, a menor da ordem dos fatores. A
a
Lema2 : Todo número racional positivo , ( a, b > 0 ), pode ser escrito, de modo
5
b
m
único, como uma fração irredutível, isto é, na forma , onde m e n são relativamente T
n
primos entre si, isto é, não possuem fatores primos em comum.
3
Demonstração:
Deixaremos como tarefa para você, leitor.

PROPOSIÇÃO:
 *+ é enumerável.

Demonstração:
Consideremos os números racionais escritos na forma irredutível, dada pelo lema
æm ö
anterior. Seja f :  *+ ®  dada por f çç ÷÷÷ = 2m × 3n . O teorema Fundamental da
ènø
Aritmética e a unicidade da representação de frações na forma irredutível, dada
pela proposição acima, mostram que f é 1-1 e tem como imagem um subconjunto
infinito de  , que é, enumerável.

TEOREMA:
 é enumerável.

Demonstração:
Basta escrever  =  *- È {0} È  *+ .

Para concluir com algumas propriedades a mais do conjunto  , sublinhamos que


este conjunto está munido das duas operações, adição e multiplicação, estudadas acima
(FERREIRA, 2010, p. 72). Pode-se definir a partir destas operações, mais duas a
subtração e a divisão, simbolizadas por “ - ” e “ ¸ ”, respectivamente, da seguinte
forma: se r , s Î  , define-se r - s = r + (-s ) como em  e, se s ¹ 0 , r ¸ s = r × s -1 .
Ferreira (2010, p. 72) destaca que, estritamente falando, a divisão não seria em  ,
uma vez que seu domínio não é x e sim x * . Por fim, Ferreira (2010, p. 73)
sugere o interessante exercício.

História da Matemática 133


Exercício:
Mostre que  não é bem ordenado, isto é, existem em  subconjuntos não
vazios, limitados inferiormente que não possuem elemento mínimo.

Apesar de  não ser bem ordenado como  e  ,  possui todas as propriedades


aritméticas de  , além da propriedade de que todo elemento não nulo possui
A inverso. Na linguagem algébrica, qualquer conjunto munido de duas operações, + e
5 × , com propriedades aritméticas análogas às de  chama-se de corpo. Se, além disso,
um corpo estiver munido de uma relação de ordem compatível com suas operações
T aritméticas, ele é chamado de corpo ordenado. Assim,  é um exemplo de corpo
3 ordenado (FERREIRA, 2010, p. 73).
Na próxima aula, estudaremos a construção axiomática dos números reais. Se, até
este momento, o leitor não captou a “essência” de tudo o que está sendo estabelecido,
ou melhor dizendo, não compreendeu a dimensão filosófica do que foi discutido,
aconselhamos uma releitura do todo o trecho anterior em que descrevemos a
construção dos racionais. Em termos práticos do ofício, achamos comprometedor
um egresso de um curso de graduação em Matemática desconhecer a “natureza”
e não saber dizer o que de fato é um número natural, um inteiro ou um número
racional. Nem muito menos compreender as razões de sua existência. Retomaremos
estas questões preocupantes na última aula.
E antes de concluir esta seção, cabe reforçar algumas argumentações e pontos de
vista assumidos desde o início do curso. O primeiro diz respeito à importância, para
quem tenciona ser professor de Matemática, de conhecer, compreender e transmitir
a natureza dos objetos com os quais lida. Sublinhamos bem no início do curso a
situação lastimável em que encontramos pessoas que concebem a Matemática como
a “ciências dos números”.
Parafraseando Platão, estas pessoas possuem, em nosso entendimento, um
“espírito pesado” para a Matemática, pois a Matemática é bem mais do que isso.
De fato, vimos nas aulas passadas situações em que a existência de um certo objeto
é a priori admitida e, a partir da força de uma teoria axiomática desenvolvida e um
formalismo adequado, não se chega a outra conclusão diferente da real existência
daquele objeto.
A história da Matemática é marcada por eventos dessa natureza. Situações nas
quais nem mesmo os matemáticos profissionais sabiam ao certo com que lidavam, mas
admitiam e aceitavam sua existência com a intenção de extrair alguma propriedade
logicamente aceitável. Ora, isto é Filosofia da Matemática pura!
Destacamos o excerto abaixo creditado ao grande matemático Morris Kline.

134 Licenciatura em Matemática


Em suas palavras, observamos alguns conselhos e cuidados no que diz respeito ao
formalismo excessivo no ambiente escolar ao declarar que:
As origens históricas dos conceitos e processos matemáticos não têm
naturalmente necessidade de ser a abordagem pedagógica. Contudo,
uma objeção válida à criação de novos conceitos e operações através
dos mais antigos é a falta de sentido do que é apresentado. Por exemplo,
para introduzir números negativos, alguns textos modernos perguntam, A
“Qual o número que somado a 2 dá 0? Eles então apresentam – 2 como 5
o número que se requer. Como o dizem alguns textos, 2 é o único inverso
aditivo para 2. Mas esta introdução de -2 não dá a compreensão T
que a declaração, “Antimatéria é aquela substância que adicionada 3
à matéria produz vácuo”, dá qualquer compreensão da antimatéria.
Ao criar matemática por meio das questões matemáticas e estender
a novos domínios, leis ou axiomas que prevalecem nos estabelecidos
anteriormente, a matemática isola-se de todos os outros corpos do
conhecimento. Ela existe pelo que representa e é presumivelmente auto-
suficiente. Parece então que, por acaso, as estruturas dedutivas assim
construídas se ajustam [...] (KLINE, 1976, p. 99).

Note-se, porém, que este formalismo e artificialismo, condenado por Kline, não
pode ser de completo desconhecimento do professor, afinal, é impossível conceber
uma abordagem intuitiva para um conceito matemático se desconhecemos de modo
consistente seu comportamento e natureza dentro da teoria formal a qual pertence.
Espera-se, assim, do professor de Matemática, encerradas estas aulas, saber
declarar, de fato, do que se trata e qual a natureza de um número natural, inteiro
ou racional. Compreender que as inclusões  Ì  Ì  tratam-se de “criações
pedagógicas” que podem tornar menos tortuosos o entendimento dos pequenos,
todavia, formalmente falando, o professor sabe que isto está equivocado, como
explica Ferreira (2010).
Para finalizar, antecipando um pouco de nosso próximo assunto, que
proporcionará escrever  Ì  Ì  Ì  , destacamos que existem várias formas de
construir os números reais. Um dos métodos possíveis é caracterizado por sequências
de Cauchy de números racionais (o completamento de  ), descrito por Aragona
(2010). A vantagem deste método, segundo o autor, é que ele nos leva de forma rápida
e natural à representação decimal dos números reais que foi a forma em que estes
números foram conhecidos durante muito tempo antes de ter sua teoria devidamente
estruturada (ARAGONA, 2010, p. 39).

História da Matemática 135


Por outro lado, em termos de economia, optamos pela construção do campo
do reais desenvolvida por Ferreira (2010). O autor emprega a noção de cortes de
Dedekind. Com respeito ao contexto escolar de introdução do conjunto dos reais  ,
Ferreira (2010, p. 78) comenta em tom de crítica:
No Ensino Fundamental, os números reais são geralmente introduzidos
de uma maneira um tanto empírica e seu estudo não costuma ir além
A de algumas operações algébricas elementares. Basicamente, o que diz-
5 se nesse nível sobre os números reais é o seguinte: admite-se que a cada
ponto de uma reta está associado um número real. Há pontos que não
T correspondem a números racionais (o que é fácil verificar usando a
3 diagonal do quadrado de lado 1). A esses pontos sem abcissa racional
correspondem os números irracionais. Outra forma de introduzi-
los é a seguinte: admite-se ou, em alguns casos, demonstra-se que
a representação decimal de números racionais é periódica. Conclui-
se por definir número irracional como sendo aqueles (cuja existência
é admitida) que possuem representação decimal não periódica. Ao
conjunto constituído pelos racionais e irracionais dá-se o nome de
conjunto dos números reais. Note que, em ambas as abordagens,
somos conduzidos a admitir a existência de números não racionais:
no primeiro caso, para dotar todo ponto da reta de uma abcissa e, no
segundo caso, para conceber qualquer desenvolvimento decimal como
número (no caso, os não periódicos). Em ambos os casos, no entanto,
raramente se toca na natureza destes novos números [...].

Concluímos ressaltando que tencionamos descrever nesta aula a construção dos


conjuntos numéricos. Como comentamos no início da aula, julgamos comprometedor
um professor tentar ensinar um conceito sem mesmo compreendê-lo, nem saber
dizer do que trata a natureza desse conceito. Foi com esta intenção que descrevemos
as construções dos conjuntos anteriores. Nas aulas seguintes iniciaremos a longa
construção axiomática dos números reais e números complexos.

136 Licenciatura em Matemática


Aula 6
A construção dos números reais, complexos e
considerações finais

Nesta última aula, discutiremos alguns aspectos formais a respeito dos números re-
ais e dos números complexos. Lima (2004) critica de modo veemente a forma pela
qual são introduzidos tais conceitos no ensino escolar. Além de serem introduzidos
de forma indevida e de modo equivocado, na medida em que não se conhece sua
natureza em essência, dificilmente o professor percebe tais problemas, uma vez que
nem sempre na graduação se dá a ênfase devida a esses conceitos. Com a reflexão
que propomos nesta aula, buscamos, assim, evitar esse problema no âmbito da for-
mação do futuro professor.

Objetivos:
• Descrever a construção axiomática dos números reais;
• Descrever a construção axiomática dos números complexos.

137
01
TÓPICO
AS DIMENSÕES FILOSÓFICAS DOS
FUNDAMENTOS DA MATEMÁTICA III

A
OBJETIVO
5 Descrever a construção axiomática dos números

T reais.

1
2

N esta aula abordaremos construção axiomática dos números reais.


Vale sempre destacar a importância de o futuro professor conhecer e
compreender, formalmente falando, a natureza de um número real. Desse
modo, sublinhamos as considerações de Ferreira (2010, p. 77):
O conceito de número real é um dos mais profundos da matemática
e, [...], remonta aos gregos da escola pitagórica, com a descoberta
da incomensurabilidade entre o lado e a diagonal de um quadrado.
A construção desse conceito passou por Eudoxo (século IV a.C.), com
sua teoria das proporções, registrada nos Elementos de Euclides, e só
foi concretizada no século XIX, [...]. Os matemáticos alemães, Cantor
e Dedekind, construíram os números reais a partir dos racionais
por métodos diferentes, respectivamente conhecidos por Classes de

138 Licenciatura em Matemática


Equivalências de Sequências de Cauchy e por Cortes de Dedekind. O
último, [...], inspirou-se na Teoria das Proporções de Eudoxo.

Antes de apresentarmos de modo axiomático a construção dessas novas entidades


conceituais, que desde a escola chamamos de números reais e com essa denominação
nos acostumamos, sem muitos questionamentos, recordamos que se conta que, no
templo de Apolo, situado na ilha de Delos na Grécia, existia um altar com forma A
geométrica de uma figura que hoje é conhecida como cubo. Havendo uma peste 6
em Atenas, um habitante da cidade, em busca de auxílio divino, dirigiu-se a Delos
para consultá-lo sobre o extermínio da peste. A divindade respondeu que, se fosse T
construído um altar no templo de Apolo cujo volume medisse o dobro do existente, 1
mantendo-se a mesma forma, a peste seria eliminada.
Em termos matemáticos, isto equivale a fornecer um cubo de aresta ‘a’; construir
um cubo de aresta ‘x’, cujo volume seja o dobro do volume conhecido, que denotamos
modernamente pela equação x 3 = 2a 3 . De modo particular, tomamos a = 1 \ x 3 = 2 .
Este problema antigo não foi resolvido, uma vez que não existe em  tal solução
para x 3 = 2 , sem falar no fato de os gregos não disporem ainda de um conjunto mais
‘completo’ do que este.
Este fato envolvendo um problema antigo explica que o corpo  foi ‘completado’
e obteve-se um conjunto maior, que modernamente chamamos de corpo dos reais
(denotado por  ), no qual a equação possui solução. Esse problema foi resolvido de
modo consistente com a introdução dos números irracionais por Richard Dedekind
(1831-1916). De fato, a partir da equação obtida no mesmo problema, apenas no
plano, obtemos x 2 = 2 e, a partir dos elementos de História da Matemática, verifica-
se que não existe q Î  que satisfaz q2 = 2 .
Assim, uma possibilidade é o estudo das aproximações racionais para a equação
x = 2 . Introduzimos a seguinte noção: denomina-se raiz quadrada de 2, a menos
2

2
de uma unidade, por falta, o maior número inteiro n Î  tal que n2 < 2 < (n + 1) .
Assim, diz-se que o número n +1 é denominado de raiz quadrada de ‘2’ a menos de
uma unidade por excesso. No caso inicial, para n = 1 , que implica que a solução de
x 2 = 2 satisfaz 1 < x < 2 . A seguir, realizamos as aproximações decimais da solução
desta raiz que se encontra entre 1 e 2.
1
Denomina-se raiz quadrada de 2 a menos de por falta, ao maior número inteiro
10 2 2
ænö æ n + 1÷ö
de décimos cujo quadrado é menor do que 2. Isto equivale a çç ÷÷÷ < 2 < çç ÷÷ .
è10 ø è 10 ø
n +1
Reparamos agora que o número é a raiz quadrada de 2, por excesso e por
10
menos de um décimo. Para proceder ao cálculo desta outra aproximação, toma-se o

História da Matemática 139


intervalo [1,2] e divide-se em dez partes iguais por meio dos pontos: 1; 1,1; 1,2; 1,3;
2 2
1,4; 1,5; 1,6; 1,7; 1,8; 1,9; 2. Usando a inequação anterior, obtemos (1,4) < 2 < (1,5) .
1
Deste modo, 1,4 é a solução aproximada de x 2 = 2 a menos de por falta e 1,5 por
10
excesso. Logo, a solução ‘x’ desta equação se encontra no segmento [1,4;1,5] .
1
Para a obtenção de soluções aproximadas de x 2 = 2 a menos de , por falta
100
A e por excesso, divide-se este segmento em dez partes iguais descritas por: 1,4;
6 1,41; 1,42; 1,43; 1,44; 1,45; 1,46; 1,47; 1,48; 1,49; 1,5. De modo semelhante ao
T
2 2
caso anterior, podemos obter que (1,41) < 2 < (1,42) , que representa a solução
1
1 da equação x 2 = 2 , a menos de
100
por falta e 1,42 por excesso. Logo a solução
encontra-se no intervalo de extremos [1,41;1,42] . A ideia agora a repetir, por meio
do raciocínio indutivo, o processo, e as soluções serão aproximadas a menos de:
1 1 1 1 1
3
, 4 , 5 , 6 , ,...., n .
10 10 10 10 10
Em seguida, construímos as classes de aproximações F, por falta, e por excesso
E das soluções de x 2 = 2 , ao tomarmos: F := {1;1,4;1,41;1,414;1,4142;....} e
E := {2;1,5;1,42;1,415;1,4143;....} . Mais adiante, passamos a observar que os
quadrados dos números de F são menores do que 2 e os de E são maiores. Ademais,
percebemos que, de um modo geral, os números de F são da forma 1a1a2 a3 ....an e
os de E são da forma 1a1a2 a3 ....(an + 1).. , sendo ai um algarismo de 0 a 9. Tem-se,
portanto: 1a1a2 a3 ....an < x < 1a1a2 a3 ....(an + 1).... .
Representaremos agora por xn os elementos de F e yn os elementos de E.Dessa
1
forma: yn - xn = n , y n > xn para n=1,2,3,... . De modo resumido enunciamos a
10
proposição.

Proposição: Não existe elemento máximo em F e não existe elemento mínimo em E.

Finalmente, por meio da construção das classes E e F, como vimos acima, e de suas
propriedades, é possível definir a solução que buscamos para a equação x 2 = 2 , fato
que foi investigado profundamente por Dedekind. Precisamos da seguinte definição.

Definição: Um conjunto A Ì  é dito um elemento máximo a Î A (resp. mínimo),


quando a ³ x , "x Î A

Exemplo:
Observamos que o elemento mínimo do conjunto A =  é o número ‘0’. Por outro
lado, o conjunto A = {x Î | 0<x<1} não tem elemento mínimo, pelo fato de que,

140 Licenciatura em Matemática


x
para todo x Î  , temos 0<x<1 \ 0< <x<1 .
2

Definição: Dizemos que ‘a’ é uma cota superior para um conjunto A quando
a ³ x , "x Î A . Por exemplo, todo número racional a Î  , tal que a >1 é cota
superior para o conjunto A = {x Î | 0<x<1} . De modo semelhante, definimos a
cota inferior para um conjunto A Ì  .
A
6
A partir destas definições, dizemos que, se um conjunto não vazio A Ì  de T
todas as cotas superiores possui um elemento mínimo, é chamado de supremo de A 1
e denotamos por Sup( A). De modo análogo, se um conjunto não vazio A Ì  de
todas as cotas inferiores possui um elemento máximo, é chamado de ínfimo de A e
denotamos por Inf ( A) .
Vejamos então uma definição importante a seguir.

Definição: Um conjunto a de números racionais diz-se um corte se satisfizer as seguintes


condições:
i) Æ ¹ a ¹  ;
ii) se r Î a e s < r (s Î ) , então s Î a ;
iii) para cada a Î a , existe c Î a tal que a < c (em a não existe elemento máximo).
De modo equivalente, podemos definir também que:
i’) Æ ¹ a ¹  ;
ii’) se a Î a , então para todo b Î  tal que b ³ a , deveremos ter b Î a .
iii’) para cada a Î a racional, existe c Î a tal que c<a (não existe elemento
mínimo).

A ideia geométrica do conjunto acima que chamamos de corte de Dedekind é a de


“cortar” a reta em duas semirretas. Destacamos que “cortar” significa decompor 
em dois conjuntos A e a , tais que  = A È a e  = A Ç a = Æ . E se r Î A e a Î a ,
então r < a .
Por exemplo, o conjunto a = {x Î | x>0 e x2 > 2} . De fato, vemos
que 0 Ï a e 2 Î a = {x Î | x>0 e x2 > 2} ¹ Æ , satisfazendo (i). Por outro
lado, se a Î a = {x Î | x>0 e x2 > 2} b ³ a > 0 \ b2 > a 2 > 2 ® b2 > 2 ,
e
p
ou seja, b Î a que satisfaz (ii). Finalmente, se a Î a , com a = , então
2 q
p æ p ö÷ p 2
notamos que > 0 e çç ÷÷ = 2 > 2 « ( p - 2q ) > 2 , assim, escrevemos
2 2

q çè q ÷ø q

História da Matemática 141


n× p p
p2 - 2q2 = m ³ 1 . Por outro lado, notamos que < = a , para todo
n × q +1 q
n× p n× p p
n Î  . De fato, basta observar que 0 < < = = a . Assim,
n × q +1 n × q q
precisamos mostrar que não existe elemento mínimo, mas tomando n = 8q ,
8q × p 64q2 × p2
A obtemos c :=
8q × q + 1
, observando que c 2 =
(8q2 + 1)
2
> 2 . De fato, vemos que:

6 ( p2 - 2q2 ) >
1 1
+ « 32q2 ( p2 - 2q2 ) > 1 + 16q2 «
2
32q 2
T 32q2 ⋅ p2 − 64q 4 − 16q2 > 1 ↔ 32q2 ⋅ p2 > 64q 4 + 16q2 + 1
1
32q2 ⋅ p2 64 q 2 ⋅ p 2
>1↔ >2
(8q2 + 1) (8q2 + 1)
2 2

Vejamos alguns exemplos concretos.

2 2 3
{
a) O conjunto a = x Î | x<
3
5 }
é um corte. De fato, notamos que tomando
2
Î  e < , assim, vale o item (i). No caso do item (ii), considerando r = Î a ,
5 5 5 2 3 5
notamos que, se s Î  e s < , então, s < \ s Î a . Para verificar que o conjunto
5 5
{
a = x Î | x<
3
5 }não admite elemento máximo.

{
b) O conjunto a = x Î | x>
3
5 }
não é um corte. Deixamos como exercício.

c) O conjunto a = {x Î | x ³ 0} não é um corte. De fato, vemos que 0 Î a ¹ Æ


satisfaz (i). Ademais, se a Î a = {x Î | x ³ 0} , para todo b ³ a ³ 0 \ b ³ 0 , assim,
b Î a e vale (ii’). Por outro lado, notamos que não vale (iii’) se a = 0 ; não podemos
obter um elemento c Î a tal que c < 0 .

{
e) O conjunto a = x Î | - 3 £ x<
8
5 } não é um corte. Deixamos como
exercício.
f) O conjunto a = {x Î | x< - 1} não é um corte.
De fato, apesar de -2 Î a = {x Î | x< - 1} ¹ Æ (vale i), verificamos que se
r Î a e s < r < -1 , com s Î  , então s < -1 .
g) O conjunto a = {x Î | x<0} é um corte.
De fato, observamos que -1 Î a ¹ Æ (i) e que, se r Î a e s < r (s Î ) , temos
p
r < 0 , com = s < r < 0 \ s < 0 (ii). Por fim, notamos que, para todo r Î a , temos
q
r +0 r r
r< = < 0 , com Î a (iii).
2 2 2

142 Licenciatura em Matemática


h) O conjunto a = {x Î | x<0 ou (x ³ 0 e x2 < 2} é um corte.

De fato, notamos que x = -1 < 0 e (-1)2 = 1 < 2 , portanto, para


x£0 , -1 Î a ¹ Æ . Vamos verificar a condição (ii) tomando
r Î a = {x Î | x>0 ou para x £ 0 e x < 2} . Temos dois casos a considerar, se
2

r £ 0 e s Î  , com s < r , logo s < 0 e s Î a .


No caso em que r > 0 e r 2 < 2 com s < r (s Î ) , temos as possibilidades:
A
s < 0 < r ou 0 < s < r . Mas se s < 0 , temos que s Î a . No segundo caso, se
6
0 < s < r « 0 < s 2 < r 2 < 2 \ s 2 < 2 , assim, s também pertence ao conjunto T
a = {x Î | x<0 ou (x ³ 0 e x < 2} .
2
1
Na condição (iii), se r Î a = {x Î | x<0 ou (x ³ 0 e x2 < 2} , podemos
ter r < 0 , neste caso, tomamos s = 1 , com r < s e s 2 < 2 . No outro caso,
quando r > 0 e r2 < 2 , vamos tomar h=2 - r 2 > 0 então, temos r 2 +h=2 e
0<h=2 - r 2 < 2 consideramos o caso de r > 0 e r2 < 2 . Para tanto, consideramos
2
h æ h ö÷ 2rh h2
2
ç
o elemento g = r + . Segue que g = çr + ÷÷ = r 2 + + . Notamos,
5 è 5ø 5 25
todavia que r < 2 \ 2rh < 2 × 2h e observe que 0 < h < 2 ® 0 < h2 < 2h , logo
2rh h2 4h h2 22h
g2 = r2 + + < r2 + + < r2 + <x+h=2. Consequentemente,
5 25 5 25 5
obtivemos um elemento g > 0 e g 2 < 2 (g Î a ) e g >x , que é um corte.

Proposição:
Seja a um corte, p Î a e q Ï a . Então, q> p .

Demonstração:
Vamos negar a propriedade desejada acima, ou seja, supor que q £ p . Como
admitimos que a é um corte, já temos de graça a condição (i). Por outro lado, se q £ p ,
onde p Î a e q Î  , então, pelo item (ii) da definição, deveríamos ter que q Î a , o
que implica uma contradição. Assim, necessariamente, temos q > p .
Observamos que a negação da propriedade fornecida por esta proposição pode
ser útil, assim, caso tenhamos um corte a , com p Î a e se q £ p , necessariamente,
obtemos que q Î a , que é basicamente a condição (iii).

Proposição:
Se r Î  e a = {x Î | x<r} , então a é um corte e r é a menor cota superior de a .

História da Matemática 143


Demonstração:
Vejamos que o conjunto a = {x Î | x<r} é um corte. De fato, notamos que
a = {x Î | x<r} Ì  , mas a ¹  , pois o conjunto dos racionais é ilimitado. Por
outro lado, a = {x Î | x<r} ¹ Æ , dado r Î  , podemos sempre encontrar um
número x Î  , de modo que x < r .
Para verificar (iii), basta observar que, se tivermos um elemento qualquer s Î a ,
A então sempre podemos tomar a média aritmética de dois racionais s <
s +r
<r ,
6 s +r s +r
2
e como r Î  e Î  , vemos que o elemento cumpre a condição < r , logo
T s +r
2 2

1 2
Î a . Assim, sempre conseguimos obter um valor maior do que s Î a , de
s +r
modo que Î a , ou seja, s Î a não é elemento máximo. Ferreira (2010, p. 80)
2
sublinha que ‘ r ’ é a menor cota superior. De fato, supomos que exista outra cota
superior r ' de a = {x Î | x<r} , menor do que ‘ r ’, ou seja, r ' < r .
Os cortes do tipo da proposição anterior são denominados cortes racionais e
se representam por r * . Os cortes que não possuem cota superior mínima não são
racionais.
Pode-se verificar que todo corte que possui cota superior mínima é racional.
Mostraremos que existem cortes que não possuem cota superior mínima, logo não
são racionais.
Demonstração: Verificaremos o item (i). De fato, de imediato temos Æ ¹ a , pois
 ¹ Æ e 0 Ï a = {x Î  + | x2 <2} È  *- , logo a ¹  . Para o item (ii), desejamos
*
-

verificar que se r Î a = {x Î  + | x2 <2} È  *- , e tomando qualquer s Î  , de


modo que s < r .

Teorema:
Seja a = {x Î  + | x <2} È  - . Então a é um corte que não é racional.
2 *

Deixamos as condições (i) e (ii) para discutir mais adiante. Quanto à condição
(iii), devemos provar que, se x Î a , então existe y Î a , com y > x (não admite
elemento máximo). Isso é óbvio se x £ 0 . Mas vamos supor que x > 0 , com x 2 < 2 .
Para encontrarmos um elemento ‘y’ nas condições acima, tomaremos h Î  *+ tal que
(x + h) < 2 e pôr y = x + h . Vamos trabalhar com a condição (x 2 + 2h × x + h2 ) < 2
2

e reparamos que poderíamos resolver tal inequação.


Por outro lado, não perdemos a generalidade admitindo que h <1 , assim,
obteremos (x 2 + 2h × x + h2 ) < (x 2 + 2h × x + h) e esta expressão fica menor do que
h<1

144 Licenciatura em Matemática


2 se tomarmos:
2 - x2
<2 x 2 + 2h × x + h < 2 « 2h × x + h < 2 - x 2 « h(2x + 1) < 2 - x 2 « h < .
(2x + 1)
2 - x2 2 - x2
Desde que esta expressão seja positiva, tomaremos h < min{1, },
(2x + 1) (2x + 1)
com h Î  + e y = x + h , e obteremos y 2 = (x + h)2 < 2 \ y Î a e y>x . É um corte.

Notação:
A
6
Denotaremos por  o conjunto de todos os cortes, ou seja,  := {a | a é um corte} .
T
Na sequência, veremos que se podem definir duas operações em  , denotadas 1
por “+” e “× ”, e uma relação de ordem.

Proposição:
Sejam a, b Î Â . Dizemos que a é menor do que b e escrevemos a < b quando
b \a ¹Æ.

Ferreira (2010, p. 82) comenta os seguintes exemplos:


* *
æ3ö æ3ö
a) 4 > çç ÷÷÷ ,
*
pois 2 Î 4 \ çç ÷÷÷ .
*
De fato, reparamos que
è5ø è5ø
*
æ3ö 3 3
4 * :={x Î | x<4} e çç ÷÷÷ := {x Î | x< } e que 2 < 4 , todavia, 2 > .
è5ø 5 5
* 1
b) 1* > (0) , pois Î 1* \ 0 * . Verifique!
2
* * *
c) (-3) < (0) , pois -1 Î 0 * \ (-3) .Notamos que -1 Î 0 * = {x Î | x<0} e
*
-1 Ï (-3) = {x Î | x< - 3} .

Definição:
Se a Î Â e a > 0 * , a chama-se corte positivo. Se a > 0 * , a é dito corte negativo. Se
a ³ 0 * , a se chama corte não negativo e se a £ 0 * , a se chama corte não positivo.

Teorema (tricotomia):
Para a, b Î Â , uma e apenas umas das possibilidades ocorre, a = b ou a < b ou
a>b.

Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.

História da Matemática 145


LEMA:
Sejam a, b Î Â , então:
i) se a < b Û a Ì b e a ¹ b ;
ii) a £ a Û a Ì b .

Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.
A
6 Teorema:
A relação ‘ £ ’ é uma relação de equivalência em  .
T
1 Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.

Teorema:
Sejam a, b Î Â . Se g := {r + s | r Î a e s Î b } , então g Î Â .

Demonstração:
Mostraremos que o conjunto acima satisfaz as três condições de corte. Notamos que
estamos admitindo que a, b ¹ Æ , portanto g ¹ Æ . Sejam t Î  - a e y Î  - b ,
e observamos que, por definição, t > r , "r Î a e u > s , "s Î b . Assim, obtivemos
t + u > r + s , "r Î a e "s Î b , ou seja, t + u Ï g , logo g ¹  .
Na condição (ii), notamos que, se r Î g e s<r , com s Î  , mostraremos que s Î g .
Notamos que ‘r’ é do tipo p + q , com p Î a e q Î b . Daí, s<p+q e escrevemos
s = p + q ' , onde q ' < q , e, portanto, q ' Î b . Conclui-se que s Î g .
Para verificar a condição (iii), precisamos mostrar que o conjunto não possui
elemento máximo, ou seja, se r Î g , existe s Î g tal que s > r . Pelo fato de que
r Î g , escrevemos r = p + q, com p Î a e q Î b , que por sua vez são cortes. Assim,
existe p ' Î a, com p'>p e q' Î b , com q'>q , portanto tomamos s = p '+ q Î g , que
é maior do que r.

Definição:
Para a, b Î Â , definimos a + b como sendo o corte do teorema anterior, ou seja,
a + b := {r + s | r Î a e s Î b } .

Teorema:
*
A adição de cortes em  é comutativa, associativa, e possui elemento 0 como neutro.

146 Licenciatura em Matemática


Demonstração:
Com a comutatividade descrita por a + b = b + a , reparamos que, se r Î a + b ,
podemos escrever r = p + q , e pela comutatividade da soma de números racionais,
escrevemos r = p + q = q + p Î b + a . Portanto, a + b Ì b + a , e, de modo
semelhante, verificamos que a + b É b + a .
A associatividade é descrita por a + (b + g ) = (a + b ) + g .

LEMA:
A
Sejam a Î Â e r Î  *+ , então o conjunto {s + m × r | m Î } não é limitado
6
superiormente em  . T
1
Demonstração:
Deixamos a seu cargo, leitor.

Ferreira (2010, p. 85) apresenta o seguinte lema.

LEMA:
Sejam a Î Â e r Î  *+ , então existem números racionais p e q tais que p Î a ,
q Ï a , q não é cota superior mínima de a e q - p = r .

Demonstração:
Vamos tomar um elemento qualquer s Î a e consideremos a sequência
s, s + r , s + 2r , s + 3r , s + 4r ,......, s + nr . Notamos que essa sequência não é limitada
superiormente, e a é limitado superiormente e s Î a , então existe um único inteiro
m ³ 0 tal que s + mr Î a e s + (m + 1)r Ï a .
Se s + (m + 1)r não for cota superior mínima de a , tome p = s + mr
e q = s + (m + 1)r . Se s + (m + 1)r for cota superior mínima de a , tome
r
p = s + mr + e q = s + (m + 1)r .
2

Definição:
Seja a Î Â . Existe um único b Î Â tal que a + b = 0 * . Como no caso dos inteiros e
racionais, tal elemento b denota-se por -a e se chama simétrico (ou inverso aditivo) de
a.

Demonstração:
Ferreira (2010, p. 86) supõe a condição em que se tem a + b1 = a + b2 = 0 * . Na sequência,
associatividade
escreve b2 = b2 + 0 * = b2 + (a + b1 ) = (b2 + a ) + b1 = 0 * + b1 = b1 . Por outro
lado, a demonstração da existência do simétrico depende, no entanto, da situação
considerada (FERREIRA, 2010, p. 86).

História da Matemática 147


Ferreira (2010, p. 86) fornece a ideia de como construir o elemento simétrico,
considerando, inicialmente, um caso particular de a = 3* . É de se esperar que o
simétrico seja (-3)* . Temos: a = 3* = {r Î | r<3}, (-3)* = {s Î | s< - 3} . E
ainda que 3* + (-3)* = {r + s Î |r Î 3* s Î (-3)* } . Necessitamos verificar que
3* + (-3)* Ì 0 * e vice-versa.
Seja t Î 3* + (-3)* , então t =r +s , onde r <3 e s < -3 . Logo,
A t = r + s < 3 + (-3) = 0 e portanto t < 0 e t Î 0 . Seja agora t Î 0 , ou seja, t < 0 .
* *

6 Para fixar as ideias tomemos t = -2 e como expressar o -2 como uma soma r + s


com r < 3 e s < -3 ? (FERREIRA, 2010, p. 86).
T Reparamos que, pelo lema anterior, existem r Î 3* e r' Ï (-3)* , com
1 r ' ¹ 3 (=cota superior mínima de 3* ) , tais que r '- r = 2 ou ainda -2 = r + (-r ') ,
como r ' > 3 , então -r ' < -3 , ou seja, -r ' Î (-3)* . Tentaremos utilizar as ideias
desse caso particular no caso geral (FERREIRA, 2010, p. 86).
Dado a ÎÂ , o candidato ao caso -a é o conjunto obtido
pelos negativos dos elementos que estão fora de a, com exceção
da eventual cota superior mínima de a. Mais precisamente, seja
b = { p Î |- p Ï a e - p não é cota superior mínima de a} . Observamos que
(-3) = { p Î |-3 Ï 3 e - p não é cota superior mínima de (-3) } .
* * *

Ferreira (2010, p. 86) sublinha que, no caso geral, não temos necessariamente cortes
racionais e, então, o símbolo (-a )* pode não fazer sentido. Mostremos que b é um
corte e que a + b = 0 * . Como de costume, precisamos verificar as três condições.
As condições (i) e (ii) deixaremos como atividades e verificaremos a condição (iii).
Com esta intenção, Ferreira (2010, p. 87) toma r Î b . Queremos mostrar que
podemos encontrar s > r em b . Como -r é cota superior de a , mas não é mínima,
logo existe t Î  , com -t < -r , tal que -t é cota superior de a e, portanto, -t Ï a .
r +t
Seja então s = . Temos -t < -s < -r , de modo que -s é cota superior de a .
2
Em seguida, o autor verifica que vale a propriedade a + b = 0 * .

Definição:
Como nos casos de  e  , definimos a subtração em  por
a - b = a + (-b ) , "a,b Î Â .

Teorema(compatibilidade da relação de ordem com a adição):


Sejam a, b , g Î Â tais que a £ b . Então a + g £ b + g .

Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.

148 Licenciatura em Matemática


Ferreira (2010, p. 87) define uma multiplicação em  , seguindo os mesmos passos
realizados na definição da adição e de suas propriedades. Nota-se que o tratamento
da multiplicação em  seja tecnicamente um pouco mais complicada, o mesmo autor
segue o tratamento e as demonstrações para o caso da adição. Ferreira repara, todavia,
que alguns ajustes são necessários para uma definição precisa da multiplicação. Para
tanto, enuncia o teorema.
A
Teorema: 6
Para a, b , g Î Â , com a ³ 0 * e b ³ 0 * ,
T
seja g :=  *- È {r Î | r=pq , com p Î a, q Î b , p ³ 0 e q ³ 0} .
1
Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.

Definição:
Dado a Î Â , definimos o valor absoluto de a ( ou o módulo de a ), representado por
ìïa se a ³ 0 *
a , do seguinte modo a = ïí .
ïï-a se a £ 0 *
î

Definição:
Sejam a, b , g Î Â , definimos:

ìï-( a b ) se a > 0 * e b < 0 * ou a < 0 * e b > 0 *


ïï
ab = ïí( a b ) se a < 0 * , b < 0 * ou a > 0 * e b > 0 *
ïï
ïï0 se a = 0 * e b = 0 *
îï

Teorema:
A multiplicação de cortes é comutativa, associativa, tem 1* como elemento neutro e se
a, b , g Î Â , vale:
i) a(b + g ) = ab + ag
ii) a × 0 * = 0 *
iii) ab = 0 * se, e somente se, a = 0 * ou b = 0 *
iv) se a ³ b e g ³ 0 * , então ag £ bg
v) se a ³ b e g < 0 , então ag ³ bg
*

vi) se a ¹ 0 * em  , então existe um único b Î Â tal que ab = 1 . Tal corte chama-se


*

de inverso de a e denota-se por a-1 .

História da Matemática 149


Teorema (regra dos sinais):
Sejam a, b Î Â , então valem as propriedades
a) (-a) × b = a × (-b ) = -(a × b ) .
b) (-a) × (-b ) = (a × b ) .

A Demonstração:
6 Deixamos como tarefa para você, leitor.

T Proposição:
1 Seja a Î Â , temos que r Î a se, e somente se, r * < a .

Demonstração:
Deixamos como tarefa para você, leitor.

Proposição:
Sejam a, b Î Â e a < b , então existe um corte racional r * tal que a < r < b .
*

Demonstração:
Deixamos a seu cargo, leitor.

Ferreira (2010, p. 90) comenta que o conjunto  munido de duas operações é uma
relação de ordem obedecendo às mesmas leis aritméticas dos racionais. Além disso, a
aplicação j :  ® Â dada por j(r ) = r * é injetora e preserva a adição, multiplicação e
ordem. O autor explica ainda que obtivemos uma cópia algébrica de um conjunto em
outro, desta vez, j() é uma cópia de  em  , sendo j() precisamente o conjunto
dos cortes racionais (FERREIRA, 2010, p. 90).
Recordamos um teorema que assegura a existência de cortes não racionais.
Portanto, podemos afirmar que  - j() ¹ Æ . Em seguida, Ferreira (2010, p. 91)
apresenta a importante definição.

Definição:
O conjunto dos cortes  será, a partir de agora, denominado de conjunto dos números
reais e é denotado por  . Os cortes racionais serão identificados, via a injeção
j :  ® Â , com os números racionais. Todo corte que não for racional será denominado
numero irracional.

150 Licenciatura em Matemática


Notação:
A identificação de j( ) com  nos permite escrever  Ì  . O conjunto  - 
representa o conjunto dos números irracionais.

Mais adiante, Ferreira (2010, p. 91) sublinha, ao tempo


em que prossegue sua elaboração, que os resultados GUARDE BEM ISSO!
seguintes mostram que, apesar da semelhança entre as A
propriedades aritméticas e de ordem entre  e  , há uma Para o professor de Matemática,
destacamos o seguinte alerta de
6
importante propriedade em  que  não possui a da
completude.
Ferreira (2010, p. 91): um número real
é um conjunto de números racionais.
T
1
Teorema (Dedekind):
Sejam A e B subconjuntos de  tais que:
1)  = A È B 2) A Ç B = Æ 3) A ¹ Æ e B ¹ Æ
4) se a Î A e b Î B, então a<b .
Nestas condições existe um, e apenas um, número real g tal que a £ g £ b , para todo
aÎA e b ÎB .

Demonstração:
Vamos supor que existam dois números g1 e g2 ,
nas condições do enunciado acima, com g1 <g2 , nas condições do enunciado do
teorema. Consideremos g3 tal que g1 <g3 < g2 , devido pela proposição anterior.
Repare que de g3 < g2 , resulta que g3 Î A , pois b ³ g2 , "b Î B e  = A È B . De
modo análogo, g1 <g3 , resulta que g3 Î B . Obtemos então que g3 Î A Ç B = Æ uma
contradição. A existência fica a seu cargo, leitor.
Ferreira (2010, p. 93) acentua que este teorema fornece, em essência, a diferença
entre  e  . E acrescenta: no teorema anterior e o exercício anterior nos dizem,
informalmente que, em  não há “lacunas”, mas que em  , há. Por esta razão,
dizemos que  possui a propriedade da completude ou que  é completo (FERREIRA,
2010, p. 93).

Corolário:
Nas condições do teorema anterior, ou existe em A um número máximo, ou, em B um
número mínimo.

Demonstração:
Deixamos para você, leitor.

História da Matemática 151


Concluímos este tópico discutindo as propriedades axiomáticas que permitem
construir formalmente os números reais. Sublinhamos sempre a importância de
compreender sua essência, embora muitos dos aspectos estudados não pertençam ao
universo de compreensão dos estudantes. Partimos do pressuposto que o professor
de Matemática deve ser conhecedor de um saber bem mais aprofundado do que seu
aprendiz, inclusive para analisar e identificar lacunas, deficiências e inconsistências
A nos livros adotados no ambiente escolar. Na pior das hipóteses, saber o que é de fato
6 um número real e que, formalmente, a inclusão  Ì  apresentada no contexto
escolar não tem sentido. A seguir, discutiremos a construção axiomática dos números
T complexos.
1

152 Licenciatura em Matemática


A
6
T
1
02
TÓPICO
AS DIMENSÕES FILOSÓFICAS DOS
FUNDAMENTOS DA MATEMÁTICA IV

A
OBJETIVO
5 Descrever a construção axiomática dos números

T complexos.

1
2

O s números complexos chamam a atenção dos estudantes até mesmo pela


própria nomenclatura adotada tradicionalmente. De fato, aos olhos
do aprendiz, como significar e interpretar de um objeto que de início
já o denominamos de “complexo”? Nesta aula abordaremos esta noção de modo
axiomático no sentido de finalizar a construção dos principais conjuntos numéricos
do ensino escolar.
Observamos que Ferreira (2010, p. 113) menciona que:
No Ensino Médio, os números complexos são introduzidos
a partir da chamada “unidade imaginária”, i, com a
propriedade de que i = -1 . Eles são definidos então, como
2

expressões da forma a + bi , onde a, b Î  , sujeitas às regras


operacionais conhecidas dos números reais. Assim, por exemplo,

154 Licenciatura em Matemática


(3 + 5i) × (7 - 2i) = 21 - 6i + 36i - 10i2 = 21 + 10 + 29i = 31 + 29i

Ou seja, manipulam-se tais expressões como expressões algébricas
reais, sob a condição extra de que i2 = -1 .

Do ponto de vista do rigor matemático, é necessário justificar cuidadosamente


a origem de um tal numero ‘i’. Por outro lado, a construção rigorosa dos números
A
complexos a partir dos números reais é mais simples do que todas as que realizamos até
6
agora (FERREIRA, 2010, p. 113). No Ensino Médio, aprendemos que dois números
complexos, a + bi e c + di , são iguais apenas quando a = b e c = d , o que nos T
lembra a igualdade entre os pares ordenados (a, b) e (c , d ) . É esse o ponto de partida 2
para a construção dos complexos (FERREIRA, 2010, p. 113).
Assim, define-se a soma (a + bi) +(c + di) = (a + c ) + (b + d ) i e

(a + bi) × (c + di) = (ac - bd ) + (ad + bc ) i . Em seguida Ferreira (2010, p. 114) esclarece



que se admitíssemos um número complexo como sendo um par ordenado de números
reais, portanto sem mencionar o símbolo ‘i’, poderíamos definir as operações acima
do seguinte modo: (a, b) + (c , d ) = (a + c , b + d ) e (a, b) × (c , d ) = (ac - bd , ad + bc ) .
Temos formalmente a seguinte definição.

Definição:
Consideremos o conjunto  ´  =  2 e nele definamos a adição e a multiplicação com
acima. O conjunto  2 , denotado por essas operações, será denominado conjunto dos
números complexos e denotado por  .

Teorema:
As operações em  têm as seguintes propriedades: a adição e a multiplicação são
comutativas, associativas e têm elemento neutro. (0,0) para a adição e (1,0) para a
multiplicação. Além disso, dado (a, b) Î  seu simétrico existe, -(a, b) , e é (-a,-b) ,
æ a -b ÷ö
e é çç
-1
e se (a, b) ¹ (0,0) , seu inverso existe (a, b)
çè a 2 + b2 , a 2 + b2 ÷÷ø . Finalmente, a
multiplicação é distributiva e relação a adição.

Demonstração:
Deixamos como exercício para você, leitor.

Ferreira (2010, p. 115) explica que podemos imergir  em  e observa


inicialmente que um número complexo arbitrário (a, b) Î  pode ser escrito da
forma (a, b) = (a,0) + (b,0) × (0,1) , ou seja, utilizando-se apenas de pares ordenados
com a segunda coordenada nula, (a,0) , e (b,0) , e o número complexo especial (0,1) .
Consideremos agora a seguinte função k :  ®  dada por k(x ) = (x,0) .

História da Matemática 155


Definição:
A função k :  ®  é injetora e preserva as operações de adição e multiplicação, isto é,
k( x + y ) = k( x ) + k( y ) e k( x × y ) = k( x ) × k( y ) .

Demonstração:
Deixamos como exercício para você, leitor.

A De modo similar aos casos estudados anteriormente, aqui também temos em


6  uma cópia algébrica de  , k(  ) , o que nos permite identificar  com k(  )
T e, portanto, considerar  Ì  . Admitindo essa identificação e adotando ‘i’ para o
2 número complexo (0,1) , a expressão para (a, b) = (a,0) + (b,0)(0,1) pode ser escrita
como a + bi , como fazíamos no Ensino Médio (FERREIRA, 2010, p. 115).
Note ainda que i2 = (0,1) 2 = (-1,0) , o que identificamos com o real -1. Sob
a notação acima, os complexos do tipo a + bi , com b ¹ 0 , chamam-se números
imaginários, e, além disso, a = 0 , obtemos os imaginários puros. Essas denominações
têm sua origem na resistência histórica em se admitir os complexos como números.
Observe que o termo “imaginário” vem no sentido de contraposição a “reais”.
Observamos ainda que as propriedades aritméticas de  , dadas pelo teorema
anterior, são as mesmas que as de  (que são as mesmas que as de  ). Assim, um
conjunto, munido de duas operações que podemos continuar denotando por + e × ,
possuindo essas propriedades aritméticas chama-se corpo.
Apesar de aspectos semelhantes, há grandes dessemelhanças entre os três corpos
,  e  , como acentua Ferreira (2010, p. 116). O autor recorda ainda que os corpos
 e  , como já tínhamos visto, são dotados de uma relação de ordem compatível
com as suas operações e são, portanto, ambos corpos ordenados, sendo  um corpo
ordenado completo e  um corpo ordenado não completo.
Observamos que é impossível dotar  de uma relação de ordem compatível
com as suas operações aritméticas. Intuitivamente, não temos como dizer se 3 é
maior ou menor do que 3i ou do que 2 + i , por exemplo. Dessa forma,  é um
corpo não ordenável. Por outro lado, Ferreira (2010, p. 116) acentua que  possui
uma propriedade algébrica importante. Tal propriedade é descrita no teorema: todo
polinômio não constante com coeficientes complexos admite uma raiz em  .
Devido a este resultado atribuído a Gauss, o teorema é chamado de Teorema
Fundamental da Álgebra. E o conjunto  é dito algebricamente fechado.
Berlinghoff e Gouvêa (2004, p. 177) recordam um fato semelhante envolvendo nada
menos do que Renée Descartes (1596-1650), que, no século XVII, indicava que, para
encontrar os pontos de interseção entre uma circunferência C e uma linha r (Figura

156 Licenciatura em Matemática


1), encontramos uma equação quadrática e tal equação conduz a raízes quadradas de
grandezas negativas quando C Ç {r } = Æ . Assim, para a maior parte, o sentimento
era a aparência de soluções “impossíveis” ou “imaginárias” que dava um sinal de que
o problema não possuía qualquer solução. Todo o problema advinha da desconfiança
dos matemáticos com respeito aos números complexos.

A
6
T
2
Figura ������������������������������������������������������������������������������������
1�����������������������������������������������������������������������������������
: Descrição geométrica da situação envolvendo o conceito de números complexos (BER�
LINGHOFF; GOUVÊA, 2004, p. 123).

Para concluir a discussão em torno da construção dos conjuntos numéricos


que tradicionalmente são apresentados no contexto escolar satisfazendo a
seguinte cadeia  Ì  Ì  Ì  Ì  Ì ???? , Ferreira (2010, p. 122) acrescenta a
interessante discussão em torno das questões que podemos elaborar em relação à
seguinte pergunta: Os conjuntos numéricos param por aí? Ou seja,  pode ser imerso
propriamente em algum outro conjunto de números?
O autor declara que a resposta para tal questionamento é afirmativa e recorda que
o conjunto  pode ser imerso no anel dos quatérnios de Hamilton. Ademais, declara:
Entretanto, não tem mais a estrutura algébrica de corpo porque
a multiplicação deixa de ser comutativa. Os quatérnios são hoje
utilizados em robótica, computação gráfica e em outras áreas da
ciência. Por sua vez, os quatérnios podem ser imersos nos octônios,
no qual a multiplicação não é mais associativa. Os octônios tem
importantes aplicações em ramos da física como relatividade especial
e teoria das cordas, além de se relacionarem com outras estruturas
matemáticas como os grupos de Lie excepcionais (FERREIRA, 2010,
p. 122-123).

Para concluir, sublinhamos nossos posicionamentos assumidos desde o início


deste curso. Tais posicionamentos assumem um compromisso epistemológico com a
formação do professor de Matemática. Desse modo, embora de modo introdutório,
discutimos determinados tópicos pertencentes aos fundamentos da Matemática e
seu inevitável caráter filosófico.

História da Matemática 157


Tais escolhas devem influenciar o olhar e o exercício do ofício do professor, afinal,
concordamos com Thom (1992, p. 24) quando explica que quer desejemos ou não, toda
pedagogia matemática, mesmo aquela menos coerente, repousa sobre a filosofia da matemática.
Portanto, não discutimos uma pedagogia desinteressada e aplicável a todas as áreas do
conhecimento científico. Discutimos e alertamos sobre a importância de uma “pedagogia
da Matemática”, que, inevitavelmente, deve possuir seus fundamentos epistemológicos e
A filosóficos, os quais apresentamos, pelo menos em parte, aqui.
6 Recordamos que algumas questões filosóficas negligenciadas em cursos de formação de
licenciados dizem respeito à dimensão axiológica do saber matemático que abordamos nas
T aulas iniciais. Mais especificamente falando, a questão sobre a verdade ou a falsidade dos
2 enunciados matemáticos.
O modelo standart no locus acadêmico de busca da verdade de propriedades do tipo:
(a + an )n
a 2 = b2 + c 2 (Teorema de Pitágoras) ou Sn = 1 (soma dos termos) se restringe em
2
seguir passo a passo uma demonstração até se alcançar a tese; contudo, os próprios modelos de
inferências e a natureza da argumentação não são discutidos.
É inapropriado o professor transmitir a impressão de que as decisões em sala de aula e as
escolhas feitas em cadeias de raciocínio deste tipo são sempre baseadas na certeza matemática.
Neste sentido, concordamos com Brochard (1884, p. 5) quando lembra que a maior parte dos
homens, nas circunstâncias da vida, se decide baseando-se na crença e não na certeza.
Além disso, encontramos vários exemplos de teorias na História da Matemática e das
Ciências que apresentavam uma sustentação sólida e consistente, em determinados momentos
históricos e, em outros, tiveram suas bases enfraquecidas em virtude de determinadas
refutações e questionamentos, haja vista o surgimento de novos pontos de vista. É justamente
o caso da teoria de Isaac Newton (1643-1727), que foi bem estabelecida e confirmada no
século XVIII e questionada séculos mais tarde.
De fato, Popper (1972, p. 34) lembra que a teoria de Einstein veio mostrar que a teoria
newtoniana não passa de uma hipótese ou conjectura e seu valor se mede, sobretudo por
sua falsicabilidade. Ou seja, com Einstein, evidenciamos o
levantamento de determinadas conjecturas que se mostraram
verdadeiras e que negaram ou falsearam enunciados essenciais
da teoria de Newton.
VOCÊ SABIA? Em exemplos como este, percebemos que a própria noção de
Shapiro (2000, p. 166) explica que verdade e falsidade, a noção do rigor matemático, de existência,
Gôdel admitia G uma sentença na de consistência e a noção de completude de uma teoria matemática
linguagem T. Se T é consistente, então vai se modificando no decorrer dos séculos.
G não é teorema de T.
Faz parte de nossa missão, como professores formadores,

158 Licenciatura em Matemática


evitar a falsa impressão em nossos alunos de que o conhecimento matemático, desde o
seu nascedouro, se apresenta daquela forma “bonitinha” como o encontramos nos livros
didáticos, descritos axiomaticamente por uma linguagem moderna adotada pelo professor
na escola. Afinal, até mesmo a linguagem ou o sistema de representação semiótica empregado
na Matemática evolui, uma vez que os símbolos e classificações
em Matemática são historicamente determinados. Eles são
arbitrários no sentido de que símbolos e classificações numa
SAIBA MAIS!
A
linguagem são escolhidos. Desta forma eles podem ser vistos 6
numa perspectiva fenomenológica em que tais símbolos possuem Sertafi (2008, p. 125) lembra que
significados particulares e derivam de experiência individual do Leibnitz colocou em circulação cerca T
seu uso (SERTAFI, 2008, p. 53). de doze novos símbolos, que o mesmo 2
queria testar e selecionar o mais
O caráter arbitrário que mencionamos se manifesta de forma apropriado. Porém, todos eles dotados
sutil e velada. Um professor consciente sabe que simbologias de uma extraordinária imaginação
são “enterradas” e descartadas em razão de suas limitações, simbólica e otimismo inveterado.

ambiguidades ou falta de operacionalização; mas, de modo


autoritário, vemos a adoção, sem nenhuma explicação, de
determinadas notações que obtiveram mais êxito do que
outras, contudo não nos lembramos de que elas representam a
superação dos erros, das incompreensões e as inseguranças de VOCÊ SABIA?
matemáticos do passado.
Ernest (1991, p. 7) explica que a visão
Temos aí uma face deste absolutismo quando priorizamos absolutista da matemática consiste
o caráter sintático da linguagem, que passou por profundas em certas verdades imutáveis. O
conhecimento matemático nesta
modificações em vez do seu caráter semântico. Paradoxalmente,
perspectiva se constitui a partir de
o teor e a visão absolutista, o caráter rigoroso e formal da verdades absolutas e irrefutáveis.
Matemática parecem ser mais “cômodos” no que se refere
à transposição didática do saber. Na prática, no ambiente
acadêmico, o próprio método axiomático de estruturação e
organização deste saber é usado como “metodologia de ensino”.
Denunciamos que o grande equívoco é aplicar um método SAIBA MAIS!
de construção e constituição do saber matemático no ambiente
Sertafi (2008, p. 125) Shapiro
da pesquisa como uma “metodologia de ensino”, haja vista que (2005, p. 176) explica que o termo
o primordial no método axiomático é a abstração da abstração, estruturalismo é associado ao grupo
inolvidável chamado Bourbaki. Dentre
enquanto isso, no ensino escolar, deveríamos primar pela
as suas propostas, o método axiomático
intuição, pelo raciocínio heurístico. poderia fornecer a unificação dos
Nesse sentido, recordamos as colocações filosóficas do diversos ramos da Matemática e
matemático Freudenthal (2002, p. 145) quando declara que se apenas ele tornaria a Matemática
inteligível.
o construtivismo significa algo didático, devemos indicar o que

História da Matemática 159


esperamos construir. Mas, infelizmente, os indicadores de nossa realidade nos fazem concordar
com Gattegno (1960, apud, PIAGET et al.,1960, p. 159) quando conclui que a maior parte
dos professores de matemática considera que sua tarefa consiste em fazer os estudantes racionar
logicamente e não importa a que custo.
Advertimos que a concepção do curso de formação deverá ser um fator condicionante
e determinante na futura identidade profissional construída pelo egresso de um curso de
A graduação. Vale a pena comparar as duas concepções possíveis que exibimos nas ilustrações
6 abaixo.

T
2

Figura 2: Fluxograma do currículo de formação de professores de Matemática que não estabelece


conexão entre os saberes específicos e pedagógicos (elaboração própria).

Reparamos que, na Figura 2, descrevemos o modelo obsoleto de formação mais


identificável e mais explorado em vários cursos de graduação no Brasil. Por outro
lado, na Figura 3, a seguir, recordamos a concepção de formação assumida no
decorrer das aulas de Filosofia das Ciências e da Matemática. Deixamos para você,
leitor, a prerrogativa de efetuar suas próprias escolhas.

Figura ������������������������������������������������������������������������������������
3�����������������������������������������������������������������������������������
: Fluxograma proposto para uma adequada formação do professor de Matemática (elabo�
ração própria).

160 Licenciatura em Matemática


Concluímos esta destacando a importância de divisarmos a dimensão filosófica do
saber matemático. Observamos que nas ultimas aulas, em que descrevemos, embora
de modo “apressado”, em virtude da concisão necessária neste material, a construção
axiomática dos conjuntos numéricos. Torna-se uma exigência, deste modo, que o
professor amplie sua própria visão da Matemática e transmita um significado bem
mais amplo do que o significado usual e restrito fornecido pelos livros didáticos.
Entretanto, o “livro didático” será nosso objeto de discussão em um futuro próximo. A
6
T
2

História da Matemática 161


03
TÓPICO
UMA APLICAÇÃO DE SEQUÊNCIA
METODOLÓGICA DE ENSINO
POR MEIO DE SUA HISTÓRIA
A
OBJETIVO
5 Apresentar uma aplicação de uma sequência de

T ensino para conteúdos de História da Matemática.

1
2

G rugnetti & Rogers (2000, p. 53) explicam que a História da Matemática pode
atuar não apenas como um fator de ligação entre tópicos de Matemática,
como também as ligações entre a Matemática e outras disciplinas. Os
referidos autores desenvolvem uma análise na perspectiva da História da Matemática
e discutem como determinados saberes podem ser mediados no ensino.
Entretanto, no âmbito do ensino de Matemática, assumimos a necessidade da
adoção de uma proposta metodológica que viabilize a abordagem de conteúdos
matemáticos por meio de sua história. Assim, adotaremos a “proposta teórico-
metodológica apresentada por um grupo de Educadores Matemáticos do Estado do
Ceará” (BORGES et al, 2001, p. 3) denominada Sequência Fedathi – SF que possibilita
a criação de um clima experimental que retrata o os momentos e as dificuldades
enfrentadas por um matemático profissional em busca da constituição de um saber.

162 Licenciatura em Matemática


A referida sequência de ensino prevê os seguintes níveis:
• Nível 1 Tomada de posição – apresentação do problema ou de um teorema.
Neste nível, o pesquisador-professor apresenta uma situação-problema
(possivelmente no âmbito da História da Matemática) para o grupo de alunos,
que devem possuir meios de atacar mediante a aplicação do conhecimento a
ser ensinado.
• Nível 2 Maturação – compreensão e identificação das variáveis envolvidas
no problema relacionado à História da Matemática (destinado a discussão e A
debate envolvendo os elementos: professor-alunos-saber).
6
• Nível 3 Solução – apresentação e organização de esquemas/modelos que
visem à solução do problema. Aqui, os alunos organizados em grupos, T
devem apresentar soluções e estratégias, que possam conduzir aos objetivos 3
solicitados e convencer com suas argumentações outros grupos.
• Nível 4 Prova – apresentação e formalização do modelo matemático a ser
ensinado. Aqui, a didática do professor determinará em que condições
ocorrerá a aquisição de um novo saber que deve ser confrontado com os saberes
matemáticos atuais, inclusive as modificações condicionadas pela evolução e
modernização do mesmo.

A adoção de uma proposta metodológica para o ensino das sequências de Fibonacci


e de Lucas é justificada a partir da evidencia de que, na literatura da área de História
da Matemática, obtida por meio de um levantamento bibliográfico e análise de livros,
ocorre escassez de uma discussão mais aprofundada e das implicações possíveis
extraídas a partir das relações conceituais entre as sequências supracitadas, além do
quadro acadêmico preocupante descrito por Bianchi (2006) e Stamato (2003).
Encontramos também nas afirmações de Lima (2001(a)) preocupantes conclusões
a respeito da qualidade do livro didático de Matemática, de modo particular, na
abordagem de sequências numéricas. Deste modo, de acordo com a sugestão de Lima,
desenvolveremos algumas considerações que podem evitar determinadas concepções
e hábitos indesejados na aprendizagem dos estudantes.
Uma concepção facilmente identificada diz respeito a um ensino de Matemática
que não evidencia as relações conceituais. Deste modo, como descrevemos na Figura
1, discutimos um assunto que possibilita uma ampla ligação conceitual interna à
própria Matemática. “Tal ligação precisa ser compreendida de modo local e global
por parte do professor interessado em seu ensino” (ALVES; BORGES NETO, 2010,
p.3). Além disso, ao observarmos as conexões e implicações possíveis e conhecendo
a natureza da complexidade dos conceitos envolvidos, podemos prever os momentos
didáticos em que cada noção pode ser explorada e antever os possíveis obstáculos
ao aprendizado.

História da Matemática 163


Passamos assim a descrever uma proposta de aplicação teórica dos conteúdos de
sequência de Fibonacci e de Lucas, segundo o modelo que nominamos de “estendido”.

A
6
T
3
Figura 2: Relações conceituais exploradas (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 5).

Honsberger (1985, p. 104) menciona, sem fornecer muitos detalhes, que, “não
existe dificuldade em estender a seqüência de Fibonacci no sentido indefinidamente
oposto”. De fato, notamos que: f1 = f0 + f-1 \ f-1 = 1; f0 = f-1 + f-2 \ f-2 = -1 ,...,
etc. Sucessivamente temos:
{f-n }nÎ :{......; f-n ;...; f-8 ; f-7 ; f-6 ; f-5 ; f-4 ; f-3 ; f-2 ; f-1 ; f0 }
(1)
{ ....;...... ; - 21; 13 ; - 8 ; 5 ; - 3 ; 2 ; - 1 ; 1 ; 0}
Destacamos que, em nenhuma das obras consultadas, encontramos a descrição
da sequência de Fibonacci para o conjunto dos inteiros
negativos. Entretanto, usando o mesmo princípio
para a forma geral fn = fn-1 + fn-2 , estabelecemos
SAIBA MAIS! f-n = f-n-1 + f-n-2 , n Î  . Acrescentamos ainda que
Conheça mais sobre a história do o modelo matemático descrito por fn = fn-1 + fn-2 ,
matemático Giovanni Domenico pode ser considerado, numa linguagem atual, como
Cassini acessando o site http://www.
uma singela modelagem da geração de coelhos; todavia,
apprendre-math.info/portugal/
historyDetail.htm?id=Cassini o mesmo não podemos dizer em relação à sequência
{f-n }nÎ .
De modo análogo, lembrando que L1 = L0 + L-1 \ L-1 = L1 - L0 = -1, temos a
seguinte regra L-n = L-n-1 + L-n-2 , para n Î  . Exibimos a sequência:
{L-n }nÎ :{..; L-n ;...; L-8 ; L-7 ; L-6 ; L-5 ; L-4 ; L-3 ; L-2 ; L-1 ; L0 }
(2)
{ ...;...... ; ; 18 ; - 11 ; 7 ; - 4 ; 3 ; - 1 ; 2 }
A vantagem desta formulação pode ser compreendida, por exemplo, a partir da
fórmula fn+1 × fn-1 - fn 2 = (-1) n demonstrada pela primeira vez por Giovanni Domenico
Cassini (1625-1712), em 1680, como explica Koshy (2007, apud ALVES; BORGES
NETO, p. 134). Vamos agora realizar o mesmo raciocínio para a sequência descrita

164 Licenciatura em Matemática


æ0 1 ö÷ æ f0 f-1 ö÷
por f-n = f-n-1 + f-n-2 . A matriz adequada será dada por Q1 = çç ÷ = çç ÷.
èç1 -1ø÷÷ èçf-1 f-2 ø÷÷
æf-n+1 f-n ö÷
De modo análogo e com algum esforço, concluímos Q n = çç ÷ . Aplicando
èç f-n f-n-1 ø÷÷
um argumento semelhante ao de Honsberger, obtemos a seguinte identidade
f-n+1 × f-n-1 = (-1) n + f-n 2 , para n Î  . Assim, tomando-se os modelos {f-n }nÎ e A
{L-n }nÎ , que chamaremos de “sequências estendidas”, podemos inferir propriedades 6
surpreendentes. Vamos exemplificar nossa afirmação sugerindo o seguinte problema:
Qual o comportamento geométrico de {f-n }nÎ e {L-n }nÎ ? T
3
Faremos agora o passo a passo do processo metodológico da aula sobre
sequência.

Nível 1 Tomada de posição – apresentação do problema ou de um teorema.


Destacamos que tal questionamento é pouco usual. De fato, notamos que a noção
de sequência é explorada, eminentemente, “num quadro aritmético e algébrico”
(LIMA, 2001(b), p. 123). Assim, a partir da listagem (1) e (2), podemos estimular os
estudantes na construção dos seguintes gráficos.

Figura 3: Apresentação geométrica das sequências (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 8).

Certamente que sem o auxílio computacional, não conseguimos descrever o


gráfico acima para valores muito grandes. Assim, no nível 2 empregamos o aparato
tecnológico.

Nível 2 Maturação – compreensão e identificação das variáveis envolvidas no


problema. (Destinado à discussão e debate envolvendo os elementos: professor-
alunos-saber).

História da Matemática 165


A partir da observação da figura 4, o professor deve salientar aos seus estudantes o
caráter limitado e insuficiente, no sentido de prever o comportamento das sequências.
Inclusive, usando o software Maple 10, notamos que, de modo semelhante ao modelo
tradicional, o mesmo fornece apenas os valores positivos da sequência, definida para
inteiros positivos. Reparamos as aproximações por casas decimais descritas pelo
programa na figura 3. Tal listagem pode gerar alguma estranheza nos estudantes,
A uma vez que, segundo o modelo de Fibonacci, não poderiam existir 4,9999999956
6 casais de coelhos.
Neste nível, o professor poderá estimular atividades numéricas. Por exemplo, a
T partir da figura 6, f-2n = -f2n e f-(2n+1) = f2n+1 para o caso do gráfico de {f-n }nÎ .
3 E de modo equivalente, os alunos podem debater o comportamento do gráfico
da sequência de Lucas, entretanto, respeitando o poder de síntese desta aula, nos
restringiremos daqui em diante ao caso da sequência de Fibonacci estendida {f-n }nÎ .

Nível 3 Solução – apresentação e organização de esquemas/modelos que visem à


solução do problema relacionado a História da Matemática.
A partir das propriedades conjecturadas no nível 3, a saber f-2n = -f2n e
f-(2n+1) = f2n+1 , o professor necessita instigar a turma na compreensão de que
tais propriedades são insuficientes para responder o problema inicial. Aqui,
evidenciamos uma importante característica da SF, que busca evitar uma aparência
superficial do conhecimento matemático.
Tal aparência superficial leva os estudantes a pensarem que para todo problema
encontramos uma resposta definitiva e conclusiva. Neste caso, o mestre sabe que a
resposta para o problema exige bem mais do que algumas linhas de argumentação
e, além disso, deve conhecer a priori as possíveis propriedades necessárias e antever
as dificuldades reais à evolução do conhecimento em discussão pela turma. No
próximo nível, o professor convencerá seus alunos a respeito das argumentações
que apresentam maiores chances de êxito, mesmo que parcial, para o problema.

Nível 4 Prova – apresentação e formalização do modelo matemático a ser


ensinado.
Admitindo que seja verdade que f-2n = -f2n e f-(2n+1) = f2n+1 , poderíamos
afirmar que o comportamento geométrico da sequência de Fibonacci de termos pares
estendida será o mesmo comportamento da sequência tradicional, a menos de um
sinal, o que provocará a simetria no gráfico. E no segundo caso, poderíamos concluir
que os termos ímpares, tanto da sequência tradicional como a sequência de Fibonacci
estendida, devem ser idênticos, entretanto ambas produzem respostas parciais

166 Licenciatura em Matemática


para nosso problema inicial. Para verificar tais igualdades, seguimos a sugestão de
Benjamin; Quinn (2005, p. 143), que propõem a verificação da seguinte igualdade
f-n = (-1) n+1 × fn para n Î  .
Mas assumindo por indução a igualdade f-n = (-1) n+1 × fn ,
necessitamos provar que f-( n+1) = f-n-1 = (-1)( n+1)+1 × fn+1 = (-1) n+2 × fn+1 .
Usamos f-( n-1) = (-1) n-1+1 × fn-1 = (-1) n × fn-1 , assim:
Hipótese A
f-n+1 = f-n + f-n-1 \ f-n-1 = f-n+1 - f-n =
6
= (−1) n ⋅ fn−1 − (−1) n+1 ⋅ fn = (−1) n ⋅ fn−1 + (−1) n ⋅ fn =
T
= (−1) n ⋅ (fn−1 + fn ) = (−1) n+2 ⋅ fn+1 3
“O pensamento matemático pode apoiar os estudantes em diversos modos quando
estudam história” (GRUGNETTI; ROGERS, 2000, p. 53). A investigação de evidências
primárias e o processo de decisão de quais são os resultados e fatores chave em
cada evento proporciona uma visão global e interconectada aos jovens, entretanto
o professor necessita se apoiar em concepções e teorias que possam viabilizar um
ensino/aprendizagem produtivo, com o suporte da História da Matemática.
A proposta metodológica denominada Sequência Fedathi visa um ensino
desta ciência que preserva alguns traços característicos do momento de criação
e descoberta de um matemático. Deste modo, uma das variáveis na pesquisa é a
formulação de situações-problema intrigantes que exigem bem mais do que o
exercício do pensamento algorítmico (OTTE,1991, p. 285).
Em nosso caso, evidenciamos em várias obras a ausência da exploração de
propriedades intrigantes entre as sequências de Fibonacci e de Lucas. Apenas em
Honsberger (1985), encontramos a breve sugestão de desenvolver propriedades com
o que nomeamos de sequência estendidade de Fibonacci. A partir dela, desenvolvemos
também algumas propriedades para a sequência estendida de Lucas. Seguindo o
raciocínio encontrado nos livros consultados, adaptamos os resultados obtidos para
a primeira sequência na segunda.
Na figura 3 exibimos nossa última relação descrita de modo significativo por meio
de uma interpretação geométrica. Respeitando os limites de síntese deste artigo,
salientamos, de modo resumido, o caso das relações com a noção de convergência de
f
sequências. Descobrimos que o quociente n+1 f converge (BENJAMIN; QUINN,
n

2005, p. 157). O mesmo resultado pode ser compreendido de modo intuitivo e


informal num curso de História da Matemática, quando recorremos à tecnologia. De
modo surpreendente, não identificamos, na literatura pesquisada, o comportamento

História da Matemática 167


Ln+1
de Ln descrita do lado direito da Figura 4.

A
6
T
3

Figura 4: Comportamento geométrico do quociente (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 8).

Finalizamos este tópico salientando a dificuldade enfrentada pelos professores


com vistas a uma efetiva exploração em sala de aula. Com mencionamos
anteriormente, muitos dos conhecimentos apresentados ao professor em formação
envolvem um saber de “caráter informacional”, e não um as obras consultadas
“caráter operacional”. Alertamos que, na maioria dos casos, o professor, por si só,
não consegue realizar as necessárias ligações entre teoria e prática, principalmente
o incipiente na carreira.
Desse modo, buscamos discutir e explorar nestes tópicos um caráter operacional
do saber matemático com um viés eminentemente histórico. Sua importância é
destacada por Dambros (2006, p. 5) ao relatar que:
Dentre as justificativas apresentadas pelos defensores do estudo da história
da matemática pelo professor, há uma insistentemente citada: o professor que
conhece a história da matemática compreende a matemática como uma ciência
em progresso e construção, como uma criação conjunta da humanidade e não
como uma ciência pré-existente, um presente acabado de Deus, descoberta por
gênios e por isso incontestável.

Este caráter de “saber universal”, manifestado de modo peculiar na Matemática, é
histórico. Ele perpassa e influencia toda a formação dos formadores de professores e,
por último, influenciará a formação do licenciado. Muitos destes condicionamentos
podem ser entendidos, na medida em que nos atemos à própria constituição,
evolução e determinação dos currículos de Matemática, desde o Brasil colônia até os
dias atuais. Neste sentido, Miorim (1995, p.192) discute que:

168 Licenciatura em Matemática


Na 3ª série a articulação entre a aritmética e a álgebra continua através da
ampliação do estudo de funções, de sua representação gráfica e das equações e
desigualdades algébricas. Na geometria percebe-se claramente o rompimento com o
modelo euclidiano, quando é proposto o estudo de proposições fundamentais que
servem de base à geometria dedutiva, das noções de deslocamentos elementares no
plano; translação e rotação de figuras e, em seguida, uma série de estudos específicos
sobre figuras relações métricas e homotetia. É a pulverização da geometria dedutiva A
eucliana. 6

Em suas considerações, notamos a denúncia a respeito das reformas históricas T
envolvendo o currículo de Matemática, que, em alguns casos, proporcionaram um 3
efeito nocivo à Educação. Os elementos apontados pela pesquisadora Maria Ângela
Miorim constituem elementos da História da Educação Matemática.

História da Matemática 169


Referências
ABOE, Asher. Episodes from the Early History of Mathematics. New York: The Mathematics
Association of America, 1964.
ÁVILA, G. Várias faces da Matemática: tópicos para a Licenciatura e Leitura Geral, São Paulo:
Blucher Editora, 2007.
BASTIAN, I. O teorema de Pitágoras (dissertação) Faculdade de Educação, PUC/SP, 2000.
BELL, E. T. The development of Mathematics. Second Edition, London: MacGrill Hill
Company, 1945.
BENOIT, P. CHEMLA, K. RITTER, J. Histoire de Fractions, Fraction d´histoire, Boston: Birkhauser,
1992.
BOYER, C. A History of Mathematics. New York: John Wiley and Sons, 1991.
BROLEZZI, A. C. A tensão entre o discreto e o contínuo na historia da Matemática e no
Ensino de Matemática (tese) Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo USP, São
Paulo, 1996.
_______________.Arte de contar: Uma introdução ao estudo do valor didático da historia
da matemática (Dissertação) Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo USP, São
Paulo, 1991.
BROUSSEAU, G. Fondements et méthodes de la Didactiques de Mathematiques. In: BRUN,
J. Didactiques de Mathematiques, Paris: Délachaux Niéstle, 1996, p. 44-111, 1991.
BURIGO, E. Z. Movimento da matemática moderna no Brasil – estudo da ação e do
pensamento dos educadores matemáticos no anos 60 (dissertação), UFRGS, 1989.
BURTON, Anthony. The History of Mathematics: an introduction. 6th edition, New York:
MacGrill Hill, 1976.
_______________. The History of Mathematics: an introduction, 6 edition, New York:
McGraww-Hill, 2006.
CARAÇA. B. J. Conceitos Fundamentais da Matemática, Lisboa: Impresso Portugal, 1970.
CONWAY, J. & GUY, R. The book of Number. New York: Copernicus Publishers, 1996.
DAMBROS. Adriana. A. O conhecimento do desenvolvimento histórico dos conceitos
matemáticos e o ensino da Matemática (tese). Curitiba: Universidade Federal do Paraná,
2006.
DERBYSHIRE, J. A real and imaginary History of Álgebra, Washington: Joseph Henry Press,
2006.
DOMINGUES, H. H. Fundamentos de Aritmética, Rio de Janeiro: Atual, 1972.
DUARTE, A. A relação entre o lógico e o histórico no ensino da Matemática Elementar
(dissertação), UFSCAR/SÃO CARLOS, 1987.
ESTRADA, M. F. et al. História da Matemática. Editora Universitária: Lisboa, 2000.
EVES, H. Great Moments in Mathematics: before 1650, New York: Dolciani Mathematical
Exposition, 1983.
FRIBERG, J. Amazing Traces of a babylonian origin in Greek Mathematics. London: World
Scientific Publishing, 2007.
GASPAR, M. T. J. Aspectos do desenvolvimento do pensamento geométricos em algumas
civilizações e a formação dos professores (tese) Pós-Graduação em Educação Matemática da
Universidade Estadual Rio Claro (UNESP), São Paulo, 2003.
GOMES, M. L. As práticas culturais de mobilização de histórias da matemática em livros
didáticos destinados ao ensino médio (dissertação), Universidade Estadual de Campinas .
Faculdade de Educação UNICAMP/SP, 2008.
GUILLEN, M. Bridges to Infinity: the human sides of mathematics, Boston: Jeremy and Tacher,
1983.
HANNA, G. & SIDOLI, N. Visualization: a brief survey of philosophical perspectives. In:
ZDM Mathematics Education, v. 39, pp. 73-78, 2007.
HARUNA, N. C. O teorema de Talles (dissertação) PUC/SP, 2000.
HEATH, T. Diophantus de Alexandria: a study in the History of Greek Algebra, Cambridge:
University Press, 1910.
HODGKIN, Luke. A History of Mathematics from Mesopotamia to Modernity. Oxford:
Oxford University Press, 2005.
HUNTLEY, H. E. The divine proportion: a study in mathematical beauty. New York: Dover
Publications, 1970.
KATZ, V. et all, Learn from the Masters, New York: The Mathematical Association of America,
1995.
_____________.A History of Mathematics. New York: Addison Wesley, 1998.
KLINE. M. Mathematics for the nonmathematician. New York: Dover Publications, 1967.
KOUKI, R. Enseignement et apprentissage des équations, inéquations et fonctions au
secondaire: entre syntaxe et sémantique (these), Lyon I: Université Clode Bernard, 2008.
KRATZ. S. G. An episodic History of Mathematics, New York: Springer, 2006.
LIMA. R. N. Resolução de equações do terceiro grau através de cônicas (dissertação), PUC/
SP, 1999.
MAOR, E. The Pythagorean Theorem: a 4.000-year history, Princenton: Princenton University,
2007.
MARTINS. João. C. G. Sobre revoluções científicas na Matemática (tese) Instituto de Geociências
e Ciências Exatas - Universidade Estadual Paulista, 2005.
MIGUEL, A. Três estudos sobre a Historia e a Educação Matemática (tese), Pós-Graduação em
Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 1993.
MUIR. Jane. Of men and Numbers. New York: Dover Publications, 1996.
ORE, O. Invitation To Number Theory, London: Random House, Nº 20, 1967.
ORE, O. Number Theory and its History, New York: McGrill-Hill, 1948.
PALARO, L. A. A concepção de Educação Matemática de Henri Lebesgue (tese) Faculdade de
Educação na Pontifica Universidade Católica (PUC) - São Paulo, 2006.
POPPER, K. Conjecturas e Refutações, Brasília: Editora Universitária, 1972.
SIMMONS, G. F. Calculus Gems: Brief Lives and Memorable Mathematics, New York:
McGraww-Hill, 1992.
SMORYNSKI, C. History of Mathematics: an supplement, New York: Springer, 2008.
TABAK, J. Algebra: Sets, Symbols and the Language of the Thought, New York: Facts On File,
2004.
_________.Geometry: The language of the space and form, New York: Facts On File, 2004.
ZEUTHEN, H. G. Histoire des Mathématiques de l´antiquité et le moyen age, Paris: Gauthiers-
Villars, 1902.
Francisco Regis Alves Vieira

Professor Francisco Regis Vieira Alves atua há dez anos no ensino superior de Mate-
mática e possui experiência de ensino no ambiente escolar durante alguns anos. Foi
professor da Universidade Regional do Cariri – URCA, onde promoveu a modificação
e reorganização de um currículo para o professor de matemática em consonância com
paradigmas atuais e internacionais. Foi coordenador de cursos de especialização nesta
instituição voltados ao ensino da matemática. Atualmente é professor do Instituto Fede-
ral de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará, no qual, possui atividades
direcionadas ao curso de licenciatura. No que diz respeito á sua formação acadêmica,
é licenciado e bacharel em Matemática – UFC; é mestre em Matemática Pura - UFC e
mestre em Educação pela mesma universidade, com ênfase no ensino de matemática.
Encontra-se em fase de conclusão do doutorado em Educação com ênfase no ensino de
Matemática em nível superior.

S-ar putea să vă placă și