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Emerli Schlögl
Universidade Federal do Paraná
emerlischlogl@hotmail.com
Resumo Abstract
O presente artigo intenciona estabelecer diálogos entre This article aims to establish dialogues between
a geografia cultural e a perspectiva das leituras cultural geography and the perspective of symbolic
simbólicas apontadas por Carl G. Jung. O texto readings pointed out by Carl G. Jung. The text
justifica este caminho, tomando por base algumas justifies this choice by considering as its basis some
considerações da Geografia da Religião e autores como considerations from Geography of Religion and
Zeny Rosendahl, quando esta aponta para esquemas from authors such as Zeny Rosendahl, when she
conceituais de Mircea Eliade. A hermenêutica que refers to Mircea Eliade’s concepts. The
organiza o pensar e a análise das representações hermeneutics that organizes the thought and the
simbólicas do sagrado feminino e que, portanto, define analysis of the symbolic representations of the
espacialidades com motivadores oriundos do sacred feminine and that, therefore, defines
sentimento e exercício do poder, torna-se a spacialities with motivators originated from the
problemática e também o prisma de construção deste feeling and the exercise of power, becomes the
artigo. Esta produção, a princípio teórica, reflete sobre problem as well as the point of view according to
algumas espacialidades originadas no interior das which this article is constructed. This research, in
religiões, no contexto da dinâmica simbólica do principle theoretic, reflects on some spacialities
feminino. originated inside the religions, in the context of the
symbolic dynamic of feminine.
Palavras-chave: Geografia. Espacialidades. Feminino.
Religiões. Símbolos. Keywords: Geography. Spacialities. Feminine.
Religions. Symbols.
Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 1, n. 2, p. 270-279, ago. / dez. 2010.
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princípio masculino triunfou sobre o princípio interpretação de representações simbólicas, uma vez
feminino: que a linguagem das religiões e seus sentidos últimos
se expressam de maneira privilegiada pelos seus
O Espírito superou a Vida; a transcendência, códigos simbólicos.
a imanência; a técnica, a magia; e a razão, As crises das culturas patriarcais formaram brechas
a superstição. A desvalorização da mulher para que o feminino pudesse ocupar espaços e apontar
representa uma etapa necessária na história novos símbolos, bem como, trazer à tona um universo
da humanidade, porque não era de seu valor de sentidos significativos que a história havia
positivo e sim de sua fraqueza que ela tirava enterrado.
seu prestígio; nela encarnavam-se os Existiram sociedades antigas onde o princípio
inquietantes mistérios naturais; o homem feminino foi divinizado, , porém o seu poder parece ter
escapa de seu domínio quando se liberta da se transformado e até mesmo declinado. O poema
Natureza (1961, p. 95). Babilônico (2000 AC) denuncia claramente o conflito
entre os poderes femininos e masculinos:
Com base nessa perspectiva, podemos afirmar que
uma epistemologia originada de sujeitos femininos e Ele soltou uma flecha, esta furou a barriga
masculinos, não existe. Mas, também temos que dela
lembrar que a universalização deste pressuposto nos Ele fendeu suas partes interiores, estourou
conduz à negação de outras experiências culturais que seu coração
se mostraram na história da humanidade como Ele destruiu sua vida
possibilidades diversificadas. Ele abateu seu corpo e ficou de pé,
Ensaios para uma nova forma de conceber o triunfante, sobre ela.
conhecimento vêm sendo exercitado no ocidente, a O rei Marduk derrota a Grande Mãe, no
partir dos movimentos reivindicatórios dos diretos Épico da Criação
femininos. Seguindo esta linha de pensamento, Neuma (MILES, 1989, p. 65).
Aguiar (1997) pergunta se o feminismo seria apenas
uma ideologia política, ou mais do que isto, se seria Conforme Miles (1989), no princípio era a Mãe, a
uma possibilidade de realizar uma crítica do mãe era a própria Terra e por extensão a mulher. Os
conhecimento a fim de superar os preconceitos de antigos pensavam que o poder sagrado residia na
gênero e motivar uma revisão das ciências nos espaços mulher e na medida em que os seres humanos
em que omitem as mulheres. “Estaria o feminismo cruzaram o limiar mental entre a interpretação dos
divorciado do pensamento científico?” (AGUIAR, acontecimentos simbólicos ou mágicos e a
1997, p. 10). compreensão nascente de causa e efeito, tudo foi
mudando. Miles, universaliza sua perspectiva,
Desafios epistemológicos generalizando a ideia O rasgo da generalização
impede que o olhar se expanda para compreender
A Geografia Cultural no estudo das representações outros fragmentos da realidade. Importa localizar
religiosas aponta para a importância do entendimento espacial e historicamente cada interpretação de
simbólico a fim de compreender as espacialidades. As realidade, uma vez que esta não se submete ao todo,
representações simbólicas refletem princípios mas apenas ao recorte específico realizado na
organizativos de esquemas mentais sustentados por interioridade de uma dada cultura.
diferentes grupos sociais, inseridos na materialidade Feita essa consideração, seguimos com o
dos espaços geográficos. Esses espaços confirmam pensamento da autora que aponta para o fato de que a
identidades, enraízam tradições e comunicam saberes e Terra divinizada, no contexto de algumas culturas
crenças. patriarcais passa a ser, então, a Terra explorada:
Para o entendimento dos vários sentidos originados
pelo contexto simbólico, no que se refere às questões A mulher relaciona-se, pois, misticamente
das espacialidades femininas, na interioridade das com a Terra: o dar à luz é uma variante, em
tradições religiosas, haverá desafios epistemológicos escala humana, da fertilidade telúrica. Todas
para a Geografia da Religião. Como realizar a as experiências religiosas relacionadas com
hermenêutica da realidade que define os espaços tendo a fecundidade e o nascimento têm uma
por base as diferenças de gênero no contexto das estrutura cósmica. Da sacralidade da mulher
religiões? depende a sacralidade da Terra. A
Neste sentido, nos deparamos com a necessidade da fecundidade feminina tem um modelo
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consequência, a hermenêutica das sociedades. gênero, e no caso específico deste artigo, de gênero em
Santomé (1998) aponta que o sistema educacional relação com a religião, em uma posição acrítica , sem
deveria contribuir para “situar a mulher no mundo, o história e sem espaço.
que implica em redescobrir sua história, recuperar sua Uma vez que intencionamos refletir o simbólico
voz perdida” (p. 141). Ele considera o fato de que as sagrado feminino, tendo por base as espacialidades
instituições escolares desconsideram a história da diversas e o tempo histórico das sociedades
mulher, e os motivadores de sua condição de opressão responsáveis por desenhar culturas diversas, buscamos
e silenciamento. Cabe-nos aqui uma pergunta. Será compreender os gêneros no espaço religioso como
que esta mesma afirmativa pode ser aplicada à metáforas:
Geografia Cultural? Será que o entendimento das
representações simbólicas de espacialidades femininas, Nas tradições psicoespirituais do mundo, o
no contexto das religiões, pode trazer, à pauta, novas Feminino e o Masculino são metáforas-
indagações e contribuições? raízes para a polaridade embutida dos
Para Garcia (2004), doutora em geografia, faz opostos que existe nos mundos natural e
sentido no contexto da geografia o estudo das questões simbólico, em muito semelhantes às bem
relacionadas ao gênero: conhecidas qualidades chinesas yin e yang,
que se encaixam uma à outra no interior de
O valor de analisar o gênero como uma um todo maior (ZWEIG, 1994, p. 22).
construção cultural-simbólica reside em
identificar as expectativas e valores que uma Mas, nem assim teremos superado os limitantes de
cultura concreta associa ao fato de ser nossa linguagem, podemos contar com um construto
homem ou mulher. O enfoque sociológico, que pode nos auxiliar a interpretar os símbolos e a
não obstante, analisa as funções sociais dos integrar as polaridades, porém as desigualdades da
gêneros, o que significa que a problemática estrutura semântica serão sempre um ponto de
centra-se no que fazem e não na valoração desconexão e de traição do próprio discurso. A
simbólica atribuída. Esta perspectiva coloca contradição textual calcada nos formantes da
inevitavelmente a questão da divisão sexual linguagem será um entrave que acompanhará toda a
do trabalho e a concomitante divisão da vida tentativa de superação de disparidades:
social em esfera “doméstica” e “pública”, a
primeira reservada para a mulher à segunda Por referência a uma linha oposicional o
para o homem (p. 119). significado de uma palavra individual pode
ser mapeado. “Mulher”, por exemplo, é
Na especificidade da Geografia da Religião igual a (fêmea humana). Para tornar o
podemos, ainda, refletir que a participação do feminino mapeamento ainda mais econômico, a
nas estruturas religiosas passou por diferentes formas. oposição pode ser convertida em (+) e (-),
Conforme o recorte espacial e o recorte temporal que tornando (mulher = macho+ humana +
fizermos, encontraremos o feminino em posições vivente). As oposições são hierárquicas, isto
variáveis, com sentidos diversos e sujeito as é, um termo é positivo e portanto governa a
influências dos elementos temporais e espaciais que oposição. Confundir essa hierarquia ou
conduzem às transformações constantes. combinar componentes opostos é pré cair
Nesse conflituoso cenário onde homens e mulheres ininteligivelmente no contrassenso (NYE,
ocupam espaços e são produtores de símbolos, importa 1995, p. 215).
perceber e compreender as dinâmicas que mobilizam
os comportamentos, as dominações e submissões e, Assim, o ser e o não ser modelam o
então, o olhar geográfico para as espacialidades pensamento e a linguagem, o faltante será
diversas é também um olhar denunciativo. sempre o negativo, a ausência. Como afirma
Denunciar significa dar voz ao anteriormente Beauvoir (1961), a mulher constitui o Outro
silenciado, não se trata de balizar uma verdade, mas de inessencial, não sujeito. No discurso
tornar possível a reflexão crítica e o questionamento religioso que elabora espacialidades
constante sobre os modos como definimos as diversas a mulher, muitas vezes, colocada
geografias do mundo vivido e partilhado socialmente. “fora do corpo da divindade” perpetuou
Não nos cabe pressupor verdades universalizadoras papéis secundários e foi apreendida pela
que acabam por exercer o papel de engessar o consciência masculina como “Outro”,
conhecimento e também colocar a perspectiva de “condenada a possuir uma força precária:
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