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SOCIOLOGIA

SOCIOLOGIA

AUTORIA
Tatiana Lellis

1
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

EDITORIAL
A Faculdade Multivix está presente de norte a sul

GRUPO do Estado do Espírito Santo, com unidades em

MULTIVIX Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Nova


Venécia, São Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória.
Desde 1999 atua no mercado capixaba, desta- FACULDADE MULTIVIX
cando-se pela oferta de cursos de graduação,
técnico, pós-graduação e extensão, com quali- Diretor Executivo Revisão Técnica
dade nas quatro áreas do conhecimento: Tadeu Antônio de Oliveira Penina Alexandra Oliveira
Agrárias, Exatas, Humanas e Saúde, sempre Alessandro Ventorin

Diretora Acadêmica Graziela Vieira Carneiro


primando pela qualidade de seu ensino e pela
Eliene Maria Gava Ferrão Penina
formação de profissionais com consciência Design Editorial e Controle de
cidadã para o mercado de trabalho. Produção de Conteúdo
Diretor Administrativo Financeiro
REITOR Carina Sabadim Veloso
Fernando Bom Costalonga
Atualmente, a Multivix está entre o seleto grupo Maico Pagani Roncatto
de Instituições de Ensino Superior que possuem Ednilson José Roncatto
Conselho Editorial Aline Ximenes Fragoso
conceito de excelência junto ao Ministério da
Eliene Maria Gava Ferrão Penina (presidente do Conselho Editorial) Genivaldo Félix Soares
Educação (MEC). Das 2109 instituições avaliadas Kessya Penitente Fabiano Costalonga
no Brasil, apenas 15% conquistaram notas 4 e 5, Carina Sabadim Veloso Multivix Educação a Distância
Patrícia de Oliveira Penina Gestão Acadêmica - Coord. Didático Pedagógico
que são consideradas conceitos de excelência
Roberta Caldas Simões Gestão Acadêmica - Coord. Didático Semipresencial
em ensino.
Gestão de Materiais Pedagógicos e Metodologia
Estes resultados acadêmicos colocam todas as Direção EaD
Coordenação Acadêmica EaD
unidades da Multivix entre as melhores do
Estado do Espírito Santo e entre as 50
melhores do país.
BIBLIOTECA MULTIVIX (DADOS DE PUBLICAÇÃO NA FONTE)

MISSÃO

Formar profissionais com consciência cidadã


L542 Lellis, Tatiana
para o mercado de trabalho, com elevado
padrão de qualidade, sempre mantendo a Sociologia / Tatiana Lellis. – Vitória : Multivix, 2014.

credibilidade, segurança e modernidade, 55 f. ; 30 cm

visando à satisfação dos clientes e colabora- 1. Sociologia. 2. Aspéctos sociais. II. Faculdade Multivix. III. Título.
dores.
CDD: 301

VISÃO

Ser uma Instituição de Ensino Superior


reconhecida nacionalmente como referên- Catalogação: Biblioteca Central Anisio Teixeira – Multivix

cia em qualidade educacional. 2017 • Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.
As imagens e ilustrações utilizadas nesta apostila foram obtidas no site: http://br.freepik.com

2 3
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

Aluno (a) Multivix,

SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO Estamos muito felizes por você agora fazer parte do

DA DIREÇÃO maior grupo educacional de Ensino Superior do

EXECUTIVA Espírito Santo e principalmente por ter escolhido a


Multivix para fazer parte da sua trajetória profissional.
1 SENSO COMUM x CONHECIMENTO CIENTÍFICO 7
A Faculdade Multivix possui unidades em Cachoeiro 1.1 SENSO COMUM 7
de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Nova Venécia, São 1.2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO 8
Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória. Desde 1999, no
mercado capixaba, destaca-se pela oferta de cursos
de graduação, pós-graduação e extensão de quali- 2 O OLHAR SOCIOLÓGICO 11
dade nas quatro áreas do conhecimento: Agrárias,
Exatas, Humanas e Saúde, tanto na modalidade
REITOR
presencial quanto a distância.
3 A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLOGIA NOS DIVERSOS CAMPOS DA
Além da qualidade de ensino já comprovada pelo ATIVIDADE HUMANA 12
MEC, que coloca todas as unidades do Grupo
Multivix como parte do seleto grupo das Institu-
ições de Ensino Superior de excelência no Brasil, 4 POSITIVISMO: A PRIMEIRA FORMA DE PENSAMENTO SOCIAL 13
contando com sete unidades do Grupo entre as
100 melhores do País, a Multivix preocupa-se
bastante com o contexto da realidade local e
5 A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM 15
com o desenvolvimento do país. E para isso, 5.1 CARACTERÍSTICAS DOS FATOS SOCIAIS 16
Prof. Tadeu Antônio
de Oliveira Penina
procura fazer a sua parte, investindo em projetos 5.1.1 COERÇÃO 16
sociais, ambientais e na promoção de oportuni- 5.1.2 EXTERIORIDADE 17
Diretor Executivo do dades para os que sonham em fazer uma facul- 5.1.3 GENERALIDADE 17
Grupo Multivix
dade de qualidade mas que precisam superar
5.2 A RELAÇÃO INDIVÍDUO E SOCIEDADE 18
alguns obstáculos.
5.3 MORFOLOGIA SOCIAL: AS ESPÉCIES SOCIAIS 19

Buscamos a cada dia cumprir nossa missão


5.4 ANOMIA 20

que é: “Formar profissionais com consciência


5.5 SUÍCIDIO 21

cidadã para o mercado de trabalho, com


elevado padrão de qualidade, sempre man-
tendo a credibilidade, segurança e moderni- 6 KARL MARX 23
dade, visando à satisfação dos clientes e 6.1 MATERIALISMO HISTÓRICO 23
colaboradores.” 6.2 ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA 24
6.3 CLASSES SOCIAIS E ESTRUTURA SOCIAL 25
Entendemos que a educação de qualidade
6.4 TRABALHO, ALIENACÃO E SOCIEDADE CAPITALISTA 28
sempre foi a melhor resposta para um país
6.5 A MAIS-VALIA 32
crescer. Para a Multivix, educar é mais que
ensinar. É transformar o mundo à sua volta.

Seja bem-vindo!

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SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

7 MAX WEBER
7.1 O PENSAMENTO CIENTÍFICO ALEMÃO
34
34 1 SENSO COMUM X
7.2 A OBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO
7.3 TIPOS IDEIAIS
35
38 CONHECIMENTO CIENTÍFICO
7.4 AÇÃO E AÇÃO SOCIAL 40
7.5 OS TIPOS PUROS DE AÇAO E DE AÇÃO SOCIAL 42
7.6 RELAÇÃO SOCIAL 44
7.7 A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO 48 1.1 SENSO COMUM
7.8 RACIONALIDADE E DOMINAÇÃO 49

No seu dia-a-dia, o homem adquire espontaneamente um modo de entender e atu-

8 REFERÊNCIAS 51 ar sobre a realidade. Algumas pessoas, por exemplo, não passam por baixo de escadas,
porque acreditam que dá azar; se quebrarem um espelho, sete anos de azar. Algumas
confeiteiras sabem que o forno não pode ser aberto enquanto o bolo está assando,
senão ele “sola”.

Como aprenderam estas informações? Elas foram sendo passadas de geração a gera-
ção. Elas não só foram assimiladas mas também transformadas, contribuindo assim
para a compreensão da realidade. Assim, se o conhecimento é produto de uma práti-
ca que se faz social e historicamente, todas as explicações para a vida, para as regras de
comportamento social, para o trabalho, para os fenômenos da natureza, etc., passam a
fazer parte das explicações para tudo o que observamos e experimentamos.

Todos estes elementos são assimilados ou transformados de forma espontânea. Por


isso, raramente há questionamentos sobre outras possibilidades de explicações para a
realidade. Acostumamo-nos a uma determinada compreensão de mundo e não mais
questionamos; tornamo-nos “conformistas de algum conformismo”. São inúmeros os
exemplos presentes na vida social, construídos pelo “ouvi dizer”, que formam uma vi-
são de mundo fragmentada e assistemática. Mesmo assim, é uma forma usada pelo
homem para tentar resolver seus problemas da vida cotidiana. Isso tudo é denomina-
do de senso comum ou conhecimento espontâneo.

Portanto, podemos dizer que o senso comum é o conhecimento acumulado pelos


homens, de forma empírica, porque se baseia apenas na experiência cotidiana, sem se
preocupar com o rigor que a experiência científica exige e sem questionar os proble-
mas colocados justamente pelo cotidiano. Contudo, o senso comum é também um
saber ingênuo, vez que não possui uma postura crítica.

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SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

Em geral, as pessoas percebem que existe uma diferença entre o conheci- fia, sociologia...), que perdurou até o início da Idade Moderna. A partir daí, as relações
mento do homem do povo, às vezes até cheio de experiências, mas que não
dos homens tornaram-se mais complexas bem como toda a forma de produzir a sua
estudou, e o conhecimento daquele que estudou determinado assunto. E a di-
ferença é que o conhecimento do homem do povo foi adquirido espontanea-
sobrevivência.
mente, sem muita preocupação com método, com crítica ou com sistematiza-
ção. Ao passo que o conhecimento daquele que estudou algo foi obtido com Gradativamente, houve um avanço técnico e científico, como a utilização da pólvora,
esforço, usando-se um método, uma crítica mais pensada e uma organização a invenção da imprensa, a Física de Newton, a Astronomia de Galileu, etc. Foi no início
mais elaborada dos conhecimentos. (LARA, p 56, 1983).
do século XVII, quando o mundo europeu passava por profundas transformações, que
o homem se tornou o centro da natureza (antropocentrismo).

Porém, é importante destacar que o senso comum é uma forma válida de conhe-
Acompanhando o movimento histórico, ele mudou toda a estrutura do pensamento
cimento, pois o homem precisa dele para encaminhar, resolver ou superar suas ne-
e rompeu com as concepções de Aristóteles, ainda vigentes e defendidas pela Igreja,
cessidades do dia-a-dia. Os pais, por exemplo, educam seus filhos mesmo não sendo
segundo as quais tudo era hierarquizado e imóvel, desde as instituições e até mesmo
psicólogos ou pedagogos, e nem sempre os filhos de pedagogos ou psicólogos são
o planeta Terra.
educados melhor. O senso comum é ainda subjetivo ao permitir a expressão de sen-
timentos, opiniões e de valores pessoais quando observamos as coisas à nossa volta. O homem passou, então, a ver a natureza como objeto de sua ação e de seu conheci-
mento, podendo nela interferir. Portanto, podia formular hipóteses e experimentá-las
Por exemplo: a) se uma determinada pessoa não nos agrada, mesmo que ela tenha
para verificar a sua veracidade, superando assim as explicações metafísicas e teológi-
um grande valor profissional, torna-se difícil reconhecer este valor. Neste caso, a anti-
cas que até então predominavam. O mundo imóvel foi substituído por um universo
patia por esta determinada pessoa nos impede de reconhecer a sua capacidade; b) os
aberto e infinito, ligado a uma unidade de leis. Era o nascimento da ciência enquanto
hindus consideram a vaca um animal sagrado, enquanto nós, ocidentais, concebemos
um objeto específico de investigação, com um método próprio para o controle da
este animal apenas como um fornecedor de carne, leite, entre outros. Por essa razão
produção do conhecimento.
os consideramos ignorantes, pois tendemos a julgar os povos, que possuem uma cul-
tura diferente da nossa, a partir do nosso entendimento valorativo. Portanto, podemos afirmar que o conhecimento científico é uma conquista recente
da humanidade, pois tem apenas trezentos anos. Ele transformou-se numa prática
Levando-se em conta a reflexão feita até aqui, podemos considerar o senso comum
constante, procurando afastar crenças supersticiosas e ignorância, através de métodos
como sendo uma visão de mundo precária e fragmentada. Mesmo possuindo o seu
rigorosos, para produzir um conhecimento sistemático, preciso e objetivo que garanta
valor enquanto processo de construção do conhecimento, ele deve ser superado por
prever acontecimento e agir de forma mais segura.
um conhecimento que o incorpore, que se estenda a uma concepção crítica e co-
erente e que possibilite, até mesmo, o acesso a um saber mais elaborado, como as Sendo assim, o que diferencia o senso comum do conhecimento científico é o rigor.
ciências sociais. Enquanto o senso comum é acrítico, fragmentado, preso a preconceitos e a tradições
conservadoras, a ciência preocupa-se com as pesquisas sistemáticas que produzam
teorias que revelem a verdade sobre a realidade, uma vez que a ciência produz o co-
1.2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO nhecimento a partir da razão.

Os Gregos, na Antiguidade, buscavam através do uso da razão, a superação do mito Desta forma, o cientista, para realizar uma pesquisa e torná-la científica, deve seguir

ou do saber comum. O avanço na produção do conhecimento, conseguido por esses determinados passos. Em primeiro lugar, o pesquisador deve estar motivado a resolver

pensadores, foi estabelecer vínculo entre ciência e pensamento sistematizado (filoso- uma determinada situação-problema que, normalmente, é seguida , por algumas hi-
póteses. Usando sua criatividade, o pesquisador deve observar os fatos, coletar dados e

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SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

2 O OLHAR SOCIOLÓGICO
então testar suas hipóteses, que poderão se transformar em leis e, posteriormente, ser
incorporadas às teorias que possam explicar e prever os fenômenos.

Porém, é fundamental registrar que a ciência não é somente acumulação de verda-


des prontas e acabadas. Neste caso, estaríamos refletindo sobre cientificismo e não ci- O olhar sociológico é um olhar de estranhamento e de desnaturalização das relações
ência, mas tê-la como um campo sempre aberto às novas concepções e contestações sociais. Pressupõe um afastamento do objeto de estudo social para que se consiga
sem perder de vista os dados, o rigor e a coerência e aceitando, que, o que prova que uma análise crítica, profunda, não-imediatista e isenta de preconceitos da realidade
uma teoria é científica é o fato de ela ser falível e aceitar ser refutada. social observada. Problema: como estudar a nossa própria sociedade estando inseri-
dos nela ? nossas crenças e valores não corromperiam a nossa análise, tirando-lhe a
objetividade ?

Segundo o sociólogo britânico Anthony Giddens,

um sociólogo é alguém capaz de se libertar do quadro das suas circunstâncias


pessoais e pensar as coisas num contexto mais abrangente. A imaginação so-
ciológica implica, acima de tudo, abstrair-mo-nos das rotinas familiares da vida
quotidiana de maneira a poder olhá-las de forma diferente.

O olhar sociológico permite-nos tomar consciência de que o mundo não é assim


porque sempre foi; que as pessoas não são como são porque assim nasceram, mas
porque assim se tornaram. Isto permite-nos ter a chamada consciência sócio-histórica,
isto é, saber que somos fortemente influenciados pelas condições sócio-históricas em
que vivemos. É um olhar que pode nos ajudar a compreender as diferenças culturais,
a avaliar efeitos de políticas e a desenvolver uma consciência crítica e racional.

Estamos acostumados a encarar tudo como natural, inclusive as relações sociais; como
se o mundo, as sociedades e as culturas fossem “naturais”. Tendemos a imaginar que
sempre foram da forma como são e portanto, sempre serão dessa forma. Para desen-
volver um olhar sociológico é preciso quebrar tal forma de encarar a realidade e ad-
mitir a racionalidade e o relativismo nas questões sociais. Através do olhar sociológico
podemos perceber a verdadeira intenção ou a essências das relações sociais que se
mostram apenas na aparência.

10 11
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

3 A IMPORTÂNCIA DA 4 POSITIVISMO: A PRIMEIRA


SOCIOLOGIA NOS DIVERSOS FORMA DE
CAMPOS DA ATIVIDADE PENSAMENTO
HUMANA SOCIAL
Assim como o leitor, o ouvinte, o espectador da televisão sabem que existem técnicas A primeira corrente de pensamento sociológico
relativamente eficazes para conhecer o comportamento social, profissionais das mais propriamente dita foi o Positivismo, que inicial- AUGUSTE COMTE
diversas áreas não desconhecem a importância da Sociologia. mente organizou em termos de teoria alguns (1798-1857)
princípios a respeito do homem e da sociedade Nasceu em Montpellier, França,
Para se empreender uma campanha publicitária, para se lançar um produto ou um de uma família católica e
tentando explicá-los de maneira científica. Cou- monarquista. Viveu a infância
candidato político, para se abrir uma loja ou construir um prédio, os profissionais espe- be a ela definir de forma clara e precisa o objeto na França napoleônica. Estudou
na Escola Politécnica. Tornou-se
cializados, o engenheiro, o agrônomo, o comerciante, procuram dados sobre o com- dessa nova ciência social que surgia, estabele- discípulo de Saint Simon, de quem
portamento da população. sofreu enorme influência. Devotou
cendo conceitos e uma metodologia de investi- seus estudos à filosofia positivista,
considerada por ele como uma
gação própria e capaz de explicar a especificida- religião da qual era pregador.
A sociedade tem características que precisam ser conhecidas para que aqueles que Segundo sua filosofia política,
de do estudo científico da sociedade.
nela atuam tenham sucesso. Não existe, portanto, nenhum setor da vida onde conhe- existiam na história três estados:
um teológico, outro metafísico e
cimentos sociológicos não sejam de ampla utilidade. E essa certeza perpassa hoje Seu primeiro representante e principal sistemati- finalmente o positivo. Este último
representava o coroamento do
toda a linguagem dos meios de comunicação e toda atuação profissional das pesso- zador foi o pensador francês Auguste Comte. progresso da humanidade. Sobre
as.É por isso também que Sociologia faz parte dos programas de curso universitário as ciências, distinguia as abstratas
das concretas, sendo que a ciência
que preparam os mais diversos profissionais (psicólogos, administradores, engenhei- O nome positivismo tem origem no adjetivo mais complexa e profunda seria
a Sociologia. Publicou Curso de
ros, dentistas), e por isso também o sociólogo hoje tem entrada em diversas compa- “positivo”, que significa certo, seguro, definitivo. filosofia positiva, Discurso sobre o
espírito positivo, Discurso sobre o
nhias e instituições. Como escola filosófica, derivou do “cientificismo”, conjunto do positivismo, Sistema
isto é da crença no poder dominante e absolu- de política positivista, Sistema
de política positivista e Síntese
Daí decorre a afirmação, hoje quase unânime, de que a Sociologia é uma ciência que to da razão humana em conhecer a realidade e subjetiva.
se define não por seu objeto de estudo, mas por usa abordagem, isto é, pela forma traduzi-la sob forma de leis, que seriam a base
com que se pesquisam analisa e interpreta fenômenos sociais. regulamentação da vida do homem, da natureza
e do próprio universo.
O conhecimento sociológico, tentando explicar as relações entre acontecimentos
complexos e diferenciados, unindo fenômenos aparentemente dissociados, permite O positivismo reconhecia que os princípios regu-
ao homem transpor os limites de sua condição particular para percebê-la como parte ladores do mundo físico e do mundo social dife-
de uma totalidade mais ampla, que é o todo social. Isso faz da Sociologia um conhe- riam quanto à sua essência: os primeiros diziam
cimento indispensável num mundo que, à medida que cresce, mais diferencia e isola respeito a acontecimentos e aos homens; os ou-
os homens e os grupos entre si. tros, à questões humanas. Entretanto, a crença

12 13
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

5 A SOCIOLOGIA DE ÉMILE
na origem natural de ambos teve o poder de aproximá-los. Além disso, a rápida evolu-
ção dos conhecimentos das ciências naturais – física, química, biologia - e o sucesso de
suas descobertas atraíram os primeiros cientistas sociais para seu método de investi-
gação. O próprio Comte, antes de criar o termo “Sociologia”, chamou de “Física Social”. DURKHEIM
A filosofia social positivista se inspirava no método de investigação das ciências natu-
Émile Durkheim foi um dos pensadores que mais contribuiu para a consolidação da
reza, assim como procurava identificar na vida social as mesmas relações e procurava
Sociologia como ciência empirica e para sua instauração no meio acadêmico, tornan-
identificar na vida social as mesmas relações e princípios com as quais os cientistas
do-se primeiro professor universitário da disciplina.
explicavam a vida natural. A própria sociedade foi concebida como um organismo
constituído de partes integradas e coesas, que funcionavam harmonicamente segun-
O Sociólogo francês viveu numa Europa contur-
do um modelo físico ou mecânico.
bada por guerras e em vias de modernização, e
sua produção reflete a tensão entre valores e ins-
Ao propor uma reforma intelectual da sociedade, Comte sustenta que o desenvolvi-
tituições que estavam sendo corroídos e formas
mento do conhecimento humanos se desenrolou num movimento histórico dividido
emergente cujo perfil ainda não se encontrava
em três etapas. No primeiro estágio, o teológico, conhecimento ancorava-se nas cren-
totalmente configurado. Por isso, a retomada do
ças e superstições. No segundo, denominado metafísico, baseava-se na lógica filosó-
ÉMILE DURKHEIM
estudo científico da sociedade foi favorecida por
fica, já no terceiro, o positivo, ao qual vivia, o conhecimento seria baseado na ciência. (1858-1917)
este momento histórico pelo qual atravessava a
Nasceu em Épinal, na França,
A maioria dos primeiros pensadores sociais positivistas permaneceu presa a uma re- Europa e principalmente a França. descendente de uma família
de rabinos. Iniciou seus estudos
flexão de natureza filosófica sobre a história e a ação humanas. Procedimentos de filósofos na Escola Normal Superior
Motivado por essas mudanças Durkheim dedi- de Paris, indo depois para a
natureza científica, análises sociológicas baseadas em fatos observados, com maior Alemanha. Lecionou Sociologia em
cou-se a um vasto repertório de temas que vão Bordéus, primeira cátedra dessa
sistematização teórica e metodologia de pesquisa, só seriam introduzidos por Émile ciência criada na França. Transferiu-
da emergência do indivíduo à origem da ordem se em 1902 para Sorbonne,
Durkheim, que estudaremos a seguir.
social, da moral ao estudo da religião, da vida reunindo-se num grupo que ficou
conhecido como escola sociológica
econômica à análise divisão social do trabalho. francesa. Suas principais obras
foram: Da divisão do trabalho social,
As regras do método sociológico,
Herdeiro também do positivismo, dedicou-se a Formas elementares da vida
religiosa, educação e sociologia,
constituir o objeto da sociologia e as regras para Sociologia e filosofia de Lições de
sociologia.
desvendá-lo. A obra mais importante nesse sen-
tido foi As regras do método sociológico, na qual
o autor procurou instituir a fronteira entre a socio-
logia e as demais ciências, dando-lhe autonomia
e objetividade. No referido trabalho, definiu o que
entendi por fatos sociais, que de acordo com o
autor constituiriam o objeto da sociologia.

14 15
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

5.1 CARACTERÍSTICAS DOS FATOS SOCIAIS O grau de coerção dos fatos sociais se torna evidente pelas sanções a que o indivíduo
está sujeito quando contra elas tenta se rebelar. As sanções podem ser legais ou es-
pontâneas. Legais são as sanções prescrições pela sociedade, sob a forma de lei, nas
A Sociologia pode ser definida, segundo Durkheim, como a ciência “das instituições, quais identifica a infração e a penalidade subsequente. Espontâneas seriam as que
da sua gênese e do seu funcionamento”, ou seja, de “toda crença, todo comportamen- aflorariam como decorrência de uma conduto não adaptada à estrutura do grupo ou
to instituído pela coletividade” Na fase positivista que marca o início de sua produção, da sociedade à qual o indivíduo pertence.
considera que, para tornar-se uma ciência autônoma, essa esfera do conhecimento
precisava delimitar seu objeto próprio: os fatos sociais. A educação desempenha, segundo Durkheim, uma importante tarefa nessa confor-
mação dos indivíduos à sociedade em que vivem, a ponto de, após algum tempo, as
Tais fenômenos compreendem “toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exer- regras estarem internalizadas e transformadas em hábitos.
cer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão
de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das
manifestações individuais que possa ter”, as “maneiras de agir, de pensar e de sentir
5.1.2 EXTERIORIDADE
exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe
impõem”, ou ainda “maneiras de fazer ou de pensar, reconhecíveis pela particularida- Os fatos sociais existem e atuam sobre os indivíduos independentemente de sua von-
de de serem suscetíveis de exercer influência coercitiva sobre as consciências particu- tade ou de sua adesão consciente, ou seja, eles são exteriores aos indivíduos. As regras
lares” (DURKHEIM, 1974, p. 31). sociais, os costumes, as leis, já existem antes do nascimento das pessoas, são a elas
impostos por mecanismos de coerção social, como a educação. Não nos é dada a
Assim, pois, o fato social é algo dotado de vida própria, externo aos membros da so-
possibilidade de opinar ou escolher, sendo assim, independente de nós, de nossos de-
ciedade e que exerce sobre seus corações e mentes uma autoridade que os leva a
sejos e vontades. Portanto, os fatos sociais são ao mesmo tempo coercitivos e dotados
agir, a pensar e a sentir de determinadas maneiras. É por isto que o “reino social” está
de existência exterior às consciências individuais.
sujeito a leis específicas e necessita de um método próprio para ser conhecido, dife-
rentemente do que acontece no “reino psicológico” que pode ser entendido através
da introspecção. 5.1.3 GENERALIDADE

5.1.1 COERÇÃO Outra característica dos fatos sociais apontada por Durkheim, trata da generalidade
por envolverem muitos indivíduos e grupos ao longo do tempo, repetem-se e difun-
dem-se. A assiduidade com que determinados fatos ocorrem na sociedade indica a
Para Durkheim, os fatos sociais distinguem-se dos fatos orgânicos ou psicológicos por
sua importância e a necessidade de estudá-lo, assim como torna a estatística uma das
se imporem ao indivíduo como uma poderosa força coercitiva à qual ele deve, obri-
ferramentas que garante ao sociólogo a objetividade e o controle. É pela generalidade
gatoriamente, se submeter. Ou seja, trata-se da força que os fatos exercem sobre os
que os fatos sociais exibem a sua natureza coletiva, sejam eles fatos observáveis, como
indivíduos, levando-os a conformarem-se às regras da sociedade em que vivem, in-
o modelo das habitações de um grupo, sejam fatos morais, como valores e crenças.
dependentemente de suas vontades e escolhas. Essa força manifesta-se, por exem-
plo, quando um determinado indivíduo adota um determinado idioma, quando se
submete a um determinado tipo de formação familiar ou quando está subordinado
código de leis.

16 17
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

5.2 A RELAÇÃO INDIVÍDUO E SOCIEDADE 5.3 MORFOLOGIA SOCIAL: AS ESPÉCIES SOCIAIS

Da perspectiva de Durkheim, a sociedade não é o resultado de um somatório dos Durkheim também considerava como um dos objetivos da sociologia a comparação
indivíduos vivos que a compõem ou de uma mera justaposição de suas consciências. de uma sociedade com outra, constituindo-se numa morfologia social (estudo com-
Ações e sentimentos particulares, ao serem associados, combinados e fundidos, fazem parativo dos sistemas estruturais de diferentes comunidades) para classificar as espé-
nascer algo novo e exterior àquelas consciências e às suas manifestações. E ainda que cies sociais à maneira que a biologia fazia com as espécies animais.
o todo só se forme pelo agrupamento das partes, a associação “dá origem ao nasci-
mento de fenômenos que não provêm diretamente da natureza dos elementos asso- Também inspirado nas ciências naturais, Durkheim propunha que toda sociedade
ciados” (DURKHEIM, 1951, p.127) tivesse evoluído de uma forma social mais simples, a horda, constituída de um único
segmento de indivíduos. Das combinações entre essas formas simples e igualitárias
A sociedade, então, mais do que uma soma, é uma síntese e, por isso, não se encon- originaram-se as sociedades mais complexas, como os clãs (conjunto de famílias que
tra em cada um desses elementos, assim como os diferentes aspectos da vida não se se presumem ou são descendentes de ancestrais comuns) e as tribos (grupos sociais
acham decompostos nos átomos contidos na célula: a vida está no todo e não nas par- autônomos que apresentam certa homogeneidade física, linguística, cultural etc.).
tes. As almas individuais agregadas geram um fenômeno sui generis, uma “vida psíquica
de um novo gênero”. Os sentimentos que caracterizam este ser têm uma força e uma Durkheim procurou, entretanto diferenciar as espécies sociais das fases históricas pe-
peculiaridade que aqueles puramente individuais não possuem, trata-se da sociedade. las quais passavam as sociedades. As transformações históricas são as mais efêmeras,
enquanto a diversidade de espécies é mais constante.
O grupo possui, portanto, uma mentalidade que não é idêntica à dos indivíduos, e os
estados de consciência coletiva são distintos dos estados de consciência individual. Por meio de uma apurada observação empíri-
Assim, “um pensamento encontrado em todas as consciências particulares ou um ca, o autor pôde identificar dois tipos laços que
movimento que todos repetem não são por isso fatos sociais”, mas suas encarnações unem os membros entre si e ao próprio grupo -
individuais. Os fenômenos que constituem a sociedade têm sua origem na coletivida- solidariedade - provenientes da divisão social do
de e não em cada um dos seus participantes. É nela que se deve buscar as explicações trabalho : a solidariedade mecânica e a solida-
para os fatos sociais e não nas unidades que a compõem, por que riedade orgânica. De modo que a passagem de
A divisão do trabalho não é
um tipo para outro constituía uma metamorfose específica do mundo econômico:
ela se encontra em outras
de um estágio superior de vida social a outro su- áreas da sociedade, como nas
as consciências particulares, unindo-se, agindo e reagindo umas sobre as ou- funções políticas, administrativas,
perior.
tras, fundindo-se, dão origem a uma realidade nova que é a consciência da judiciárias, artísticas, científicas
etc. Assim, entende-se por divisão
sociedade. (...) Uma coletividade tem as suas formas específicas de pensar e de
social do trabalho a organização
sentir, às quais os seus membros se sujeitam, mas que diferem daquelas que A solidariedade mecânica trata daquela que pre- da sociedade em diferentes
eles praticariam se fossem abandonados a si mesmos. Jamais o indivíduo, por dominava nas sociedades pré-capitalistas, em funções, exercidas pelos grupos
ou pelos grupos de indivíduos.
si só, poderia ter constituído o que quer que fosse que se assemelhasse à idéia que os indivíduos se identificam por meio da fa- Nas sociedades mais simples,
dos deuses, aos mitos e aos dogmas das religiões, à ideia do dever e da disci- predomina a divisão do trabalho
mília, da religião, da tradição, dos costumes, per- baseada principalmente em
plina moral etc. (DURKHEIM, 1975, p.117)
critérios biológicos (sexo e idade),
manecendo em geral independentes e autôno-
em sociedades mais complexas
mos em relação à divisão social do trabalho. A como a industrial, surge uma
divisão mais complexa, com a
consciência coletiva exerce aqui todo seu poder criação de uma imensa gama de
funções e atribuições diferenciadas.
de coerção sobre os indivíduos.

18 19
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

A solidariedade orgânica seria aquela típica das sociedades capitalistas, em que, pela desse modo, a condição de anomia vir a tornar-se normal.
acelerada divisão social do trabalho, os indivíduos se tornavam interdependentes. Essa
interdependência garante a união social, em lugar dos costumes, das tradições ou das Se alguém é lançado por um desastre econômico a uma situação inferior pode não
relações sociais estreitas, como ocorre nas sociedades contemporâneas. Nas socieda- ter tempo para aprender a conter suas necessidades, refazendo sua educação moral.
des capitalistas, a consciência coletiva se afrouxam, ao mesmo tempo que os indivídu- Um brusco aumento de riqueza ou de poder tende a levar ao mesmo desajuste, pas-
os se tornam mutuamente dependentes, cada qual se especializa numa atividade e sando a não haver nada a que a pessoa não tenha pretensões: seus apetites não têm
tende a desenvolver maior autonomia pessoal. mais limites, seus fracassos e crises multiplicam-se, e as restrições parecem-lhe insu-
portáveis. O divórcio, aliado ao afrouxamento do controle social, pode também levar
à anomia, rompendo o estado de equilíbrio moral dos indivíduos. É entre as funções
5.4 ANOMIA industriais e comerciais que se registram mais suicídios - dada a sua frágil e incipiente
moralidade, conforme veremos a seguir.

Durkheim sentia a necessidade de uma nova moralidade que se desenvolvesse a uma


velocidade semelhante àquela em que se dava o crescimento industrial e econômico 5.5 SUÍCIDIO
de modo a controlar os afetos. Quando, numa sociedade organizada, acontece de os
contatos entre os órgãos sociais serem insuficientes ou pouco duradouros, surge uma
situação de desequilíbrio: o sentimento de interdependência se amortece, as relações No sentido de compreender as formas de solidariedade de seu tempo e sua relação
ficam precárias e as regras indefinidas, vagas. Este é o estado de anomia, o qual, é com os fatos Durkheim estudou profundamente o suicídio, utilizando nesse trabalho
“impossível onde os órgãos solidários estão em contato suficiente e suficientemente toda a metodologia defendida e propagada por ele. Considerou-o fato social por sua
prolongado” já que presença universal em toda e qualquer sociedade, e por suas características exteriores
e mensuráveis, completamente independente das razões que levam cada suicida a
acabar com a própria vida.
ao ser contíguos, a todo momento percebem a necessidade que têm uns dos
outros e, por conseguinte, têm um sentimento vivo e contínuo de sua mútua
Apesar de uma conduta marcada pela vontade individual, o suicídio interessa ao soci-
dependência. Pelo mesmo motivo, os intercâmbios se dão entre eles com faci-
lidade; sendo regulares, são também freqüentes, regularizam-se por si mesmos ólogo por aquilo que tem de comum e coletivo. Para Durkheim, a prova de que o sui-
e o tempo termina pouco a pouco a obra de consolidação. Finalmente, como cídio depende de leis sociais e não da vontade dos sujeitos estava na regularidade que
as menores reações podem ser sentidas numa parte e na outra, as normas que variavam as taxas de suicídio de acordo com as alternâncias das condições históricas.
assim se formam levam sua marca, isto é, prevêem e fixam até o detalhe as
condições de equilíbrio. (DURKHEIM, 1957, p.313)
Por compreender o suicídio como um fato concreto, objetivo, geral e coletivo classi-
ficou-o em três tipos principais a partir de suas principais causas: egoísta, altruísta e
O estado de anomia ou de desregramento pode ser melhor compreendido quando anômico. Assim, a depressão, a melancolia, a sensação de desamparo moral provoca-
referido às consequências do crescimento desordenado da indústria. Antes, o poder das pela desintegração social tornam-se, então, causas do suicídio egoísta. Durkheim
temporal e as regulamentações impostas pelas corporações de ofícios diminuíam o acreditava que a lacuna gerada pela carência de vida social era maior nos povos mo-
ímpeto da industrialização e, embora fossem formas de organização inadequadas dernos do que entre os primitivos e afligia os homens mais do que as mulheres. Por
para a sociedade contemporânea, nada veio a ocupar o seu lugar. Por isso é que a isso, acredita que uma mulher viúva ou solteira suportaria melhor a solidão, porque as
ocorrência de uma crise econômica ou de mudanças súbitas nas crenças vigentes necessidades femininas, mais rudimentares nos aspectos sociais, seriam satisfeitas nes-
em uma sociedade podem impedi-la de cumprir sua função reguladora, disciplinar e, sa área com “poucos gastos” em relação às dos homens, socialmente mais complexos.

20 21
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

6 KARL MARX
Nas sociedades inferiores, os suicídios mais freqüentes eram os altruístas, que com-
preendem os praticados por enfermos ou pessoas que chegaram ao limiar da velhice,
por viúvas por ocasião da morte do marido, por fiéis e servidores com o falecimento
de seus chefes, ou os atos heróicos durante guerras ou convulsões sociais. O suicídio é
visto então como um dever que, se não for cumprido, é punido pela desonra, perda
da estima pública ou por castigos religiosos.
6.1 MATERIALISMO
HISTÓRICO
Mais uma vez é a sociedade que intervém para a ocorrência do fenômeno analisado.
Se no tipo egoísta ela afrouxa seus laços a ponto de deixar o indivíduo escapar, neste
Para entender o capitalismo e explicar a natu-
segundo o ego da pessoa não lhe pertence, situando-se num dos grupos de que ela
reza da organização econômica humana, Marx
faz parte, como a família, o Estado ou a Igreja. Nas sociedades modernas, a ocorrência Karl Marx
desenvolveu uma teoria abrangente e universal,
do suicídio altruísta dá-se entre mártires religiosos e, de maneira crônica, entre os mi- (1818 - 1883)
que procura dar conta de toda e qualquer forma
litares, já que a sociedade militar expressa, em certos aspectos, uma sobrevivência da Nascido na Alemanha, em 1836,
produtiva criada pelo homem. Os princípios bási- matriculou-se na Universidade de
moral primitiva e da estrutura das sociedades inferiores, além de promover uma fraca
Berlim, doutorando-se em filosofia,
cos dessa teoria estão expressos em seu método
individuação, estimulando a impessoalidade e a abnegação. em Iena. Foi redator de uma gazeta
de análise – o materialismo histórico. Marx parte liberal em Colônia. Mudou-se em
1842 para Paris, onde conheceu
O terceiro tipo - o suicídio anômico - é aquele que se deve a uma situação de desregra- do princípio de que a estrutura de uma socieda- Friedrich Engels, seu companheiro
de ideias e publicações por toda a
mento social devido ao qual as normas estão ausentes ou perderam o respeito. A so- de para a produção social de bens, que engloba vida. Expulso da França em 1845,
dois fatores fundamentais: as forças produtivas e foi para Bruxelas, onde participou
ciedade deixa de estar presente o suficiente para regular as paixões individuais, deixan- da recém-fundada Liga dos
do-as correr desenfreadas. Esta é a situação característica das sociedades modernas. as relações de produção. Comunistas. Com o Malogro das
revoluções sócias de 1848, Marx
mudou-se para Londres, onde se
As forças produtivas constituem as condições ma- dedicou a um grandioso estudo
crítico da economia política. Foi
teriais de toda produção. Qualquer processo de um dos fundadores da Associação
Internacional dos Operários ou
trabalho implica matérias-primas identificadas e Primeira Internacional. Morreu em
extraídas da natureza e o conjunto das ferramentas 1883, após intensa vida política e
intelectual. Suas principais obras
ou máquinas utilizadas segundo uma orientação foram: A ideologia Alemã, Miséria
da filosofia, O manifesto Comunista,
técnica específica. Para a crítica da economia política,
A luta de classe em França e O
capital.
O homem, principal elemento das forças produ-
tivas é o responsável por fazer a ligação entre a
natureza e a técnica e os instrumentos. O desen-
volvimento da produção vai determinar a combi-
nação e o uso desses diversos elementos: recursos
naturais, mão de obra disponível, instrumentos e
técnicas produtivas. A cada forma de organização
das forças produtivas corresponde uma determi-
nada forma de relação de produção.

22 23
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

As relações de produções são as formas pelas quais os homens se organizam para Segundo a concepção materialista da história, na produção da vida os homens geram
executar a atividade produtiva. Ele se referem às diversas maneiras pelas quais são também outra espécie de produtos que não têm forma material: as ideologias polí-
apropriados e distribuídos os elementos envolvidos no processo de trabalho: matérias- ticas, concepções religiosas, códigos morais e estéticos, sistemas legais, de ensino, de
-primas, os instrumentos e a técnica, os próprios trabalhadores e o produto final. As- comunicação, o conhecimento filosófico e científico, representações coletivas de senti-
sim, as relações de produção podem ser num determinado momento, cooperativistas mentos, ilusões, modos de pensar e concepções de vida diversos e plasmados de um
(como um mutirão), escravistas (como na Antiguidade), servis (como na Europa feudal) modo peculiar. A classe inteira os cria e os plasma derivando-os de suas bases mate-
ou capitalistas (como na indústria moderna). riais e das relações sociais correspondentes. Esta é a superestrutura ou supra-estrutura.

Forças produtivas e relações de produção são frutos das condições naturais e históricas A explicação das formas jurídicas, políticas, espirituais e de consciência encontra-se na base
de toda atividade produtiva que ocorre em sociedade. A forma pela qual ambas exis- econômica e material da sociedade, no modo como os homens estão organizados no
tem e são produzidas numa determinada sociedade constitui o que Marx denominou processo produtivo. No caso das sociedades onde se dá a apropriação privada dos meios
“modo de produção”. para produzir, esta base relaciona-se diretamente à forma adotada por suas instituições.

Para Marx, o estudo do modo de produção é fundamental para compreender como


se organiza e funciona a sociedade. As relações de produção, nesse sentido, são con- 6.3 CLASSES SOCIAIS E ESTRUTURA SOCIAL
sideradas as mais importantes entre as relações sociais existentes. Os modelos de fa-
mília, as leis, a religião, as ideias políticas, os valores sociais são aspecto cuja explicação
Marx não deixou uma teoria sistematizada sobre as classes sociais, embora este seja
depende, em princípio, do estudo do desenvolvimento e do colapso de diferentes
um tema obrigatório para que suas interpretações a respeito das desigualdades so-
modos de produção. Analisando a história, Marx identificou alguns modos de pro-
ciais, da exploração, do Estado e da revolução sejam compreendidas. Tal teoria acabou
dução específicos: sistema comunal primitivo, modo de produção asiático, modo de
por ser constituída a partir dos elementos disseminados em seus distintos trabalhos.
produção antigo, modo de produção germânico, modo de produção feudal e modo
O ponto de partida é que a produção é “a atividade vital do trabalhador, a manifes-
de produção capitalista.
tação de sua própria vida”, e através dela o homem se humaniza. No processo de
A passagem de um modo de produção para outro é consequência da luta de classes, produção os homens estabelecem entre si determinadas relações sociais através das
devido à contradição entre desenvolvimento das forças produtivas e a apropriação que quais extraem da natureza o que necessitam. Desde aí, Marx reflete sobre o signifi-
se faz dos produtos gerados. Em cada modo de produção, a desigualdade de proprie- cado - para o indivíduo e a sociedade - da apropriação por não-produtores (pessoas,
dade, como fundamento das relações de produções, cria contradições que se acirram empresas ou o Estado) de uma parcela do que é produzido socialmente, e desenvolve
até provocar um processo revolucionário, com a derrocada do modo de produção sua concepção de classe, exploração, opressão e alienação.
vigente e a ascensão de outro.

6.2 ESTRUTURA E SUPERESTRUTURA


O capítulo de O capital intitulado “As classes contêm duas páginas inaca-
badas”. Nele, Marx refere-se às três grandes classes da sociedade moder-
O conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção de uma socie- na baseada no sistema de produção capitalista: os proprietários de força
dade forma sua base ou estrutura que, por sua vez, é o fundamento sobre o qual se de trabalho, de capital e de terra.

constituem as instituições políticas e sociais.

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SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

Enquanto as sociedades estiveram limitadas por uma capacidade produtiva exígua, a A utilidade do esquema dicotômico reside na possibilidade de identificar a configu-
sobrevivência de seus membros só era garantida por meio de uma luta constante para ração básica das classes de cada modo de produção, aquelas que responderão pela
obter da natureza o indispensável. A organização social era simples e existia apenas dinâmica essencial de uma dada sociedade, definindo inclusive as relações com as
uma divisão natural do trabalho segundo a idade, a força física e o gênero. Ou seja, demais classes. Mesmo assim, Marx acredita que a tendência do modo capitalista de
“numa época em que duas mãos não podem produzir mais do que o que uma boca produção é separar cada vez mais o trabalho e os meios de produção, concentrando e
consome, não existem bases econômicas” que possibilitem que uns vivam do traba- transformando estes últimos em capital e àquele em trabalho assalariado e, com isso,
lho de outros, seja na forma de trabalho escravo ou de qualquer outro modo de explo- eliminar as demais divisões intermediárias das classes.
ração. É o surgimento de um excedente da produção que permite a divisão social do
trabalho, assim como a apropriação das condições de produção por parte de alguns Não obstante, as sociedades comportam também critérios e modos de apropriação
membros da comunidade os quais passam, então, a estabelecer algum tipo de direito e de estabelecimento de privilégios que geram ou mantêm outras divisões e classes
sobre o produto ou sobre os próprios trabalhadores. além daquelas cujas relações são as que, em definitivo, modelam a produção e a
formação socioeconômica. O estabelecimento de novas relações sociais de produção
Vê-se, portanto, que a existência das classes sociais vincula-se a circunstâncias históri- com a organização jurídica e política correspondente e, com elas, de novas classes,
cas específicas, quais sejam, aquelas em que a criação de um excedente possibilita a quase nunca representa uma completa extinção dos modos de produção anteriores,
apropriação privada das condições de produção. Dessa forma, o materialismo históri- cujos traços às vezes só gradualmente vão desaparecendo.
co descarta as interpretações que atribuem um caráter natural, inexorável, a esse tipo
particular de desigualdade. E ainda afasta definitivamente a idéia segundo a qual as O desenvolvimento do modo de produção capitalista tomou rumos imprevisíveis para
classes se definiriam a partir do nível de renda ou da origem dos rendimentos: isso não um analista situado, como Marx, em meados do século 19. A organização econômica
só resultaria numa infinidade de situações como, também, tornaria a distribuição da e política ancorou-se cada vez mais firmemente em níveis internacionais e, no interior
riqueza produzida socialmente a própria causa da desigualdade. A renda não é um de cada sociedade, esses processos adquiriram feições muito singulares, referidas à
fator independente da produção: é, antes, uma expressão da parcela maior ou menor diversidade de elementos que conformaram suas experiências históricas.
do produto a que um grupo de indivíduos pode ter direito em decorrência de sua
Tudo isso teve como resultado novas subdivisões no interior das classes sociais, como
posição na estrutura de classes.
ocorre com o crescimento das chamadas “classes médias” e dos setores tecnoburocrá-
A configuração básica de classes nos termos expostos acima expressa-se, de maneira ticos. Em outros casos, consolidou a existência de antigas relações de produção, às ve-
simplificada, num modelo dicotômico: de um lado, os proprietários ou possuidores zes sob novas roupagens, tanto no campo como nas cidades. Em suma, formaram-se
dos meios de produção, de outro, os que não os possuem. Historicamente, essa polari- historicamente estruturas econômicas e sociais complexas, conjugando relações entre
dade apresenta-se de diferentes maneiras conforme as relações sociais e econômicas as novas classes e frações de classe típicas das sociedades capitalistas tradicionais.
de cada formação social. Daí os escravos e patrícios, servos e senhores feudais, apren-
A crítica feita pelo marxismo à propriedade privada dos meios de produção da vida
dizes e mestres, trabalhadores livres e capitalistas.
humana dirige-se, antes de tudo, às suas consequências: a exploração da classe de
Esse é, sem dúvida, um esquema teórico insuficiente para apreender a complexidade produtores não-possuidores por parte de uma classe de proprietários, a limitação à
e variações presentes em sociedades concretas. Nem mesmo no caso da Inglaterra, liberdade e às potencialidades dos primeiros e a desumanização de que ambos são
a sociedade capitalista mais desenvolvida da época, a divisão de classes aparecia em vítimas. Mas o domínio dos possuidores dos meios de produção não se restringe à es-
sua forma pura, e as consequências da convivência entre elementos de distintos mo- fera produtiva: a classe que detém o poder material numa dada sociedade é também
dos de produção podem ser observadas na Europa. a potência política e espiritual dominante.

26 27
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

6.4 TRABALHO, ALIENACÃO E SOCIEDADE por dia - são essas doze horas de tecer, fiar, tornear, construir, cavar e quebrar
pedras a manifestação de sua vida, de sua própria vida? Pelo contrário. Para
CAPITALISTA ele a vida começa quando terminam essas atividades, à mesa de sua casa, no
banco do bar, na cama. As doze horas de trabalho não têm para ele sentido
algum enquanto tecelagem, fiação, perfuração etc., mas somente como meio
para ganhar o dinheiro que lhe permite sentar-se à mesa, ao banco no bar e
O fundamento da alienação, para Marx, encontra-se na atividade humana prática: o
deitar-se na cama. Se o bicho-da-seda fiasse para ganhar seu sustento como
trabalho. Marx faz referência principalmente às manifestações da alienação na socie-
lagarta, seria o autêntico trabalhador assalariado. (MARX, 1975, p. 75)
dade capitalista. Segundo ele, o fato econômico é “o estranhamento entre o traba-
lhador e sua produção” e seu resultado é o “trabalho alienado, cindido” que se torna
independente do produtor, hostil a ele, estranho, poderoso e que, ademais, pertence Dito de outra maneira, o trabalhador e suas propriedades humanas só existem para o
a outro homem que o subjuga - o que caracteriza uma relação social. capital. Se ele não tem trabalho, não tem salário, não tem existência. Só existe quando
se relaciona com o capital e, como este lhe é estranho, a vida do trabalhador é tam-
Marx sublinha três aspectos da alienação: 1) o trabalhador relaciona-se com o produto bém estranha para ele próprio. Diz Marx que o malandro, o sem-vergonha, o mendigo,
do seu trabalho como com algo alheio a ele, que o domina e lhe é adverso, e relacio- o faminto, o miserável, o delinqüente não existem para a economia política, são fan-
na-se da mesma forma com os objetos naturais do mundo externo; o trabalhador é tasmas fora de seu reino, já que ela somente leva em conta as necessidades do traba-
alienado em relação às coisas; 2) a atividade do trabalhador tampouco está sob seu lhador cujo atendimento permite manter vivo a ele e a categoria dos trabalhadores.
domínio, ele a percebe como estranha a si próprio, assim como sua vida pessoal e sua
energia física e espiritual, sentidas como atividades que não lhe pertencem; o traba- O salário serve para conservar o trabalhador como qualquer outro instrumento produ-
lhador é alienado em relação a si mesmo; 3) a vida genérica ou produtiva do ser hu- tivo. Esta é uma visão estreita do que são as necessidades humanas que contemplam
mano torna-se apenas meio de vida para o trabalhador, ou seja, seu trabalho - que é também a beleza, a paixão, o espírito e a sociedade mesma, os demais seres huma-
sua atividade vital consciente e que o distingue dos animais - deixa de ser livre e passa nos. Mas enquanto existir a propriedade privada dos meios de produção, as necessi-
a ser unicamente meio para que sobreviva. dades dos homens resumem-se ao dinheiro, e as novas necessidades criadas servirão
para obrigá-los a maiores sacrifícios e dependência.
Portanto, “do mesmo modo como o operário se vê rebaixado no espiritual e no corpo-
ral à condição de máquina, fica reduzido de homem a uma atividade abstrata e a um Em suma, o operário não se reconhece no produto que criou, em condições que es-
estômago”.71 Por outro lado, o trabalho produtivo acaba por tornar-se uma obrigação capam a seu arbítrio e às vezes até à sua compreensão, nem vê no trabalho qualquer
para o proletário, o qual, não sendo possuidor dos meios de produção, é compelido a finalidade que não seja a de garantir sua sobrevivência. E a própria “força de produção
vender sua atividade vital, que multiplicada que nasce por obra da cooperação dos diferentes indivíduos sob a ação
da divisão do trabalho” aparece aos produtores como um poder alheio, sobre o qual
não têm controle, não sabem de onde procede e sentem como se estivesse situado à
não é para ele mais do que um meio para poder existir. Ele trabalha para viver.
O operário nem sequer considera o trabalho como parte de sua vida, para ele
margem deles, independente de sua vontade e de seus atos e que “até mesmo dirige
é, antes, um sacrifício de sua vida. É uma mercadoria por ele transferida a um esta vontade e estes atos”. Mas o próprio capitalista, senhor da riqueza, dela é escravo e
terceiro. Por isso o produto de sua atividade não é tampouco o objetivo dessa se desumaniza. A produção coletiva é organizada e dirigi da segundo os interesses de
atividade. O que o trabalhador produz para si mesmo não é a seda que tece,
uma camada da sociedade: a burguesia, desconsiderando-se todas as necessidades
nem o ouro que extrai da mina, nem o palácio que constrói. O que produz
para si mesmo é o salário, e a seda, o ouro e o palácio reduzem-se para ele
de realização pessoal e de bem-estar dos proletários que não estejam diretamente
a uma determinada quantidade de meios de vida, talvez a um casaco de al- ligadas à criação de riqueza.
godão, umas moedas de cobre e um quarto num porão. E o trabalhador que
tece, fia, perfura, torneia, cava, quebra pedras, carrega etc. durante doze horas Na medida em que a produção capitalista carece, para sustentar-se e aumentar a

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produtividade, do incessante aperfeiçoamento técnico, a divisão do trabalho é uma A quantificação dos produtos do trabalho humano permite o cálculo de sua equiva-
condição essencial. Mas a tarefa individual do trabalhador torna-se, de seu ponto de lência. Troca-se uma certa quantidade de moeda por um saco de cimento. Mas essa
vista, um ato abstrato e sem relação com o produto final. “O que caracteriza a divisão relação parece ocorrer entre coisas. Conquanto seja “uma relação social determinada
do trabalho no seio da sociedade [capitalista] é ela que engendra as especialidades, dos homens entre si (...) adquire para eles a forma fantástica de uma relação de coi-
as distintas profissões e, com elas, o idiotismo do ofício.” (MARX, 1974, p. 127) divisão sas entre si”. Este é o que Marx chama de caráter fetichista da mercadoria, dado pela
capitalista do trabalho e mesmo a atividade profissional exercida atendem aos inte- incapacidade dos produtores de perceber que, através da troca dos frutos de seus tra-
resses particulares dos grupos dominantes e só eventualmente aos dos produtores. balhos no mercado, são eles próprios que estabelecem uma relação social. Em outras
As decisões a respeito do quê, do quanto, de como, em que ritmo e por meio de palavras, o fetichismo do mundo das mercadorias deve-se a que os atributos sociais
quais métodos se produz escapam quase inteiramente da razão do produtor direto, do trabalho são ocultos detrás de sua aparência material.
“retiram ao trabalho do proletário todo o caráter substantivo e fazem com que perca
todo atrativo para ele. O produtor converte-se num simples apêndice da máquina e só
se exigem dele as operações mais simples, mais monótonas e de mais fácil aprendi-
zagem.” (MARX, 1975, p.28) Sendo assim, ele é mais facilmente substituível por outro
Marx faz analogia com o mundo religioso no qual “os produtos do cérebro
trabalhador, “especializado” em atos abstratos e com precária capacidade de negociar
do homem têm o aspecto de seres independentes, dotados de corpos
melhores condições de vida e trabalho. particulares”, como no caso dos deuses.

Em condições de alienação, o trabalho faz com que o crescimento da riqueza objetiva


se anteponha à humanização (do homem e da natureza), sirva crescente mente como
meio de exploração (ao transformar-se em capital), e só se realize como meio de vida.
Por isso, ele “não é a satisfação de uma necessidade senão, somente, um meio para Isso quer dizer que as relações sociais aparecem aos olhos dos homens encantadas
satisfazer as necessidades fora do trabalho”. (MARX, 1974, p. 109). Marx considera que sob a forma de valor, como se este fosse uma propriedade natural das coisas. Através
o trabalhador não se sente feliz, mortifica seu corpo e arruína seu espírito no trabalho da forma fixa em valor-dinheiro, o caráter social dos trabalhos privados e as relações
que é obrigado a fazer, que é externo a ele. E se não existisse coação ele fugiria do sociais entre os produtores se obscurecem. É como se um véu nublasse a percepção
trabalho como da peste... Ele só se sente de fato livre em suas funções animais e em da vida social materializada na forma dos objetos, dos produtos do trabalho e de seu
suas funções humanas sente-se como um animal: “O animal se converte no humano, valor. Assim,
o humano no animal.” Até mesmo necessidades como a de ar livre deixam de existir
“e o homem retorna à caverna, envenenada agora por uma mefítica pestilência da
o duplo caráter social dos trabalhos particulares reflete-se no cérebro dos pro-
civilização, onde habita precariamente, como um poder alheio que pode fugir-lhe dutores com a forma que lhes imprime o comércio prático, o intercâmbio dos
qualquer dia, do qual pode ser expulso qualquer dia se não paga. Tem que pagar por produtos. Quando os produtores colocam frente a frente e relacionam entre si
os produtos de seu trabalho como valores, não é porque vêem neles uma sim-
esta casa mortuária.” (MARX, 1974, p. 158).
ples envoltura sob a qual se oculta um trabalho humano idêntico. Muito pelo
contrário. Ao considerar iguais na troca seus produtos diferentes, estabelecem
No sistema capitalista, a força de trabalho é regulada como qualquer mercadoria. As-
que seus distintos trabalhos são iguais. E fazem-no sem saber. Em conseqüên-
sim, “se a oferta é muito maior do que a demanda, uma parte dos operários mergulha cia, o valor não traz escrito na testa o que é. Ao contrário, de cada produto do
na mendicância ou morre de inanição”. (MARX, 1974, p. 52) Enquanto os trabalhado- trabalho faz um hieróglifo. Somente com o tempo o homem trata de decifrar
seu sentido, de penetrar nos segredos da obra social para a qual contribui, e
res têm que atender às suas necessidades por meio de uma organização da produção
a transformação dos objetos úteis em valores é um produto da sociedade, da
que não obedece ao controle coletivo, não participam de maneira consciente no pro-
mesma maneira que a linguagem. (MARX, 1982, p.88)
cesso produtivo. O poder social é percebido como uma força alheia.

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SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

Mas, a necessidade permanente de renovação e avanço técnico é também uma das do que lhe foi pago na forma de salário. A duração da jornada de trabalho resulta,
oposições dialéticas que constituem a sociedade capitalista e a levam à sua superação portanto, de um calculo que leva em consideração o quanto interessa ao capitalista
como derradeira sociedade de classes. “As relações de produção burguesas são a últi- produzir para obter lucro sem desvalorizar o produto.
ma forma contraditória do processo de produção social...” (MARX, 1973, p. 29) Logo, “a
condição da emancipação da classe operária é a abolição de todas as classes” (MARX, Suponhamos que uma jornada de nove horas, ao final da qual o sapateiro produza
1975, p. 159). três pares de sapato. Cada par continua valendo 150 unidades de moeda, mas agora
eles custam menos ao capitalista. É que, no cálculo do custo dos três pares, a quantia
O propósito último da crítica-prática é mostrar o caminho da humanização, a fim de investida em meios de produção também foi multiplicada por três, mas a quantia re-
que os homens possam assumir a direção da produção, orientando-a segundo sua lativa ao salário – correspondente a um dia de trabalho- permaneceu constante. Desse
vontade consciente e suas necessidades e, não, de acordo com um poder “externo” modo, o custo de cada par se reduziu a 130 moedas.
que regule a atividade que caracteriza a espécie. A extinção das diversas formas de
alienação exige que “as condições de trabalho e da vida prática apresentem ao ho- Ao final da jornada de trabalho, o operário recebe 30 unidades de moeda, ainda que
mem relações transparentes e racionais com seus semelhantes e com a natureza”, seu trabalho tenha rendido o dobro ao capitalista: 20 unidades de moeda por par
(MARX, 1974, p. 73) reclama, então, uma sociedade onde o conflito entre homem e sapatos produzido (150-130) totalizando 60 unidades de moeda (20x3). Esse valor a
natureza e entre homem e homem se resolva: a sociedade comunista. mais não retorna ao operário: é apropriado pelo capitalismo.

Sabe-se que o capitalismo vê a força de trabalho como mercadoria, mas não uma Visualiza-se, portanto, que uma coisa é o valor da força de trabalho, isto é, o salário, e
mercadoria qualquer, pois é a única capaz de criar valor Os economistas anteriores outra é o quanto esse trabalho rende ao capitalista. Esse valor excedente produzido
já haviam postulado que o valor das mercadorias dependia do tempo de trabalho pelo operário é o que se chama de mais valia.
gasto na produção. Marx acrescentou que esse tempo de trabalho se estabelecia em
O capitalista pode obter mais valia procurando aumentar constante mente a jorna-
relação às habilidades individuais e as condições técnicas vigentes na sociedade. Por
da de trabalho, tal como no nosso exemplo (segundo Marx, é a mais-valia absoluta).
isso dizia que que no valor de uma mercadoria era incorporado o “tempo de trabalho
Porém, não é possível estender indefinidamente a jornada de trabalho. A outra forma
socialmente necessário” à sua produção.
de obter mais-valia é melhorando a tecnologia de produção, que faz aumentar a pro-
De acordo com a análise de Marx, não é âmbito da compra e da venda de mercado- dutividade ou seja, as mesmas nove horas de trabalho, agora produzem um número
rias que se encontram as bases estáveis para o lucro dos capitalistas individuais nem maior de mercadorias. Assim, o trabalho a força de trabalho vale cada vez menos e,
para manutenção do sistema capitalista. Ao contrário a valorização da mercadoria se ao mesmo tempo, graças à maquinaria desenvolvida, produz casa vez mais. Esse é o
dá no âmbito de sua produção, conforme veremos a seguir. processo que Marx chama de mais-valia relativa.

6.5 A MAIS-VALIA

Suponhamos que o operário tenha uma jornada diária de nove horas e confeccione
um par de sapatos a cada três horas. Nessas três horas, ele cria uma quantidade de
valor correspondente ao seu salário, que é suficiente para obter o necessário á subsis-
tência. Como o capitalista lhe paga o valor de um dia de força de trabalho, no restante
do tempo, seis horas, o operário produz mais mercadorias que geram um valor maior

32 33
SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

7 MAX WEBER
Weber propôs-se a verificar a capacidade que teria o materialismo histórico de encon-
trar explicações adequadas à história social, especialmente sobre as relações entre a
estrutura e a superestrutura. Em suma, procurou compreender como as ideias, tanto
quanto os fatores de ordem material, cobravam força na explicação sociológica, sem
deixar de criticar o monismo causal que caracteriza o materialismo marxista nas suas
7.1 O PENSAMENTO formas vulgares.
CIENTÍFICO ALEMÃO
Enfim, cabe lembrar a originalidade de Weber no refinamento dessas e outras ideias
que estavam presentes nos debates da época. Os conceitos com os quais interpretou
À época de Max Weber, travava-se na Alemanha
a complexa luta que tem lugar em todas as arenas da vida coletiva e o desenvolvimen-
um acirrado debate entre a corrente até então Max Weber
to histórico do Ocidente como a marcha da racionalidade representam um avanço
dominante no pensamento social e filosófico, o (1864-1920)
em termos de precisão metodológica.
positivismo, e seus críticos. O objeto da polêmi- Nasceu na cidade de Erfurt
(Alemanha), numa família de
ca eram as especificidades das ciências da na- burgueses liberais. Desenvolveu
seus estudos de direito,
tureza e do espírito e, no interior destas, o papel filosofia, história e sociologia, 7.2 A OBJETIVIDADE DO CONHECIMENTO
constantemente interrompidos por
dos valores e a possibilidade da formulação de uma doença que o acompanhou
leis. Wilhelm Dilthey (1833-1911), um dos mais por toda a vida. Iniciou a carreira
de professor em Berlim e em 1895,
importantes representantes da ala antipositivis- foi catedrático da Universidade de
Na investigação de um tema, um cientista é inspirado por seus próprios valores e ide-
Heidelberg. Na política, defendeu ais, que têm um caráter sagrado para ele, nos quais está disposto a lutar. Por isso, deve
ta, contrapôs à razão científica dos positivistas a ardosamente seus pontos de
razão histórica, isto é, a idéia de que a compreen- vista liberais e parlamentaristas. estar capacitado a estabelecer uma “distinção entre reconhecer e julgar, e a cumprir
Sua maior influência nos ramos
são do fenômeno social pressupõe a recuperação especializados da sociologia foi o tanto o dever científico de ver a verdade dos fatos, como o dever prático de defender”
estudo das religiões, estabelecendo os próprios valores, que devem ser obrigatoriamente expostos e jamais disfarçados de
do sentido, sempre arraigado temporalmente e relações entre formações políticas
adscrito a uma weltanschauung1 (relativismo) e
e crenças religiosas. Suas principais “ciência social” ou da “ordem racional dos fatos”.
obras foram: Artigos reunidos
a um ponto de vista (perspectivismo). Obra hu- de teoria da ciência: economia
e sociedade (obra póstuma) e A É essencial distinguir a política e a ciência e considerar que esta tampouco está isenta
mana, a experiência histórica é também uma re- ética protestante e o espírito do
capitalismo. de valores. Enquanto a ciência é um produto da reflexão do cientista, a política o é do
alidade múltipla se inesgotável.
homem de vontade e de ação, ou do membro de uma classe que compartilha com

Mas foram Marx e Nietzsche, reconhecidos pelo outras ideologias e interesses. Segundo Weber, “a ciência é hoje uma vocação organi-

próprio Weber como os pensadores decisivos de zada em disciplinas especiais a serviço do auto-esclarecimento e conhecimento de

seu tempo, aqueles que, segundo alguns biógra- fatos inter-relacionados” (WEBER, 1979, p.180).

fos, tiveram maior impacto sobre a obra do soci-


Ela não dá resposta à pergunta: a qual dos deuses devemos servir? Essa é uma ques-
ólogo alemão. A influência de Marx evidencia-se
tão que tem a ver com a ética.
no fato de ambos terem compartilhado o grande
tema - o capitalismo ocidental - e dedicado a ele
Em outras palavras, é preciso distinguir entre os julgamentos de valor e o saber empí-
boa parte de suas energias intelectuais, estudan-
rico. Este nasce de necessidades e considerações práticas historicamente colocadas,
do-o da perspectiva histórica, econômica, ideoló-
na forma de problemas, ao cientista cujo propósito deve ser o de procurar selecionar
gica e sociológica.
e sugerir a adoção de medidas que tenham a finalidade de solucioná-los. Já os julga-

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SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

mentos de valor dizem respeito à definição do significado que se dá aos objetos ou natureza dessa significação; 3) remonta ao passado para observar como se desenvol-
aos problemas. O saber empírico tem como objetivo procurar respostas através do uso veram as diferentes características individuais daqueles agrupamentos que possuem
dos instrumentos mais adequados (os meios, os métodos). Mas o cientista nunca deve importância para o presente e procura fornecer uma explicação histórica a partir de
propor-se a estabelecer normas, ideais e receitas para a práxis, nem dizer o que deve, tais constelações individuais anteriores, e 4) avalia as constelações possíveis no futuro.
mas o que pode ser feito.
Weber endossa o ponto de vista segundo o qual as ciências sociais visam a compreen-
A ciência é, portanto, um procedimento altamente racional que procura explicar as são de eventos culturais enquanto singularidades. O alvo é, portanto, captar a especi-
consequências de determinados atos, enquanto a posição política prática vincula-se a ficidade dos fenômenos estudados e seus significados. Mas sendo a realidade cultural
convicções e deveres. A relação entre ciência e valores é, ainda assim, mais complexa infinita, uma investigação exaustiva, que considerasse todas as circunstâncias ou variá-
do que possa parecer. veis envolvidas num determinado acontecimento, torna-se uma pretensão inatingível.
Por isso, o cientista precisa isolar, da “imensidade absoluta, um fragmento ínfimo”: que
Mas como é possível, apesar da existência de valores, alcançar a objetividade nas ci- considera relevante.
ências sociais? A resposta de Weber é que os valores devem ser incorporados cons-
cientemente à pesquisa e controlados através de procedimentos rigorosos de análise, O critério de seleção operante nesse processo está dado pelo significado que certos fe-
caracterizados como “esquemas de explicação condicional”. nômenos possuem, tanto para ele como para a cultura e a época em que se inserem.
É a partir da consideração de ambos os registros que será possível o ideal de objetivi-
A ação do cientista é seletiva. Os valores são um guia para a escolha de um certo obje- dade e inteligibilidade nas ciências sociais. Pode-se dizer, então, que o particular ou
to pelo cientista. A partir daí, ele definirá uma certa direção para a sua explicação e os específico não é aquilo que vem dado pela experiência, nem muito menos o ponto de
limites da cadeia causal que ela é capaz de estabelecer, ambos orientados por valores. partida do conhecimento, mas o resultado de um esforço cognitivo que discrimina, or-
As relações de causalidade, por ele construídas na forma de hipóteses, constituirão um ganiza e, enfim, abstrai certos aspectos da realidade na tentativa de explicar as causas
esquema lógico-explicativo cuja objetividade é garantida pelo rigor e obediência aos associadas à produção de determinados fenômenos. Mas o método de estudo de que
cânones do pensamento científico. O ponto essencial a ser salientado é que o próprio se utiliza baseia-se no estado de desenvolvimento dos conhecimentos, nas estruturas
cientista é quem atribui aos aspectos do real e da história que examina uma ordem conceituais de que dispõe e nas normas de pensamento vigentes, o que lhe permite
através da qual procura estabelecer uma relação causal entre certos fenômenos. As- obter resultados válidos não apenas para si próprio.
sim produz o que se chama tipo ideal.
Existe uma grande diferença entre conferir significado à realidade histórica por meio
Conclui-se que a atividade científica é, simultaneamente, racional com relação às suas de ideias de valor e conhecer suas leis e ordená-la de acordo com conceitos gerais e
finalidades - a verdade científica - e racional com relação a valores - a busca da ver- princípios lógicos, genéricos. Mas a explicação do fato significativo em sua especifici-
dade. A obrigação de dizer a verdade é, enfim, parte de uma ética absoluta que se dade nunca estará livre de pressupostos porque ele próprio foi escolhido em função
impõe, sem qualquer condição, aos cientistas. de valores. Com isso, Weber rejeita a possibilidade de uma ciência social que reduza
a realidade empírica a leis. Para explicar um acontecimento concreto, o cientista
Dada a sua complexidade, a discussão realizada por Weber sobre a objetividade das
agrupa uma certa constelação de fatores que lhe permitam dar sentido a esta rea-
ciências sociais merece uma consideração cuidadosa. Segundo o autor, para chegar
lidade particular.
ao conhecimento que pretende, o cientista social efetua quatro operações: 1) estabe-
lece leis e fatores hipotéticos que servirão como meios para seu estudo; 2) analisa e
expõe ordenadamente “o agrupamento individual desses fatores historicamente da-
dos e sua combinação concreta e significativa”, procurando tornar inteligível a causa e

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SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

7.3 TIPOS IDEIAIS princípio de seleção - baseando-se, portanto, em seus próprios valores.

Mas, enquanto “o objeto de estudo e a profundidade do estudo na infinidade das


Por meio das ciências sociais “queremos compreender a peculiaridade da vida que conexões causais são determinados somente pelas idéias de valor que dominam o
nos rodeia” composta de uma diversidade quase infinita de elementos. Ao tomar um investigador e sua época”, o método e os conceitos de que ele lança mão ligam-se às
objeto, apenas um fragmento finito dessa realidade, o cientista social empreende normas de validez científica referidos a uma teoria. A elaboração de um instrumento
uma tarefa muito distinta daquela que se propõe o cientista da natureza. O que pro- que oriente o cientista social em sua busca de conexões causais é muito valiosa do
cura é compreender uma individualidade sociocultural formada de componentes his- ponto de vista heurístico. Esse modelo de interpretação-investigação é o tipo ideal, e é
toricamente agrupados, nem sempre quantificáveis, a cujo passado se remonta para dele que se vale o cientista para guiar-se na infinitude do real.
explicar o presente, partindo então deste para avaliar as perspectivas futuras.
Suas possibilidades e limites devem-se: 1) à unilateralidade, 2) à racionalidade e 3) ao
Sendo uma ciência generalizadora, a Sociologia constrói conceitos - tipo, “vazios frente caráter utópico. Ao elaborar o tipo ideal, parte-se da escolha, numa realidade infinita,

à realidade concreta do histórico” e distanciados desta, mas unívocos porque pre- de alguns elementos do objeto a ser interpretado que são considerados pelo inves-

tendem ser fórmulas interpretativas através das quais se apresenta uma explicação tigador os mais relevantes para a explicação. Esse processo de seleção acentua - ne-
cessariamente – certostraços e deixa de lado outros, o que confere unilateralidade ao
racional para a realidade empírica que organiza. Esta adequação entre o conceito e a
modelo puro. Os elementos causais são relacionados pelo cientista de modo racional,
realidade é tanto mais completa quanto maior a racionalidade da conduta a ser in-
embora não haja dúvida sobre a influência, de fato, de incontáveis fatores irracionais
terpretada, o que não impede a Sociologia de procurar explicar fenômenos irracionais
no desenvolvimento do fenômeno real.
(místicos, proféticos, espirituais, afetivos).

No relativo à ênfase na racionalidade, o tipo ideal só existe como utopia e não é, nem
O que dá valor a uma construção teórica é a concordância entre a adequação de sen-
pretende ser, um reflexo da realidade complexa, muito menos um modelo do que
tido que propõe e a prova dos fatos, caso contrário, ela se torna inútil, seja do ponto
ela deveria ser. Um conceito típico-ideal é um modelo simplificado do real, elaborado
de vista explicativo ou do conhecimento da ação real. Quando é impossível realizar
com base em traços considerados essenciais para a determinação da causalidade, se-
a prova empírica, a evidência racional serve apenas como uma hipótese dotada de
gundo os critérios de quem pretende explicar um fenômeno. É possível, por exemplo,
plausibilidade. Uma construção teórica que pretende ser uma explicação causal ba-
construir tipos ideais da economia urbana da Idade Média, do Estado, de uma seita
seia-se em probabilidades de que um certo processo “A” siga-se, na forma esperada, a
religiosa, de interesses de classe e de outros fenômenos sociais de maior ou menor
um outro determinado processo “B”.
amplitude e complexidade, e também organizar qualquer dessas realidades a partir
de um ou de diversos de seus elementos.
Somente as ações compreensíveis são objeto da Sociologia. E para que regularidades
da vida social possam ser chamadas de leis sociológicas é necessário que se comprove
Na medida em que o cientista procede a uma seleção, esta vem a corresponder às
a probabilidade estatística de que ocorram na forma que foi definida como adequada
suas próprias concepções do que é essencial no objeto examinado, e sua construção
significativamente. típico-ideal não corresponde necessariamente às de outros cientistas. Ele procederá,
a partir daí, a uma comparação entre o seu modelo e a dinâmica da realidade empí-
Na medida em que não é possível a explicação de uma realidade social particular, úni-
rica que examina.
ca e infinita, por meio de uma análise exaustiva das relações causais que a constituem,
escolhem-se algumas destas por meio da avaliação das influências ou efeitos que de- Um exemplo da aplicação do tipo ideal encontra-se na obra A ética protestante e o
las se pode esperar. O cientista atribui a esses fragmentos selecionados da realidade espírito do capitalismo. Weber parte de uma descrição provisória que lhe serve como
um sentido, destaca certos aspectos cujo exame lhe parece importante - segundo seu guia para a investigação empírica, “indispensável à clara compreensão do objeto de in-

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vestigação”, do que entende inicialmente por “espírito do capitalismo”, e vai construin- As condutas humanas são tanto mais racionalizadas quanto menor for a submissão
do gradualmente esse conceito ao longo de sua pesquisa, para chegar à sua forma do agente aos costumes e afetos e quanto mais ele se oriente por um planejamento
definitiva apenas no final do trabalho. adequado à situação. Pode-se dizer, portanto, que as ações serão tanto mais intelec-
tualmente compreensíveis (ou sociologicamente explicáveis) quanto mais racionais,
O tipo ideal é utilizado como instrumento para conduzir o autor numa realidade com- mas é possível a interpretação endopática e o cálculo exclusivamente intelectual dos
plexa. O autor reconhece que seu ponto de vista é um entre outros. Cabe à Sociologia
meios, direção e efeitos da ação ainda quando existe uma grande distância entre os
e à História, como parte das ciências da cultura, reconstruir os atos humanos, compre-
valores do agente e os do sociólogo. Interpretar uma ação devida a valores religiosos, a
ender o significado que estes tiveram para os agentes, e o universo de valores adotado
virtudes, ao fanatismo ou a afetos extremos que podem não fazer parte da experiência
por um grupo social ou por um indivíduo enquanto membro de uma determinada so-
do sociólogo ou aos quais ele seja pouco suscetível pode, portanto, dar-se com um
ciedade e, por fim, construir conceitos-tipo e encontrar “as regras gerais do acontecer”.
grau menor de evidência.

Para compreender uma ação através do método científico, o sociólogo trabalha então
7.4 AÇÃO E AÇÃO SOCIAL com uma elaboração limite, essencial para o estudo sociológico, que chama de tipos
puros ou ideais, vazios de realidade concreta ou estranhos ao mundo, ou seja: abstra-
A ação é definida por Weber como toda conduta humana (ato, omissão, permissão) tos, conceituais. O Avarento, personagem dramático de Moliere, pode ser visto como
dotada de um significado subjetivo dado por quem a executa e que orienta essa ação. um tipo ideal ou puro. Sua principal característica pessoal é a avareza, e todas as suas
Quando tal orientação tem em vista a ação - passada, presente ou futura - de outro ou ações estão orientadas para a possibilidade de guardar cada vez mais dinheiro.
de outros agentes que podem ser “individualizados e conhecidos ou uma pluralidade
de indivíduos indeterminados e completamente desconhecidos” - o público, a audi- É evidente que mesmo os avarentos mais empedernidos não constroem todos os mo-
ência de um programa, a família do agente etc. - a ação passa a ser definida como mentos da sua vida em torno apenas da atividade de entesouramento! Apenas figuras
social (WEBER, 1984, p.18). imaginadas seriam capazes, por exemplo, de contar os grãos de arroz que cada um
de seus filhos estaria autorizado a comer nas refeições... Ainda assim, o personagem
A Sociologia é, para Weber, a ciência “que pretende entender, interpretando-a, a ação proporciona, enquanto tipo ideal, um conjunto articulado de princípios racionais para
social para, dessa maneira, explicá-la causalmente em seu desenvolvimento e efeitos”, a explicação das personalidades e ações dos avarentos. E é este o sentido do uso de
observando suas regularidades as quais se expressam na forma de usos, costumes tipos ideais.
ou situações de interesse (WEBER, 1984, p.5) e embora a Sociologia não tenha a ver
somente com a ação social, sem embargo, para o tipo de Sociologia que o autor pro- Logo, com base no reconhecimento de que, durante o desenvolvimento da ação, po-
põe, ela é o dado central, constitutivo (WEBER, 1984, p.20). Entretanto, algumas ações dem ocorrer condicionamentos irracionais, obstáculos, emoções, equívocos, incoerên-
não interessam à Sociologia por serem reativas, sem um sentido pensado, como a de cias etc., Weber constrói quatro tipos puros, ou ideais, de ação: a ação racional com
retirar a mão ao se levar um choque. relação a fins, a ação racional com relação a valores, a ação tradicional e a ação afetiva.
Sem dúvida, são muitas as combinações entre a maior ou a menor nitidez com que o
A explicação sociológica busca compreender e interpretar o sentido, o desenvolvimen-
agente percebe suas próprias finalidades, os meios de que deverá servir-se para alcan-
to e os efeitos da conduta de um ou mais indivíduos referida a outro ou outros - ou
çá-las, as condições colocadas pelo ambiente em que se dá sua ação, assim como as
seja, da ação social, não se propondo a julgar a validez de tais atos nem a compreen-
consequências advindas de sua conduta.
der o agente enquanto pessoa. Compreender uma ação é captar e interpretar sua co-
nexão de sentido, que será mais ou menos evidente para o sociólogo. Em suma: ação A escala classificatória abrange desde a racionalidade mais pura até a irracionalidade.
compreensível é ação com sentido. O sociólogo capta intelectualmente as conexões de sentido racionais, as que alcançam

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SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

o grau máximo de evidência. Isso não ocorre com a mesma facilidade quando valores senso de dignidade, suas crenças religiosas, políticas, morais ou estéticas, por valores
e afetos interferem nas ações examinadas. A partir de um modelo de desenvolvimento que preza tais como a justiça, a honra, a honestidade, a fidelidade, a beleza. Por conse-
da conduta racional, o sociólogo interpreta outras conexões de sentido menos eviden- guinte, não é guiado pela consideração dos efeitos que poderão advir de sua conduta.
tes - sejam aquelas afetivamente condicionadas ou que tenham sofrido influências
irracionais de toda espécie - tomando-as como desvios do modelo constituído. Daí que às vezes exista nesse tipo de procedimento uma certa irracionalidade no que
diz respeito à relação entre meios e fins, já que o agente não se interessa pelo aspecto
Em síntese: somente a ação com sentido pode ser compreendida pela Sociologia, a da racionalidade com a mesma paixão com que exige o respeito aos seus valores. Tal
qual constrói tipos ou modelos explicativos abstratos para cuja construção levam-se em irracionalidade será tanto maior quanto mais absoluto for, para o sujeito, o valor que
conta tanto as conexões de sentido racionais, cuja interpretação se dá com maior evi- inspira sua ação.
dência, quanto as não-racionais, sobre as quais a interpretação alcança menor clareza.
O significado da ação não se encontra, portanto, em seu resultado ou em suas conse-
quências, mas no desenrolar da própria conduta, como, por exemplo, a daqueles que
7.5 OS TIPOS PUROS DE AÇAO E DE AÇÃO SOCIAL lutam em prol dos valores que consideram indiscutíveis ou acima de quaisquer outros,
como a paz, o exercício da liberdade (política, religiosa, sexual, de uso de drogas etc.),
em benefício de uma causa como a nacional ou pela preservação dos animais. O que
A ação de um indivíduo será classificada como racional com relação a fins se, para
dá sentido à ação é sua fidelidade aos valores que a guiaram.
atingir um objetivo previamente definido, ele lança mão dos meios necessários ou
adequados, ambos avaliados e combinados tão claramente quanto possível de seu A conduta pode também não ter qualquer motivação racional, como é o caso daque-
próprio ponto de vista. Um procedimento científico ou uma ação econômica, por las de tipo afetivo e de tipo tradicional. Diz-se que o sujeito age de modo afetivo quan-
exemplo, expressam essa tendência e permitem uma interpretação racional. O proce- do sua ação é inspirada em suas emoções imediatas - vingança, desespero, admiração,
dimento econômico - todo aquele que leva em conta um conjunto de necessidades a orgulho, medo, inveja, entusiasmo, desejo, compaixão, gosto estético ou alimentar etc.
atender, quaisquer que sejam, e uma quantidade escassa de meios - corresponde ao - sem consideração de meios ou de fins a atingir. Uma ação afetiva é aquela orientada
modelo típico de ação racional. pelo ciúme, pela raiva ou por diversas outras paixões.

A questão para o agente que visa chegar ao objetivo pretendido recorrendo aos meios Ações desse tipo podem ter resultados não pretendidos, desastrosos ou magníficos
disponíveis é selecionar entre estes os mais adequados. A conexão entre fins e meios é como, por exemplo, magoar a quem se ama, destruir algo precioso ou produzir uma
tanto mais racional quanto mais a conduta se dê rigorosamente e sem a interferência obra de arte, já que o agente não se importa com os resultados ou consequências
perturbadora de tradições e afetos que desviam seu curso. Assim, provavelmente é de sua conduta. A ação afetiva distingue-se da racional orientada por valores pelo
mais racional aplicar em ações da bolsa de valores a partir da avaliação de um espe- fato que, nesta, o sujeito “elabora conscientemente os pontos de direção últimos da
cialista no assunto do que ceder a um impulso, decidir com base num jogo de dados atividade e se orienta segundo estes de maneira consequente”, portanto age racional-
ou aceitar o conselho de um sacerdote. mente. Podem constituir ações afetivas: escrever poemas eróticos ou amorosos, torcer
por um time de futebol, levar os filhos a shows de cantores adolescentes, desde que
A conduta será racional em relação a valores quando o agente orientar-se por fins últi-
elas se orientem pelos sentimentos das pessoas que as realizam.
mos, por princípios, agindo de acordo com ou a serviço de suas próprias convicções e
levando em conta somente sua fidelidade a tais valores, estes, sim, inspiradores de sua Quando hábitos e costumes arraigados levam a que se aja em função deles, ou como
conduta, ou na medida em que crê na legitimidade intrínseca de um comportamento, sempre se fez, em reação a estímulos habituais, estamos diante da ação tradicional.
válido por si mesmo como, por exemplo, ser honesto, ser casto, não se alimentar de car- Tal é o caso do batismo dos filhos realizado por pais pouco comprometidos com a
ne. Está, portanto, cumprindo um dever, um imperativo ou exigência ditados por seu

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SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

religião, o beijo na mão durante o pedido de bênção, o cumprimento semiautomá- Quando, ao agir, cada um de dois ou mais indivíduos orienta sua conduta levando em
tico entre pessoas que se cruzam no ambiente de trabalho ou o acender um cigarro conta a probabilidade de que o outro ou os outros agirão socialmente de um modo
após um café. Weber compara os estímulos que levam à ação tradicional aos que que corresponde às expectativas do primeiro agente, estamos diante de uma relação
produzem a imitação reativa, já que é difícil conhecer até que ponto o agente tem social. O gerente do supermercado solicita a um empacotador que atenda um clien-
consciência de seu sentido. Assim como a ação estritamente afetiva, a estritamente te. Temos aqui três agentes cujas ações orientam-se por referências recíprocas, cada
tradicional situa-se no limite ou além do que Weber considera ação orientada de ma- um dos quais contando com a probabilidade de que o outro terá uma conduta do-
neira significativamente consciente. tada de sentido e sobre a qual existem socialmente expectativas correntes. Tomemos
o exemplo desde o ponto de vista da conduta e expectativas de um desses agentes.
Podemos utilizar essas quatro categorias para analisar o sentido de um sem-número O cliente, ao fazer suas compras, já conta tanto com a possibilidade de ser auxiliado
de condutas, tanto daquelas praticadas, como das que o agente se recusa a executar pelo empacotador, assim como tem conhecimento de que, se necessário, poderá re-
ou deixa de praticar: estudar, dar esmolas, comprar, casar, participar de uma associa- correr ao gerente para que este faça com que o funcionário trabalhe adequadamente.
ção, fumar, presentear, socorrer, castigar, comer certos alimentos, assistir à televisão, ir Substituindo-os por um cidadão, um assaltante e um policial, ou por um casal, ou por
à missa, à guerra etc. O sociólogo procura compreender o sentido que um sujeito atri- pais e filhos, temos outros tipos de relação social que se fundam em probabilidades e
bui à sua ação e seu significado. Há que se ter claro, porém, o alerta de Weber de que expectativas do comportamento de cada um dos participantes.
“muito raras vezes a ação, especialmente a social, está exclusivamente orientada por
um ou outro destes tipos” que não passam de modelos conceituais puros, o que quer O conteúdo dessas relações é diverso: prestação de serviços, conflito, poder, amor,
dizer que em geral as ações sofrem mais de um desses condicionamentos, embora respeito etc. e existe nelas um caráter recíproco, embora essa reciprocidade não se
possam ser classificadas com base naquele que, no caso, é o predominante. encontre necessariamente no conteúdo de sentido que cada agente lhe atribui mas
na capacidade de cada um compreender o sentido da ação dos outros. Um cidadão
pode temer o assaltante que, embora reconheça os sofrimentos de sua vítima, é indi-
7.6 RELAÇÃO SOCIAL ferente a eles. O empacotador pode ser solidário com o cliente e este tratá-lo friamen-
te, um parceiro pode sentir paixão pelo outro que abusa da generosidade advinda de
tal sentimento.
Uma conduta plural (de vários), reciprocamente orientada, dotada de conteúdos sig-
nificativos que descansam na probabilidade de que se agirá socialmente de um certo
O caráter recíproco da relação social não significa uma atuação do mesmo tipo por
modo, constitui o que Weber denomina relação social. Podemos dizer que relação social
parte de cada um dos agentes envolvidos. Apenas quer dizer que uns e outros parti-
é a probabilidade de que uma forma determinada de conduta social tenha, em algum
lham a compreensão do sentido das ações, todos sabem do que se trata, mesmo que
momento, seu sentido partilhado pelos diversos agentes numa sociedade qualquer. não haja correspondência. Sinais de amor podem ser compreendidos, notados, sem
que este amor seja correspondido.
Como exemplos de relações sociais temos as de hostilidade, de amizade, as trocas
comerciais, a concorrência econômica, as relações eróticas e políticas. Em cada uma O que caracteriza a relação social é que o sentido das ações sociais a ela associadas
delas, as pessoas envolvidas percebem o significado, partilham o sentido das ações pode ser (mais ou menos claramente) compreendido pelos diversos agentes de uma
dado pelas demais pessoas. Como membros da sociedade moderna, todos nós so- sociedade. Além disso, os conteúdos atribuídos às relações tampouco são permanen-
mos capazes de entender o gesto de uma pessoa que pega o seu cartão de crédito tes, seja totalmente ou em parte, assim como as próprias relações entre agentes, as
para pagar uma conta. O mesmo não aconteceria, por exemplo, com um índio ainda quais podem ser transitórias, duradouras, casuais, repetir-se etc.
distante do contato com a nossa sociedade, pois ele seria incapaz de partilhar, numa
primeira aproximação, o sentido de vários dos nossos atos. Cada indivíduo, ao envolver-se nessas ou em quaisquer relações sociais, toma por refe-

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SOCIOLOGIA SOCIOLOGIA

rência certas expectativas que possui da ação do outro (ou outros) aos quais sua con- Tanto mais racionais sejam as relações sociais, mais facilmente poderão ser expressas
duta se refere. O vendedor que aceita um cheque do comprador, o desportista que sob a forma de normas, seja por meio de um contrato ou de um acordo, como no caso
atua com lealdade com o adversário e o político que propõe a seus futuros eleitores a de relações de conteúdo econômico ou jurídico, da regulamentação das ações de go-
execução de certos atos estão se baseando em probabilidades esperadas da conduta vernos, de sócios etc. Pode-se deduzir que isso se torna mais difícil quando se trata de
daqueles que são o alvo de sua ação. uma relação cujo principal fundamento seja erótico ou valorativo. Na realidade, as rela-
ções podem ter ambos conteúdos, enquanto definições ou conceitos são tipos ideais.
Em suma: as relações sociais são os conteúdos significativos atribuídos por aqueles
que agem tomando outro ou outros como referência - conflito, piedade, concorrência, Weber refere-se também ao conteúdo comunitário de uma relação social, fundado
fidelidade, desejo sexual etc. e as condutas de uns e de outros orientam-se por esse num sentimento subjetivo (afetivo ou tradicional) de pertença mútua, que se dá entre
sentido embora não tenham que ter reciprocidade no que diz respeito ao conteúdo. as partes envolvidas e com base no qual a ação está reciprocamente referida, de modo
semelhante ao que costuma ocorrer entre os membros de uma família, estamento,
Tomemos uma ilustração. Ana notou que Beto tem interesse nela: vários de seus atos
grupo religioso, escola, torcedores de um time ou entre amantes. Já a relação associa-
assim o indicam. Ele a convida para sair, concede-lhe muita atenção. Mas Ana não tem
tiva apoia-se num acordo de interesses motivado racionalmente (seja com base em
intenção de namorar Beto e procura fazê-lo entender isso através de recusas polidas.
fins ou valores), como o que se dá entre os participantes de um contrato matrimonial,
Conquanto ambos guiem suas ações por expectativas da ação do outro, nesse caso o
de um sindicato, do mercado livre e de associações religiosas ou como as Organiza-
conteúdo de ambas não é recíproco, apesar de totalmente compreensível para cada
ções Não-Governamentais.
uma das partes. Da mesma forma, somos capazes de entender o sentido de um gesto
violento numa agressão, e é isto o que nos leva a reagir de acordo com ele, mesmo
Podemos identificar, na maioria das relações sociais, elementos comunitários e socie-
que não haja reciprocidade de nossa parte. O que importa para identificar relações
tários, assim como há motivos afetivos, tradicionais, religiosos e racionais mesclados
sociais como tais é que estejam inseridas em e reguladas por expectativas recíprocas
em quase todas as ações. Numa igreja ou associação religiosa podemos encontrar
quanto ao seu significado.
claramente tanto o conteúdo comunitário quanto o acordo de interesses racionais. Se

Os agentes podem conduzir-se como colegas, inimigos, parentes, comprador e ven- o sentimento de pertença a uma comunidade - a comunhão - é a base da vida reli-

dedor, criminoso e vítima, admirador e astro, indiferente e apaixonado, patrão e em- giosa para o praticante leigo, o trabalho profissional dos sacerdotes apóia-se em uma
pregado, ou dentro de uma infinidade de possibilidades, desde que todas elas in- organização racional.
cluam uma referência comum ao sentido partilhado. Uma relação social pode ser
Condutas podem ser regulares, seja porque as mesmas pessoas as repetem ou por-
também efêmera ou durável, isto é, pode ser interrompida, ser ou não persistente e
que muitos o fazem dando a elas o mesmo sentido, e isto interessa à Sociologia. Se tal
mesmo mudar radicalmente de sentido durante o seu curso, passando, por exemplo,
regularidade acontece devido ao mero hábito, trata-se de um uso; quando duradoura,
de amistosa a hostil, de desinteressada a solidária etc.
torna-se um costume; e é determinada por uma situação de interesses quando se
Weber chama o Estado, a Igreja ou o casamento de pretensas estruturas sociais que só reitera unicamente em função da orientação racional da ação. A moda é um uso que
existem de fato enquanto houver a probabilidade de que se dêem as relações sociais se contrapõe, graças ao seu caráter de novidade, ao costume, mas também pode re-
dotadas de conteúdos significativos que as constituem. Ou seja, de que pessoas nessa sultar de convenções impostas por um estamento em busca de garantir seu prestígio,
sociedade achem que devam se casar, pagar impostos e votar ou assistir às cerimônias como a distinção que se expressa no consumo da alta costura. O processo de raciona-
religiosas. Assim, do ponto de vista sociológico, um matrimônio, uma corporação ou lização da conduta pode exigir que o agente tome consciência e rejeite sua própria
mesmo um Estado deixam de existir “desde que desapareça a probabilidade de que submissão à regularidade imposta pelo costume. Os agentes podem orientar-se pelas
aí se desenvolvam determinadas espécies de atividades sociais orientadas significati- suas crenças na validez de uma ordem que lhes apresenta obrigação ou modelos de
vamente” (WEBER, 1984, p.22). conduta (como é o caso dos que vão à escola, ao templo ou ao trabalho).

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Ao adquirir o prestígio da legitimidade, ou seja, quando a ordem se torna válida para 1. A relação entre religião e sociedade não se dá por meios institucionais, mas por
um ou mais agentes, “aumenta a probabilidade de que a ação se oriente por ela em intermédio de valores introjetados nos indivíduos e transformados em motivos
um grau considerável”, tanto mais quanto mais ampla for a sua validez. A garantia da de ação social. A motivação do protestante, segundo Weber, é o trabalho, en-
validade de uma ordem pode se dar com base na “probabilidade de que, dentro de quanto de ver e vocação, como um fim absoluto em si mesmo, e não no ganho
um determinado círculo de homens, uma conduta discordante tropeçará com uma material obtido através dele.
relativa reprovação geral e sensível na prática” ou “na probabilidade de coação física ou
2. O motivo que mobiliza internamento o indivíduo é consciente. Entretanto, os atos
psíquica exercida por um quadro de indivíduos instituídos com a missão de obrigar à
individuais vão além das metas propostas e aceitas por eles. Buscando sair-se
observância dessa ordem ou de castigar sua transgressão”. No primeiro caso, a ordem
bem na profissão, mostrando sua virtude e vocação e renunciando aos prazeres
chama-se convenção e, no segundo, direito (WEBER, 1984, p.28).
materiais, o protestante se adapta facilmente ao mercado de trabalho, acumula
capital e reinveste produtivamente.

7.7 A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO 3. Ao cientista cabe, segundo Weber, estabelecer conexões entre a motivações en-

CAPITALISMO tre a motivações dos indivíduos e os efeitos de sua ação no meio da ação social.
Procedendo assim, analisou os valores do catolicismo e do protestantismo, mos-
trando que os últimos revelam a tendência ao racionalismo econômico, base da
Um dos trabalhos mais conhecidos e importantes de Weber é a Ética protestante e o ação capitalista.
espírito do capitalismo, no qual estuda a relação entre racionalidade e crença religiosa,
tendo por objeto o protestantismo e o comportamento capitalista moderno ocidental.
7.8 RACIONALIDADE E DOMINAÇÃO
Weber partiu de dados estatísticos que lhe mostraram a proeminência de adeptos da
Reforma Protestante entre os grandes homens de negócios, empresários bem sucedi-
Weber ao analisar a sociedade de seu tempo, moveu-se entre tradições e inovações,
dos e trabalhadores qualificados. A partir daí procurou estabelecer conexões entre as
identificando como característica predominante do capitalismo industrial, a racionali-
pregações protestantes e seus efeitos no comportamento dos indivíduos e no desen-
dade - a busca constante por determinados fins cuja trajetória não estivesse marcada
volvimento do capitalismo.
pelas tradições nem pelos costumes. Da ação individual à vida das grandes organiza-
O autor descobriu que os valores do protestantismo – como a disciplina ascética (con- ções, o que determina as relações sociais é a racionalidade que se impõe sobre valores
sagração a exercícios espirituais e autodisciplina), a poupança, a austeridade, a vocação éticos e religiosos mais profundos, promovendo o que Weber chamou de desencanta-
e o dever e a propensão ao trabalho atuavam de maneira decisiva sobre os indivíduos. mento do mundo. O autor revela a importância da razão que se manifesta no aparato
Weber mostra a formação de uma nova mentalidade ou ethos - conjunto dos costu- lógico-burocrático das sociedades modernas.
mes e hábitos fundamentais- propício ao capitalismo, em flagrante oposição ao “alhe-
Weber estuda a burocracia como um tipo de organização da vida social que se ma-
amento” e à atitude contemplativa do catolicismo, voltado para oração e sacrifício e á
nifesta por dispositivos legais e que busca estabelecer critérios de competência e fun-
renúncia á vida prática.
cionalidade, tais como a antiguidade, a qualificação e a eficiência. Mas é também
Um dos importantes aspectos desse trabalho, no seu sentido teórico, está em expor uma forma de dominação.
as relações ente religião e sociedade e em desvendar particularidades do capitalismo.
Entre os estudos promovidos por Weber destaca-se o estudo acerca das formas de
Além disso, nessa obra, podemos ver de que maneira Weber aplica seus conceitos e
dominação, compreendida como a possibilidade de uma pessoa encontrar outra dis-
suas principais posturas metodológicas:
posta a obedecer a uma ideia ou situação. Essa submissão também pode ser justifi-

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8 REFERÊNCIAS
cada por uma motivação legítima. de acordo com essa motivação, o autor distingue
diferentes formas de dominação.

• Dominação tradicional: é poder que decorre das tradições, como a gerontocra-


cia e no patriarcalismo. COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 1987

• Dominação carismática: decorre da personalidade de um líder e de sua capaci- DURKHEIM, E. Las formas elementales de Ia vida religiosa. Buenos Aires: Schapire, 1968.
dade de mobilizar pessoas, seja pelo uso das qualidades pessoais, por usas ideias
ou por mecanismos como propagandas e apresentações públicas. Os profetas e DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. Tradução de Maria Isaura P. Queiroz.
os políticos estão nessa segunda categoria de dominadores. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974.

• Dominação legal: é o poder existente nas instituições modernas- impessoal e


DURKHEIM, E. Sociología y filosofía. Tradução de M. Bolafío Hijo. Buenos Aires: Kraft, 1951.
garantido por lei. Trata-se do poder que goza uma autoridade de acordo com o
cargo que ocupa numa hierarquia.
DURKHEIM, E. De la división del trabajo social. Tradução de David Maldavsky. Buenos
Aires: Schapire, 1967
Constituída por tipos ideais, essa classificação é apenas abstrata, mas permite esten-
der as diferenças e identificar os tipos de autoridade existente. Cabe ao cientista social
MARX, K. Manuscritos: economía y filosofía. Tradução de Francisco Rubio Llorente. Ma-
reconhecê-los e na realidade estudar seus graus de variação.
drid: Alianza Editorial, 1974.

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