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LINGUAGEM ESCRITA E AUTISMO: UM ESTUDO DE CASO EM

UMA SALA DE AULA REGULAR EM SÃO LUÍS - MA

Chayene Cristina Santos Carvalho1 - UFMA

Grupo de Trabalho – Didática: Teorias, Metodologias e Práticas


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O presente estudo partiu da problemática de se compreender como a aquisição da linguagem


escrita acontece no indivíduo com autismo e em que medida incide no seu desenvolvimento
cognitivo e social. Este artigo é proveniente da pesquisa monográfica intitulada Linguagem
escrita e autismo: um estudo de caso, para qualificação de graduação do Curso de Pedagogia
da Universidade Federal do Maranhão. Partindo-se da evidência de que há um aumento
considerável do ingresso escolar de autistas, é importante compreender esse processo, e
assim, um importante passo pode ser dado por todos os participantes da escola, para
contribuição do desenvolvimento de crianças com autismo. Para construção do quadro teórico
buscou-se referências bibliográficas sobre a temática, pois, dessa forma segundo Matos
(2002) é preciso fazer um levantamento de todo material disponível sobre o assunto com
dados já analisados e publicados. Utilizou-se assim, diferentes autores, dentre eles: Barros
(2011); Luria (1986); Orrú (2012); Vygotski (1991); Mello (2009); Smolka (2012), entre
outros. Esta investigação caracterizou-se como um estudo de caso, o qual Triviños (1995,
p.13) classifica como “[...] uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se
analisa profundamente.”. A pesquisa foi feita em uma escola regular de cunho privado em São
Luís, com dados gerados pelos sujeitos envolventes, uma criança autista e sua professora e foi
feita a análises a partir de uma abordagem discursiva, com base em Bakhtin (2009), pois,
considera-se o sujeito autista capaz de produzir e interagir. Ante ao estudo feito, a pesquisa
apontou que a criança autista possui condições reais de se apropriar da escrita. Contudo, os
métodos utilizados para o ensino têm se concentrado na perspectiva do objetivismo abstrato,
pois o modo de instrução limita-se a gramática normativa, o que não corrobora para se
expandir o discurso do autista.

Palavras-chave: Concepções de Linguagem. Autismo. Linguagem Escrita.

1
Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail:
chayenechriss@hotmail.com.

ISSN 2176-1396
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Introdução

Atualmente, a academia e a sociedade têm aberto os olhos para as pessoas que


apresentam algum tipo de transtorno/deficiência/síndrome. Nos jornais, nos programas, na
novela, a discussão em torno do autismo tem sido considerada. Mas, há muito que se discutir,
refletir e fazer pelas pessoas que possuem este espectro, visto que o autismo é um distúrbio de
conduta que afeta o desenvolvimento do indivíduo, mas especificamente “[...] uma síndrome
comportamental que engloba comprometimentos nas áreas relacionadas à comunicação, quer
seja verbal ou não-verbal, na interpessoalidade, em ações simbólicas, no comportamento geral
e nos distúrbios do desenvolvimento neuropsicológico.” (ORRÚ, 2012, p.29). Portanto, é um
desafio fazer as devidas relações entre a linguagem e o autismo.
Considerando que a linguagem é essencial para que o homem atue em seu modo de
vida, é por meio dela que o homem consegue expor suas ideias e sentimentos, seja através de
sua fala ou da escrita. Assim, a linguagem pode ser verbal, não verbal e de outros signos
convencionais. Ela nos coloca em sintonia com o outro, com nós mesmos e com o mundo.
Para a pessoa com autismo, a linguagem pode se apresentar como principal mediadora na
formação e no desenvolvimento das suas funções psicológicas superiores. Orrú (2012) diz que
o autista, sendo um indivíduo único, é exclusivo enquanto pessoa e assim, apresenta
características que lhes são próprias da síndrome, suas manifestações comportamentais
diferenciam-se segundo seu histórico-social, afetando diferentemente a linguagem.
No que diz respeito à linguagem escrita, especificamente, segundo Vygotski (1991,
p.125), ela “ocupa um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel
fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança.” Sendo assim, a
escrita não pode ser considerada e não é uma receita pronta para a apropriação da língua
materna. Mas, deve ser encarada como um instrumento linguístico social-cultural-político,
que norteia as relações com o outro e a sociedade.
Diante disso, o interesse em abordar a relação entre linguagem escrita e autismo,
surgiu em meio a experiências com crianças autistas no ensino regular, em meio a uma escola
que ainda possui muitas dificuldades em relação à síndrome e no acompanhamento dessas
crianças que estão chagando a escola. Visto que, quando se trata de autismo, a primeira
possibilidade de tratamento está voltada unicamente para o comportamento do indivíduo.
Contudo, a questão da escolarização é algo que fica a se pensar mais para frente, pois a
vida acadêmica de um autista tem sido pouca pesquisada, estudada. De acordo com o
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levantamento bibliográfico para esta pesquisa, a demanda do ensino e da aprendizagem desse


sujeito está mais relacionada com a área da Psicologia, Fonoaudiologia, Neurologia, Terapia
ocupacional, sendo que do ponto de vista pedagógico, ainda encontra-se no início.

O que entendemos por linguagem?

Com a passagem à existência histórico-social, ao trabalho e às formas de vida social, o


homem mudou radicalmente seu comportamento. Nessa passagem da conduta animal do
homem à atividade consciente nasce a linguagem e com ela a necessidade de uso de códigos
que exercem papel importante na atividade consciente do homem. (LURIA, 1986). Assim,
para o entendimento da criação da linguagem infere-se que, com o estudo da ciência da
filosofia, a preocupação era em buscar uma origem existencial da mesma. Em meio a tantas
indagações filosóficas, principalmente na Grécia, a pergunta criadora sobre seu surgimento
era a de que se a linguagem era natural aos homens ou se era uma convenção social. Para
Chauí (2000, p. 176), “se a linguagem for natural, as palavras possuem um sentido próprio e
necessário; se for convencional, são decisões consensuais da sociedade e, nesse caso, são
arbitrárias”. Ainda segundo a mesma autora, a partir de então, tem-se uma separação entre
linguagem, considerada como capacidade de expressão dos seres humanos, e línguas, que
surge diante de condições históricas, geográficas, econômicas e políticas. (CHAUÍ, 2000).
A linguagem incide em todos os campos da atividade consciente do homem, dando-lhe
a capacidade de transformar seu ambiente. Segundo Orrú (2012, p.88) “[...] é por meio da
linguagem que são constituídas as complexas formas de pensamento abstrato e generalizado
que são aquisições muito importantes da história da humanidade, garantindo a passagem do
sensorial para o racional.”. Assim, entende-se como linguagem algo que é próprio da espécie
humana, constituído a partir de suas necessidades na construção de signos, significantes e
significados levando em consideração a historicidade e a cultura de cada ser.
Para Chauí (2012, p. 185), “dizer que somos seres falantes significa dizer que temos e
somos linguagem, que ela é uma criação humana (uma instituição sociocultural), ao mesmo
tempo em que nos cria como humanos (seres sociais e culturais)”. Portanto, a linguagem é a
chave para a compreensão do mundo. Ficam a partir disso, questões como: qual seria então o
papel da linguagem na vida do homem? Ou somente se trata de um instrumento de
comunicação que perpassa de um emissor para um receptor? Felizmente, a linguagem não se
reduz a poucos conceitos, ela vai além. Pois, pensar a linguagem sem o filtro do sujeito,
juntamente com sua composição social-cultural, é uma tarefa complexa. Chauí (2012).
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A linguagem de fato nos torna indivíduos na busca da compreensão do mundo.


Bakhtin, em sua obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (2009), discorre sobre duas linhas
às quais podemos fazer reflexões acerca das concepções de linguagem, visto que as duas
concepções que trata na obra são concepções de línguas dominantes nos estudos linguísticos,
gramaticais e filológicos. Essa discussão traz consigo questionamentos do que seja linguagem
e o que é palavra, além de colocar em voga a questão fundamental da língua: a de que serve
como instrumento de comunicação a partir de regras com intuito de produzir enunciados. As
duas orientações tratam-se do subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato.
A primeira orientação, o subjetivismo idealista, tem como Wilhelm Humboldt seu
maior representante. Segundo Bakhtin (2009, p.74), esta orientação “interessa-se pelo ato da
fala, de criação individual, como fundamento da língua (no sentido de toda atividade de
linguagem sem exceção)”. A língua, deste ponto de vista, limita-se a uma criação individual e
serve a questões práticas da aquisição de uma língua dada, ou seja, serve fielmente como uma
ferramenta pronta para ser utilizada de forma individual. Para Silva e Leite (2013, p.39)
aqueles que defendem o subjetivismo idealista “[...] têm a ideia de que o fator social não
interfere na enunciação e de que o modo como o sujeito se expressa está relacionado com a
capacidade deste de pensar.” Diante disso, considera-se que para primeira orientação há um
fluxo contínuo de atos de fala, então, nada permanece estável, há uma falta de identidade.
Para Britto (1991, p.40-41), “Existiria, pois, uma forma “correta” da linguagem que
equivaleria à forma “correta” do pensamento”. A linguagem, portanto, seria apenas uma
exteriorização da mente, sendo que o indivíduo só poderia adquiri-la de forma passiva, não
considerando as variações linguísticas.
Já a segunda orientação, o objetivismo abstrato, faz da língua um objeto científico,
situa-se para o sistema das formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua. O principal
determinante, segundo Bakhtin (2009, p.79), é que “Cada enunciação, cada ato de criação
individual é único e não reiterável”. Ou seja, tornar-se um processo imutável. Silva e Leite
(2013, p.39) dizem que “O objetivismo abstrato, que se norteia por meio das dicotomias
saussurianas, entende a língua como algo social e a aborda como um sistema psíquico e
arbitrário.”. Arbitrário, pois, o indivíduo recebe um testamento que não pode ser contestado.
Assim, a língua para esta orientação é um sistema imóvel. Em Bakhtin (2009, p.81) “Em tal
sistema, o indivíduo tem que tomá-lo e assimilá-lo no seu conjunto, tal como é. [...] Na
verdade só existe um critério linguístico: está certo ou errado”.
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Contudo, Bakhtin (2009) faz duras críticas às duas orientações, tanto ao subjetivismo
idealista quanto ao objetivismo abstrato. Sua compreensão acerca da língua é vista a partir da
interação verbal. Para Bakhtin (2009) “é imprescindível o estudo da língua em sua natureza
comunicativa, é preciso colocar a enunciação não como algo individual, mas como fenômeno
social”. Existindo assim, uma conjunção entre individual/social. Dessa forma, Bakhtin (2009)
concebe a Teoria dialógica do discurso.
Para o autor, “Enquanto a linguística orientar suas pesquisas para a enunciação
monológica isolada, ela permanecerá incapaz de abordar essas questões em profundidade”.
(BAKHTIN, 2009, p.148). Com isso, nessa concepção, se leva fundamentalmente em
consideração que os sujeitos são vistos como atores sociais, pois é por meio do diálogo que
ocorrem trocas, entre elas: informações, experiências e conhecimentos. Fanti (2003, p.97) diz
que, a teoria bakhtiniana volta-se para “[...] análises efetuadas a partir de relações dialógicas,
no plano do discurso, e não por análises linguísticas, no ‘sentido rigoroso do termo’, no plano
da língua.”. Priorizando assim, aspectos reais de enunciação da língua. Com isso, Bakhtin
(2009) une os dois principais fatores das duas primeiras orientações. Para ele a enunciação
não poderá ocorrer em sua totalidade isolando a fala ou a língua, mas ocorrerá de maneira
total a partir de seu diálogo. Assim, nessa concepção o ensino da língua materna deve levar o
aluno além do conhecimento gramatical de sua língua, mas, fundamentalmente, ao avanço da
faculdade de refletir, de modo crítico, sobre o mundo e sobre a utilização da língua como
instrumento de interação social.

Autismo e linguagem escrita

A palavra autismo vem do grego (autos) e possui o significado por si mesmo. Segundo
Orrú (2012, p.17) “É um termo usado, dentro da psiquiatria, para denominar comportamentos
humanos que se centralizam em si mesmos, voltados para o próprio indivíduo”.
Em 1942, Kanner descreveu sob o nome “distúrbios autísticos do contacto afetivo”,
um quadro caracterizado por autismo extremo, obsessividade, estereotipias e ecolalia.
Segundo Orrú (2012), as características envolviam incapacidade de estabelecer relação com
as pessoas, um vasto conjunto de atrasos e alterações na aquisição e uso da linguagem,
extrema organização e repetição. Nos últimos anos, o autismo tem ganhado grande
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notoriedade. Segundo Surian (2010, p.9) “De cada mil crianças, aproximadamente, uma é
autista, ou apresenta um distúrbio semelhante ao autismo, como síndrome de Aspeger2”.
Sobre o diagnóstico do autismo, Surian (2010, p.10) diz que “[...] O autismo é um
distúrbio do desenvolvimento neuropsicológico [...]”, manifestando-se principalmente através
de dificuldades na interação social, na comunicação e no repertório de interesses e de
atividades. E, portanto, estabeleceram-se padrões para se chegar ao diagnóstico desse
transtorno.
O CID-10, sob o código F84, classifica o autismo não mais como um transtorno
global, mas como um transtorno invasivo do desenvolvimento. Diz que:

esse grupo de transtornos é caracterizado por anormalidades qualitativas em


interações sociais recíprocas e em padrões de comunicação e por um repertório de
interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Essas anormalidades
qualitativas são um aspecto invasivo do funcionamento do individuo em todas as
situações, embora possam variar em grau. Na maioria dos casos, o desenvolvimento
é anormal desde a infância e, com apenas poucas exceções, as condições se
manifestam nos primeiros 5 anos de vida. (OMS, 1993, p. 246-247).

Essas anormalidades referem-se ao funcionamento global do indivíduo que causam


prejuízos em várias áreas do desenvolvimento humano e que podem sofrer variações. De
acordo ainda com o CID-10 (OMS, 1993, p.247) “O transtorno ocorre em garotos três ou
quatro vezes mais frequentemente que em meninas.”.
O autismo é uma doença que causa grande hesitação, medo e cuidado. Muito pouco ou
quase nada se sabe sobre suas causas. Atualmente, o autismo se enquadra nos Transtornos do
Espectro do Autismo, pois, dentro desse grupo colocam-se doenças que são novidades ao
mundo científico. Silva; Gaiatos; Reveles (2012, p. 63) diz que “Esse espectro pode se
manifestar nas pessoas de diversas formas, mas elas terão alguns traços similares”. Diante
disso, as variações podem transitar pela tríade de deficiências como a área social,
comunicação e de comportamento.
Levando em consideração as três principais dificuldades para o sujeito com autismo –
a interação, a comunicação e o comportamento – é que podemos levantar algumas questões
sobre a construção de sua linguagem. Entretanto, é importante destacar as singularidades de
cada autista, uma vez que o Transtorno do Espectro Autista possui muitas variações. Desta

2
O primeiro a relatar sobre a síndrome foi o médico Hans Asperger, em 1944, considerando-a como um
distúrbio do desenvolvimento associado às alterações orgânicas. O relato original explicitava a existência de
crianças com sérios comprometimentos de interação social recíproca, além de peculiaridades comportamentais
diferentes, se comparadas ao conjunto de atitudes normais, inteligência em níveis aceitáveis e sem atrasos no
desenvolvimento de linguagem. (RODRIGUES; SPENCER, 2010, p.63).
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forma, é importante destacar o que seja linguagem para o autista. Esta parte estará
fundamentada a partir dos escritos da pesquisadora Barros (2011) que relaciona o autismo
com a visão da Teoria da Enunciação, de Mikhail Bakhtin.
Barros (2011) aponta que o modo como os autistas interagem nos termos da
comunicação foram enquadrados na perspectiva de se considerar como linguagem ou não
linguagem. Mas, se tomarmos que a linguagem é exclusivamente para comunicação, desta
forma, no autista a linguagem inexiste. Para Kanner (1966, p.721) apud Barros (2011, p.228)
“a linguagem que adquirem não serve, em princípio, como meio de comunicação”.
Entretanto, conceber uma não linguagem ao autista é não considerá-lo como sujeito. Outra
problemática seria a posição assumida pelo interlocutor diante das produções linguísticas do
autista, que por vezes nega-lhe a possibilidade de subjetivação do sujeito. (BARROS, 2011).
Contudo, segundo Barros (2011), apoiada na Linguística da Enunciação, existe
linguagem no autista, pois, é importante perceber o autismo como um modo singular de estar
na linguagem. E a partir disso, é interessante desmistificar a concepção de linguagem somente
como comunicação, visto que o autista tem dificuldade com o código linguístico. O autismo,
na perspectiva de que a linguagem possa ser um lugar de constituição do sujeito e espaço para
subjetividades, pode ser considerado um modo particular de estar no mundo e de estar na
linguagem. O autista pode se apropriar da língua mantendo-se preso a ela por meio de um
discurso ecolálico.
Bakhtin (2009), em sua concepção dialógica da linguagem, infere sobre a questão da
autoria, quando propõe que o enunciado não pertence unicamente ao falante. Ele diz que
“Aquilo de que nós falamos é apenas o conteúdo do discurso, o tema de nossas palavras”
(BAKHTIN, 2009, p.150). É que a essência da enunciação de outrem tem sua expressão no
discurso interior.
Visto dessa forma, no autismo, encontra-se um sujeito que com suas características e
peculiaridades de sua linguagem, marcada ora por ecolalia, ora por estereotipia, coloca-se
como sujeito. Bakhtin deixa claro:

aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra,
mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda a sua atividade mental, o
que se pode chamar o “fundo perceptivo”, é mediatizado para ele pelo discurso
interior e é por aí que se opera a junção com o discurso aprendido do exterior. A
palavra vai à palavra. (BAHKTIN, 2009, p.153-154)

Percebe-se que para Bakhtin a linguagem se constitui como prática social. Desse
modo, entende-se que o autista tem possibilidades, da sua forma, de apreender a enunciação
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de outro sujeito, apesar da dificuldade de se estabelecer um diálogo. É uma aposta que se faz
no sentido de encontrar significações no discurso da pessoa com autismo. De acordo com
Barros (2011, p.231) “[...] perceber a Enunciação de um sujeito linguístico marcado pelo
Autismo, torna-se possível quando identificamos a apropriação e a atualização da língua pelos
sujeitos envolvidos.”. Ou seja, o autista apropriando-se da fala do outro, conseguindo se
posicionar subjetivamente, não importando necessariamente a presença concreta dos
pronomes eu/tu.
Segundo Santos e Caixeta (2011, p.2), o desenvolvimento da criança com autismo, na
perspectiva da abordagem histórico-cultural de Vygotski, considera que “o sujeito, inclusive,
as crianças autistas, se constitui e desenvolve nas condições concretas de vida, a partir das
relações e interações que lhes são possibilitadas nos processos mediados”. E com isso, é
possível compreender que o desenvolvimento da linguagem no autismo existe e pode ser
positivo, apesar de suas peculiaridades. E que a esse sujeito deve ser conferido as
possibilidades de ser e estar no mundo. Dessa forma, a linguagem no autismo não só existe
como lhe é permitido apropriar-se de habilidades acadêmicas. Quando o indivíduo é posto em
um processo contínuo de apreensão da linguagem oral e escrita e tem possibilidades reais de
estar no espaço escolar, o autista consegue se desenvolver. Deste modo, ao longo de décadas
foram criados métodos, mecanismos e possibilidades a mais de se ensinar o autista. E nesse
trabalho destaca-se a linguagem escrita.
É observável que a escrita ganhou um valor necessário, mas ainda é vista como única
relação com a linguagem. Saber ler e escrever ganha ao seu redor os muros daquilo que é
imposto como certo e ideal, desconsiderando, na maioria das vezes, os sujeitos que devem se
apropriar desta tecnologia.
A criança com autismo, por não possuir as mesmas capacidades de aprendizagem, tem
na escola um espaço de encontros, trocas, interação. Tudo isso para que, mesmo com suas
dificuldades e limitações, a criança autista se desenvolva e a escola seja fator de inclusão.
Para Ferreira (2011, p.22) “[...] quanto mais cedo se iniciar o caminho da inclusão, mais
extensas e positivas serão as mudanças no desenvolvimento de crianças com Perturbação do
Espectro do Autismo na sua inserção social”. Diante disso, a inclusão é um fator essencial no
processo de desenvolvimento de qualquer criança. E por possuírem um estilo cognitivo
diferente, todas as características que compõem o autismo exigem metodologia direcionada
para o ensino desses sujeitos.
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Para Rodrigues e Spencer (2010, p. 69), o que se propõe no atendimento com autistas
é favorecer resultados funcionais com intuito de melhorar a qualidade de vida. Com vistas “À
redução dos traços autísticos no sentido das relações sociais, da aprendizagem e da
escolarização”, motivando assim, o desenvolvimento de capacidades das áreas mais
comprometidas. Sendo assim, a Educação Especial é uma das possibilidades para um
tratamento terapêutico que busca a modificação de comportamento e na terapia da linguagem.
Um atendimento educacional que propõe alterar o funcionamento comportamental do
portador de transtornos do Espectro Autístico utiliza-se do PEP-R (Perfil Psicoeducacional
Revisado) que consiste em um teste do coeficiente de desenvolvimento do aluno autista.
(RODRIGUES; SPENCER, 2010).
Com base em Rodrigues e Spencer (2010), além da Educação Especial que busca o
atendimento a criança com autismo, a literatura aponta ainda dois métodos muito utilizados: o
método TEACCH - Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Deficiências
Relacionadas à Comunicação e o ABA – Análise Aplicada do Comportamento. Os dois
métodos “[...] estão consolidados na Psicologia behaviorista, que parte da premissa básica de
que o comportamento do ser humano é controlado pelo ambiente e pelos genes”.
(RODRIGUES; SPENCER, 2010, p.85). Assim, as críticas relacionadas aos dois métodos
residem na concepção de uma educação mecanizada e adestradora, focada fundamentalmente
na área comportamental.

Estudo de caso: a criança autista e sua escrita

Para o desenvolvimento desta pesquisa, utilizaram-se alguns percursos metodológicos


que auxiliaram no levantamento das discussões, na análise e reflexão acerca do objeto em
estudo, como propõe Matos (2002, p.39) de que “o prazer de conhecer a pesquisa não se trata
de algo abstrato, mas requer atitudes, cuidados e procedimentos específicos, diante da
realidade que se pretende investigar.” E, portanto, é preciso procedimentos que possam ajudar
a construir o processo de pesquisa.
Como abordagem, a base qualitativa tornou-se relevante por entender que o “fazer
ciência” não segue uma receita pronta. Diante disso, Martins (2004, p.292) coloca que “É
preciso esclarecer, antes de qualquer coisa, que as chamadas metodologias qualitativas
privilegiam, de modo geral, da análise de microprocessos, através do estudo das ações sociais
individuais e grupais.”. Assim, a pesquisa desenvolveu-se no intuito de aproximar, identificar
e refletir sobre a realidade investigada. Diante disso, foram realizados levantamentos de
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referências bibliográficas a fim de fundamentar a pesquisa teoricamente. Com isso, na visão


de se fazer uma pesquisa bibliográfica, Matos (2002, p.40) diz que “Toda investigação
cientifica, independentemente de sua natureza, requer uma pesquisa bibliográfica.”. Além
disso, utilizou-se como procedimento, a pesquisa de campo, que, como compreende Michel
(2003, p. 35) “É a pesquisa voltada, sobretudo, para a face experimental, vivenciada e
observável dos fenômenos.”.
A pesquisa de campo, neste caso, se classifica como um estudo de caso, que segundo
Triviños (1995, p.13) trata-se de “[...] uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade
que se analisa profundamente.”. Além de que o estudo de caso é uma prática simples, que
oferece a possibilidade de redução de custos, apresentando como limitação a impossibilidade
de generalização de seus dados. (GIL, 1987 apud MATOS, 2004).
As características do caso foram tiradas a partir da observação participante e da
entrevista com o sujeito que mais tem contato com a questão da escrita, a professora. E para
análise dos dados partiu-se de uma abordagem discursiva (BAKHTIN, 2009), partindo
também de uma concepção histórico-cultural (VYGOTSKI, 1991), assumindo assim que a
língua é um produto cultural e social. A abordagem discursiva parte da concepção de
linguagem provenientes dos estudos de Bakhtin (2009), pois segundo (FANTI, 2003, p.96) “A
teoria dialógica do discurso tem-se mostrado rica no desenvolvimento de várias noções que se
referem ao estudo da linguagem”. Assim, a concepção de linguagem vista a partir da visão
bakhtiniana é pautada no “dialogismo”3 e não se limita à língua ou à linguagem, pois
considera o “discurso4” como seu objeto de estudo.
Mediante essas colocações, para a compreensão melhor da relação da criança autista
com a escrita, serão apresentados através de episódios, momentos significativos de
aprendizagem da escrita para criança, além de situações que revelam a posição do sujeito em
relação à linguagem como um todo. Visto que, a escrita nesse estudo, não é um produto final,
mas, um instrumento complexo que possibilitará ao autista, a partir de sua aprendizagem, um
melhor desenvolvimento cognitivo e social. Sendo assim, para apresentação dos resultados,
construíram-se episódios de observação associando-os com as respostas dadas pela professora

3
Ainda que a rubrica “dialogismo” seja a que melhor “resuma” a teoria bakhtiniana, sua definição não se
configura com facilidade. Referir-se a dialogismo é pressupor um “princípio”, uma “propriedade polivalente”,
que constitui as noções desenvolvidas e se instaura como uma constante comunicação com o outro, cujo
processo não comporta observações estanques. (FANTI, 2003, p. 97).
4
Bakhtin o define como “a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da
lingüística” (BAKHTIN, 1997 [1929], p. 181). Mostra, assim, que o interesse da sua teoria é por análises
efetuadas a partir de relações dialógicas, no plano do discurso, e não por análises lingüísticas, no “sentido
rigoroso do termo”, no plano da língua. (FANTI, 2003, p. 97).
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por meio de entrevista, e assim, utilizando letras que identificam os sujeitos nos diálogos
transcritos. Portanto, adotaram-se as seguintes letras e seus significados: PM: Professora
Maria (pseudônimo), P: Pesquisadora, C: Caio (pseudônimo) e L: linha.

Episódio 1: 26 de maio de 2015

Estamos em uma atividade a qual Caio teve que escrever seus dois nomes (os nomes
reais do sujeito da pesquisa) de maneira livre em seu caderno de desenho. Pergunto a ele:

(L1): P: Sabe escrever seu nome?


(L2): C: Meu nome.
(L3): Ele começa a escrever o nome.
(L4): P: Quais letras têm no seu nome?
(L5): C: C, A, I, O. (Ele vai apontando e dizendo)
(L6): P: Muito bem!
(L7): P: Tem mais outro nome?
(L8): C: Sim.
(L9): P: Escreva para mim.
(L10): Ele escreve o segundo nome.
(L11) PM: Tia, ele só não consegue escrever retinho, alinhado.

Na prática pedagógica da professora Maria, há um uso constante com os materiais


montessorianos, linha metodológica adotada pela escola de Caio, que auxiliam esse processo
de apropriação da escrita do nome. Esses materiais, como a caixa de areia, letras em forma de
lixa, são utilizados cotidianamente para que Caio e sua turma possam memorizar as letras, os
encontros vocálicos e os numerais. É dessa forma que os alunos passam a escrever
convencionalmente. Além, do uso diário de atividades que pressupõe repetição, com a
utilização de modelos de escrita, como atividades como as letras pontilhadas.
Para maior aprofundamento sobre a escrita da criança investigada, pergunta-se a
professora Maria: A criança escreve?

Ele escreve tudo. (Professora Maria).

Continua-se: O que escreve?

Escreve vogais, numerais, o nome dele, permutações. Ele escreve tudo que eu
proponho a ele. Então, tudo que é proposto em sala de aula ele escreve. (Professora
Maria).

Para a professora, Caio escreve tudo que lhe é posto em sala de aula. Contudo,
mediante as observações feitas, o que se tem colocado para criança não se trata de uma escrita
com autonomia, mas uma escrita que segue constantemente modelos pré-estabelecidos,
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suscitando a cópia. O que a criança escreve não se caracteriza como enunciados completos,
mas se caracteriza na reprodução de letras e frases soltas.
No entanto, é importante colocar em evidência qual seria, então, a real funcionalidade
da escrita para Caio? A escrita, na perspectiva de uma abordagem histórico-cultural, é
responsável pelo surgimento de uma estrutura específica de comportamento. Segundo Silva e
Costa (2012, p.56), baseados na teoria de Vigotski, consideram que “por meio da escrita
surgem novas formas de o homem controlar suas próprias ações e seu pensamento”. Dessa
forma, a escrita tem papel importante, assim como os demais sistemas de signos para o
funcionamento simbólico da criança, não podendo reduzir a escrita a códigos como mera
transcrição da fala.
Outro importante processo para aquisição da escrita é a realização gráfica do próprio
nome. Referente a isto perguntou-se: A criança escreve e/ou identifica seu próprio nome?

sim. A gente trabalha por partes. Ele aprendeu o primeiro nome e quando vi que ele
aprendeu eu comecei a ensinar o segundo nome. E ele não teve dificuldades em
escrever o nome e identificá-lo. A dificuldade dele é de escrever dentro da pauta.
(Professora Maria).

A importância da escrita do nome é relevante devido sua carga significativa e


identitária que possui. Percebe-se que quando Caio escreve seu nome, de alguma forma ele se
identifica, reconhece e entende que aquela escrita tem a ver com a sua personalidade, com o
seu eu. Durante os momentos de observação vê-se que no reconhecimento de seu nome, o
menino Caio marca seu território, define sua individualidade, na medida que identifica seus
objetos, como sua mochila, lancheira, lápis de cor, a chamadinha que a professora faz, dessa
forma, a escrita de seu nome vai ganhando forma, ganhando sentido.
Diante disso, fica o questionamento: Depois de seus primeiros registros escritos a
criança apresentou avanços? De que forma?

sim. Quando ele chegou pra mim ele não respeitava limites nenhum. Começava
dentro da pauta, quando eu via ele já tava lá em cima e lá embaixo da folha. Aos
poucos mostrando pra ele que através desses erros, ele consegue acertar. Então, é
uma correção constante com ele. Ele aprendendo a escrever mudou muito, porque
agora ele possui uma concentração maior. E essa parte é onde eu percebo que ele
tem mais dedicação, é quando ele está fazendo atividade de escrever. Porque ele se
volta só para a atividade. E detalhe, se uma criança leva de 10 a 15 minutos, ele é
uma criança que termina em 5 minutos. Ele consegue fazer uma associação muito
rápida. (Professora Maria).
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Percebe-se que existe uma grande preocupação, por parte da professora e da escola,
com a forma e não o conteúdo do texto. A linha, a margem, a parte estética da escrita é o que
fica mais em evidência. Ante a isso, qual o lugar do sentido da escrita?
Para Smolka (2012, p. 60) “Não se trata apenas de ‘ensinar’ (no sentido de transmitir)
a escrita, mas de usar, fazer funcionar a escrita como interação e interlocução na sala de aula,
experenciando a linguagem nas suas várias possibilidades.”. Portanto, o sentido da escrita
estaria nos movimentos de interações sociais, na perspectiva de que a linguagem possui
perspectivas de criação e transformação como conhecimento humano.

Episódio 2: 02 de junho de 2015

Caio estava bem agitado nesta semana. Ele passou um fim de semana doente e não foi
à aula na segunda. Não demonstrou nenhum interesse pelas atividades, com isso Caio ficou
bem perto da auxiliar durante a aula. Contudo, depois da hora do lanche começou a balbuciar,
falar palavras soltas e durante o relaxamento não parou de mexer as mãos em nenhum
momento. Até que a auxiliar o chamou e deu um papel em branco, pediu que ele pegasse seu
estojo e logo começou a desenhar. Foi assim que ele se tranquilizou.
Figura 1 - Desenho de Caio

Fonte: A autora.

Vendo Caio se entreter desenhando iniciei uma conversa:

(L1): P: Nossa, que desenho bonito! (Ele deu um sorriso)


(L2): (...) silêncio.
(L3): P: Quem são essas pessoas que você desenhou?
(L4): C: Mamãe, papai e eu. (Ele foi apontado da esquerda para a direita)
(L5): P: Você gosta de desenhar a mamãe e o papai?
(L6): C: Mamãe e papai.
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Vendo o desenho de Caio percebe-se traços conscientes. O desenho demonstra a


afetividade do menino para com seus pais. Por meio do desenho ele consegue expressar seu
sentimento. No entanto, a professora Maria percebe os desenhos de Caio de outra forma,
como veremos em sua reposta à pergunta: A criança gosta de desenhar?

não tem muita preferência em desenhar. Aí ele qualquer rabisco já terminou. Então,
as atividades que eu proponho a ele e para as outras crianças, que não é diferente, ele
faz muito rápido e de qualquer jeito. Então, não tem que deixar por ele mesmo e
mostrar pra ele que a gente não quer desse jeito, pra que ele faça colorido e que
respeite as margens também. (Professora Maria).

A partir das observações, acredita-se que Caio não faz as atividades de qualquer jeito,
mas que o tempo de concentração destinado às atividades de desenho é menor do que o tempo
destinado para as outras atividades. Para ele, os rabiscos nas atividades são suficientemente
bons e na maioria das vezes possuem significados.
Vemos que a fala da professora sugere uma concepção, a de que o desenho deva ter
uma forma “perfeita”. E essa concepção está intimamente ligada as suas concepções de
linguagem, como coloca Galvão (1992) de que o que se espera da criança é que ela faça
representações fieis à forma que este tem na realidade, com utilização da maior quantidade de
elementos e pela “correta” utilização das cores e respeito ao limite da margem.
A compreensão que se tem é que assim como a escrita, a concepção de desenho
também está em torno do objetivismo abstrato, o qual se dá grande importância à
padronização da forma e do conteúdo. Assim, esse olhar que se volta a “perfeição”, revela
uma cobrança daquilo que é “feio” ou “bonito” e comumente é reduzido à reprodução de
modelos aceito pelo meio escolar. (GALVÃO, 1992).
Dessa forma, não se tem levado em consideração o desenvolvimento do desenho
infantil como uma manifestação gráfica que possui significados para a criança. Vigotski
(2008, p.133) diz que “assim como no brinquedo, também no desenho o significado surge,
inicialmente, como um simbolismo de primeira ordem”. Quando vemos o desenho de Caio
(figura 1) podemos perceber que não se trata de qualquer rabisco, mas a demonstração de
certo grau de abstração.
Assim, foi questionado à professora se a criança nomeia o que desenha. Ela diz: “Não.
Ele fala, mas tu não consegues identificar aquilo que ele fala dentro do desenho, porque são
rabiscos, são coisas soltas, não são traços.” (Professora Maria). Quanto a isso Galvão (1992,
p. 56) diz:
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as crianças que rabiscam são as maiores prejudicadas: o rabisco é visto como


sinônimo de atraso, coisa feia e sem sentido; no melhor das vezes, como
manifestação sem importância, fase passageira. Costuma ser grande a frustração do
professor ante as crianças que "não sabem desenhar", que "só rabiscam".

Vemos que surge uma contradição, uma vez que Caio nomeia o que desenha,
demonstrando que o seu desenho possui significado para ele. Nas observações feitas durante a
pesquisa, vê-se que quando a professora diz que Caio não tem muita preferência em desenhar
e que só rabisca, é porque não são dadas a ele oportunidades diárias de se expressar por meio
do desenho. Diante disso, Silva e Costa (2012, p.58) ressaltam:

o interessante é observar que o desenho, paulatinamente, torna-se linguagem escrita


real, já que as crianças tendem a passar da escrita pictórica para uma escrita
ideográfica. Aquilo que se fala vai sendo registrado graficamente e a criança,
criativamente, precisa escrever, por meio do desenho, o que está pensando/falando.

Assim, foi através do desenho de sua família que Caio escreveu o que estava pensando
e/ou sentindo. Podemos considerar, portanto, que de acordo com o seu desenvolvimento,
Caio, saindo do registro do desenho partirá para a escrita convencional. Como nos mostra
Mello (2009, p.25) que propõe:

[...] se quisermos que as crianças se apropriem efetivamente da escrita – não de


forma mecânica, mas como um linguagem de expressão e de conhecimento do
mundo – precisamos garantir que elas se utilizem profundamente do faz-de-conta e
do desenho livre, vividos ambos como forma de expressão e de atribuição pessoal de
significado àquilo que a criança vai conhecendo no mundo da cultura e da natureza.

Portanto, a escrita não pode estar limitada a aprendizagem de técnicas, mas é preciso
perceber que ela pode e deve ter sentido para a criança. Silva; Gaiatos; Reveles (2012)
evidencia que a fase de alfabetização e da aprendizagem propriamente dita da escrita é um
dos momentos mais desafiantes para o autista. Os mesmos autores no que diz respeito à fase
inicial da escrita ainda colocam que: “Nós, adultos, sabemos da importância de reconhecer os
símbolos gráficos, mas as crianças com autismo não tem a menor ideia do que representam.”
(SILVA; GAIATOS; REVELES, 2012, p.124). É preciso assim, dar um sentido a
aprendizagem para que a criança autista entenda que cada signo há uma representação. E esse
sentido vale não só para a criança com transtorno autístico, mas para todas as crianças em
processo de aquisição da linguagem escrita.
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Considerações Finais

Este estudo teve como objetivo compreender como o autista se apropria da linguagem
escrita e como este processo incide em seu desenvolvimento cognitivo e social em uma escola
privada de São Luís. É importante destacar que a presente pesquisa aconteceu em meio a uma
sala de aula regular. Portanto, o a criança autista estava sendo analisada a partir de um
contexto “normal” do espaço escolar. Assim, o espaço educacional está imerso em um ensino
comum e não um ensino voltado especificamente ao autismo.
Vimos à importância da linguagem escrita para o desenvolvimento de qualquer pessoa.
Sendo que, dominar o sistema de signos confere novos instrumentos de pensamento, visto que
a linguagem escrita, segundo Luria (1986), muito se dá de maneira diferenciada da linguagem
oral, pois, é resultado de uma aprendizagem especial, que começa com o domínio consciente
de todos os meios de expressão escrita. Dessa forma, é preciso pensar que o processo do
ensino e da aprendizagem da leitura e escrita não são meramente técnicas, mas sim práticas
culturais. E para o autista não poderia ser diferente, pois quando inserido no meio social
escolar, tem oportunidades reais em estar em um meio que facilita, em formas de diálogo, as
interações entre os sujeitos.
Pode-se perceber que o ensino da escola campo está centrado no objetivismo abstrato,
que como se viu em Bakhtin (2009) trata-se de um ensino voltado para o uso de normas,
regras, a partir de uma visão micro para o macro. Dessa forma, a criança ao invés de aprender
a produzir enunciados, só conseguiu reproduzir letras e números, constatando-se práticas de
ensino tradicionais e sem um trabalho específico para o autista.
Além de um ensino centralizado na concepção do objetivismo abstrato, voltado
principalmente ao método de Maria Montessori, que segundo Vygotski (1991) o método da
médica italiana considera somente a precisão e a beleza das letras que suas crianças desenham
ao invés do conteúdo de suas escritas. O que não possibilita o desenvolvimento potencial do
sujeito autista.
Esse estudo, logo, possibilitou levantar questões que não se esgotam nesta abordagem,
mas se desdobram em novos momentos de pesquisa. É um tema complexo que tem envolvido
muito mais as áreas da saúde. Contudo, a pedagogia também pode e tem um fator importante
no tratamento de indivíduos autistas.

REFERÊNCIAS
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