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O VALOR
NA CIÊNCIA ECONÓMICA
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Ora, a característica fundam ental do processo produtivo
nestas form as senhoriais (que, de um ponto de vista oposto,
se podem tam bém cham ar, em sentido lato, servis) reside
no facto de que tudo quanto resta do produto, um a vez
reconstituídos os m eios de produção, incluindo, naturalm ente,
os meios de subsistência do servo, é predom inantem ente u ti
lizado para o consum o do senhor, assim como para o alarga
m ento do próprio processo produtivo. Por sua vez, o consum o
'coloca-se, p ara o senhor, como sim ples condição m aterial para
o desenvolvim ento de actividades (a «cultura», a guerra, etc.)
que são consideradas com o as únicas que verdadeiram ente
correspondem à «dignidade» do hom em . Portanto, por um
lado, a produção m aterial, obra do servo; por outro lado, as
actividades «livres» do senhor, que consom e o excedente do
produto relativam ente à reconstituição das condições de pro
dução. N este esquem a a produção tem , evidentem ente, um a
posição inteiram ente subordinada ao consum o; mas, por sua
vez, o próprio consum o dos resultados da produção, por
p arte do senhor, tem um a posição subordinada, um a vez que
só é im portante o que o senhor faz p ara além do seu consum o
m aterial. D este modo, todo o processo económ ico da produ
ção e do consum o está, no seu conjunto, subm etido a outras
coisas, e são estas outras coisas que dão um a justificação
histórica ao processo económico, que, por si só, não teria
nenhum a. Efectivam ente, não é po r acaso que as form as
senhoriais entram em decadência e perdem toda a legitim i
dade histórica quando o consum o dos produtos m ateriais se
to rn a no interesse predom inante das classes proprietárias.
A situação m uda radicalm ente quando se p assa da pro
priedade senhorial p ara a propriedade burguesa e do trabalho
servil ao trabalho assalariado. E ntão o trabalhador, liberto
da dependência pessoal relativam ente ao senhor, passa a ser
proprietário da sua força de trabalho, podendo vendê-la ao
¡capitalista; este últim o, a p a rtir da aquisição da força de
trabalho, orienta o processo produtivo p ara o crescim ento da
riqueza que ele controla, ou seja, do próprio capital, m ediante
a reconversão em m eios de produção e de subsistência adi
cionais daquela p arte do produto que excede a reconstituição
dos meios consum idos no processo. T anto o consum o do
operário com o o consum o do capitalista se to m am consum o
produtivo, ou seja, um m om ento interno da produção. M as
então o processo económ ico apresenta-se como autónom o,
isto é, não encontra no exterior a sua própria justificação.
Ora, é justam ente quando o processo económico deixa de
e sta r subordinado a factores que lhe são estranhos, que
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com eça a constituir o objecto de um discurso especifico, e
já não a ocasião p ara considerações não sistem áticas inte
gradas em discursos diferentes. Por outra s palavras, a obten
ção da autonom ia por p a rte do discurso económ ico e a sua
constituição em ciência específica corresponde à autonom ia
alcançada pelo processo económ ico na H istória, por obra do
capital.
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lista da agricultura fornece, na agricultura, a organização
óptim a do processo produtivo; po r outro lado, o carácter
dom inante das form as artesanais nas m anufacturas citadinas
era considerado como a m anifestação de um c a rá c te r intrin
secam ente não capitalista destas actividades económ icas.
É, portanto, peculiar a atitu d e dos fisiócratas p ara com a pro
dução capitalista: por um lado, com preendem a grande força
de desenvolvim ento do capital, ao ponto de desejarem o seu
alargam ento a todo o secto r do qual ele havia já com eçado
a apoderar-se, ou seja, a agricultura; po r outro lado, parece
que a e stru tu ra económ ica particu lar peran te a qual se encon
travam im pedia os fisiócratas de verem como eram ex acta
m ente as actividades m anufactureiras, industriais, aquelas em
que eram m áxim as as possibilidades de desenvolvim ento da
relação social capitalista.
A pesar da singularidade desta visão, a teoria fisiocrática
é um a teoria im portante, não só porque, com o dissem os,
ela dá a prim eira representação acabada do processo cap ita
lista, não obstante a lim itação «sectorial» a que acabám os
de fazer referência, m as tam bém porque, no decurso da
história do pensam ento económico, m uitos autores se ins
piraram n esta teoria (incluindo M arx), e m uitos dos seus
elem entos im portantes se encontram ainda bem vivos nal
gum as posições actuais.
Os fisiócratas organizaram a sua análise em torno de um
conceito que, a p a rtir de então, se to m o u cen tral n a teoria
económica: o produto líquido. Em term os genéricos, o pro
duto líquido, ou sobreproduto, ou excedente (surplus), é a
p a rte da produção social to ta l que excede a reconstituição
q u e í dos meios de produção, quer dos m eios de subsistência
necessários àqueles que, com o seu trabalho, criaram a p ró
pria produção social. As questões da determ inação do pro
duto líquido, da sua m edição e, portanto, tam bém da preci
são da sua própria natureza, foram resolvidas de m aneiras
diversas no decurso da história do pensam ento económico.
O cará c te r particu lar da posição fisiocrática consiste no facto
de ela afirm ar que o produto líquido se form a apenas na
agricultura. A justificação d esta posição reside no facto de os
fisiócratas determ inarem o sobreproduto não em term os de
valor, m as em term os m ateriais. Isto é, eles não com param
o valor daquilo que se produziu com o valor daquilo que se
em pregou na produção (meios de produção e m eios de subsis
tência), m as com param directam ente as coisas produzidas
com as coisas em pregues. P orém, p a ra que e ste confronto seja
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possível e, portanto, se possa su b trair da produção aquilo que
nela foi em pregue, é necessária um a condição: que as coisas,
produzidas e as coisas em pregues sejam as m esm as. Ora, essa
condição só pode ser considerada p ara a agricultura: de
facto, n esta actividade pode supor-se, sem ir violentar dem a
siado a realidade, que, através do cultivo e da criação de gado,
os processos naturais do crescim ento e da procriação pro
duzem m ais objectos m ateriais do que os que foram em pre
gues na produção, e que, po r esse m otivo, o que se investe
no processo, sob a form a de subsistência dos trabalhadores,
de sem entes p ara o cultivo e de cabeças p ara criação, dê,
finalm ente, quantidades m aiores do que as próprias coisas
utilizadas. E ste acréscimo material é precisam ente a origem,
segundo os fisiócratas, do produto líquido. Pelo contrário,
nas ou tras actividades (pense-se, um a vez m ais nos artesãos
das cidades) verifica-se não um acréscim o, m as apenas um a
transform ação da m atéria, de c ertas coisas noutras, não
havendo portanto, form ação de sobreproduto. De um a
m aneira porventura um pouco esquem ática, m as não d esti
tuída de eficácia, um defensor italiano da fisiocracia, o tos-
cano Ferdinando Paoleti, escrevia em 1772:
(2) Citado por Marx, S to ria d elle teo rie econom iche, trad, de
E. Conti, vol. i, Einaudi, Turim, 1974, p. 66.
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A sociedade dos fisiócratas está dividida em trê s classes:
a prim eira é constituída pelos proprietários fundiários, que
possuem a terra; a segunda é form ada pelos trabalhadores
agrícolas, que são assalariados dos proprietários e que são
produtivos no sentido que acabám os de expor; a terceira
classe é constituída por todos os outros trabalhadores, que
desenvolvem a sua actividade fora da agricultura, e que são
definidos como estéreis, ou im produtivos, no sentido p a r
ticu lar de que não são produtores de produto líquido, limi
tando-se a tran sfo rm ar as m atérias que recebem da agri
cultura. N esta trip artição há dois aspectos a sublinhar. Em
prim eiro lugar, toda a agricultura é considerada capitalista,
isto é, todos os trabalhadores agrícolas são considerados
trabalhadores assalariados; isto explica-se pelo facto de o
esquem a que serve de base ao raciocínio dos fisiócratas
considerar um a ag ricultura que ten h a já atingido a sua orga
nização óptim a, ou seja, que produz o m áxim o de produto
líquido; em segundo lugar, os capitalistas não aparecem como
um a classe social distinta das outras; se assim fosse, um a
vez que a produção capitalista só tem lugar na agricultura,
dever-se-ia te r previsto um a classe de rendeiros capitalistas
que, por um lado, tom am a te rra de arrendam ento aos pro
prietários fundiários e, por outro lado, adm item tra b a lh a
dores m ediante a con trap artid a de um salário; pelo contrário,
os fisiócratas identificam de facto o capitalista com o pro
prietário fundiário e assim ilam o rendeiro a um trab alh ad o r
assalariado, considerando, consequentem ente, o seu rendi
m e n t o não como um lucro, m as com o um salário, em bora
particularm ente elevado, de acordo com as funções de direc
ção da produção que o rendeiro desenvolve.
D este modo, o produto líquido acaba po r identificar-se
com a renda do proprietário fundiário, e a relação entre a
ren d a e a m assa dos gastos na agricultura acaba por repre
se n ta r a m edida da produtividade do sistem a global. Isto signi
fica que os fisiócratas dão da produção capitalista um a im a
gem não liberta ainda de um invólucro de tipo feudal. E sta
confusão só viria a te r fim com a econom ia política clássica
inglesa.
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estéril: o Tableau économ ique (3). E ste «quadro económico»
constitui a realização de um a ideia que fez efectivam ente
época na história da ciência económica: a ideia de que os
processos da produção e do consum o podem e devem ser e stu
dados em relação com o sistem a económ ico no seu conjunto,
substituindo aos inúm eros actos individuais de tro c a os g ran
des actos de tro c a entre as classes sociais, entendidos como
os verdadeiros sujeitos da economia.
A ntes de descrever sinteticam ente a e stru tu ra do
Tableau, será útil insistir num ponto. A pesar das referências
residuais a um a sociedade de tipo feudal, no esquem a fisio-
crático reflecte-se plenam ente um traço fundam ental da
sociedade que lentam ente vinha em ergindo da Idade Média,
ou seja, que as relações e n tre os sujeitos económicos são
predom inantem ente relações de troca, relações m ercantis,
nas quais os próprios sujeitos se apresentam im pessoalm ente
como com pradores e vendedores de m ercadorias no m ercado.
No Tableau, precisam ente, as relações entre as trê s classes
sociais são relações m ercantis, m ediadas pela moeda, isto é,
po r um a m ercadoria particular, que é aceite po r todos na
tro ca e pela qual são m edidos os valores, ou preços, das
m ercadorias. Os fisiócratas não possuem um a teoria do
valor propriam ente dita, isto é, um a teoria que estabeleça
aquilo por que são determ inados os valores de tro ca das m er
cadorias; m as isso não os im pede de se apropriarem com
pletam ente do cará c te r m ercantil da econom ia que analisam
e, portanto, de fa zerem uso do conceito de valor de troca.
Que problem as viriam a surgir, no próprio seio da teoria
fisiocrática, devido à ausência de um a teoria do valor, é um a
questão que verem os adiante; por agora, com ecem os por
expor o m ecanism o do Tableau.
Pode pressupor-se que, no início do ano, se encontre em
poder da classe produtiva toda a produção agrícola do ano
precedente, e em poder da classe «estéril» ou im produtiva,
toda a produção de m anufacturas do ano precedente.
A produção agrícola tinha um valor de 5 mil milhões
de escudos, sendo com posta por 3 mil m ilhões de alim entos
e por 2 mil m ilhões de m atérias-prim as. A obtenção desta
produção exigiu certos custos: suponham os que o seu valor
foi de 3 mil m ilhões. E stes custos tinham a seguinte com-
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posição: 2 mil m ilhões p ara a subsistência dos trabalhadores
(por sua vez com posta por mil m ilhões para alim entos e de
m il m ilhões para produtos m anufacturados), e mil m ilhões
p ara m atérias-prim as. O produto líquido é a diferença entre
5 mil m ilhões de produto e 3 mil m ilhões de gastos: será,
portanto, de 2 mil m ilhões.
A produção de m anufacturas tin h a um valor de 2 mil
m ilhões de escudos. Os custos (necessariam ente tam bém de
2 mil m ilhões, um a vez que, tratando-se de um a actividade
«im produtiva», não há produto líquido) compõem -se de mil
m ilhões para a subsistência dos trabalhadores im produtivos
e mil m ilhões relativos a m atérias-prim as.
Suponha-se ainda que um a quantidade de m oeda equi
valente a 2 mil m ilhões de escudos se encontra inicialm ente
em poder da classe produtiva.
O problem a do Tableau consiste em determ inar de que
m aneira a riqueza total, inicialm ente definida deste modo, se
redistribuirá entre as classes, m ediante a circulação das
m ercadorias e da m oeda, a fim de que: 1) seja paga a renda
aos que a ela têm direito, isto é, aos proprietários; 2) se
produzam as condições p ara que, quer no que respeita à
classe produtiva, quer no que se refere à classe estéril, se
possa reto m ar o processo produtivo na m esm a escala. E sta
segunda condição significa, evidentem ente, que tan to a classe
p rodutiva como a classe estéril deverão, com a m oeda que
conseguem m ediante a venda daquilo que produziram , obter
as m ercadorias necessárias ao respectivo processo produtivo.
O prim eiro acto deste processo de circulação tem início
com' a transferência dos 2 mil m ilhões de m oeda da classe
produtiva para a classe proprietária, p ara o pagam ento da
renda. Os proprietários, de posse desta soma, que representa
p o rtan to o valor do produto líquido anual, com eçarão por
despender mil m ilhões p ara a aquisição dos alim entos junto
da classe produtiva, p ara a qual reverte assim , por esta via,
m etade da som a de m oeda inicialm ente na sua posse. Os
outros mil m ilhões da renda serão despendidos pelos proprie
tário s n a aquisição de produtos m anufacturados junto da
classe estéril, que g a sta esta som a na aquisição de alim entos
junto da classe produtiva. N este ponto, por conseguinte:
1) os proprietários terão transform ado em bens de consum o
a renda que lhes cabe; 2) a classe estéril te rá reconstituído
m etade dos meios necessários para recom eçar o seu pro
cesso produtivo; 3) a classe produtiva estará de novo de
posse de toda a m oeda que tinha inicialm ente.
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O segundo acto é constituído por tro cas que têm lugar
en tre a classe produtiva e a classe estéril. A prim eira des
pende mil m ilhões junto da classe estéril p ara a aquisição de
produtos m anufacturados destinados à subsistência dos tr a
balhadores produtivos: a classe estéril, recebendo estes mil
m ilhões em m oeda, gasta-os, por seu turno, junto da classe
produtiva na aquisição de m atérias-prim as. N este m omento:
1) a classe estéril te rá obtido a o u tra m etade dos meios que
lhe são n e c essá rio s; 2) a classe produtiva te rá obtido a p arte
dos m eios que ela não produz e que tem de adquirir junto
da classe estéril, tendo, entretanto, obtido da sua própria
produção os mil m ilhões p ara alim entos e os mil m ilhões
para m atérias-prim as de que necessita p a ra recom eçar a
p roduzir; 3) toda a m oeda se encontra de novo na posse da
classe produtiva.
Com este segundo regresso da m assa m onetária à classe
produtiva, chega ao seu term o o processo de circulação entre
as classes.
E stão satisfeitas as condições da circulação: os proprie
tário s consum iram o produto líquido; tan to a classe produ
tiva como a classe estéril estão de posse de todos os bens
de que necessitam p ara que o processo da produção possa
recom eçar, com as m esm as dimensões.
O extraordinário valor deste esquem a fisiocrático reside
na grande lucidez com que é encarada a conexão entre pro
dução e circulação num a econom ia m ercantil, ou seja, o facto
de existir um determ inado sistem a de tro ca (isto é, de cir
culação de m ercadorias e de m oeda em sentido inverso, de
um a classe para ou tra) que desloca os produtos dos pro
cessos em que foram obtidos p ara os processos em que são
necessários para alim entar a produção. Assim, se a circula
ção exige a produção, pois de outro modo seria desprovida
de sentido, por outro lado é a produção que exige a circula- 1
ção, pois se assim não fosse ser-lhe-ia im possível reconsti
tu ir as condições m ateriais para que possa prosseguir. Além
disso, o Tableau m ostra igualm ente, com toda a clareza,
os lim ites da abordagem fisiocrática. J á vimos que entre os
bens utilizados pela agricultura se encontram as m anufactu
ras produzidas pela classe estéril. Porém , deste modo con
tradiz-se a hipótese de que, na agricultura, os bens que cons
tituem o produto sejam os m esm os que constituem os custos,
hipótese e sta que, como se recordará, era a única que per
m itia considerar o produto líquido em term os m ateriais.
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O próprio Q uesnay vai, em term os diferentes, além desta hipó
tese, e não é por acaso que no Tableau o produto líquido é
considerado em term os de valor. D este modo, ficava expressa
a necessidade de um a teoria do valor, isto é, de um a teoria
orientada para explicar a form ação do valor de troca das
m ercadorias: será esta, como verem os, um a das principais
preocupações dos econom istas ingleses que se seguiram
im ediatam ente aos fisiocratas e, em particu lar de Adam
Smith.
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2. A TEORIA CLÁSSICA
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p ara Sm ith, o produto líquido subdivide-se na renda fundiária
e no lucro capitalista,
P or outro lado, o lucro form a-se não só n a produção
agrícola m as, de urna form a geral, em toda a produção.
Sm ith encontra-se perante um quadro económ ico diferente do
que se apresentava aos fisiócratas: tem diante de si um país
em vias de industrialização, como era a In g laterra nos finais
do século x v iii. Assim, podia v er que o capital e o lucro não
se lim itavam à agricultura, pois era precisam ente ñas m anu
facturas, na industria, que o capital encontrava o seu m aior
cam po de aplicação. Se o lucro é produto líquido, se se form a
tam bém fora da agricultura, e até sobretudo fora dela, isso
im plica que o produto líquido é um fenóm eno geral, que não
se lim ita às actividades que assentam na exploração da térra.
O conceito fisiocrático de produtividade é, assim , totalm ente
inadequado (3): se a produtividade consiste em produzir um
excedente em relação ao necessário p ara a reconstituição dos
custos, e se o excedente é geral, então a produtividade não
pode depender de um a peculiaridade específica de um sector
particular, que é a fertilidade natu ral da térra, m as depende
de características intrínsecas ao trabalho enquanto tal: não
d este ou daquele trabalho agrícola ou industrial ou de qual
quer outro sector, m as do trabalho em geral, independente
m ente dos seus cam pos de aplicação.
V erem os em seguida do que depende, segundo Smith,
a produtividade do trabalho enquanto tal. Porém , detenham o-
-nos por um m om ento na consideração de um a dificuldade que,
apesar de aparente, o próprio Sm ith não conseguiu resolver
com clareza. Poder-se-ia dizer: o trabalho aplicado na agri
cu ltu ra cria um produto líquido que é constituido pela renda
e pelo lucro, enquanto o trabalho aplicado na industria cria
um produto líquido constituido apenas pelo lucro; portanto,
adm itindo em bora que todo o trabalho é produtivo, o tr a
balho agrícola continuaria a ser m ais produtivo do que o
trabalho não agrícola, e os fisiócratas teriam , por isso, razão
ao atribuírem , na determ inação da produtividade, um a fun
ção à natureza. O próprio Sm ith, identificando-se singular
m ente com o sistem a fisiocrático, pensou que as coisas se
passariam precisam ente assim (4) M as, na realidade, as coisas
passam -se de o utra m aneira: a renda recebida na agricultura,
p a ra além do lucro sobre o capital, não deriva do facto de o
trabalho agrícola ser m ais produtivo do que outro trabalho,
(•'=) Ibid.
CO Ibid.
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ou seja, de produzir m ais produto líquido do que o trabalho
aplicado noutros sectores; antes decorre do facto de que,
sendo a te rra lim itada em quantidade, a sua posse confere
um poder de monopólio, que se m anifesta pela m anutenção
dos preços dos produtos agrícolas a um nível m ais elevado
do que o justificado pelos custos da produção agrícola.
Portanto, a presença da renda não invalida o princípio
sm ithiano que atribui a capacidade de produzir produto líquido
ao trabalho em geral, e não a um trabalho particular.
Assim, a questão à qual Sm ith te rá de responder é a
seguinte: de que depende a produtividade do trabalho, isto é,
a sua capacidade de produzir um excedente? A resp o sta de
Sm ith constitui um dos traços m ais significativos da sua
análise: a produtividade depende da divisão do trabalho, ou
seja, da atribuição a cada trab alh ad o r de um núm ero relativ a
m ente pequeno de operações produtivas (5). Em seu entender,
as causas que levam a divisão do trabalho a aum entar a
produtividade são as seguintes: em prim eiro lugar, a capa
cidade do trabalhador aum enta se ele puder dedicar-se a um
núm ero relativam ente pequeno de operações, podendo tor-
nar-se m áxim a quando, no lim ite, se dedicar a um a única
operação. Em segundo lugar, quanto m enor for o núm ero de
operações executadas por cada um, tan to m enor será a perda
de tem po verificada na passagem de um a operação a outra.
Em terceiro lugar, quanto m ais a actividade hum ana estiver
ligada e confinada a certas operações isoladas e definidas, tan to
m ais sim ples se to rn a rá essa actividade e, portanto, m ais fácil
será conceber m áquinas destinadas a su b stitu ir o trabalho,
quey perm itirão produzir m ais em pregando o m esm o tem po.
Por outro lado, Sm ith não se lim ita a identificar na divi
são do trabalho a causa do aum ento da produtividade, pro
curando determ inar tam bém a origem da própria divisão do
trabalho. N ega que e sta últim a ten h a origem num a diver
sidade natu ral de aptidões e talentos e considera, pelo con
trário, que os hom ens nascem iguais e que essa diversidade,
longe de ser natural, é um a consequência da divisão do
trabalho. Na origem da divisão do trabalho, segundo ele,
encontra-se um a tendência própria da natureza hum ana para
a p erm u ta e p ara a troca: é em v irtude dela que os hom ens
tendem a organizar-se segundo um a e stru tu ra de relações
que, m ediante um a especialização da actividade de cada um,
perm ite a realização m áxim a d esta tendência para a tro ca (°).
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D este modo, a relação entre tro ca e divisão do trabalho é
dupla: por um lado, a tro ca está na origem da divisão do
trabalho, no sentido de que sem esta tendência originária
não se verificaria a tendência para a especialização individual;
por outro lado, é a própria am plitude do sistem a das tro cas
e, portanto, a am plitude do m ercado, que perm ite que a
divisão do trabalho enverede cada vez m ais pela via da espe
cialização individual (7). E m ais: enquanto a tendência para
a tro ca e stá na origem da divisão do trabalho, é a reali
zação das trocas, ou seja, o m ercado que restabelece a ligação
e n tre os trabalhadores individuais reintegrando os hom ens
n a sociedade apesar do isolam ento em que cada um se
encontra dentro da sua especialização produtiva. A concepção
«optim ista» de Sm ith estabelece a seguinte relação de h a r
m onia entre produção e circulação: na produção, os hom ens
estão isolados, cada um na sua especialidade; na circulação
estabelece-se a relação social e na sociedade, form ada através
da troca, cada um beneficia do grau de produtividade que
todos tiverem atingido com a divisão do seu trabalho.
Em sum a, inicialm ente Sm ith rep o rta a análise da divi
são do trabalho a um a sociedade de produtores livres e inde
pendentes. Em seguida, reporta-a tam bém à produção capi
talista e aplica as trê s causas de aum ento da produtividade
aos trabalhadores em pregados por um m esm o capital: neste
caso, Sm ith acrescenta que o capital, reunindo um grande
núm ero de trabalhadores, a quem adianta um a subsistência
que eles só poderiam obter com o acabam ento do produto,
pode pô r em acção a «divisão e distribuição» dos custos m ais
adequados e fornecer aos operários as «m elhores m áqui
nas» (8); daqui se pode deduzir que a form a capitalista de
produção e stá destinada a torn ar-se a form a dom inante,
reduzindo o âm bito das actividades baseadas no trabalho
independente.
O que Sm ith não com preendeu é que a relação dos indi
víduos entre si como operários que fazem p arte de um m esm o
processo produtivo — ao contrário da relação de troca entre
produtores independentes — não é um a relação social, m as
um a relação técnica, e que, neste caso, a relação social pro
priam ente dita, da qual deriva a relação técnica, é a relação
salarial, isto é, entre o operário e o capitalista, que se desen
volve através da com pra e venda da força de trabalho.
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Verem os m elhor este ponto a propósito de M arx. Por
agora, interessa acentuar que, apesar destas lim itações, surge
em Sm ith, com toda a evidência, a estru tu ra da sociedade
capitalista. E sta é constituída po r trê s classes fundam entais:
1) os trabalhadores produtivos, cujo produto, por efeito da
divisão do trabalho, contém m ais do que é necessário ao seu
sustento, ou seja, contém um excedente, o produto líquido,
que su sten ta as outras classes; 2) os proprietários fundiá
rios^ que se apropriam de um a p a rte do produto líquido
sob a form a de renda; 3) os capitalistas — frequentem ente
designados po r Sm ith «patrões» (m asters) ou «em presários»
(undertakers) — , que se apropriam da o ü tra p a rte do p ro
duto líquido sob a form a de lucro. Os capitalistas, um a vez
pago o salário aos trabalhadores produtivos, tom am -se senho
res do produto destes últim os e, portanto, são os prim eiros
a recolher o produto líquido como tal; se são rendeiros agrí
colas, entregam um a p arte deste produto líquido ao pro p rietá
rio fundiário, retendo o resto como lucro. Paralelam ente a
estas trê s classes fundam entais, é necessário considerar, no
esquem a de Sm ith, um a categoria de trabalhadores im pro
dutivos, constituída por todos os que não são pagos pelo
capital dos em presários como operários assalariados, m as são
pagos pelo rendim ento dos capitalistas e proprietários
enquanto fornecedores de serviços susceptíveis de serem
consum idos. E sta categoria com preende fundam entalm ente os
criados, m as engloba tam bém m uitos outros trabalhadores,
enum erados por Sm ith num a passagem m uito conhecida da
R iqueza das Nações:
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Deve acentuar-se o facto de que Sm ith não diz que esta
categoria de pessoas, estas cam adas, sejam inúteis; pelo con
trário, reconhece que todas preenchem , a títu lo s e com rele
vâncias diversos, um a função; m as afirm a que se trata de
consum idores puros, isto é, que consom em a riqueza produ
zida por outrem , sendo n este aspecto assim iláveis aos pro
prietários fundiários, m as não aos capitalistas, que não são
essencialm ente consum idores, tendo antes a função de recon
v e rte r o seu rendim ento, a sua p a rte do produto líquido, o
seu lucro, em capital adicional, segundo um processo que
verem os m ais adiante.
Recapitulando, a sociedade burguesa, ou capitalista, é
vista por Sm ith do seguinte modo: na base, um a classe de
trabalhadores produtivos, que, produzindo produto líquido, se
sustentam a si próprios e a todas as outras classes; im edia
tam en te acim a encontram -se os patrões, ou em presários, que
recebem directam ente o produto líquido, retendo um a parte
dele como lucro, destinando-a essencialm ente ao acréscim o do
capital, e redistribuindo um a o u tra p a rte pelos proprietários
fundiários e pelas cam adas im produtivas.
Procedam os agora à caracterização do produto líquido.
Como se recordará, os fisiócratas efectuavam -na m ediante
um a com paração m aterial, na agricultura, en tre as quanti
dades de bens produzidos e as quantidades de bens usados
como meios de produção e m eios de subsistência; por outro
lado, vim os que no Tableau économ ique as relações de troca
que intervêm entre a agricultura e o secto r «estéril» obri
gavam a um a caracterização do produto líquido não p u ra
m ente m aterial, m as em valor. Quando m ais tard e, em Smith,
o produto líquido é identificado fo ra da agricultura, a caracte
rização em term os de valor to m a-se a única conceptualm ente
possível; consequentem ente é com Sm ith que, pela prim eira
vez, o problem a capital da análise da econom ia capitalista
consiste em saber o que é que determ ina o valor das m erca
dorias.
Sm ith cham a tam bém ao valor de troca de um a m er
cadoria preço real dessa m ercadoria (10); e cham a-lhe real em
contraposição à sua expressão m onetária. P or outras pala
vras, o preço em m oeda de um a m ercadoria (tam bém cha
m ado preço nom inal) não rep resen ta para Sm ith o que um a
m ercadoria realm ente vale: p ara com preender o valor real é
necessário recordar que as m ercadorias «se adquiriram origi
nariam ente» não com o ouro ou com a p rata, ou seja, com
24
o dinheirp, m as com o trabalho: «o trabalho desenvolvido
d urante um ano constitui a base donde, em últim a análise,
todas as nações retiram as coisas necessárias e úteis da vida
consum idas num ano e que consistem nos resultados ou no
produto im ediato daquele trabalho, ou naquilo que em troca
daquele produto venha a ser adquirido por outras nações» ( " ) .
Sm ith com eça por rep o rtar o valor a um a sociedade de
produtores livres e independentes («sociedade m ercantil sim
ples», segundo a expressão de M arx), em que cada um
coloca no m ercado as m ercadorias que produziu p ara obter
em tro c a as m ercadorias dos outros. Para cada um destes
sujeitos a riqueza é a som a dos valores de uso que estão
à sua disposição. Se se tra ta sse de um sujeito isolado, essa
riqueza dependeria do trabalho po r ele executado; num a situ a
ção em que existem a divisão do trabalho e a tro ca — por
tanto, num a situação m e rc a n til— , a riqueza depende, em
geral, do trabalho executado pelos outros, ou seja, do trabalho
contido nas m ercadorias produzidas pelos outros e que o
sujeito em causa pode obter trocando por elas as suas
p róprias m ercadorias. U m a vez que o valor de tro ca é a
capacidade de obter riqueza, isto é, valor de uso, decorre daí
que o valor de um a m ercadoria p ara quem a possui e não
tenciona usá-la directam ente no seu próprio consum o, é
constituído pelo trabalho de outrem que a m ercadoria em
questão lhe pode proporcionar, na m edida em que é trocada
po r produtos que contêm precisam ente trabalho de
outrem (12). É esta a teoria do valor de troca como trabalho
necessário (labour com m anded), particularm ente c aracterís
tica do pensam ento de Smith.
P ortanto, o trabalho necessário para a m ercadoria A
(ou seja, o seu valor) é o trabalho contido nas m ercadorias
B, C, D ,..., pelo qual A é trocada. Limitem o-nos, p ara sim
plificar, à troca en tre A e B: Sm ith m ostra que o trabalho
necessário p ara A, isto é, o trabalho contido em B, é igual ao
trabalho contido em A. O m ecanism o que assegura este resul
tado é a concorrência entre os produtores, quer estes se apre
sentem como oferta, quer como procura: se a m ercadoria A
obtivesse na tro ca ou tras m ercadorias que tivessem custado
um a quantidade de trabalho superior à requerida p ara pro
duzir A, verificar-se-ia um afluxo de produtores para a pro
dução de A, e o seu preço dim inuiria a té A obter na troca
m ercadorias que exigissem a m esm a quantidade de tra b a
(X1) Ibid.
(12) Ibid.
25
lho. Verificar-se-ia o inverso se A fosse tro cad a por m erca
dorias que tivessem exigido m enos trabalho do que o reque
rido po r A.
Se se passasse da sociedade m ercantil sim ples para a
sociedade capitalista, ou seja, p ara um a sociedade na qual o
trabalho e stá separado das condições objectivas da produção
e, portanto, é vendido como m ercadoria, Sm ith encontraria
algum as dificuldades. N a tro ca sim ples, o trabalhador é
proprietário de todo o produto; na tro ca entre m ercadorias pro
duzidas em condições capitalistas, o trab alh ad o r não se ap ro
pria de todo o produto, um a vez que têm lugar duas «dedu
ções» do produto do trabalho: o lucro do capitalista e a renda
do proprietário fundiário (13). «Deduções» no sentido de
A dam Sm ith significa que na base do lucro e da renda não se
encontram (como m ais tard e viriam a considerar os econo
m istas m odernos) «factores produtivos» específicos: o
m esm o trabalho que está na base do salário, está tam bém
na base do lucro e da renda — o trabalho não só reproduz o
seu próprio salário, como produz ainda o lucro e a renda.
Como dirá M arx, além do trabalho necessário, que repro
duz o salário, há um sobretrabalho que produz lucro e renda.
Posto isto, o que é, nestas condições, o trabalho necessário
p ara um a m ercadoria? Podem os entendê-lo em dois sentidos:
num prim eiro, que rep ete o que já vimos p ara a troca sim
ples, o trabalho necessário p ara um a m ercadoria é o trabalho
objectivado nas m ercadorias pelas quais ela é trocada. Porém,
no segundo sentido, específico da econom ia capitalista, o
trabalho necessário para um a m ercadoria, se e sta funciona
como capital, é o trabalho vivo que com e sta m ercadoria
se pode com prar no m ercado específico do capitalism o, que
é o «m ercado de trabalho». Sm ith está de tal modo cons
ciente de que trabalho necessário pode querer dizer trabalho
vivo que, quando se refere ao capitalism o, por trabalho neces
sário entende sem pre trabalho vivo. Porém , a presença das
duas deduções im pede que o trabalho necessário para um a
m ercadoria coincida com o trabalho contido na própria
m ercadoria: efectivam ente, a quantidade de trabalho vivo que
corresponde à quantidade de trabalho contida na m ercadoria
é a que é com prada unicam ente pela p a rte da m ercadoria que
consiste em salários, enquanto o lucro e a renda com pram
um a quantidade acrescentada de trabalho. P ortanto (e esta é
(l:0 Ibid.
26
a conclusão de Sm ith) o trabalho necessário deixa de ser
determ inado pelo trabalho contido (14). Nesse caso, o que é
que o dèterm ina? A resp o sta de Sm ith parece óbvia: um a vez
que o preço de um a m ercadoria se decompõe, em definitivo,
no salário, no lucro e na renda, e um a vez que «o valor real
das diversas com ponentes do preço é medido pela quanti
dade de trabalho que cada um a delas pode com prar ou
requerer» (15), decorre daí que a quantidade de trabalho
necessário é determ inada pelos níveis do salário, do lucro e da
renda. Quando um a m ercadoria produzida em condições capi
talistas «exige» no m ercado um a quantidade de trabalho que
perm ita o pagam ento, aos seus níveis norm ais, do salário, do
lucro e da renda, então o valor da tro ca desta m ercadoria é
um preço natural (16) , ou seja, um preço que g aran te a conti
nuidade do processo produtivo.
Porém , a ideia de que a presença do lucro (abstraindo,
p ara sim plificar, da renda) im pede que o valor corresponda
ao trabalho despendido na produção da m ercadoria está cla
ram ente em contradição com a o u tra concepção sm ithiana,
segundo a qual o trabalho produz tam bém aquilo de que o
capitalista se apropria como lucro. É conveniente cham ar a
atenção para esta segunda concepção de Smith, citando, por
exemplo, a seguinte passagem :
27
Confirm a-se, portanto, o princípio de que p o r d etrás do
lucro se encontra o m esm o do que por d etrás do salário:
tra ta-se sem pre do trabalho fornecido pelo trabalhador pro
dutivo, que dá lugar a um valor global que se divide depois
em salário e lucro — o valor acrescentado aos m ateriais não
provém de duas fontes diferentes, m as tem um a única ori
gem, o trabalho. Portanto, segundo esta perspectiva, a form a
como o valor se distribui entre as classes não tem a ver com
o modo como se form a o próprio valor. Assim, quando Smith,
diz, num a o u tra passagem : «Salário, lucro e renda são as três
fontes originárias de todo o rendim ento, assim como de todo
o valor de troca» (18) , contradiz-se, um a vez que a sua posição
era diferente ao afirm ar que o salário, o lucro e a renda,
em bora sejam as fontes originárias de todo o rendim ento, não
são as fontes originárias de todo o valor, sendo antes as três
p artes em que se distribui um valor que se form ou antes
da sua distribuição nas trê s form as de rendim ento.
Estam os, pois, em presença de duas concepções opostas.
Segundo um a, o salário, o lucro e a renda são p artes de um
valor global preexistente, em que o salário é o que resta ao
trab alh ad o r um a vez «deduzidos» deste valor global o lucro
do capitalista e a renda do proprietário. Segundo a outra,
o valor é a resultante, m ediante a som a de três elem entos que
se encontram pressupostos. O facto de a segunda concepção
fazer Sm ith e n tra r num círculo vicioso será decisivo para
que Ricardo venha a tom ar partido pela prim eira, como
verem os: assim , a ideia básica é que a m ercadoria tem um
preço n atu ral e que este é a som a do salário, do lucro e
da renda; m as o salário depende, por sua vez, dos preços
natu rais dos bens de subsistência, os quais são, por sua vez,
com postos por salários, lucros e rendas. D este m odo chega-se
à proposição, destituída de conteúdo, de que os preços depen
dem dos preços.
Por outro lado, a am biguidade sm ithiana na determ inação
do conceito de valor é historicam ente m uito im portante, pois,
como verem os, os dois term os desta am biguidade estão na
origem de duas correntes de pensam ento: a prim eira, que
com eça com Ricardo, a fa stará como contraditória a ideia
de que o valor tem como origem o salário, o lucro e a renda,
e acolherá antes a ideia de que o valor tivesse a sua origem
no trabalho despendido na produção; a segunda, pelo con
trário, reto m ará a concepção da pluralidade das fontes do
(1S) Ibid.
28
valor e procurará reform ulá-la de modo a evitar a co n tra
dição de^Smith.
Porém , um outro m otivo confere à teoria sm ithiana do
valor, apesar da am biguidade, a sua im portância. A dificul
dade atrá s referida, isto é, que a determ inação do valor como
som a de salário, lucro e renda se reduz à determ inação do
valor com o próprio valor, poderá ser expressa ainda de outro
modo. Como dissem os, Smith, m esm o quando aceita não
poder continuar a reco rrer ao trabalho despendido na m er
cadoria para d eterm inar o seu valor, atribui ainda ao tr a
balho um a função que se explicitará em paralelo com o valor:
o valor de um a m ercadoria corresponde ao trabalho que com
ela se pode com prar no m ercado, ou, como disse Sm ith, ao
trabalho que ela perm ite exigir; e cada um a das três
p a rte s de que o valor se com põe corresponde à quantidade de
trabalho que ela requer. Ora, se quiséssem os escapar à pro
posição, como vim os destituída de conteúdo, segundo a qual
o valor é determ inado por outros valores, e se quiséssem os
fazê-lo dizendo que o valor de um a m ercadoria é determ inado
pelo valor que ela requer, deparar-se-nos-ia de novo a m esm a
dificuldade, um a vez que a quantidade de trabalho que se pode
com prar no m ercado depende, naturalm ente, do salário, e o
salário é, por sua vez, um valor. O único papel que nesta
q uestão se pode atrib u ir ao «trabalho necessário» é sim ples
m ente o de m edir o valor: a utilização do trabalho necessário
equivaleria, então, a assum ir como unidade de m edida dos
valores precisam ente o salário do trabalho. (Por exemplo,
se se disser que o trabalho requerido por um a unidade da
m èrcadoria A é 6 horas de trabalho, isso equivale a dizer
que o valor de A é igual a 6 vezes o salário ho rário ). De
resto, o próprio Sm ith se exprim e neste sentido, se se tom ar
à letra o seguinte período:
«É necessário observar que o valor real de todas
as p artes com ponentes do preço é m edido pela quan
tidade de trabalho que cada um a delas pode com
p ra r ou requerer. O trabalho m ede o valor não só
da p arte do preço que se decom põe em trabalho
[dever-se-ia dizer «salário»], m as tam bém da que
se decom põe em renda e da que se decom põe em
lucro» (19).
A m enos que — e é este, justam ente, o segundo m otivo
de interesse da teoria sm ithiana — a m edição em term os de
(1S>) Ibid.
29
trabalho, em bora seja em si m esm a arbitrária, no sentido em
que é tão boa como qualquer outra, pois pode-se m edir o
valor com o valor de qualquer o u tra m ercadoria e não ape
nas com o valor do trabalho, constitua, por outro lado, um a
m edida de algum m odo privilegiada (o que justifica a afir
m ação sm ithiana que acabám os de referir, segundo a qual o
trabalho necessário m ede o v alor real). V ejam os em que
sentido. Sm ith reporta-se a um a economia capitalista, isto é,
a um a econom ia cuja característica principal consiste em que
um a p a rte do produto líquido, e precisam ente a que corres
ponde ao lucro, se destina predom inantem ente não ao con
sum o dos seus recebedores, m as ao aum ento do capital dos
m esm os. O aum ento do capital, p o r sua vez, transform a-se para
Sm ith no aum ento da força de trabalho controlada pelo capi
talista. Considerem os agora, por exemplo, um capitalista que
controle 1000 trabalhadores; trata-se, naturalm ente, de tra
balhadores produtivos, o que significa que o seu produto
tem um valor que não só reconstitui os salários de 1000 tra
balhadores, como fornece, além disso, um lucro que, rein
vestido, ou seja, destinado ao increm ento do capital, perm ite
pag ar salários, suponham os, a outros 100 trabalhadores: o
trabalho requerido pelo produto de 1000 trabalhadores é,
assim , igual a 1100 trabalhadores, e a diferença entre o tra
balho necessário e o trabalho contido (ou seja, neste exem
plo, 100 trabalhadores) rep resen ta e m ede o desenvolvim ento
capitalista. Isto é, se o trabalho necessário for utilizado para
m edir o valor dos produtos do capital, mede, m ediante a com
paração com o trabalho contido, o m ontante em que o capital
foi acrescentado, ou seja, m ede o contributo que pode for
necer a m ercadoria a que se aplica essa m edição, enquanto
funcionar como capital, com vista ao alargam ento do
emprego.
É precisam ente em virtude desta circunstância que as
possibilidades in terpretativas de que é dotada a categoria do
trabalho necessário no contexto da realidade capitalista foram
desenvolvidas por Sm ith m ediante a aplicação desta c a te
goria não à troca entre m ercadorias isoladas, m as a um tipo
de tro ca m ais fundam ental, a tro ca entre o produto social e a
ocupação no seu conjunto, ou seja, entre o produto e a
«m oeda originária» que se deve pagar p ara obter esse pro
duto e que é, precisam ente, o trabalho. O processo surge,
perante Sm ith, nos seguintes term os. De um certo trabalho
em pregue no sistem a advém um certo produto social, o
produto bruto, o qual, em consequência da produtividade do
trabalho, contém em si um produto líquido. Se todo o pro-
30
duto bruto, e não só a parte correspondente ao velho capital,
ou seja, aos salários, for reconvertido em capital, isto é,
destinado •'à aquisição de trabalho, a quantidade de trabalho
requerido pelo produto social é superior à quantidade de tr a
balho que é precisa p ara o produzir. Este m aior trabalho,
m edido em função do produto social convertido inteiram ente
em capital, produzirá um produto b ru to superior ao inicial;
e a repetição do processo dá lugar a um alargam ento siste
m ático do produto, atrav és do aum ento sistem ático da utili
zação de trabalho. Assim, Sm ith é o prim eiro a te r consciên
cia da função histórica decisiva da economia capitalista: a
integração de crescentes m assas de hom ens no processo
produtivo.
A consideração do produto social como entidade em si,
que se tro ca e, portanto, em certo sentido, se contrapõe ao
trabalho que o produziu, contém , em bora não explicitam ente,
esse conceito de riqueza abstracta, separada dos produtores,
que será desenvolvido por M arx como a chave para a com
preensão da realidade capitalista. M ais ainda: na descrição
sm ithiana do processo de desenvolvim ento do sistem a, surge
a prim eira representação do cará c te r dúplice da relação entre
capital e trabalho: o trabalho, por um lado, produz o capital,
n a su a caracterização de trabalho produtivo e, por outro,
é requerido pelo capital, na sua caracterização de trabalho
assalariado com prado com o m ercadoria pelo próprio capital.
Tam bém esta duplicidade da relação do trabalho com o capi
tal será desenvolvida por M arx.
( n
2.2. Ricardo
31
Em Ricardo, o capitalism o é um facto perfeitam ente con
solidado; não se detém , como Smith, na consideração de
outros sistem as, em p articu lar da economia m ercantil sim
ples. E, se bem que nunca explique claram ente a sua posição,
não há dúvida de que para ele a categoria central da economia
capitalista é a ta x a de lucro. Podem os dizer que a tax a de
lucro é a m edida do êxito da produção capitalista, isto é,
a m edida de quanto o capital se valorizou; m as um a vez que
o capital adquire sentido precisam ente pela sua valorização,
pelo seu crescim ento, a tax a de lucro é o que confere sentido
ao capital e m ede a intensidade com que o próprio capital se
realiza.
A ta x a de lucro é um a ta x a de sistem a: trata-se da tax a
geral de lucro, realizada por cada um dos capitais conside
rados isoladam ente. Isto é, a tax a de lucro não é sim ples
m ente um a m édia estatística, m as é um a realidade, um a vez
que se encontra nos diversos capitais reais, e não apenas
nessa abstracção que é o capital global do sistema. Ricardo
esclarece que o m ecanism o de m ercado que realiza a tax a de
lucro, isto é, que a torna real em cada capital determ inado,
é a concorrência. Portanto, para Ricardo tra ta-se claram ente
ú s l concorrência entre capitais; ao contrário de Smith, nunca
cai num conceito de concorrência considerada como concor
rência entre produtores independentes.
O que determ ina, então, e sta tax a geral de lucro? A ideia
fundam ental de Ricardo é que: 1) a evolução da taxa geral
de lucro depende da tax a de lucro que se form a na agricul
tura; 2) a tax a de lucro na agricultura depende da fertilidade
do solo, na m edida em que esta influi no custo real dos meios
de subsistência; 3) as m utações no grau de fertilidade da
te rra determ inam , ao m esm o tem po, a form ação da renda
fundiária.
P ara facilitar a exposição deste problem a, podemos ser
vir-nos de um artifício que, m uito provavelm ente, esteve
presente na m ente do próprio Ricardo num a fase inicial do
seu pensam ento (2l). T rata-se de levar até ao lim ite o que os
fisiócratas pensavam da e stru tu ra da produção agrícola, ou
seja, de conceber esta como um a actividade que produz um a
única m ercadoria, o trigo, e que dela faz uso como o seu
único meio de produção (suponham os, p ara as sem enteiras e
p ara a subsistência dos trabalhadores). N este caso, a ta x a de
lucro na agricultura pode ser determ inada directam ente em
32
term os m ateriais, como relação entre a quantidade de trigo
que, no fim do ano, o capitalista obtém como lucro, e a quan
tidade d e ''trig o que, no início do ano, ele adiantou como
capital. Se considerarm os um a certa quantidade de capital
investido no início do ano, a tax a de lucro será, evidente
m ente, tan to m aior quanto m aior for, no fim do ano, a dife
rença entre o produto obtido e a quantidade desse produto
que reconstitui o capital investido; e, m antendo-se todas as
outras circunstâncias as m esm as (em particular as técnicas
de cultivo), esta diferença é tan to m aior quanto m ais fértil
for a te rra cultivada. _Se, com o aum ento da população, as
necessidades de subsistência determ inarem o cultivo de terras
cada vez m enos férteis, isso te rá como consequência que um
capital de um a dada grandeza, investido na últim a te rra cul
tivada, ou te rra m arginal, obterá um lucro cada vez m enor
à m edida que dim inuir a fertilidade da te rra m arginal. Por
outro lado, os capitais investidos nas terras m ais férteis
(infram arginais) não poderão obter, em virtude da concor
rência, tax as de juro m ais elevadas do que as obtidas pelo
capital investido na te rra m arginal; isso terá como resultado
que, p ara estes capitais, a diferença entre produto e capital
só parcialm ente se tran sfo rm ará em lucro, constituindo a
o u tra p a rte um a renda. Ricardo cham a a esta renda diferen
cial, justam ente porque deriva da diferença entre o produto
líquido obtido pelo capital investido na te rra m arginal e o
produto líquido obtido pelos outros capitais.
Este processo tornar-se-á m ais claro com um exemplo.
Suponham os que, inicialm ente, um capital igual a 100 (sendo
estes 100 um a quantidade de trigo), investido num a terra
com um a dada fertilidade, dá lugar a um produto anual de
130, sendo, por isso, a ta x a anual de lucro igual a 30 %.
Se um outro capital de igual grandeza for investido num a
te rra m enos fértil, o seu produto será 120 e a ta x a de lucro de
20 %. Mas, um a vez que a ta x a de lucro não pode ser dife
re n te nos dois capitais, tam bém o prim eiro capital terá um
lucro de 20 %, restando assim um a p arte do produto igual a
10, que constituirá a renda (diferencial) do proprietário da
te rra na qual foi investido o prim eiro capital.
N este esquem a, a determ inação da tax a de lucro do sis
tem a económico é m uito sim ples. Por efeito da concorrência,
a ta x a de lucro deve ser igual em todas as actividades, o que
se obtém m ediante a influência exercida pela concorrência
sobre os preços das m ercadorias; m as, um a vez que na agri
c u ltu ra a tax a de lucro é determ inada em term os m ateriais,
8 33
sendo por isso independente dos preços, serão os preços das
ou tras m ercadorias em relação ao trigo que constituirão os
valores necessários p ara determ inar, para cada um a das acti
vidades, a tax a de lucro que tem lugar na agricultura. É assim
que a ta x a de lucro na agricultura determ ina a tax a de lucro
de todo o sistem a. Daqui deriva um a consequência im por
tante. Se aum entar a produtividade do trabalho agrícola,
aum entará a tax a de lucro de todo o sistem a, através do
aum ento da tax a de lucro da agricultura, enquanto, por outro
lado, se aum entar a produtividade do trabalho em qualquer
sector não agrícola, isso não se reflectirá na tax a geral de
lucro. Se, por exemplo, m antendo-se fixa a produtividade na
agricultura, aum entasse a produtividade do trabalho na pro
dução de ferro, o preço do ferro em relação ao trigo des
ceria de modo a perm itir que a relação en tre lucro e capital
se m antivesse inalterável neste sector. Ora, o facto de a
ta x a de lucro do sistem a ser regulada pela que se form a na
ag ricu ltu ra im plica que a tendência p ara a dim inuição da
ta x a de lucro, devido à dim inuição da fertilidade da te rra
m arginal, é um a tendência que diz respeito não apenas à
agricultura, m as tam bém a todo o sistem a económico. É certo
que Ricardo adm ite que a intervenção de m elhoram entos nos
m étodos de cultivo constituirá um a com pensação p ara a
dim inuição da fertilidade natural, em bora, segundo ele, esta
circunstância apenas possa retard ar, e não anular, a descida
da tax a de lucro. Portanto, p ara Ricardo o capitalism o con
tém no seu próprio seio um m ecanism o de expansão, m as tam
bém um m ecanism o de travagem .
Por outro lado, para o próprio Ricardo, este esquem a ana
lítico tão sim ples não podia p assar de um a m era introdução
ao problem a: é óbvio que a hipótese de um a actividade que
produz trigo com trigo não corresponde a um a situação real:
efectivam ente, a agricultura utiliza m eios produzidos p o r
outros sectores, quer como meios de subsistência dos próprios
trabalhadores, quer como meios de produção. Por ou tras
palavras, a determ inação da tax a de lucro não poderia ser
feita em term os m ateriais, exigindo, por isso a form ulação de
um a lei do valor.
A teoria do valor de Ricardo com eça pela crítica da
concepção sm ithiana segundo a qual, na econom ia capitalista,
o trabalho contido não está apto a determ inar os valores de
tro ca (22).
34
A crítica que Ricardo dirige a Sm ith pode ser apresentada
da seguinte form a: num a sociedade de produtores indepen
dentes, o trabalho requerido por um a m ercadoria A nada
m ais é — e Sm ith reconhece-o — do que o trabalho contido
n a m ercadoria B pela qual A é trocada. Por outro lado, se
o trabalho contido na quantidade de B pela qual A é trocada
fosse diferente do trabalho contido em A, a concorrência
m odificaria a relação de troca entre A e B até torná-la igual
à relação entre a quantidade de trabalho contida em A e a
contida em B. N estas condições, pode dizer-se — e Sm ith
disse-o— que o trabalho requerido por A coincide com o tra
balho contido em A e, por isso, que o trabalho contido nas
m ercadorias se to rn a o elem ento determ inante das suas rela
ções de troca. Na situação capitalista, o trabalho requerido
por um a m ercadoria resulta, p ara Smith, diferente do trabalho
nela contido tão-só porque ele m odifica a definição de tr a
balho necessário: efectivam ente, em vez de m an ter a defini
ção de trabalho necessário como o trabalho contido na m er
cadoria pela qual é tro cad a a m ercadoria em questão, altera
a definição e sugere que o trabalho necessário é o trabalho
vivo que se pode adquirir, com a m ercadoria considerada.
D este modo, o trabalho necessário surge separado do tr a
balho contido, e este deixa de aparecer como aquilo que
determ ina as relações de troca. Porém , se p ara o capitalism o
se m antiver — como considera Ricardo — a m esm a definição
de trabalho necessário que Sm ith adoptara para a troca sim
ples, ou seja, se, fazendo referência já não à troca entre
m ercadorias, por um lado, e trabalho vivo, por outro, m as
à tro ca de m ercadorias por m ercadorias, se considerar tr a
balho requerido por um a m ercadoria o trabalho contido nas
m ercadorias pelas quais ela é trocada, chega-se, tam bém para
o capitalism o, à m esm a conclusão que na tro ca simples, isto
é, que o trabalho contido determ ina a relação de tro ca entre
as m ercadorias. Mais precisam ente, as m ercadorias trocam -se
entre si segundo relações que são iguais às relações entre
as quantidades de trabalho objectivada nas m ercadorias; e
a única diferença, entre a tro ca sim ples e a tro ca em condições
capitalistas reside no facto de, enquanto no prim eiro caso todo
o valor que se form a na troca é recebido pelos trabalhadores,
no segundo caso este valor subdivide-se pelas trê s classes da
sociedade capitalista. Porém , a tese fundam ental de Ricardo
(que assim retom a um dos dois aspectos da am bígua teoria
do valor de Sm ith) é que o modo como o valor, um a vez
35
form ado, se distribui, nada tem a ver com o modo como ele
se form a (23).
Se a crítica de Ricardo a Sm ith fosse suficiente para
confirm ar o critério do trabalho contido como elem ento d eter
m inante do valor de troca, então a determ inação da tax a de
lucro poderia te r lugar m ediante um a analogia substancial
com a determ inação, em term os m ateriais, que Ricardo fizera
inicialm ente considerando a hipótese de um a actividade que
produzisse trigo por interm édio de trigo. Efectivam ente,
assim como anteriorm ente a tax a de lucro era a relação entre
a quantidade de trigo que constitui o produto líquido (na
te rra m arginal) e a quantidade de trigo que constitui o
capital, agora a tax a de lucro, sendo a relação entre o valor
do produto líquido e o valor do capital é, na realidade,
a relação entre o trabalho contido nas m ercadorias que
constituem o produto líquido e o trabalho contido nas m er
cadorias que constituem o capital. É assim que, embora pela
mediação da categoria do valor, a tax a de lucro vem nova
m ente determ inada em term os m ateriais, com a substituição
do trigo pelo trabalho.
M as, na realidade, R icardo parece considerar esta crítica
a Sm ith insuficiente para satisfazer a exigência de coerência
en tre os valores de tro ca determ inados pela teoria e os valo
res de troca do m ercado concorrencial real. Efectivam ente,
surge aqui um a dificuldade adicional, que Ricardo nunca
conseguiu resolver.
P ara com preender bem este aspecto, dever-se-á prim eiro
te r presente (2fl) que o trabalho contido num a m ercadoria é a
som a de duas com ponentes: em prim eiro lugar, o trabalho i
directo, isto é, o trabalho prestado no processo produtivo e
que teve como produto a m ercadoria em questão, e em
segundo lugar, o trabalho indirecto, constituído pelo trabalho
contido nos meios de produção necessários para produzir essa
m ercadoria e pelo trabalho contido nos m eios de produção
que produziram aqueles m eios de produção, e assim por
diante. Ora sucede que, se a relação entre trabalho directo
e trabalho indirecto é diferente de m ercadoria para m ercado
ria, um a m odificação de salários provoca um a m odificação
nas relações de tro ca das m ercadorias, m esm o se as quantida
des de trabalho que as mercadorias contêm perm anecerem
36
invariáveis — o que tem como consequência não se poder
afirm ar qúe as quantidades de trabalho determ inam univo
cam ente os valores de troca.
Este facto pode ser ilustrado com um exem plo (25).
Considerem -se trê s m ercadorias. O trabalho indirecto (ou
capital) e o trabalho directo são, respectivam ente: 400 e 200,
300 e 300, 200 e 400. Suponham os que, num a situação inicial,
todo o trabalho directo se destine a reconstituir os salários,
sendo o lucro nulo. Ter-se-á, portanto, a seguinte situação:
Taxa de
Capital Salários Lucro P roduto Lucro Valores
T axa de
Capital Salários Lucro P ro d u to Lucro Valores
37
um a diversidade das tax as de lucro. M ais precisam ente:
1) na segunda m ercadoria, na qual a relação entre trabalho
indirecto e trabalho directo é igual à m édia do sistem a, a
tax a de lucro coincide com a tax a geral (50 %'); 2) na pri
m eira m ercadoria, em que aquela relação é superior à relação
média, a ta x a de lucro é m enor do que a ta x a geral (25 %);
3) na terceira m ercadoria, em que aquela relação é inferior
à relação m édia, a tax a de lucro é superior à tax a geral
(100 % ). E sta situação é corrigida pela concorrência, que des
loca o capital dos investim entos que rendem m enos (por
tanto, nos quais os preços dos produtos aum entam ) para os
investim entos que rendem m ais (em que os preços dos pro
dutos dim inuem ). O processo de redistribuição do capital
entre as diversas aplicações prossegue até a ta x a de lucro
ter-se tornado igual em toda a parte. A situação final será
a seguinte:
T axa de
Capital Salários Lucro Produto Lucro Valores
38
ção entre quantidades de tra b a lh o ), o círculo vicioso de Sm ith
pôr-se-á lios seguintes term os: por um lado, os valores apa
recem como os determ inantes últim os da tax a de lucro; por
outro, dependerão da tax a de lucro.
Além disso, a tabela perm ite ilu strar a m aneira peculiar
com o Ricardo, não só exprim e esta dificuldade, como pro
c u ra escapar-lhe. Coloca-se assim o problem a de encontrar
um a «m edida do valor» que tivesse a propriedade essencial
de qualquer unidade de m edida, isto é, ser «invariável» (26).
Vejam os do que se tra ta.
Tendo determ inado os valores de tro ca como relações
entre quantidades de trabalho contidas nas m ercadorias, m edir
estes valores com um a unidade de m edida invariável (como
deve ser qualquer unidade de m edida) significa referir todos
os valores de tro c a ao valor de tro ca de um a m ercadoria que
exija sem pre a m esm a quantidade de trabalho p ara ser
produzida. Se essa m ercadoria existisse, as variações de valor
de um a m ercadoria qualquer, de um período para outro, poriam
em evidência ou, m ais precisam ente, m ediriam as variações
n a quatidade de trabalho objectivada na m ercadoria m edida
ou, nas palavras de Ricardo, as variações nas «dificuldades de
produção» dessa m ercadoria, em sum a, nas condições em
que ela é produzida. Do m esm o modo, se a relação de troca
entre duas m ercadorias variasse, poder-se-ia, com parando
cada um a delas com a unidade de m edida, determ inar em qual
teve lugar um a m odificação nas condições de produção que
m otivasse a variação da relação de troca. Isto é, seria pos
sível proceder a com parações sem recear relevar m odifica
ções aparentes, devidas a variações da unidade de m edida,
ou seja, a variações na quantidade de trabalho contida na
unidade de medida.
Porém , surge aqui um a o u tra dificuldade. Os valores de
tro ca, como vimos, m odificam -se quando se m odifica a dis
tribuição, no sentido de que, alterando-se o salário, se os
valores perm anecessem os m esm os, ter-se-iam taxas de lucro
diferentes, pelo que seria necessário que os preços m udas
sem em relação aos preços de partida, a fim de assegurar a
todas as m ercadorias a nova tax a geral de lucro correspon
dente ao novo salário. Suponham os agora que existe um a
( 26) prin cipies, cap. i, op. cit., pp. 31-34; m as dever-se-á consultar
igualm ente o texto que Ricardo redigiu em 1823, pouco antes da sua
morte, publicado por Sraffa em W orks, vol. iv, pp. 357-412: A b so lu te
valu e an d exchan geable value.
39
m ercadoria — como a m ercadoria II das tabelas preceden
tes — que é produzida como um a relação m édia entre tra b a
lho indirecto e trabalho directo, isto é, em condições tais que
não seja necessária um a m odificação do seu preço para
alcançar a nova tax a geral de lucro. C onsiderar então como
unidade de m edida o valor d esta m ercadoria, com a conse
quência de que, ao v ariar o salário todos os outros valores
v ariarão relativam ente a ele, significa pôr em evidência (ou
te r em conta o facto) que os m otivos pelos quais os valores
se alteram ao alterar-se a distribuição são inerentes às con
dições em que são produzidas as m ercadorias m edidas e não
às condições em que é produzida a m ercadoria m edidora.
Em bora Ricardo não o diga explicitam ente, é suficientem ente
claro que, por d etrás do seu interesse pela m ercadoria m édia
como unidade de m edida, e stá o facto de e sta ser a única
m edida p ara a qual as m odificações ocorridas nos valores
deixam inalterável o valor global do produto social (no nosso
exem plo, se se tom ar como unidade o valor da m ercadoria II,
a som a global dos valores, tal como resu lta da últim a tabela,
perm anece idêntica ao valor 3; inversam ente, se se tom ar
como unidade o v alor da m ercadoria I, de m odo a que os
valores das outras duas sejam , respectivam ente, de 0,86 e
0,71 ter-se-á como som a dos valores 2,57; analogam ente, se
se to m ar com o unidade o valor da m ercadoria III, de modo
a que os valores das outras duas sejam , respectivam ente, de
1,4 e 1,2, a som a dos valores será 3,6). Por ou tras palavras,
se se m edir com o valor da m ercadoria produzida em condições
m édias, torna-se evidente que um a m odificação do salário
pode redistribuir entre as várias m ercadorias o valor global
já existente, m as não pode m odificar o m ontante do valor
existente.
N este caso, «m edida invariável do valor» significa que
a unidade de m edida não varia com a variação da distribui
ção, e não apenas no sentido de que este valor foi considerado
como unitário (o que, evidentem ente, se poderia te r feito rela
tivam ente a um valor qualquer), m as no sentido de que se
tra ta do valor de um a m ercadoria que não tem em si própria
nenhum m otivo para m odificar o seu valor quando a dis
tribuição se altera.
Posto isto, se se tom asse (segundo a proposta de Ricardo)
como unidade de m edida dos valores, o valor de um a m er
cadoria que tivesse a dupla característica de exigir sem pre a
m esm a quantidade de trabalho (ou, segundo um a o utra expres
são de Ricardo, de ser produzida sem pre nas m esm as con
40
dições) e de ser m ercadoria m édia no sentido anteriorm ente
referido, õbter-se-ia este resultado dúplice: esta m ercadoria,
enquanto vproduzida em condições constantes, estaria em con
dições de m edir as m odificações do valor das outras m erca
dorias, na m edida em que se m odificasse as condições em que
são produzidas as outras m ercadorias; e, enquanto m ercadoria
m édia, estaria em condições de m edir as variações de valor
que, em virtude de variações do salário, surjam p ara as
ou tras m ercadorias, em consequência do facto de a relação
capital-trabalho ser, p ara elas, diferente da m édia do sistem a.
Se esta proposta fosse aceitável, nos term os em que
Ricardo a form ula, a teoria do valor-trabalho m anteria um
significado teórico bem preciso: efectivam ente, em bora não
se possa dizer que as relações de tro ca entre as m ercadorias
sejam iguais às relações en tre as quantidades de trabalho
nelas contidas, a ta x a de lucro do sistem a, identificando-se
com a da m ercadoria média, seria efectivam ente um a relação
entre duas quantidades de trabalho — a quantidade de tra b a
lho contida na p arte da m ercadoria m édia que vai p ara o lucro
e a quantidade de trabalho contida na parte da m ercadoria
m édia que se tro ca pelos m eios de produção que são necessá
rios para a produzir.
Assirh, a tax a de lucro poderia ser realm ente determ i
nada com um m étodo análogo ao que Ricardo concebera
inicialm ente: b astaria substituir o trigo po r trabalho. R esul
tado este que poderia revelar-se im portante, na m edida em
que constituiria um a form a de escapar ao círculo vicioso
a que nos referim os, aparentem ente decorrente do facto de,
por um lado a tax a de lucro depender dos valores e, po r outro,
os valores dependerem (do salário e, p ortanto) da ta x a de
lucro.
Todavia, p ara um juízo m ais exacto sobre esta questão,
torna-se necessário p recisar o significado de «m ercadoria
m édia». Efectivam ente, o modo como Ricardo a determ ina
apresenta a seguinte dificuldade: se voltarm os a exam inar as
tabelas a trá s apresentadas, verem os que, quando o salário
varia, o esquem a ricardiano prevê um a m odificação nos valo
res dos produtos, m as não um a m odificação nos valores dos
elem entos que com põem o capital: estes últim os m antêm os
seus valores como quantidades de trabalho incorporadas neles.
Porém , os elem entos que constituem o capital são tam bém
eles m ercadorias, e os seus valores estão sujeitos a variações
quando o salário varia, como acontece aos valores de todas as
o utras m ercadorias. Isto levanta um problem a cuja resolu-
41
ção não é impossível, m as que implica um a operação m ais
com plexa do que a ten tad a por Ricardo, m esm o tratando-se
de um a operação interna à lógica da teoria ricardiana. Esta
operação foi efectuada m uito recentem ente (1960) por Piero
Sraffa, e dela nos ocuparem os no m om ento oportuno. Mas,
seja como for, vale a pena adiantar aqui um dos resultados
de Sraffa, directam ente relevante para um juízo acerca de
Ricardo. Sraffa consegue a identificação exacta da m ercadoria
m édia (m ercadoria-tipo, na sua term inologia), que tem a
m esm a característica da unidade de m edida ricardiána, isto é,
a sua tax a de lucro é determ inável independentem ente dos
valores, sendo os valores de equilíbrio aqueles que asseguram ,
p a ra todas as m ercadorias do sistem a, a m esm a ta x a de lucro
da m ercadoria unidade de m edida. Porém , Sraffa só pode
proceder a esta identificação com base num a representação
do processo produtivo de todo o sistem a, a qual revela que
o círculo vicioso a que nos referim os não existe na realidade,
um a vez que esta representação im plica um esquem a em que
a tax a de lucro e os valores das m ercadorias se determ inam
sim u ltan eam en te; pelo que não há qualquer necessidade
teórica de conceber a tax a de lucro como a ta x a conseguida
pela m ercadoria-tipo. O facto de, como verem os, a m ercado
ria-tipo não ser um a m ercadoria real, m as um a m ercadoria
form ada ad hoc, confirm a a seguinte análise: a tax a de lucro
é a que é determ inada conjuntam ente com os valores, na
base das condições gerais da produção, sendo sem pre possível
construir artificialm ente um a m ercadoria p articular que repro- ^
duza em si m esm a, em term os m ateriais, essa tax a de lucro
do sistem a, em bora essa construção nada acrescente à d eter
m inação da ta x a do sistem a real.
Se a isto se acrescentar que em Sraffa (como verem os) a
determ inação dos valores de tro ca e da tax a de lucro tem
lugar sem qualquer relação necessária com as quantidades
de trabalho, concluir-se-á que a form ulação estritam ente ricar
diana do problem a não parece aceitável. Qual o juízo a fazer
acerca dos desenvolvim entos teóricos de tipo ricardiano de
Sraffa, vê-lo-em os m ais adiante. P or agora, voltando a Ricardo,
há m ais um a consideração a fazer. Tínham os visto anterior
m ente que, p ara Ricardo, o problem a central da investigação
teórica é não só o da determ inação da tax a de lucro mas,
sobretudo, o da indicação dos m ovim entos da tax a de lucro em
função da dinâm ica da econom ia capitalista. A diminuição da
tax a de lucro com o aum ento do salário encontra-se no centro
das atenções de Ricardo, um a vez que ele detecta um a ten-
42
dência para o salário aum entar (como custo para o capita
lista) em ^consequéncia do aum ento do custo da subsistência,
que se deve por sua vez à tendência para o decréscim o dos
rendim entos da produção agrícola. Vimos tam bém que este
m ecanism o de descida da tax a de lucro foi prim eiram ente
identificado por Ricardo com base num esquem a segundo o
qual a agricultura produz trigo com trigo. N esse esquem a,
a quantidade de trigo que constitui o produto líquido obtido
na té rra m arginal dim inui relativam ente à quantidade de trigo
em pregue como capital nessa m esm a té rra e, por consequên
cia, diminui a tax a de lucro na produção de trigo. N a produ
ção das outras m ercadorias, onde o trigo é utilizado como
capital na m edida em que constitui a subsistência dos tra b a
lhadores, os valores de tro ca dim inuirão relativam ente ao
trigo de modo a assegurar um a ta x a de lucro que, decres
cendo, se m antém igual à que se obtém na produção do trigo.
Por outro lado, depois de te r reconhecido o cará c te r irrealista
das hipóteses deste esquem a, e de te r introduzido a teoria do
valor para escapar à determ inação do lucro em term os ime
diatam ente m ateriais, Ricardo m antém a ideia de que a taxa
de lucro da agricultura determ ina a ta x a de lucro geral, bem
como de que dim inuindo a tax a de lucro da agricultura, faz
dim inuir a tax a de lucro de todo o sistem a.
Ora, em que condições poderá m anter-se esta ideia ricar-
diana, dentro das novas condições teóricas determ inadas pela
introdução da categoria do valor? Fundam entalm ente, n estas
novas condições, o salário tem um valor igual à quantidade
de trabalho contida nos m eios de subsistência. E sta quanti
dade de trabalho só pode ser considerada crescente se se
supuser que o trigo tinha um a im portância tal entre os meios
de subsistência a ponto de to m a r negligenciável a presença
das outras m ercadorias, um a vez que só para o trigo (que se
pressupõe rep resen tar os produtos agrícolas em geral) se
pode considerar um a tendência p ara o aum ento da quanti
dade de trabalho necessária para o produzir. Porém , é neces
sário adm itir tam bém que, na agricultura, a utilização de
meios de produção que não o trigo seja negligenciável, um a vez
que só assim se poderá prescindir da influência positiva que
teria sobre a ta x a de lucro agrícola um a dim inuição da quan
tidade de trabalho contida nesses meios de produção, bem como
da influência, tam bém positiva, que teria um a dim inuição da
quantidade de trabalho directam ente em pregue na agricultura
devido a um a m elhoria dos m étodos e dos instrum entos da
produção agrícola.
43
M as isto significa que, para m anter a m esm a conclusão
acerca dos tipos de tax a de lucro a que chegara antes de
te r introduzido a teoria do valor, Ricardo te rá efectiva
m ente de m an ter as m esm as hipóteses de então; ou seja,
te rá de supor que se tra ta de um a actividade produtiva na
qual a ta x a de lucro possa ser determ inada em term os m ate
riais e que, desse modo, a teo ria do valor não seja apropriada
p ara determ inar a ta x a de lucro. Por outras palavras: se
se adm itir que as hipóteses que tornam possível a determ ina
ção da tax a de lucro em term os im ediatam ente m ateriais, ou
seja, em term os de trigo, são irrealistas, adm itindo por isso
hipóteses m ais gerais, segundo as quais a produção de trigo
não tem um a posição p articu lar dentro do sistem a produ
tivo, tornar-se-á então necessária um a teoria do valor; mas,
ao m esm o tem po, essas hipóteses m ais gerais retiram toda a
validade à argum entação ricardiana no sentido de dem ons
tra r a descida da ta x a de lucro. Se, por outro lado, se quiser
m an ter esta argum entação, será necessário reco rrer a essas
hipóteses irrealistas, o que to rn a supérflua a teoria do valor.
Todavia, este aspecto não é suficiente para form ular um
juízo sobre a teoria ricardiana do valor. P ara este objectivo,
será útil fazer um a análise da crítica a que e sta teoria foi
sujeita por p a rte de Bailey e da crítica que, em defesa de
Ricardo, M arx dirigiu a Bailey.
A crítica de Bailey a R icardo envolve dois aspectos: a
questão do «valor absoluto» e a questão do «valor do tra
balho». '
Quando Ricardo, a propósito da m odificação da relação
de tro c a entre duas m ercadorias, se pergunta em qual das
duas se te rá processado a m odificação do valor, isso implica,
segundo Bailey (27), um conceito de valor absoluto, isto é,
de um valor que pode ser determ inado independentem ente da
relação das m ercadorias consideradas com ou tras m ercado
rias. M as o v alor — diz Bailey — é um conceito essencial
m ente relativo: um a m ercadoria só tem valor relativam ente
a outras m ercadorias, e não faz sentido pensar que ela tenha
valor em si m esm a. Poder-se-ia objectar a Bailey que, para
Ricardo, o valor absoluto m ais não é do que um valor relativo
particular, ou seja, o valor que um a m ercadoria tem relativa
m ente à m ercadoria que funciona como unidade de medida,
(27) S. B a il e y , A critica i d isserta tio n on th e natura, m easure and
causes of valu é (1825), reeditado por Frank C ass & Co., Londres, 1967,
pp. 4-21.
44
aquela que requer sem pre a m esm a quantidade de trabalho.
Porém , né[o seria descabido se Bailey respondesse que precisa
m ente a procura de sem elhante unidade de m edida denuncia
a ideia de que nas m ercadorias haveria um a entidade m en
surável preexistente à m edição, no sentido de que, por exem
plo, um segm ento tem um com prim ento, independentem ente
do facto de esse com prim ento vir a ser medido.
Em segundo lugar, afirm a Bailey (28), se se disser que
o valor das m ercadorias é constituído pela quantidade de tra
balho nelas contida, deparar-se-nos-á o problem a, insolúvel,
de precisar o que é que significa «valor do trabalho», já que
a proposição de que o valor do trabalho é o trabalho contido
no trabalho não tem , evidentem ente, qualquer sentido. Bailey
observa que Ricardo te n ta fugir a esta dificuldade substi
tuindo o valor do trabalho pelo valor do salário, isto é, iden
tificando o valor do trabalho com a quantidade de trabalho
contida nos meios de subsistência que são pagos aos tra b a
lhadores como salário. M as, segundo este autor, tra ta-se de
um artifício ilegítimo, assim como seria ilegítimo su bstituir o
valor de um a m ercadoria qualquer pelo valor do dinheiro
com o qual ela é com prada.
A crítica de M arx a Bailey (29) consta de duas propo
sições. Em prim eiro lugar, rebate a posição de Bailey: p re
cisam ente porque a procura da unidade de m edida revela, em
Ricardo, a presença de um conceito de valor distinto da sim
ples relação de troca, essa procura tem um valor teórico que
vai m uito além do significado que o próprio Ricardo lhe
atribuía — o facto de este referir o valor ao trabalho objecti
vado nas m ercadorias é o princípio da descoberta da «fisio
logia da sociedade burguesa», precisam ente porque implica
um conceito de valor não identificável com o conceito de
valor de troca; a hipostatização do valor aí representada não
é um fruto do pensam ento de Ricardo, m as um processo real
do modo de produção capitalista, reflectido na econom ia polí
tica ricardiana. Por outro lado (e este é o segundo ponto), em
Ricardo apenas se encontra o início da determ inação deste
conceito, verificando-se nele a ausência de especificação da
n atu reza socialm ente determ inada do trabalho, à qual é pre-
45
ciso fazer referência quando o próprio trabalho é posto como
fundam ento do valor. Q uanto a esta insuficiência, deve-se ao
facto (e este é um aspecto justo da crítica de Bailey) de
Ricardo não te r conseguido alargar com suficiente rigor a
teoria do valor à m ercadoria principal da econom ia capitalista,
o próprio trabalho, pois não percebeu que aquilo que é objecto
de tro ca entre o capitalista e o operário não é o trabalho como
tal, m as a força de trabalho. Todavia, esclarecer esta posição
de M arx im plica proceder a um a exposição sistem ática da sua
teoria do valor.
46
3. MARX
47
A teo ria do valor de M arx pode ser in te rp re ta d a como
a te n ta tiv a de definir o valor das m ercadorias de m odo a
que no v alor esteja im ediatam ente incluída a form ação de
um a m ais-valia, como base do rendim ento recebido pelo
proprietário do capital, ou seja, do lucro.
O ponto de partid a d esta teoria pode ser identificado
num a reflexão crítica sobre os conceitos de trabalho neces
sário e de trabalho contido, form ulados respectivam ente por
Sm ith e Ricardo 0 ). Em prim eiro lugar, M arx aceita a
crítica ricardiana a Sm ith, segundo a qual o modo como o
valor se distribui en tre as classes não é determ inante do
m odo como ele se form a. P or outras palavras, M arx aceita
de R icardo a ideia de que o princípio do trabalho contido
regula a form ação do valor de tro c a das m ercadorias, m esm o
quando estas são resultado do processo capitalista de p ro
dução. Todavia, não considera que, deste modo, o conceito
sm ithiano de trabalho necessário fique de fora no fundam ento
analítico requerido p ara a construção da teo ria do valor.
Efectivam ente, é p ara ele inquestionável que, na economia
capitalista, se a m ercadoria funciona como capital e, m ais
particularm ente, se se destina à aquisição de trabalho vivo,
em toda a extensão do próprio valor, então o valor adquirido
é m aior do que o trabalho que a m ercadoria requereu p ara
ser produzida. Por outro lado, o nexo entre trabalho contido
e trabalho necessário é colocado por M arx no interior do
próprio processo produtivo, segundo um a lei da qual as
resu ltan tes de m ercado são apenas a m anifestação últim a.
A tese é a seguinte: no m odo de produção capitalista, ao
contrário do que acontece num a sociedade de tro c a simples
hipotética, tam bém o trabalho é um a m ercadoria, ter.do por
isso um valor de m ercado. Vimos já que foi precisam ente
esta circunstância que perm itiu a Bailey ac u sa r de contra
ditória a teo ria ricardiana do valor, na base de que a iden
tificação do v alor no trabalho contido im pediria a própria
determ inação do valor da m ercadoria m ais im portante do
sistem a social em questão, ou seja, o trabalho. Porém, M arx
responde (desenvolvendo, de resto, um a ideia já implícita na
teo ria ricardiana do salário) que o que constitui objecto de
tro c a entre o capitalista e o operário não é o trabalho deste
últim o, m as sim a sua capacidade de trabalho (Arbeitsver
mögen) ou força de trabalho (A rbeitskraft). E sta mercadoria
tem um custo de produção precisam ente identificável no
48
trab alh o “que é necessário p a ra a produzir, ou seja, no tr a
balho que, consoante o nível histórico atingido pela sociedade
capitalista, é necessário p ara produzir os meios de subsis
tência. E sta quantidade de trabalho contida na força de
trabalho, e que determ ina o seu valor de troca, não tem
evidentem ente qualquer relação com a quantidade de tr a
balho que o operário, o p o rtad o r da força de trabalho, está
em condições de fornecer no interior do processo produtivo.
O fundam ento do processo capitalista reside justam ente no
facto de a quantidade de trabalho fornecida pelo operário,
num tem po dado, ser superior à quantidade de trabalho
contida nos m eios de subsistência consum idos pelo operário
nesse m esm o tem po; o que equivale a dizer que o valor
produzido pelo operário é superior ao valor da sua força
de trabalho. M as, nesse caso, a contradição entre Sm ith e
Ricardo é perfeitam ente aparente. A conciliação dos dois
pontos de vista pode ser explicada de duas m aneiras dife
rentes:
4 49
tada; por outro lado, um a vez que a tro c a se ten h a efectuado
e que a força de trabalho ten h a intervindo, ela fornece um a
quantidade de trabalho adicional relativam ente àquela que
regulou a troca, e assim , no final, quando o processo pro
dutivo e stá term inado, o operário forneceu m ais trabalho
do que aquele que recebeu como salário. P or outras palavras,
a tro c a que tem por objecto a força de trabalho, sendo um a
troca entre equivalentes enquanto se perm anece no interior
do processo de circulação, é um a troca entre não equivalentes
se se considerar o processo global, que é conjuntam ente de
circulação e de produção.
A diferença de valor que resu lta desta não equivalência
é o que M arx cham a mais-valia, e constitui a base do lucro.
Sm ith e R icardo surgem assim , n esta teo ria de M arx, como
os dois aspectos, cada um deles parcial e incom pleto, de
um a explicação que, p ara ser exaustiva, deve com preendê-los
a am bos. U m a vez que a integração dos dois pontos de v ista
parciais assen ta totalm ente no conceito de força de trabalho,
na ideia de que aquilo que form a o objecto de tro ca no
cham ado «m ercado de trabalho» é, na realidade, a força de
trabalho, a questão essencial que se levanta a este respeito
consiste em saber porque não terá a econom ia política
clássica tom ado este conceito como referência, quando M arx
o fez. É im portante responder a esta questão, um a vez que
se concluirá que a operação efectuada po r M arx consiste
não na m era com posição e integração de dois troncos da
teo ria que inicialm ente se encontravam separados, m as
necessariam ente, na superação dos te rm o s' em que essas
teorias estavam form uladas, m ediante um a acepção nova do
conceito de trabalho, a qual surge como condição necessária
para a própria reunificação dos dois elem entos prim itiva
m ente separados.
E sta consideração to rn a evidente a existência de um
problem a: as categorias form uladas por Sm ith e por Ricardo
não podem ser tom adas na form ulação dos seus autores,
devendo antes ser com pletam ente reform uladas em função
da sua unificação. N a relação instituída entre o operário e
o capitalista, o operário cede, por um tem po determ inado,
a sua capacidade de trabalho, e cede-a no sentido m ais
rigoroso da palavra, de que, durante um tem po determ inado,
a sua subjectividade, isto é, o seu trabalho, já não lhe
pertence. O capitalista com porta-se relativam ente à força de
trabalho como o com prador se com porta em geral em relação
à m ercadoria adquirida, ou seja, dispõe de um a m aneira
absoluta do seu valor de uso: o valor de uso da força de
50
trabalho, isto é, o próprio trabalho, se bem que seja fornecido
pelo operário, deixa de lhe pertencer, passando p ara aquele
que se to rnou proprietário do bem do qual esse trabalho
constitui o valor de uso. De m odo correspondente, o operário
tem p ara com o seu trabalho a m esm a relação do que qual
quer vendedor relativam ente à m ercadoria que vendeu: o
valor de uso da m ercadoria, neste caso específico o trabalho,
deixa de lhe pertencer. E sta separação do operário em rela
ção ao seu trabalho, isto é, dele próprio, é particularm ente
característica da relação entre operário e capitalista; por
tan to , a tro c a da força de trabalho im plica um a alienação
da subjectividade do trab alh ad o r que não se verifica em
qualquer o u tra relação de troca; e enquanto a raiz e a razão
deste facto não tiverem sido esclarecidas, enquanto não
tiv e r sido estabelecido claram ente o carácter peculiar da
tro c a da força de trabalho, o processo global continuará
p o r explicar. O próprio conceito de força de trabalho não
pode ser definido independentem ente da determ inação da
n a tu re za dessa alienação; isto é, a força de trabalho cons
titui-se como tal precisam ente porque a subjectividade do
operário se reduz a m ercadoria; e até a possibilidade desta
redução a m ercadoria ser esclarecida nos seus fundam entos,
a categoria da força de trabalho não pode tornar-se o ele
m ento fundam ental da análise da relação capitalista.
Por outro lado, na teo ria de M arx, o esclarecim ento
deste ponto integra-se num a análise da tro ca que a confi
g u ra em term os radicalm ente diferentes daqueles em que
Sm ith (e, im plicitam ente, Ricardo) a havia concebido. D este
m odo, a reconstrução e a exposição da análise m arx ista
deverá seguir o seguinte percurso: em prim eiro lugar, tra-
ta-se de esclarecer o que é a troca; em segundo lugar, cabe
esclarecer o modo como, no interior da relação de troca,
surge essa tro c a particular, m as essencial relativam ente a
to d as as outras, que é a tro c a da força de trabalho; em
terceiro lugar, é preciso esclarecer o modo como desta tro c a
derivam todas as categorias da relação capitalista.
3.2. A troca
51
da divisão do trabalho; a divisão do trabalho depende da
am plitude do m ercado, isto é, da extensão da troca; a troca,
como «propensão para trocar», é considerada com o o elem ento
originario, como urna característica da n atu reza hum ana, não
necessitando de qualquer o u tra explicação ulterior. Assim,
p ara Sm ith, a sociedade que produz m ercadorias, a sociedade
m ercantil, é a própria expressão da n a tu re za hum ana. A divi
são do trabalho e a tro c a (e po rtan to o capital, que, segundo
a perspectiva de Sm ith, surge da necessidade de que alguém
adiante a subsistência e os m eios de trabalho aos trab alh a
dores que operam no âm bito da divisão do trabalho) confi
guram , n esta abordagem , o estado «avançado» da sociedade,
ao passo que tudo aquilo que precede a sociedade m ercantil
(e capitalista) configura um estado «prim itivo e grosseiro», no
qual as qualidades próprias do hom em , pelo m enos no domínio
da produção da riqueza, não se encontram plenam ente reali
zadas. D este modo, a sociedade m ercantil é a conclusão da
história, um a vez que é a m ais avançada de to d as as socie
dades que se verificaram historicam ente e que não é con
cebível nenhum a o u tra m ais avançada. Q uando Sm ith diz
que o valor das coisas produzidas é entendido em dois sen
tidos, como valor de uso e como valor de troca, sabe m uito
bem que o valor de tro c a tem um âm bito de realização
histórica m ais restrito do que o valor de uso, m as considera
que só com a posse do valor de tro ca a coisa produzida
pode ser considerada como o resultado de um processo de
produção à m edida do hom em .
Por ou tras palavras, p a ra Sm ith, e m ais ta rd e para toda
a tradição clássica, o facto de o trabalho nascer como tr a
balho privado, tom ando-se trabalho social através da troca,
constituiu o modo natu ral de form ação da sociedade.
Pelo contrário, p a ra M arx (2), a form ação da sociedade
m ediante a tro c a de produtos obtidos de um a form a privada,
não só não é um processo n atu ral, como é a consequência
da perda do cará c te r originariam ente social próprio do tr a
balho hum ano. Se bem que n a relação de troca, os indivíduos,
enquanto produtores de m ercadorias, produzam um a coisa
social, que é a m anifestação de um a divisão social do tra-
52
balho, no exercício do seu próprio trabalho encontram -se
isolados, separados uns dos outros, «reciprocam ente indife
rentes», não im ediatam ente sociais: donde se conclui que a
sociedade só se estabelece depois de o trabalho se te r desen
volvido, m ediante a tro c a de coisas: a relação social baseada
na tro c a é, p ara M arx, um a espécie de recuperação da dim en
são social, depois de esta ser negada onde deveria ser im e
diatam ente afirm ada, ou seja, no processo de produção, no
trabalho. A relação m ercantil constitui um nexo social
externo, ou seja, é um a relação que, em vez de ser a expres
são de um a característica intrínseca do trabalho, de envolver
directam ente os indivíduos que trabalham ; os subm ete a um
vínculo m aterial externo, que se lhes contrapõe como um
m ecanism o objectivo independente deles: o m ercado.
N esta interpretação m arx ista da troca e da sociedade
m ercantil, pode já deduzir-se um prim eiro sentido da categoria
do trabalho alienado: o trabalho p rodutor de m ercadorias é
um trabalho que perdeu a n atu reza de trabalho social como
sua característica im ediata, tornando-se social atrav és da
m ediação da coisa (3). E sta sociedade, que portanto se cons
titu i ao nível do trabalho m orto, do trabalho objectivado no
produto, e não ao nível do trabalho vivo, estabelece um a
relação (e um a relação necessariam ente extrínseca) entre
indivíduos que, no entanto, perm anecem privados, isto é,
que sendo a-sociais no acto do seu trabalho, só se tornam
sociais m ediante a sujeição a um a objectividade que os
domina.
N este quadro teórico, a tro ca não é um a operação que
se processe no in terio r de um a sociedade destinada a isso,
m as é ela que constitui a sociedade. Com esse fim, é neces
sário que o produto, à p a rte a sua determ inação m aterial
como objecto de uso, como valor de uso, seja valor, isto é,
poder de aquisição, capacidade de se converter em qualquer
outro valor de uso. Assim, o trabalho, que não é im ediata
m ente social, m as privado, torna-se social enquanto p ro
d u to r de poder de com pra, isto é, de um produto genérico
que, para além do seu valor de uso particular, possua a
possibilidade de todos os valores de uso em geral. Ora, como
consequência do facto de o produto te r assum ido a form a
de valor e de todos os produtos, enquanto m ercadorias,
serem iguais, serem riqueza genérica, tam bém os diferentes
trabalhos, enquanto produtores dessa riqueza genérica, se
to rn aram iguais, p artes de um trabalho tam bém genérico ou
(3) S toria delle teo rie econom iche, cit., vol. III, pp. 151-153.
53
com um separado das especificidades individuais e que p er
deu a sua ligação com as subjectividades e, portanto, com
as diferenças específicas dos diferentes trabalhos. Este tr a
balho — isto é, o trabalho separado da subjectividade — é o
que M arx cham a trabalho abstracto: actividade laboriosa
hum ana em geral, não diferenciada no seu interior, e que,
no seu interior, apenas pode ser dividida em p artes quanti
tativam ente diversas, m as qualitativam ente idênticas. O tr a
balho privado, em si m esm o a-social, torna-se social na
m edida em que perde a sua n atu reza im ediata de trabalho
concreto, útil, determ inado, e se converte no oposto, em
trabalho abstracto. Quando a relação social entre os hom ens
é um a relação m ediada pelas coisas, quando é um nexo
m aterial que se estabelece independentem ente dos indivíduos,
que se encontram sujeitos a ele como a um a relação externa,
onde a m ercadoria é um «fetiche» a que se atribui aquilo
que, de resto, lhe com pete, ou seja, o poder de constituir
um a sociedade form ada de «relações de coisas entre pessoas
e de relações sociais entre coisas» (4), então os indivíduos
só são sociais na m edida em que são genéricos, separados
54
das suas próprias individualidades: a sua realização como
seres sociais está em oposição à sua realização como indi
víduos — a sua realização m ediante o trabalho só os coloca
como term os de um a sociedade enquanto realização m ediante
o trabalho abstracto.
A lienação e abstracção são, assim , duas determ inações
de um a m esm a realidade, isto é, do trabalho que produz o
«fetiche» m ercadoria: como vimos, o trabalho é alienado na
m edida em que lhe é retirad a a característica originária de
trab alh o im ediatam ente social; e, em virtude desta sua
alienação, o trabalho só se torna social na m edida em que
se tran sfo rm a no oposto do que é im ediatam ente, ou seja,
n a m edida em que for abstraído das particularidades subjec
tivas do trabalho individual e, portanto, como p ro d u to r de
valor, se coloque como trabalho genérico, sim ples dispêndio
de actividade laboriosa não determ inada e, consequentem ente,
idêntica em todos os sujeitos que trocam (5). Por outro lado,
um a vez que à contraposição entre trabalho concreto e tr a
balho ab stracto corresponde a contraposição entre v alor de
uso e valor, en tre riqueza específica e riqueza genérica,
acontece que trab alh o ab stracto e valor são a m esm a coisa,
considerada um a vez no decurso da sua objectivação e,
o u tra vez, como objecto realizado. O valor é objectivação
de trabalho abstracto, e a quantidade de valor que um a
m ercadoria rep resen ta não é m ais do que a quantidade de
trabalho ab stracto que nela se encontra objectivada.
O princípio ricardiano do valor como trabalho contido
é assim esclarecido no seu fundam ento, em bora na condição
de o trabalho ser entendido não como trabalho natural, m as
como trabalho historicam ente determ inado, isto é, ju sta
m ente como trabalho abstracto. P ara M arx a m ercadoria
não é um valor de uso que receba do m ercado um valor
de tro c a ou, se se quiser, o valor de tro c a não é um atributo
conferido pelo m ercado ao valor de uso; ao contrário, o pro
duto, enquanto m ercadoria, é um valor, ou seja, um a quanti
dade objectivada de trabalho abstracto, de que o valor de
uso m ais não é do que a condição m aterial (o «suporte
m aterial»); e o valor de tro c a não p assa da expressão, da
«form a fenom énica», deste valor. Além disso, é im portante
55
avaliar todo o alcance do adjectivo «necessária» que M arx
inclui n a definição do v alo r de tro c a como «form a fenom é
nica» do valor: a m ercadoria só tem valor de tro c a enquanto,
como produto, é já um valor, m as só é um v alo r em v irtude
de e sta r destinada à troca; deste modo, o valor sem o valor
de tro c a é um contra-senso.
No prim eiro capítulo do Livro I de O Capital, M arx
determ ina o valor como trabalho objectivado atrav és de um
processo que pode dar a im pressão (e deu-a a m uitas pessoas,
dentro e fo ra do m arxism o) de ser um processo de elim inação
sucessiva de várias características das m ercadorias, de m odo
a que, no final, fique como residuo precisam ente o facto
de serem produtos do trabalho. Se fosse esse realm ente o
caso, seria ju sta a objecção tradicional segundo a qual,
adm itindo em bora que, n e sta questão se deva cen trar a
atenção sobre um a característica com um a to d as as m erca-
dorias, não se com preende porque se deverá escolher o
trabalho em vez de, po r exemplo, a utilidade: se todas as
m ercadorias são produto do trabalho, elas são tam bém úteis.
M as, não é disto que se tra ta em M arx. O problem a, para ele,
não é individualizar um a característica com um a todas as
m ercadorias, abstraindo de todas as outras; não se tra ta,
em sum a, de fixar um atributo preferencialm ente a todos os
outros; pelo contrário, tra ta-se de determ inar a «essência»
do produto enquanto m ercadoria: a determ inação do trabalho
ab stracto como «essência» im plica não a indicação de um a
qualidade do produto, m as a identificação daquilo que o
produto é num a função social historicam ente determ inada.
P ara M arx, e sta função consiste, como já referim os, n a
constituição de um a sociedade entre indivíduos que são, n a
sua im ediaticidade, a-sociais; o valor é aquilo que to m a
sociais indivíduos a-sociais; m as os indivíduos a-sociais só
podem ser tornados sociais se forem anuladas as suas p a rti
cularidades de indivíduos privados, se a sua subjectividade
se p erd er no cará c te r genérico, igual, ab stracto do trabalho
po r eles prestado como produtores de m ercadorias. A p ro
posição segundo a qual o valor é trabalho objectivado rep o r
ta-se, portanto, a e sta função essencial da m ercadoria.
O aspecto a sublinhar (e que é im portante, entre outras
coisas, p ara com preender to d a a diferença en tre M arx e a
econom ia política clássica) é que o conceito de valor-tra-
balho é estreitam ente dependente do conceito de M arx de
troca: já que o valor é o nexo social entre indivíduos alie
nados da sua natureza, justam ente por isso o v alo r é trabalho
objectivado e as relações entre os valores, isto é, os valores
56
de troca, são relações entre as quantidades de trabalho
contidas nas m ercadorias — fora da relação com o conceito
de sociedade m ercantil como sociedade alienada, o nexo
en tre valor e trabalho não teria qualquer sentido.
Isto perm ite reto m ar a questão levantada por Bailey
relativam ente a Ricardo: um a vez que o valor de um a m er
cadoria só é concebível em relação a o u tra m ercadoria, não
te ria sentido esse conceito de valor absoluto que e stá im plí
cito na categoria do valor-trabalho. Ora, segundo a perspec
tiv a de M arx a resp o sta ao argum ento de Bailey consubstan
cia-se nos dois pontos seguintes: 1) o valor tem sem dúvida
um cará c te r absoluto, um a vez que é o produto da actividade
que se desenvolve n a sociedade m ercantil; enquanto se rela
cionam entre si m ediante a tro c a de m ercadorias, os hom ens
produzem valor, e cada um deles produ-lo num a quantidade
que é determ inada antes de a tro c a te r lugar, de tal modo
que no m ercado os valores de tro c a m anifestam relações
en tre grandezas que, po r sua vez, são tam bém determ inadas
fo ra das próprias relações; 2 ) por outro lado, existem pelo
m enos dois sentidos em que deve ser reafirm ado o carácter
relativo do valor: em prim eiro lugar, como já tivem os
ocasião de precisar, o produto só assum e a form a de valor
se se destinar à troca, em que o valor de troca, a relação
e n tre os valores, se coloca como a causa últim a do próprio
valor; em segundo lugar, o valor é relativo porque apenas
existe em relação a um a determ inada sociedade: não é um a
qualidade do produto em geral, m as é o produto num a
situação historicam ente delim itada, ou, se se quiser, a socie
dade que se constitui na base do valor não é a sociedade
em geral, m as um a sociedade p articu lar — existe um a rela
tividade histórica do valor que é a própria relatividade da
sociedade m ercantil.
N a proposta teó rica de M arx, a quantidade de trabalho
a p a rtir da qual o valor da m ercadoria vem a ser determ i
nado em equilíbrio é especificada como quantidade de tr a
balho socialm ente necessária (6). E sta expressão tem dois
significados, que serão cuidadosam ente diferenciados, um a
vez que dão origem a fenóm enos diversos. Em prim eiro
lugar, quantidade de trabalho socialm ente necessária signi
fica que a quantidade de trabalho a que o valor corresponde
é a requerida pelo desenvolvim ento das forças produtivas
alcançado num determ inado m om ento. D este modo, o valor
57
não poderá ser determ inado pela quantidade de trabalho que
possa ser necessária em unidades de produção que se encon
tre m abaixo do nível técnico predom inante n a sociedade
(unidades ineficientes). Efectivam ente, se assim fosse, as
unidades m ais eficientes, capazes de produzir a m esm a m er
cadoria com m enores quantidades de trabalho, obteriam
rendas diferenciais (do tipo das consideradas p o r Ricardo
n a agricultura), que, a longo prazo, determ inariam o ap are
cim ento de novas actividades produtivas eficientes, as quais,
m ediante um aum ento da o ferta da m ercadoria em questão,
abaixariam os valores até ao nível da m enor quantidade de
trab alh o requerida pelas unidades m ais eficientes (a agricul
tu ra constitui um caso p articular, um a vez que aí o afluxo
de novas unidades produtivas é im pedido pela disponibili
dade lim itada de te rra de um a dada qualidade, podendo,
po rtan to , as rendas diferenciais ser perm anentes). Em segundo
lugar, socialm ente necessário quer dizer que a quantidade
global de trabalho social deve distribuir-se pela produção
das várias m ercadorias em proporções tais que a disponibi
lidade de cada um a delas corresponda à p ro cu ra (se neces
sário rem uneradora) expressa pela sociedade; caso contrário,
verificar-se-iam ganhos e perdas (consoante existisse um
excesso de p ro cura ou um excesso de oferta) que seriam, a
longo prazo, elim inados pela concorrência m ediante redis-
tribuições do trabalho social en tre as várias actividades de
produção.
Mas o processo concorrencial que produz os dois efeitos
referidos (adequação das quantidades de trabalho objectiva
das num a unidade de cada m ercadoria às condições perm i
tid as pelo desenvolvim ento das forças produtivas e d istri
buição do trabalho social proporcional às necessidades da
sociedade), se, por um lado, é um processo objectivo, inde
pendente da vontade dos produtores individuais, por outro
não tem qualquer grau de autom aticidade que pudesse g a ra n
tir sistem aticam ente aquelas duas condições, donde a reali
zação da «lei do valor» tem um grau de casualidade ligado
ao próprio cará c te r im pessoal, a posteriori, desta lei: o p ró
prio facto de a utilização do trabalho social se referir a
um processo objectivo, que dom ina os produtores em vez
de ser dom inado por eles, im plica que só com um elevado
g rau de casualidade se alcance a congruência en tre produção
e consum o, ou seja, que o equilíbrio só possa afirm ar-se
como superação de um desequilíbrio com um carácter tão
sistem ático como o próprio equilíbrio. Por isso, a «lei do
valor» é, intrinsecam ente, um a lei de equilíbrio e de dese
58
quilíbrio,' de ordem e de desordem ; um a vez que a relação
social deve afirm ar-se contra o cará c te r a-social dos term os
da própria relação, e sta afirm ação é sem pre problem ática.
C ontrariam ente à abordagem da econom ia política clássica
(e àquela que será a abordagem da econom ia teórica pós-
-m arxista), p ara M arx, o equilíbrio não esgota a realidade
do valor, m ais não sendo do que um dos term os da contra
dição de que o valor é expressão.
Vimos que, como m ercadoria, o produto é essencialm ente
poder de com pra; na sua função social, a m ercadoria, além
de ser valor de uso, é valor e, como tal, equivalente a todas
as ou tras m ercadorias. E sta n a tu re za da m ercadoria só atinge
o seu pleno desenvolvim ento com a existência de um a m er
cadoria particular, o dinheiro, cujo valor de uso consiste
precisam ente em ser valor de troca: o dinheiro é o valor
de tro c a tornado autónom o. N a conversão em dinheiro e,
po rtan to , na aquisição da possibilidade de conversão im e
diata em qualquer o u tra m ercadoria, toda a m ercadoria
realiza com pletam ente a sua form a de valor. D este modo, o
dinheiro não é (ainda aqui, co n tra a ideia de Ricardo) um
artifício técnico idealizado com o objectivo de facilitar as
trocas, m as a própria essência da produção m ercantil, to r
nada explícita num a m ercadoria determ inada que, por um
lado, se contrapõe ao conjunto de to d as as outras, pois não
possui outro valor de uso p articu lar p ara além de funcionar
como v alor de tro c a em geral; e, po r outro lado, as unifica
todas, pois as resta n te s m ercadorias, convertendo-se em
dinheiro, m anifestam a sua n atu reza comum, ou seja, fazer
p a rte de um a riqueza genérica, só se diferenciando qu an titati
vam ente um as das outras.
3.3. O capital
59
m eios de produção e produzindo p ara o m ercado. Na reali
dade, segundo a tese de M arx a produção de m ercadorias
só é geral, isto é, só dom ina a produção social, no modo
de produção capitalista; ou, o que é o m esm o, a produção
m ercantil só é geral quando o próprio trabalho é m ercadoria,
quando o trab alh ad o r e stá separado das condições objectivas
da produção (te rra e m eios de produção), e apenas pode
fornecer trabalho após te r vendido a sua força de trabalho (7).
Que significado tem então o facto de a análise da m ercadoria
e do v alor te r precedido a análise do capital? A ordem seguida
po r M arx tem um significado lógico, correspondendo ao
desenvolvim ento histórico real. Logicam ente, é a troca que
define a relação social própria da sociedade burguesa; a
própria relação capitalista, isto é, a relação en tre capitalista
e operário, é um a relação de troca; po r isso, o valor, como
expressão deste tipo de relação social, deve ser definido
antes do capital, sem que isso im plique a referência a um a
sociedade m ercantil não capitalista. P or outro lado, h istori
cam ente, se é o capital que generaliza a produção m ercantil
e a assunção po r p a rte dos produtos da form a de valor,
é necessário, p ara que possa nascer e desenvolver-se, que
ten h a lugar a produção de m ercadorias, m esm o que não seja
dom inante nem generalizada e se processe apenas em «pontos
isolados». É assim que a m ercadoria e o valor, são, por um
lado, um pressuposto do capital, precedendo-o tam bém his
toricam ente, e, por outro, como form a social generalizada
e dom inante, um a consequência do capital: se a m ercadoria
não existisse já, o trabalho não poderia tornar-se m ercadoria,
m as só quando o trabalho se to rn a m ercadoria é que os
produtos podem ser n a sua generalidade, m ercadorias.
A incom patibilidade en tre a tro c a como form a social
generalizada e o carácter independente dos produtores resu lta
do facto de a sociedade m ercantil sim ples, que se baseava
60
n aqueles'dois elem entos, dar lugar a um a situação antitética:
por um lado, os hom ens, sendo produtores independentes,
detinham a propriedade das condições objectivas do seu
trabalho, a te rra e os m eios de produção, em geral, m as,
po r outro, dada a n atu reza da relação de troca, estavam já
sujeitos a um a desapropriação, pois não detinham o controlo
do processo social de produção. Efectivam ente, vim os que,
p a ra M arx, quando o trabalho dos produtores é um trabalho
privado e por isso, os produtores são a-sociais no acto do
seu trabalho, a sociedade constitui-se como um a realidade
externa, que se contrapõe aos produtores e os dom ina, em
vez de ser dom inada por eles. Por ou tras ■palavras, a relação
dos hom ens com o seu trabalho seria um a relação de pro
priedade no m om ento privado e um a relação de desapro
priação no m om ento social.
Daqui o carácter «fictício» que M arx atribui a essa
sociedade hipotética. N a realidade, segundo ele e de acordo
com a conexão lógica, à qual corresponde de resto um a
sucessão histórica precisa, a desapropriação a que são
sujeitos os produtores independentes quando são produtores
de m ercadorias está destinada a ir até ao fim, no sentido
de que os hom ens, já privados, pela própria existência da
tro ca, do carácter social do trabalho, terão necessariam ente
de ser separados, do seu próprio trabalho.
M arx rep resen ta e sta conclusão do processo de desapro
priação m ediante o desenvolvim ento das determ inações do
dinheiro (8). Na tro c a sim ples, o dinheiro apresenta-se ainda
como um m eio p ara aquisição dos valores de uso, apresen
tando-se o próprio valor de uso como a finalidade em vista.
É justam ente e sta situação que M arx rep resenta com a fó r
m ula M-D-M, m ercadoria-dinheiro-m ercadoria: todo o sujeito
p a rte de um valor de uso, que é produzido por ele e, através
da m ediação do dinheiro, chega a um outro valor de uso,
que obtém dos outros na troca. N esta situação, o dinheiro
não dom ina o processo de circulação, m as aparece e desa
parece dentro deste processo; ou seja, quando o valor se
encontra na determ inação da m ercadoria não está na d eter
m inação do dinheiro, e vice-versa. Porém, o dinheiro é o
elem ento de conexão em que assenta a relação social (se
«ele próprio é a com unidade, não podendo su p o rtar o utra
superior») (9), destina-se a ab arcar todo o processo de cir
61
culação, ou seja, a m anter-se nele como o elem ento per
m anente: a fórm ula precedente converte-se n o u tra — D-M-D,
dinheiro-m ercadoria-dinheiro. N esta fórm ula o dinheiro, em
vez de ser o elem ento de m ediação, apresenta-se como o
princípio e o fim do processo. Assim se inverte a relação
entre valor de uso e valor de troca. No que respeita a esta
relação, M arx expressa-se da seguinte m aneira: «As m erca
dorias devem realizar-se como valores antes de se poderem
realizar como valores de uso. Por outro lado, as m ercadorias
devem dar prova de si como valores de uso antes de poderem
realizar-se como valores. Isto porque o trabalho hum ano nelas
em pregue só conta enquanto for despendido de form a útil
p a ra outrem ». Porém , acrescenta im ediatam ente: «Mas só
a sua tro c a pode m o strar se ele é útil p ara outrem e, po r
tan to , se o seu produto satisfaz necessidades de outras
pessoas» (10). Isto significa que na sociedade baseada na
relação de tro c a não existe um a relação de igualdade entre
as duas determ inações da m ercadoria, valor de uso e valor
de troca, e que é o valor de tro c a que sanciona todo o p ro
cesso: do ponto de vista da sociedade, em sum a, é o valor
de tro c a que, em virtude do seu cará c te r constitutivo, subor
dina a si o valor de uso e o justifica.
Por outro lado, se se exam inar a fórm ula D-M-D, através
da qual o dinheiro consegue afirm ar com pletam ente a sua
função, conclui-se que ela só tem sentido se, e na m edida
em que, o dinheiro que se põe como ponto de chegada se
distinguir do dinheiro que se encontra no ponto de partida,
e que esta distinção, em consequência do c a rá c te r hom ogéneo
do próprio dinheiro, não pode ser senão um a diferença de
grandeza. Assim, a expressão correcta daquela fórm ula é,
n a realidade, D -M -D ', onde D ' é m aior do que D. Quando
e sta fórm ula se verifica, o dinheiro transform ou-se em capital.
Por outro lado, se nos perguntarm os como é possível o
aum ento quantitativo do dinheiro através da m ediação da
m ercadoria, conseguirem os p recisar em que sentido se com
p leta a desapropriação que tem o seu início na tro c a como tal.
Vimos que o prim eiro m om ento desta desapropriação
reside n a separação dos indivíduos do c a rá c te r social do
trabalho, em que o trabalho se to rn a social justam ente
atrav és da negação do seu cará c te r individual, concreto, e
da sua afirm ação como trabalho abstracto; a conclusão da
desapropriação consiste no facto de os indivíduos serem
separados das condições o b je c tiv a s' do trabalho e, por isso,
62
do próprio trabalho, a p a rtir do m om ento em que essas
condições são necessárias p ara a realização do trabalho.
E sta separação inclui a força de trabalho no m undo das
m ercadorias e com pleta o m ercado com um m ercado p a rti
cular, m as prévio a todos os outros, que é o m ercado da
força de trabalho. A m ercadoria força de trabalho tem um a
característica peculiar, que é o facto de que o seu valor de
uso, sendo trabalho em acção, é criador de valor.
A força de trabalho coloca-se assim como o exacto
correlativo do dinheiro: tal como o dinheiro é m ercadoria
cujo valor de uso consiste em ser a m aterialização do valor
de troca, a força de trabalho é a m ercadoria cujo v alor de
uso consiste em ser o elem ento criador do valor.
A sociedade m ercantil, quando é exam inada independen
tem ente do seu desenvolvim ento necessário em sociedade
capitalista e, portanto, to rn ad a sociedade m ercantil simples,
proporciona a imagem, a que toda a econom ia política b u r
guesa se reporta, de um a sociedade de iguais. A igualdade
resulta, em prim eiro lugar, do facto de todos os sujeitos
serem igualm ente proprietários através do seu trabalho e,
em segundo, do facto de as m utações da qualidade das
coisas inicialm ente possuídas, isto é, originariam ente obtidas
com o trabalho, se processarem m ediante um a tro c a de
equivalentes: cede-se um a certa quantidade de trabalho
objectivada na m ercadoria que se possui p a ra o b ter um a
quantidade de trabalho idêntica objectivada n a m ercadoria
de outrem . E a m enos que se considere que a tro c a é já
de per si um a desapropriação, que nela «está já im plícita
a negação to ta l da existência natural» (n ) do indivíduo, não
se com preenderá por que m otivo e de que modo esta situação
m ítica de igualdade, cuja ilusão é criada pela troca, se
converte efectivam ente no seu oposto, ou seja, na co n tra
posição entre aquele que apenas detém a «propriedade» da
sua força de trabalho e aquele que detém a verdadeira pro
priedade da riqueza, po r meio da apropriação da m ais-valia
que essa força de trabalho e stá em condições de produzir;
ou seja, não se com preenderá o facto de a contraposição
entre trabalho assalariado e capital e sta r já im plícita nas
categorias da tro c a e do dinheiro:
63
que o trabalho que produz valor de tro c a não se
desenvolva em trabalho assalariado» (12).
O2) lbid.
(i3) O Capital, Livro I.
64
ou no áeñtido de que o trab alh ad o r e stá de certo modo
ligado a essas condições, pelo que o seu trabalho e stá sem pre
disponível para o proprietário dessas m esm as condições
(servidão da gleba). Em segundo lugar, a apropriação por
p a rte do usufruidor de um a p arte do produto do trabalhador
processa-se de form a directa, ou seja, esquem atizando,
sacando um a parte da m assa dos bens produzidos. N estas
condições, a determ inação do sobretrabalho é im ediata e
processa-se directam ente em term os de valores de uso: a
p a rte do trabalho que produz os valores de uso consum idos
pelo trab alh ad o r e a p arte do trabalho que produz os valores
de uso sacados pelo patrão são m aterialm ente distintas.
Por sua vez, no caso do capital, a relação entre u sufrui
dor e usufruído é m ediada pela troca, em ambos os m om en
tos. Em prim eiro lugar, o operário tem um a relação «livre»,
e não de dependência pessoal do capitalista; no seio da
esfera da circulação eles são dois trocadores, relacionados
entre si na m edida em que são, respectivam ente, vendedor
e com prador de um a m ercadoria determ inada. Em segundo
lugar, a apropriação po r p arte do capitalista não consiste
em ele re tira r certos valores de uso do conjunto dos valores
de uso produzidos pelo operário, pois refere-se a um a parte
do valor produzido e, portanto, só pode processar-se após
a produção te r sido realizada como valor no m ercado. N estas
condições, a determ inação do sobretrabalho e, portanto, do
usufruto, não pode te r lugar de form a im ediata. O facto de
o valor de que o capitalista se apropria ser m aior do que
o valor recebido pelo operário não implica, de per si, que o
operário ceda ao capitalista m ais do que recebe no salário,
isto é, que exista um a p arte não paga do trabalho. Efectiva
m ente, se — como pretenderia a econom ia burguesa após
M arx (o que verem os a seu tem po) — o valor das m erca
dorias «contivesse», além do trabalho, qualquer o u tra coisa
que pudesse ser considerada como o «contributo» do capi
ta lista p ara a form ação do próprio valor, então, peran te o
trabalho realizado pelo operário, as m ercadorias-salário
«conteriam » a som a de «trabalho necessário» e da quanti
dade de «contributo do capitalista» que as m ercadorias-salário
pudessem requerer p ara existir como valores. E, neste caso,
a subtracção da quantidade de trabalho contida nas m erca
dorias-salário à quantidade de trabalho global fornecida pelo
operário não teria significado e a própria categoria do sobre
trabalho deixaria de te r sentido. Só considerando que o
valor não é senão trabalho objectivado, a referida su b trac
ção tem um significado determ inado: trabalho necessário e
5 65
sobretrabalho adquirem sentido e a m ais-valia, apresen-
tando-se como produto do sobretrabalho, pode ser conside
rad a como a m anifestação de um a operação de usufruto.
Como, portanto, o u sufruto capitalista não é directo
m as indirecto, pois é m ediado pela troca, tam bém na teoria,
a sua determ inação não é im ediata, m as exige a teoria do
v alor como trabalho objectivado.
Este carácter essencial da categoria do valor relativa
m ente à definição da relação capitalista como um a relação
de u sufruto encontra confirm ação na distinção de M arx
entre m ais-valia absoluta e m ais-valia relativa e, ainda, entre
a subm issão form al e a subm issão real do trabalho ao capital.
N a origem , o capital apropria-se do trabalho, assum indo-o
com um grau de produtividade sem elhante àquele que tinha
nas relações de produção pré-capitalistas. D este modo, a
subm issão apenas é form al, no sentido de que o trabalho, se,
por um lado, se to rn a trabalho assalariado, po r outro, opera
m ediante processos produtivos que ainda não foram substan
cialm ente influenciados pelo capital. N este caso, a m ais-valia
depende de um nível de produtividade do trabalho atingido
antes da intervenção do capital, e a única possibilidade de
o capital aum entar a m ais-valia consiste em prolongar a
jornada de trabalho (m antendo-se igual o nível de subsis
tência e, portanto, o «trabalho necessário»). É esta a for
m ação de m ais-valia que M arx indica com a expressão
«m ais-valia absoluta». Mas, um a vez estabelecido e genera
lizado o modo de produção capitalista, a subm issão do tr a
balho ao capital torna-sê real, no sentido de que o processo
produtivo é influenciado pelo capital, aum entando de modo
correspondente a força produtiva do trabalho; este facto,
m antendo-se iguais a duração da jornada de trabalho e o
nível de subsistência, reduz a quantidade de trabalho reque
rida p ara produzir as m ercadorias-salário, pelo que reduz o
trabalho necessário e aum enta de form a correspondente o
sobretrabalho e, portanto, a m ais-valia. É e sta a form ação
de m ais-valia a que M arx aplica a expressão «m ais-valia rela
tiva» e que constitui o modo normal de form ação da m ais-
-valia. Por outro lado, se nos perguntarm os de que m aneira
o capital influencia o processo produtivo, achegaremos à
conclusão de que todas as transform ações técnicas e orga
nizativas que dão origem ao aum ento da força produtiva
do trabalho — transform ações estas cuja evolução histórica
passa, p ara M arx, pelas trê s fases da cooperação, da m anu
fac tu ra e do em prego das m áquinas na grande indústria —
não são, efectivam ente, um a realidade natural, não repre-
66
sentam ò desenvolvim ento de um a tecnologia neutral, m as
são historicam ente determ inadas e, m ais especificam ente,
dependem do facto de a produção ser produção de valor,
de dinheiro, e de o processo produtivo, enquanto processo
capitalista, e sta r orientado p ara a form ação de riqueza ab s
tra c ta . É assim que a m ais-valia não pode ser explicada pela
existência de um sobreproduto que logicam ente a preceda,
sendo, pelo contrário, a m ais-valia que explica o sobrepro
duto. P or ou tras palavras, segundo a abordagem de M arx,
não se pode dizer que a m ais-valia é a form a particu lar
assum ida pelo sobreproduto quando a produção se destina ao
m ercado, através da qual a determ inação histórica do m er
cado serviria sim plesm ente para especificar de um a certa
form a um a circunstância de cará c te r geral, ou seja, o sobre
produto; pelo contrário, o sobretrabalho e o sobreproduto
correspondente têm origem n a form a social específica do
processo produtivo, ou seja, no facto de o processo p rodu
tivo se destinar a produção de valor e de m ais-valia e de o
trabalho assum ir a form a social de trabalho assalariado, ou
seja, n a redução do trabalho a m ercadoria sob a form a de
força de trabalho e, po rtan to , n a inclusão do próprio tr a
balho na lei do valor.
67
Capital constante é a p a rte do capital que transm ite
às m ercadorias produzidas exclusivam ente o seu próprio
valor, a parte do capital cujo valor se en co n tra inalterável
(daí o adjectivo «constante») j i o valor do produto. Do ponto
de v ista dos valores de uso, o capital constante é constituído1
pelo conjunto dos m eios de produção. C apital variável é a
parte do capital que tran sm ite às m ercadorias produzidas,
além do seu valor, um valor acrescentado ou m ais-valia, ou
seja, a p a rte do capital cujo valor se encontra acrescido
(daí o adjectivo «variável») no valor do produto. Do ponto
de v ista dos valores de uso, o capital variável é constituído
pela força de trabalho, a qual tran sm ite efectivam ente ao
produto, além do seu valor, que, como se viu, coincide com
o v alor dos m eios de subsistência, a m ais-valia derivada do
sobretrabalho. A distinção entre estas duas espécies de
capital é essencial na teo ria do valor de M arx, um a vez que
é a consequência im ediata da tese segundo a qual a produção
de m ais-valia é obra, não do capital no seu conjunto, m as
apenas da sua parte que se tran sfo rm a em força de trabalho
e, m ediante essa transform ação, põe em m ovim ento um a
quantidade de trabalho vivo superior à quantidade de trabalho
objectivada nas m ercadorias de que o capital é constituído.
Não se considera aqui, naturalm ente, que o capital constante
seja irrelevante para a form ação de m ais-valia; pelo contrário,
quanto m aior for a m assa de m eios de produção relativa
m ente à força de trabalho, e quanto m ais avançada for a
tecnologia que eles incorporam , tan to m aior será a força
produtiva do trabalho e, portanto, tan to m aior será a for
m ação de m ais-valia relativa. Mas, enquanto a quantidade e
a qualidade do capital constante são um a condição da for
m ação de m ais-valia, o capital variável é a única p arte do
Capital donde provém a «essência valorativa», onde a
influência do capital constante só pode te r lugar na m edida
em que, com a sua quantidade e qualidade, to rn e disponível
um a quantidade m aior ou m enor de trabalho vivo (ou seja,
de v alor de uso da força de trabalho) p ara a form ação de
m ais-valia.
N a base da distinção entre as duas espécies âe capital,
pode dizer-se que o valor da m ercadoria (tal como, obviam ente,
de um qualquer conjunto de m ercadorias e, tam bém , o valor
de todo o produto social) é a som a de trê s term os: o valor
do capital constante, o valor do capital variável e a mais-
-valia: c + v + s. O trabalho vivo, proveniente da força de
trabalho, realiza, no processo produtivo, trê s operações:
68
conserva o valor do capital constante, reproduz o v alo r do
capital variável e produz m ais-valia.
Por outro lado, e sta m aneira de rep resen tar o que se
p assa no interior do processo produtivo constitui p ara M arx
a prem issa para a representação das condições necessárias à
realização do processo de valorização. O valor produzido
deve transform ar-se, como vimos, em valor de troca, ou
seja, deve ser realizado pelo m ercado; m as, a realização por
p a rte do m ercado, po r sua vez, só é possível se o valor
produzido estiver incorporado num conjunto de valores de
uso que correspondam à necessidade social. Porém , o que
significa «necessidade social» no caso da produção cap ita
lista? N este caso, necessidade social quer dizer necessidade
do capital, e aquilo de que o capital tem necessidade é o
conjunto de valores de uso que servem p a ra reconstituir
os elem entos m ateriais do capital constante (meios de pro
dução) e do capital variável (m eios de subsistência) que
foram consum idos n a produção, bem como perm itir o a la r
gam ento da própria produção m ediante a transform ação
de um a p arte da m ais-valia em capital constante acrescen
tad o e capital variável acrescentado. Quando a necessidade
social, tom ada neste sentido, estiver satisfeita, o capital pode
reproduzir-se e o processo capitalista recom eçar, actuando
em m aior escala, como é próprio da sua natureza.
E sta questão da reprodução do capital tem um im por
ta n te lugar na h istória da teo ria do valor. As incertezas e
contraposições que se têm verificado neste cam po (e que,
em parte, ainda se verificam ) dependem da própria n atu reza
da categoria do valor: efectivam ente, por um lado, a aceitação
dos produtos por p arte do m ercado, a sua efectiva tra n sfo r
m ação em m ercadorias através da venda, é um a condição
evidente da existência da sociedade m ercantil; por outro, o
facto do m ercado ser, em si,v um processo incontrolado
parece to rn a r casual a coerência entre com posição da pro
dução e e stru tu ra da necessidade social, com a im possibili
dade decorrente de realização sistem ática.
Estes dois aspectos da lei do valor haviam dado lugar,
anteriorm ente a M arx, a duas tendências teóricas. A prim eira,
originada por J. B. Say e Ricardo, afirm ava que, se quem
vende não tem outro objectivo senão v o ltar ao m ercado na
posição de com prador e utilizando todo o poder de com pra
obtido pela venda, o valor global da p rocura social será
sem pre igual ao valor global da oferta, pelo que a produção,
qualquer que seja o seu volum e, en co n trará sem pre um
m ercado capaz de a realizar pelo seu valor; e quando m uito,
69
.segundo e sta tese (conhecida pelo nom e de «lei de Say» ou
«lei dos escoam entos»), poderia verificar-se excesso da oferta
ou da p rocura em m ercados isolados, em bora se tra tasse
sem pre de desequilíbrios tem porários, um a vez que os m ovi
m entos de preços (crescentes, no caso de excesso de p ro
cura, ou decrescentes, no caso de excesso de oferta) seriam
de m olde a corrigi-los a cu rto prazo. A segunda tendência,
rep resen tad a por Sism ondi e M althus, em bora com acentua
ções diversas, defendia, utilizando a linguagem m arxiana,
que a própria existência da m ais-valia im plica um a sobre-
produção sistem ática, um excesso inevitável da produção
relativam ente ao consum o, com a consequente im possibili
dade de realização por p a rte do m ercado. N esta abordagem ,
a possibilidade (que é a norm a do m odo de produção
capitalista) de tran sfo rm ar a m ais-valia em capital adicional,
isto é, a possibilidade de acum ulação, era v ista não tan to
como um a a b e rtu ra de escoam entos com plem entares do fo r
necido pelo consum o, m as como um a reprodução da dificul
dade a um outro nível, um a vez que se pensava que a
acum ulação, em bora contribuísse por um lado para a absor
ção de um excesso de produção anterior, determ inava por
outro lado um aum ento u lterio r da própria produção, pelo
que esta espécie de perseguição da produção por parte do
m ercado e sta ria destinada ao insucesso. Na análise do signi
ficado desta situação em relação aos destinos do capitalism o
existe um a diferença relevante entre M althus e Sismondi,
que convém recordar. M althus pensava que a dificuldade
poderia ser sanada, m ediante a conservação, a par das acti
vidades capitalistas, de realidades pré-capitalistas (renda
fundiária e, de um a form a geral, rendim entos resu ltan tes da
m era propriedade), capazes de fornecer a p rocura que escas
seava; pelo contrário, Sism ondi previa um capitalism o capaz
de d estru ir to d a a realidade produtiva an terio r e de reduzir
todo o processo económ ico ao esquem a do trabalho assala
riado, destinado portanto, fatalm ente, a destruir-se a si pró
prio e a causar a ruína de to d a a sociedade. Porém , com um
a am bos é a ideia de que o m odo de produção capitalista é
essencialm ente impossível, devido a um desequilíbrio interno
insuperável; o próprio «rem édio» m althusiano ê, segundo a
argum entação de M althus, com pletam ente fictício, um a vez
que, sendo essa argum entação exacta, a quantidade de renda
e do consum o correspondente necessário p a ra san ar o dese
quilíbrio intrínseco da produção capitalista deveria corres
ponder ao m ontante exacto da m ais-valia, e o processo
capitalista não seria sanado, m as sim plesm ente suprim ido.
70
F a c e 'a estes precedentes, o problem a da reprodução do
capital tem , em M arx, a função de m ostrar os lim ites das
duas posições anteriores. T rata-se, em prim eiro lugar, de
m ostrar, co n tra M althus e Sismondi, que o processo cap ita
lista é possível, ou seja, não está afectado por um a dificul
dade inicial im peditiva, capaz de im possibilitar-lhe um a vida
histórica plena; e, em segundo lugar, de m ostrar, contra Say
e Ricardo, que esse processo só pode desenvolver-se através
de crises, nas quais o desequilíbrio entre produção e consum o
desem penha um papel essencial.
A dem onstração da prim eira p a rte da tese implica, p ara
M arx, a dem onstração de que a m ais-valia não é incom patível
com a plena realização do valor do produto por p a rte do
m ercado. Este resultado obtém -no M arx m ediante a utilização
de um instrum ento teórico apropriado, constituído por aquilo
a que cham ou «esquem a da reprodução», exposto no livro II
de O Capital (14). N este contexto, não podem os deter-nos nos
aspectos m ais técnicos desta questão, o que im plicaria um a
exposição porm enorizada do esquem a de M arx, com os
exem plos num éricos de que se serve para oportunas gene
ralizações. Todavia, seria im possível um a concepção exacta
da categoria m arxiana do valor se não se tivesse em conta
o fenóm eno da reprodução capitalista, pois como se pode
concluir do que foi dito até agora, é justam ente no terreno
da reprodução que se verifica a dupla n atu reza do valor,
isto é, ser sim ultaneam ente elem ento de unidade e de cisão,
facto r de desenvolvim ento e causa de crise. Assim, não
poderem os deixar de fazer um a referência ao «esquem a da
reprodução».
M arx procede da seguinte m aneira: como o capital se
divide em capital constante e capital variável em relação
às diversas funções que estas duas p artes desem penham na
form ação da m ais-valia, o produto social global subdivide-se
em duas partes, ou secções, das quais a prim eira consiste
no valor dos m eios de produção produzidos durante o período
considerado e, a segunda, no valor dos m eios de consum o
igualm ente produzidos durante o período em questão. D este
m odo, tam bém o m ercado se divide em dois m ercados: o
71
m ercado dos m eios de produção e o m ercado dos meios de
consum o. Para qualquer destes dois m ercados pode definir-se
um a oferta e um a procura. Assim, no que respeita ao
m ercado dos m eios de produção, a oferta é constituída pelo
valor das m ercadorias produzidas pela prim eira secção, isto
é, aquela que produz m eios de produção, enquanto a procura
é constituída, em prim eiro lugar, pelo v alor dos meios de
produção consum idos no período considerado tan to pela pri
m eira como pela segunda secção e, em segundo lugar, pela
p a rte da m ais-valia que, tan to relativam ente à prim eira como
à segunda, é reconvertida em capital constante adicional para
alim entar o processo de acum ulação. No que se refere ao
m ercado dos m eios de consum o, a oferta é constituída pelo
valor da produção da segunda secção, justam ente a que
produz os meios de consum o, enquanto a procura é cons
titu íd a em prim eiro lugar pelos m eios de consum o consu
m idos ta n to na prim eira como na segunda secção, pelos
trabalhadores em pregados no período considerado e, em
segundo lugar, pela p arte da m ais-valia que, quer na prim eira
quer na segunda secção, é reconvertida em capital variável
adicional p a ra alim entar o processo de acum ulação e, em
terceiro lugar, pela parte da m ais-valia que, num a e n o u tra
secção, se destina ao consum o dos capitalistas. Form am -se
assim duas equações que conferem igualdade entre a oferta
e a procura ao prim eiro e ao segundo m ercados. Se as g ran
dezas que surgem n estas equações e que acabám os de enu
m erar, têm valores capazes de satisfazer aquelas equações,
os dois m ercados encontram -se em equilíbrio, o m esm o
acontecendo ao m ercado em geral, precisam ente no sentido
de que a produção encontra o seu escoam ento e pode, assim,
realizar o seu valor. Daqui resu lta que o m ercado é form ado
quer pela procura dos m eios de produção, quer pela procura
dos m eios de consum o; que a procura dos m eios de produção
deriva quer da reconstituição, quer do acréscim o do capital
constante; e que a procura dos m eios de consum o é consti
tuída quer pela reconstituição, quer pelo acréscim o do capital
variável, quer pelo consum o dos capitalistas.
A s duas equações referidas constituem precisam ente o
«esquem a da reprodução» do capital, sendo claro que o
equilíbrio definido por este esquem a é de,tipo evolutivo, pois,
contendo no seu seio o processo de acum ulação, ou seja, de
crescim ento do capital, de período para período, se estabelece
a níveis sem pre crescentes de produção e de m ercado.
É fácil dem onstrar que aquilo a que os m atem áticos
cham ariam «problem a da existência das soluções» é, no caso
72
do «esquem a», sem pre resolúvel, isto é, que existem sem pre
valores das grandezas presentes nas equações capazes de
satisfazer essas equações. Isto continua a ser válido m esm o
se se im puserem condições adicionais, como a de que a
«com posição orgânica do capital», ou seja, a relação entre
capital constante e capital variável, seja crescente e, por
esse m otivo, a produção da prim eira secção cresça m ais
rapidam ente do que a da segunda secção. As dúvidas susci
tad a s por esta questão em alguns autores resultam do facto
de, sem qualquer razão, terem excluído a possibilidade de
a m ais-valia que se form a no interior de um a secção ser
investida, ou seja, transform ada em capital acrescentado no
interior da Outra secção (15).
E sta conclusão é suficiente p ara reb ater a tese de Sis-
m ondi e M althus segundo a qual existiria no in terio r do
capital um a dificuldade insuperável decorrente do facto de
o m ercado, em bora sendo a própria base da vida do capital,
e sta r destinado a perm anecer sistem aticam ente atrasado rela
tivam ente à produção, sem nunca poder, p o r esse m otivo,
realizar o seu valor. O ensinam ento a re tira r do «esquem a»
é que o m ercado não sobrevêm do exterior, m as form a-se
no próprio seio da produção capitalista. Assim é dem ons
tra d a a falsidade da ideia «rom ântica», sobretudo c aracterís
tica de Sismondi (10), de que o equilíbrio só pode ser alcançado
num a econom ia de subsistência, na qual haja um a coincidência
im ediata entre produção e consum o: no m odo de produção
capitalista essa coincidência im ediata não tem , naturalm ente,
lugar, m as, pelo contrário, a relação entre produção e con
sum o é m ediada pelo valor, dem onstrando o «esquem a» de
M arx o modo como se processa e sta m ediação, isto é, como
o produto social, não se destinando em bora, no caso do modo
de produção capitalista, às necessidades dos hom ens, pode
corresponder às necessidades do capital, e como através
desta correspondência se podem determ inar as condições
de realização do v alo r produzido. E cabe referir aqui como
as condições da realização do valor de tro ca são relativas
precisam ente ao v alo r de uso, um a vez que consistem em
(is) por exem plo, R. L u x e m b u r g , L ’accum ulazione dei capitale,
Einaudi, Turim, 1968, pp. 333-334. Trad. brasileira A acum ulação do
capital, Zahar Editores, Rio de Janeiro. A tese é retom ada por Ros-
dolsky, op. cit., pp. 570-573.
(le) V eja-se a sua crítica em Lénine, L e ca ra tteristich e del rom an
ticism o econom ico. S ism on di e i n o stri sism o n d isti russi, in O pere co m
p lete, vol. H, Editori Riuniti, Roma, 1956. São igualm ente im portantes
os outros escritos sobre a questão da «realização» contidos nos vo lu
m es m e iv das O pere co m plete.
73
certas proporções que terão de se verificar en tre a produção
de m eios de produção e a produção de m eios de consumo.
É assim que o valor de uso adquire tam bém a «dignidade»
de categoria económica, n a condição, naturalm ente, de ser
correctam ente colocado no interior de um a situação social
historicam ente determ inada, isto é, de se refe rir às «utili
dades» particulares requeridas pela reprodução do capital.
Por outro lado, o «esquem a» de M arx não pode ser
considerado com o um a confirm ação da lei de Say, pois seria
incorrecto interpretá-lo como a dem onstração de que a rep ro
dução capitalista se desenvolve sem pre em condições de
equilíbrio, sem que jam ais possa intervir um a crise de sobre-
produção. E sta interpretação foi avançada no interior do
próprio m arxism o, assum indo, intencionalm ente, aspectos
paradoxais (17). Raciocinando no quadro do «esquem a», pode
ver-se que a satisfação das condições de equilíbrio, ou seja,
a assunção po r p a rte das grandezas envolvidas nas equações,
de valores capazes de igualar a oferta e a procura em ambos
os m ercados, tam bém é possível no caso de um consumo
constantem ente decrescente; po r outras palavras, o «esquem a»
e stá em condições de definir um equilíbrio em que o aum ento
da produção como efeito da acum ulação do capital se destine
num a m edida decrescente a satisfazer o consum o e, num a
m edida crescente, a alim entar o próprio aum ento da pro
dução. Com isto vir-se-ia a dem onstrar, segundo a in terp re
tação em questão, que a restrição do consum o não só rela
tivam ente à produção m as até, eventualm ente, em sentido
absoluto, não é prejudicial à obtenção do equilíbrio; e neste
facto, estas interpretações vêem a confirm ação do carácter
«absurdo» ou «não natural» do capitalism o, ou seja, da pro
dução como um fim em si m esm a. Daí deriva, em suma, a
ideia de um capitalism o «absurdo» m as «harm ónico», capaz,
em virtude do seu equilíbrio interno, de prosseguir historica
m ente até que se lhe ponha fim m ediante um a operação per
feitam ente subjectiva e volu n tarista de recusa do «absurdo».
Porém , a teo ria m arxiana da reprodução capitalista não
poderá ser in terp retad a deste modo. O que o esquem a
dem onstra é a sim ples possibilidade do equilíbrio, e não a
sua realidade. As relações entre as várias grandezas do
74
«esquem a», que seriam necessárias p ara que o equilibrio
existisse, não se podem realizar a priori, já que isso está
excluído da própria n a tu re za do valor, que, sendo um ele
m ento de coordenação, é-o m ediante a tro c a e, portanto,
m ediante um confronto a posteriori dos resultados das a c ti
vidades dos vários capitais. É assim que o equilíbrio, ou seja,
a realização de certas proporções entre as grandezas rele
van tes do m ercado nunca é m ais que o term o possível de
um processo cujo m om ento fundam ental é a superação de
desproporções, de situações de desequilibrio que dom inam
o m ercado durante determ inados períodos.
Quando as situações de desequilíbrio são profundas e
têm suficiente duração, resu lta um a configuração geral do
m ercado qualificada de crise. Porém , pode dizer-se m ais
algum a coisa sobre a inevitabilidade da crise, um a vez que
o «esquem a da reprodução» perm ite um a leitu ra que não só
o não interprete com o a descrição de um a situação «harm ó
nica», como o considere a dem onstração de um a contradição.
Da análise do valor resulta, como vimos, que o valor de
tro c a subordina a si o valor de uso: o facto de a produção
constituir um fim em si m esm a — que é a característica
essencial do capital — im plica que o valor de uso não passe
de um «suporte m aterial» do valor de troca. Ora, o «esquem a»
perm ite precisar que este é tão-só um aspecto da relação
en tre valor de tro c a e v alor de uso; por outro lado, efecti
vam ente, resu lta da necessidade da reprodução capitalista
que o valor de uso seja condicionante relativam ente à p ro
dução de valor de troca, no sentido de que se a produção
não tiv er um a determ inada com posição em term os de pro
porções entre os valores de uso produzidos, o processo de
reprodução não poderá desenvolver-se devido a um a reali
zação insuficiente po r p a rte do m ercado. Assim, a relação
en tre valor de tro c a e valor de uso é um a relação dúplice
e contraditória. P or um lado, é o valor de tro c a que condi
ciona o valor de uso e, por outro, é o valor de uso que
condiciona o v alor de troca: o «esquem a da reprodução»
m ais não é do que a representação do segundo aspecto
desta contradição. A form a como a contradição se m ani
festa é precisam ente a co-presença de desenvolvim ento e de
crise, de actuação do processo acum ulativo e de pausa e
regressão do m esm o, que caracteriza a vida do capital.
As form as específicas como a crise interrom pe o desen
volvim ento capitalista não podem ser aqui exam inadas: a
sua análise pertence a um a secção teó rica especial, a teoria
75
da crise, que não irem os desenvolver. M as h á um aspecto
da teo ria m arxiana da crise que é tão im portante p ara a
teo ria do valor que não poderá ser aqui ignorado. Trata-se
da tese segundo a qual o v alo r está destinado a tran sfo r
m ar-se, com o decorrer do tem po, de estím ulo em travão
da produção, com a consequência de que, num determ inado
ponto do desenvolvim ento capitalista, o facto de a produção
se b a sea r no valor de tro c a se to rn a num elem ento de crise
geral.
P ara p recisar este ponto, é conveniente retom ar o con
ceito de «subm issão real» do trabalho ao capital (18) que
vim os anteriorm ente, a propósito da form ação da m ais-valia
relativa. A subm issão real im plica que o processo produtivo
se desenvolva em form as técn icas que já não são as que o
capital herdou dos m odos de produção anteriores, m as
segundo um a form a criada pelo próprio capital. A diferença
reside no seguinte: n as form as pré-capitalistas, o trabalho
está ligado ao seu instrum ento, sendo este últim o o que
m edeia a relação entre o próprio trab alh ad o r e a natureza
por ele trabalhada; no início o capital lim ita-se a reunir sob
a su a alçada um certo núm ero de trabalhadores que conti
nuam a m an ter com o instru m en to de trab alh o a antiga
relação («subm issão form al» do trabalho ao capital). N esta
form a, o trabalhador, tornado operário, se por um lado é
dom inado pelo capital, por outro dom ina ainda o instrum ento
de trabalho, pelo que ainda governa de algum modo o pro
cesso produtivo: isto é, a fo rm a técnica da produção não
é hom ogénea com a form a social. E sta contradição inicial
do m odo de produção cap italista será posteriorm ente supe
rada, no sentido de que a fo rm a técnica v irá a adequar-se
à form a social: aquilo que n a relação social é o domínio do
capital sobre o trabalho trad u z-se, tam bém no processo
m aterial de produção, em dom ínio do instrum ento de tr a
balho sobre o trabalhador. E sta evolução, que culm ina com
o em prego das m áquinas pela g ran d e indústria, implica um a
revolução to ta l das relações e n tre trabalhador, instrum ento
de trabalho e n a tu re za (19). E nquanto inicialm ente o in stru
m ento de trabalho era o veículo por interm édio do qual o
76
conhecim ento e a aptidão do trabalhador se exerciam sobre
a natureza, agora o conhecim ento e a aptidão estão concen
trad o s na m áquina, fru to de um conhecim ento e de um a
organização separados do trabalho, e é o trabalhador, sim
ples «órgão consciente» dentro do sistem a de m áquinas, que
se coloca como term o interm édio na relação entre a m áquina
e a natureza. Domínio social do capital e domínio m aterial
da m áquina tornam -se dois aspectos de um a m esm a reali
dade. Chega-se assim à abstracção do trabalho: já não se
tra ta do facto de o trabalho contar como trabalho genérico,
dado que, enquanto trabalho social, m ais não produz do que
dinheiro, m as, m ais especificam ente, de que ele é trabalho
genérico, dado que todas as qualidades se encontram fora
dele, objectivadas no capital e, em particular, no capital fixo.
P ura e sim plesm ente, deve ter-se presente que este carácter
genérico m aterial, o facto de ser m eram ente um term o de
m ediação entre capital e natu reza e stá estreitam ente ligado
ao facto de o produto ser valor e de a produção ser produção
p ara a troca.
Quando se chega a este estádio da grande indústria e
do respectivo em prego das m áquinas, o «trabalho im ediato»
deixa de ser a fonte da riqueza, ou seja, dos valores de uso:
«o trabalho im ediato e a sua quantidade desaparecem como
princípio determ inante da produção — da criação de valores
de uso — , reduzindo-se quer, quantitativam ente, a um a pro
porção exígua quer, qualitativam ente, a m om ento decerto
indispensável, m as subalterno, em relação ao trabalho cientí
fico geral e à aplicação tecnológica das ciências naturais, por
um lado, e à produtividade geral decorrente da articulação
social na produção global, por outro». M arx acrescenta:
«O capital trab alh a assim p ara a sua própria destruição como
form a dom inante da produção» (20). Este processo de des
truição é aqui representado como a consequência de um a
contradição. O prim eiro term o da contradição reside no facto
de que a produção capitalista, sendo produção de riqueza abs
tra c ta , ou seja, de valor, só pode ser m edida em term os de
trabalho abstracto; ou, por outras palavras, um a vez que o
facto de a produção ser um fim em si m esm a im plica a
redução do produto a v alor de troca, isto é, a elem ento
de riqueza genérica que, através da troca, é equivalente a
qualquer outro elem ento da m esm a riqueza, a m edida desta
é necessariam ente dada pelo único elem ento susceptível de
77
assum ir a form a de cará c te r genérico ou de abstracção, ou
seja, o trabalho. O segundo term o da contradição reside
no facto de o desenvolvim ento do valor de tro c a exigir
sem pre o desenvolvim ento do seu «suporte m aterial», o
valor de uso, que, por outro lado, depende de um desenvol
vim ento de forças produtivas que dependem , por sua vez,
da capacidade e qualidade, que estão separadas do trabalho.
T rata-se essencialm ente do aperfeiçoam ento, por assim dizer,
da contradição entre v alor de tro ca e valor de uso: por um
lado, valor de tro ca e valor de uso exigem -se reciprocam ente
como condição um do outro; po r outro, dependem de p rin
cípios opostos e divergentes: um, o trabalho n a form a da
abstracção; o outro, o conhecim ento da n a tu re za e a orga
nização social enquanto incorporados no capital. Por outras
palavras, quando o trabalho, em virtude da sua cisão rela
tivam ente ao conhecim ento e, em geral, à qualidade do
hom em , deixa de ser o criador do valor de uso, e, devido
_ao cará c te r ab stracto que lhe advém dessa m esm a cisão, é
o criador do valor de troca, da riqueza abstracta, surge um a
contradição que, p ara M arx, se m anifesta, no facto de o
capital constituir um obstáculo ao desenvolvim ento dessas
m esm as forças produtivas que tão fortem ente solicitara no
início. A este respeito, M arx afirm a:
78
Procurem os agora com preender (na base desta indicação
de M arx segundo a qual o trabalho im ediato deixa de ser
o criador da riqueza) de que m aneira a produção de valor
se tran sfo rm a de estím ulo em trav ão do desenvolvim ento
das forças produtivas.
79
crise (22). A tese poderia ser exposta da seguinte m aneira:
p ara a form ação da p rocura global, a procura de meios de
produção e a procura de bens de consum o não são to ta l
m ente substituíveis um a pela outra, no sentido de que, para
além de um certo lim ite, a dim inuição relativa da procura
de bens de consum o não pode ser substituída por um aum ento
relativo da procura de m eios de produção, pois isso teria
como consequência, se esse lim ite fosse superado, a dimi
nuição da procura global. Assim, se se verificarem as con
dições referidas na alínea anterior, isto é, se o progresso
científico-técnico se tra n sfo rm ar inteiram ente em aum ento
da ta x a da m ais-valia, observar-se-á um a diminuição cons
ta n te da incidência da m assa salarial sobre o produto social
e, po rtan to , um a dim inuição relativa da p rocura destinada
ao consum o, pelo que, superado aquele lim ite, se m anifestará
um elem ento de crise.
3) P erante um desenvolvim ento que constituiria um
problem a de realização impossível, isto é, em que se v eri
ficaria a produção de um a m ais-valia não realizável, se
tivesse sentido falar de um interesse do capital social, ou
global, enquanto tal, seria necessário dizer que o desenvol
vim ento m ais conveniente seria aquele que, utilizando o
progresso científico-técnico não só para aum entar a tax a da
m ais-valia m as tam bém p a ra a dim inuição da duração da
jornada de trabalho e /o u p ara o aum ento do salário, desse
lugar a um a m ais-valia sem dúvida inferior m as realizável.
Porém , o capital social é um a abstracção, no sentido de que
não é um sujeito a que possam os referir critérios operativos
de utilidade e com portam entos reais. A realidade é a de vários
capitais em concorrência entre si. Qual é, do ponto de vista
que estam os a analisar, o efeito da concorrência? Adm itindo
que, de acordo com um certo nível atingido pelo desenvol
v im e n to das forças produtivas, a ta x a da m ais-valia seja
igual em todos os capitais considerados isoladam ente (uma
vez que a jornada de trabalho e os salários são iguais em
to d a a parte), os capitais que possuem um a m aior massa de
m ais-valia têm vantagens concorrenciais relativam ente aos
outros, já que poderão conquistar o m ercado m ais fácil e
rapidam ente pela im portância da sua acum ulação. Isto signi
fica que, por meio e em virtude do com portam ento dos
80
diversos capitais, o capital social, no seu conjunto, ten d erá
a m axim alizar a m assa da m ais-valia, não reduzindo a jo r
n ad a de trabalho e não aum entando o salário.
4) D aqui resulta, em prim eiro lugar, que os elem entos
de crise devidos às dificuldades de realização estarão siste
m aticam ente presentes no desenvolvim ento capitalista e, em
segundo lugar, que se perderá a possibilidade, inerente ao
desenvolvim ento das forças produtivas, de reduzir a quanti
dade de trabalho fornecida pelos hom ens. A fastando, de
m om ento, o prim eiro elem ento, que significa o segundo?
Significa (parece ser e sta a interpretação m ais provável da
posição de M arx) que quando o desenvolvim ento das forças
produtivas tiv er criado um a m assa extraordinária de sobre-
trabalho, a prossecução desse desenvolvim ento já não pode
p a ssa r pelo aum ento u lterio r daquela m assa m ediante o
tradicional processo acum ulativo, isto é, pelo «roubo do
tem po de trabalho alheio», m as, pelo contrário, requer um a
libertação de tem po como condição prim eira p ara a reunião
do trabalho com o conhecim ento, o que constituiria um a base
de desenvolvim ento relativam ente à qual o «sobretrabalho da
m assa» se to rn a ria um a «base m iserável».
5 ) É certo que as dificuldades de realização podem ser
reduzidas (e de facto têm -no sido) pela distribuição de p artes
da m ais-valia ou pelos assalariados ou por cam adas «im pro
dutivas» (isto é, que não produzem m as consom em m ais-
-valia), não estando em dúvida que essa distribuição ten h a
efeitos de estabilização do processo capitalista. O que
im porta, porém , pôr em evidência é que ela, m antendo
inalterável o processo de «usufruto», isto é, de extracção
de sobretrabalho, tende a to rn a r infecundas as próprias possi
bilidades de desenvolvim ento das forças produtivas que estão
ligadas àquela «base m iserável».
Parece, assim , poder concluir-se o seguinte: o capitalism o,
em virtude da sua e stru tu ra concorrencial, que por outro
lado e stá na origem da sua força expansiva, tende a confiar
ao esquem a do aum ento da ta x a de m ais-valia o desenvol
vim ento das forças produtivas, tornando assim sistem ática
a tendência para a crise de realização e im pedindo a cons
titu ição da «base nova» sobre a qual poderia efectivam ente
prosseguir o desenvolvim ento das forças produtivas, isto é,
a libertação de tem po de trabalho e, portanto, a superação
da separação entre trab alh o e conhecim ento. Por outro lado,
na m edida em que a m ais-valia for consum ida por te r sido
distribuída entre os assalariados e as cam adas im produtivas,
81
os riscos da crise da p ro cu ra dim inuirão m as, ao m esm o
tem po, não só não se chega à «base nova», como é reduzida
a própria eficácia da «base velha».
82
o produto o seu próprio valor, o capital variável, pelo con
trário, além de tra n sfe rir o seu valor, confere ao produto
um valor adicional, m ediante o sobretrabalho da força de
trabalho. A categoria do lucro implica, assim , um a «m istifi
cação» da relação capitalista.
Mas, como sem pre acontece em M arx, reconhece-se a
base objectiva da m istificação. É certo que a redução da
força de trabalho a um a p arte qualquer do capital representa
apenas um dos dois aspectos em que se desenvolve a relação
entre trabalho e capital; m as tra ta-se de um aspecto real, e
não im aginário. A relação entre trabalho e capital é dúplice
neste sentido: por um lado, o trabalho, enquanto se objectiva
em valor, cria o capital; po r outro, o trabalho, enquanto
reduzido a força de trabalho, é um a p arte do capital. Ou seja:
por um lado, o capital é o produto do trabalho; por outro,
o capital inclui em si o trabalho com o elem ento particular.
Ora, o lucro e a relação indicada pela tax a de lucro são a
representação do segundo aspecto desta relação dúplice,
tom ado como aspecto exclusivo. T rata-se po rtan to da rep re
sentação de um dado real, representação que, po r outro lado,
é m istificadora na exclusão que opera desta realidade. Con
vém, além disso, te r bem presente a seguinte consideração
de M arx: o cálculo da ta x a de lucro «é m uito im portante
e natural, um a vez que, efectivam ente, se determ ina com
ele a proporção em que o capital global se valorizou, ou seja,
o grau de valorização deste últim o» (25). Isto quer dizer que,
não sendo o objectivo da produção capitalista nenhum outro
senão o crescim ento sistem ático do capital, a im portância
da ta x a de lucro deriva de ela fornecer a m edida deste
crescim ento. Suponham os, p ara sim plificar, que todo o lucro
é reconvertido em capital: dizer que a tax a anual de lucro é,
po r exemplo, de 15 % , é o m esm o que dizer que o capital
cresce a um a ta x a anual de 15 % . A tax a de lucro é, p o r
tan to , «im portante» e «natural», pois é a própria m anifes
tação do fim da produção capitalista: m ais precisam ente, dá
a m edida do grau em que se alcança esse fim.
D este modo, a ta x a de lucro é um a com ponente funda
m ental da realidade capitalista. E o facto de se considerar
como elem ento fundam ental da realidade um a categoria que,
todavia, esconde a origem real do lucro, deve-se a que,
repetim os, a realidade capitalista é ela própria um a realidade
contraditória: por um lado, o trabalho, na m edida em que
produz valor e m ais-valia, e stá na origem do lucro, que assim
(25) íbid., p. 73.
83
pode ser reconhecido n a sua essência referindo-o tão-só àquilo
que dá origem ao trabalho, isto é, o capital variável; por
outro lado, o trabalho, em virtude da reificação a que é
subm etido como trabalho assalariado, e stá incluído no capital,
que, portanto, como capital global e indiferenciado no seu
interior, é o ponto de referência real p ara a determ inação
da im portância relativa do lucro. E como o prim eiro aspecto
desta contraposição exprim e a origem dos fenóm enos ineren
tes ao capital e desse m odo refere o capital àquilo que lhe
dá origem , assim o segundo aspecto exprim e um a lei de
crescim ento intrínseca ao capital tornado totalidade.
E ntre a ta x a de lucro e a tax a de m ais-valia existe, no
domínio quantitativo, um a relação que é im portante e sta
belecer, dado que constitui o ponto de partid a p a ra a expo
sição de um a das questões m ais delicadas da teo ria m arxiana
do valor, ou seja, da cham ada «transform ação» dos valores
em preços de produção. Designando por r a ta x a de lucro,
tem -se po r definição:
s
r = ----- T -----
C + V
s
v s'
c v q + 1
----- + -------
V V
(26) E sta fórm ula tam bém perm ite v er im ediatam ente qual é o
ponto central da argum entação de Marx a favor da lei da «queda ten-
dencial da taxa de lucro». Tanto a com posição orgânica do capital
com o a taxa de m ais-valia tendem a aumentar; se — com o M arx consi
derava — a segunda tendência não é suficiente para com pensar a pri
meira, verifica-se uma tendência para a dim inuição da ta x a de lucro.
Por outro lado, esta tese b aseia-se unicam ente no facto de existirem
lim ites para o aum ento da ta x a de mais-valia; m as este argum ento
não é aceitável, uma v ez que o único lim ite concebível n este campo
(e, o único de que M arx efectivam en te fala) é um lim ite da m assa da
84
de expriitiir a ta x a de lucro desta form a? A fórm ula ap re
sentada perm ite definir com precisão qual o problem a que
a categoria da ta x a de lucro introduz na teoria do valor.
U m a lei fundam ental do m ercado consiste na igualdade da
ta x a de lucro en tre os vários capitais de que o próprio
m ercado é constituído (27). E sta é um a consequência im ediata
da concorrência: se existissem diversas tax as de lucro, os
capitais deslocar-se-iam das actividades com ta x a de lucro
baixa p ara as actividades com elevada ta x a de lucro; a pro
dução de algum as m ercadorias dim inuiria, aum entando os
seus preços, ao m esm o tem po que aum entaria a produção
de ou tras m ercadorias e os seus preços diminuiriam ; e este
processo prosseguiria até que a ta x a de lucro se tornasse
igual em to d a a parte. Porém , a concorrência m ais não é
do que o m ecanism o que perm ite realizar um a propriedade
intrínseca ao capital: um a vez que o capital se tem a si
próprio como fim, sendo por isso indiferente à qualidade
p articu lar do secto r em que se encontra investido, não teria
sentido que ele se valorizasse m ais num sector e m enos noutro;
po r isso, a ta x a de lucro só pode ser um a taxa geral de lucro,
obtida por cada segm ento em que o capital social se encontra,
a cada m om ento, subdividido. A questão que agora se põe
é a seguinte: que influência tem n a form ação da ta x a geral
de lucro o facto de a ta x a de lucro depender da ta x a de
m ais-valia e da com posição do capital? São im portantes,
neste aspecto, as duas circunstâncias seguintes. Em prim eiro
lugar, se (como se deve p ensar que sucede no m ercado capi
ta lista norm al) a duração da jornada de trabalho e o nível
salarial são iguais em todas as actividades, decorre daí que
85
a ta x a da m ais-valia é a m esm a p ara todos os capitais. Em
segundo lugar, a com posição orgânica é diferente de capital
p a ra capital por razões de cará c te r tecnológico: o volum e
e o valor dos m eios de produção que se com binam com
um a unidade de trabalho variam segundo as características
técnicas dos diversos sectores de investim ento. O que signi
fica, tendo presente a fórm ula acim a apresentada, que, se
as m ercadorias se trocam entre si segundo relações corres
pondentes aos valores de tro ca, a ta x a de lucro será diferente
de capital p ara capital — o que contradiz a n atu reza do
capital e é contrário aos resultados da concorrência. T rata-se
de um problem a análogo ao que se deparou a Ricardo quando
tev e de te r em conta o facto de a relação entre trabalho
directo e trabalho indirecto ser diferente de um sector p ara
outro.
P ara com preender a solução de M arx p a ra este problem a,
é conveniente p a rtir da crítica que ele dirige à posição ricar-
diana. M arx com eça por observar que, p a ra Ricardo, a tax a
geral de lucro deve ser im ediatam ente incluída n a teoria do
valor, no sentido de que a lei que governa a troca das
m ercadorias seria definida de modo a que as relações de
tro c a dela resu ltan tes assegurassem a cada capital a obtenção
da ta x a geral de lucro. Por esta razão, R icardo encontra-se
p eran te um a dificuldade insuperável, porquanto o princípio
do valor po r ele estabelecido se revela incom patível com a
form ação da ta x a geral de lucro. Ora, segundo M arx, esta
dificuldade é efectivam ente insuperável se, como faz Ricardo,
se a b stra ir da «grande quantidade de term os m édios» (2S)
que ligam a categoria da ta x a geral de lucro à categoria do
valor. E sta crítica de M arx pode ser colocada nos seguintes
term os. N a fundam entação teórica de M arx (como vim os
anteriorm ente), o valor é a expressão de um a contradição,
m ais precisam ente da relação contraditória entre trabalho e
capital, isto é, a relação pela qual, po r um lado, o trabalho,
enquanto p ro d u to r de valor e m ais-valia, cria o capital
— que é portanto, n e sta relação, um resultado — e, por
outro lado, o capital integra o trabalho tornando-o um a parte
dele, o capital variável, pelo que, n e sta relação, é o trabalho
que é um resultado do capital. Porém , a ta x a gerai de lucro,
sendo a expressão de um a reg ra interna do capital, refere-se
apenas a um dos dois aspectos daquela relação dúplice e
contraditória. Daí decorre que a ta x a geral de lucro não
(28) S toria delle teo rie econom iche, cit., vol. II, p. 23.
86
pode ser, como pretende Ricardo, um a p arte constitutiva da
relação de valor, e que a sua form ação no m ercado, em
virtu d e da concorrência, deve ser rep resen tad a assum indo
o valor como um pressuposto. Assim, o que é censurável em
R icardo não é um excesso de abstracção, m as, pelo contrário,
um defeito de abstracção, devido à sua «incapacidade de
esquecer, nos valores das m ercadorias, os lucros» (29).
'%Isto significa que as relações de tro ca que asseguram a
igualdade das tax a s de lucro, e a que M arx cham a «preços
de produção», são algo de diferente dos valores de troca,
devendo ser deles deduzidos. Prosseguindo a polém ica com
Ricardo, M arx afirm a vigorosam ente a diferença entre preços
e valores, ao co n testar que as variações do salário exerçam
influência nos valores, e defende que, se bem que essas
variações não se refiram , de facto, aos «valores em si», elas
determ inam , influindo de m aneira diversa nos lucros dos
vários capitais, preços diferentes dos próprios valores (30).
A posição de M arx é, po rtan to , a seguinte: quando o produto
é m ercadoria, ele é um valor; o v alor tem , como sua form a
fenom énica necessária, o valor de troca; o valor de tro c a
«transform a-se» em preço de produção por efeito da con
corrência. O aspecto essencial desta transform ação é que os
preços de produção seriam incom preensíveis n a sua n a tu re za
e indeterm ináveis na sua grandeza se não fossem deduzidos
dos valores de troca. A diferença essencial entre a teoria
do valor de M arx e a de Ricardo — diferença esta que ilus
trám o s anteriorm ente n a base da categoria especificam ente
m arx ista do trabalho ab stracto — apresenta-se agora da
seguinte form a: em Ricardo não existe o problem a da « tra n s
form ação», pois p ara ele valor e preço coincidem im ediata
m ente; pelo contrário, M arx defronta-se com esse problem a,
um a vez que p ara ele valor e preço são duas categorias
distintas e, enquanto distintas, devem ser postas em relação
en tre si.
O m étodo seguido por M arx no capítulo nono do terceiro
livro de O Capital p a ra obter a transform ação dos valores
em preços de produção pode ser sucintam ente descrito a
p a rtir da seguinte tab ela relativa a duas m ercadorias (onde
os sím bolos têm os seguintes significados: c = capital cons
tan te , v = capital variável, s = m ais-valia, m = valor,
s ’ = ta x a da m ais-valia, q = com posição orgânica do capital,
87
r = ta x a de lucro, m ' = valor de troca, tom ando o valor
da segunda m ercadoria como unidade de m edida):
c V s m s' Q r m'
I 8 2 2 12 100% 4 20% 4
11 1 1 1 3 100% 1 50% 1
c V b V V
I 8 2 2,5 12,5 5
II 1 1 0,5 2,5 1
N»
88
determ ina-se, m ediante este sistem a, a ta x a geral de lucro;
aplica-se esta ta x a geral aos valores dos capitais e obtêm -se
os preços. Assim, os preços dependem dos valores não só
no que resp eita à sua natureza, m as tam bém no que se
refere à determ inação da sua grandeza. De acordo com o
m étodo indicado, seria im possível conhecer os preços sem
prim eiro conhecer os valores, um a vez que os preços se
calculam n a base de um a ta x a de lucro que, por sua vez,
é calculada n a base dos valores.
A ntes de prosseguir, será conveniente observar que
(com o resu lta da com paração entre as duas tabelas) a m ais-
-valia global da prim eira tab ela e o lucro 'g lo b al da segunda
tab ela são iguais a 3 e, analogam ente, o valor global da
prim eira tabela e o preço global da segunda são iguais a 15.
Isto dá o sentido da transform ação m arxiana: nem o valor
nem a m ais-valia, considerados como grandezas do sistem a,
m udam na passagem dos valores aos preços, m as tra n sfo r
m am -se sim plesm ente trocando a sua com posição interna:
po r exem plo, a m ais-valia, que, originariam ente, é com posta
p o r dois segm entos 2 e 1, após a transform ação p assa a ser
com posta por dois segm entos 2,5 e 0,5, perm anecendo sem
alteração o seu m ontante global 3. P ortanto, a concorrência
não pode senão redistribuir valores já existentes, sendo-lhe
im possível criar outros novos.
A questão term inaria aqui, e a categoria do preço não
p e rtu rb aria em nada a teo ria do valor-trabalho se, no que
to c a ao m étodo m arxiano da transform ação, não se pusesse,
com o é evidente, um problem a em tudo sem elhante ao que
se deparara a R icardo n a sua te n ta tiv a de conciliar as resu l
ta n te s da concorrência com o conceito de valor como tr a
balho contido. Efectivam ente, na passagem da prim eira p ara
a segunda tabela, enquanto os valores das duas m ercadorias
foram sujeitos a transform ação (de 12 passou-se a 12,5 e
de 3 a 2,5), pelo contrário, os valores dos elem entos que
constituem os dois capitais perm aneceram inalteráveis; m as,
um a vez que os elem entos que constituem o capital são
igualm ente m ercadorias, tam bém os seus valores deveriam
ser transform ados em preços. É sabido que M arx conhecia
p erfeitam ente este problem a. P or exem plo, em Teorias da
mais-valia, ele expressa-se do seguinte modo:
89
-valia 2, p ara a segunda o lucro 0,5 é m enor do que
a m ais-valia 1], isto é, pode rep re sen ta r m ais ou
m enos trabalho não pago do que aquele que está
contido nela. Isto é válido p ara a p arte variável
do capital e p ara a sua reprodução n a m ercadoria.
M as, além disso, tam bém o preço de produção do
capital constante — ou das m ercadorias que entram
com o m atéria-prim a, m atéria-auxiliar e m eio de tr a
balho, ou seja, como m eio de produção, no valor
da nova m ercadoria produzida — pode ser superior
ou inferior ao seu valor. Assim, na m ercadoria entra
um a porção de preço diferente do valor, que é inde
pendente do quantum de novo trabalho acrescentado,
ou do trabalho m ediante o qual estas condições de
produção a dados preços de produção se tra n s
form am em novo produto. Em geral, é evidente que
aquilo que é válido p a ra a diferença entre o preço
de produção e o valor da m ercadoria como tal,
como resultado do processo de produção, é igual
m ente válido p ara a m ercadoria, na m edida em que
ela e n tra como ingrediente, sob a form a de capital
constante, como pressuposto do processo de pro
dução [...] A diferença entre preço de produção e
valor é assim introduzida duas vezes: 1) pela dife
rença entre o preço de produção e o valor das
m ercadorias que constituem os p ressupostos do pro
cesso de produção da nova m ercadoria; 2) pela
diferença entre a m ais-valia realm ente acrescentada
aos m eios de produção e o lucro calculado» (31).
(31) S to ria d elle teo rie econom iche, cit., vol. m , pp. 185-186.
m inada esfera de produção, o preço de custo da
m ercadoria se identifica com o valor dos m eios de
produção nela consum idos»,
acrescenta:
91
p a rte p a ra determ inar sim ultaneam ente os preços e a tax a
de lucro sejam ainda os valores das m ercadorias, e o sejam
de um m odo essencial, isto é, no sentido de que só com
aqueles dados seja possível a determ inação dos preços e
da ta x a de lucro.
V ejam os agora se a h istória do problem a da tra n sfo r
m ação satisfez e sta condição.
N ão é necessário, p ara isso, rever essa h istória em todos
os seus porm enores (33): b a sta descrevê-la nas suas passagens
essenciais e no seu term o (que é m uito recente).
R etom em os o nosso exem plo, reinterpretando-o do se
guinte modo: suponham os que as duas m ercadorias são
respectivam ente capital constante e capital variável. Por
o u tra s palavras, suponham os que o capital constante é cons
tituído po r um a única m ercadoria, por exem plo o ferro, e
que este é a prim eira m ercadoria, e que o capital variável
é constituído por um a única m ercadoria, po r exemplo o
trigo, sendo o trigo a segunda m ercadoria. Isto significa,
sem pre com referência ao exemplo, que, p ara te r um a p ro
dução de ferro com um v alo r de 12, serão necessários um
v alor 8 de ferro e um v alor 2 de trigo; e que, p ara te r um a
produção de trigo com um valor de 3, serão necessários
um valor 1 de ferro e um valor 1 de trigo. P ara estabelecer
um sistem a de equações de m olde a determ inar os preços
e a ta x a de lucro, pode proceder-se do seguinte modo. Indi
quem os por x a relação en tre o preço do ferro e o valor
do ferro e por y a relação en tre o preço do trigo e o valor do
trigo; assim , se p1 e m x forem , respectivam ente, o preço e
o valor do ferro, e p 2 e m 2 o preço e o valor do trigo, ter-se-á:
Pi = m xx, p 2 = m2y.
92
Tom ando o preço do trigo como unidade de m edida dos
preços, as duas equações determ inam x e r. A solução será:
x = 1,37
y = 1
r = 26,5 %
c V 6 V V
93
diferente da som a das m ais-valias, ou a som a dos preços
ser diferente da som a dos valores suscita dúvidas quanto à
possibilidade de conceber o processo concorrencial como a
sim ples redistribuição dos valores nele pressupostos.
Poderia discutir-se a im portância destes resultados rela
tivam ente à validade da teoria m arxiana do valor. E sta poderia
ser defendida afirm ando que, seja como for, os resultados
a que se chega são sem pre obtidos a partir dos valores:
seja qual fo r a form a como se apresentem os preços e a
ta x a de lucro obtidos com a transform ação com pleta, eles
dependem do que foi considerado como dado no processo da
transform ação, ou seja, dos valores.
Porém , resta ainda com preender se e sta dependência é
essencial no sentido acim a referido, isto é, se apenas tom ando
como dados os valores, é possível a determ inação dos preços
e da ta x a de lucro.
P ara responder a esta questão é necessário, todavia,
aperfeiçoar o processo da transform ação elim inando dele
um a circunstância que, pode dar, precisam ente aqui, origem
a equívocos. No exem plo até agora utilizado estavam p re
sentes duas m ercadorias que representavam respectivam ente
o capital constante e o capital variável. É claro que se tra ta
de um a sim plificação que não pode ser m antida num a análise
rigorosa: na realidade, os núm eros 8, 2, etc. que aparecem
na tab ela dos valores deveriam ser considerados como valores
de agregados de m ercadorias. M as é precisam ente aqui que
surge a dificuldade: se a transform ação fo r aplicada ao valor
de um agregado de m ercadorias, isso im plica que, dentro
do agregado, as relações de tro c a ainda sejam regidas pelos
valores, pelo que o m étodo da transform ação fica de novo
incom pleto. Tecnicam ente, não é difícil su p erar e sta dificul
dade: b a sta reform ular o sistem a de m odo a que os coefi
cientes das equações se refiram a m ercadorias isoladas e
não a agregados de m ercadorias. Todas as m ercadorias do
sistem a económ ico surgirão assim de m odo explícito.
Designem os agora por L y o valor da m ercadoria i em pre
gue na produção da m ercadoria /, ou seja, a quantidade de
trabalho que e stá contida na quantidade da m ercadoria i que
en tra n a produção da m ercadoria A m ercadoria i pode ser
quer um m eio de produção, quer um meio de consumo: não
é necessário precisar aqui se ela faz p arte do capital cons
ta n te ou do capital variável. Designem os agora po r L¡ o valor
da m ercadoria / produzida pelo sistem a, isto é, de novo, a
quantidade de trabalho contida na quantidade da m erca
doria j que o sistem a produz. Por fim, seja n o núm ero de
94
m ercadorias. Se, como fizem os com o exemplo num érico,
designarm os por p 1; p 2 ...pn os coeficientes de transform ação
dos valores em preços, terem os o seguinte sistem a de
equações (34):
95
m ercadorias, seja como for que sejam m edidas. É certo que
se o pão fo r m edido em quintais em vez de em horas de
trabalho, isto é, se com o unidade de m edida do pão se to m ar
o quintal em vez da quantidade de pão que contém um a
h ora de trabalho, o preço do pão m udará, m as entre os dois
preços existe um a relação unívoca que perm ite p a ssa r de
um ao outro. A ta x a de lucro será pois a m esm a, indepen
dentem ente de como as m ercadorias são m edidas.
C hega-se então à conclusão de que as quantidades de
trab alh o não têm qualquer im portância n a determ inação
dos preços e da ta x a de lucro, dentro da e stru tu ra analítica
assum ida pelo problem a da transform ação. O bteve-se a con
firm ação deste resultado quando, em 1960, Piero Sraffa publi
cou Produzione di m erci a m ezzo di m erci [Produção de
m ercadorias com m ercadorias], em que preços e ta x a de
lucro são determ inados com um esquem a idêntico ao sistem a
de equações que estabelecem os atrás, com a única diferença,
aliás irrelevante, de que as m ercadorias, em vez de serem
m edidas em unidades-trabalho, são m edidas segundo as uni
dades físicas próprias a cada um a delas (quintais, litros,
m etros, etc.).
A situação apresenta-se assim nos seguintes term os:
a) M arx ad ianta um processo de transform ação segundo a
sucessão lógica: valor, ta x a de lucro, preço; b) aponta um
defeito neste processo, n a m edida em que este inclui na
transform ação os valores dos produtos e não os valores das
m ercadorias que com põem o capital, m as não considerou
necessário aprofundar este ponto; c) este é retom ado por
ou tro s autores que, tom ando os valores com o dados, d eter
m inam preços e ta x a de lucro m ediante um sistem a de
equações sim ultâneas; d) quando este sistem a é form ulado
correctam ente, isto é, m ercadoria por m ercadoria, m o stra
que as quantidades de trabalho apenas têm a função de m edir
as quantidades das m ercadorias e que, por isso, podem ser
substituídas pelas quantidades físicas (Sraffa); e) assim , o
problem a da transform ação, desenvolvido segundo a sugestão
do próprio M arx, autodestrói-se, na m edida em que o esquem a
a que se chega já não é um a transform ação de valores em
preços, m as um a determ inação de preços independentem ente
dos valores.
P ara que não surjam equívocos acerca deste ponto, deve
sublinhar-se que o resultado a que chega Sraffa constitui o
term o da h istória do problem a da transform ação, m as não
rep resen ta a sua solução, como m uitos pretendem , consti-
, tuindo antes a sua supressão. Por outro lado, deve ficar
96
igualm ente claro que, se se chega à supressão de um pro
blem a pelo facto de não se te r procurado correcta e coeren
tem en te a sua solução, deve existir um defeito de origem ,
intrínseco à própria form ulação do problem a. E efectivam ente,
se exam inarm os o modo como o conceito da transform ação
foi introduzido pelo próprio M arx, provavelm ente não será
difícil descobrir este defeito de origem.
R etom em os a crítica de M arx a Ricardo. Ela pode resu
m ir-se n a afirm ação de que Ricardo, quando se refere ao
trab alh o n a sua teo ria do valor, tem em m ente o trabalho
hum ano em geral e não o trabalho historicam ente determ i
nado como trabalho abstracto, ou, o que é o m esm o, o
trab alh o fornecido pelo operário assalariado. Assim, para
M arx, ao contrário de Ricardo, e tam bém de Sm ith, o valor
refere-se ao trabalho, não porque o trabalho seja o agente
n a tu ra l de um a produção igualm ente natural, m as precisa
m ente pela razão oposta, ou seja, porque, por um lado, o
trabalho é trabalho abstracto, trabalho separado da n a tu ra
lidade do trab alh ad o r e, por outro, e de um a form a co rres
pondente, a produção não é produção n atu ral de valores de
uso, m as produção de produtos tam bém eles abstractos, isto
é, de valores. Para Ricardo, a relação valor-trabalho é po r
ta n to um a relação n atu ral, enquanto p ara M arx ela é a
expressão da alienação. Em sum a, p ara M arx, fora da d eter
m inação social e histórica do trabalho como trabalho abs
tra c to , a relação valor-trabalho não tem sentido, nem decerto
o te ria o próprio valor.
Porém , o que é que acontece no processo da tra n sfo r
m ação tal como é exposto por M arx no livro terceiro de
O Capital? A contece que o valor-trabalho é m edido num a
relação m atem ática com o preço, e n e sta relação ele torna-se
necessariam ente um a realidade técnico-natural, passando a
fazer parte, como um elem ento entre outros, do m undo
físico das coisas e dos produtos. N ada haverá de estranho
em que, como tal, ele possa não su p o rtar o ónus da deter
m inação dos preços. U m a confirm ação im portante deste
ponto é de novo fornecida por Sraffa. Como verem os quando
falarm os expressam ente deste autor, ele, após te r determ inado
os preços da m aneira que referim os, realiza um a segunda
operação que, sinteticam ente, consiste no seguinte. E ntre os
vários m eios de produção que entram na produção das
m ercadorias, considerou-se o trabalho à p arte de todos os
outros; e aqui o trabalho é obviam ente um trabalho tecnica
m ente e não socialm ente determ inado. Após o que, os preços
d as diversas m ercadorias foram reduzidos a quantidades de
7 97
trabalho, m ediante um processo inverso, que to rn a explícitas
não só a quantidade de trab alh o directam ente em pregue na
produção de um a m ercadoria, m as tam bém a quantidade
em pregue na produção dos seus m eios de produção, a que
é em pregue na produção dos m eios de produção que p rodu
ziram estes m eios de produção, e assim por diante. O que
resu lta desta «redução» é que o preço de um a m ercadoria
depende não só da quantidade de trabalho directa e indi
re c ta que interveio na sua produção, m as tam bém do modo
com o este trabalho se distribui entre as v árias fases ou
períodos a que se deve rem o n tar no próprio processo da
«redução»: efectivam ente, um a dada quantidade de trabalho
exerce um a influência sobre o preço da m ercadoria tan to
m aior quanto m ais longe se en co n trar do processo produtivo
considerado a fase (ou período) na qual esse trabalho foi
fornecido, e isto através da acum ulação dos lucros que advêm
de um a fase p ara a outra. M as então dois casos se podem
dar: ou se determ inam «tranquilam ente» os preços indepen
dentem ente das quantidades de trabalho, ou, se se quiser
que estas quantidades intervenham de algum a m aneira, deve
evidenciar-se que elas, por si sós, não podem determ inar os
preços, um a vez que p ara isso é necessário um outro ele
m ento, ou seja, a colocação do próprio trabalho n a série de
fases ou períodos que «estão por detrás» da produção de
cada m ercadoria. D esta form a se abre a via a um a teoria
dos «factores» (que, como verem os, é a teo ria m oderna ou
«burguesa»): o trabalho é um facto r en tre outros (de que
são eventualm ente p o rtadoras outras classes sociais), p er
dendo-se a teo ria do valor-trabalho.
P ortanto, se o resultado da h istória do problem a da tra n s
form ação im plicar o desaparecim ento da categoria do valor,
e a perda de sentido do próprio problem a, isso deriva do
facto de essa categoria já te r sido suprim ida na form ulação
inicial apresentada por M arx. Para o confirm ar pode ser
útil retom ar a crítica de M arx a Ricardo. Como dissemos,
segundo M arx, Ricardo com ete o erro (por carência de capa
cidade de abstracção) de incluir im ediatam ente o lucro no
valor, confundindo assim a categoria do valor com a do
preço e esquecendo todas as m ediações que é preciso p er
co rrer p ara chegar de um a a té à outra. Porém , se os preços
derivam dos valores m ediante um a operação algébrica, não
existe nenhum a m ediação real entre uns e outros. A operação
que M arx realiza no terceiro livro de O Capital é estritam ente
ricardiana e não pode deixar de chegar ao m esm o resultado.
98
Se por transform ação se deve entender m ediação, como p re
ten d ia M arx, então a transform ação nem foi por ele abordada.
M as a questão não pode encerrar-se aqui. D etectar um a
falha de pouco serve se não se te n ta r ao m enos explicá-la.
P ara tal, será necessário antes de m ais pôr a questão de
saber qual é p ara M arx, com parativam ente, a n atu reza destas
duas categorias: valor e preço. E, a este respeito, é ainda
necessário insistir no facto de M arx utilizar o conceito de
valor para ap o n tar um a contradição: quando o produto do
trab alh o tem a form a do valor, então a relação entre trabalho
e produto é dúplice e contraditória. Por um lado, o produto
e stá dependente do trabalho enquanto seu efeito; po r outro,
o trabalho depende do produto na m edida em que este últim o,
com o valor, é capital. D este modo, o conceito de v alor é
form ulado no interior de um discurso que, seja como for
que o queiram os definir, se baseia num a lógica bem d eter
m inada, precisam ente a da contradição. Esclareceu-se recen
tem en te (35), com argum entos que nos parecem m uito úteis
p a ra aclarar e sta questão, que a aplicação, por parte de M arx,
da categoria da contradição à realidade capitalista não é
consequência, como frequentem ente se defendeu, do facto
de M arx considerar a realidade em geral (natural e histórica)
como contraditória, já que isso significaria im putar a M arx
um a visão da realidade como realidade ideal no sentido de
Hegel, m as antes do facto de M arx, em bora considerando,
m aterialisticam ente, a realidade como regida pelo princípio
da não-contradição, a trib u ir a contradição especificam ente ao
capitalism o, um a vez que, p ara ele, o capitalism o é um a
realidade «subvertida», enquanto expressão últim a e perfeita
da cisão que desfez a unidade originária e natu ral dos hom ens
entre si e dos hom ens com a natureza. O conceito de valor
é, sem dúvida nenhum a, a p arte da teoria m arxista do capi
talism o que serve de fundam ento a e sta visão do próprio
capitalism o como realidade contraditória. Porém foi igual
m ente precisado que em M arx se encontra tam bém a con-
99
tinuação do discurso científico da econom ia política clássica,
um discurso que, justam ente enquanto científico, deve ignorar
a categoria da contradição. Ora, não parece suscitar dúvidas
que o conceito de preço pertence a este segundo aspecto do
pensam ento de M arx. Mas então a ten ta tiv a de estabelecer
um a relação m atem ática entre preço e valor significa a rra n c ar
o conceito de valor ao contexto «filosófico» no qual tem
origem, p ara o colocar num contexto que o to rn a desprovido
de sentido como conceito distinto do de preço. Em sum a,
se é verdade (como conclui a interpretação do pensam ento
de M arx que referim os) que existe um a dicotom ia entre um
M arx «filósofo» e um M arx «cientista», a ausência nele de
um a solução p ara o problem a da transform ação seria in te r
p retad a como um a expressão—e até, provavelm ente, a expres
são principal — dessa dicotom ia. N este sentido, cabe dizer
que a transform ação não constitui, no âm bito do m arxism o,
um problem a particular: o facto de até hoje te r perm anecido
um problem a em aberto constitui um a circunstância decisiva
para o destino do m arxism o. Serão feitas outras considera
ções a este respeito n a sequência d esta exposição da história
da teoria do valor, a propósito das discussões suscitadas pela
obra de Piero Sraffa.
100
4. A TEORIA MODERNA
4.1. Precedentes
Para introduzir o discurso sobre a teoria «m oderna» do
valor é útil reto m ar um a consideração a que conduziu quer
a análise da teoria ricardiana, quer a análise do problem a
de M arx da transform ação. T anto em Ricardo como, ine
vitavelm ente, na faceta ricardiana da teoria de M arx, acaba
por ser posto em evidência, m au grado as intenções iniciais,
que, para além do trabalho, existem outros elem entos cons
titutivos do valor. Ou seja, se o trabalho fo r ricardianam ente
(e sm ithianam ente) entendido como um factor técnico-natu
ral da produção, deve necessariam ente chegar-se à conclusão
de que ele, por si só, não pode su p o rtar o ónus da form a
ção do valor de troca. Assim, como vimos, R icardo teve de
render-se à evidência de que o valor do trabalho, isto é, a
distribuição do produto entre salários e lucros, que ele pôs
fora da p o rta (como crítica a S m ith ), lhe voltava a e n tra r pela
janela; e, como tam bém vimos, a historia do problem a da
transform ação enfrenta a seguinte alternativa: ou as quan
tidades de trabalho são totalm ente irrelevantes para explicar
as relações de tro ca ou, se se insistir em fazê-las aparecer
nesta explicação, elas não aparecem sozinhas.
Para com pletar a exposição recorde-se que, ainda na
época clássica, alguém se referiria explicitam ente a um a
m ultiplicidade de «factores» como causas do valor. Convém
aqui recordar, não tan to J. B. Say (que, com a sua concepção
de que o valor da m ercadoria depende do valor dos «serviços
produtivos» dos factores em pregues p ara a produzir — tra b a
lho, terra, capital e em presários — , reproduz o círculo
vicioso de Sm ith, em que o valor é feito depender do valor),
101
quanto N. Sénior, cuja im portância num a história da teoria
do valor reside no facto de, desejando precisar o tipo de
influência que o capital exerce na form ação do valor, te r sido
suficientem ente perspicaz para com preender que se tra ta v a
de pô r em cam po um elem ento igualm ente originário do
trabalho e da natureza. Sénior designa-o po r abstinência e
define-o como «o com portam ento de um sujeito que, ou se
abstém do uso im produtivo daquilo de que dispõe, ou prefere
deliberadam ente obter resultados rem otos a obter resultados
im ediatos» (L). A abstinência, para Sénior, está na base da
produção e da utilização na produção de todas as m ercadorias
que constituem o capital (ou seja, o conjunto dos «elem entos
da riqueza que são o resultado da actividade hum ana e que
são em pregues na produção ou n a distribuição da riqueza»).
E Sénior com preende bem que a substituição do «capital»
pela «abstinência», como term o a em parceirar com o trabalho
e a natureza, evita o erro de explicar o produto com outros
produtos (e, portanto, o valor com outros valores), perm i
tindo alcançar a necessária sim etria no cam po da distribuição
do rendim ento: a abstinência «está p ara o lucro na m esm a
relação em que o trabalho está p ara o salário» (2).
O significado desta proposta teórica ia, no entanto, m uito
além do que o próprio Sénior conseguia im aginar: efectiva
m ente, im plicava a negação do conceito clássico de «produto
líquido». Q produto líquido é o resultado do trabalho «pro
dutivo», ou seja, de um trabalho que produz m ais do que
é necessário para a sua subsistência. Daí decorre que aquilo
que está por detrás do produto líquido não é diferente do
que está por detrás do salário: o conceito m arxista de
«sobretrabalho» constitui a explicitação plena deste ponto
fundam ental da abordagem clássica no âm bito da qual, po r
tanto, o lucro é um resíduo cuja im portância depende do que
os trabalhadores produtivos conseguem obter como salário.
Inversam ente, se se aceitar a proposta de Sénior, cada parte
distributiva, isto é, tanto o salário com o o lucro, se to rn a no
valor de um contributo produtivo específico, e a distribuição
do produto deixa de ser o resultado da relação de forças
entre classes sociais antagónicas, sendo antes regida por
um a lei económica determ inada.
102
\ 4.2. A definição de Robbins
103
modo. É certo que a consciência d esta im plicação da nova
abordagem p ara o conteúdo do conceito de valor, se form ou
gradualm ente; m as a im plicação em si m esm a já era clara
desde o inicio.
Não parece aqui necessário seguir ponto por ponto um a
exposição histórica. É preferível proceder do seguinte modo:
1) com eçarem os por nos referir ao m om ento em que o novo
conceito de econom ia se definiu com a m áxim a consciência
acerca da n atu reza do trabalho científico desenvolvido p re
cedentem ente, ou seja, referir-nos-em os à obra de L. Robbins
(1932); 2) verem os em seguida o que isso implica em rela
ção ao conceito de valor; e fá-lo-em os da m aneira m ais sim
ples possível, isto é, analisando o «com portam ento econó
mico» de um sujeito isolado; 3) porem os depois a questão
de saber de que modo este conceito de valor pode ser alar
gado a um sistem a, enquanto conjunto de vários indivíduos;
para este efeito, utilizarem os os resultados da teoria do equi
librio económico geral, tal como foi elaborada a p a rtir dos
finais do século passado. E sta teoria perm itirá tam bém p re
cisar as relações que se estabelecem entre o preço, como
relação de troca no m ercado, e o valor, tal como ele resu lta da
nova teoria; 4) finalm ente, analisarem os, num a perspectiva
crítica, a questão da universalidade que, como dissem os, esta
teoria reivindica para as suas categorias e, em particular,
p ara a categoria do valor.
O objectivo declarado de Robbins (3) é dar um a definição
da economia que seja analítica e não classificativa: entende
po r isso um a definição que se refira não a um a espécie de
conduta hum ana, a considerar económica, em contraposição
a outras espécies de conduta, que seriam não económ icas,
m as sim a um aspecto ou dim ensão da conduta hum ana. Con
tra as definições de tipo classificativo — como, por exemplo,
a que considera a econom ia como aquilo que diz respeito ao
bem -estar material — , ele adianta um a objecção que consi
dera «esm agadora»: se se adm ite um a esfera económ ica e,
fora déla, um a esfera não económica, subsiste ainda «o p ro
blem a económico da separação entre o económico e o não
económico» (4).
104
\ A definição proposta por Robbins está contida num a
passagem que será útil citar integralm ente:
105
«A econom ia é a ciência que estuda a conduta
hum ana enquanto relação entre objectivos e meios
escassos aplicáveis a utilizações alternativas» (6) .
(o) ibid.
0) lbid.
106
de troca e invocando a acção das leis da escolha que
se m anifestam m ais claram ente quando se considera
a conduta do indivíduo isolado» (8).
(s) Ibid.
(9) Ibid., cap. II.
107
O com portam ento de um sujeito isolado pode ser anali
sado em vários pontos de v ista ; exporem os aqui dois m uito
simples, m as suficientem ente representativos p ara o problem a
que nos interessa.
Suponham os, com o prim eiro caso, que este indivíduo tem
dados recursos produtivos (de que não interessa aqui pre
cisar a natureza: seja como for, pode pensar-se em certas
quantidades de trabalho, de te rra e de instrum entos). Com
estes recursos, ele pode produzir dois bens A e B em p ro
porções variáveis: poderia produzir apenas A, ou apenas B,
ou um a das inúm eras com binações possíveis (teoricam ente
infinitas) en tre A e B. N aturalm ente que, precisam ente por
que os recursos são dados, eles impõem um vínculo às pos
sibilidades produtivas, expresso no facto de para obter, por
exemplo, um a unidade adicional de B, ser necessário ren u n
ciar a um certo núm ero de unidades de A: a quantidade de A
à qual é necessário renunciar para obter um a unidade acres
centada de B cham a-se tax a de transform ação de A relativa
m ente a B. E sta tax a de transform ação não é necessariam ente
constante; poderá suceder, por exemplo, que a quantidade
de A a que se te rá de renunciar para obter um a unidade
adicional de B seja tan to m aior quanto m aior fo r a quanti
dade de B da qual se parte: isto significaria que a produção
de B seria cada vez m ais difícil, ou seja, que ao aum entar a
sua quantidade global seria sem pre m ais difícil obter m ais
um a unidade, com a consequência de que os recursos a ex trair
da produção de A seriam cada vez m aiores. Se a tax a de tra n s
form ação de A relativam ente a B é crescente, diz-se que B é
obtido com rendim entos decrescentes.
R elativam ente a A e B pressupõe-se, pois, que o sujeito
tem escalas de preferência perfeitam ente definíveis. Isto
poderá expressar-se dizendo que, para qualquer com binação
de A e B, o sujeito sabe, po r exemplo, a que quantidade
de A estaria disposto a renunciar para te r um a unidade a m ais
de B, ou, o que é o m esmo, qual é a quantidade de A que pode
substituir-se a um a unidade de B p ara que a satisfação (ou
a utilidade) do sujeito perm aneça inalterada. E sta quantidade
de A cham a-se tax a de substituição de A relativam ente a B.
E sta tax a de substituição nunca é constante (salvo casos
excepcionais), pois a quantidade de A que dá a m esm a satis
fação que um a unidade adicional de B é tan to m enor quanto
m aior for a quantidade de B de que se parte: por outras pala
vras, os acréscim os à quantidade de B são cada vez m enos
im portantes para o sujeito, o qual, portanto, p ara se m anter
108
ao m esm o nível de satisfação, pode renunciar a quantidades
cada vez m enores de B.
Entre estes dois bens são po rtan to definíveis um a tax a
de transform ação na produção e um a tax a de substituição
no consumo.
Pode observar-se que estão presentes todas as condições
do problem a de Robbins: os objectivos são m últiplos (A e B)
e são ordenáveis segundo a sua im portância relativa; os meios
são escassos e aplicáveis a m ais de um a utilização. Qual é
a solução? Ou seja, entre todas as alternativas que existem em
aberto, qual será a que o sujeito escolherá? É evidente que
ele escolherá produzir, en tre todas as com binações de A e B
que lhe são acessíveis, subordinado ao vínculo dos recursos,
aquela que o coloca ao nível m áxim o de satisfação. D em ons
tra-se que (se a ta x a de transform ação é crescente — ou, de
um a form a m ais geral, não d e c re sc e n te — , e se a ta x a de
substituição é decrescente) o ponto escolhido, com base no
critério acim a referido, é aquele em que as duas tax as são
iguais; ou seja, a satisfação é m áxim a quando o p ar produzido
de A e B é tal que a quantidade de A a que é necessário renun
ciar na produção p ara obter um a unidade de B é precisa
m ente aquela à qual o sujeito estaria disposto a renunciar
p a ra se m anter, com um a unidade de B a m ais, ao m esm o
nível de satisfação.
A situação é então a seguinte: na produção é definível
um a relação de equivalência técnica entre A e B; no consum o
é definível um a relação de equivalência subjectiva (ou, se
se quiser, psicológica) en tre A e B; quando o problem a da
escolha, im posto pela escassez dos recursos, estiver resol
vido, o valor com um destas duas relações de equivalência
(as quais, note-se, são iguais apenas no ponto escolhido) é
um a relação de equivalência económ ica entre A e B, que
pode perfeitam ente ser definida como o valor de um relativ a
m ente ao outro.
Pode observar-se, portanto, que aqui o conceito de valor
é deduzido sem qualquer referência à troca. N aturalm ente,
não seria incorrecta um a generalização do conceito de troca
que perm itisse a referência a um a «troca» entre A e B no
interior da conduta económ ica do sujeito isolado; m as seria
um a generalização apenas verbal, que nada acrescentaria aos
conceitos de equivalência técnica, subjectiva e económica,
tal como foram até aqui definidos. Troca, em sentido próprio,
é a passagem de bens (que assim se tornam m ercadorias)
de um sujeito para outro; e é desta tro ca (para a qual a alte-
ridade é essencial) que, na definição de valor, se abstraiu.
109
Passem os agora a um segundo exemplo, que nos per
m itirá referir o conceito de valor tam bém a (pelo m enos) um
recurso produtivo. Suponham os agora que o nosso sujeito
está em condições de fornecer trabalho em quantidade v ariá
vel (L), e que da quantidade de trabalho depende a quanti
dade produzida de um bem A. A quantidade de A é, n a tu ra l
m ente, um a função crescente de L; suponham os, por outro
lado, que a produção é regida por rendim entos decrescentes,
isto é, que a quantidade adicional de A que se obtém aum en
tando L de um a unidade é tan to m enor quanto m aior for a
quantidade inicial de L (esta hipótese depende do facto de os
outros «factores», po r exem plo a terra, serem considerados
co n stan tes). Tam bém aqui se pode definir um a tax a de tra n s
form ação de A relativam ente a L, com o a quantidade adicio
nal de A que se obtém aum entando L de um a unidade.
O sujeito tem , por outro lado, um esquem a bem definido
de preferências relativam ente a A e L, no sentido de que sabe
q uantas unidades de A lhe são necessárias, perante um
aum ento de L de um a unidade, para m an ter a um dado nível
a sua satisfação ou utilidade. Tendo presente que A é «útil»
enquanto L é «não útil», daí deriva que, em correspondência
com um certo nível de satisfação, A deve aum entar se L
aum entar; e suponham os que a quantidade de A que com pensa
um a unidade a m ais de L é tan to m aior quanto m aior for a
quantidade de L de que se parte, como m anifestação do facto
de o trabalho se to rn a r cada vez m ais oneroso. Tam bém aqui
é definível um a ta x a de substituição de A relativam ente a L,
que, ao contrário da tax a de transform ação, é crescente à
m edida que L cresce.
Um a vez mais, encontram -se presentes as condições do
problem a de Robbins: os fins são m últiplos (as diversas
com binações de A e de não -trab alh o ); os meios são escassos
e têm utilizações alternativas. Tam bém aqui a escolha con
siste em to rn ar m áxim a a satisfação, dem onstrando-se que
isso acontece quando o sujeito consegue um par de A e L tal
que a tax a de transform ação seja igual à tax a de su bstitui
ção; ou seja, a satisfação é m áxim a quando o trabalho é p res
tado a té ao ponto em que o aum ento ulterior de um a unidade
de L faria obter um a unidade de A exactam ente suficiente
p ara com pensar o sujeito da não utilidade desta unidade adi
cional de L. Tam bém aqui, portanto, existe um a relação de
equivalência técnica e um a relação de equivalência subjectiva
entre A e L; quando a escolha tem lugar, o valor com um des
ta s duas relações é a relação de equivalência económica entre
A e L, ou seja, o valor de um relativam ente ao outro.
110
N aturalm ente que os exem plos poderiam ser com plica
dos, sem pre com referência ao sujeito isolado, até incluírem
m ais recursos e m ais produtos, bem como, por exemplo, a
utilização diferida no tem po de recursos ou de produtos; m as
os dois que utilizám os são suficientes p ara m o strar a essência
da questão, repetim os, a possibilidade de deduzir o conceito
de valor da definição de Robbins, sem im plicar a troca.
Um a circunstância existe que convém exam inar com
toda a exactidão a fim de se ev itar um equívoco que, no con
tex to da abordagem que estam os a analisar, foi m uito fre
quente durante um certo período e ainda surge, por vezes,
nos nossos dias. É evidente que na teoria económ ica conform e
com a definição de Robbins as avaliações subjectivas têm
um lugar im portante; e não resta dúvida de que, historica
m ente, a tradição científica que culm ina em Robbins privi
legiou este elem ento subjectivo, sobretudo em polém ica com
a abordagem clássica do valor-trabalho. M as daí não se pode
concluir que a teoria «m oderna» do valor seja um a teoria
subfectivista (ou psicologista), com o por vezes ainda se
afirm a. N a realidade, na lógica desta teoria, as circunstân
cias de cará c te r técnico, que se referem ao processo produ
tivo, são, p ara os fins da form ação do valor, tão relevantes
com o as avaliações subjectivas. Por outro lado, é tam bém
necessário chegarm os a acordo sobre o sentido do term o
«subjectivo» neste contexto: a referência à psicologia dos
sujeitos que efectuam as escolhas (que tam bém esteve m ui
tas vezes presente na teoria m oderna) não é essencial para o
objectivo da caracterização d esta teo ria; em prim eiro lugar
porque o com portam ento dos indivíduos pode ser com preen
dido sem pressupor hipóteses psicológicas particulares e, em
segundo lugar, porque, exem plificando, as avaliações com
p arativ as dos fins podem provir de um a autoridade planifi
cad o ra que decida com base em critérios políticos, sem que
com isto a e stru tu ra form al da teoria venha a ser m inim a
m ente m odificada.
111
de que modo a teoria «m oderna» ou, como tam bém se diz,
«neoclássica», rep resen ta a econom ia de troca? Referir-nos-
-emos principalm ente a dois autores da tradição neoclássica,
W alras e Bõhm-Bawerk.
Para com preender a representação w alrasiana do m er
cado (10), é necessário te r presente a sua classificação dos
elem entos que com põem a «riqueza social», ou seja, «o con
junto de todas as coisas, m ateriais e im ateriais, que são
susceptíveis de te r um preço porque são escassas, isto é, por
um lado são úteis e, por outro, só estão disponíveis em quan
tidade limitada» (“ ). Ora, estes elem entos com ponentes da
riqueza social dividem-se, segundo a classificação de W alras,
em duas grandes categorias principais: os capitais, ou bens
duradouros, isto é, os bens que servem m ais de um a vez e os
rendim entos, ou bens que servem um a única vez. Os capitais,
por sua vez, com preendem : os capitais (ou recursos) naturais,
os capitais (ou capacidades) pessoais, e os capitais propria
m ente ditos. Os rendim entos com preendem , essencialm ente,
os bens de consum o e os bens interm ediários (isto é, os bens
não duradouros utilizados na produção) e, em segundo lugar,
sob o nom e de serviços, as sucessivas utilizações dos capitais.
Os serviços com um a utilidade directa são reagrupados com
os bens de consum o sob o nom e de serviços consum íveis
(por exemplo, p ara as trê s espécies de capitais, respectiva
m ente: os serviços de um terren o utilizado como parque, de
um criado, de um a casa de habitação); os serviços que têm
um a utilidade indirecta são reagrupados com os bens interm e
diários sob a designação de serviços produtivos (por exemplo,
respectivam ente para as três espécies de capitais: os serviços
de um terreno cultivado, de um trabalhador, de um a m áquina
industrial). A classificação w alrasiana é portanto, resum ida
m ente, a seguinte:
Riqueza social ,
A. Capitais naturais
1. Capitais naturais
2. Capitais pessoais
3. Capitais propriam ente ditos
112
B. Rendimento:
1. P ara utilizações de consumo:
a. Bens de consum o
b. Serviços consum íveis das trê s espécies de
capitais
2. P ara utilizações de produção:
a. Bens interm ediários
b. Serviços produtivos das trê s espécies de
capitais.
8 113
No m ercado dos bens de consum o surgem como vendedores,
os em presários e como com pradores os proprietários fu n
diários, os trabalhadores e os capitalistas. No m ercado dos
bens interm ediários só se encontram os em presários, quer
como vendedores, quer como com pradores. No m ercado dos
bens de capital surgem como vendedores os em presários e
como com pradores os proprietários fundiários, os trabalhado
res e os capitalistas, os quais, na m edida em que adquirem capi
tais propriam ente ditos, tom am , se já não a tinham , a n a tu
reza de capitalistas. Por outro lado, pode pensar-se (com
m aior aproxim ação da realidade) que estes capitalistas poten
ciais confiam aos em presários a ta re fa de com prar os capi
tais, oferecendo-lhes a sua poupança. Tem-se assim um
m ercado da poupança, enquanto no m ercado dos capitais
propriam ente ditos apenas intervêm os em presários.
N esta estru tu ra, qual virá a ser a configuração do pro
cesso económico? E ste tem (não cronológica, m as logica
m ente) um ponto de partida, constituído pela disponibilidade
de determ inadas quantidades de capitais por p arte dos sujei
tos proprietários. Estes vendem os serviços destes capitais
aos em presários. Estes últim os com pram estes serviços, e
trocam os bens interm ediários entre si: deste modo, vêm a
dispor de «factores de produção» que introduzem em pro
cessos produtivos de um a dada tecnologia. Para a realização
desses processos, os em presários voltam ao m ercado como
vendedores dos produtos e encontram -se, como adquiridores,
perante os m esm os proprietários fundiários, os m esm os tr a
balhadores e os mesm os capitalistas a quem tinham adquirido
os serviços produtivos e que, entretanto, já podem adquirir
os produtos na m edida em que têm de despender o valor dos
serviços que tinham vendido. Chega-se assim ao ponto final
do processo, que tem dois aspectos: o consum o dos bens
consum íveis por parte dos sujeitos e a aquisição directa ou
indirecta, por p arte deles enquanto aforradores, de novos
capitais. Tal como se pressupõe dada a tecnologia, assim se
pressupõem dadas as preferências dos sujeitos, relativam ente
quer aos serviços produtivos de que dispõem , quer aos bens
de consumo, quer, ainda, à repartição do seu rendim ento entre
consum o e poupança.
Para exam inar o desenvolvim ento deste processo, é
necessário te r presente o que se segue: 1) o m ercado é con
correncial, no sentido de que os sujeitos e as em presas que
nele operam têm dimensões b a sta n te reduzidas, face ao m er
cado global, o que não lhes perm ite influenciar os preços do
próprio m ercado, nem no que se refere às coisas que vendem,
114
nem no que se refere às coisas que adquirem ; deste modo,
qualquer sujeito ou em presa deve considerar os preços como
dados; 2) cada sujeito tende a m axim alizar a sua própria
satisfação tendo em conta as suas preferências, e cada
em presa tende a m axim alizar os seus lucros tendo em conta
a tecnologia de que dispõe; nestas acções m axim alizantes os
sujeitos devem te r em conta os preços dos serviços que ven
dem e os preços dos bens que com pram , já que estes últim os
só podem ser adquiridos utilizando as disponibilidades pro
venientes da venda dos prim eiros; de form a análoga, as
em presas devem confrontar custos com lucros e, portanto,
tam bém elas se devem referir aos preços dos serviços adqui
ridos e aos preços dos produtos vendidos; todos estes preços,
dada a condição 1), são considerados como dados pelos sujei
tos e pelas em presas; 3) os preços de equilíbrio são aqueles
que, para cada serviço e para cada produto, asseguram a igual
dade entre a quantidade oferecida e a quantidade procurada;
estes preços de equilíbrio são os que asseguram a com patibi
lidade entre todas as posições m áxim as para as quais tendem
quer os sujeitos, quer as em presas. A condição 2) cham a-se
condição subjectiva do equilíbrio, e a condição 3), condição
objectiva do equilíbrio. O equilíbrio é, portanto, a resultante
de um a condição concorrencial, de um a condição subjectiva
e de um a condição objectiva.
P ara m elhor com preender a relação existente entre con
dição subjectiva e condição objectiva, convém pôr em evi
dência o que alguns definiram como a função param étrica dos
preços neste tipo de teoria. W alras raciocinou da seguinte
form a. Suponham os que num dado m om ento se fixam arbi
trariam en te preços (prix créés par hasard); sujeitos e em pre
sas, em v irtu d e da condição 1), consideram -nos como dados
e determ inam os seus próprios com portam entos m axim alizan
tes, segundo a condição 2); em consequência destes com por
tam entos, surgirão no m ercado ofertas e procuras de bens
e serviços por p arte de sujeitos e em presas; procedendo a um a
som a adequada, terem os, p ara cada bem e serviço, um a
oferta global e um a procura global; dado que os preços foram
dados, por hipótese, ao acaso, a oferta e a procura não coin
cidirão» em todos os m ercados: nuns verificar-se-á um exce
dente d e oferta, noutros um excedente de procura; por isso,
a condição 3) não será em geral satisfeita, o que significa
que as posições de m áxim os, prosseguidas individualm ente em
conform idade com a condição 2), não serão com patíveis entre
si. Procede-se então a um a nova fixação de preços, que dife
rirá d a inicial no sentido de que, obviam ente, os preços serão
115
reduzidos nos m ercados que apresentam um excesso de oferta
e aum entados nos m ercados com um excesso de procura; este
processo continua, até que o ferta e procura se tenham to r
nado iguais em todos os m ercados, isto é, até que a con
dição 3) esteja satisfeita e, com ela, seja realizada tam bém
a condição 2). A concorrência é, p ara W alras, o processo,
o m ecanism o que realiza im pessoalm ente (como um a «mão
invisível», segundo a expressão de Sm ith) este ajustam ento
necessário ao equilíbrio. O adjectivo «param étrica» com que
se qualifica a função dos preços no processo que acabám os
de descrever significa o seguinte: «se bem que os preços sejam
o resultado dos com portam entos de todos os indivíduos p re
sentes no m ercado, cada indivíduo, considerado isoladam ente,
considera os preços de m ercado efectivos como dados aos
quais o seu com portam ento se deve adequar. Cada indivíduo
procura usu fru ir da situação de m ercado que tem perante si
e que não pode controlar. Os preços de m ercado são assim
os parâm etros que determ inam o com portam ento dos indiví
duos. Os valores de equilíbrio destes parâm etros são determ i
nados pela condição objectiva do equilíbrio» (12).
A configuração de equilíbrio é constituída por todos os
preços de equilíbrio, assim como pelos valores de equilíbrio
das quantidades trocadas de serviços e bens; nestes preços
está com preendida a tax a de juro, como preço da poupança,
e nas quantidades e stá com preendida a «quantidade» de
poupança.
E sta representação do processo económico expressa-se
(nem podia ser de o u tra m aneira, dada a com plexidade dos
elem entos presentes no esquem a e das suas inter-relações)
num sistem a de equações algébricas. Do que foi dito decorre
que, neste sistem a, são os seguintes os elem entos conhecidos:
1) as quantidades dos capitais inicialm ente à disposição dos
sujeitos; 2) o estado das preferências destes sujeitos, quer
no que se refere aos serviços por eles oferecidos, quer aos
bens por eles procurados, quer à repartição do rendim ento
entre o consum o e a p o u p a n ç a ; 3) o estádio da tecnologia que
preside à transform ação dos serviços produtivos em produtos
p ara as utilizações finais; enquanto as incógnitas são as
seguintes: 1) as quantidades dos serviços (oferecidas pelos
sujeitos, utilizadas pelos em presários e, portanto, trocadas
entre eles), 2) as quantidades de bens (produzidas pelos
em presários e utilizadas ou pelos próprios em presários, se
116
se tra ta de bens interm ediarios, ou pelos sujeitos consum ido
res, se se tra ta de bens do consum o, ou pelos sujeitos aforra-
dores, se se tra ta de capitais novos). W alras m ostra, que a
p artir do conjunto dos elem entos conhecidos e da hipótese de
que os sujeitos e as em presas tenham com portam entos maxi-
m alizantes, pode extrair-se um conjunto de condições, ou equa
ções, em núm ero equivalente ao núm ero das incógnitas, que
é uma condição necessária (em bora não suficiente) p ara a
coerência interna da teoria. Assim, a concorrência pode ser
concebida com o um grande calculador no sentido de que,
com os seus processos de m ercado, «resolve» o sistem a de
equações no qual se expressa a vida económica. W alras não
pensou, obviam ente, em proceder à solução efectiva (m ediante
calculador) das equações do equilíbrio económ ico geral, não
só pelas dificuldades p ráticas que um cálculo destes com
portaria (quer pela im possibilidade de obter todas as infor
m ações necessárias, quer pela com plexidade extrem a do
cálculo num érico num caso em que estariam envolvidas m ilha
res, e talvez m ilhões, de equações), m as tam bém ou, talvez,
sobretudo porque pensava que o sistem a económico fosse
j á por si próprio, um calculador capaz, m ediante a coorde
nação de m ercado de inúm eras decisões descentralizadas, de
chegar à solução, ou seja, à configuração de equilíbrio.
N esta configuração os preços apresentam -se n a tu ra l
m ente como as relações de tro c a entre os bens e serviços.
Se, todavia, se considerar m ais atentam ente o seu signi
ficado, podem precisar-se um certo núm ero de aspectos (13)-
No esquem a de W alras, é possível determ inar que quantidade
de um bem se pode obter se se libertarem os recursos, isto é,
os serviços produtivos que produziam um a unidade de outro
bem qualquer. A nalogam ente, o esquem a pode determ inar de
que quantidade seria necessário aum entar a utilização na
produção de um determ inado serviço para com pensar a saída
da produção de um a unidade de um outro serviço. Final
m ente, o esquem a pode determ inar de quanto aum entaria a
produção, em term os da quantidade de um dado bem, como
efeito do aum ento de um a unidade na utilização de um d eter
minado serviço. Ficam assim determ inadas (de um a form a
com pletam ente independente dos preços) relações de tra n s
form ação tecnológica entre produtos e serviços produtivos.
E stas relações constituem equivalências tecnológicas: dada
(i3) para um tratam ento m ais «técnico» seja-nos perm itido rem e
ter o leitor para C. N a p o l e o n i , L ’equilibrio econom ico generale, Borin-
ghieri, Turim, 1965 (reimp. 1975), cap. 1, 2 e 3.
117
um a ce rta quantidade de um dado produto ou serviço, com
base apenas na disponibilidade dos recursos e da tecnologia,
fica determ inada a quantidade de qualquer outro produto ou
serviço a que aquela equivale tecnicam ente. Do m esm o modo,
é possível definir p ara cada sujeito, e de um a form a p erfeita
m ente independente dos preços, um a relação de substituição
no consum o entre um dado bem ou serviço e qualquer outro
bem ou serviço. Isto é, p ara cada sujeito, ficam definidas
equivalências subjectivas (ou psicológicas) entre bens e
serviços.
Ora sucede que, em correspondência com a configuração
de equilíbrio, dados quaisquer dois elem entos da riqueza,
A e B, o preço de um em term os do outro é igual, por um lado,
ã sua relação de transform ação n a produção e, por outro,
à sua relação de substituição com todos os sujeitos do sis
tem a. O preço pode ser então interpretado como um a relação
de equivalência económ ica entre A e B, ou seja, como o seu
valor. Relação de equivalência económ ica significa: valor
com um assum ido pela relação de equivalência técnica e pela
relação de equivalência subjectiva, quando as escolhas eco
nóm icas (isto é, as escolhas m axim alizantes) dos indivíduos
estão feitas e são reciprocam ente com patíveis.
E ste é um prim eiro sentido possível para a indicação de
Robbins de «atender ao que está por detrás da troca»: o preço
não é sim plesm ente um a relação de troca, antes se revelando
como o valor comum de um a relação de equivalência tecno
lógica e de um a relação de equivalência subjectiva, valor
comum este designado por valor económ ico porquanto é rea
lizado po r um conjunto de actos de escolha (independentes
m as com patíveis). Assim, a categoria do valor adquire aqui
o m esm o significado que tinha no caso do sujeito isolado,
acrescido do facto de tom ar agora a form a explícita do
preço, como consequência da pluralidade dos sujeitos, cujas
acções, em bora agindo eles independentem ente uns dos outros,
são coordenadas, e tornadas m utuam ente com patíveis ju sta
m ente devido à acção dos preços.
Porém , acerca da indicação de Robbins pode ainda
dizer-se m ais algum a coisa. Aos valores, como relações de
equivalência económ ica no sentido que referim os, tam bém se
pode chegar por um a via que prescinde com pletam ente dos
preços. Para esclarecer este ponto, será útil recapitular sin
teticam ente o problem a do equilíbrio económico geral, tal
como o tem os considerado até agora. T rata-se do seguinte:
dados certos sujeitos, proprietários de determ inadas quan
tidades de recursos, transform áveis, segundo um a tecnologia
118
conhecida, em bens finais, e posto que eles desejam extrair,
em conform idade com as escalas de preferência conhecidas,
a m áxim a vantagem do que se pode obter com esses recur
sos, pretende-se determ inar as quantidades produzidas e os
preços a que essas quantidades são trocadas, no decurso de
um processo em que cada um atinge a posição óptim a dese
jada e em que a acção da procura e da oferta to rn a reciproca
m ente com patíveis as posições dos indivíduos. Resolvido este
problem a, tem -se que «por d etrás dos preços» se encontram
os valores com o relações de equivalência económica.
Contudo, o problem a pode igualm ente ser abordado de
um a m aneira que não im plique qualquer referência (directa)
aos preços. É necessário, p ara isso, considerar o sistem a eco
nómico global como um sujeito, definindo para ele, e não
para os sujeitos individuais, um objectivo de m axim ização.
E ste objectivo será m uito diferente dos definidos p ara os
indivíduos. Efectivam ente, um sujeito pode m axim alizar a
sua satisfação, ou utilidade, m as não teria sentido falar de
um a utilidade do sistem a, nem sequer como som a das utili
dades dos indivíduos, dado que estes não podem ser com pa
rados entre si nem, portanto, somados; assim , como definir
o objectivo do sistem a? A esta pergunta responde-se utili
zando um a sugestão de Pareto, que consegue definir um cri
tério de m axim ização para o sistem a raciocinando acerca de
um a tese (já exposta por W alras) segundo a qual a concor
rência é a m elhor de todas as form as possíveis de m ercado.
W alras não consegue dar um a dem onstração satisfatória
da sua tese, pois não vê com clareza que ela não pode ser
dem onstrada antes de se definir um critério em cuja base
um a configuração do sistem a económico possa ser julgada
superior, inferior ou equivalente a outra. O critério forne
cido por P areto é o seguinte: diz-se que um conjunto de
grandezas, não com paráveis entre si, é m áxim o quando não
é possível a u m en tar um a dessas grandezas sem dim inuir um a
das outras (14).
No caso do equilíbrio económ ico geral, este critério
adm ite duas especificações. A prim eira diz respeito à produ
ção: relativam ente à disponibilidade dos recursos e à técnica
produtiva, um a configuração produtiva diz-se m áxim a (ou,
m ais especificam ente, eficiente) quando não é possível, des
locando o em prego dos recursos de um processo para outro,
aum entar a produção de um bem sem dim inuir a produção
119
de um outro. Deve ter-se presente que existe um conjunto
infinito de configurações eficientes. A segunda especificação
do critério paretiano diz respeito ao consum o: relativam ente
a um a dada disponibilidade de bens e aos sistem as de p re
ferências de cada sujeito, um a situação relativa ao consum o
é m áxim a, ou óptim a, quando não é possível, redistribuindo
os bens, m elhorar a posição de um sujeito sem piorar a posi
ção de outro. Tam bém as situações óptim as respeitantes ao
consum o constituem um conjunto infinito. R elativam ente ao
sistem a económico global, as configurações óptim as, que se
referem conjuntam ente à produção e ao consum o, são aquelas
(naturalm ente em núm ero infinito) em que tem lugar entre
os vários sujeitos, um a distribuição óptim a de quantidades
de bens pertencentes a configurações produtivas eficientes.
Posto isto, reform ulem os o problem a do equilíbrio geral
do seguinte modo: dados certos sujeitos, dadas as quantidades
de recursos à sua disposição, dadas as suas preferências e
dada a tecnologia que transform a os serviços produtivos em
bens finais, determ inar a com posição da produção e a d istri
buição dos produtos entre os sujeitos de modo a que daí
resulte um a configuração óptim a no sentido de Pareto. Pode
dem onstrar-se que este problem a é resolúvel, isto é, que é
possível determ inar o conjunto (infinito) das configurações
óptim as: todas elas são caracterizadas pelo facto de os bens
serem produzidos, distribuídos e consum idos em quantidades
e em proporções tais que as relações de equivalência técnica
na produção são iguais às relações de equivalência subjectiva
no consumo.
Daqui decorre, fundam entalm ente, que a configuração
realizada pela concorrência coincide com um a das confi
gurações óptim as. M as tam bém que as relações de equiva
lência económica, ou seja, as relações que se estabelecem
entre os bens em virtude das escolhas económ icas, são defi
níveis independentem ente da verificação de actos de troca,
isto é, são definíveis sem referência aos preços, apenas com
base nas condições subjectivas e técnicas e como consequên
cia de um critério de optim alidade relativo ao sistem a no seu
conjunto. Podem os então tira r a seguinte conclusão: dadas
todas as condições do problem a (repetim os: disponibilidade
dos recursos, preferências dos sujeitos, tecnologia), são a tri
buíveis valores aos elem entos que compõem a riqueza social,
isto é, relações de equivalência, os quais provêm do facto
de aqueles elem entos serem utilizados, produzidos e d istri
buídos entre os sujeitos em quantidades capazes de realizar
um a configuração óptim a no sentido paretiano; por outro
120
lado, o equilíbrio concorrencial, que se atinge com o efeito dos
com portam entos m axim izantes dos sujeitos individuais e das
em presas individuais, constitui um a configuração óptim a, e
os preços realizados pela concorrência coincidem com os
valores.
É este, portanto, o sentido do carácter universal ou geral
da definição de Robbins: p ara um conjunto de sujeitos, que
são sim ultaneam ente produtores e consum idores, são defi
níveis as características de um a configuração optim al; nesta
configuração estão im plícitos valores; a tro ca em condições
concorrenciais torna estes valores explícitos sob a form a do
preço e realiza a optim alidade (15).
R esta esclarecer ainda um a questão: por que m otivo as
configurações óptim as são infinitas? E qual é, entre elas,
a realizada pela concorrência?
Considerem os um a configuração optim al qualquer. Uma
vez que nela estão im plícitos valores, utilizem o-los p ara cal
cular o balanço de cada sujeito, ou seja, para confrontar, para
cada sujeito, o valor dos serviços que ele cedeu à produção
com o valor dos bens que recebeu da produção. Em geral,
estes balanços não estão em equilíbrio, salvo p ara um a con
figuração óptim a particular, a que cham arem os A. Então,
pode considerar-se que todas as outras configurações ópti
m as foram obtidas m odificando a distribuição dos bens
correspondentes a A, de m odo a que, assim , os balanços de
alguns estejam em situação activa e os de outros em p as
siva (e, po rtan to , alguns m elhorem a sua posição e outros
a p iorem ); e, um a vez que esta m odificação pode ser feita de
infinitas m aneiras, infinitas serão as configurações óptim as.
Por outro lado, estando, no equilíbrio concorrencial, os balan
ços dos sujeitos em equilíbrio, de todas as configurações
óptim as a concorrência realiza precisam ente a configura
ção A. O bserve-se, por outro lado, que A e todas as outras
que se podem o b ter a p a rtir dela da m aneira referida cons
tituem um conjunto de configurações óptim as relativo a um a
121
certa distribuição dos recursos entre os sujeitos do sistem a.
Se esta distribuição m udar, m udará tam bém o conjunto das
configurações óptim as que poderão ser agora consideradas
como derivadas de um a configuração A ' com a qual coincide
então o equilíbrio concorrencial. Portanto, deve tam bém
dizer-se acerca do equilíbrio concorrencial que ele é óptim o
relativam ente a um a certa distribuição dos recursos produ
tivos entre os sujeitos; e o critério paretiano não pode de modo
nenhum dizer se um a ce rta distribuição dos recursos é m elhor
do que outra: um a decisão a este respeito im plicaria um juízo
não «económico», de acordo com a definição de Robbins.
A com plexa construção da teoria neoclássica do valor
tem um ponto fraco, recentem ente explorado com particu lar
acuidade (16). A questão é im portante porque, como verem os,
a constatação destas dificuldades da teoria neoclássica se
encontra na origem da reconsideração das abordagens ricar-
dianas. Procurarem os m o strar estas dificuldades na teoria
w alrasiana, vendo depois qual a form a por elas assum ida
num a form ulação alternativa da teoria neoclássica, a de
Bõhm-Bawerk.
Como foi referido, na teoria w alrasiana tom am -se em con
sideração trê s espécies de «capitais»: os capitais naturais,
os capitais pessoais e os capitais propriam ente ditos. E stas
trê s espécies cum prem na teoria um a função idêntica: a de
fornecer «serviços produtivos», os quais serão assim cons
tituídos pelas utilizações dos vários tipos de recursos naturais,
pelos vários tipos de trabalho e pelas utilizações dos vários
tipos de bens de capital (m áquinas, edifícios, etc.). E ntre os
dados do problem a w alrasiano do equilíbrio existem as quan
tidades de todos estes capitais, das quais dependem as quan
tidades oferecidas (por parte dos sujeitos proprietários) dos
respectivos serviços produtivos. Assim, no m om ento da defi
nição dos dados do problem a, é indiferente para esta teoria
que um serviço produtivo provenha de um capital pessoal ou
de um capital propriam ente dito e o m esm o sucede na rep re
sentação dos processos produtivos em que os próprios ser
viços são em pregues. M as existe um a diferença essencial
entre os capitais propriam ente ditos e os outros, diferença esta
que, a té certo ponto, tam bém se regista na teoria w alrasiana:
tra ta-se do facto de, sendo os capitais n atu rais e os pessoais
originários, os capitais propriam ente ditos são produzidos.
122
Como terá W alras em conta esta circunstância? Em prim eiro
lugar — o que é óbvio e já tínham os referido — ele inclui os
capitais propriam ente ditos nos produtos do sistem a, ao lado
dos bens de consum o; m as, em segundo lugar, um a vez que
um capital produzido tem um preço que, em equilíbrio, coin
cide com o seu custo de produção, procede à relacionação do
preço do bem de capital com o preço do serviço (ou seja, do
uso anual) do próprio capital: tem os po r um lado, por exemplo,
o preço, isto é, o custo de produção, de um a m áquina; e,
por outro, o preço que os em presários que utilizam a m áquina
pagam anualm ente ao seu proprietário p ara dela poderem
dispor no processo produtivo. A relação entre o preço do
serviço (excluindo a am ortização) e o preço do bem de capital
correspondente é a taxa líquida de rendim ento do capital em
questão. D esta tax a há a referir os dois aspectos seguintes:
1) em equilíbrio é necessário que todos os bens de capital
tenham a m esm a tax a de rendim ento: efectivam ente, se o bem
de capital A tivesse um a tax a de rendim ento superior ao bem
de capital B, ninguém com praria A, que assim nem sequer
poderia ser produzido; 2) vimos já que os sujeitos podem fazer
um uso dúplice do seu rendim ento: ou o consom em ou o
poupam, e a poupança global do sistem a serve justam ente
para a aquisição dos bens de capital que são produzidos (assim,
em equilíbrio, o valor destes capitais é igual à poupança do
sistem a); a poupança é efectuada pelos sujeitos com vista à
obtenção de um juro anual; este juro é, em definitivo, o preço
do serviço dos capitais adquiridos com a poupança; daí
decorre que a taxa de juro que «rem unera» a poupança é, em
W alras, o valor com um da ta x a de rendim ento dos bens
de capital.
P o rtan to , enquanto os preços dos serviços dos capitais
n a tu ra is e os preços das várias espécies de trabalho apenas
estão sujeitos à condição de igualarem a oferta e a procura
de cada serviço, os preços dos serviços dos capitais propria
m ente ditos devem ser sujeitos a um a condição adicional:
encontrarem -se num a certa relação, com um a todos, com os
p reços dos respectivos bens de capital. E sta condição adicio
nal, que pode tam bém ser d escrita como a condição relativa à
form ação de um a tax a de juro do sistem a, é, no modelo w alra-
siano, o equivalente da condição relativa à form ação de um a
tax a g e ra l de lucro nas teorias ricardiana e m arxiana. Ora, a
c rítica m oderna m ostrou que, no sistem a de equilíbrio geral
de W alras, a condição da unicidade da tax a de rendim ento
dos v ário s capitais não pode se r satisfeita. Tecnicam ente, a
123
questão form ula-se do seguinte modo: pressupondo os capi
tais propriam ente ditos inexistentes e, portanto, que a pro
dução se processa apenas por obra do trabalho e recursos
naturais; se, consequentem ente, se suprim issem do sistem a
de equações de W alras, aquelas que se referem à produção
dos capitais novos e à form ação da tax a de lucro como valor
com um das tax as de rendim ento; se, em sum a, o problem a
do capital fosse eliminado, então o sistem a w alrasiano expres
sar-se-ia num sistem a de equações dotado de soluções e a
teoria w alrasiana seria econom icam ente significativa, um a vez
que identificaria um a configuração de equilíbrio (17). Porém,
se se incluíssem na teoria as equações relativas à form ação
de capital e à determ inação da tax a de juro, o sistem a de
equações não teria solução, devido à im possibilidade de satis
fazer todas as condições im postas às incógnitas.
A razão deste facto (sem e n tra r nos aspectos m atem á
ticos da questão) pode se r exposta tom ando em consideração
o significado económ ico das equações w alrasianas. E stas
constituem a representação de um equilíbrio concorrencial e
a existência de soluções é o equivalente m atem ático do facto
de o m ecanism o da concorrência conseguir form ar preços de
equilíbrio. E ste m ecanism o consiste, m uito sim plesm ente, em
que, se existir um excesso de oferta, o preço diminui e, se
existir um excesso de procura, o preço aum enta, a té chegar
ao ponto em que o preço equilibra a oferta e a procura a tra
vés de m odificações das quantidades de m ercadorias presen
tes no m ercado. As equações de W alras reflectem estas rela
ções en tre preços e quantidades e, precisam ente por isso,
identificam um a configuração de equilíbrio. No caso espe
cífico das tax as de rendim ento, qual é o m ecanism o concor
rencial que leva à sua igualização? D everá tra tar-se do
seguinte: suponham os que o capital A rende 5 % e o capi
tal B 3 %; seria então necessário que, através de um aum ento
da quantidade disponível de A relativam ente à quantidade
disponível de B, se provocasse um aum ento da quantidade
do serviço de A em relação à quantidade do serviço de B,
em tal m edida que o preço do serviço de A dim inuísse relativa
m ente ao preço do serviço de B a té equilibrar as duas taxas
de rendim ento. M as, em W alras, as quantidades dos bens
124
de capital que fornecem serviços produtivos são dadas, já que
os capitais produzidos no período a que o equilíbrio se refere
só fornecerão serviços em períodos posteriores, não consi
derados no esquem a w alrasiano; nem seria possível um a hipó
tese diferente, ou seja, supor que os capitais produzidos fo r
necem serviços no próprio período em que são produzidos,
pois desse modo desapareceria um conjunto de dados, pre
cisam ente os relativos aos capitais propriam ente ditos, e o
sistem a resultaria indeterm inado. Assim, o m ecanism o con
correncial que deveria levar à igualdade das taxas de rendi
m ento não encontra qualquer equivalente m atem ático nas
equações de W alras, que, por isso, deixam de ser adequadas
p ara determ inar um a tax a de rendim ento geral (18).
No fundo desta dificuldade analítica da teoria w alra-
siana existe um modo essencialm ente contraditório de con
ceber o capital. O capital é um a realidade essencialm ente
unitária justam ente porque constitui, no seu conjunto e inde
pendentem ente dos diversos bens que o constituem , o term o de
referência relativam ente ao qual se determ ina a ta x a de juro.
A contradição em que cai W alras reside então no facto de,
po r um lado, o capital ser fragm entado nas suas diversas
com ponentes (noutros tan to s «bens de capital») e, por outro,
ser reafirm ado como unitário no m om ento em que isso é
inevitável, no m om ento precisam ente em que se introduz
a ta x a de juro (valor com um das tax as de rendim ento).
Isto significa que o modo específico como em W alras é
realizada a categoria do valor im plícita no conceito de eco
nom ia com o relação entre fins e m eios escassos, não é um
m odo form alm ente coerente. Por outro lado, sem pre no enqua
dram ento daquele conceito, existe um a form ulação altern a
tiva da teoria do valor, que recorre a um modo diferente de
conceber o capital. O cupar-nos-em os dele agora, referindo-nos
125
à com ponente principal desta alternativa teórica, que é cons
tituída pela form ulação introduzida por Bõhm -Bawerk (19).
A circunstância óbvia de que o capital, ao contrário dos
outros «recursos produtivos», não é originário, m as produto,
é o ponto de partida da teoria de Bõhm-Bawerk. Porém, o
carácter peculiar desta teoria reside na sua ten ta tiv a de redu
zir o capital aos recursos originários, trabalho e «terra».
A bstraindo, p ara sim plificar (m as sem perda de carácter gené
rico) da «terra», a ideia central de Bõhm consiste em substi
tu ir à consideração do capital como conjunto dos «meios de
produção produzidos» a consideração do trabalho que em
épocas anteriores ao período considerado foi em pregue (ou
«investido») na produção daqueles meios, tendo naturalm ente
em conta, como de resto já sucedia em Ricardo e Marx, toda
a série de meios de produção que produziram os meios de
produção, etc. (20). E sta ideia nada teria de original se Bohm
não tivesse em conta não apenas a quantidade global de
trabalho investida na produção de um a m ercadoria, mas tam
bém a época na qual cada quantidade de trabalo que faz
p a rte do to tal foi investida, e não precisasse que quanto
m aior é a im portância do capital relativam ente ao trabalho
dirigido para a produção de um a m ercadoria, tan to mais ele
vadas serão as quantidades de trabalho investidas em épocas
m ais recuadas em com paração com as investidas em épocas
m ais recentes. E sta últim a consideração leva-o a procurar
um a m edida particular da quantidade de capital em pregue
na produção: se se considerar os períodos que decorrem
entre a época em que cada quantidade de trabalho passado
foi fornecida e o m om ento em que o produto ficou dispo
nível, poder-se-á determ inar um período médio de produção,
calculando-o como m édia aritm ética dos diferentes períodos
referidos ponderados com as respectivas quantidades de tra
balho — quanto m aior for o período médio, ta n to mais «capi
talista» ou «indirecto» é o processo produtivo.
Posto isto, o problem a da determ inação do juro põe-se,
p ara Bõhm-Bawerk, nos seguintes term os: um a vez que o
capital m ais não é do que trabalho investido em épocas a n te
riores, porque é que o valor do produto não equivale sim
plesm ente à som a dos valores de todas as quantidades de
126
trabalho directa e indirectam ente em pregues na produção do
próprio produto, m as pelo contrário, contém um a «mais-
-valia» ou juro? Em sum a, o que é que há na n atu reza do
capital que dá lugar à m ais-valia, estabelecendo assim um a
diferença entre o contributo dado ao valor pelo produto do
trabalho indirecto e o dado pelo trabalho directo? Como é
que, se o trabalho é trabalho passado, ele confere ao produto
um valor superior ao valor que lhe é conferido pelo próprio
trabalho quando o trabalho é actual? Aquele que, m ediante a
poupança, adquire capital pretende um juro; e isso explica-se
(para Bõhm) pelo facto de ele renunciar a um a disponibili
dade fu tu ra e por, devido a razões ligadas à psicologia
hum ana, o presente ser m ais valorizado do que o futuro,
o que faz que um a riqueza fu tu ra só seja escolhida em d etri
m ento de um a riqueza presente se fo r significativam ente m ajo
rada. M as a questão é a seguinte: o que perm ite ao utilizador
do capital na produção pagar este juro? Bõhm -Bawerk res
ponde que os m étodos «indirectos» de produção são m ais pro
dutivos do que os «directos», no sentido de que, por exem
plo, 100 unidades de trabalho dão lugar a um produto tan to
m aior quanto m aior for o período m édio de produção, ou
seja, quanto m aiores forem no âm bito do to tal 100, os term os
de trabalho fornecidos em épocas recuadas; e, assim como
a poupança é precisam ente o que perm ite a utilização de
m étodos «indirectos», e tan to m ais «indirectos» quanto m aior
for a poupança, tam bém os aforradores determ inam m odifi
cações objectivas dos processos produtivos, os quais perm i
tem a satisfação das suas pretensões subjectivas.
N esta abordagem , o juro apresenta um duplo aspecto.
Por um lado, é um a com pensação da poupança e, dado o
m ecanism o psicológico a que se refere Bõhm-Bawerk, é evi
dente que a poupança é um a função crescente da ta x a de
juro. Por outro lado, é a m anifestação da «produtividade»
do capital, isto é, dos m étodos «indirectos» de produção; é
necessário acrescentar, para com pletar o quadro, que o juro
cresce quando cresce o capital (relativam ente ao trabalho
directo), m as o aum ento do juro é m enos rápido do que o do
capital (que, portanto, tem um a produtividade decrescente),
pelo que o uso de novo capital, ou investim ento, é um a fun
ção decrescente da tax a de juro. Têm -se assim , graficam ente,
duas curvas em função da tax a de juro: um a crescente, que
representa a poupança, e um a o u tra decrescente, que repre
senta o investim ento: elas são assim iláveis respectivam ente
a um a curva da o ferta e a um a curva da procura. O ponto
em que elas se encontram determ ina a tax a de juro de equi-
127
líbrio que, portanto, é o ponto no qual o preço da poupança
coincide com a produtividade do capital. V erem os a seguir
que críticas se poderão faz e r a esta teoria, em bora perm a
necendo no âm bito restrito do m ercado relativo à tax a de
juro. Por agora, interessa-nos a questão da possibilidade de
utilização desta construção p ara um a teoria geral do valor
no contexto de um m odelo de equilíbrio económ ico geral.
A form ulação desse m odelo segundo a perspectiva bõhm-
-baw erkiana com porta um a diferença relevante em relação à
form ulação de W alras: se aquilo a que W alras cham a «capi
tais propriam ente ditos» se traduz em trabalho, tal como
vimos, ou seja, se trad u z num a entidade hom ogénea, então,
quando se definem os dados do problem a do equilíbrio, pode
esperar-se dar o capital no seu conjunto, sem necessidade de
fixar as suas com ponentes sim ples e deixando assim que a
com posição do capital global passe a fazer p a rte das coisas
a determ inar. D este modo, um dos dois aspectos da co n tra
dição de W alras seria anulado, e todas as equações do sistem a
teriam a função de determ inar, dentro do capital global, qual
a com posição com patível com a form ação de um a tax a geral
de rendim ento e, assim , de um a tax a de lucro.
Existem dois m odos im plícitos de realizar e sta operação
e, em bora sejam ambos inaceitáveis, é conveniente referi-los,
quer para m elhor esclarecer o problem a, quer para abrir o
cam inho a um a solução m ais elaborada (que aliás, como vere
mos, se revelará igualm ente falível).
Em prim eiro lugar, poderia pensar-se que o capital pode
ser dado como um a quantidade global de trabalho, precisa
m ente como a quantidade de trabalho destinada a incorpo-
rar-se num conjunto de bens de capital segundo m odalidades
determ ináveis pelas condições gerais de equilíbrio. Mas o que
caracteriza a redução a trabalho de um bem qualquer não é
apenas a quantidade de trabalho, m as tam bém a distribuição
desta quantidade pelos períodos em que cada um a das suas
partes foi investida. Consequentem ente, dividir um a quanti
dade to tal de trabalho, relativa ao sistem a, em certas quan
tidades, não chega para c aracterizar um a e stru tu ra do capital.
Por outras palavras, a quantidade to tal de trabalho a incor
p o rar no capital global do sistem a constitui um a inform ação
insuficiente, pelo que, dando-se, o capital deste modo, o
modelo ficaria indeterm inado.
Em segundo lugar, poderia pensar-se em utilizar o con
ceito bõhm -baw erkiano de período médio de produção. N este
caso| dar-se-ia o período m édio de produção geral, ou seja,
relativo ao sistem a no seu conjunto, e atribuir-se-ia ao modelo
128
a tare fa de determ inar quais os períodos m édios particulares
de que aquele período geral constitui a média. M as ainda aqui
se pode objectar que um certo período médio de produção
pode corresponder a estru tu ras do capital m uito diversas,
m antendo-se assim um a hipótese de indeterm inação. E poder-
-se-ia dem onstrar que a situação não m elhoraria, isto é, não
se evitaria a indeterm inação se se procurasse com binar os
dois critérios referidos.
Existe, todavia, um a form a m ais exacta de utilizar a
proposta de Bõhm-Bawerk. Deve partir-se, quase paradoxal
m ente, do que seria o modo m ais ingénuo de dar o capital
como grandeza global: isto é, dá-lo como um valor. Isso não
teria sentido pela razão evidente de que o valor do capital
depende dos preços, os quais fazem p a rte das incógnitas do
sistem a de equilíbrio, não se podendo por isso, para d eter
m inar os preços, tom ar como dada um a grandeza que deles
depende; tratar-se-ia, em sum a, de um círculo vicioso. Pro-
curou-se todavia insistir n esta ideia, tentando escapar ao cír
culo vicioso m ediante a utilização do período m édio de pro
dução que oportunam ente se redefiniu. O m étodo (21) consiste
no seguinte: a) representa-se o valor do capital global como
a som a de um certo núm ero de term os, cada um dos quais
é constituído pela quantidade de trabalho prestada num a certa
época, avaliada pelo salário corrente e m ajorada dos juros
acum ulados até à época actual, à ta x a corrente (verem os
m elhor em seguida como se efectua esta operação); b) igua
la-se este valor do capital global a um a expressão que contém
um único term o, constituído por um a única quantidade de
trabalho oportunam ente determ inada, avaliada pelo salário
corrente e m ajorada dos juros que se acum ulam durante um
período médio, que se tom a como dado e ao qual se atribui
o ónus de m edir a quantidade de capital. Porém, pode objec
tar-se a este m étodo que a igualdade em questão m ais não é
do que a definição, de um a form a im plícita, do período médio,
o qual passa assim a depender de todas as variáveis do sistem a
e, em particular, da tax a de juro, de tal modo que não pode
ser tom ado como dado p ara determ inar preços e ta x a de juro
sem que de novo se caia num círculo vicioso.
Assim se conclui que a teoria bõhm -baw erkiana do juro,
em bora (abstraindo de críticas de o u tra n atu reza que vere-
129
m os depois) tenha um sentido quando isolada do resto, não
pode servir de base p ara um a teoria geral do valor. Portanto,
se a teoria de tipo w alrasiano é logicam ente invalidada por
um a contradição, a de tipo bõhm -baw erkiano é invalidada,
tam bém logicam ente, po r um círculo vicioso. E será interes
sante sublinhar que estas duas versões da teoria neoclássica
falham justam ente quanto ao problem a que se revelara como
um obstáculo p ara a coerência da teoria m arxista: isto é, o
problem a da form ação da ta x a geral de lucro (que se apre
senta como tax a de juro na abordagem neoclássica).
As razões indicadas para os fracassos quer de W alras
quer de Bõhm -Bawerk são apenas razões im ediatas. Existe,
porém , um a razão m ais de fundo, comum a am bos, que pro
curarem os agora esclarecer. Do nosso ponto de vista, a ques
tão é im portante pelo facto de a teoria neoclássica do equi
líbrio económico geral ser a prim eira form ulação explícita da
teo ria do valor decorrente do conceito de econom ia que
Robbins viria a precisar m ais tarde, m as que em W alras e
Bohm era já m uito claro. Surge assim o problem a de saber
se o facto de a teoria neoclássica do capital ser insustentável
não com prom eterá definitivam ente quer aquele conceito de
economia, quer a categoria do valor que lhe é hom ogénea.
A razão de fundo do fracasso da teoria neoclássica do
equilíbrio encontra-se na insuficiência do tratam en to do signi
ficado e do papel do capital no processo económico. Como se
recordará, esta teoria considera que, no sistem a, existem
recursos produtivos dados, propondo-se exam inar o modo
como esses recursos são em pregues p ara a obtenção dos
fins determ inados pelos sujeitos económicos. Não seria difícil
esta abordagem te r em conta o facto de alguns destes dados
se m odificarem como consequência da m utação das circuns
tâncias externas: poderia te r em conta, por exemplo, um a
m odificação da oferta de trabalho em consequência de um
aum ento da população. T ratar-se-ia de aceitar do exterior essa
m odificação, fazendo v ariar o valor dos dados relevantes e
determ inando depois a nova configuração de equilíbrio.
Resum indo, um a vez que o dado, é, pela sua natureza, um a
circunstância externa, o facto de m udar devido a causas
externas não suscita qualquer dificuldade particu lar dentro
da lógica d esta teoria do equilíbrio. Mas o dado relativo ao
capital (não im porta se definido como um conjunto de gran
dezas, à m aneira de W alras, ou como um a grandeza única,
à m aneira de Bõhm -Bawerk) tem a particularidade de as suas
m utações não dependerem de factos externos, sendo antes a
130
consequência do que sucede no interior do sistem a conside
rado pela teoria e, precisam ente, da produção dos meios de
produção. D este modo, esta teoria encontra-se perante duas
alternativas, que lhe são am bas funestas: a prim eira consis
tiria em te r em conta a circunstância m ais característica do
capital, ou seja, o facto de este m odificar o sistem a que o
produz, m odificando-lhe o ponto de partida — m as deste modo
a teoria em questão renunciaria à hipótese dos recursos dados,
que no entanto é essencial à sua form ulação; a segunda,
consistiria em elim inar a característica típica do capital m en
cionada, considerando-o como um produto qualquer, despro
vido de efeitos sobre o sistem a que o produz e, um a vez que
e sta segunda alternativa foi efectivam ente adoptada (nem
poderia ser de outro modo, dado que, na prim eira, a dificul
dade se apresenta de um a form a im ediata), convém precisar
po r que m otivo conduz a um beco sem saída. A acção de
m odificação que o capital exerce sobre o sistem a, esta espé
cie de feedback em que o produto aum enta a capacidade
produtiva é naturalm ente regida po r regras, das quais a for
m ação da tax a geral de lucro (ou de juro) representa o resul
tado global. Mas é evidente que esta regra não tem sentido
e não pode realizar-se fora daquela acção; por isso, um
esquem a que, por um lado, elimina a acção do capital sobre
o sistem a e, por outro, pretende subm eter o capital à regra
da ta x a geral de lucro, é um esquem a necessariam ente incoe
rente, e as dificuldades m atem áticas que se lhe deparam
m ais não são do que a expressão desta incoerência.
131
m as pela teoria dos equilíbrios «parciais» de M arshall. A sua
construção teórica — im portantíssim a, como se sabe, noutros
aspectos — não é directam ente relevante p a ra as questões
do valor, a não ser justam ente no que se refere ao conceito
de juro subjacente a essa construção. Não podem os dar aqui
um a síntese m inim am ente exaustiva da posição keynesiana,
pelo que recordarem os apenas os pontos que se seguem.
Na tradição neoclássica, como vimos, o juro era conce
bido como o preço da poupança, isto é, como a com pensação
pela renúncia ao consum o presente, e assim como, por outro
lado, a poupança era vista como um contributo essencial p ara
a form ação do capital, e, portanto, para o crescim ento do sis
tem a, o juro apresentava-se como o preço de um contributo
produtivo na m esm a m edida que o salário. O ra Keynes subli
nha que: a) a oferta de poupança não depende tan to da tax a
de juro quanto do nível do ren d im en to ; b) por consequência,
cessa a função equilibradora da tax a de juro en tre poupança
e investim ento, tan to m ais que os investim entos são em geral
rígidos relativam ente à própria tax a de juro; c) daqui advém
que, correspondendo a níveis de rendim ento elevados e, por
tanto, a im portantes form ações de poupança, os investim en
tos, ainda que a baixa tax a de juro, são em geral insuficientes
para absorver toda a poupança que se form a; d) por isso, o
rendim ento de equilíbrio (se não intervierem iniciativas de
política económ ica p ara corrigir a situação: despesa pública)
é em geral um rendim ento inferior ao m áxim o perm itido pela
capacidade produtiva existente e, em particular, pela dispo
nibilidade de trabalho (desem prego). M as, nesse caso, se a
poupança, ou pelo m enos p arte dela, é inútil ou até preju
dicial, ao ponto de um desenvolvim ento ordenado do sistem a
ao nível do pleno em prego requerer (contra a tese tradicional)
não um a m aior poupança, m as um m aior consum o (e aqui
encontram os explicitam ente retom adas posições m althusia-
nas), o juro deixa de poder ser concebido como o preço, ou
com pensação, de um acto essencial ao processo produtivo,
adquirindo por isso a n atu reza de um a renda; o rendim ento
capitalista típico reduz-se ao nível de um rendim ento pré-
-capitalista. A determ inação do seu nível é rem etida para um
âm bito puram ente m onetário, onde é decisiva a presença e a
função de um a figura particular, a do capitalista puram ente
m onetário, isto é, do rentier (23).
É claro que o desenvolvim ento consequente desta posição
exigiria um acto teórico ulterior que, todavia, Keynes não
132
efectuou: retom ar a ideia de que «os rendim entos não de tra
balho» têm como origem um excedente, o produto líquido.
E é igualm ente claro, por outro lado, que a «atm osfera» teó
rica determ inada pelo keynesianism o foi um dos factores
que fizeram pressão neste sentido.
133
a um a produção diferenciada num a m ultiplicidade de bens,
e, em segundo lugar, considerar que o produto é constituído
pelos m esm os bens que constituem o conjunto dos meios de
produção e que cada um destes bens se encontra no produto
num a quantidade superior (ou, pelo m enos, igual) à quanti
dade em que estava presente no conjunto dos meios de pro
dução; com a consequência, tam bém aqui, de que o produto
líquido pode ser determ inado (retom ando claram ente a abor
dagem fisiocrática, oportunam ente generalizada) em term os
m ateriais, como um conjunto de bens em que cada um cons
titui a diferença (positiva ou, pelo m enos, nula) entre a sua
quantidade que se encontra en tre os produtos e a sua quan
tidade que se encontra entre os meios de produção. A exis
tência de um produto líquido (isto é, o facto de o produto
líquido, calculado do modo referido, ser constituído por quan
tidades nem todas nulas) representa aqui um a «produtivi
dade», cujas origens ou causas não se averiguam , m as que se
considera como o atributo característico de um estádio da
tecnologia tom ado como dado no que respeita à análise eco
nóm ica. (E cabe aqui dizer que, sob esta perspectiva, a fisio
cracia m anifesta algum a inferioridade quanto a estes m ode
los, um a vez que, em bora dentro de um lim ite sectorial
inaceitável, podia ao m enos referir-se a um a causa precisa da
produtividade, isto é, a fertilidade da te rrra ). No que res
peita aos «recursos originários», se se tra ta de recursos n a tu
rais, pressupõe-se que estão disponíveis em quantidades «ili
m itadas», no sentido de que a sua disponibilidade não põe
lim ites à produção, e, se se tra ta de trabalho, pressupõe-se
que ele pode ser considerado como um a m ercadoria qualquer,
ou seja, com o o produto de um processo particu lar que tem
como meios de produção os bens de consum o dos trab alh a
dores, sem que, tam bém aqui, fenóm enos externos, neste caso
de c a rá c te r dem ográfico, im peçam a disponibilidade corres
pondente às necessidades da produção.
D este modo, toda a categoria económ ica é reconduzida
ao capital. Já não existem «factores de produção», entre os
quais se conta o capital, nem existe um «produto» distinto
daqueles factores; apenas existem os bens que constituem o
capital, que são, segundo os m om entos em que são tom ados
e considerados, meios de produção e produtos. É certo que
te rá cabim ento p e rg u n tar a que título se cham a ao conjunto
destes bens capital, e a questão é tan to m ais legítim a quanto
os autores dos m odelos do tipo que estam os a discutir ra ra
m ente usam este term o ou nem sequer o usam ou, até, negam
a sua oportunidade. E efectivam ente, nesse contexto, não se
134
pode falar de capital nem no sentido de M arx, isto é, como
relação social de produção, nem no sentido dos neoclássicos,
ou seja, como facto r p articular en tre outros factores p a rti
culares. Todavia, o uso do term o afigura-se legítim o na
m edida em que a situação que estes m odelos representam
retém , pelo m enos, um a característica fundam ental da cate
goria m arxiana do capital (que, de resto, se encontra já em
Ricardo com razoável clareza), o facto de a produção se
ju stificar a si m esm a e à sua auto-expansão, em sum a, p re
cisam ente o facto de o produto te r sentido enquanto destinado
a funcionar como m eio de produção, como trám ite p ara a
produção ulterior.
N aturalm ente (e é isso que em p articular nos interessa
aqui), o facto de a circularidade do processo ser representada
não ingenuam ente, como «trigo que produz trigo», m as sob
a form a da m ultiplicidade dos bens, obriga a incluir na pró
pria representação um a teoria dos preços. É a análise desta
teoria dos preços que perm itirá determ inar qual o destino da
teoria do valor nestes m odelos e, em particular, qual a sua
relação com o conceito robbinsiano de economia. Com este
fim, é im prescindível um exam e circunstanciado do tipo de
teoria que estam os a tra ta r. Farem os referência, p ara isso,
ao modelo que de algum modo e em certa m edida pode
ser considerado o precursor dos outros, e que foi form ulado
nos finais dos anos 30 pelo m atem ático J. von N eum ann (24).
T rata-se de um m odelo de equilíbrio económ ico geral
que, face a tudo aquilo que vim os até agora, é b astan te
diferente dos m odelos de equilíbrio geral de tipo neoclássico.
Seja como for, na (escassa) m edida em que é possível e sta
belecer um a analogia, será m ais fácil fazê-lo com a abor
dagem w alrasiana do que com a de Bóhm-Bawerk, e isso pelo
facto de, como já sucedia em W alras, o capital ser rep re
sentado em von N eum ann como um conjunto de bens, sem
qualquer ten ta tiv a (ao contrário do que sucede em Bõhm-
( 24) J . V o n N e u m a n n , « Ü b e r e in ö k o n o m i s c h e s G l e i c h u n g s s y s t e m
u n d e in e V e r a l l g e m e i n e r u n g d e s b r o u w e r s c h e n F i x p u n k t s a t z e s » , Ergehn,
m at. K olloq., n .° 8, 1937; t r a d u ç ã o i t a l i a n a c o m b a s e n o t e x t o in g lê s
r e d i g i d o p o r O. M o r g e n s t e r n , i n R e v ie w o f ec. stu d ies, 1944): « U n
m o d e l l o d i e q u i l i b r io e c o n o m i c o g e n e r a l e » , L ’industria, n.° 1, 1952.
E x p o s i ç õ e s e l e m e n t a r e s : C. N a p o l e o n i , L ’equilibrio econom ico generale,
c i t ., c a p s . 11, 12 e 13; J. H ic k s , C apita le e svilu ppo, II S a g g i a t o r e ,
M ilã o , 1961, c a p s , x v m e x i x ; L. P a s i n e t t i , L ezioni di teo ria d ella pro-
duzione, II M u lin o , B o l o n h a , 1975, p . 235 e s e g u i n te s ; T. C. K o o p m a n s ,
« S v ilu p p o e c o n o m ic o a u n s a g g i o m a s s i m o » (1964) n a o b r a Teoria dello
svilu ppo econom ico, d e G . N a r d o g g i e V . V a lli, E ta s - K o m p a s s , M ilã o ,
1971.
135
-Bawerk) de o reduzir a algo de m ais «originário». Por outro
lado, um a vez que este m odo de rep resen tar o capital havia
determ inado, em W alras, dificuldades insuperáveis na iden
tificação de um a única « tax a de rendim ento» e, por isso, da
tax a de juro, a prim eira questão a que convém d ar um a re s
p o sta é aquela com que de resto, iniciám os e sta p a rte da
exposição: de que modo von N eum ann rep resen ta um a via
de saída daquelas dificuldades? O facto é que von Neum ann
pode, enquanto W alras não podia, elim inar a hipótese de que
os recursos (neste caso os bens de capital) são dados em quan
tidades determ inadas. W alras não podia fazê-lo porque,
pondo a p ar do capital outros recursos com n atu reza «origi
nária», estes últim os, que por definição só podem ser tom ados
do exterior, não podem ser senão quantidades determ inadas
em relação ao problem a do equilíbrio e, por razões óbvias de
sim etria, impõem tam bém esta determ inação aos recursos
que fazem parte dos «capitais propriam ente ditos». M as em
von N eum ann este condicionam ento não existe e, portanto,
o seu m odelo não impõe um a necessidade de considerar como
dada a com posição do capital, a qual se apresenta assim como
um a incógnita que assum irá, na solução de equilíbrio, a con
figuração necessária para asseg u rar um a tax a geral de lucro.
Tecnicam ente, o problem a é tra tad o do seguinte modo.
A situação tecnológica é representada m ediante um conjunto
de processos produtivos, cada um dos quais, quando exercido
a um nível definido unitário, se caracteriza po r um a lista de
inputs e um a lista de outputs; trata-se, naturalm ente, dos
m esm os bens, apresentando-se cada um deles quer como
input, quer como output. Cada processo contém , em geral,
todos os bens, com a ressalva de que o input e /o u o output de
um certo bem podem ser nulos em certos processos. E fectuar
um processo a um certo nível x significa m ultiplicar po r x
todos os seus inputs e outputs; m as os níveis a que se efec
tuam os processos fazem p a rte das incógnitas do problem a,
de tal modo que a com posição do conjunto dos bens que
constituem o sistem a produtivo — isto é, o capital — é o resul
tado do equilíbrio e não um seu pressuposto. E ste equilíbrio
é an a lisad o ,p a ra um a sucessão indefinida de períodos, liga
dos entre si no sentido de que o conjunto dos outputs de um
período constitui o conjunto dos inputs do período subse
quente. Daqui decorre um a prim eira condição de equilíbrio
que rep resen ta um a lim itação óbvia de cará c te r m aterial: é
necessário que, em cada período, os processos produtivos
sejam efectuados a níveis tais que a quantidade de um bem
que é necessário em pregar na produção em todos os processos
136
não seja m aior do que a quantidade que, no período prece
dente, foi produzida por todos os processos. Satisfeita esta
condição, é possível que, no âm bito de um período e para
cada bem, a quantidade produzida seja m aior do que a quan
tidade utilizada como inputs; nesse caso o equilíbrio é de tipo
expansivo. Reflectindo um pouco, ver-se-á claram ente que,
para esta possibilidade se verificar, é necessário que para
cada bem exista pelo m enos um processo no qual a quanti
dade de output seja m aior do que a quantidade de input.
A referida condição de equilíbrio é, porém , insuficiente
para to rn a r determ inado o próprio equilíbrio. Com essa fina
lidade, von N eum ann introduz um a nova condição segundo
a qual as relações entre os níveis dos processos perm anecem
constantes de período para período. Isto pode tam bém expres-
sar-se dizendo que, na passagem de um período p ara o período
subsequente, todos os níveis dos processos vêm m ultiplicados
por um m esm o núm ero (incógnita): este núm ero, específico
po rtan to do sistem a no seu conjunto, m ede a ta x a de expan
são do próprio sistem a (por exemplo, se ele fosse igual a 1,1,
teríam os um a tax a de expansão de 1 0 % ). V oltarem os em
breve ao significado desta hipótese, que parece ser com ple
tam ente irrealista.
Um a o utra condição de equilíbrio diz respeito aos preços.
P ara cada processo é possível definir, na base dos preços, o
valor dos seus inputs bem como dos seus outputs. O que a
concorrência impõe é que cada processo consiga um lucro
não m aior do que o correspondente à tax a geral do lucro
(incógnita); o que se trad u z na condição de que, p ara cada
processo, o resultado, correspondente ao valor dos outputs
m ajorado do lucro à tax a geral, não seja m aior do que o
custo, correspondente ao valor dos inputs.
Todavia, isto não b a sta ainda p ara to rn a r o equilíbrio
determ inado: é igualm ente necessário um elo entre o vínculo
m aterial im posto aos níveis dos processos e o vínculo con
correncial im posto aos preços. E ste elo tem duas com po
nentes. A prim eira é a seguinte: se, para um certo bem , a
quantidade produzida num período como output é m aior do
que a quantidade utilizada como input no período subse
quente, o preço desse bem (que se apresenta como um bem
«livre») é nulo, um a vez que é nula a sua escassez relativa
m ente às necessidades da produção. Q uanto à segunda, é
a seguinte: se, para um certo processo, o resultado, definido
como acim a, é m enor do que o custo, o nível deste processo
é nulo, um a vez que não se apresenta como lucrativo relati
vam ente aos requisitos da concorrência.
137
Von N eum ann, e outros depois dele, dem onstraram que
todas estas condições podem ser satisfeitas sim ultaneam ente,
isto é, que elas identificam um a configuração de equilíbrio, na
qual ficam determ inados: os níveis relativos dos processos
produtivos, os preços relativos, a tax a de expansão e a tax a
de lucro. Além disso, resu lta daqui que a ta x a de expansão
e a tax a de lucro são iguais. E sta últim a circunstância tem
p articu lar interesse, valendo a pena exam iná-la m ais em por
m enor.
Se considerássem os separadam ente a condição m aterial
im posta aos níveis dos processos e a condição concorrencial
im posta aos preços, isto é, se prescindíssem os do elo que
o m odelo institui entre eles, teríam os o seguinte; 1) a tax a
de expansão, no interior apenas do vínculo m aterial, seria
susceptível de tom ar valores infinitos, que, porém , teriam um
m áxim o; 2) a tax a de lucro, no interior apenas do vínculo
concorrencial, seria susceptível de tom ar valores infinitos,
que, porém , teriam um mínimo; 3) o valor m áxim o da tax a
de expansão é m aior do que o valor mínimo da ta x a de lucro,
de tal modo que, na base do vínculo m aterial e do vínculo con
correncial, existe um conjunto de valores com uns à tax a de
expansão e à tax a de lucro, com um m áxim o e com um
mínimo. Ora, se se impõe, com o sucede no m odelo, que sejam
nulos os preços dos bens «livres» e nulos os nív;eis dos
processos não lucrativos, daí decorre que, na configuração
de equilíbrio, a tax a de expansão e a ta x a de lucro pertencem
am bas àquele conjunto de valores com uns e, além disso,
que elas coincidem . M as pode dizer-se ainda m ais. Se se veri
ficar um a determ inada condição relativa à natu reza dos
processos produtivos (a qual, grosso modo, im plica que não
existem bens que sejam produzidos m as não sejam utilizados
na produção), o conjunto dos valores com uns à tax a de
expansão e à ta x a de lucro reduzem -se a um ponto, que por
isso é, obviam ente, o valor m áxim o da ta x a de expansão e
o v alor m ínim o da tax a de lucro. É precisam ente isto que se
deve esperar do regim e de concorrência que, po r um lado,
im pulsiona ao m áxim o o desenvolvim ento da produção e,
por outro, form a um a tax a geral de lucro que não vai além
do que é perm itido pelo produto líquido em term os m ate
riais. A circunstância de a um a e stru tu ra de níveis produ
tivos que m axim aliza a ta x a de expansão e sta r associado um
sistem a de preços, que com preende um a ta x a de lucro
(m ínim a), designa-se pelo nom e de «dualidade»: a p arte da
solução que se refere aos preços é «dual» da p a rte que se
refere aos níveis produtivos (e inversam ente)..
138
Assim, o m odelo de von N eum ann dá a im agem de um
processo económico que é essencialm ente um processo pro
dutivo, no qual o consum o apenas é um m om ento da pro
dução e a e stru tu ra da tecnologia prevê um produto líquido
em term os m ateriais. Este produto líquido é inteiram ente
reinvestido na produção, dando assim lugar a um cresci
m ento «equilibrado», isto é, o sistem a m antém constantes as
proporções entre as suas várias partes; estas proporções são
determ inadas pelo m ecanism o concorrencial de modo a que
a tax a (m áxim a) de crescim ento perm itida pela tecnologia
coincida com a tax a (mínima) do lucro com patível com a
concorrência. A hipótese do crescim ento (equilibrado), como
referim os, revela e sta r particularm ente afastada da realidade,
dado que esta últim a, num a análise mesmo superficial, ap re
senta econom ias que se desenvolvem com grandes m utações
nas proporções internas: sectores que avançam m ais veloz
m ente e outros que avançam m ais lentam ente. Não obstante,
não é difícil ver que esta crítica está, essencialm ente, deslo
cada. As m utações nas proporções internas são quase sem pre
consequência de m odificações tecnológicas: os sectores que
se expandem m ais rapidam ente são os que inovam mais.
Porém , a inovação tecnológica e stá excluída do m odelo de
von Neum ann, em que a tecnologia se m antém inalterada
de período para período; a hipótese m ais conform e com esta
ausência de m utações nos m étodos de produção é, precisa
m ente, aquela em que as proporções não variam . A crítica,
quando m uito, seria feita m ais atrás, ou seja, quando da
assunção da tecnologia dada; m as é um a característica de
todos os m odelos de equilíbrio, e não teria sentido atribuí-la
especificam ente ao m odelo de von Neum ann.
Podem os agora v o ltar à questão que consideram os essen
cial: qual é a relação desta teoria do equilíbrio com a definição
de Robbins? Ou, po r ou tras palavras: o facto de com o modelo
de von N eum ann se sair do esquem a dos «recursos dados a
u tilizar para conseguir da m elhor m aneira fins, tam bém eles
dados», será um a razão válida p ara considerar que o próprio
m odelo realize um conceito de econom ia diferente do de
Robbins? A resposta é negativa. Comecemos po r considerar
que no m odelo em questão o processo produtivo se desen
volve no interior de um vínculo que assenta no facto de os
m eios de produção serem , em certas alturas, lim itados, ou
escassos, precisam ente porque são os produtos do período
precedente; e se existe um a form ulação da teoria económ ica
em que seja claro que os preços são índices de escassez,
ela é dada pelo m odelo de von Neum ann, no qual os preços f
139
se anulam se os bens correspondentes forem superabun
dantes em relação às quantidades requeridas pela produção,
e no qual, se se introduzisse um a m utação nos m étodos
produtivos que, m antendo-se todas as outras circunstâncias,
aum entasse a disponibilidade de um bem, o preço deste
dim inuiria relativam ente aos outros. Tudo isto chega para
sugerir que, com esta teoria do equilíbrio, perm anecem os
dentro da lógica do conceito robbinsiano de economia. Tem-se
a confirm ação disso analisando a n atu reza do modelo e cons
tatan d o que nele se encontra quer a relação meios-fins, quer
o processo de m axim ização.
No que se refere ao prim eiro aspecto, é certo que tan to a
natu reza dos meios como a dos fins se encontra aqui m odi
ficada em relação à abordagem neoclássica; já não tem os,
de um lado, como meios, trabalho, te rra e bens de capital pro
duzidos (ou, se se quiser, trabalho e te rra directos e indi
rectos) e, do outro lado, com o fins, as necessidades, isto é,
os consum os. O cará c te r «circular» do m odelo, já invocado,
im plica pelo contrário que o meio seja com pletam ente hom o
géneo com o fim: tra ta-se sem pre do capital, que é tom ado
em dois m om entos ou funções diferentes, respectivam ente
como a riqueza herdade do passado e com o o resultado da
produção corrente. O facto de, num determ inado m om ento,
o que se apresenta como fim ser depois destinado a funcio
n ar com o meio não prejudica absolutam ente nada a validade
da distinção.
Posto isto, vejam os o segundo aspecto da questão, que
pode definir-se do seguinte modo: tendo em conta a natureza
dos meios e a n atu reza dos fins, tal como aparecem no
modelo de von Neum ann, em que consiste o processo das
escolhas? Por outras palavras, o que é que se tra ta de maxi-
m alizar e quais são as possibilidades entre as quais escolher
p ara conseguir essa m axim ização? Vimos que a ta x a de
expansão identificada pelo equilíbrio do m odelo é um a taxa
m áxim a, podendo por isso serm os tentados a dizer que a gran
deza m áxim a é justam ente a ta x a de expansão. Isso é efecti
vam ente verdade, m as num sentido m enos sim ples e ime
diato do que poderia resu lta r das considerações feitas até
agora. De facto, recordem os que a tax a de expansão até
agora considerada é determ inada na base da hipótese do
desenvolvim ento equilibrado: é a tax a m áxim a de entre todas
as tax as possíveis de desenvolvim ento equilibrado, ficando
po rtan to em aberto o problem a de saber se não serão possí
veis desenvolvim entos não equilibrados m ais rápidos do que
o equilibrado m áximo. D este modo, trata-se de m ostrar que
140
existe um sentido em que o desenvolvim ento de von N eum ann
pode ser considerado m áxim o relativam ente a todos os outros,
independentem ente do facto de os outros serem ou não equi
librados.
A este respeito, está dem onstrado que, em geral, é válido
o que se segue. Sabemos que o equilíbrio de von N eum ann
com porta um a certa configuração dos níveis dos processos
produtivos, caracterizada pelo facto de esses níveis terem
certas relações entre si, destinadas a perm anecerem in alterá
veis de período para período. Suponham os agora que, num
determ inado período «inicial», o sistem a se encontra fora do
equilíbrio de von Neum ann, no sentido de que a configuração
dos níveis é diversa da que corresponde ao referido equilíbrio.
Suponham os depois que, num período «final», distanciado
do «inicial» um núm ero não m uito pequeno de períodos in ter
médios, se pretende conseguir um a o u tra configuração dos
níveis produtivos, tam bém ela diferente da configuração de
equilíbrio de von N eum ann e, em geral, da inicial. Pode agora
dem onstrar-se que, sob certas condições suficientem ente
gerais, para que a configuração que se pretende conseguir
seja m axim izada (isto é, p ara que, no âm bito das relações
entre os níveis que definem a configuração final, o valor abso
luto dos próprios níveis seja m áxim o), o sistem a deve seguir
um «cam inho» que consiste em deslocar-se da configuração
inicial, colocando-se no equilíbrio de von N eum ann (que é
aquele a que corresponde a m áxim a tax a de expansão com um
a todos os níveis), seguir este equilíbrio para a m aior p arte
dos períodos interm édios e, finalm ente, afastar-se dele para
conseguir a configuração final desejada. E sta tese é habitual
m ente designada pela expressão «teorem a da auto-estrada»
(turnpike theorem ), p a ra indicar a circunstância de o itine
rário de von N eum ann preencher um a função análoga à de
uma auto-estrada, que, em bora possa não ser o percurso mais
directo entre duas localidades, pode apresentar vantagens em
com paração com percursos m ais directos, em virtude da m aior
velocidade que perm ite. E sta im agem justifica ainda, intuiti
vam ente, o facto de a validade do teorem a exigir que os
períodos inicial e final não estejam dem asiado próxim os.
É claro que este teorem a dá um a justificação u lterio r da hipó
tese do desenvolvim ento equilibrado, o qual, quando se pro
cessa a um a tax a m áxim a, adquire o cará c te r de um desen
volvim ento optimal: a lim itação que parecia derivar de ele ser
equilibrado revela-se, pelo contrário, como aquilo que o carac-
teriza como desenvolvim ento m áxim o. /
141
À nossa pergunta inicial podem os assim responder que o
problem a de escolha resolvido pelo m odelo de von Neum ann
consiste em escolher, entre as diversas com posições internas
do capital, a que confere a esse m esm o capital a m áxim a tax a
de desenvolvim ento. Em bora com um conteúdo diferente dos
da econom ia neoclássica (e igualm ente do que o próprio
Robbins tinha em m ente), a e stru tu ra form al da definição
robbinsiana é, com von N eum ann, perfeitam ente respeitada.
E sclarecido este ponto, é necessário v er que consequências
daí decorrem para o que diz respeito ao conceito de valor.
Tam bém aqui será necessário seguir a sugestão de Robbins e
v er o que está «por detrás» dos preços. Recordem os que, se
se tiv er em conta apenas o vínculo m aterial im posto aos níveis
dos processos produtivos, são possíveis tax as de expansão
infinitas. Se se quiser que a ta x a de expansão seja a m áxim a
de entre todas as possíveis, será necessário to m ar como refe
rência o sistem a de preços; e isto em dois sentidos, que havía
m os já posto em evidência: em prim eiro lugar, os preços
devem ser tais que neles se reflicta a escassez relativa dos
bens e, portanto, sejam nulos os preços dos bens livres; em
segundo lugar, estabelecido o equilíbrio de cada processo
na base dos preços, é necessário que não tenham lugar os
processos que obtêm m enos do que a ta x a geral de lucro.
D este m odo, o sistem a de preços de equilíbrio de von N eu
m ann é, po r assim dizer, o suporte do desenvolvim ento
m áxim o. P ara além da sua n atu reza im ediata de relações de
tro ca entre as m ercadorias, os preços revelam a sua n a tu
reza «profunda» de valores de eficiência, se por eficiência
se entender desenvolvim ento m áximo. Deve acrescentar-se
que, pondo de p arte qualquer questão de coerência form al,
a realização po r von N eum ann do conceito de valor implícito
na definição de Robbins tem , relativam ente à realização que
dele se dá nas teorias neoclássicas, um elem ento de superio
ridade que está ligado à sua m aior adequação à natureza
efectiva do capital. Aqui, terem os de novo de reco rrer a M arx.
P ara a teoria neoclássica, o capital, como quer que seja conce
bido, representado e m edido, tem essencialm ente a n atu reza de
um instrum ento em relação ao consum o, ou seja, à satisfação
das necessidades dos sujeitos (não im porta se privados se públi
cos), os quais põem o problem a do consum o, não como sendo
de satisfação im ediata, m as como projectando-se no futuro,
e cuja resolução, no sentido da m axim ização, exige que, a tra
vés da «poupança» e da consequente form ação de capital,
se tenha a m elhor distribuição do próprio consum o no tem po.
E sta perspectiva do processo económico é a consequência
142
directa do facto de o capital ser visto essencialm ente como
um a coisa, e não, para u sa r os term os de M arx, como um a
relação de produção. Se o considerarm os deste segundo modo
(o que, como vimos a propósito de M arx, im plica a conscien
cia de que na relação capitalista o trabalho é alienado, havendo
um a separação do produtor relativam ente ao seu produto
e ao seu próprio trab alh o ), o capital apresenta-se como um
fim em si m esm o e, portanto, como inicio e term o do processo
económ ico (25). Isto não significa (e certam ente não significa
p ara M arx) que a n atu reza intrínsecam ente instrum ental do
capital desapareça; m as significa que ela é colocada, e deve
ser reconhecida, tão-só na função histórica do modo de pro
dução capitalista, a qual faz do capital o instrum ento de um
desenvolvim ento da riqueza m aterial, que apenas é condicio
nado por vínculos internos e que acum ula na história as
condições objectivas para um fim ele próprio histórico, isto é,
o desaparecim ento da alienação. A circularidade do processo
de von Neum ann, o carácter hom ogéneo do fim e do meio, to r
nam assim esta teoria b a sta n te m ais próxim a da n atu reza
histórica do capital do que toda a teoria neoclássica. Não
se pretende dizer com isto que a teoria da acum ulação de
von N eum ann é a versão m odernizada do m arxism o; que
rem os sim plesm ente sublinhar que, no dominio do m ero m eca
nism o acum ulativo, o m odelo em questão apresenta as coisas
com um suficiente grau de realism o, se a realidade tem as
características que M arx lhe atribui. E querem os dizer ainda
que (mas sobre isto voltarem os a falar adiante com m aior
profundidade), se nos cingimos a esta caracterização m ar-
xiana do processo acum ulativo, nem por isso o conceito de
valor como índice de eficiencia capitalista desaparece.
4.7. A planificação
143
algum as características gerais destes m odelos, im portantes
p ara o problem a do valor.
T rata-se quase sem pre de m odelos que têm n atu reza pro
gram ática m ais do que descritiva (2e). Eles têm por objectivo
d eterm inar program as eficientes de form ação de capital,
isto é, program as que tenham como fim atingir na m áxim a
m edida possível um a determ inada e stru tu ra da produção e,
portanto, do próprio capital (estru tu ra definida exogena-
m ente), estando subordinados a vínculos, dados não só, como
é óbvio, pelo estádio da técnica, m as tam bém por certos requi
sitos de consum o que se queiram garan tir de período para
período. O aspecto que m ais nos interessa evidenciar aqui
(e que já havíam os encontrado em von N eum ann) é o que
tem o nom e de dualidade. Com este term o, repetim os, indi
ca-se o facto de a todo o program a esta r associado um sis
tem a de preços (com preendendo a tax a de ju ro ou a ta x a de
lucro), de tal modo que o cálculo do program a óptim o, em
term os de níveis produtivos, im plica necessariam ente a deter
m inação dos preços associados a esse program a. Se im a
ginarm os agora que um m odelo deste tipo é o instrum ento
operativo de um a autoridade planificadora, daí decorre que
esta autoridade determ ina os valores de eficiência com a
m esm a operação com que calcula o program a eficiente.
Não é possível en carar aqui a questão da planificação em
to d a a com plexidade dos seus aspectos; m as há um ponto
que, num a exposição do conceito de valor, deverá ser escla
recido. Vimos que o conceito de economia com o ciência da
escassez, ou seja, como ciência que estuda o resultado das
escolhas que se efectuam em presença de m eios escassos,
havendo utilizações alternativas, p ara atingir fins ordenáveis
segundo a sua im portância relativa, dá lugar a construções
teóricas, que são logicam ente coerentes na condição de se
reconhecer que a subordinação do trabalho ao capital torna o
consum o não um fim, m as um vínculo, configurando o fim
com o o crescim ento do próprio capital. Vimos ainda que,
nesta perspectiva, surge um conceito particu lar de valor
ligado ao cará c te r «dual» dos processos de determ inação das
escolhas optim ais. Tudo isto é válido independentem ente do
144
facto de a propriedade do capital ser pública ou privada e de
as escolhas serem efectuadas através de um cálculo cen tra
lizado ou m ediante decisões descentralizadas e coordenadas
po r um m ercado. D este modo, não deve adm irar o facto de
a categoria do valor, no sentido que estam os aqui a dar-lhe,
e s ta r igualm ente presente nas economias planificadas, qual
quer que seja o seu grau de centralização, e sem pre que elas
sejam geridas com critérios e m étodos que se inspiram na
«racionalidade» das escolhas. O m ovim ento das «refor
m as» (2?), que desde há alguns anos orienta as sociedades
de econom ia planificada (a com eçar pela soviética) vem con
firm ar esta tese. É certo que isto im plica um juízo bem d eter
m inado acerca destas sociedades e que, pelo m enos no que
se refere à esfera da produção e do consum o da riqueza m ate
rial, se tra ta ainda de sociedades capitalistas, pois não basta,
p a ra re tira r o cará c te r capitalista a essa esfera, a propriedade
estatal das em presas; pelo contrario, é determ inante p ara a
confirm ação desse carácter, o facto de o trabalho ser tra
balho assalariado, isto é, separado do produto e avaliado com
base nos custos da sua reprodução como força de trabalho.
Tam bém neste ponto poderem os apoiar-nos na opinião de
M arx. E xiste um a passagem dos Fundam entos da crítica da
economia política em que ele discute a questão de se poder ou
não dizer do trabalho que é «produtivo»: será útil referirm o-
-nos aqui a esta passagem , pois dela nos servirem os tam bém
p a ra outras questões que verem os a seguir. Após haver
recordado que, nas condições determ inadas pelo modo de pro
dução capitalista, o trabalho «só é produtivo na m edida em
que é assum ido no capital, em que o capital constitui a base
d a produção e o capitalista é quem com anda a produção»,
e após te r sublinhado que, nas condições do trabalho assala
riado, «o trabalho, tal como existe no operário, em antítese
ao capital e, portanto, na sua existência im ediata, separada do
capital, não é produtivo», M arx, em polém ica com aqueles
(os «socialistas ricardianos») que im aginam que a relação
capitalista implica sim plesm ente um a subtracção por parte
do capital dos frutos da produtividade do trabalho, ao qual
seria assim retirado o direito à apropriação integral do pro
duto, e que, portanto, o capital e o lucro podem ser supri
m idos perm anecendo o trabalho na sua form a actual, conclui:
«D eixar subsistir o trabalho assalariado e, ao m esm o tem po,
10 145
suprim ir o capital, é po rtan to um a reivindicação que se con
trad iz e se destrói a ela própria» (2S). Poderá subsistir a
dúvida sobre se M arx te rá previsto que a ten ta tiv a de reali
z a r esta operação contraditória reproduziria o «capitalista que
com anda a produção» na form a do Estado capitalista, m as
foi justam ente isso que aconteceu, sendo p ortanto n atural que
na situação assim determ inada, as categorias da produção
capitalista se reafirm em com o única saída possível para um a
gestão da econom ia que p retenda ser subm etida a regras.
146
que um a parte do salario participa no produto líquido e que
essa sua participação é por sua vez em p arte consum ida, e em
p arte poupada p ara o financiam ento dos investim entos. O sis
tem a dos preços e a tax a de desenvolvim ento são n atu ral
m ente influenciados por esta alteração das hipóteses. É p a r
ticularm ente interessante m encionar o que se verifica quando
o lucro é em p arte destinado ao consumo. N este caso, a tax a
de desenvolvim ento deixa de ser igual à tax a de lucro, m as
é igual ao produto da tax a de lucro pela percentagem poupada
do próprio lucro: assim , por exemplo, se a tax a de lucro é,
em equilibrio, de 2 0 % , e o lucro é poupado em 1,80 %, a tax a
de expansão do equilibrio será de 16 %' (29).
Passem os ao segundo ponto. Fazendo de novo referência
ao m odelo de von Neum ann, podem os dizer que a expansão
que ele define poderia continuar a té ao infinito, se não in ter
viessem circunstâncias exteriores capazes de pôr obstáculos
a essa expansão. Quais poderão ser esses obstáculos decorre
im ediatam ente, com o já observám os, da consideração de que
a expansão definida pelo m odelo req u er duas condições: por
um lado, um a disponibilidade ilim itada de recursos naturais
e, por outro, um aum ento da população activa capaz de for
necer a força de trabalho necessária. Exam inem os separada
m ente estas duas condições. É claro que a disponibilidade
ilim itada de recursos naturais está em contradição com a pró
pria hipótese de tecnologia constante específica do modelo:
efectivam ente, no âm bito de um a c e rta técnica, os recursos
n atu rais que se conhecem e se desfrutam são o que são e a
sua disponibilidade é o que é; po r isso, sem pre no âm bito
dessa técnica, chegará certam ente um m om ento em que os
recursos conhecidos terão sido desfrutados integralm ente, e
em que já não será possível um a expansão ulterior. Este
obstáculo é naturalm ente superável, m as para isso é neces
sário que a tecnologia do sistem a se m odifique e se ponha
em condições de d esfru tar outros recursos anteriorm ente des
conhecidos ou que não se sabia como utilizar no processo
produtivo. No que toca à segunda condição, é evidente que,
se a tax a de crescim ento da população activa for inferior ao
que o estádio da tecnologia to rn a possível, surge um obstáculo
à expansão em tudo análogo ao determ inado pela disponibi
lidade de recursos naturais. Tam bém este obstáculo não é
insuperável, m as ainda aqui é necessária a introdução de
147
novos m étodos produtivos; n este caso, eles devem ser tais
que a quantidade de trabalho necessária p a ra produzir a uni
dade de cada bem diminua. A acção destes dois lim ites far-
-se-ia se n tir no sistem a como um a queda da ta x a de lucro
devido ao aum ento do custo dos recursos e /o u do trabalho,
e as m odificações técnicas necessárias p ara reconstituir a tax a
de expansão seriam m otivadas pela tendência p ara recuperar
níveis superiores de ta x a de lucro.
Porém , reportando-nos a um a econom ia capitalista com
propriedade privada das em presas, existe um processo bem
definido m ediante o qual as m odificações nos m étodos de
produção, as inovações, são introduzidas previam ente e inde
pendentem ente do facto de os lim ites im postos pela dispo
nibilidade de recursos e de trabalho determ inarem a sua
necessidade.
E sta questão ocupou um lugar im portante na história
do pensam ento económico; os econom istas clássicos (Smith,
de um a form a particular) e sobretudo M arx ocuparam -se
longa e detalhadam ente deste facto. Terem os aqui sobretudo
presente o exam e do processo inovador feito por um dos
m aiores econom istas contem porâneos, J. Schum peter (30).
É de assinalar, em especial, que Schum peter considera a
inovação como a ro tu ra de um equilíbrio que ele descreve
em term os essencialm ente w alrasianos. Todavia, na sua argu
m entação nada há de essencial que dependa deste tipo de
referência, e pode-se perfeitam ente im aginar que o processo
representado na sua teo ria ten h a como ponto de partida um
equilíbrio sem elhante ao de von Neum ann. N esse equilíbrio,
como sabem os, o crescim ento é puram ente quantitativo (pelo
que o designám os pelo term o de «expansão»), no sentido de
que no sistem a se repetem até ao infinito sem pre os m esm os
eventos, em bora em escala alargada, e tam bém no sentido
(«dual» do precedente) de que o sistem a dos valores econó
m icos se m antém inalterável no tem po. N estas condições, a
actividade de quem dirige o processo produtivo (qualquer
que seja a sua configuração institucional) é essencialm ente
um a actividade de rotina: as decisões, um a vez tom adas, são
válidas p a ra sem pre, e nada m ais resta fazer do que repetir
148
a sua execução até ao infinito. O que falta, em term os schum-
peterianos, é a actividade empresarial, se se indicar po r este
term o (num sentido naturalm ente diferente do de W alras)
um a actividade que determ ina modificações no processo pro
dutivo e, portanto, no sistem a dos valores económicos. As
m odificações produzidas pela actividade em presarial são, tip i
cam ente, as seguintes: 1) produção de novos bens, 2) u tili
zação de novos m ateriais, 3) utilização de novas fontes de
energia, 4) introdução de novos tipos de m áquinas, 5) adopção
de novas form as de organização. A prim eira questão a que
é necessário responder é a seguinte: porque são introduzidas
as inovações? O que leva o em presário a ser aquilo que é?
A questão é m uito com plexa, e não pretendem os e n tra r aqui
num a análise m otivacional. Basta, por isso, pôr em evidência
que a inovação é a fonte de um lucro, em bora seja aqui
necessário um esclarecim ento term inológico. Vimos que tam
bém na configuração de equilíbrio existe um lucro, que tem
origem no excedente ligado a um certo estádio da técnica
produtiva. Schum peter não lhe cham aria lucro, pelo contrário,
co n testaria m esm o a sua existência: um a reform ulação do
conceito schum peteriano de equilíbrio que utilize um a teoria
da produção contendo a ideia de excedente deveria, prova
velm ente, afirm ar que o excedente, em equilíbrio, é todo
consum ido (salvo, eventualm ente, o que é necessário para
fazer face ao aum ento da população), na m edida em que se
tran sfo rm aria todo em rendim ento de tipo salarial, incluindo
aqueles que cabem aos directores-adm inistradores do im u
tável processo produtivo. Pelo contrário, Schum peter reserva
o term o lucro para indicar o rendim ento específico alcançado
po r um em presário devido ao facto de a sua inovação abalar
o sistem a de valores correspondente ao equilíbrio.
Este processo (que foi representado, em term os quase
idênticos, por M arx (31)) pode ser descrito da seguinte form a.
O em presário-inovador ou produz novos bens, anteriorm ente
desconhecidos no m ercado, ou produz bens já conhecidos
a custos superiores aos suportados pelos velhos produtores.
No prim eiro caso, não tendo concorrentes, pode p raticar
preços de venda sem qualquer relação com os custos; no
segundo caso, deve aceitar os preços de venda vigentes no
m ercado, m as sup o rta custos que não têm relação com
aqueles preços; num e noutro caso, consegue um a diferença
entre resultados e custos que constitui precisam ente o lucro
--------------- /
( 31) O C apital, L ivro I.
149
ligado à inovação. E ste lucro deriva portanto, em todos os
casos, da ro tu ra das relações que ocorrem , em equilíbrio,
entre os valores económ icos. Quando a inovação se generaliza,
a posição p articu lar do inovador é destruída e a concorrência
produz um novo sistem a de valores de equilíbrio que elimina
o lucro. T rata-se, naturalm ente, de um a elim inação relativa
à em presa inovadora (ou m elhor, ex-inovadora); m as relati
vam ente ao sistem a no seu conjunto, o lucro não desapareceu,
antes se «difundiu» no próprio sistem a, que o incorpora na
nova situação de equilíbrio sob a form a de riqueza acres
centada em com paração com a antiga situação.
Tendo presente tudo o que acabám os de expor, o pro
cesso de desenvolvim ento capitalista, descrito por Schum pe
ter, pode ser posto nos seguintes term os (que, repetim os,
assum em com o representação da configuração de equilíbrio
não a teo ria w alrasiana, m as a teoria da produção como
processo circular):
150
se m anifesta como queda da ta x a de lucro. Daí resu lta um
incentivo p ara introduzir todas as inovações que reduzem
a necessidade de trabalho por unidade de m ercadoria produ
zida e, portanto, reconstituem a ta x a de lucro e as possibili
dades de expansão.
d) Mas a em presa capitalista apresenta tam bém um a
tendência p ara a inovação independentem ente da necessidade
de defender o lucro dos dois obstáculos agora m encionados.
Isso deve-se ao facto de a em presa procurar to d as as ocasiões
possíveis p a ra conseguir um lucro m aior do que o corres
pondente à ta x a geral de lucro da configuração de equilíbrio.
As inovações, rom pendo o sistem a de valores correspondente
ao equilíbrio, dão às em presas que as introduzem a possibili
dade de conseguir ganhos diferenciais relativam ente às outras
em presas. E stes ganhos, po r um lado, são continuam ente
anulados pela generalização dos novos bens e dos novos
m étodos e, por outro, renovam -se continuam ente pela in tro
dução incessante de outras inovações.
e) As inovações, qualquer que seja a sua origem , dão
lugar a um processo de desenvolvim ento, que contém con
juntam ente e, pode bem dizer-se, em constante lu ta entre si,
a tendência p ara a expansão equilibrada de carácter p u ra
m ente quantitativo e a tendência p a ra a m utação e p ara o
salto qualitativo; é precisam ente a e sta segunda tendência
que está ligado o cará c te r não equilibrado do desenvolvim ento
real. E stas duas tendências desenvolvem-se, como é óbvio,
contem poraneam ente. Todavia, proceder à sua distinção,
m esm o que artificialm ente, pode aju d ar a com preensão do
processo, que poderá ser agora representado da seguinte
m aneira: de um a certa expansão equilibrada, caracterizada
por um sistem a de níveis relativos dos processos produtivos,
por um sistem a de preços e por um certo valor da ta x a de
expansão e da ta x a de lucro, passa-se, em virtude das ino
vações introduzidas pela actividade em preendedora, a um a
nova configuração de equilíbrio, caracterizada por um novo
sistem a de níveis produtivos e por um novo sistem a de
preços, aos quais corresponde um novo valor da ta x a de
expansão e da tax a de lucro, valor este que se pode pressupor
ser superior ao característico da precedente configuração de
equilíbrio, em consequência das m odificações acarretadas
pelas inovações p ara a form ação do excedente. E sta nova
configuração de equilíbrio será um a vez m ais p ertu rb ad a pelas
inovações, e assim por diante. A circunstância de a ta x a geral
de lucro, que tende a reafirm ar-se m ediante a reabsorção
dos lucros diferenciais decorrentes das inovações, ser um a
151
ta x a crescente, pode ser m odificada pelo facto de ser igual
m ente crescente a participação do salário no produto líquido
do sistem a (o que se verificou historicam ente).
f) No processo agora descrito a concorrência assum e
dois significados. N a configuração de equilíbrio, a concor
rência tem por efeito a distribuição dos capitais entre as
várias actividades de m odo a que a ta x a de lucro seja a
m esm a em toda a parte; isto é, o seu efeito é a form ação
da ta x a geral, ou m édia, de lucro. Mas no processo de desen
volvim ento em erge um outro tipo de concorrência, a que as
em presas inovadoras fazem às em presas que ainda seguem
vias tradicionais, e tam bém aquela que as em presas que
com eçam igualm ente a aplicar as inovações fazem àquelas
que prim eiro encetaram novas vias. À concorrência que se
processa no interior de um equilíbrio pode cham ar-se estática,
enquanto àquela que faz sair o sistem a de um equilíbrio
preexistente e tende a realizar um equilíbrio novo, pode
cham ar-se dinâmica. A ligação que se processa entre estes
dois tipos de concorrência é clara: a actividade em preende
dora, m ediante a concorrência dinâm ica decorrente das ino
vações, destrói a configuração de equilíbrio da concorrência
estática, revolucionando o sistem a de valores que lhe corres
ponde e, em particular, diversificando as tax a s de lucro; a
difusão das inovações utiliza a concorrência dinâm ica para
reconstituir no final um a situação de concorrência estática
com um novo sistem a de valores e com um a o utra ta x a
de lucro.
152
repetem de um a form a im utável e as decisões, um a vez
tom adas, devem ser repetidas até ao infinito, o m odo como
elas inicialm ente se form aram , a p a rtir do centro ou da peri
feria, deixa de te r im portância. M as quando se tra ta de
to m a r decisões inovadoras, que quebram a estaticidade dada
dos acontecim entos, então esse modo adquire a m áxim a im por
tância. O m ecanism o dos lucros diferenciais como incentivo
fundam ental p ara as inovações, que vim os ser característico,
de acordo com Schum peter, da econom ia de m ercado, deixa
evidentem ente de funcionar num a econom ia planificada, que,
ao contrário do que sucedia no domínio do equilíbrio, deve
exprim ir n este domínio, m étodos peculiares. Se e stá ou não
em condições de o fazer, é um a questão que não podem os
en carar aqui, nem sequer recorrendo à análise das experiên
cias de planificação de que tem os historicam ente conheci
m ento. Lim itam o-nos a recordar que, na doutrina, existem
a esse respeito trê s posições principais.
Um a prim eira posição foi expressa, ainda recentem ente,
pela velha tradição «liberal» que saiu d errotada do debate
que, nos anos 20 e 30, se desenvolveu no O cidente entre
adversários e fau to res da «planificação socialista» (S2). Os
prim eiros foram derrotados por terem baseado a sua crítica
na suposta «im possibilidade do cálculo económico» na eco
nom ia planificada; a isto os segundos puderam contrapor
(vitoriosam ente) que a determ inação da configuração de
equilíbrio (seja no aspecto da «produção», seja no aspecto
«dual» do valor) pode ser concebida quer como o resultado
de um m ecanism o de m ercado, quer como o resultado de
um cálculo em sentido estrito e literal, isto é, de um plano.
Porém , a controvérsia foi conduzida, precisam ente, em term os
de equilíbrio, o que deixou aos «liberais» a possibilidade de
153
objectarem que a conotação m ais peculiar do m ercado é a
sua capacidade de inovação ligada à figura do em presário,
e que neste domínio de confronto, m uito m ais im portante,
a planificação, ligada como está à sim ples administração,
e stá inevitavelm ente em decadência (33).
A segunda posição é exactam ente o contrário da prim eira.
A firm a que à planificação, em virtude da possibilidade que
a caracteriza de considerar o sistem a económ ico no seu
conjunto, são possíveis iniciativas em preendedoras, que já
não seriam acessíveis aos em presários individuais. E stas ini
ciativas — de que é um exem plo típico e frequentem ente
citado a rápida industrialização de um a econom ia subdesen
v o lv id a — requerem capacidades de coordenação das quais
o m ercado estaria com pletam ente desprovido (34). Por outras
154
palavras, segundo e sta posição, o m ercado poderia determ inar
processos de desenvolvim ento caracterizados pelo facto de
os acréscim os de capital serem relativam ente m odestos em
função do capital já acum ulado, enquanto a planificação se
to rn a ria indispensável quando se pretende um desenvolvi
m ento tão rápido que os acréscim os de capital devam assum ir
ordens de grandeza análogas às do capital existente. E sta
tese contém , em nossa opinião, elem entos de verdade m uito
im portantes, que poderiam perder-se se ela não fo r refo r
m ulada de m odo a te r em conta um problem a m uitas vezes
subestim ado pelos seus defensores. J á referim os que o equi
líbrio e o desenvolvim ento são dois m om entos do processo
económ ico que só de um a form a m uito ab stracta se poderão
considerar separados: o esquem a segundo o qual o desen
volvim ento rom pe um equilíbrio preexistente, inova, e tende
depois p ara um novo equilíbrio, por sua vez destinado a
sucum bir por ou tras acções de desenvolvim ento, isto é, o
esquem a que prevê um a alternância pura e sim ples entre os
dois m om entos, é um artifício que pode te r grande valor
expositivo e didático, m as que e stá m uito longe da realidade
das coisas. Para o problem a em discussão, isto significa que
todo o processo de desenvolvim ento, qualquer que seja a
sua origem e natureza, altera com continuidade, e não por
saltos, os dados do cálculo económico, que se to m a por
isso tan to m ais difícil quanto m ais intenso é o próprio
desenvolvim ento. Torna-se agora razoável a tese segundo a
qual um processo de decisões descentralizadas, como o m er
cado, possui capacidades de adaptação a essa m utação con
tínua m uito superiores às dum a planificação centralizada.
D este modo, os defensores de que a planificação e stá em
condições de prom over acções inovadoras de grande im por
tân cia e que vêem aí a sua superioridade, correm o risco
de verem reaparecer um m otivo de inferioridade da plani
ficação num domínio em que de bom grado teriam consi
derado os problem as como resolvidos.
155
Existe, naturalm ente, um m odo m uito sim ples de evitar
sem elhante risco: consiste em negar im portância ao problema
do cálculo. A tese, no seu essencial, é a seguinte: o cálculo
tem a v er com a m elhor utilização dos recursos; m as o
problem a fundam ental da planificação não é em pregar do
m elhor m odo determ inados recursos, m as au m en tar e m odi
ficar os próprios recursos atrav és da acum ulação; portanto,
o cálculo não é um aspecto relevante da planificação. E sta
tese teve, a té há relativam ente pouco tem po, um certo
sucesso, especialm ente en tre alguns econom istas ocidentais
que se reclam am do m arxism o (35). Todavia, perante a urgên
cia com que os problem as do cálculo (e, portanto, do valor)
se puseram em todas as sociedades de econom ia planificada,
tam bém estes econom istas tiveram posteriorm ente de rever
as suas posições (30). Aqui interessa-nos, sobretudo, procurar
pôr em evidência as razões de princípio que tornam pouco
rigorosas essas posições. U m a prim eira objecção, m uito
sim ples, que se pode adiantar, é a seguinte: o aum ento e a
m odificação dos recursos constitui por si um objectivo p ar
ticular, que, como tal, e stá em concorrência com outros
objectivos igualm ente possíveis, por exem plo, um consumo
p resente m aior do que aquele que se teria se se acum ulasse
m uito p a ra au m en tar e m odificar os recursos. P or outro lado,
a acum ulação pode, em geral, ser efectuada de m ais de um a
form a, sobretudo se com portar m utações qualitativas. Por
tan to , surge em qualquer caso um problem a de escolha e,
p or conseguinte, de cálculo. M as um a sistem atização con
ceptual suficiente desta questão parece req u erer um a defi
nição clara da relação en tre a optim ização num contexto
de equilíbrio e o espírito em preendedor-inovador. Essa rela
ção pode ser configurada do seguinte modo: a optim ização
consiste em escolher, entre várias altern ativ as de uso de
determ inados m eios, aquela que realiza um fim num grau
m áximo; o espírito em preendedor consiste, em prim eiro lugar,
num alargam ento do leque dos fins susceptíveis de serem
alcançados e, em segundo lugar, num alargam ento do cam po
das alternativas e m eios que perm itam atingir os fins em
m aior grau, em com paração com os m eios anteriorm ente exis
ten tes. O desenvolvim ento — m esm o no sentido forte, isto é,
156
qualitativo, deste term o — não é, portanto, um a saída do
problem a da relação m eios-fins, e, consequentem ente, do
problem a das escolhas m axim izantes; pelo contrário, é um
processo de m odificação dos term os em que aquele problem a
se põe. Se as coisas são assim , então o risco a que nos
referim os anteriorm ente não pode ser evitado, tendo antes
de ser encarado frontalm ente.
É isto que caracteriza especificam ente a terceira posição
acerca do problem a da relação entre planificação e actividade
em presarial. E sta apresenta-se, até aos nossos dias, como
um a posição essencialm ente ecléctica, na m edida em que
é um a com binação das duas posições precedentes, m esm o
que p orventura encerre a possibilidade de desenvolvim entos
teóricos relevantes capazes de lhe conferir m aior autonom ia
e rigor. Essencialm ente, ela propõe um a coexistência de
decisões centralizadas e de decisões descentralizadas e, assim,
de planificações e de relações de m ercado, de modo que pelo
m enos as grandes escolhas, que poderiam cham ar-se de
«estratégia do desenvolvim ento», perm anecem confiadas à
autoridade planificadora, enquanto as escolhas m ais p a rti
culares são rem etidas p ara centros periféricos, dos quais
as em presas constituiriam a e stru tu ra fundam ental. Às
em presas seria assim reconhecida um a autonom ia de acção
com portando necessariam ente, como elem ento de reunificação
e de coordenação, o m ercado e, portanto, a form ação «con
correncial», e não pela via do cálculo em sentido restrito
dos valores económicos; por outro lado, tratar-se-ia de um
m ercado fortem ente condicionado pelas escolhas estratégicas
centralizadas (37)- Não é aqui possível aprofundar este argu
m ento. Todavia, parece-nos útil m encionar um aspecto com
algum interesse, pelo m enos p ara esta exposição da história
do conceito do valor. Vimos, a propósito dos m odelos de
produção de cará c te r circular, que neles a tax a de expansão
depende, p ara além da im portância do produto líquido per
m itido pela tecnologia, tam bém da porção desse produto que
é poupada. Ora, um a tendência quase constante na teoria da
planificação m as que caracteriza de um a form a particu lar
a terceira posição referida, consiste na afirm ação de que,
entre as tarefas m ais naturalm ente im putáveis à decisão da
157
autoridade planificadora, se conta a fixação da tax a de
expansão através da determ inação da percentagem poupada
do produto líquido. A justificação desta tese reside em que
apenas a com unidade e stá verdadeiram ente em condições de
avaliar a im portância relativa da riqueza fu tu ra em relação
à riqueza presente, e, portanto, se existe algo que deve ser
subtraído às decisões individuais, é precisam ente o valor
da ta x a de expansão. Por outro lado, se se pensar que, como
vimos, deste valor depende todo o sistem a dos valores eco
nóm icos dos bens produzidos, verificar-se-á como a questão
é im portante.
158
5. A TEORIA DOS PREÇOS DE PIERO SRAFFA
159
Sraffa Production of com m odities by m eans o f com m odities
(Cam bridge Un. Press) de 1960. Como se recordará, esta obra
foi referida quando afirm ám os constituir ela a conclusão (mas
no sentido da supressão) do problem a m arxiano da «tran s
form ação». Vam os agora exam iná-la em porm enor.
T rata-se, tam bém aqui, de um m odelo de produção cir
cular no sentido que já esclarecem os a propósito de von
N eum ann, isto é, no sentido de que os produtos são tam bém
m eios de produção e não existem outros m eios de produção
fora dos produtos. O trabalho (à excepção do que referirem os
dentro em pouco) é transform ado nos seus m eios de subsis
tência, que, no lugar do trabalho, surgem como meios de
produção entre os outros m eios de produção. No entanto,
o que caracteriza o esquem a de Sraffa e o diferencia do de
von N eum ann e de outros autores análogos, é o facto de
nele as quantidades de bens (produtos e m eios de produção)
serem tom adas como dados, em vez de tra ta d a s como incógni
tas. Portanto, enquanto noutros esquem as o que se pressupõe
é um a tecnologia, em Sraffa é um a configuração produtiva.
Com isto elim ina-se não só o problem a da determ inação das
quantidades, m as tam bém o de assum ir determ inadas hipó
tese s sobre a n atu reza da tecnologia. E é precisam ente a
possibilidade de prescindir deste segundo problem a que leva
Sraffa a tom ar quantidades dadas dos bens: efectivam ente,
é assim que se realiza a sua intenção declarada de apenas
tra ta r as propriedades de um sistem a económ ico que são
independentes da n atu reza da tecnologia. T rata-se de um
problem a com um a longa história, que não irem os contar
aqui; b a sta rá observar que já neste aspecto da sua teoria
Sraffa assum e um a atitude polém ica frente à tradição neoclás
sica, que, pondo-se, sob qualquer form a, um problem a de
optim ização, devia necessariam ente introduzir hipóteses rela
tivas ao estádio da técnica produtiva (e devia, portanto,
interrogar-se sobre se os «rendim entos» eram constantes,
crescentes ou decrescentes, isto é, se as quantidades dos
m eios de produção eram proporcionais, m enos que propor
cionais ou m ais que proporcionais à quantidade do produto).
Ora, Sraffa pretende dem onstrar que, desligando o problem a
da determ inação dos preços do problem a geral do equilíbrio,
se realiza um a operação dotada de sentido, um a vez que os
preços resultam igualm ente determ ináveis. Portanto, sob a
elim inação do problem a da determ inação das quantidades
produzidas, verifica-se em Sraffa a intenção de se dem arcar
do conceito de econom ia como ciência da escassez e da
noção de valor que este conceito implica.
160
Assim, tom ando como referência a configuração pro
dutiva dada, pode definir-se um produto líquido ou exce
dente em term os fisiocráticos e ricardianos: este é um con
junto de bens, cada um dos quais é a diferença entre a
quantidade em que o m esm o bem aparece entre os produtos
e a quantidade em que ele aparece entre os m eios de pro
dução (basta que apenas um a destas diferenças seja positiva
p ara que haja excedente). Supondo que cada «indústria»
produz um único bem, chega-se a um sistem a de equações
como aquele que já referim os na nossa exposição do p ro
blem a da transform ação, com a advertência de que agora
os coeficientes das equações são quantidades físicas e não
quantidades de trabalho. Assum indo um dos preços como
unidade de m edida, estas equações determ inam os preços e
a ta x a de lucro, apresentando-se esta últim a como a relação
e n tre o valor do produto líquido e o valor global dos meios
de produção; o «salário» fica im plicitam ente determ inado,
bem como o valor dos m eios de subsistência.
O que são os preços neste contexto? Tenha-se presente
que as equações são equações de equilíbrio, que estabelecem
que, para cada indústria, o valor dos meios de produção,
m ajorado do lucro à ta x a geral, é igual ao valor do produto.
Isto significa que os preços devem ser tais que: a) aquilo
que um a indústria obtém do seu produto, com base no seu
preço, lhe perm ita adquirir os meios de produção necessários
aos preços destes meios; b) o valor do excedente, com base
nos preços dos bens que o constituem , seja distribuído entre
as indústrias de m odo que cada um a delas obtenha a tax a
geral de lucro.
Porém , e sta apenas é um a prim eira form a de Sraffa
form ular o seu esquem a. A segunda consiste em pôr em
evidência o trabalho, distinguindo-o dos m eios de produção
(com a consequência de os m eios de subsistência se encon
trarem agora entre os produtos e não entre os m eios de
produção); isto im plica pôr-se tam bém em evidência o salário,
que se to rn a num a percentagem do produto líquido. Poderá
p arecer que deste modo se com prom ete a natu reza circular
do processo produtivo, em consequência do que poderia
su rg ir como o advento â f um «factor originário» no sentido
da teo ria neoclássica. N a realidade, não é esse o caso, um a
vez que a única função desem penhada pelo trabalho neste
esquem a é a de particip ar na repartição do produto líquido,
pelo que ele não tem um preço de «factor originário» que
deva ser relacionado com os preços dos outros «factores».
O ponto essencial é que, n esta segunda form ulação do
11 161
esquem a, o sistem a adquire um «grau de liberdade», no
sentido de que não é possível determ inar as incógnitas se
um a das variáveis distributivas (salário ou ta x a de lucro)
não for tom ada como dada. D este modo, a distribuição do
produto líquido não é um a circunstância determ inada pelo
m odelo, m as um a circunstância que o m odelo tom a do exte
rior. E o próprio m odelo é, por isso, com patível com qualquer
hipótese que se queira p ô r a este respeito: p o r exemplo,
que se fixe o salário, ou n a base de m ecanism os que o
reduzam a um nível qualquer de subsistência, ou na base
do resultado de um conflito ou de um a contratação sindical;
ou que se fixe a tax a de lucro na base, digam os, do «nível
das tax as de juro m onetário». Seja como for, um a vez fixada
pelo exterior um a das duas variáveis distributivas, o m odelo
determ ina a o u tra variável e o sistem a dos preços, que
resultam assim funções da variável que se tom a como
exterior.
N aturalm ente, dever-se-á tam bém fixar um a unidade de
m edida p ara os preços e p a ra o salário, que poderá ser
constituída por um preço qualquer, m as tam bém , m ais signi
ficativam ente, pelo próprio produto líquido. Sraffa propõe,
todavia, a utilização de um a unidade de m edida particular,
à qual já havíam os feito referência quando falám os de
Ricardo; um a vez que e sta unidade se destina, n a realidade,
a resolver um problem a colocado por Ricardo, devemos, para
com preender o seu significado, ligá-la à questão da «m edida
invariável» do valor ricardiana. R ecordar-se-á que Ricardo
propõe, como unidade de m edida dos valores, o valor de
um a m ercadoria que ten h a a dupla característica de ser
produzida sem pre com a m esm a quantidade de trabalho
(isto é, sem pre nas m esm as «condições») e de ser m ercadoria
«média», no sentido de ser produzida com um a relação entre
trabalho directo e trabalho indirecto igual à relação do
sistem a global. Desse modo, como então se disse, obtinha-se
o seguinte resultado duplo: e sta m ercadoria, enquanto pro
duzida em condições constantes, estaria a p ta a m edir as
m utações de valor das ou tras m ercadorias, na m edida em
que se m odificarem as condições em que estas são produ
zidas, e, enquanto m ercadoria «média», estaria ap ta a m edir
as m utações de valor que, em virtude de variações do salário,
se verifiquem para as ou tras m ercadorias em consequência
do facto de a relação capital-trabalho ser, p a ra estas outras
m ercadorias, diferente da m édia do sistem a. Disse-se tam
bém que, vindo deste modo a ta x a geral de lucro a coincidir
com a tax a de lucro da m ercadoria m édia, Ricardo obtinha
162
como resultado a determ inação da ta x a geral de lucro em
term os m ateriais, como já o fizera no início da sua carreira,
m ediante a sim ples substituição do trigo pelo trabalho; e
que, com este tipo de determ inação da ta x a de lucro, se
escapa ao círculo vicioso que advém do facto de, po r um
lado, a ta x a de lucro se a p resen tar como dependente dos
valores e, por outro, os valores se apresentarem como depen
dentes da ta x a de lucro. Além disso, vimos que em Ricardo
a m ercadoria m édia é definida de um a form a incorrecta,
um a vez que a relação capital-trabalho é determ inada com
base na hipótese de que o valor do capital não m uda quando
se m odifica o valor do salário, hipótese cuja falsidade é
ta n to m ais relevante quanto é utilizada no problem a que
tem por objectivo m edir as variações do valor devidas a
m utações do salário.
Ora, Sraffa coloca o problem a de se e sta unidade de
m edida ricardiana não poderá ser reform ulada sem os defeitos
que tinha na form ulação de Ricardo, e encontra, no seu
esquem a de produção circular, o meio de lhe dar solução.
T rata-se de realizar as seguintes operações: 1) com eça-se
por considerar um a m odificação do salário, po r exemplo,
um a diminuição. Isso im plicaria um a nova ta x a geral de
lucro, m aior do que a inicial. M as, se os preços perm ane
cessem os m esm os, as indústrias com baixa proporção entre
trabalho e m eios de produção seriam relativam ente m enos
beneficiadas pela dim inuição de salário, enquanto as indús
tria s com um a proporção m ais elevada entre trabalho e meios
de produção seriam m ais beneficiadas po r ela. Form ar-se-ia
assim todo um leque de tax a s de lucro. Por outro lado,
existiria um a «proporção crítica» entre trabalho e m eios de
produção, ou seja, um a proporção tal que a indústria que a
em pregasse conseguiria exactam ente a tax a de lucro geral
correspondente ao novo nível do salário. 2) Por isso, esta
últim a indústria não necessitaria de um a m odificação dos
preços para conseguir a nova ta x a geral de lucro, sendo
porém essa m odificação exigida pela necessidade de levar as
outras indústrias a conseguir esse resultado. Por outro lado,
não se pode dizer (com o se poderia ser ten tad o a fazer)
que os preços dos produtos das indústrias de baixa proporção
en tre trabalho e m eios de produção devam au m en tar e que
os preços dos produtos das indústrias em que aquela pro
porção é elevada devam diminuir, e isto porque a ta x a de
lucro de cada indústria depende não só do preço do seu
produto, m as tam bém dos preços dos seus m eios de p ro
dução. Por exemplo, de um a indústria com baixa porporção
163
entre trabalho e m eios de produção, com um a tax a de lucro
inferior à perm itida pela hipotética dim inuição do salário,
não se diz que ten h a de au m en tar o seu preço p a ra conseguir
a ta x a geral de lucro, um a vez que poderia dar-se o caso
de o valor dos seus m eios de produção dim inuir de tal form a
que o próprio preço da indústria em questão devesse dimi
nuir. Ou seja, os m ovim entos dos preços necessários para
restabelecer, ao novo nível, a ta x a geral de lucro podem
processar-se nas direcções m ais variadas, justam ente porque
aquilo que conta p ara esse fim não é sim plesm ente a pro
porção entre trabalho e m eios de produção que tem lugar
nos m eios de produção que cada indústria utiliza e, depois,
nos m eios de produção que produziram esses meios de pro
dução, e assim por diante. 3) São feitas considerações
análogas quando se pretende precisar as características de
um a indústria cujo produto não deva m udar de preço em
consequência de m odificações do salário: é necessário que
a proporção que assegura a ta x a geral de lucro seja recorrente,
isto é, se encontre nos seus m eios de produção, nos meios
de produção destes m eios de produção, e assim por diante.
4) Um a m ercadoria dotada desta propriedade é um a m erca
doria com pósita, que se constrói ad hoc: tra ta-se de um
conjunto de m ercadorias caracterizado pela circunstância de
as m esm as m ercadorias que compõem o produto se encon
trarem , e nas m esm as proporções, nos m eios de produção
do conjunto. N um a m ercadoria dessas, designada por Sraffa
m ercadoria-tipo, existe assim hom ogeneidade física entre o
produto e os m eios de produção, já que se tra ta de dois
conjuntos com a m esm a com posição m erceológica. Conse
quentem ente, na m ercadoria-tipo pode determ inar-se a tax a
do produto líquido (que coincide com a ta x a de lucro quando
o salário é nulo, isto é, com a ta x a de lucro m áxim a) em
term os m ateriais, independentem ente dos preços, como suce
dia com o trigo do jovem Ricardo. 5) Se se im aginar que o
salário é um a porção do produto líquido da m ercadoria-tipo,
o produto líquido-tipo, no sentido de que o salário com
preende um a determ inada percentagem de cada m ercadoria
que com põe o produto líquido-tipo, então a tax a de lucro,
m esm o p ara níveis abaixo do nível m áxim o, determ inar-se-ia
im ediatam ente em term os m ateriais. Efectivam ente, p ara a
m ercadoria-tipo, a dependência da tax a de lucro relativam ente
ao salário (indicando por: r a tax a de lucro, R a tax a do
produto líquido-tipo, ou ta x a m áxim a de lucro ou, como
lhe cham a ainda Sraffa, «relação-tipo», w o salário, no sen
tido de salário pago a todo o trabalho em pregue) é indicada
164
pela relação linear: r = R (1 — w); por exemplo, se a relação-
-tipo fosse de 20 % e o salário absorvesse 3 /4 do produto
líquido-tipo (no sentido dado acim a, isto é, absorvesse 3 /4
de cada m ercadoria do produto líquido-tipo), a ta x a de
lucro seria igual a 5 % . 6) Porém , sucede que aquela relação
é válida não só p ara «o sistem a-tipo im aginário», como tam
bém para o sistem a real, m as apenas na condição de que o
salário (e, portanto, os preços) seja m edido em term os de
produto líquido-tipo, ou seja, de este últim o ser tom ado
como unidade de m edida. N este caso, pôr, po r exemplo,
w = 3 /4 significa sim plesm ente que o salário é igual a 3 /4
do valor do produto líquido-tipo, sem quaisquer im plicações
p ara a sua com posição m erceológica. M esmo assim , a tax a
de lucro é igual a 1/4 da relação-tipo; o que significa que,
dado o salário em term os de produto líquido-tipo, o sistem a
de preços será de m olde a asseg u rar para cada indústria
um a ta x a (geral) de lucro igual a um a certa fracção (isto é,
o com plem ento p ara 1 do salário) da relação-tipo.
D este modo, o problem a ricardiano da determ inação
da ta x a de lucro antes dos valores, de form a a evitar o
raciocinio em círculo vicioso, fica resolvido. E parece natu ral
que, tendo adoptado um conceito de excedente de tipo
ricardiano, se deva depois resolver o problem a que para
Ricardo era o principal problem a decorrente daquele conceito.
Todavia, surge aqui um a situação singular: o círculo vicioso
é já evitado pelo facto de o m odelo de Sraffa determ inar
sim ultaneam ente a ta x a de lucro e os preços (dado o salário).
Por isso, é o próprio m odelo que evita a necessidade de
en co n trar um a unidade de m edida particular. O ponto essen
cial a sublinhar é que a determ inação sim ultânea exige a
elim inação da teoria do valor-trabalho, um a vez que esta,
como vimos, im plica um conceito de valor absoluto, e este
conceito é exactam ente o contrário da determ inabilidade
sim ultânea de preços e ta x a de lucro. No que consiste então
a operação realizada por Sraffa? Ela consiste: 1) em retom ar
a teoria ricardiana sob o ponto de vista da definição do
excedente; 2) por outro lado, no abandono de qualquer p re
tensão de ligar a form ação dos preços às quantidades de
trabalho objectivadas nas m ercadorias; 3) consequentem ente,
na aquisição da possibilidade de elim inar todo o raciocínio
em círculo vicioso m ediante a determ inação sim ultânea da
ta x a de lucro e dos preços. N este ponto, a resolução do
problem a ricardiano da m edida torna-se, ao m esm o tem po,
possível e supérflua. R esta-lhe o m érito (que decorre do
165
facto de ser, algébricam ente, linear) de to rn a r m uito simples,
e por isso particularm ente tran sp aren te, a relação existente
entre tax a de lucro e salario. Porém, naquilo que Sraffa
tem p ara dizer nada existe de essencial que dependa da
construção da m ercadoria-tipo.
É natu ral que um esquem a como o de Sraffa se preste
particularm ente bem p ara ilu stra r em que term os se põe a
questão da relação entre os preços, por um lado, e as quan
tidades de trabalho contidas nas m ercadorias, por outro.
É o próprio Sraffa que se encarrega de fornecer esta expli
cação, m ediante um a operação que ele define como «redução
[dos preços] a quantidades de trabalho distintas por época
de prestação». Tendo já aludido a isto anteriorm ente, vejam os
agora m ais em porm enor do que se tra ta . Considerem os um a
dada m ercadoria, por exemplo, a m ercadoria 1 de que se
produz a quantidade A x. Sejam depois A1X, A Z1, A nl, as
quantidades respectivam ente da prim eira, da segunda, ..., da
enésim a m ercadoria necessárias p ara produzir a quantidade
Ai da prim eira m ercadoria; seja, ainda, La a quantidade de
trabalho necessária p ara produzir A ±. A equação relativa
à produção da prim eira m ercadoria (isto é, a prim eira equa
ção do sistem a de equações de Sraffa) apresenta-se, supondo
que o salário é pago ao fim do ano e que, portanto, sobre
ele não se deva calcular lucro, do seguinte modo:
M (1 + r)2 + L u lw (1 + r) + Law = A ^
166
\
onde M é o valor de um determ inado conjunto de m eios de
produção que devem ser ainda «reduzidos» e L ux é a quanti
dade de trabalho que serviu p ara produzir os m eios de pro
dução dos m eios de produção da prim eira m ercadoria. N este
ponto, recom eça-se o processo relativam ente a M, e depois
repete-se novam ente no que respeita ao novo «resíduo» de
m ercadorias, e assim por diante, reunindo, em cada fase, as
quantidades de trabalho obtidas. Ter-se-á assim um a «equa
ção de redução» da prim eira m ercadoria, que se ap resen tará
do seguinte modo:
167
/
168
aquela das duas variáveis distributivas que não é tom ada
como dada. Dissem os tam bém que a elim inação da categoria
valor-trabalho, que decorre deste esquem a, im plica a elim i
nação de um conceito, que, em bora estando im plícito em
Ricardo, ou só em p a rte explícito, nele estava bem presente,
pois é intrínseco ao valor-trabalho, isto é, o conceito de
v alor absoluto.
Isto significa que não se encontra em Sraffa justam ente
aquela p arte de R icardo que será retom ada e desenvolvida
p o r M arx. Logo este facto põe im ediatam ente o problem a da
relação entre Sraffa e M arx, relação esta que, efectivam ente,
tem sido longam ente analisada na literatu ra recente. É con
veniente, porém , reco rd ar que o início da polém ica sobre
este ponto está ligado à tese segundo a qual Sraffa havia
resolvido o problem a da transform ação. Podem os considerar
e sta tese em Dobb, que a expressou com m aior insistência
e am plitude de argum entação.
Na sua Introdução (1964) a um a edição italiana do
Livro prim eiro de O Capital, Dobb, após te r evocado resum i
dam ente os term os e a história do problem a da tra n sfo r
m ação, diz: «A prim eira dem onstração (do conhecim ento de
quem escreve) da possibilidade de um a solução m ais geral
p ara um núm ero qualquer de m ercadorias — para o caso
de n produtos — foi dada por Francis Seton (de Oxford)
num artigo publicado na Review o f Economic Studies de
1956-57. [Recordam os que se tra ta do sistem a de equações
que apresentám os em 3.5]. E ste concluía que a sua
análise havia dem onstrado que a ‘su p erstru tu ra lógica’ da
teo ria de M arx ‘era b astan te sólida’: um a dem onstração que
a alguns pode p arecer pouco convincente pelo facto de o
seu a u to r se te r esforçado constantem ente por se libertar
das im plicações da teoria da m ais-valia de M arx. U m a tal
dem onstração (elaborada m uitos anos antes nos seus ele
m entos essenciais) e stá tam bém im plícita nas equações que
form am o ponto central da derivação dos preços das con
dições da produção e da relação entre lucros e salários na
P arte I da Produzione di m erci a m ezzo di m erci de Piero
Sraffa». E conclui: «O resultado da polém ica, que se p ro
longou por m ais de meio século, é, por conseguinte, que
M arx tin h a razão ao supor que os preços de produção, como
os ‘preços de equilíbrio’ efectivos de um a econom ia capi
ta lista de concorrência, podiam ser considerados como d e te r
m inados pelas condições e pelas relações de produção, com
preendendo n estas últim as a ta x a de exploração, fundam ental,
que em term os de valor se expressa como ta x a da m ais-valia.
169
A e stru tu ra lógica da análise da produção capitalista de M arx
e o desenvolvim ento desta análise desde a teo ria do valor
do Livro I até à teo ria dos preços do Livro III, perm anece
in ta c ta após todo um século de crítica violenta, por vezes
aguda, m as, a m aior parte das vezes, longe de ser global» (2).
E sta tese de Dobb é m anifestam ente falsa. Baseia-se
num duplo equívoco: por um lado, que o conceito m arxiano
de «trabalho objectivado nas m ercadorias» pode ser reduzido
ao conceito de «condições de produção»; por outro, que o
conceito m arxiano de « tax a da m ais-valia» ou «taxa de
exploração» pode ser reduzido ao conceito de «relação entre
lucro e salário dentro do produto líquido». Porém , a prim eira
redução não pode ser feita, pois as condições de produção
que aparecem em Sraffa são condições técnicas ou materiais,
isto é, são um conjunto de m étodos de produção definidos
por um a m atriz de inputs e outputs de cará c te r físico,
enquanto o trabalho objectivado de M arx é um facto social,
ou seja, é um trabalho que, to rnado ab stracto pela sua con
traposição ao capital, produz um produto tam bém abstracto,
isto é, o valor. Do m esm o m odo, não se pode proceder à
segunda redução, pois a relação entre m ais-valia e capital
variável é em M arx a relação entre duas quantidades de
trabalho, sem o que não teria sentido cham ar-lhe ta x a de
exploração, enquanto a relação entre lucro e salário é sim ples
m ente, em Sraffa, a relação en tre as duas p a rte s em que se
divide um a grandeza, o produto líquido, tam bém de carácter
m aterial. V alerá a pena, porém , v o ltar a insistir m ais tard e
sobre a im possibilidade d esta segunda redução. Poderíam os
ser tentados, considerando o esquem a de Sraffa, a estabelecer
pelo m enos um a analogia com M arx, dizendo que deste
esquem a resu lta não existir o u tra origem possível para o
lucro fora do facto de o salário ser inferior ao produto líquido;
o único m odo possível de in te rp re ta r o lucro seria então
considerá-lo, por assim dizer, como derivado de um «m inus-
-salário». M as esta tese poderia ser rebatida, na m edida em
que tam bém se poderia considerar o salário como tendo
origem unicam ente no facto de o lucro não absorver todo
o produto líquido (passando assim o salário a ser in te r
pretado como derivado de um «m inus-lucro»). É certo que se
170
poderia objectar a indefensabilidade desta posição, dado que,
se não é concebível um processo produtivo sem rem uneração
do trabalho, pode perfeitam ente conceber-se um processo
produtivo sem lucro. M as nem sequer e sta linha de defesa
é aceitável. Para decidir se se pode ou não conceber um
salário nulo, é determ inante a distinção (que o próprio
Sraffa considera o único m odo rigoroso de tra ta r o salário,
m esm o se depois não o insere no seu esquem a) entre a p arte
do salário que cobre a subsistência e a p arte que excede
a subsistência e invade o produto líquido. N a realidade, só
a prim eira parte é essencial, enquanto a segunda pode m uito
bem ser nula. Se, portanto, o produto líquido é definido para
além dos m eios de subsistência, podem os adm itir im ediata
m ente que o lucro absorve todo o produto líquido; assim,
pelo m enos p ara a parte que excede a subsistência (m as que
seria a única a te r em conta quando se analisa a repartição
do produto líquido), a afirm ação de que o salário provém
do m inus-lucro é no m ínim o tão significativa quanto a afir
m ação oposta de que o lucro provém de um m inus-salário.
P or outro lado, um outro argum ento poderia ainda ser
avançado p ara dem onstrar a analogia entre a ta x a de m ais-
-valia de M arx e a relação lucro-salário de Sraffa. E ste con
sistiria no seguinte: assim como o trabalho é «obviam ente»
aquilo que produz, isto é, assim como só ao trabalho pode
ser conferido o atributo da produtividade (ver A. Sm ith),
tam bém o produto líquido só pode ser considerado como o
resultado da produtividade do trabalho, com a consequência
de que, havendo um a p arte do produto líquido que não vai
p ara o trabalho, estam os em presença de um a «subtracção».
Ora, não interessa discutir aqui se esta tese (tipicam ente
sm ithiana) é verdadeira ou não; a questão é que ela não é
a tese de M arx e, portanto, não pode ser utilizada para
estabelecer um a relação de continuidade entre Sraffa e M arx.
Referim os já um a passagem de M arx dos F undam entos, em
que se afirm a que o trabalho, considerado independentem ente
da relação com o capital, não é produtivo (se se tra ta , n a tu
ralm ente, de trabalho assalariado). A tese que estam os a
discutir reduz-se essencialm ente à afirm ação, estran h a a
M arx, de que o salário é natural, ao contrário do lucro.
V oltando a Dobb: dado que não é defensável quer que
as «condições de produção» possam substituir o «trabalho
objectivado», quer que a relação lucro-salário possa substi
tu ir a tax a da m ais-valia, não h á nenhum a base p ara afirm ar
que Sraffa resolveu o problem a da transform ação. Fica assim
confirm ado o que havíam os dito, isto é, que, em bora, o
171
resultado sraffiano seja inevitável, ele consiste na supressão
ou na negação do problem a, e não na sua resolução.
Porém , a discussão em torno do significado da obra de
Sraffa p ara as categorias m arxianas desenvolveu-se (e desen
volve-se) tam bém fora da questão da transform ação. Um a
posição m uito generalizada é aquela segundo a qual o facto
de Sraffa determ inar os preços e a tax a de lucro fora da
teoria do valor-trabalho não determ ina qualquer m odificação
nas conclusões essenciais de M arx e, em particular, na tese
de que a relação capitalista é um a relação de desfrute. Esta
posição expressa-se de várias m aneiras. Irem os analisar aqui
as que nos parecem m ais im portantes.
R. L. Meek, por exemplo, sublinhou que na fórm ula
sraffiana r = R (1 — w) a grandeza R, isto é, a relação-tipo,
é um a relação entre quantidades de trabalho: efectivam ente,
um a vez que R, sendo por construção determ inável, em term os
físicos, não varia quando variam os preços, dado que, para
r = O, os preços são iguais aos trabalhos contidos, R coin
cide, quaisquer que sejam r e os preços, com a relação entre
a quantidade de trabalho contida no produto líquido-tipo e
a quantidade de trabalho contida nos m eios de produção da
m ercadoria-tipo. Isto significa, p ara Meek, que a dificuldade
encontrada por M arx para tra n sfo rm ar os valores em preços
são reais, m as irrelevantes: b a sta tom ar com o unidade de
m edida a m ercadoria-tipo p ara ver que a ta x a de lucro é
precisam ente aquilo que M arx pensava que era, isto é, um a
relação entre quantidades de trabalho (3). M as Meek, sin
gularm ente, não tem em conta o facto de a m ercadoria-tipo
não ser um a m ercadoria real, m as um a m ercadoria construída
ad hoc, isto é, construída de modo a que nela a tax a de
lucro seja independente dos preços, e dependente apenas de
quantidades físicas e, portanto, de quantidades de trabalho.
D este modo, considerar e sta m ercadoria como dem onstração
do facto de a tax a de lucro ser um a relação entre quanti
dades de trabalho significa raciocinar num círculo vicioso.
O utras posições, orientadas para a defesa da possibili
dade de reconhecer a exploração capitalista, no sentido de
M arx, dentro do esquem a de Sraffa, são essencialm ente
v arian tes da tese da «produtividade», de que já falám os a
propósito de Dobb. Lim itam o-nos aqui a nom ear um a, que
é form ulada, m ais do que as outras, em term os que se recla
m am das categorias de M arx. Efectivam ente, esta posição
172
parte da ideia de que os produtos da econom ia capitalista
são valores anteriores à tro ca e independentes da m odalidade
como esta se efectua. Daqui se conclui que, abstraindo do
facto de a tro c a se processar ou não em conform idade com
as quantidades relativas de trabalho, continua a ser perfeita
m ente possível afirm ar que os produtos m ais não são do que
objectivações de trabalho e que, portanto, o excedente é
um a objectivação de sobretrabalho. A tro ca — segundo esta
tese — intervém num segundo tem po, p ara redistribuir o
valor do produto líquido ou m ais-valia entre os diferentes
capitais: m as isto não tira nem acrescenta nada ã constituição
do valor como trabalho objectivado (4). Vendo bem, a ope
ração que assim se realiza é a elim inação da análise da
categoria do valor de troca, no sentido de que o valor e o
preço aparecem situados em esferas separadas, de tal m aneira
que nem o prim eiro se prolonga no segundo, nem o segundo
tem o seu pressuposto no prim eiro. Não há dúvida de que,
p ara M arx, a categoria do v alor precede a do valor de troca,
e precisam ente no sentido de que, para ele, não é verdade,
como toda a teoria económ ica afirm a, que as m ercadorias
tenham valor porque se trocam , sendo pelo contrário v er
dade que as m ercadorias se trocam porque são valores; mas,
p or outro lado, sem o valor de tro ca como «form a fenom é
nica necessária» do valor, o valor tam bém não existiria para
M arx. Porém , se assim é, se não é possível prescindir do
valor de tro c a como form a do valor, coloca-se necessaria
m ente o problem a da relação do valor com o preço, que é
tam bém um a relação de troca, e a esperança de retom ar
a teo ria da exploração, como se tam bém não existisse a
relação valor-preço, surge assim desprovida de fundam ento.
Em Sraffa, essencialm ente, já não se encontra nada da
teo ria do valor de M arx e daquilo que é consequência dessa
teoria. E nem sequer podem os entrincheirar-nos nessa últim a
linha de defesa que consiste em dizer que a teoria dos preços
de Sraffa não é incom patível com a teoria do valor de M arx;
efectivam ente, esta deve ser com pletada por um a teoria dos
preços, e a de Sraffa não pode fazê-lo, pois não tem qualquer
relação com a categoria m arxiana do valor. Tudo quanto
dissem os anteriorm ente sobre M arx deveria ser suficiente
p a ra aclarar este ponto. Aqui, lim itam o-nos a pôr em evi-
173
dência um a questão que, seja como for, resum e todas as
outras: a questão do dinheiro. A teoria do dinheiro constitui
um a dem arcação nítida entre M arx e o pensam ento econó
mico clássico (Ricardo em particular) (5). P ara a ciência
económ ica clássica, o dinheiro é um sim ples «interm ediário
das trocas» (ou, pelo m enos, essa é considerada a sua função
fundam ental, da qual derivam as ou tras que porventura
existam — depósito de valor, etc.); o que significa que a
troca, m esm o se m onetária, continua a ser no essencial um a
tro c a en tre valores de uso, que a presença da m oeda facilita,
elim inando os obstáculos ligados à perm uta pura. N esta pers
pectiva, a m ercadoria é um valor de uso que tem um valor
de troca, porque o recebe do m ercado. É óbvia a relação
entre este conceito de dinheiro e a ideia (de que to d a a
econom ia e stá im pregnada, de Sm ith até aos nossos dias)
de que a sociedade m ercantil é a sociedade natural: a pro
dução, ainda que orientada p ara o m ercado, continua a ser
essencialm ente um a produção de valores de uso, os quais
recebem depois o atributo de valor de tro c a num a esfera,
a da circulação, que se sucede à da produção. N aturalm ente
que o facto de estar orientada p ara a tro c a influencia pro
fundam ente a produção; m as isso não obsta a que a produção
seja concebida como o lugar em que se form a o valor de
uso e a circulação como aquele em que se form a o valor
de troca. Ora, a proposta de M arx é b a sta n te diferente. Em
relação ao seu conceito de tro c a e de sociedade m ercantil
(ao qual não voltarem os aqui, dado que já o expusem os
em porm enor), M arx concebe o valor de tro c a como o pró
prio produto (melhor, como a «form a fenom énica necessária»
do produto: o valor), e isto em virtude do cará c te r genérico
que o produto assum e, sobretudo quando o capital tornou
universal a produção m ercantil; e, por essa razão, concebe
o dinheiro, ou seja, o valor de tro ca tornado autónom o do
valor de uso, não como aquilo que intervém quando a pro
dução é realizada, m as como aquilo que constitui o resultado
p articu lar da própria produção, quando e sta é especificada
socialm ente como produção capitalista. T rata-se de um modo
particularm ente eficaz para avaliar a distância que vai de
M arx a Ricardo. E sta distância não só não é abolida, como
é m esm o confirm ada por Sraffa: sob este ponto de vista
(a que poderíam os cham ar de «prim ado do v alor de uso»),
17 4
a proxim idade de Sraffa em relação à teoria ricardiana con
firm a a divergência de inspiração em relação a M arx.
A bordem os agora o últim o ponto respeitante às relações
de Sraffa com os outros autores: a sua relação com o con
ceito robbinsiano de econom ia como ciência da escassez e
das escolhas, ou seja, com a teoria «m oderna» do valor.
A este respeito, há dois pontos im portantes. Em prim eiro
lugar, não pode subsistir qualquer dúvida de que Sraffa
rep resen ta a confirm ação definitiva do fracasso da cham ada
teo ria neoclássica, que expusem os atrá s em dois dos seus
m aiores representantes: W alras e Bõhm-Bawerk. Por outro
lado — e este é o segundo ponto — , vim os que a econom ia
neoclássica é tão-só um dos dois m odos em que se m anifesta
a teoria do valor como expressão das escolhas m axim izantes;
o outro — isto é, o dos m odelos de acum ulação que se
reportam , directa ou indirectam ente, a von N eum ann — ,
po r um lado não apresenta, ao contrário do prim eiro, con
tradições internas e, por outro, não é m inim am ente afectado
pelo esquem a de Sraffa. Os preços de Sraffa não são, n a tu
ralm ente, preços ligados a um processo de optim ização, e
não o são justam ente porque pressupõem um a configuração
produtiva dada; m as não são absolutam ente incom patíveis
com os preços que resolvem um problem a «dual» no sentido
anteriorm ente referido; tudo o que, deste ponto de vista,
Sraffa pode dizer já está, de resto, contido naqueles m odelos,
isto é, que os preços se podem determ inar m esm o fora de
um a configuração optim izante.
A conclusão (se se pode falar de conclusão relativa
m ente a um debate que e stá ainda em curso) parece então
ser a seguinte: o esquem a de Sraffa constitui a prim eira teoria
dos preços totalm ente form ulada fora de um a teoria do valor,
ou pelo m enos das duas teorias do valor que estiveram pre
sentes na história do pensam ento económico: a teoria m ar-
xiana do valor-trabalho (precedida pelo «valor absoluto» de
Ricardo) e a teoria do valor como índice de m axim ização.
Existe, porém , um a diferença: é que a posição de Sraffa é
incom patível com a prim eira, m as com patível com a segunda.
Por outro lado, o que é um a teoria dos preços não ligada
a um a teoria do valor? Para responder a esta questão, b asta
pensar que o conceito de valor m ais não é do que a expressão
necessária do modo como se concebe a economia: consoante
a concebam os como ciência da exploração ou como ciência
da escassez, ter-se-á um ou outro dos dois conceitos de valor
acim a referidos. Assim, isto significaria que a teoria dos
preços de Sraffa não e stá incluída em qualquer teo ria eco-
175
nóm ica, o que será confirm ado se pensarm os no modo como
estes preços são determ inados. Para os determ inar apenas é
necessária um a circunstância de carácter técnico-m aterial,
isto é, a configuração produtiva, e um a circunstância que
se poderia dizer sociológica, a repartição do produto entre
salários e lucros. Sobre este últim o ponto, será útil a cres
c e n ta r um esclarecim ento. O facto de a distribuição do pro
duto ser recebida do exterior, fazendo que a teo ria «econó
m ica» se lim ite a estu d ar os efeitos, sobre a ta x a de lucro
e sobre os preços, de acontecim entos que têm lugar na
esfera das relações sociais de classe; isto é, o facto de não
se dar um a explicação «económ ica» da distribuição, não
im plicaria, por si só, um a lim itação; esta posição é intrínseca
ao conceito de produto líquido e, de resto, encontram o-la
em todos os m odelos de acum ulação, um a vez que se aban
done a hipótese de o salário ser redutível a bens de subsis
tência identificáveis do m esm o modo que os m eios de pro
dução. M as, se se proceder assim , torna-se — parece-nos —
essencial a análise de todas as reacções económ icas a este
facto exterior e, em particular, dos efeitos das m utações
da ta x a de lucro sobre os m ovim entos dos investim entos e
do em prego. Se nos lim itarm os aos efeitos da distribuição
sobre os preços e sobre a ta x a de lucro, parecem possíveis
todas as variações da distribuição, isto é, parece que os
efeitos económ icos das m utações da distribuição não actuam ,
por sua vez, sobre a própria distribuição, o que é m anifesta
m ente falso. Por outro lado, tom ar em consideração os outros
acontecim entos (investim entos, em prego) significa, em pri
m eiro lugar, passar do pressuposto da configuração produtiva
dada ao pressuposto da tecnologia dada e, em segundo lugar,
introduzir quaisquer critérios de acção, em term os (o que
parece inevitável) de m axim ização de qualquer coisa. Porém,
assim sair-se-ia das conotações características do esquem a
de Sraffa. Por isso dissem os que este esquem a confina a
distribuição a um a esfera «sociológica».
176
6. CONCLUSÕES
12 177
pensam os não dever excluir a possibilidade de, através de
um exam e da sua relação, chegar a algum contributo para a
superação das respectivas dificuldades.
R etom em os um problem a que surgiu no final do nosso
tratam en to dos m odelos de acum ulação. Vimos, por um lado,
como eles são um a realização do conceito robbinsiano de
econom ia como teoria da escolha ou da optim alidade, mas,
por outro lado, como se ligam objectivam ente a um conceito
de capital de tipo m arxiano. E ste facto, por si só, poderia
significar sim plesm ente que, tendo o capital as conotações
que M arx lhe atribui, é de qualquer form a, como qualquer
o u tra coisa, um a m anifestação da acção hum ana, cabendo
por isso na sua dim ensão económ ica universal, tal como se
encontra definida em Robbins. Mas — sobretudo se se tiver
em conta que o princípio de Robbins não deu lugar a tra ta
m entos form alm ente correctos quando foi aplicado a esque
m as de com portam ento que pareceriam m ais «naturais»,
como os com portam entos típicos da econom ia neoclássica — ,
pelo contrário, poder-se-ia ser levado a subm eter a verifica
ção o cará c te r universal daquele princípio, com o objectivo
de confirm ar se a sua capacidade de tra ta r um fenóm eno
historicam ente determ inado, como é o capital no sentido
de M arx, não se deverá a ser ele tam bém um princípio
historicam ente determ inado.
A definição de Robbins pretende fornecer, como sabemos,
um a certa imagem do hom em na sua dim ensão económica.
Para repetir esta imagem resum idam ente, m as de modo a
evidenciar aquilo que nos parece ser o seu carácter essencial,
direm os que tudo aquilo que n essa definição e nos exemplos
que a acom panham pertence à categoria dos «meios» é m ais
ou m enos directam ente redutível a trabalho, enquanto tudo
aquilo que se integra na categoria dos «fins» é m ais ou
m enos directam ente redutível a necessidades. Q ualquer coisa
que seja utilizada pelo hom em para conseguir determ inados
fins deve ser, efectivam ente, construída, adquirida ou de
algum modo torn ad a disponível, m ediante trabalho, ou, por
outras palavras, produzida. Por outro lado, qualquer que
seja o fim que o hom em se proponha atingir, tratar-se-á
sem pre de um modo em que o próprio hom em tende a
realizar-se, ou seja, a satisfazer um a necessidade m ediante
o consumo. P ortanto, a relação m eios-fins, vista concreta
m ente, m ais não é do que a relação trabalho-necessidade
ou a relação produção-consum o.
Ora, Robbins vê esta relação do seguinte modo: 1) o tr a
balho, isto é, a som a dos «meios», não tem valor ou sentido
178
por si só, m as retira valor e sentido (como, de resto, está
im plícito no próprio conceito de meio) dos fins a que se
destina. D entro desta perspectiva, pode tam bém dizer-se
que o trabalho m ais não é do que um custo, um sacrifício,
ou um a perda, em sum a, um a realidade relativam ente à qual
se põe, efectivam ente, o problem a da sua redução ao mínimo.
2) De um a form a correspondente, a necessidade é v ista como
um a realidade independente do trabalho, no sentido de que
as fontes de que ela provém , sejam elas consideradas de
n a tu re za biológica ou psicológica, não se constituem em
ligação com a actividade laboriosa, m as são-lhe preexistentes,
e, se tam bém a sociedade e a história influenciam a sua
form ação, trata-se de um a sociedade e de um a h istória cuja
e stru tu ra e m ovim ento dependem de outros factores, que
não o trabalho. Isto im plica que o hom em se realiza na
m edida em que satisfaz, m ediante o consumo, aquela esfera
de necessidades que e stá para além do trabalho e que o
trabalho deve sim plesm ente servir.
D este modo, o hom o oeconom icus desta ciência econó
m ica realiza-se entre um term o positivo e um term o negativo:
en tre as necessidades, que representam a sua verdadeira
hum anidade, e o trabalho, que representa, por assim dizer,
o elem ento inferior da vida do hom em , o elem ento m eram ente
instrum ental, em sum a, o «suor do rosto», m al necessário,
apenas resgatado pela situação de não-trabalho na qual o
hom em se encontra quando consome.
E sta concepção é, de resto, já antiga na ciência econó
m ica (e, naturalm ente, ainda m ais antiga se se sair do
âm bito da ciência económ ica). Com vista a defender que
um a certa quantidade de trabalho tem sem pre o m esm o custo
p a ra o trabalhador, «em qualquer época e lugar», Sm ith
exprim ia-se assim : «No seu estado norm al de saúde, força
e ânim o, ao nível norm al da sua a rte e da sua destreza, ele
tem de sacrificar sem pre a m esm a p a rte do seu repouso, da
sua liberdade e da sua felicidade» (J). Assim, o trabalho
é não só a renúncia ao repouso, m as tam bém à liberdade e
à felicidade; a tal ponto que não b a sta p ara m odificar esta
situação o facto de o trab alh ad o r exprim ir no seu trabalho
a sua «arte» e a sua «destreza». A riqueza é constituída
pelo repouso, pela liberdade e pela felicidade, que, em bora
se obtenham com base naquilo que o trabalho produziu, se
adquirem realm ente após o trabalho te r sido realizado. Aquilo
180
como algo de repelente, como trabalho coercivo
externo, perante o qual o não-trabalho se apresenta
como ‘liberdade’ e ‘felicidade’. T rata-se de duas
coisas: de trabalho antitético e, ligado a ele, do
trabalho que ainda não criou as condições sub
jectivas e objectivas (ou tam bém , relativam ente
à condição da pastoricia, etc., que perdeu), para
que o trabalho seja trabalho atraente, auto-realiza-
ção do indivíduo, o que n a realidade não significa
que seja um puro passatem po, um puro divertim ento,
segundo a concepção ingénua e ,frívola de Fourier.
Um trabalho realm ente livre, por exem plo a criação
artística, é ao m esm o tem po a coisa m ais terriv e l
m ente séria deste m undo, o esforço m ais intenso
que existe. O trabalho de produção m aterial só
pode adquirir este carácter: 1) se assum e um carácter
social, 2) se é de cará c te r científico e ao m esm o
tem po é trabalho universal, se é esforço do hom em
não como força n atu ral expressam ente adestrada,
m as como sujeito que no processo da produção não
se apresenta sob um a form a m eram ente natural,
prim itiva, m as como actividade reguladora de todas
as forças naturais» (2).
(2) L ineam enti fon dam en tali, cit. vol. II, pp. 277-279.
181
M as podem os ir um pouco m ais além. Se se tiv er p re
sente a form a como M arx vê a relação capitalista, da sua
crítica decorre que, se se tro c a o trabalho particu lar (espe
cificam ente, o trabalho assalariado) pelo trabalho em geral,
não só se com ete o erro de considerar como absoluta um a
realidade que é relativa, como tam bém se dá d esta realidade
relativa um a representação errada. Se, efectivam ente, o tr a
balho está subordinado ao capital e se, portanto, é trabalho
abstracto, sendo por isso o seu produto riqueza tam bém
abstracta, isto é, valor, então sim, ele é custo, ou sacrifício,
ou m om ento negativo, não em relação às necessidades m as
ao próprio capital, à sua «valorização»; e, naturalm ente, não
no sentido de que na situação capitalista as necessidades
não sejam de algum modo satisfeitas, m as no sentido de que
a sua satisfação, e elas próprias como necessidades parti
culares, não passam de um vínculo em relação à valorização
do capital.
Dito isto, a crítica a Sm ith pode ser tran sferid a para
Robbins. N este a u to r encontra-se o m esm o erro de Sm ith,
porquanto o trabalho (os «meios») de que ele fala não é o
trabalho em geral, antes é o trabalho a que foi retirad a a
característica de «m anifestação da liberdade»; m as, por outro
lado, se o discurso se rep o rta à form a «perfeita» deste tr a
balho não livre, isto é, ao trabalho assalariado, então ele
não pode sequer ser considerado como «meio» no interior
de um processo que ten h a com o fim as necessidades: efecti
vam ente, o protagonista desse processo não é o homem,
m as a coisa, isto é, o valor, e é no interior desta coisa que
a relação m eios-fins se desenvolve. Aqui radica (é de crer)
a im possibilidade de fazer derivar de Robbins a teo ria de
um processo económ ico com conotações que tenham a pre
tensão da «naturalidade» (com o nos neoclássicos) e, portanto,
a necessidade de atingir, com base na sua definição, a repre
sentação de um processo em que o capital ocupe am bas as
faces da relação m eios-fins.
P or outro lado, esta representação te ria um interesse
particular. A inda com referência ao trabalho em si, o processo
económ ico teria (se se a ceitar a caracterização de M arx) a
propriedade da hom ogeneidade entre m eios e fins. Portanto,
o capital seria a imagem invertida deste processo, ou, se se
quiser, reificada: o «com unism o» seria, por sua vez, a tra n s
form ação da relação capital-capital n a relação trabalho-tra-
balho. M as, n as condições actuais, este é ainda um discurso
de U topia. P or isso o deixam os aqui.
182
GUIA BIBLIOGRÁFICO
Notas orientadoras
1. Introdução
183
o das categorias do juro. Veja-se, na edição italiana da
N ew ton Com pton, a introdução de L. Colletti.
A H istoria de Bõhm -Bawerk (1884) é um a reconstrução
circunstanciada e m esm o porm enorizada das teo rias do capital
e do juro (mas, através destas, tam bém do valor), concebida
como introdução à sua Teoria positiva do capital (1888).
E ncontram os aqui a prim eira form ulação da crítica à teoria
m arxiana da exploração, que viria a ser desenvolvida em
1896 num a obra especial. A H istória poderá ser lida em
francês ou inglês (na edição inglesa, Capital and Interest,
1890, reeditada por Kelly e Millman, Nova Iorque, 1957, é
in teressante a introdução de W . Sm art).
A H istória (H istory of Econom ic A nalysis, Alien &
Unwin, Londres) de Schum peter, publicada postum am ente em
1954, quatro anos depois da m orte do autor, é a m ais
com pleta e erudita história do pensam ento económ ico escrita
na época contem porânea. A sua utilidade consiste sobretudo
na inform ação vastíssim a que proporciona; o seu valor histo-
riográfico é desigual, devido a um certo gosto pelo paradoxal
por p a rte do autor, que o leva, po r exemplo, a m enosprezar
os econom istas clássicos, em particu lar Sm ith, relativam ente
a econom istas habitualm ente considerados de segundo plano.
M as m esm o n estas ocasiões as suas análises nunca deixam
de ser estim ulantes. Em alguns casos, as suas reform ulações
têm um notável relevo teórico, como no caso de Sénior,
de J. S. Mili, de Bõhm -Bawerk, de W alras, de M arshall.
O utras histórias gerais (naturalm ente a um nível dife
rente das trê s precedentes) a co nsultar são, essencialm ente,
as duas de Cannan, hoje desactualizadas m as ainda m uito
úteis. P articularm ente a prim eira, de 1893, é m uito útil como
orientação p a ra a leitura de econom istas (vide Sm ith) que
frequentem ente são com plexos e obscuros. Além disso,
vejam -se a H istória de Roll (escolástica, m as boa) e a de
Blaug, b a sta n te vasta, dotada de um a rica bibliografia e de
úteis referências para a leitura de m uitas obras clássicas;
esta — como, de resto, m uitas ou tras — tem a lim itação de
considerar as teorias clássicas à luz das m odernas, sem por
esse m otivo conseguir apreender a sua especificidade (no
caso de M arx chega-se quase à banalidade); m as contém
passagens preciosas, à m edida que vai abordando épocas
m ais recentes: por exemplo, M arshall, Keynes, a econom ia
do bem -estar, etc.
P ara as histórias específicas da teoria do valor, ver
sobretudo a história m uito recente (1973), de Dobb, de
grande nível, e que recom endam os dado que contém fre
184
quentem ente opiniões m uito diversas das apresentadas na
p resente obra (por exemplo, sobre M arx e sobre Sraffa). Sobre
a teoria do valor-trabalho, exposta com a precisão filológica
que caracteriza este autor, veja-se os Estudos de Meek, que
podem ser utilm ente com pletados com os ensaios de n atu reza
histórica contidos em Ciência económica e ideologia. Sobre
a teo ria neoclássica, o livro de Stigler (1946), continua a ser
um óptim o instrum ento de trabalho; ele analisa os seguintes
econom istas: Jevons, W icksteed, M arshall, Edgew orth, Men-
ger, von W ieser, Bõhm -Bawerk, W alras, W icksell, J. B. Clark.
2. A teoria clássica
3. M arx
185
da «transform ação», veja-se, fundam entalm ente, a crítica de
Böhm -Bawerk e a resposta de Hilferding na obra organizada
por Sw eezy (tradução italiana: Econom ia borghese ed eco
nom ia m arxista, ver bibliografia geral). Vejam -se, tam bém ,
os contributos do prim eiro a u to r que se ocupou da «tran s
form ação», Bortkiewicz, no volum e organizado por Meldolesi
(1973). Leia-se em seguida o próprio Sw eezy, cuja nova
edição da Boringhieri inclui em apêndice os contributos m ais
im portantes p ara o problem a, incluindo aquele, de certo
m odo definitivo, de F. Seton que introduz a «solução» de
Sraffa. Sobre M arx em geral (evidentem ente que sem pre
ten d er abordar, nem sequer m arginalm ente, a sua vastíssim a
obra) lim itam o-nos a aconselhar: K orsch, cuja obra Karl
M arx contém im portantes intuições no sentido da in terpre
tação do valor a que nos referim os neste volum e; Pietranera
(1961) especialm ente as p a rte s II e III; S. Veca (1973);
Vygodskij, cuja obra sobre os Grundrisse tem um prefácio
de S. Pennavaia cuja leitura pode ser útil; R osdolsky (1971).
4. A teoria moderna
186
m odelo. O livro de Dorfm an, Sam uelson e Solow proporciona,
nos capítulos 11 e 12, um a inform ação essencial sobre os
m odelos da acum ulação; a este respeito, ver ainda as Lezioni
de Pasinetti, cap. VII e L ’equilibrio economico generale de
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K. MARX
Theorien über den Mehrwert. E sta obra foi publicada por K autsky em
três volum es, entre 1905 e 1910. Com base na edição kautskiana
foi realizada a tradução italiana de E. Conti, Storia delle teorie
economiche, Einaudi, Turim, 1954-58. Em 1954, 1957 e 1961 foi
publicada a edição crítica a cargo do Instituto M arx-Engels-Lénine
de M oscovo, reproduzida pela D iez V erlag, Berlim, 1972. Com base
na edição crítica foi realizada um a tradução italiana dos dois
prim eiros volum es nos Editori Riuniti, e um a nova tradução na
N ew ton Compton, 1974, com Introdução de L. C olletti. V er tam bém
os 2 vols. de Oeuvres de K. Marx, «Bibliotèque de la Plêiade»,
N.R.F., Paris. Ver ainda a tradução de V ital M oreira e Teixeira
Martins do Livro I de O Capital, publicado pela Centelha, Coimbra,
1974, bem com o Contribuição para a Crítica da Economia Política,
Editorial Estam pa, Lisboa, 1971, que corresponde ao tex to dos
Grundrisse. N as Editions Sociales, Paris, pode encontrar-se Théories
Sur la Plus-Value (Livre II du «Capital»), em 3 vols.
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191
■
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 7
1.1. Origem da ciência e c o n ó m ic a ............................................... 8
1.2. O produto líquido segundo a fisiocracia .................... 10
2. A TEORIA C L Á S S IC A ......................................................................... 19
2.1. Adam S m i t h .................................................................................. 19
2.2. Ricardo ........................................................................................... 31
3. MARX .................................................................................................... 47
3.1. A origem do lucro ................................................................ 47
3.2. A t r o c a ........................................................................................... 51
3.3. O c a p i t a l ........................................................................................ 59
3.4. O processo de re p r o d u ç ã o ........................................................ 67
3.5. A taxa de lucro e os preços de produção ...................... 82
193
1
6. CONCLUSÕES .................................................................................... 177