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CENTENÁRIO NIETZSCHE

A crítica de
Nietzsche à
cultura de massa JUNTAMENTE COM KARL MARX, Friedrich Niet-
zsche pode ser lido como sendo o grande
RESUMO teórico e crítico da modernidade, que faz,
Avaliando a contribuição nietzscheana ao desenrolar do de- para usar os termos do primeiro, uma
bate sobre a cultura de massa, o artigo sublinha seus vários “análise implacável de tudo que existe”.2
aspectos do ponto de vista histórico-valorativo, situando as As poderosas polêmicas levantadas por Ni-
idéias do autor no movimento de avanço da modernidade a etzsche contra a religião, a moralidade e a
partir de uma perspectiva dialética. filosofia misturam a análise mais crua, ins-
pirada no Iluminismo, com uma vitalidade
ABSTRACT romântica, para atacar os aspectos da cultu-
Reasoning about Nietzsche’s contribution to the mass culture ra moderna que contrariam a vida. Além
debate, this article aims to underscore his internal contraditons disso, Nietzsche critica muitas das institui-
from both an historical and from a cultural point of view, in ções e valores das sociedades modernas
order to situate the philosopher’s ideas about that subject como sendo opressoras reais do corpo e de
vis-a-vis the advances of cultural modernity. The author sua criatividade, uma vez que inibem o
adopts both a critical and a dialectical perspective in his surgimento de indivíduos mais fortes e
reading of Nietzsche. uma organização sociocultural mais vigo-
rosa. Em suas avaliações da idade moder-
PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) na, Nietzsche desenvolveu uma das pri-
- Nietzsche meiras críticas bem sustentadas da cultura
- Modernidade (Modernity) de massa e da sociedade, do Estado e das
- Cultura de massas (Mass culture) arregimentações e organizações burocráti-
cas, produzindo perspectivas que influen-
ciaram profundamente tratados e estudos
posteriores sobre a modernidade.
Ao mesmo tempo em que Nietzsche é
o maior crítico da modernidade ele tam-
bém ilustra seu espírito e seu ethos. Apesar
de argumentar contra a democracia, o libe-
ralismo e vários dos movimentos sociais
progressistas, os ataques de Nietzsche são
feitos, ao menos parcialmente, segundo um
estilo inspirado na cultura e no Iluminismo
modernos, negando as idéias existentes em
nome de um futuro melhor. Apesar de seu
fino gosto pelas culturas antigas, como a da
Antigüidade Clássica, e da defesa de al-
guns valores pré-modernos, Nietzsche é
muito moderno e orientado pelo presente,
atacando tradições e clamando por uma
nova sociedade e uma igualmente renovada
cultura. Um ímpeto pela inovação, envol-
vendo a negação do antigo e a criação do
Douglas Kellner1 novo, é a base do complexo e, por vezes,

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enigmático trabalho teórico de Nietzsche, lidade cultural e prevenia a criação e disse-
que, no espírito da modernidade, afirma o minação de culturas genuínas e de indiví-
desenvolvimento e a transcendência dos duos fortes.
valores antigos como sendo crucial para a
sociedade e a individualidade contemporâ-
neas. O debate sobre a cultura de massas
Nietzsche queria transcender a mo-
dernidade para uma forma superior de cul- Críticas da cultura de massas e da impren-
tura e sociedade, que possibilitaria a exis- sa começaram a surgir no final do século
tência de indivíduos mais fortes e comple- 18. Estas críticas eram baseadas em refle-
tos. Ele acreditava que novos potenciais xões sobre a vida e o lazer modernos, que
para a criatividade individual e para uma começaram a aparecer no século XVI, du-
forma superior de cultura, possibilitada rante o colapso do sistema feudal. O surgi-
pelo surgimento da era moderna, estavam mento das revoluções industrial e demo-
sendo atrofiados e suprimidos pelas atuais crática foi acompanhado pelo aparecimento
organizações sociopolíticas, fazendo neces- da literatura popular, do jornalismo e da
sárias mudanças socioculturais radicais. imprensa moderna, que alimentaram gran-
Isso, também, era, de algum modo, uma des debates sobre seus impactos e conse-
postura bastante moderna. Assim, apesar qüências. Pensadores como Montaigne e
dos ataques à modernidade, Nietzsche Pascal apontaram a necessidade de diver-
exemplifica as características modernas da sões ainda durante o século XVI, e escrito-
crítica, e do início ao fim de sua carreira res como Goethe começaram a criticar os
atacou os ídolos espirituais perenes e con- entretenimentos banais oferecidos pela im-
temporâneos, que ele via como sendo obs- prensa e pela cultura de massas, notando
táculos para o livre pensar e viver. que eles serviam como grandes formas de
Neste estudo, eu discutirei sobre a crí- escape da realidade social.
tica da cultura de massas feita por Nietzs-
che no contexto de sua análise da moderni- “Nós temos jornais para todas as
dade e de suas perspectivas filosóficas horas do dia. Uma mente inteligente e
mais gerais. Digo que Nietzsche desenvol- ágil ainda pode acrescentar mais al-
veu uma das primeiras grandes críticas fi- guns. Desta forma, tudo o que todos
losóficas da cultura de massas, que depois fazem, querem, escrevem e até mesmo
inspirou pensadores tanto da direita, como planejam é exposto publicamente. Al-
Heidegger e Junger, como de esquerda, guém pode gozar ou sofrer, mas sem-
como os membros da Escola de Frankfurt e pre para o entretenimento dos outros,e
Foucault. Nietzsche foi um dos primeiros a com grande rapidez isso é comunicado
ver a cultura de massas como sendo uma de casa a casa, de cidade a cidade, de
instituição central para os processos de re- império a império e, finalmente, de
produção da sociedade moderna e, especi- continente a continente.”3
almente, como o que ele classificava como
sendo a característica distintiva das socie- Goethe argumentou que a imprensa
dades modernas: a massificação e a erradi- constituía um desperdício de tempo, no
cação da individualidade, ambas criadoras qual os leitores “gastavam os dias e as vi-
de sociedades uniformes – semelhantes a das sem fazer previsões para o futuro, sem
rebanhos – e mediocrizadas. Ele se tornou, criar nada”. Ainda antecipando Nietzsche,
dessa forma, a maior fonte das posteriores ele criticou as formas pelas quais o entrete-
críticas da sociedade e da cultura de mas- nimento moderno e a imprensa promoviam
sas, que ele via como sendo a causa da de- a passividade e o conformismo, anotando
cadência e do niilismo, pois minava a vita- em um pequeno verso como a imprensa é

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impulsiva ao encher os leitores de informa- de pensadores como Kierkegaard, que a
ções, e relapsa no que tange a idéias discor- via como um cão raivoso, que persegue as
dantes: pessoas de uma forma vil, dissemina um
“fantasma” e adultera a opinião pública.
“Deixemos que tudo seja impresso A contribuição nietzscheana consistiu
e que com tudo nos ocupemos. em estender a crítica à imprensa, feita por
Mas que ninguém incomode escritores anteriores, para uma crítica da
quem não pensa como todo o mundo .”4 cultura de massas e da sociedade como um
todo. Através de seus trabalhos, Nietzsche
Outros, porém, tinham avaliações via a cultura como o elemento central da
mais otimistas quanto ao impacto dos mei- vida humana e acreditava que culturas
os de comunicação de massa, especialmen- mais sadias e fortes poderiam criar indiví-
te a imprensa. Karl Marx, por exemplo, ti- duos distintos, criativos e mais poderosos,
nha a imprensa em alta conta, principal- ao passo que culturas fracas e fragmenta-
mente pela promoção da democracia e da das criariam seres medíocres e inferiores.
liberdade civis. Em 1842 ele escreveu: Sua crítica começa com seus primeiros tex-
tos, que contrastam a cultura grega – forte e
“A imprensa livre é o olhar onipoten- saudável – com a sua cultura alemã, cada
te do povo, a confiança personalizada vez mais banal, e se estende até seus textos
do povo nele mesmo, o vínculo arti- posteriores, nos quais ele contrasta suas
culado que une o indivíduo ao Estado próprias concepções de cultura e individu-
e ao mundo, a cultura incorporada alidade como os conceitos dominantes na
que transforma lutas materiais em lu- Europa moderna.
tas intelectuais, e idealiza suas formas
brutas. É a franca confissão do povo a
si mesmo, e sabemos que o poder da A crítica da cultura de massas do jo-
confissão é o de redimir. A imprensa vem Nietzsche
livre é o espelho intelectual no qual o
povo se vê, e a visão de si mesmo é a Quando jovem, Nietzsche via a Grécia
primeira condição da sabedoria. É a como modelo de cultura forte, saudável e
mente do Estado que pode ser vendi- orgânica, capaz de gerar indivíduos igual-
da em cada rancho, mais barata que mente fortes e criativos. Em seu primeiro
gás natural. É universal, onipresente, livro publicado, O Nascimento da Tragédia,
onisciente. É o mundo ideal que flui Nietzsche contrasta a vibrante cultura dio-
constantemente do real e transborda nisíaca, evidente na Grécia pré-socrática e
dele cada vez mais rico e animado.”5 nos primórdios da tragédia grega, com os
versos apolíneos mais racionais, evidencia-
Assim, em meados de 1840, a impren- dos na argumentação socrática e na tragé-
sa era um campo de batalha para discus- dia grega mais madura. A cultura dionisía-
sões, com fervorosos defensores e críticos. ca era eminentemente afirmadora da vida,
Alguns viam-na como sendo um instru- expressava energias e paixões corporais e
mento de progresso e esclarecimento, en- unia as pessoas através do compartilha-
quanto outros a tinham como um veículo mento do êxtase das experiências culturais,
para a distração e a banalidade. Além dis- das intoxicações e das festas – fatores esses
so, diferentes grupos políticos passaram a que, segundo acreditava Nietzsche, cria-
desenvolver suas próprias publicações, vam os indivíduos fortes e saudáveis assim
com o objetivo de moldar a opinião públi- como uma cultura vigorosa.
ca de diferentes formas. As críticas mais Na visão de Nietzsche, a cultura so-
mordazes ao papel da imprensa partiram crática era uma resposta à quebra e à frag-

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mentação da cultura trágica grega, a qual como um revitalizante cultural em potenci-
ela tentou substituir por um conjunto co- al, que – ele esperava – poderia promover
mum de valores éticos homogêneos, nor- um renascimento da cultura alemã. Com
mas teóricas e procedimentos metodológi- Wagner ele teve uma profunda, embora
cos, todos baseados na lógica e raciocínio conflituosa, amizade. De fato, Nietzsche
socráticos. Para ele, a razão de ser desses tornou-se um freqüentador assíduo da casa
valores era a substituição dos belicosos de Wagner, em Tribschen, e um propagan-
deuses da Grécia por uma cultura racional dista para a música dramática do maestro,
mais unificada. De certa forma, a cultura que – ele esperava – poderia promover as
socrática promoveu, assim, uma cura para bases para a nova cultura germânica. Perto
uma emergência cultural com o racionalis- do final de seu livro, Nietzsche descreve a
mo extremo. Apareceram para refrear a for- degradação da arte contemporânea e como
ça e os impulsos que tinham sido libera- uma crítica cultural de baixo nível, “prepa-
dos, e que Sócrates e Platão acreditavam rada pela educação e pelos jornais”, aca-
fora de controle. O resultado foi uma equa- bou por levar a uma inabilidade na apreci-
ção de razão, conhecimento e virtude que ação da arte genuína:
fez da razão o instrumento de condução à
verdade e à moralidade.7 “A tendência a empregar o teatro
Assim, a cultura socrática revisou como uma instituição para a formação
aquilo que Nietzsche via como sendo a vi- moral do povo, que no tempo de
são pré-socrática do sofrimento, profunda e Schiller foi tomada a sério, já é conta-
trágica, e propôs a redenção através da cul- da entre as incríveis antigüidades de
tura pelo otimismo, que defendia a razão uma cultura superada. Enquanto a crí-
como sendo a descobridora da verdade e a tica chegava ao domínio no teatro e no
criadora do bem viver. Para Nietzsche, o concerto, o jornalista na escola, a im-
triunfo do homem teórico socrático criou as prensa na sociedade, a arte degenera-
origens do racionalismo moderno e do oti- va a ponto de se tornar um objeto de
mismo iluminista, possibilitando o avanço entretenimento da mais baixa espécie,
rumo ao Esclarecimento. A tal triunfo se e a crítica estética era utilizada como
contrapôs o pessimismo trágico. Scho- meio de aglutinação de uma sociabili-
penhauer e Wagner, seus primeiros mento- dade vaidosa, dissipadora, egoísta e ,
res, entendiam, de fato, que a grande filo- ademais, miseravelmente despida de
sofia e a arte seriam as mestras e redentoras originalidade.”9
da humanidade, os instrumentos de cultu-
ras fortes e sadias.8 Nietzsche via assim a cultura de massas,
Através de sua obra, Nietzsche viu a perpetuada pela educação tanto quanto pe-
cultura socrática como sendo a força forma- los jornais, como sendo, além de um corro-
dora do período moderno, incluindo seus sivo para a arte autêntica, criadora de uma
resultados negadores da vida (ver exem- cultura medíocre. Nietzsche esperava que
plo, Crepúsculo dos Ídolos, “Sócrates”). Sócra- ele mesmo criasse os fundamentos filosófi-
tes, para Nietzsche, foi um símbolo de de- cos para uma nova cultura, que revitaliza-
cadência, de atrofia dos instintos elementa- ria a Alemanha, e realizou estudos sobre
res da vida, que veio a dominar o corpo e filosofia grega, que ele acreditava que po-
as paixões humanas, constituindo um pro- deria fornecer os elementos essenciais para
cesso que se intensificou com o passar dos a criação de uma cultura afirmadora da
séculos e que Nietzsche viu como sendo vida, possibilitando o surgimento do indi-
formador da Era Moderna. víduo superior.
Em O Nascimento da Tragédia, Nietzs- Em 1873, contudo, Nietzsche deixou
che defendeu a música de Richard Wagner de lado suas meditações sobre a filosofia

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grega e partiu para a empreitada de desen- nha depois da Guerra Franco-Prussiana,
volver suas próprias perspectivas filosófi- Nietzsche escreveu:
cas, passando a escrever uma série de críti-
cas sobre a era moderna. Estudiosos de sua “Não se sente satisfação apenas, sen-
obra, geralmente, vêem esta mudança para te-se felicidade, embriaguez. Essa feli-
a contemporaneidade como sendo uma cidade e embriaguez sentem-se na in-
tentativa para agradar Wagner, que era crível suficiência dos jornalistas ale-
desdenhoso em relação a trabalhos pura- mães, dos romancistas, dos autores de
mente filológicos ou filosóficos, e como tragédias, de poesia e de história, por-
uma intervenção ativa na guerra cultural que formam um grupo coerente e pa-
alemã daquele tempo.10 Embora subservi- rece terem jurado apoderar-se das ho-
ente ao projeto wagneriano de remodela- ras que o homem moderno consagra
ção da cultura alemã contemporânea, so- ao divertimento e à digestão, à sua
mada ao desejo de Wagner de ver uma crí- cultura. É nesses momentos que se
tica publicada a seu inimigo Strauss, que o procura abafá-lo com montanhas de
havia criticado anteriormente, possam ter papel impresso.
influenciado as intenções imediatas de Ni- Para esse tipo de pessoas, de-
etzsche, a mudança para as “considerações pois da guerra tudo é felicidade, dig-
intempestivas” foi um movimento decisivo nidade e satisfação profunda. Depois
de engajamento com a questão da cultura de tão importantes sucessos da cultu-
contemporânea, que estava se tornando, as- ra alemã sentem-se não apenas confir-
sim, um elemento central do emergente mados e reconhecidos mas quase con-
projeto filosófico de Nietzsche. sagrados, tomam um tom solene, mul-
Nietzsche começou a escrever sobre tiplicam os apelos à nação alemã, edi-
um fenômeno central da atualidade numa tam as suas obras completas, como se
série de Considerações Intempestivas que criti- faz para os clássicos, e proclamam nos
cavam, no espírito do Iluminismo, figuras jornais que eles são os novos clássicos
centrais e características da Alemanha e da alemães e escritores paradigmáticos.”
era moderna, enquanto propunham idéias (Considerações Intempestivas I, op. cit., p.
para a renovação cultural. O alvo da pri- 9)
meira Intempestiva foi o escritor alemão Da-
vid Friedrich Strauss, autor de uma influ- Para Nietzsche, isso é um “abuso do
ente A Vida de Jesus e que, através de uma sucesso” e ele tem esperança que, ao me-
detalhada comparação dos relatos de Jesus nos alguns alemães tomem a iniciativa de
nos Evangelhos, argumentava que o cristia- criticar “o pobre espetáculo encenado dian-
nismo era um mito que serviu às necessi- te de seus olhos”. Nietzsche contesta o pa-
dades do povo da época. Nietzsche leu o pel da “casta da educação” pela omissão à
desmitificante trabalho de Strauss aos vinte “cultura popular alemã” e por não exami-
anos e ficou profundamente impressionado nar a falta de uma cultura vibrante e unifi-
com sua crítica filológica.11 Após prestar cadora para a Alemanha. Strauss era para
homenagens aos trabalhos anteriores de Nietzsche um exemplo do “filisteísmo cul-
Strauss, Nietzsche, porém, de pronto criti- tural” que acreditava estar corroendo a cul-
cou seus escritos mais recentes, que ele via tura e a sociedade alemãs contemporâneas.
como um exemplo do filistinismo que do- Nietzsche estava especialmente inclinado a
minava a vida alemã desde sua unificação, atestar que Strauss havia se investido da
após a vitória sobre a França, e que impedi- função de professor da natureza alemã, o
ra o renascimento da genuína cultura que escultor da próxima geração, o tutor da ju-
ele almejava (Considerações Intempestivas, # ventude. Para Nietzsche, isso era horrível
2). Sobre o júbilo que se abateu na Alema- de se contemplar: que tão banal filisteísmo

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pudesse modelar o futuro alemão (Conside- pete-se constantemente a história do
rações Intempestivas I, 7). turista bem proporcionado que, ao
Nietzsche viu a prevalência da cultura chegar ao país dos gordos, é imediata-
de massas como a fonte da degradação do mente censurado pela sua pretensa
pensamento e da cultura na Europa con- deformidade e pela sua falta de gor-
temporânea. As idéias de Strauss “são to- dura, até que, por fim, um padre deci-
das uniformemente literárias, de fato, jor- de protegê-lo e dirige-se ao povo nes-
nalísticas”.12 A degradação da cultura re- tes termos: ‘Lamentai este infeliz es-
sulta de uma cultura de massas que influ- trangeiro e oferecei aos deuses uma
encia na linguagem, no estilo, nas idéias cerimônia de ação de graças pela so-
em voga e julgamentos dominantes. No berba massa de carne com que ador-
ponto de vista de Nietzsche: nou o vosso tronco’.” (Considerações
Intempestivas 11, op. cit., p. 80-82)
“Em tudo o que o alemão lê quotidia-
namente há, sem dúvida, predomínio Através de suas Considerações, Nietzs-
dos jornais e revistas que se asseme- che alegou ser a cultura moderna “bárbara”
lham. O alemão utilizado nessas pu- (um amálgama sem forma de estilos, idéias
blicações impõe-se ao ouvido do lei- e obras competidores e fragmentados) e
tor como um cair incessante de cotas, atacou o racionalismo excessivo, o indivi-
que são outros tantos expressões e vo- dualismo egoísta, o otimismo raso, a ho-
cábulos sempre iguais. Como dedica mogeneização e a fragmentação que ele via
a tal leitura, a maior parte das vezes, como sendo características da cultura mo-
as horas em que o seu espírito fatiga- derna. Em Da utilidade e dos inconvenientes da
do não consegue reagir, vai-se acostu- história para a vida, Nietzsche argumenta
mando pouco a pouco a esta lingua- que, com a proliferação dos estudos histó-
gem, ao alemão de todos os dias, e é ricos, o homem moderno estava sendo pa-
com dificuldade e só por necessidade ralisado e esmagado pelo conhecimento
que prescinde dele. Mas os fazedores histórico (Considerações Intempestivas 2, ¨Pre-
de jornais estão, pelas suas ocupa- fácio¨). Defende que: “Nós, modernos,...
ções, mais habituados do que qual- não possuímos nada de próprio”, assimi-
quer outro ao caldo claro deste alemão lando uma esmagadora quantidade de co-
jornalístico; o seu gosto obliterou-se e a nhecimento, que não desencadeia um pa-
sua língua só encontra prazer em for- pel efetivamente transformador na vida so-
mas completamente corruptas e arbitrá- cial. Desta forma, a cultura moderna é es-
rias. Assim se explica o tutti unisono sencialmente interior: no exterior, o enca-
com que se adota imediatamente, ape- dernador inscreve qualquer coisa como
sar do debilitamento e relaxamento Manual da cultura interior para os homens exte-
geral, todas as recentes enormidades de riormente bárbaros” (Considerações Intempesti-
linguagem. Estas insolentes corrupções vas 2, op. cit., p. 136).
da língua são outras tantas vinganças Acreditando que os indivíduos mo-
pelo incrível aborrecimento que essa dernos sofriam de personalidades fracas,
linguagem acaba por provocar nos Nietzsche queria que o estudo da história
seus empreiteiros.”[...] fosse posto a serviço da criação de grandes
“Se se aceita como regra o estilo personalidades e, assim, ajudasse a tornar
chato, usado, fraco, vulgar e, como ex- possível o renascimento de uma cultura
ceção sedutora, o estilo nitidamente afirmadora da vida. Durante a década de
corrompido e mau, então o vigor, a 1870, Nietzsche estava ficando pois extre-
raridade e a beleza caem em descrédi- mamente desapontado com o filisteísmo
to. Na Alemanha dos nossos dias re- do Reich alemão e progressivamente, du-

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rante a década seguinte, intensificou sua Nietzsche uma forma de cultura de massa.
crítica à cultura burguesa alemã, a Wagner, Nietzsche era “antipolítico” pois acreditava
a Bismarck, ao militarismo alemão e ao que a política de massa contemporânea le-
Reich. Ele se distanciou da sua busca por vava ao conformismo do rebanho, à perda
uma nova cultura alemã baseada nos dra- da individualidade e à manipulação e ho-
mas musicais de Wagner e publicou uma mogeneização das massas. Em Assim Falou
série de textos aforísticos que promoviam o Zaratustra, ele fez uma das primeiras críti-
esclarecimento intelectual da sociedade e a cas do Estado moderno, chamando-o de O
crítica social, começando com Humano, De- Novo Ídolo. Ele apresenta-o como “ um
masiado Humano. monstro frio”, que é a “ morte das pesso-
as”! O contraste, então, é entre as “pesso-
as”, com suas tradições, “costumes e direi-
A crítica nietzscheana da atualidade tos”, e o Estado moderno, com suas menti-
ras e pretensões, que se difundem através
Para Nietzsche, a cultura de massa abrange da imprensa e da cultura de massa. No Za-
a imprensa e outras formas culturais, das ratustra, a crítica de Nietzsche ao Estado
revistas às publicações eruditas, mais a reli- parte de uma posição individualista radi-
gião, a política, a cerveja e o nacionalismo,13 cal. Ele defende o retiro e isolamento pe-
Nietzsche viu a importância das tecnologi- rante a participação e o envolvimento com
as e modos de comunicação emergentes no a sociedade de massas: “Mau cheiro exala o
desenvolvimento da modernidade: “A im- seu ídolo, o monstro frio.... Quebrai os vidros
prensa, a máquina, as linhas de trem, o te- das janelas e pulai para o ar livre!” 15
légrafo são premissas, cuja conclusão, em A critica nietzscheana ao Estado está
milhares de anos ninguém teve ainda a ou- intimamente associada a sua critica à cultu-
sadia de desenhar”.14 Em seus escritos mé- ra e à sociedade de massas, que ele vê
dios e tardios, a cultura de massa como um como homogeneizadoras e nocivas às ener-
todo é o que produz a cultura e os indiví- gias vitais, à criatividade e à individualida-
duos medíocres. A religião, por exemplo, de superior.
era uma forma de cultura de massa para Nietzsche pensava que a democracia
ele. Embora Nietzsche algumas vezes seja moderna, o liberalismo e os movimentos
acusado de ser um irracionalista, seu ata- sociais iluministas contribuíram para a re-
que ao cristianismo se deve exatamente ao gressão do “homem moderno” para um es-
irracionalismo deste último, que vitima o tágio aquém daquele alcançado pelos indi-
corpo e o mundo. Jesus Cristo, ele clamou, víduos poderosos e possuidores de maior
promoveu a estupidez do homem, colo- vitalidade do Renascimento. Defendendo
cou-se ao lado dos pobres de espírito e de maneira consistente a Grécia Antiga e a
atrasou a produção do supremo intelecto Renascença Italiana como paradigmas de
(Humano, demasiado humano II: ¨O viajante e culturas vigorosas, a estratégia do filósofo
sua sombra¨, parágrafo 81, p. 112). Nietzs- foi escolher ideais do passado que poderi-
che também dissecou a transvaloração de am servir de modelos ou normas para um
valores do cristianismo, que tornou maus o futuro “grandioso“. As culturas grega e re-
poder e sabedoria, enquanto afirmava que nascentista afirmavam o corpo, foram secu-
a inferioridade, a humilhação e a submis- lares, desenvolveram a ciência e a tecnolo-
são eram algo bom. Ele acreditava que a gia, foram altamente estéticas e produzi-
promoção dessa moral de escravos valoriza- ram em indivíduos fortes – todos os ideais
va excessivamente o espírito em relação ao de Nietzsche. Estes protótipos, ele acredita-
corpo, promovendo uma repressão generali- va, concentravam-se em indivíduos fortes,
zada da sociedade (Genealogia da Moral). como Julio Cesar, Cesar Borgia e os gran-
Também a política moderna é para des homens da Renascença. Os contrastes

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normativos de sua obra baseiam-se na dis- um lado ela é útil como contraforça à tira-
tinção entre doença e saúde, entre descen- nia, mas em compensação é aborrecedora e
dência e ascendência da vida. Seus textos promove a mediocridade. Em seus escritos
celebram a afirmação das energias vitais e do final dos anos 1880, Nietzsche, todavia,
criticam tudo o que inibe e suprime a plena pôs de lado os aspectos positivos da demo-
expressão dos instintos primários. Seu ata- cracia e [a partir de então] sua postura será
que à religião, moralidade, cultura de mas- predominantemente negativa.
sa e banalidade das sociedades modernas Nietzsche atacou, pois, tanto o Estado
é, assim, desencadeado a partir do ponto moderno quanto a sociedade de massa de-
de vista ideal de um fluxo de energias vi- vido às suas tendências à normalização e
tais livre e desinibido, do ponto de vista da homogeneização, associando-se nisso à Es-
expressão desenfreada dos poderes instin- cola de Frankfurt e a teóricos franceses
tivos. como Foucault. Para Nietzsche, o Estado e
De forma semelhante, ele argumenta cultura de massa eram inimigos da cultura.
que os movimentos democrático, liberal, Ele viu o Estado moderno e a sociedade de
feminista, anarquista e socialista são ex- massa produzindo mediocridade e retro-
pressões do declínio da vida, da doença e cesso cultural, tanto quanto gerando histe-
do ressentimento. Todos eles são manifes- ria em massa, como ocorre no nacionalismo
tações da cultura socrática, que privilegia a e no anti-semitismo. O Estado moderno, a
razão em detrimento da paixão, as idéias sociedade de massas, as hierarquias de va-
sobre a vida; todos são também manifesta- lor e os níveis de status cultural reduziram
ções das modernas tendências à homoge- o gosto e os ideais modernos ao mais baixo
neização e, portanto, contra a vida, ajudan- denominador comum, produzindo indiví-
do a produzir indivíduos e culturas enfra- duos medíocres.
quecidos. Em oposição à tolerância da cultu-
ra liberal, Nietzsche advogou em favor de
uma guerra cultural, que ele acreditava po- Conclusão das observações críticas
der gerar diversidade cultural, além de cul-
turas e indivíduos mais fortes e criativos. Nietzsche foi geralmente pessimista sobre
Embora o ataque de Nietzsche ao libe- o impacto dos processos sociais modernos.
ralismo e outros movimentos sociais pro- Na maior parte, ele sentiu que a sociedade
gressistas contenha atitudes elitistas e anti- e cultura moderna se tornaram muito caóti-
democráticas, também podemos encontrar cas, fragmentadas, “arbitrárias” e sem “for-
idéias positivas em seus escritos, como ça criativa“, a ponto delas perderam os re-
ocorre quando ele apresenta a democratiza- cursos para criar uma cultura vital e, por
ção da Europa como algo irresistível e “um isso, favoreceram o declínio da espécie hu-
elo na corrente dessas tremendas medidas mana. Ele pensava especialmente que a im-
profiláticas que formam a concepção da prensa e a cultura de massa eram forças de-
modernidade e através das quais nós nos generativas e medíocres, ao focar sua ate-
separamos da Idade Média” (Humano, de- ção no trivial, no supérfluo e no sensacio-
masiado humano 2, op. cit., pár. 275, p. 376). nal, e ao criar a homogeneização e confor-
Além disso, sustentou, as “instituições de- midade. Entretanto, ele não desenvolveu
mocráticas servem de campo de quarente- críticas sistemáticas sobre a imprensa ou
na para combater uma antiga pestilência, o formas específicas de cultura de massa, se
desejo pela tirania: como tais elas são mui- excetuarmos, talvez, sua crítica a Strauss e
to úteis e muito tediosas” (Idem, ibidem, o filisteísmo cultural, ou a Wagner e o wag-
par. 289, p. 383). Passagens como essas in- nerismo, no qual ele chegou a ver uma exi-
dicam a dualidade de Nietzsche para com bição de cultura de massa degradada e de
a democracia de modo bastante claro: por mau gosto. Conseqüentemente, ele não de-

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senvolveu uma crítica institucional da mí- inquieta rigidez daquele que receia a
dia ou das indústrias de cultura, como fize- cada instante dar um passo em falso e
ram Adorno e Horkheimer,16 ou críticas de- cair, mas com a vontade de alguém
talhadas dos fenômenos de cultura de mas- que pode planar e brincar sobre ela.
sa, como o fazem hoje as análises perten- Como [pois] poderíamos nesse campo
centes ao campo dos estudos culturais críti- dispensar a arte e o louco?”17
cos.
Além disso, Nietzsche foi radical e to- A arte autêntica foi privilegiada por
talizador em suas críticas de cultura de Nietzsche precisamente porque ela cultiva-
massa: ele não viu momentos progressivos, va os sentidos, a imaginação e outros as-
exceto talvez na ópera ligeira, que expres- pectos da mente e do corpo, permitindo
sava a joi de vivre e a alegria que ele aprova- aos indivíduos entrarem em um domínio
va. Para Nietzsche, a cultura consistia, fun- que transcendia a moralidade convencional
damentalmente, em uma “hierarquia“ e as normas sociais. Nietzsche defendeu a
(Rankordnung), capaz de estabelecer valo- arte como a mais poderosa inimiga do ide-
res altos e baixos. Destarte, ele clamou por al ascético e como a última fonte da vitali-
uma reavaliação dos valores, uma virada dade cultural. A crise na cultura moderna
(Umwertung) nos mais altos valores e no es- está parcialmente enraizada no fato de que
tabelecimento de valores superiores capa- as sensibilidades estéticas têm sido violen-
zes de promover indivíduos mais fortes e tadas pelas forças repressivas da racionali-
uma cultura mais vital. Seu “Ubermensch”, dade instrumental, racionalização social e
portanto, é um indivíduo superior que ul- da sociedade e cultura de massa. Conse-
trapassa os valores decadentes da cultura qüentemente, a arte tem sido confinada nas
de massa e que se habilita a criar valores margens da sociedade. Para Nietzsche, ao
afirmativos da vida e uma cultura mais for- contrário, estas forças racionalizadoras de-
te e afirmadora da vida. vem ser contidas por valores estéticos fun-
Desenvolver uma individualidade su- damentados. Espíritos livres seriam neces-
perior requer, porém, a superação das for- sários àqueles que quiserem fazer experi-
mas dominantes de cultura e conformismo, mentos com a arte, as idéias e a vida, assim
contrapor o indivíduo à cultura e à socie- como para aqueles que quiserem criar no-
dade de massa. Nietzsche acreditava que vos valores e uma cultura superior capaz
alguns indivíduos poderiam exercer sua de produzir seres humanos mais evoluí-
vontade de poder no sentido da criação de dos.
eus mais refinados e superiores e, em últi- Em última instância, Nietzsche deseja-
ma instância, defendeu uma forma de indi- va uma cultura afirmadora da vida, capaz
vidualismo e esteticismo aristocrático. Fa- de criar indivíduos superiores. Ele é um
zendo uma distinção implícita entre arte revolucionário cultural, que procura por
baixa e elevada, Nietzsche argüiu que a uma cultura saudável e vibrante e acredita
arte autêntica permite “pairar livremente que a cultura é o modo mais poderoso de
acima das coisas” e das exigências da mo- transformação individual e social. Sua críti-
ral e de outras instituições repressivas: ca da cultura de massa é movida, em parte,
pela convicção de que ela representa a de-
“Necessitamos de toda a arte petulan- generação da cultura, de que ela é uma for-
te, flutuante, dançante, trocista, infan- ma degradada do modo de existência que
til e contente para não perder essa li- supostamente pode produzir seres huma-
berdade que nos coloca acima das coi- nos melhores, mais saudáveis e mais evo-
sas e que o nosso ideal exige de luídos. Assim, Nietzsche afirma resoluta-
nós.[...] é preciso que possamos nos mente uma distinção normativa entre cul-
sobrepor à moral e não somente que a turas alta e baixa, sendo um elitista cultural

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descarado. tica da cultura da mídia seria tão implaca-
Como meus comentários paralelos velmente negativa quanto a de Nietzsche,
têm sugerido, Nietzsche provavelmente fi- mas também saberia afirmar seus momen-
caria espantado com o estado de degrada- tos democráticos, subversivos e de crítica
ção da cultura contemporânea, mas, ao social. Sua política cultural não seria ape-
mesmo tempo, como seus impulsos pesso- nas para os indivíduos superiores mas ten-
ais contribuíram para o surgimento de es- taria desenvolver uma pedagogia cultural
tudos radicais que, hoje em dia, realizam capaz de atacar todas as formas de opres-
um assalto sistemático à cultura contempo- são e dominação, com o objetivo de produ-
rânea como um todo – [ainda que] freqüen- zir uma sociedade e uma cultura mais de-
temente mediados com motivos marxistas, mocráticas, justas e pedagógicas .
feministas ou pós-estruturalistas.
A crítica negativa de Nietzsche atra-
vessa e colide com a virada populista dos Notas
estudos culturais, na qual se afirma e se
celebraria a cultura popular. No todo, sua 1 Professor de Ciência Social e Filosofia da Educação da
crítica cultural é dialética, afirmando o que Escola de Educação e Ciências da Informação da
ele considera fortalecedor da vida e criti- University of California (EUA). Entre seus livros mais
cando o que ele acredita ser a negação e o recentes na área dos estudos culturais críticos contam-se
enfraquecimento da vida. Em Crepúsculo Television and the crisis of democracy (Boulder: Westview
dos Ídolos, Nietzsche escreveu: “Fórmula de Press, 1990), The Persian Tv Gulf War (Boulder: Westview
minha felicidade: um sim, um não, uma li- press, 1992) Media Culture (Londres: Routledge, 1995) e
nha reta, um objetivo alcançado”.18 Por isso The Postmodern Turn (Nova York: Guilford Press, 1997).
Lyotard entende mal quando clama que Tradução de Tiago Aguiar e Matias Sperb. Coordenação
Nietzsche é fundamentalmente um pensa- e revisão de Francisco Rüdiger.
dor afirmativo, ataca a concepção de filoso-
fia proto-nietzscheana de Adorno como ne- 2 O presente estudo baseia-se em trabalho de colaboração
gação e ele mesmo defende uma “econo- com Robert Antonio, co-autor de um texto inédito sobre
mia libidinal”19 puramente positiva e afir- teorias da modernidade, e com Steven Best, co-autor de
mativa. Para dizer a verdade, Nietzsche trabalhos sobre a teoria pós-moderna: estou em débito
não é apenas um negador: ele sempre faz com estas colaborações em minha leitura de Nietzsche.
seu não! ser acompanhado de um Sim! Por- Neste artigo, além disso, estou interpretando Nietzsche
tanto, não se trata de contrapor um Nietzs- predominantemente como um teórico moderno, voltando-
che negativo contra um Nietzsche afirmati- me para pontos cruciais da modernidade. Sobre a discus-
vo, mas antes de observar a relação dialéti- são de como Nietzsche antecipa a virada pós-moderna,
ca de ambos, vendo como os “sim” e os veja Steven Best e Douglas Kellner, The Postmodern Turn
“não” sempre e necessariamente suple- (New York: Guilford Press, 1997).
mentam-se no pensamento de Nietzsche.
No meu modo de ver e para concluir, 3 Goethe, apud Leo Lowenthal: Literatura, Popular Culture and
a critica negativa e radical de Nietzsche à Society (Engleood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1961, p.20).
cultura de massa é valiosa e certamente en-
contraria um grande número de alvos hoje 4 Ibid.
em dia. Mas eu defenderia contra Nietzs-
che uma ótica mais dialética, que vê no que 5 Karl Mar: Liberdade de Imprensa. Porto Alegre: L&PM, 1999.
eu chamo de cultura da mídia um terreno
disputado, um local de lutas sociais, que 6 Sobre sua crítica da imprensa e opinião pública, veja
contém aspectos reacionários e progressis- Soren Kierkegaard, Two Ages: The Age of Revolution and The
tas, afirmadores tanto quanto opressivos Present Age (Princeton: Princeton University Press, 1978) e
em relação à vida. Destarte, uma teoria crí- The Corsair Affair (Princeton: Princeton University Press,

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1982). Para comentários, veja Steven Best e Douglas la, imprensa, Estado, sociedade, ao Homem como Eu,
Kellner “Modernnity, Mass Society, and the Media: Natureza, e sobre o caminho para a libertação como par-
Reflections on The Corsair Affair”, em International te da série de “considerações inatuais”, depois das qua-
Kierkegaard Commentary: The Corsair Affair, editado por Robert tro que ele publicou. Apesar de ele nunca haver comple-
Perkins (Macon, Georgia: Mercer University Press, 1990) e tado este projeto, reflexões sobre estes tópicos são encon-
Steve Best e Douglas Kellner: The Postmodern Turn, op.cit. tradas ao longo de seus trabalhos aforísticos posteriores,
como Humano, demasiado humano.
7 Friedrich Nietzsche: O nascimento da tragédia (São Paulo:
Cia. das Letras, 1992) e Crepúsculo dos ídolos (São Paulo: 13 Veja, por exemplo, Crepúsculo dos ídolos, onde Nietzsche
Hemus, 1976). O Sócrates histórico, é claro, foi muito lamenta que a imprensa, a cerveja, a religião, a educação
mais intuitivo, apaixonado, estético e erótico do que no e o nacionalismo tenham estupidificado o povo alemão.
modelo de Nietzsche, portanto sua concepção da cultura Ele faz uma crítica similar em suas considerações sobre
socrática deveria ser lida como um tipo-ideal, que crista- David Strauss (trad. port., op. cit., pp. 27-34).
liza um tipo de racionalismo grego na figura de Sócrates,
um racionalismo que Nietzsche acredita continuar a ca- 14 Veja Humano, demasiado humano - O viajante e sua sombra, parágrafo
racterizar a cultura moderna. 278 (Trad. inglesa: Cambridge [UK]: Cambridge University
Press, 1986, p. 378).
8 Veja as observações de Nietzsche sobre Schopenhauer e
Wagner em Considerações Intempestivas (Trad. port. de Le- 15 Friedrich Nietzsche: Assim falou Zaratustra (Rio de Janeiro:
mos de Azevedo: Lisboa, Presença, 1976). Sobre Nietzsche e Civilização Brasileira, 1981, p. 66, trad. de Mário da Sil-
Schopenhauer , veja Georg Simmel: Schopenhauer e Nietzsche va).
(Urbana and Chicago: University of Illinois Press, 1991
[1907]). Foi sob a influência de Schopenhauer que 16 Veja Max Horkheimer, e Theodor Adorno: Dialética do Es-
Nietzsche pôde proclamar em O nascimento da tragédia que clarecimento (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985).
arte é a “atividade metafísica essencial ” e que “só como
fenômeno estético podem a existência e o mundo justificar-se 17 Friedrich Nietzsche: A Gaia Ciência § 108. (São Paulo:
eternamente” (Trad. bras. de Jacó Guinsburg: São Paulo, Hemus, 1981 p.120, trad. De M. Pugliesi, E. Bini e N.
Companhia das Letras, 1992, p. 47). Paula Lima).
9 Friedrich Nietzsche: O nascimento da tragédia, op. cit., pp. 18 Friedrich Nietzsche: Crepúsculo dos ídolos (São Paulo:
135-136 Hemus, 1976, p. 15, trad. de E. Bini e M. Pugliese).
10 Veja Herbert Golder, “Introduction” a David Strauss: Crente 19 Jean-François Lyotard: Economie libidinale (Paris: Minuit,
e escritor, em Unmodern Observations, (New Haven: Yale 1974).
University Press, 1990, pp 3ff.).
11 Ronald Hayman: Nietzsche: A Critical Life ( New York:
Penguin Books, 1980, p.63). Quando publicado em 1865,
o texto de Strauss influenciou enormemente os jovens
hegelianos e intensificou a moderna crítica filológica e
filosófica à religião, começada no Iluminismo e que cul-
minou no próprio Nietzsche. Na verdade, os jovens
hegelianos anteciparam a crítica de Nietzsche sobre a
religião quando Bruno Bauer declarou que “Deus está
morto”; Marx descreveu a religião como “o ópio do
povo” e Feuerbach interpretou a religião como sendo a
projeção deificante das qualidades humanas.
12 Nietzsche pretendia escrever uma crítica à religião, esco-

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