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ABCL:
Regularizada
e forte !
Clarineta,
produção de
conhecimento
e o Brasil
Saúde: "Se
correr o bicho
pega...
Clarinetes
e acessórios
as melhores
marcas
4 Editorial
7 Informe ABCL
Editorial
produzido, e apresenta um diagnóstico dos tópicos
estudados no país. Por fim, ressalta os riscos que os
cortes governamentais podem ter para a produção
de conhecimento sobre clarineta, pois aponta que
tanto a formação do clarinetista pesquisador como
Prezados amigos e leitores, os indicativos de maturidade acadêmica da área têm
dependência direta das agências governamentais de
Este Editorial dá boas-vindas aos mais novos apoio à pesquisa e da educação pública, gratuita e de
integrantes do corpo de editores da Revista, os cla- qualidade do país.
rinetistas César Bonan e Anderson Alves, ambos O entrevistado deste número é o clarinetista
membros da Orquestra Sinfônica Nacional da Uni- Carlos Rieiro, professor aposentado da Universi-
versidade Federal Fluminense. Anderson Alves pos- dade Federal da Paraíba que tem uma carreira de
sui mestrado pela UNB e está no curso de doutorado destaque por suas performances como solista e ca-
em música da UFRJ, onde atua como professor subs- merista, participações em orquestra e formação de
tituto de clarineta. César Bonan está trabalhando em profissionais de qualidade no país. Rieiro nasceu em
seu mestrado em música na UFRJ e é integrante do Buenos Ayres e veio para o Brasil ainda jovem. A cla-
Quinteto Lorenzo Fernandez. A Revista agradece rinetista Ayrara Silva realiza uma entrevista descon-
a disposição e o empenho dos dois colegas para a traída e fluente onde o professor fala de sua história,
construção de um periódico de qualidade. instrumento, acessórios, administração de carreira,
O artigo de abertura da revista homenageia mais formação e estudo, trazendo diretrizes atuais para os
um músico do seleto grupo de clarinetistas com- clarinetistas de hoje e informações importantes so-
positores que completou seu centenário de nasci- bre a prática da clarineta no país.
mento nos últimos quatro anos. Eles pertencem a Na seção do Clarone, podemos conhecer em
uma geração que marcou a história do instrumento. detalhes uma obra que é um marco na história do
Em 2015 foi Abel Ferreira, em 2017, Severino Araújo instrumento, um desafio para qualquer intérprete
e K-Ximbinho, e agora, em 2018, Lourival Oliveira. e uma referência da música contemporânea portu-
(Lembramos que 2018 também é o ano do centená- guesa, segundo o claronista português Luís Gomes e
rio de nascimento do Jacob do Bandolim). O clari- a Dra. Ana Telles. Eles escrevem sobre a obra Meta-
netista Jailson Raulino expande a compreensão que -Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo do com-
temos sobre o “Mestre Louro”, como era conhecido positor Jorge Peixinho, um dos maiores expoentes
o homenageado clarinetista paraibano. Ele fala de da música portuguesa do século XX. Trata-se de um
sua carreira como instrumentista, professor, com- aprofundado estudo que aborda as inter-relações
positor de frevos reconhecido por seus prêmios e entre o compositor, o intérprete (Harry Sparnaay), a
gravações, além de sua trajetória como artista mar- história da peça, o processo composicional, a escrita
cada por resistência social e cultural. Sua história de idiomática e a exploração do instrumento
vida é uma inspiração para muitos trabalhos dos atu- O professor Cristiano Alves encerra este número
ais clarinetistas do país. da revista como convidado da seção Dica do Mestre.
O presidente da Associação Brasileira de Clarine- Ele trata de vários tópicos essenciais para a forma-
tistas – ABCL, o clarinetista e claronista Sérgio Alba- ção do clarinetista. Aponta, incialmente, a relevância
ch, nos atualiza sobre a situação atual da instituição, de se compreender a conexão entre emissão do som,
expõe seus objetivos e apresenta a diretoria. Com manipulação do trato vocal, sustentação do instru-
muito entusiasmo, convoca todos a se associarem mento e pressão labial. Amplia esta exposição com
para juntos construirmos uma organização forte, uma reflexão sobre o que é ser clarinetista no Brasil
produtiva e duradoura. e o elo disso com a prática de estudo com qualidade,
“Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. apontando a importância do planejamento da car-
Com estas palavras Carolina Valverde, fisioterapeu- reira, estudo da harmonia, prática de escalas, memo-
ta especialista na saúde do clarinetista, chama nossa rização, convívio profissional e aquisição de cultura
atenção para questões de saúde na seção A Clarineta geral. Muito importante!!!
Convida. Ela explica como o posicionamento da ca- Desejamos que o esforço voluntário realizado,
beça se relaciona com o pescoço e com os braços ao por um grupo de respeitados profissionais, para a
tocar o instrumento. Discorre também sobre aspec- elaboração de mais este número da revista Clarineta
tos do posicionamento dos ombros, tensão dos de- possa expandir as discussões sobre os tópicos aqui
dos e dores do polegar e punho. Oferecer caminhos tratados e colaborar com o avanço do instrumento
para uma atividade profissional mais saudável é o no país.
objetivo de seu trabalho. É necessário compreender Encerrando, convidamos os colegas para envia-
como o organismo é e como funciona ao tocar o ins- rem sugestões e comentários pelo email revistaclari-
trumento para termos uma vida profissional longa. neta@gmail.com, e textos para publicação seguindo
A Matéria de Capa apresenta um breve panorama as normas para submissão disponíveis no site e no
da produção de conhecimento sobre a clarineta no fim da Revista.
Brasil. Ela discorre sobre a importância da pesqui-
sa e da heurística para a área, fala da disponibilida- Os editores.
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CLARINETA
Corpo editorial
Ficha técnica:
Editores
Anderson Cesar Alves (Orquestra Sinfônica Nacional, UFF, Rio de Janeiro), César Augusto Bonan Ribeiro (Orquestra Sinfônica
Nacional, UFF, Rio de Janeiro), Daniel Oliveira (Orquestra do Theatro São Pedro, São Paulo), Diogo Maia (Orquestra Municipal
de São Paulo, São Paulo), Joel Luís Barbosa (UFBA, Salvador), Luís A. E. Afonso – Montanha (USP, São Paulo), Mônica Isabel
Lucas (USP, São Paulo), Ricardo Dourado Freire (UnB, Brasília), Vinícius de Sousa Fraga (UNICAMP, Campinas)
Diretoria: Presidente - Sérgio de Meira Albach (Curitiba, PR), Vice-presidente – Guilherme Sampaio Garbosa (Santa Maria,
RS), Secretário – Thiago Tavares (Rio de Janeiro, RJ), Segundo Secretário – João Paulo de Araújo (Natal, RN), Tesoureiro – Flávio
Ferreira da Silva (Maceió, AL), Segundo tesoureiro – Ney Campos Franco (Belo Horizonte, MG), Diretor de Comunicação – Rafael
Nini Junior (Campinas, SP),
Conselho Consultivo e Fiscal: Cristiano Siqueira Alves (Rio de Janeiro, RJ), Mario César Borges Marques Junior (São Paulo, SP)
Ovanir Luiz Buosi Junior (São Paulo, SP)
Representantes Regionais: Centro-oeste –Taís Vilar (DF), Nordeste – Aynara Dilma (João Pessoa, PB), Norte – Gloria Subieta
(Manaus, AM), Sudeste – Marcelo Trevisan (Vitória, ES), Sul – Diego Grendene (Porto Alegre, RS)
Apoio Institucional
PROGRAMA DE
PÓS- GRADUAÇÃO EM MÚSICA
PROGRAMA DE
PÓS- GRADUAÇÃO
PROFISSIONAL EM MÚSICA
UFBA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CLARINETISTAS – ABCL
Sérgio Albach
Presidente da ABCL
Diretor Artístico da Orquestra à Base de Sopro de Curitiba
do Conservatório de Música Popular Brasileira
Informe
brasileiros que poderão estar participando nas ações da ABCL através de um cadastramento na-
cional, sendo aberta para músicos profissionais e estudantes.
Desde a sua posse a um ano e meio atrás, a nova diretoria focou seus esforços na revisão do
estatuto, assim como no seu registro em cartório, ganhando um CNPJ e a possibilidade de re-
ceber o apoio dos associados e também de outras formas, como o de empresas, por exemplo.
Vencida esta batalha no final do mês de junho passado, a ABCL está entrando na fase de abertura
das inscrições para a comunidade clarinetista. Tanto maior o número de adesões, mais amplas se
tornam as possibilidades de ações desta organização.
Segundo o estatuto, os objetivos da ABCL serão principalmente de cunho cultural, artístico,
educacional, científico, social, assistencial, recreativo e representativo, atuando na defesa e pro-
moção dos interesses dos clarinetistas, segundo regulamentação estipulada por sua Diretoria,
com ação orientada particularmente aos seguintes objetivos:
b) Promover a edição e publicação de uma revista da área, colaborando com suas despesas.
f) Promover ações que levem ao bem-estar físico, social e psicológico dos associados.
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Para você ter acesso ao estatuto na íntegra, ele está disponível no seguinte endereço:
https://drive.google.com/file/d/1_4_7LWBp70XUXW9o_4dwcpa1hRc7lcOL/view
Com isto, gostaríamos de convidar todos os interessados a participar desta nova jornada que
se desenha com muita alegria e vontade de construirmos uma associação com força para perdu-
rar por mais 20 anos, unindo a classe em todo o Brasil. Por enquanto temos uma forte represen-
tatividade em todas as regiões. Confira a atual equipe da ABCL:
Nesta perspectiva a ABCL possui 22 participantes, mas a Revista Clarineta ainda conta com
um corpo editorial com mais de 40 membros. Confira em: http://www.revistaclarineta.com.br/
corpo-editorial/. É muito bom ver esse movimento tão abrangente, com participações de Univer-
sidades, Orquestras, Bandas e músicos autônomos. Vale a pena ressaltar que esse é um trabalho
filantrópico, como definido no estatuto no Artigo 12 Parágrafo 2: Os membros da Diretoria e do
Conselho Fiscal não receberão nenhum tipo de remuneração, de qualquer espécie ou natureza,
pelas atividades exercidas na Associação.
Para concluir a afiliação como sócio da ABCL, após preencher a ficha de inscrição, o cadas-
trado receberá por e-mail um boleto para a realização do pagamento da anuidade nos valores de
R$150,00 para profissionais e R$75,00 para estudantes.
E seja bem-vindo!
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Uma associação nacional de clarinetistas é uma bela forma de homenagear a arte
que fazemos todos os dias das nossas vidas!
Permite unir esforços, vontades e sinergias, colocando o bem comum como
prioridade máxima ao serviço do clarinete, da sua música e da sua divulgação.
Na APC - Associação Portuguesa do Clarinete temos como lema “juntar um país
de clarinetistas!” Acreditamos que tal só possível agregando todos, unindo gerações
e nunca esquecendo os mais jovens, porque passa por eles o futuro do nosso instru-
mento. Encaramos esta tarefa com um espírito altruísta e grande sentido de missão.
Desejo as maiores felicidades para a ABCL - Associação Brasileira de Clarinetistas!
Nuno Pinto
Presidente da APC - Associação Portuguesa do Clarinete
Professor de Clarineta da Escola Superior
de Música e Artes do Espectáculo, Porto, Portugal
Informe
A Associação Brasileira de Clarinetistas foi criada em 1996, quando co-
nhecíamos muito pouco a maneira como outros clarinetistas brasileiros
tocavam, era mais fácil ouvir uma gravação de um clarinetista da Europa
do que conhecer o trabalho de outro clarinetista brasileiro. A partir dos
Encontros de clarinetistas foi possível conhecer e valorizar o trabalho dos
nossos clarinetistas e passar a reconhecer a maneira de tocar uns dos ou-
tros. Os encontros permitiram o fortalecimento das afinidades e possibili-
taram a admiração entre clarinetistas de todas as partes do país. Foi possível
também constatar que nos recitais e concertos, que os músicos brasileiros
eram tão bons ou até melhores que os estrangeiros, e isso fortaleceu a con-
fiança na nossa maneira de tocar. Gradativamente, as referências deixaram
de ser apenas clarinetistas estrangeiros e passaram a ser os colegas brasi-
leiros. Conhecer outros clarinetistas permitiu que esteja sendo criada uma
identidade coletiva, na qual clarinetistas brasileiros são a principal referên-
cia para as novas gerações de clarinetistas brasileiros.
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Em minha experiência profissional como clarinetista, a ABCL tem de-
sempenhado um papel fundamental. Fui membro regular, vice-presidente
e presidente dela. Mais que responsabilidades, estas funções foram privi-
légios que transformaram minha atuação profissional e minha vida. Suas
dezenas de encontros possibilitaram fazer trocas regulares de experiên-
cias e conhecimentos artísticos, didáticos e técnicos; acompanhar a car-
reira de colegas; ampliar meus conceitos; qualificar minha performance;
aprimorar minha didática; ressignificar minha vida profissional; pensar
coletivamente nas questões relacionadas a organização e futuro da clas-
se; compreender melhor nossa história, identidade e desafios enquanto
clarinetistas de um país tão rico, diverso e diferente dos outros onde o
instrumento tem um forte percurso construído e estabelecido. Somos di-
ferentes em termos econômicos, sociais, históricos, culturais, educacio-
Informe
nais e musicais, e isso, certamente, nos diz alguma coisa em termos dos
caminhos e projetos que cada um de nós desenha para si mesmo. Através
da ABCL tenho conhecido e aprofundado a amizade com colegas do país
e do exterior. A Associação tem favorecido um relacionamento e trabalho
frequentes com colegas que, na verdade, hoje são grandes amigos. É muito
prazeroso porque, além de desenvolver o trabalho cotidiano, sonhamos
juntos a clarineta que gostaríamos de ver acontecer no país. Estes sonhos
inspiram e movem o motor da emoção e da inteligência. Se tornam proje-
tos que, com conversas e trabalho, se transformam em realidades cons-
truídas coletivamente. Sozinho vemos e entendemos, ainda que parcial-
mente, nossa realidade individual e local. Mas juntos, com os colegas,
vemos e compreendemos a realidade do país, a qual amplia a compreen-
são e o significado de nossas realidades individuais e singulares. Sozinho
idealizamos e construímos nossa casa; juntos, nosso país, nossa nação.
Assim, creio que a existência de uma associação é essencial para o cres-
cimento e avanço de uma área de conhecimento, principalmente, sendo
ela relacionada à arte e a academia. Vejo uma Associação forte que poderá
fomentar muitos avanços para a clarineta e clarinetistas de nosso Brasil.
Vida longa à ABCL!!!
Joel Barbosa
Professor de Clarineta da UFBA
Ex-presidente da ABCL
10
Um centenário de mestre:
uma homenagem ao
artigo
legado do clarinetista
Lourival Oliveira 1 por Jailson Raulino2
11
O maestro, clarinetista, saxofonista e compositor de frevos Lourival
Oliveira, natural de Patos na Paraíba, nasceu em junho de 1918 e faleceu
no Recife em junho de 2000. É considerado um dos mais importantes
compositores do gênero e no ano de 2018 completaria 100 anos de
nascimento.
No relato de vida do maestro Lourival foram encontrados traços
comuns que possivelmente identificam fatores de uso, desuso e da prática
da clarineta em geral. Dentro desses dados, acredito que as questões
sociais como o êxodo rural no contexto demográfico pernambucano,
o desenvolvimento urbano do Recife, o regime político, o controle da
radiodifusão por parte do estado, a industrialização, a influência do
capitalismo americano e a profissionalização do músico como militar
foram fatores circunstanciais, porém determinantes no desenvolvimento
de sua história de vida e obra. Num rol a parte convém ressaltar seu papel
como maestro, clarinetista, saxofonista e compositor.
Observar sua trajetória profissional em uma linha do tempo oferece
uma representação visual dos eventos que o levou a desenvolver a
construção de um rico legado. Esboça experiências em seu perfil como
clarinetista, que denotam uma vivência com maestria, agregando valores
e ampliando horizontes em seu campo de atuação. É cabível pensá-lo
como instrumento de influência social, assim como na influência de seu
contexto em sua produção musical. Foi capaz de idealizar inovações em
seu meio, modificando-se, por sua vez, entre si.
artigo
12
Sinfônica do Recife como 1º clarinetista em 1953. No ano de 1958 passou a
dirigir a Banda Municipal da Cidade do Recife.
Em 1963 saiu da Orquestra Sinfônica do Recife e da Banda Municipal
e, no ano seguinte, entrou para a Orquestra da TV Jornal do Comércio
de Pernambuco. Entre 1973 e 1974, atuou como clarinetista em música
de câmara no Quinteto de Sopros do Prof. Wascyli Simões dos Anjos
(oboísta fundador do primeiro Quinteto de Sopros da cidade do Recife).
Posteriormente foi primeiro saxofonista e arranjador da Orquestra do
Maestro Nelson Ferreira.
Compôs uma série de frevos de rua com nomes dos cangaceiros do
bando de Lampião que foram reunidos em LP pela Fábrica de Discos
Rozemblit, em 1979: “Lampião” (1960); “Corisco” (1961); “Maria Bonita”
(1962); “Volta seca” (1963); “Ponto fino” (1964); “Sabino” (1965); “Pilão
deitado” (1966); “Cocada” (1968); “Ventania” (1968); “Jararaca” (1969);
“Moitinha” (1979); “Zabelê” (1979) e ainda, dentre outros, a série de frevos
dedicados à clarineta a qual trataremos mais adiante. Também teve frevos
gravados pela reconhecida gravadora RCA.
artigo
Figura 3: Imagem da capa do LP 60.118 - “Os Cabras Figura 4: Imagem da contracapa do LP 60.118
de Lampião”. Fábrica de Disco Rozemblit, 1979 - “Os Cabras de Lampião”. Fábrica de Disco
Rozemblit, 1979
Como fonte primária para esse trabalho, ou seja, vida e obra do referido
maestro, a entrevista realizada pelo jornalista Hugo Martins com o
próprio Lourival Oliveira foi considerada como referência. Ela se deu em
1989 no programa “O tema é frevo” da Radio Universitária FM, da UFPE
(Universidade Federal de Pernambuco), Recife, onde obtivemos assim
o áudio dos frevos autorais: Clarinete Infernal (1961), Lágrimas de
Clarinete (1962), Brincando com o Clarinete (1963), Sorriso de
Clarinete (1964) e Alma de Clarinetista (1976) e ainda outros dados
biográficos.
Acredito que os frevos para clarineta foram determinantes no aporte
do surgimento de uma estrutura singular do referido gênero musical com
dois formatos distintos: o frevo concertante para execução em ambiente
fechado (frevo para clarineta) e o frevo-de-rua com solos para clarineta.
Na primeira, a clarineta aparece como um instrumento preeminente, numa
participação virtuosística e dialogante com a orquestra. A segunda usa a
13
clarineta, porém mais frequentemente a requinta, pelo fato da intensidade
sonora sobressair dos demais instrumentos, quando executado na rua,
desenvolvendo floreio acima da melodia, ou seja, movimento melódico
“acrobático” em que se exibe a destreza técnica do instrumentista, numa
espécie de contracanto.
Foram encontradas partituras de quatro exemplos deste último, Corisco,
Cocada, Maria Bonita e Barão no Frevo, escritos por Lourival e pertencentes
a sua série composta em homenagem ao bando de “Lampião”. Nestes a
linha da melódica da clarineta (requinta) sobrepõe a melodia principal. Em
geral, ela se desenvolve em forma de desenho melódico ágil, transmitindo
uma ideia de agitação e movimento sobre a melodia dos saxofones em
subdivisões rítmicas, ou seja, em células rítmicas de valores dobrados, ou
ainda dialogando com os apoios acentuados do naipe dos metais.
Procurei, portanto, abordar o frevo como produto musical da banda de
música. A banda, como agente cultural e/ou como fonte geradora de novos
gêneros e formações instrumentais, no contexto do desenvolvimento da
cultura pernambucana e suas influências na formação do instrumentista.
A observação da presença da clarineta nesse panorama musical foi,
especificamente, pelo fato da existência dos frevos para clarineta solo
incrementar a história do referido instrumento no Brasil.
A inclusão da clarineta nos estudos sociais, o seu desenvolvimento
histórico e sua prática, relacionados, sobretudo, com a cultura popular,
visam compreender o instrumentista através das observações da técnica
artigo
artigo
de frevo… (MELO, 1991, p. 150)
Assim como o aparecimento e popularidade da clarineta no Recife
estão diretamente relacionados com o desenvolvimento musical da
cidade. Quando não pela utilização direta do instrumento nas expressões
culturais, sua presença se dá pela atuação efetiva de clarinetistas no
contexto musical, ainda que com o saxofone, considerado por vezes, um
instrumento auxiliar do profissional, que assumiu o papel da clarineta na
orquestração do frevo. De acordo com Valdemar Oliveira (1985, p. 42), “Os
ases do frevo surgiram, sempre das bandas, porque as bandas são ricas da
matéria prima para a confecção da obra – os metais e as madeiras [...]
de onde saem, frequentemente, verdadeiros gênios do frevo”. Dentre
os clarinetistas compositores de frevo que atingiram patamares de
destaque e que pertenceram a atividades de banda, ressalto o clarinetista
Lourival Oliveira.
É notória a importância intrínseca e recíproca da história da clarineta
com a história da banda e do frevo em Pernambuco, assim como as
gerações de compositores/clarinetistas que foram surgindo e seguindo
enriquecendo-se mutuamente. Conclui-se, portanto, que não podem ser
estudadas separadamente.
O frevo é considerado, ainda, criação de músicos oriundos de banda
de música. Tinhorão (1991, p. 137) declara que seus criadores são: “[...] na
sua maioria instrumentistas de bandas militares tocadores de marchas e
dobrados.” Ele acrescenta também que “o frevo fixou sua estrutura numa
vertiginosa evolução da música das bandas na rua, de inícios da década
de 80 do século XIX até aos primeiros anos do século XX” (Idem). Há,
portanto uma estreita relação entre clarineta, frevo e banda.
Nesse sentido, esse trabalho procurou uma proximidade,
principalmente pela proposta de construir uma observação relacional
do clarinetista com os fatos históricos do período e contexto social
vivenciado. Esta foi uma característica metodológica em virtude de uma
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operação de mapeamento contextual, isto é, um agir topograficamente
em busca das relações que a performatividade exerceu na configuração do
objeto em foco, uma vez que a música, cremos, é consequência de todo
esse relacionamento, dessa relação dialógica.
Acredito, portanto, que os frevos para clarineta, tendo os primeiros
surgidos na década de 1960, vieram como ato de resistência. Devido ao
crescente uso do saxofone em detrimento da utilização da clarineta,
seus compositores, em geral clarinetistas, procuraram estabelecer uma
autoafirmação como instrumentista e ampliar seus espaços de atuação
como profissionais da música.
Dentro da situação e dos conceitos de poscolonização encontro
também a influência do jazz nos frevos para clarineta. Tal influência
justifica-se por uma busca de mascaramento do passado colonial, digo,
uma aproximação de elementos de uma cultura similar, de formação
colonial e miscigenada, porém mais desenvolvida. Ou seja, a ideia de
frevo para clarineta solo com orquestra caracteriza o legado do contato
do compositor com as gravações de clarinetistas e big bands, tais como
Sidney Bechet, Benny Goodman, Artie Shaw, Woody Herman e ainda do
clarinetista pernambucano Severino Araújo.
Esses clarinetistas compositores gravavam suas músicas para clarineta
como solistas ou, em frente a suas orquestras. Conseguintemente, suas
composições eram transmitidas pelas rádios recifenses (MARTINS, 2007)
e possivelmente ouvidas por Lourival e demais instrumentistas. A relação
dos clarinetistas brasileiros, recifenses em particular, com o jazz, ocorreu
além deste contato por rádio, certamente também por gravações e uso de
materiais importados (instrumentos, acessórios, métodos e partituras). É
interessante notar também que a clarineta como solista em big bands foi
introduzida em outras cenas musicais, por outros clarinetistas naturais da
região, dentre eles o pernambucano Severino Araujo com sua Orquestra
Tabajara e o potiguar Sebastião de Barros (K-Ximbinho).
O frevo é, portanto, um forte marcador identitário. Isto é, constitui
uma produção local e define uma tradição que, embora se modifique,
nunca é interrompida. Contém ainda em si ingredientes capazes de gerar
momentos de fruição de um sentimento, seja coletivo ou individual, de
um povo que busca, intensa e incessantemente, delinear seus traços de
identidade. O tipo de frevo estudado, frevo para clarineta solo, apresenta
uma linguagem própria, apesar de revelar ingredientes aparentemente
3. O Movimento Armorial surgiu sob a
inspiração e direção de Ariano Suassu-
comuns aos outros do respectivo gênero.
na, com a colaboração de um grupo de Numa possibilidade de abordagem musical e técnica-instrumental
artistas e escritores da região Nordeste surge a necessidade de se pensar na aplicabilidade didática de escalas.
do Brasil. Ganhou proporções no âmbito
externo ao meio acadêmico através do Mediante a análise dos frevos é possível observar a utilização de escalas
apoio da Prefeitura do Recife, da Secreta- modais, sendo importante considerá-las na prática instrumental. Nos
ria de Educação do Estado de Pernam- frevos Maria Bonita, Corisco e Clarinete Infernal de Lourival Oliveira, por
buco e do Departamento de Extensão
Cultural da Universidade Federal de exemplo, na melodia da segunda parte dos trompetes e saxofones tenor,
Pernambuco, quando foi lançado oficial- encontramos elementos que já prefiguram o misto do modo lídio com o
mente, no Recife, no dia 18 de outubro de
1970. “A Arte Armorial Brasileira é aquela
mixolídio, esboçando o que é considerado “modo nordestino” (quarta
que tem como traço comum principal a maior elevada com sétima abaixada), bastante explorada pelo Movimento
ligação com o espírito mágico dos folhe- Armorial3. Nesse sentido acrescentou ainda Lourival em entrevista: “É
tos do Romanceiro Popular do Nordeste
- Literatura de Cordel, com a Música de uma mistura de modalismo nordestino com tonalismo tradicional”.
viola, rabeca ou pífano que acompanha Em análise de traços de nacionalidade, Alvarenga (1950, p. 225-
seus cantares, e com a Xilogravura que
ilustra suas capas, assim como com o
235), estudando a obra de C. Guarnieri, esboça dentre os elementos
espírito e a forma das artes e espetáculos determinantes, fragmentos melódicos permeados de inflexões modais. O
populares com esse mesmo romanceiro entrelaçamento de modos é uma ocorrência peculiar na música nordestina
relacionados.” (SUASSUNA, 1975).
como padrão escalar, gerando um modo híbrido, segundo Alvarenga (p.
16
193). Segundo ele, “Bártok na Europa central já havia detectado e recolhido
formações escalares semelhantes” (p. 233), assim como Debussy de
maneira análoga fez uso de tal processo de elaboração.
Figura 5: Exemplo de escala no Modo híbrido.
Referências Bibliográficas
artigo
Referências Eletrônicas
Bit.ly/LourivalOliveira
http://antonionobrega.com.br/site/txt-nove-de-frevereiro/
http://www.dicionariompb.com.br/lourival-oliveira/dados-artisticos
http://digitalizacao.fundaj.gov.br/fundaj/
http://immub.org/compositor/lourival-oliveira
https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-711645558-cd-antonio-nobre-
ga-nove-de-frevereiro-vol-2-_JM
http://www.pernambuco.com/diario/2003/09/29/especialholande-
sesf134_0.html
Discografia
MARTINS, Hugo. “O tema é frevo: Compilação de frevos para clarineta de
artigo
Lourival Oliveira”. Recife: Radio Universitária FM, p Fev. 1989. UFPE. (Pro-
grama de rádio).
OLIVEIRA, Lourival. “Clarinete Infernal”. Na Onda do Frevo. RCA Vitor, p
1961.
_________ . “Lágrimas de Clarinete”. Frevo 40 Graus. RCA Vitor, p 1962.
BBL 1159.
_________ . “Brincando com o clarinete”. Frevos 63. RCA Vitor, p 1963. BBL
1219.
_________ . “Sorriso de Clarinete”. Frevo. RCA Vitor, 1964. BBL 1264.
_________. “Alma de Clarinetista”. Carnaval Temperatura. Dó-Ré-Mí Som,
p 1976. LPP- 0068. RU- 20.109.
_________ . “Os Cabras de Lampião”. Fábrica Rozemblit, 1979. LP 60.118.
PERNAMBUCO, Banda da Polícia Militar de. “O Tema é Frevo – Ano 10”.
Produção e Coordenação: Martins, Hugo e Samuel Valente. Volume 01. Re-
cife: CEMCAPE e Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007. CD s/n.
RAULINO, Jailson. “Clarinete Infernal”; “Lágrimas de Clarinete”; “Brin-
cando com o Clarinete”; “Sorriso de Clarinete”; “Alma de Clarinetista”;
“Corisco”; “Clarinete Alegre”; “Eliel, sopro de mel”; “Agostinho soprando
no pau preto”; “Mestre Louro”. 2008. CD compilado.
Fontes Orais (Entrevistas)
MARTINS, Hugo. [21 de fevereiro de 2007]. Entrevistador: J. Raulino. Con-
cedida na Rádio Universitária FM, Recife, 2007.
OLIVEIRA, Lourival. [fev. de 1989]. Entrevistador: H. Martins. Programa
“O tema é frevo”. Recife: Radio Universitária FM. UFPE, 1989.
19
Membro fundadora do EXERSER
- Núcleo de Atenção Integral à Saúde do Músico.
carolina.valverde@gmail.com
a
ta Convid
A Clarine Carolina Valverde
20
tistas elevam e/ou tensionam tanto os dedos mais penoso e inconveniente do que satisfatório,
no momento da performance, já que o movi- tocar meu instrumento.
mento deveria ser somente de flexão e não de Enquanto isso, clarinetistas chegavam (e che-
extensão ou perda de arco - vêm fazendo parte gam) ao consultório em estado muito grave, comple-
de minhas reflexões e pesquisas. tamente impossibilitados de continuar a atividade
E agora, através deste periódico sério e dirigido musical por causa de incômodos físicos relaciona-
especificamente para clarinetistas, penso ser o me- dos à performance da clarineta. Comecei a observar
lhor lugar para iniciar um processo de compartilha- que os problemas eram bastante parecidos com os
mento destas e outras questões. meus por causa da forma do instrumento e da ma-
Vocês podem se perguntar sobre o motivo pelo neira que são tocados. Bom, meu caso foi resolvido.
qual uma fisioterapeuta de músicos traz, com tanta Decidi com muita clareza que não queria nem abrir
ênfase, questões específicas sobre a prática da cla- mão do timbre e nem abrir mão da minha saúde. Mi-
rineta. Vou contar como tudo começou. Além de nha saída foi relativamente simples: vendi meu saxo-
compositora e percussionista, sou saxofonista. Ini- fone reto e adquiri um soprano curvo. Pronto! Tudo
ciei meus estudos com o saxofone alto. resolvido para mim. Feliz e sem dores até hoje.
Após uns nove anos de experiência com esse Mas...e meus pacientes e alunos clarinetistas da
instrumento apareceu uma oportunidade exce- época? E eu como fisioterapeuta de músicos? Como
lente e adquiri um saxofone soprano reto. Fiquei resolver essa questão junto com eles? Eu sou saxofo-
A Clarineta Convida
encantada com o timbre, porém logo começaram nista. Eles eram clarinetistas e não há clarineta curva!
minhas percepções e inquietações em relação ao Comecei a observar também quais eram os ou-
uso do meu corpo durante a performance com ele. tros elementos que poderiam desfavorecer uma
Como fisioterapeuta especializada em “Saúde performance fisicamente saudável. Encontrei vá-
do Músico”, eu não poderia ficar satisfeita em fazer rios fatores, que são pertinentes a todos os músicos
um esforço de me adaptar apesar de incômodos em geral, mas que quando somadas às dificuldades
corporais. Não seria coerente eu negar que, apesar específicas da prática clarinetística poderiam estar
da música linda que eu estava produzindo, meu somando problemas. A partir daí, já que não havia
corpo estava sendo extremamente sobrecarregado. encontrado uma solução definitiva com base na
Isso não fazia sentido algum e por isso comecei mi- cinesiologia e na biomecânica, iniciei testes com
nha via sacra de tentativas de adaptações biomecâ- meus pacientes no sentido de buscar melhorar to-
nicas e ergonométricas. das as áreas ligadas à vida deles. Esse assunto cabe
Comecei, é claro, pela escolha de uma boa cor- muito bem nesse artigo, já que são bons parâmetros
reia que pudesse aliviar o peso do instrumento so- de saúde para esses “atletas da música”.
bre minha mão direita. Não foi o suficiente. Depois Iniciei o processo de trabalho com os clarinetis-
disso, busquei alternativas biomecânicas tentando tas a partir de um pensamento de “compensação
achar o melhor ângulo da mão direita, juntamente positiva”, ou seja, trabalhar o possível para evitar
com a busca de estudar o quanto eu poderia abaixar piores consequências que o “impossível” poderia
minha cabeça para proteger meu braço direito, sem estar causando. Comecei a indicar cuidados e mu-
que me desse problemas na coluna cervical e sem danças de atitudes em relação à alimentação, ao
que atrapalhasse a minha embocadura. Não conse- sono, à atividade física, às relações pessoais e de
gui encontrar. Ora doía a mão, ora o pescoço. trabalho, ao tempo de estudo e pausa, ao hábito de
Após essas tentativas frustradas, encontrei uma aquecimento e alongamentos bem orientados, en-
artista que confeccionou um apoio para que eu, fim, a tudo o que poderia fornecer elementos sau-
sentada, pudesse apoiar a campana do saxofone e dáveis. Percebi com isso que os músicos passaram
me mantivesse com a cabeça em cima do pescoço, a lidar melhor com seus incômodos físicos, porém
da forma mais confortável e fisiológica possível. eles não eram totalmente resolvidos, já que a causa
Isso foi sensacional. Podia me ocupar com minha deles se mantinha intacta. Como se fosse alguém
música tendo a certeza de que não estava me lesan- alérgico vivendo na poeira.
do. Porém surgiu uma questão: como eu faria nas Neste momento do artigo, você, clarinetista pode
performances públicas? Só tocaria sentada e com estar pensando: “Nossa, que horror, não tem jeito pra
o apoio? Se eu estudasse assim, quando quisesse mim.” Calma, vamos continuar com olhos otimistas
tocar de pé, teria resistência física para usar meu no sentido de usar as informações e o conhecimento
corpo de uma forma que não era como eu estava a favor de nossa saúde e performance musical.
treinando? Outras perguntas surgiram e foi ficando Vamos olhar para quatro de muitas questões
21
anatômicas e biomecânicas que podem iluminar a de sustentação pode levar a questões relacionadas
compreensão do aparecimento de sintomas corpo- aos tecidos moles, sabemos que da verticalidade e
rais relacionados à prática da clarineta. Pensemos do bom posicionamento da cabeça dependem fun-
que isso pode representar os quatros pés de uma ções vitais como: a fonação e a respiração através da
mesa para facilitar o processo. adequada abertura das vias respiratórias superiores
Para este artigo escolhi padrões corporais que – o que é de extrema importância para os clarine-
podem interferir no bom ou no mau funcionamen- tistas -, a circulação craniana, o equilíbrio ocular,
to do corpo do clarinetista relacionados à cabeça, o bom funcionamento das sístoles e diástoles dos
pescoço e membros superiores. Um e-book já está hemisférios cerebrais, a percepção auditiva, os mo-
sendo escrito com padrões corporais e queixas pos- vimentos mandibulares, entre outros.
síveis por todo o corpo do clarinetista. Aguardem! A protusão de cabeça coloca os músculos do
pescoço em posicionamento de estiramento e ten-
Qual a importância da cabeça estar bem são. Assim, perdem seu comprimento fisiológico
posicionada? O que isso tem a ver com o pes- sofrendo baixa de nutrição sanguínea e nervosa,
coço? Existem relações da posição da cabeça causando dor. Além disso, retira as articulações
com os braços? da coluna cervical do posicionamento funcional
Os nervos que estimulam os movimentos e dão e faz com que o material intra-articular e o disco
intervertebral sejam deslocados posteriormente,
A Clarineta Convida
Trapézio
A Clarineta Convida
ocorre, muitas vezes, pela falta de estabilidade da
cintura escapular. O braço cansa e o trapézio entra
em ação compensatória. Ao invés de utilizarmos os
músculos que realizam os movimentos da articula-
ção glenoumeral, eles acabam sobrecarregando os
As mãos, em atitude de relaxamento, possuem
músculos responsáveis pela articulação escapulo-
seus arcos muito bem construídos em todas as di-
torácica.
reções. Temos receptores nervosos periféricos nos
Como o trapézio está inserido no ligamento da
tendões, fáscias, ligamentos, músculos que nos “avi-
nuca, além de retirar o ombro da posição adequada,
sam” quando há algum “perigo” que poderia atra-
pode provocar pequenas mudanças de posição das
palhar esse incrível sistema que é a mão humana.
vértebras cervicais, caso haja alguma instabilidade
Quando o clarinetista faz muitos movimentos rápi-
ou desequilíbrio nesta região.
dos e repetitivos com os dedos e, às vezes bruscos,
de extensão ou que levam a uma tensão excessiva, a
mão percebe tais movimentos como perigosos e ten-
de a se contrair para se proteger.
Além disso, mais uma vez, as várias articulações
das mãos vão atuar fora de um posicionamento cen-
trado e adequado o que pode causar, além de outros
problemas, pequenas obstruções articulares.
E uma última questão, não menos importante e
que também não se trata de uma finalização dessas
reflexões, a não ser nesse artigo, é em relação ao enor-
me gasto de energia cinética causando movimentos
não funcionais, ou “parasitários”. É importante o cla-
rinetista se observar enquanto toca e perceber quais
são os movimentos, as contrações de sustentação ou
de movimento realmente necessários ao que ele pre-
tender para cada nota soada.
Qual é o problema de tocar com os dedos O que desejamos quando pensamos em uma boa
tensos e/ou mais esticados do que o necessá- experiência durante uma performance pode se resu-
rio? Como isso pode causar problemas me- mir em: consciência do uso do corpo para um menor
cânicos nas mãos e dedos? gasto energético e melhor resultado sonoro.
23
saios. O corpo precisa de cuidados e de descanso!
Concluindo brevemente, podemos chegar à
conclusão de que o clarinetista precisa realmente
de conhecimento, além dos musicais e também de
consciência do uso do seu corpo durante a sua vida
de performance musical, para que esta seja longeva
e com qualidade de saúde.
Como o leigo ou alguns músicos podem imagi-
nar o contrário, é bom destacar que: tocar clarineta
é um ato complexo e cheio de detalhes, e por isso
demanda atenção, técnica e muito esforço.
A ideia de que os músicos adoecem menos que os
outros trabalhadores porque é feliz com o que faz já
caiu por terra faz tempo dentro do universo dos pes-
quisadores e trabalhadores da “Saúde do Músico”.
Porém, dentro do universo musical e para o público
em geral, esse mito ainda faz parte de suas percepções
A Clarineta Convida
à cada boca.
INITEC - Iniciativas Tecnológicas, Desenvolvimento
- Muitos músicos afirmam que o WINDI influencia e Pesquisa Ltda.
R. Dr Teodoro Baima 100, República, São Paulo.
positivamente na sonoridade. Tel. 11 3237 0546 / 11 96438 0777
/windiproject windiface@gmail.com
26
Matéria de Capa
A Produção de
Matéria de Capa
Conhecimento
sobre a Clarineta
no Brasil
Texto: Guilherme Sampaio Garbosa1 , Joel Luís Barbosa2 e Vinicius de Sousa Fraga3
preciso conhecer os outros, as diversas clarinetas e plena do intérprete inclui também vários outros
do mundo, a clarineta da música de concerto, da requisitos que são indispensáveis e que agregam
música de banda, do jazz, do klezmer, das músicas valores no seu desenvolvimento. Vamos refletir um
tradicionais gregas e turcas etc. Se não estudarmos pouco mais sobre este tema.
a nós mesmos, certamente, ninguém nos estudará e Tome o conselho tradicional que diz quando
jamais nos compreenderemos. não estamos conseguindo realizar alguma coisa no
instrumento, devemos estudá-lo mais. Poucas pes-
A Importância da Pesquisa soas discordariam que o estudo é imprescindível,
O mundo atual da clarineta desfruta de muitos pois o conselho não está errado. Contudo, muitos
avanços da pesquisa que facilitam, impulsionam associam o verbo estudar apenas a praticar o instru-
e ampliam a qualidade da atuação do estudante e mento e não ao seu sentido completo.
do profissional. Entre eles estão, por exemplo, a A definição de “estudar” abrange tanto o aspecto
internet, os aparelhos eletrônicos e os softwares prático como teórico. Entre as definições de “estu-
que possibilitam trabalhar questões de afinação, dar” no dicionário Priberam estão tanto “Ensaiar pre-
andamento e compasso; fazer, editar e ouvir gra- viamente para ter uma noção do efeito” como “Anali-
vações; digitalizar partituras e documentos; e ter sar atentamente para compreender ou conhecer.”4 A
acesso a bibliotecas de outros países. Tudo isso palavra estudo é, inclusive, utilizada como sinônimo
é possível sem sair de casa, com microcomputa- para se referir à uma pesquisa científica. Assim, há
dores, tablets e celulares. Outros avanços estão uma diferença entre estudar apenas o instrumento
diretamente ligados à qualidade da fabricação de e estudar também esta “alguma coisa” (o objeto do
instrumentos, boquilhas, palhetas e abraçadeiras. estudo) que não está sendo possível realizar no ins-
A pesquisa gera a tecnologia e esta impacta dire- trumento ou o que esteja dificultando sua realização.
tamente a área, quando se faz um uso inteligente Ela pode ser, digamos, tanto uma passagem musical
dela. No entanto, apesar de muitos desses aspec- como um procedimento técnico. Há a necessidade
tos da pesquisa estarem presentes na atividade de se detectar o problema e traçar um plano de estu-
diária do clarinetista, eles podem passar, muitas do (uma metodologia de pesquisa) para solucioná-
vezes, quase que desapercebidos. -lo. Isso pode ser feito, em muitos casos, por meio de
Na verdade, para o clarinetista que dedica horas perguntas e hipóteses e, além disso, a reflexão crítica
do seu dia praticando, debruçado sobre o reper- é básica no processo de estudo. Paulo Freire diz que
tório do instrumento, fazendo aulas e escolhendo (1996, p. 39) “é pensando criticamente na prática de
materiais, em busca de uma técnica, sonoridade e hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima
performance que melhor o expresse, pode parecer prática” e aponta, ainda, que “a reflexão crítica sobre
estranho que alguém lhe fale sobre a necessidade a prática se torna uma exigência da relação teoria/
da pesquisa no instrumento, especialmente se isso prática (idem, p. 12).” 5
28
Quando o assunto é uma visão criativa e de livre conduzidas determina seu grau de confiabilidade e,
expressão, um estudo amplo realizado através de raramente, resultam em uma verdade universal na
uma série de pesquisas realizadas pelo Centro de área da performance musical, como ocorre nas ci-
Pesquisa para a Performance Musical como Práti- ências exatas.
ca Criativa (CMPCP na sigla original), com sede na A importância da pesquisa reside no fato que ela
Inglaterra, sugere perspectivas valiosas para a per- pode integrar-se à prática do clarinetista, agregando
formance musical. Ao dividir a atividade criativa valores e referências, e possibilitando ampliar suas
em eventos na prática diária dos instrumentistas, leituras sobre o seu próprio processo de realização
eles encontraram evidências de que os momentos no instrumento. Neste sentido, este enriquecimen-
mais criativos dos estudantes não ocorrem quando to será tão maior quanto maior forem as proprieda-
tocam o instrumento, mas sim quando cantarolam des e critérios utilizados na produção científica em
a música, batem o ritmo com o corpo ou em uma clarineta.
mesa e até regem a si mesmos em silêncio (BROWN,
2013). Ou seja, um certo afastamento da atividade A Heurística e a Pesquisa como Produção de
de estudo do instrumento pode ser benéfico para Conhecimento
permitir novas possibilidades desse estudo. A produção de conhecimento sobre a clarineta
Outra pesquisa realizada diz respeito às conhe- tem se dado pela heurística e pela pesquisa. O termo
cidas escolas alemã e francesa de clarineta, com heurística vem do grego antigo heurísko (eu encon-
instrumentos e sonoridades características de cada tro’, ‘eu acho’), de onde provém também a exclama-
Matéria de Capa
uma. Se há de fato uma diferença importante en- ção “heureca” (achei!).6 “A capacidade heurística é
tre elas em termos de sonoridade, deveríamos ser uma característica humana que [...] pode ser des-
plenamente capazes de discernir entre elas mesmo crita como a arte de descobrir e inventar ou resolver
sem saber quem está tocando o quê, certo? Bom, problemas mediante a experiência (própria ou ob-
não é bem assim. Em síntese, uma pesquisa enge- servada), somada à criatividade e ao pensamento
nhosa feita por Stephanie Angloher (ANGLOHER, lateral ou pensamento divergente.”7 Heurística, se-
2007) selecionou extratos de obras tradicional- gundo Judea Pearl (1983) e Ippoliti Emiliano (2015)
mente associadas às tradições alemã (Mozart, “são estratégias derivadas de experiências prévias
Brahms e Weber) e francesa (Debussy e Stravinsky). com problemas similares. Estas estratégias fazem
As gravações selecionadas eram de performers das uso de informações de pronto acesso, embora livre-
duas escolas, com ambos os sistemas e (aqui um mente aplicáveis, para controlar soluções de pro-
ponto importante) sem dizer aos ouvintes quem blemas em seres humanos, máquinas e questões
tocava a obra. Assim, a obra de Brahms era tocada abstratas.”8 Uma de suas principais estratégias é a
nas clarinetas alemã e francesa sem que o ouvinte da tentativa e erro. Quanto do conhecimento pro-
pesquisado soubesse qual. O resultado indicou que duzido por instrumentistas tem se dado desta ma-
os envolvidos na pesquisa não foram capazes de neira ao buscar, intuitivamente, dar forma à perfor-
discernir objetivamente entre uma sonoridade ale- mance de uma peça? Muitas destas formas nascem,
mã ou francesa. Isso pode ser, segundo Angloher, inicialmente, subjetivas, se tornam objetivas, em
um indício que no mundo atual, essa diferença de ondas sonoras passiveis de medição, e se perpetu-
sonoridade seja muito mais conceitual que prática. am na tradição de se tocar o instrumento. Este tipo
Claro, pode-se discordar dos resultados destas de produção de conhecimento também é encontra-
duas pesquisas, contudo não há como negar que do no ensino do instrumento e em sua fabricação.
eles emanam não de uma percepção individual, Já o verbo pesquisar vem do latim Perquirere
mas de um coletivo de experiências realizadas com que quer dizer indagar, inquirir ou perguntar, sendo
critérios e independência tanto quanto seja possí- Per completamente e Quaerere perguntar. De acor-
vel em cada caso. Uma forma de ver essas iniciativas do com Phillips (2008, 3), pesquisa pode ser defini-
é de que seus resultados são irrelevantes quando da como a busca por soluções para problemas por
realizadas por teóricos da música e não por perfor- meio de um processo sistemático de coleta de da-
mers, mas essa é uma forma contraproducente de dos. Hopkins e Antes (1990, 21) esclarecem, ainda
se pensar. Isso porque pesquisas são como perfor- mais, afirmando que pesquisa é uma “investigação
mances: algumas são razoáveis, outras muito boas estruturada que (1) utiliza metodologia científica
e algumas chegam a ser irretocáveis e com uma aceitável para solucionar problemas e (2) cria novo
contribuição fundamental para todo o universo da conhecimento geralmente aplicável.”9 Paulo Frei-
clarineta. Lembrando que a maneira como elas são re (1996, p. 22) escreveu: “Pesquiso para constatar,
29
constatando, intervenho, intervindo educo e me sertações, teses, discos, filmes, gravuras, pinturas,
educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não fotografias, microfilmes, jornais e, mais recente-
conheço e comunicar ou anunciar a novidade.” A mente, por mídias digitais. Estes registros podem
pesquisa é uma estratégia científica para produzir ser acessados em: a) bibliotecas e museus, muitos
conhecimento. Os cursos de mestrado e doutora- deles com catálogos eletrônicos que possuem sis-
do visam a formação de pesquisadores e seus tra- temas de procura sofisticados e que os preservam
balhos finais, as dissertações e teses, são relatos de com elevado padrão de conservação; b) em arqui-
pesquisa, ou seja, de processos de produção de co- vos de documentos de escolas de música, conser-
nhecimento com seus resultados. vatórios, teatros, orquestras, bandas de música e
outros conjuntos musicais; c) em coleções, acer-
Conhecimento sobre Clarineta vos e centros de memória particulares; e até mes-
O conhecimento relacionado, especificamen- mo em d) pinturas de teto de igrejas, por exemplo.
te, à clarineta e suas práticas constitue um legado O impressionante da atualidade é que muitos des-
que vem sendo construído desde o início do século tes registros têm sido digitalizados e disponibiliza-
XVIII com a invenção do chalumeaux e da própria dos, inclusive gratuitamente, em sítios eletrônicos
clarineta. Este conhecimento é de natureza intuiti- elaborados com as tecnologias contemporâneas
va, racional, intelectual e científica, e de ordem te- da mais alta qualidade. Clarinetistas, musicólogos
órica e prática. Ele é multi- trans- e interdisciplinar e historiadores têm estudado estes documentos
e está relacionado com muitas áreas de conheci- para construir e compreender a história da clarine-
Matéria de Capa
30
e, em muitos casos, os disponibilizam. Dentre os acmerj.com.br), construído com apoio do Pro-
gratuitos estão, principalmente, quatro trabalhos grama Petrobras Cultural, possui, principalmente,
bibliográficos de cooperação internacional co- obras do Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-
nhecidos como o projeto dos quatro “Rs” (http:// 1830). Trata-se das primeiras partituras compostas
www.r-musicprojects.org), que são o RISM, o no Brasil e muitas incluem a clarineta. A Academia
RIPM, o RILM e o RIDiM. O RISM, Répertoire In- Brasileira de Música (http://www.abmusica.org.
ternational des Sources Musicales (http://www. br), a Funarte (http://www.funarte.gov.br/partitu-
rism), trabalha, primariamente, com partituras ras-brasileiras-online e http://www.funarte.gov.
impressas ou manuscritas, produzidas antes de br/brasilmemoriadasartes) e o Governo do Ceará,
1900 e que tenham sido preservadas no planeta, com o Sistema Estadual Bandas de Música (http://
incluindo libretos e materiais de instrução vocal www.portal.secult.ce.gov.br/probandas), também
e instrumental. O RIPM, Répertoire International mantêm bancos de dados e de partituras que in-
de la Presse Musicale (https://ripm.org), oferece cluem a clarineta. O banco de dados do Museu
acesso online a extensas coleções de periódicos Villa-Lobos (http://museuvillalobos.org.br), ainda
de fontes primárias e raras. São mais de 1.000.000 em construção, possui um catálogo detalhado de
de páginas, inclusive de periódicos raros, que pos- obras do compositor, e o do Museu da Imagem e do
sibilitam ter uma crônica quase que diária das ati- Som do Rio de Janeiro (http://www.mis.rj.gov.br)
vidades musicais de 1760 a 1966 de alguns centros aloca uma das poucas coleções sobre clarinetistas
musicais europeus. O RILM, Répertoire Interna- brasileiros, a Coleção Abel Ferreira. O governo fe-
Matéria de Capa
tional de Littérature Musicale (http://www.rilm. deral criou a Biblioteca Digital Brasileira de Teses
org), documenta e disponibiliza dados da pesquisa e Dissertação (http://bdtd.ibict.br/vufind) e muitas
mundial sobre música do início do século XIX até das bibliotecas de música dos centros culturais e
o presente. Ele inclui dados bibliográficos e textos das universidades brasileiras estão digitalizando
completos de mais de 200 revistas acadêmicas e seus catálogos e acervos, e os disponibilizando-os
40 enciclopédias. O RIdIM, Répertoire Internatio- gratuitamente, como a USP (http://www.eca.usp.
nal d’Iconographie Musicale (https://ridim.org), é br/biblioteca-bases/acorde/search.htm).
um banco de dados sobre fontes visuais da música, Ao mencionar estas poucas informações refe-
dança e teatro que trabalha, também, no desenvol- rentes ao universo online da produção de conhe-
vimento de métodos, meios e centros de pesquisa cimento sobre a música no mundo e no Brasil, de-
para a classificação, catalogação e estudo da icono- sejamos saber também sobre os bancos de dados
grafia. Estes projetos são apoiados pela Internatio- relacionados, especificamente, à clarineta. São
nal Musicological Society (IMS) e pela Internatio- diversos sítios eletrônicos, facilmente encontra-
nal Association of Music Libraries, Archives, and dos pelos sistemas de busca da internet, mas além
Documentation Centres (IAML). disso, levanta-se o desejo, e aqui fica a proposta,
Talvez o banco de dados de maior utilização de se ter um banco de dados online relacionados,
dos clarinetistas brasileiros tem sido o IMSLP, In- exclusivamente, com: 1) a clarineta no Brasil, pro-
ternational Music Score Library Project (http:// duzidos no país ou no exterior, por clarinetistas ou
imslp.org). Este é um projeto de criação de uma não clarinetistas, brasileiros ou estrangeiros, e 2) a
biblioteca virtual de partituras de domínio pú- clarineta fora do Brasil, mas produzidos no país ou
blico, criado em 2006, que disponibiliza mais de por músicos brasileiros. O primeiro item concerne
370.000 partituras e 42.000 gravações de mais de à clarineta brasileira e o segundo à contribuição
110.000 obras de mais de 14.000 compositores. Em brasileira para a clarineta internacional. O banco
termos de educação musical, um banco de dados de dados conteria informações sobre os documen-
muito útil e com acesso gratuito, não específico da tos, ou eles próprios quando possível, tais como
área de música, é o ERIC (Education Resources In- partituras, textos, gravações, materiais didáticos e
formation Center) - Institute of Education Science iconografia, com um sistema de busca sofisticado.
(https://eric.ed.gov). Há diversos bancos de dados Outro projeto que surge ao falar deste assunto é
com acesso pago, como o The Music Index. a necessidade de se ter um local para arquivar estes
No Brasil, alguns bancos de dados e acervos documentos que tratam da clarineta no Brasil, no
de partituras e gravações estão digitalizados e dis- seu formato material e com acesso público – um
ponibilizados gratuitamente e outros estão em centro de pesquisa, documentação e memória da
processo de digitalização. O Acervo Musical do clarineta no Brasil. São diversos os clarinetistas,
Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro (http:// por exemplo, que desejam doar seu acervo pessoal
31
e não tem aonde fazer. Outros, felizmente, podem rios cursos de graduação em música em universi-
doar às suas universidades de origem, como é o dades públicas e consequentemente foram se ex-
caso do professor José Botelho que doou o seu à pandindo as possibilidades da realização de cursos
UNI-RIO e contou com o cuidado profissional do de clarineta em nível de graduação. Posteriormente
colega Fernando Silveira, professor de clarineta surgiu a pós-graduação em música no país com a
desta instituição de ensino. criação dos mestrados a partir da década de 1980 e
Ao refletir sobre estas duas propostas, fica clara de doutorado a partir da década de 1990. Salienta-
a importância de se ter uma associação nacional -se também que, a partir do final da década de 1980
de clarinetistas forte e com recursos para viabi- através de agências de fomento, alguns clarinetis-
lizar projetos essenciais para o avanço do instru- tas brasileiros foram ao exterior realizar cursos de
mento no país. Assim, aí está mais um motivo para mestrado e doutorado. Hoje, o país possui algumas
se filiar e apoiar a ABCL – Associação Brasileira de dezenas de doutores e mestres em clarineta e esta
Clarinetistas. quantidade tem crescido anualmente.
Nesta perspectiva, através do conhecimento
Breve Panorama da Produção Brasileira sobre das datas e seus respectivos trabalhos que servem
a Clarineta para situar os fatos, podemos ter uma compre-
Em recente levantamento realizado pelos auto- ensão do processo histórico que envolve a pro-
res deste artigo sobre a produção de pesquisas e tra- dução de conhecimento sobre a clarineta no país
balhos acadêmicos relacionados à clarineta, che- assim como suas respectivas fontes. Neste sen-
Matéria de Capa
gou-se a um montante de 173 trabalhos realizados tido, olhando para estes 63 anos de pesquisas so-
no período de 1945 a 2018. Observando a cronologia bre a clarineta no país vemos o importante papel
destes trabalhos, encontramos dois realizados na formativo da Universidade e dos seus cursos de
década de 1940 e depois de uma longa lacuna outro pós-graduação que vem fomentando a produção
na década de 1960. Posteriormente, encontramos a de conhecimento acerca do instrumento nas suas
partir dos anos de 1990 um incremento na produ- diversas vertentes.
ção acadêmica que se iniciou timidamente e foi se
ampliando gradativamente até os dias atuais. Deste modo, após levantamento e análise do
Vários fatores colaboram para este cenário, já material, encontramos as seguintes fontes dos tra-
que a partir da década de 1960 foram surgindo vá- balhos acadêmicos:
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Dentro destas fontes, são inúmeras as categorias que emergem dos trabalhos acadêmicos realizados envol-
vendo a clarineta, entre elas destacamos:
a. Ensino em bandas, ensino profissionalizante, pedagogia no ensino superior, currículo no ensino su-
perior, ensino de clarineta em escola pública, ensino em projeto social, ensino de clarineta na licenciatu-
ra, educação e improvisação, ensino de clarineta no bacharelado, formação em banda de música, forma-
ção do professor de clarineta;
b. História da clarineta, história da identidade do clarinetista, performance histórica, autenticidade, his-
tória do frevo, história do choro, história do clarone;
c. Palheta e abraçadeira, barrilete, construção de instrumentos, clarinetas indígenas brasileiras, ergono-
mia, acústica, afinação na clarineta, timbre, coluna de ar;
d. Repertório tradicional, música erudita brasileira, música regional, choro, performance interpretação
de música brasileira, música contemporânea, interpretação, estudos comparativos, panorama de estu-
dos acadêmicos, gravação, idiomatismo, transcrição, prática deliberada, improvisação, relação compo-
sitor intérprete, formação da identidade, técnica instrumental, ansiedade na performance, grupo de cla-
rinetas;
e. Edição crítica, catalogação, tradução de método, edição de partitura;
f. Música contemporânea e tecnologia, encenação teatral e performance, eletrônica e processos com-
Matéria de Capa
posicionais, performance e música eletroacústica, clarone, estudo do gesto;
Este amplo leque de tópicos nos revela a di- de profissionais da área ter uma associação legal-
mensão da pesquisa sobre clarineta que vem sendo mente constituída, com grande número de asso-
realizada por instrumentistas e pesquisadores bra- ciados para representá-los nas diversas instâncias
sileiros. É importante salientar a relevância da aces- públicas e civis, que apoie a produção acadêmica.
sibilidade a esta produção como também a apro- A existência de um periódico acadêmico da área
priação deste conhecimento por parte da classe de com corpo editorial que avalie os textos submeti-
clarinetistas brasileiros, sejam estudantes, profis- dos para publicação também é um indicativo re-
sionais ou amadores. Neste sentido, a divulgação levante. É importante ainda que estes três indica-
destes trabalhos se faz extremamente necessária tivos tenham dimensões nacional e internacional.
com o intuito de auxiliar o clarinetista, subsidiando A publicação de trabalhos de seus profissionais em
e fundamentando sua reflexão sobre os diversos as- periódicos acadêmicos de reconhecido mérito nas
pectos inerentes à clarineta. áreas maiores em que se insere, em nosso caso, a
Todas estas categorias nos mostram a poten- música, a arte ou áreas afins, demonstra ainda que
cialidade crescente das pesquisas em clarineta no a qualidade de sua produção é respeitada. Um úl-
Brasil, as quais tem sido produzidas nos ambientes timo indicativo que mencionaremos é a existência
acadêmicos e divulgadas com apoio deles, em re- de cursos de pós-graduação específicos da área.
vistas especializadas, nos eventos e seus anais. Lembramos, contudo, que os programas de pós-
-graduação em música são, por conta da legislação
educacional brasileira, centros de pesquisa volta-
Considerações Finais dos, prioritariamente, à formação do pesquisador,
São diversos os indicativos de maturida- e não centros de artes para a formação de excelên-
de acadêmica e científica de uma área de conheci- cia em performance e/ou pedagógica do clarinetis-
mento, em nosso caso a clarineta. Dentre eles, está ta associada à sua formação científica. Com a re-
a realização regular de congressos na área conten- cente criação do mestrado profissional em música,
do palestras, mesas-redondas e apresentações de este quadro vem se modificando. Estes indicativos
trabalhos de pesquisa com avaliação por pares. No têm estado presentes, em maior ou menor grau, na
caso do Brasil, quando estes congressos recebem área da clarineta do Brasil nos últimos 20 anos, o
apoio das agências de fomento à pesquisa, o in- que nos faz acreditar que, de alguma maneira, ela
dicativo é ainda maior. Outro indicativo é a classe está crescendo e se fortalecendo.
33
Concluindo, ao analisar os currículos lattes dos HOPKINS, C. D.; Antes, R. L. Educational Research:
professores universitários de clarineta e dos pes- A Structure for Inquiry. 3a Ed. Itasca, Ill.: F. E. Pea-
quisadores do instrumento no Brasil, nota-se que cock, 1990.
o ensino público gratuito e bolsas de estudos de PHILLIPS, K. H. Exploring Research in Music Educa-
agências governamentais de fomento à pesquisa tion and Music Therapy. New York: Oxford Universi-
e ciência têm sido fundamentais para a formação ty Press: 2008.
destes profissionais. O mesmo se observa com a
análise do financiamento da produção de conhe-
cimento sobre clarineta e de sua divulgação, pois Notas de fim
a grande maioria está relacionada aos programas
públicos de pós-graduação do país e aos eventos fi- 1. Guilherme Sampaio Garbosa é Doutor em Música
nanciados com recursos das agências supracitadas. pela UFBA e professor de clarineta da Universidade
Assim, embora não seja único, o financiamento pú- Federal de Santa Maria - UFSM. http://lattes.cnpq.
blico tem sido essencial para a produção e avanço br/2420177584198455 - ggarbosa@gmail.com
do conhecimento sobre o instrumento no país e, 2. Joel Barbosa é Doutor em Música pela University
consequentemente, sua qualidade e crescimen- of Washington e professor de clarineta da Univer-
to podem sofrer riscos com cortes em educação e sidade Federal da Bahia – UFBA. http://lattes.cnpq.
ciência, assim como com a privatização do ensino br/7047299547171544 - jlsbarbosa@hotmail.com
universitário. Então, faz-se mister afirmar, nova-
3. Vinícius de Sousa Fraga é Doutor em Música pela
Matéria de Capa
34
Carlos
Entrevista
Aynara: Então vamos lá! Vamos começar a entre- imigração espanhola em Buenos Aires era muito
vista com o professor Carlos Rieiro. Hoje Dia 06 forte. Tinha muitos clubes que organizavam festas
de Março de 2018 para a revista Clarineta. Então, e bailes para a coletividade hispânica. Todo fim de
para começar professor, você poderia nos dizer semana tinha festa. Meu pai tocava com o grupo e
onde e em que ano você nasceu?
eu sempre acompanhava ele. Então, através disso,
Rieiro: Nasci em Buenos Aires. Bem portenho, no cen- comecei a tomar gosto pela música e, aí também o
tro da capital de Buenos Aires. 2 de março de 19(53). sonho de meu pai começou a ser definido, que eu
fosse músico, e era um sonho dele mesmo. Ele não
Aynara: Certo. E conta pra a gente, professor
tinha conseguido ser músico profissional. Formado
como você começou a estudar música? E se você
numa escola. Então, o sonho dele era que eu assu-
chegou a ter contato com outros instrumentos
misse esse sonho que ele não conseguiu.
além da clarineta.
Rieiro: A minha ligação com a música foi através Aynara: Ah que bacana! E seu pai tocava que instru-
de meu pai. Meu pai gostava muito de música e mento?
ele trabalhava não de forma profissional. Ele tinha Rieiro: Ah, meu pai tocava clarinete, sax, gaita espa-
um grupo de música espanhola. Naquela época a nhola, fazia de tudo.
36
37
entrevista
Aynara: Então foi ele quem o ensinou as primeiras rença. Pode ser em alguma maneira de tocar, né?...
notas na clarineta? Porque, veja bem, as escolas mais ou menos são
Rieiro: Não, ele nunca quis ensinar nada, precisa- similares, as trajetórias, as formas de ensino da cla-
mente porque ele tinha um zelo muito grande e ti- rineta foram muito similares. Só que na Argentina
nha medo de me ensinar alguma coisa errada e que nós tivemos a sorte de ter um clarinetista como o
depois não tivesse condições de ajeitar. Então, ele Martin Tow, que foi realmente meu grande incenti-
simplesmente esperou a idade certa para me colo- vador e uma pessoa que me abriu a cabeça. Eu estou
car no conservatório municipal e, naquela época, falando dos anos 60, mais ou menos. Lá reinava ab-
havia uma idade mínima. Você só podia estudar soluta a escola italiana – boquilha de cristal, botava
música no conservatório a partir de 10 anos. Assim, o lábio lá em cima e todas aquelas técnicas terrorí-
eu comecei aos 8 anos a estudar solfejo e teoria e aos ficas de estudar no repeteco, repete, repete... Mui-
10 entrei no conservatório para estudar clarinete. to parecido com o que acontecia aqui no Brasil. Só
que lá Martin Tow foi foi beber da fonte das Esco-
Aynara: Muito bem, então o que o senhor percebe las Francesas e Inglesas muito cedo. É interessante
de características no ensino da clarineta na Ar-
porque ele veio de uma família muito rica. Na épo-
gentina, características peculiares no ensino lá
ca se dizia que era a quarta família em dinheiro da
que diferem da forma como é feito aqui no Brasil. O
Argentina, o que não é pouco, então ele sempre es-
senhor poderia mencionar?
tudou clarinete. Só que existe um costume judaico
Rieiro: Não, olha na realidade eu não vejo muita di-
(ele era judeu) que, quando você chega aos 18 anos,
ferença. É engraçado porque sempre existe aquela
o pai decide o que você vai fazer. Tem que ser curso
briga entre Hermanos e, na realidade, somos mais
superior na universidade e seguir a carreira do Pai.
parecidos do que a gente acha. Não vejo muita dife-
Então, quando chegou aos 18 anos, Martin sabia que
38
o pai ia colocar ele contra a parede e não ia deixar ferente dessa que a gente tem hoje. Foi realmente
ele estudar clarinete. Tinha que entrar na faculdade um choque grande, né? Porque eu vim de uma ci-
pra fazer curso superior, mas clarinete nem pensar. dade como Buenos Aires e chegava numa cidade
Só que ele foi espertinho. Ele recebia uma forte me- interiorana. Por exemplo, nós tínhamos em Buenos
sada e começou a guardar durante anos essa mesa- Aires, na cidade grande, como temos hoje também,
da. Quando chegou aos 18 anos, o pai fez a pergunta. o costume de sair para jantar quando terminava um
“Pai, sinto muito, mas amanhã estou viajando para concerto. Aqui, na hora que terminava o concerto
a Europa”. Ele juntou dinheiro pra viajar pra a Eu- não tinha onde jantar porque as nove horas da noi-
ropa. Passou três anos na Europa, estudando com te fechava tudo. Então... foi complicado no início
Delecluse, na França, e com De Peyer em Londres. na relação de alimentação, mas foi bom no sentido
Ou seja, pegou o melhor que tinha naquela época, de que nós tivemos a chance de formar uma esco-
inclusive participou em Genebra daquele concur- la, de começar realmente do zero. Chegamos aqui
so de clarinete. Ganhou uma menção especial, in- e na nossa área, ou seja de clarinete, realmente não
clusive. Quando voltou à Argentina, foi um choque tinha nada. Só tinha um professor que vinha duas
anafilático pra todo mundo, porque ele vinha com vezes por semana, vinha de Recife, e ensinava oboé,
boquilha de ebonite, tocando com vibrato, com ins- clarinete, fagote e flauta de uma vez, ou seja, não
trumentos totalmente diferentes, Boosey , que era ensinava. É impossível fazer isso. Então, realmen-
um instrumento inglês. Foi um choque e tocando te foi difícil no início, no sentido, que a gente tinha
maravilhosamente bem. Ou seja, não é que a outra que trabalhar, né? Montar um projeto, um esquema
escola fosse ruim, senão que ele estava oferecendo para fazer com que a coisa começasse a funcionar e,
uma coisa diferenciada, a meu modo de ver, mais sobretudo, procurar formas de incentivar os jovens
Entrevista
completa. Isso causou um golpe, assim, uma revo- para o estudo da música.
lução na Argentina. Coisa que, no Brasil, demorou
um pouco a se perceber. O Brasil começou a cres- Aynara: Então, ao longo dessa trajetória, a gente
cer muito a partir do momento que os meninos sabe que o senhor já formou muitos profissionais
como professor da UFPB, agora aposentado. O se-
daqui começaram a viajar, sobretudo, para Europa;
nhor pode falar um pouco para nós quanto tempo o
sem esquecer, é claro, o trabalho do mestre Botelho
senhor trabalhou junto à instituição e se teria uma
que foi a fonte onde várias gerações de clarinetistas ideia de quantos alunos já formou? Como foi sua
beberam. Inclusive, você sabe que o relacionamen-
passagem pela UFPB?
to que existe hoje entre os clarinetistas argentinos e
Rieiro: Não tenho realmente uma cifra de uma
brasileiros é muito estreito. Antigamente não exis-
quantidade específica de alunos, mas o que sim sei
tia, cada um estava no seu canto. Hoje em dia não,
é que graças a Deus estão todos empregados e mui-
muitos clarinetistas brasileiros vão para a Argenti-
to bem (risadas...), e isso já me deixa muito feliz. A
na dar curso e muitos clarinetistas argentinos vem
passagem..., imagina, praticamente durante trinta
dar curso aqui. A única diferença que eu vejo é na
e poucos anos a universidade foi a minha segunda
qualidade sonora. Acho o som da escola brasileira,
casa. No início, chegou a ser quase que a minha pri-
mais reto, mais direto; enquanto o som da escola
meira casa, porque a gente passava, justamente por
Argentina é mais redondo, mais abrangente. Mas
essa dificuldade que acabei de falar. Você tem que
isso são pequenos detalhes, na realidade, as escolas
pensar que o primeiro vestibular que nós fizemos
são muito semelhantes.
foi com gente que não estava preparada para isso.
No primeiro vestibular eu recebi dois alunos e os
Aynara: Maravilha, então quando foi que o senhor
dois do zero, um que começara e outro que veio do
começou a atuar profissionalmente com a clarineta?
interior e que a ideia dele era fazer a prova específi-
Rieiro: Com 16 anos já comecei a tocar em uma or-
ca para sax, só que saxofone não tinha. Então a che-
questra de ópera do teatro municipal da cidade de
fe do departamento falou para ele na época: “bom,
Avellaneda. É um teatro de ópera, mas também fa-
olha, o quinteto de sopros está ensaiando lá na São
zia concertos. Essa foi a minha primeira experiência
Francisco. Vai lá e escolhe”. Aí ele foi lá, assistiu o
de orquestra.
ensaio e escolheu clarinete. Mas, então, o que acon-
Aynara: Então por fim o senhor chegou aqui ao teceu? Naquela época dávamos quatro horas aula
Brasil. O que te trouxe ao Brasil e como é que foi a por semana para cada aluno, porque a ideia da gen-
sua chegada aqui no país? te era dar aula e também estudar com eles. Eu pra-
Rieiro: A chegada não foi fácil, realmente a gente ticamente, me lembro que naquela época só tinha,
chegou a uma João Pessoa e uma Paraíba bem di- na semana, a quarta-feira à tarde, livre que era o dia
39
que tirava para fazer supermercado porque o res- Aynara: Bom, sobre música orquestral, o senhor já
to estava lá. Ensaiávamos três horas por dia com o falou um pouco, mas compartilha um pouco sobre a
Quinteto, ou seja, minha primeira casa no início foi sua experiência como chefe de naipe. Quais foram os
trabalhos mais relevantes que o senhor fez e como
a universidade e, depois, quando começou a funcio-
solista também à frente de orquestras?
nar a Orquestra de Câmara da Paraíba e a Orquestra
Sinfônica da Paraíba, nem se fala, aí realmente a Rieiro: Em todas as orquestras que toquei sempre
gente passava todo o dia fora. Eh... foi uma expe- fui primeira clarineta. Isso também me inviabi-
riência muito boa no sentido de que a gente con- lizou a possibilidade de tocar clarinete baixo e
seguiu fazer um trabalho e eu estou conseguindo requinta porque sempre tinha essa responsabi-
agora ver os resultados dele. Para mim é uma honra. lidade. Inclusive quando comecei aos 16 anos,
Eu fiz uma turnê com o quinteto de sopros através do eu só toquei de segundo dois ou três meses, logo
Sesc por todo o Brasil e, em cada lugar que chegava, passei para primeiro já bem rápido. Então...eh... a
me encontrava com um aluno meu. Teve um fato, in- experiência de orquestra, o mundo da orquestra
clusive, engraçado que quando fomos a Porto Alegre, é um mundo especial. Tem aquele famoso filme
quando terminamos o concerto, veio um rapaz. “Oi, “Ensaio de Orquestra” de Fellini que retrata mui-
professor, tudo bem? Eu sou seu neto”. Neto? Era o to bem o que é o interior de uma orquestra, é um
Samuel que é o primeira clarineta lá da OSPA. É que mundo especial. E... nem se fala com a relação ao
ele tinha estudado com o Alessandro em Goiás. Eu maestro. O maestro termina sendo algumas vezes
formei o Alessandro aqui na universidade, ou seja, um vilão, algumas vezes, não, mas... essa relação
já tinha aparecido um neto musical. Isso realmente é de vida que você tem dentro de uma orquestra é
gratificante porque você sente que alguma coisa dei- muito interessante porque você chega ao ponto
de que, por exemplo se você está num trabalho
entrevista
41
primeiro ano começou a fazer turnês pela Funarte. Aynara: Ai!
Tivemos sempre uma convivência muito boa com Rieiro: E aí chorei bastante. Eu tinha 17 anos. Passei
a Funarte, que todo ano nos convidava para fazer quase que dois anos desesperado, porque as bo-
turnês. Praticamente com o Quinteto, estive outro quilhas não apareciam. Até que, de repente assim,
dia fazendo um levantamento, chega a quase 200 na minha frente, uma boquilha. Um colega preten-
cidades brasileiras que a gente tocou. Só na turnê dia tocar com ebonite e conseguiu essa boquilha.
que a gente fez com o Sesc tocamos em 95. Também Só que ele estava na dúvida se ia ficar ou não, e eu
tocamos duas vezes no Teatro de Colón em Buenos desesperado por ela. Me encantei por ela e é a que
Aires e no Uruguai. E à parte também, o Quinteto foi eu tenho hoje. Eu passei uma semana sem dormir
de alguma forma a referência nossa, naquela época, pensando “eu tenho que conseguir essa boquilha”.
para atingir mais alunos. Era uma forma de chamar Graças a Deus o professor dele disse que essa bo-
alunos para a escola. Então, a música de câmara em quilha não era para ele! (risadas...) Agradeci tanto!
minha vida profissional foi muito importante. E é a boquilha que tenho até hoje. Agora é engraça-
do... A outra coisa também foi uma abraçadeira. Eu
Aynara: Maravilha, professor! Quais foram os tinha um luthier lá em Buenos Aires que já faleceu.
maiores desafios que o senhor poderia mencionar Acompanhei um colega que foi levar um instru-
na sua carreira artística? mento. Fiquei vendo lá atrás. Na casa, eles tinham
Rieiro: Desafios... eu acho que todo dia você tem de- um lugar onde tinha um monte de bugiganga. Todo
safio, e é importante ter metas e objetivos, porque se tipo de sobra de instrumento estava lá, e comecei
você não tem um desafio você corre o perigo de parar. catar. De repente, vi uma abraçadeira perdida ali no
Corre o perigo de estacionar e não avançar. Então, eu meio, estranha, totalmente diferente. Parecia mais
sempre fui de procurar os desafios, sempre. A adre-
entrevista
Aynara: E falando sobre hoje, qual está a sendo a Aynara: Maravilha, professor! Então é isso. Foi
sua atuação musical atual, que projetos o senhor muito emocionante.
tem desenvolvido, e o que o senhor ainda preten- Rieiro: Foi bom! Eu que agradeço e parabenizo a
de fazer musical e pessoalmente? inciativa de manter esta revista.
Rieiro: Olhe, esse ano como estou comemorando
meus 40 anos na Paraíba, estou assim com uma
série de concertos. Estou acertando com o Quin-
Entrevista
teto Uirapuru para fazer o Quinteto de Brahms e
o Quinteto de Mozart, e a gente vai fazer uma peça
que no ano passado não deu pra fazer. E dois com-
positores estão fazendo dois concertos para mim.
Ou seja, tem o Alisson Siqueira que vai fazer um
concerto para clarinete, cordas e percussão e tem
o Rogério Borges que vai fazer um concertino para
clarinete e banda. Tem também a possibilidade
praticamente certa de tocar em Natal com Aman-
dy, vamos fazer o Mendelssohn lá. Estou aguar-
dando várias coisas que estão pendentes assim.
A minha ideia era fazer um recital com obras, gru-
pos e formações que foram importantes na minha
vida musical. Tem obras que me marcaram muito
porque através delas consegui ganhar concursos,
foram apresentações especiais. A ideia é fazer um
recital tocando esse repertório com cordas, com
quinteto de sopros, com trio. Ainda estou na fase
da montagem. E à parte, o que mais me está con-
sumindo é ainda, apesar de estar aposentado, a
docência. Eu trabalho esse ano graças a Deus lá
na EMAN (Escola de Música Anthenor Navarro).
Vamos ter o primeiro clarinetista que vai se formar
lá. Um vai se formar no primeiro semestre e mais
duas, que tu começou a dar aula, vão se formar no
final do ano. Inclusive uma delas vai fazer o vesti-
bular. Estão crescendo, porque estou com dezes-
seis alunos. Um monte de gente que está vindo de Aynara Dilma Vieira da Silva é clarinetista da
Natal e de Recife para estudar me pedindo “pro- Orquestra Sinfônica da Paraíba, professora de
fessor, pode me dar aula?”. E lá vou eu... (risadas). clarineta da Universidade Federal da Paraíba. Foi
A ideia é seguir tocando, mas aí lamentavelmente aluna do prof. Carlos Rieiro.
a gente vive. Eu também estava trabalhando em http://lattes.cnpq.br/7183759959168767
43
Luís Gomes
Professor da Escola de Música do
Conservatório Nacional de Lisboa
luisgomesclarinete@gmail.com
RESUMO: Este trabalho centra-se na obra Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete
Dra. Ana Telles Baixo de Jorge Peixinho; sendo uma das obras mais frequentemente apresentadas e gra-
Professora Auxiliar
vadas em Portugal e no estrangeiro, dentro das suas características e formação, revela a in-
da Universidade de Évora
atelles@uevora.pt fluência do intérprete que a estreou, bem como características específicas da linguagem
do seu autor. Com este trabalho, pretende-se, por um lado, apresentar a obra de um ponto
de vista historiográfico, discutindo, entre outros elementos, as motivações do composi-
tor, a influência de Harry Sparnaay e a representatividade das respectivas apresentações
dentro e fora do país, em eventos específicos do meio clarinetístico e de uma forma geral;
por outro lado, procuramos aferir a sua relevância no repertório deste instrumento, tanto
português como internacional, analisando, na perspectiva do intérprete, a escrita idio-
mática e a forma como nesta obra é explorado o clarinete baixo. Por último, discutem-se
opções interpretativas em função do conteúdo musical da obra.
ABSTRACT: This paper is about Meta-Formoses or Concerto for Bass Clarinet, a work
by Jorge Peixinho; being one of the most performed and recorded works in Portugal and
abroad with this orchestration, it features the influence of the clarinetist who premiered it
as well as the specific characteristics of the composer’s musical language. This paper aims
to discover this piece historically, presenting the motivations of the composer and the in-
fluence of Harry Sparnay. The work was performed various times in international clarinet
Clarone
events and in several countries; the importance of these performances is discussed here
as well. One of the objectives of this paper is to evaluate the importance of this work in the
bass clarinet repertory in Portugal and internationally, analyzing the composer’s idioma-
tic writing for the bass clarinet. Finally, the interpretation options concerning the piece’s
musical content are also discussed.
KEYWORDS: Bass clarinet, Jorge Peixinho, Harry Sparnaay, Meta-Formoses or Bass Cla-
rinet Concerto, 20th century music; Music in Portugal.
META-FORMOSES ou
Concerto para Clarinete Baixo
e Ensemble de Jorge Peixinho:
Importância, escrita idiomática
e questões de interpretação1
por Luís Gomes e Dra. Ana Telles
Introdução
Existem momentos marcantes na história e desenvolvimento do clari-
nete baixo. O seu lugar atual na música encontra-se ligado a nomes e cir-
cunstâncias variadas. A sua criação e posterior desenvolvimento técnico
conferem-lhe um potencial que influenciou, de sobremaneira, a sua afir-
mação. Como instrumento solista, muito deve aos seus intérpretes, desde
os primórdios até aos dias de hoje. A ele ficam ligados nomes como Jose-
ph Horák, Harry Sparnaay, Henry Bok, Marc Volta, Michael Lowenstern,
etc. Verifica-se uma interligação fecunda entre instrumento, intérpretes e
compositores, bem como uma dedicação e um interesse recíprocos, com
mútuas vantagens. O historial, as especificidades técnicas e o respectivo
44
domínio, a adaptação a este instrumento extremamente versátil e exi- 1 . Este artigo foi aceito para publicação
mediante avaliação de pares do corpo
gente, bem como as particularidades a ele associadas são temas de abor- editorial, conforme proposta nas normas
dagem essencial. Desta forma, pretende-se analisar a interligação entre de submissão de trabalhos da revista
Clarineta.
instrumento, intérprete e compositor, que em Portugal também ocorreu,
utilizando o caso específico de Jorge Peixinho com Harry Sparnaay, que 2. No presente trabalho, as menções
relativas ao clarinete ou clarinete baixo
resultou numa obra de relevo para clarinete baixo: Meta-Formoses ou Con- como solista referem-se ao conceito de
certo para Clarinete Baixo e Ensemble, de Jorge Peixinho. Para além disto, obra para instrumento solista e ensemble
será feita uma análise em termos da importância desta obra, a sua escrita, a ou orquestra e não a instrumento solo.
forma como explora o instrumento e algumas das questões que levanta ao 3. Este facto é reforçado pela opinião
nível de interpretação e execução técnica por parte do intérprete. manifestada por Victor Pereira na resposta
ao questionário realizado no âmbito
São muito poucas as obras de compositores portugueses ou residentes deste trabalho e que se apresenta na
em Portugal escritas para clarinete enquanto instrumento solista.2 Ainda metodologia. “Contrariamente ao que se
menos numerosas são as que foram escritas para clarinete baixo neste passa no panorama internacional do séc.
XX, no contexto português os concertos
âmbito. Pode aferir-se esta afirmação, por exemplo, através de uma breve para clarinete são muito poucos. Só isso
consulta no Centro de Informação e Investigação da Música Portuguesa bastaria para que o surgimento de uma
obra fosse facto a ter em conta, (no caso de
(www.mic.pt). A relevância daquelas que existem é acrescida em virtude Meta-Formoses) tratando-se de um dos
desta realidade.3 Importa, por isso, estudá-las, divulgá-las e aprofundar compositores de referência no país (Jorge
Peixinho), é sem dúvida, uma obra de
conhecimentos sobre os nomes que as criaram, os seus intérpretes e as grande relevo no repertório português para
instituições a elas associadas. No caso de Meta-Formoses ou Concerto para o instrumento. Victor PEREIRA, Resposta
Clarinete Baixo e Ensemble, os intervenientes são o clarinetista baixo Har- ao questionário elaborado por Luís Gomes,
enviado por correio eletrónico, (2016).
ry Sparnaay, o compositor Jorge Peixinho e o Grupo de Música Contem-
porânea de Lisboa, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, que 4. Para Henri Bok, “Metaformoses is in my
Clarone
opinion a very important piece within the
mantinha uma postura de encomendas a compositores e apoio à música Portuguese bass clarinet repertoire first of
contemporânea em Portugal, à época da respectiva composição. all, but also within the general specialist
No contexto referido anteriormente de concertos ou obras para cla- repertoire dedicated to the bass clarinet.
Not only because of the writing for the bass
rinete solista e ensemble ou orquestra, esta acaba por ser uma das obras clarinet as a solo instrument, but also the
portuguesas mais frequentemente apresentadas e gravadas. Tem ganho rather unusual choice of instruments in the
ensemble: Fl, Fl Picc, Cl, Trp, Harp, Guit,
destaque no âmbito do repertório para clarinete baixo e ensemble, tanto a Vla, Vlc. For me the piece has stood the test
nível nacional como internacional.4 of time, which is not always the case with
repertoire written in the eighties.” Henri
Como afirma Jorge Machado, no âmbito do legado de Jorge Peixinho, BOK, Resposta ao questionário elaborado
esta obra tem características pouco comuns, pois o estilo concertante é por Luís Gomes, enviado por correio
relativamente raro na produção deste compositor.5 eletrónico, (2016).
Na listagem de repertório existente para clarinete baixo elaborada por 5. “Penso que esta obra se insere num grupo
Harry Sparnaay no seu livro The Bass Clarinet: a personal history,6 surgem restrito de obras para um instrumento
solo e grupo instrumental/orquestra,
apenas 13 obras para clarinete baixo e ensemble, sendo apenas quatro de- escritas [por Jorge Peixinho] a partir dos
las anteriores a Meta-Formoses. anos 80 e resultado de encomenda da
FCG, Mémoires... Miroirs. Concerto para
Tendo como base estes pressupostos, documentar o processo com-
clavicórdio, de 1980, Concerto de Outono
posicional da obra e analisar a forma como o compositor escreveu para (oboé solo), de 1983, e Concerto para Harpa
o instrumento permitirão enquadrá-la no âmbito da história do clarinete e Conjunto Instrumental, de 1995, todos
dedicados a um instrumentista de alto
baixo e do seu repertório. Por outro lado, pretende-se recolher elemen- nível e especialista nas técnicas/linguagens
tos relativos à difusão da obra (apresentações em Portugal e no estran- contemporâneas.” Jorge MACHADO,
Resposta ao questionário elaborado
geiro, bem como gravações da mesma), e consequentemente da música por Luís Gomes, enviado por correio
de Jorge Peixinho. eletrónico, (2016).
45
7. TUCKMAN, Bruce W; Manual de
Investigação em Educação (Lisboa,
Sparnaay, pela sua ligação desde o início à obra e na sua qualidade de es-
Fundação Calouste Gulbenkian, 2002), pp. pecialista no instrumento; Henri Bok, pela sua especialização no clarine-
308-11. te baixo; Victor Pereira, por ter sido um dos solistas que tocou e gravou a
8. Parte cava do clarinete: obra. Outros dois nomes a quem foram colocadas as questões foram José
https://dl.dropboxusercontent. Machado (atual diretor artístico do Grupo de Música Contemporânea de
com/u/1195958/Partituras/1%20JP/
Meta%20Formoses/Cl%20baixo%20
Lisboa) e Jorge Machado (vice-diretor), pela ligação que ambos têm a este
solo_Meta-Formoses.pdf. agrupamento e a Jorge Peixinho, sendo inclusivamente detentores dos di-
Partitura: reitos de autor da obra de Jorge Peixinho. Clotilde Rosa foi inquirida pelo
https://www.dropbox.com/s/
jay4ptpbswkv1e8/Meta-Formoses.pdf?dl=0 seu relacionamento com Jorge Peixinho à época da criação da obra e por
ter testemunhado, de um ponto de vista privilegiado, a sua ante-estreia.
9. Neste trabalho as referências aos
símbolos de registo são feitas de O trabalho inclui ainda um breve resumo sobre a história do instru-
acordo com a convenção francesa. mento e dos nomes de maior relevo a ele ligados, bem como uma apresen-
Claude ABROMONT, Eugène De
MONTALEMBERT, “Tableaux pratiques”,
tação dos intervenientes no surgimento de Meta-Formoses: Jorge Peixinho,
Guide de la Théorie de la Musique (Paris: Grupo de Música Contemporânea de Lisboa e Harry Sparnaay. São elen-
Éditions Henry Lemoine, 2001), p. 564. cadas as apresentações e gravações da obra e seus intérpretes. Neste tra-
10. Geoffrey RENDALL, The clarinet; some balho, procedemos também a uma breve análise formal da obra, com base
notes upon its history and construction nas suas texturas e motivos musicais. São analisadas as características da
(London, E. Benn; New York, W. W,
Norton, 1971), p.139.
escrita idiomática do clarinete baixo, bem como questões técnicas e de in-
terpretação. A componente analítica foi feita com base nos manuscritos
autógrafos existentes na sede do Grupo de Música Contemporânea de Lis-
boa. A consulta da partitura geral e da parte cava do clarinete baixo, no âm-
bito deste trabalho, bem como a utilização das imagens e exemplos, têm a
Clarone
O clarinete baixo
Instrumento da família do clarinete, o clarinete baixo pertence à fa-
mília dos sopros/madeiras, na categoria das palhetas simples. Dentro dos
clarinetes, é um dos mais utilizados, juntamente com os clarinetes em Sib
e em Lá, bem como a requinta. A sua extensão é vasta, desde o Dó1 escrito
(Sib som real),9 até um registo agudo cujos limites são difíceis de definir,
pois dependem em grande medida do instrumentista e da sua capacidade.
A história documentada do clarinete baixo inicia-se com um artigo no
jornal de Paris, Líélvant-Coureur, datado de 11 de Maio de 1772. Segundo
Rendall,10 este artigo foi citado integralmente por Constant Pierre no seu
livro Les Facteurs d’instruments de musique.
Encontramos modelos de clarinete baixo anteriores a este documen-
to nas coleções dos museus de Bruxelas, Berlim, Lugano e Salzburgo, sem
que, no entanto, estes possuam as características do instrumento descri-
to. Surgem, mais tarde, modelos como o Clarinetten-bass feito por Henrich
Grenser. No início do Séc. XIX, Desfontenelies, em Lisieux, e Dumas, em
Sommières, inventaram novos modelos de clarinete baixo, mais próximos
do modelo atual, com grandes melhorias técnicas. Outros construtores,
como Sautermeister, em Lyon, que criou o Basse-orgue, e o italiano Catteri-
no Catterini, com o seu Glicibarígono, não devem igualmente ser esqueci-
dos. Adolphe Sax, em 1838, com o seu Clarinette Basse recourbée à pavillon de
cuivre, evolui em termos técnicos e de construção para um modelo que é
muito idêntico ao dos nossos dias. Este construtor permite que este clari-
nete se torne versátil tecnicamente, com uma sonoridade definida e agra-
dável e uma boa amplitude de extensão e dinâmicas, contribuindo para
uma afirmação clara no meio musical. O clarinete baixo de hoje não é mais
que o refinamento do modelo construído por Adolphe Sax.
46
Tendo sido considerado durante muito tempo como um instrumento 11. Melissa SIMMONS, The bass clarinet
recital: the impact of Josef Horák on
secundário, utilizado fundamentalmente como complemento do clarine- recital repertoire for bass clarinet and
te, em termos de extensão, ao longo da sua história o clarinete baixo acabou piano and a list of original works for that
instrumentation. (Tese de Doutoramento,
por conquistar lugar de destaque. Depois de uma clara afirmação ao nível Evanston, IL, Beinem School of Music,
do repertório e constituição da orquestra, é na segunda metade do Séc. XX 2011), p.i.
que ocorre uma verdadeira revolução na mentalidade de compositores e
12. Listagem de obras presente na tese de
instrumentistas. Como afirma Melissa Simmons, “The bass clarinet was Melissa Simmons. SIMMONS, pp. 36-42.
developed in the late 18th century and gained widespread acceptance in the
13. Incluindo transcrições e adaptações.
latter part of the 19th century as a viable orchestral instrument, but it did not
follow suit into the recital tradition until the middle of the 20th century”.11 14. http:// http://www.gmcl.pt/
Joseph Horák, músico de origem checa, realiza o primeiro recital a solo jorgepeixinho/biografia.htm (acedido em
22/03/2016).
de clarinete baixo a 23 de Março de 1955. Horák cria, com Emma Kovár-
nová, o Due Boemi di Praga, que permanecerá no ativo durante mais de 40
anos. Segundo Simmons, para este agrupamento foram escritas 296 obras,
algumas por compositores de renome.12 À influência de Joseph Horák de-
vem-se mais de 600 obras. 13
Outros dos responsáveis pelo alargamento de horizontes no que diz
respeito a este clarinete foram, sem dúvida, Harry Sparnaay e Henri Bok.
Este músicos influenciaram profundamente a maneira como vários com-
positores recentes passaram a considerar o clarinete baixo. Harry Sparnaay
e Henri Bok fizeram nascer também a vertente do ensino deste instrumen-
to enquanto solista, na Europa. Na atualidade, Marc Volta, Rocco Parisi,
Clarone
Michael Lowenstern e muitos outros pelo mundo elevaram o estatuto do
clarinete baixo ao nível do do clarinete ou qualquer outro instrumento. No
presente, este é encarado na escrita musical de uma forma equivalente ao
clarinete em termos de importância, sobrepondo-se inclusive muitas ve-
zes, dada a sua maior riqueza de sonoridades e efeitos, bem como na sua
extensão. Muitos compositores na formação instrumental das suas obras
ponderam a utilização do clarinete baixo em substituição do clarinete.
Intervenientes
Jorge Peixinho
47
15. Manuel Pedro Ferreira, “A obra de Tudo isto não significa que o seu trajeto no meio musical e social tenha
Peixinho: problemática e receção”
Machado, Jorge Peixinho In Memoriam sido facilitado. A sua música era valorizada e devidamente apreciada por
(Lisboa, Editorial Caminho, 2002), p. 225. muitos, mas muitas vezes contestada e incompreendida pelo público no
15. Manuel Pedro Ferreira, “A obra de
geral. Como afirma Manuel Pedro Ferreira, no livro de José Machado In
Peixinho: problemática e receção” Memoriam, 15 “Peixinho foi um autor estimado, tanto pelos críticos, juízes
Machado, Jorge Peixinho In Memoriam de eficácia comunicativa e do gosto musical, como pelos compositores,
(Lisboa, Editorial Caminho, 2002), p. 225.
juízes do profissionalismo e da inventividade artística. Sendo um compo-
16. Francisco Monteiro em: http:// sitor de vanguarda teve no entanto óbvias dificuldades de relacionamento
projectojp.blogspot.pt/2012_06_01_
archive.html (acedido em 20/01/2016)
com o público”.
Ao contrário de outros compositores da sua geração, Jorge Peixinho
17. “... [Peixinho] aquele que foi no último escolheu regressar ao seu país de origem, após os anos de formação no
terço do século, o mais importante, fino
e fantasioso dos compositores ativos em estrangeiro, e foi aí que tentou afincadamente mudar os paradigmas da
Portugal”. Manuel Pedro Ferreira, “A obra criação, interpretação e recepção musicais (bem como o ensino da com-
de Peixinho” (ver nota 15), p. 260.
posição). Este esforço foi sempre complementado com uma formação e
18. José MACHADO, Resposta ao atualização constantes fora de Portugal. Como afirma Francisco Monteiro,
questionário elaborado por Luís Gomes,
enviado por correio eletrónico, (2016).
Jorge Peixinho constitui uma referência fundamental
19. Clotilde Rosa é o único elemento na música portuguesa da segunda metade do século
dos fundadores do Grupo de Música XX. Talento precoce, viandante dos grandes centros da
Contemporânea de Lisboa que se encontra
vivo.. vanguarda do pós-guerra europeu, crítico, intérprete,
pedagogo, organizador de inúmeros encontros e cultor
de duradouras amizades, J.P. demonstrou sempre uma
vontade firme e tenaz de transformar o panorama mu-
Clarone
48
e a abertura de espírito de sempre. Atualmente, são feitas variadas enco- 20. “Harry Sparnaay es sin duda una de
las voces más importantes en el mundo
mendas aos mais diversos compositores, e são estreadas obras de corren- musical actual. Su virtuosismo en el
tes e tendências estéticas sem qualquer restrição ou preconceito. Com clarinete bajo ha motivado a varios de los
más grandes compositores de nuestro
uma formação instrumental de base composta por Violino, Viola, Violon- tiempo a escribir obras que forman parte
celo, Flauta, Clarinete, Voz, Harpa e Percussão, o Grupo de Música Con- de la literatura actual de este instrumento.
temporânea de Lisboa proporciona o alargamento desta formação sempre Sus conciertos son todo un acontecimiento
inolvidable – uno simplemente queda
que necessário. Com um historial de obras estreadas, encomendas, cons- impressionado”. Marco MAZZINI,
tantes apresentações de música portuguesa no estrangeiro e ainda um le- Entrevista Harry Sparnaay (Roterdão,
2 de Abril, 2005), http://www.clariperu.
que de registos discográficos com obras de variadíssimos compositores, org/Entrevista_Sparnaay.html, acesso a
pode considerar-se que o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa é 23/01/2016.
hoje um dos polos mais dinâmicos da música portuguesa.
21. Página pessoal de Harry Sparnaay
(www.harrysparnaay.info), (acedido em
Harry Sparnaay 22/02/2016).
Harry Sparnaay tem-se destacado como um dos mais ativos e respeita- 22. MAZZINI, Entrevista Harry Sparnaay
dos clarinetistas-baixo da atualidade.20 Após Joseph Horák, que foi verda- (ver nota 0).
deiramente um pioneiro, como já vimos, Sparnaay tem quase um milhar de 23. Harry SPARNAAY, Resposta ao
obras compostas a seu pedido e/ou dedicadas a si, como se pode verificar questionário elaborado por Luís Gomes,
no sua página pessoal na internet.21 Verdadeiro promotor do instrumento, enviada por correio eletrónico, (2016).
este músico é também uma referência mundial no âmbito da música con- 24. “La verdad es que cuando uno domina
temporânea. À sua qualidade como instrumentista, aliam-se o contacto e bien un instrumento, motiva, y yo creo que
el clarinete bajo ofrece más posibilidades
influência que pôde exercer junto de alguns dos maiores nomes da com- que el clarinete. [...] Como sabemos,
posição ao longo de toda a sua vida. Sparnaay teve o privilégio de contactar técnica no es sólo mover los dedos, si no
Clarone
e trabalhar com esses compositores, mostrando-lhes todo o potencial do todo lo que se relaciona con la emisión
del sonido, del hacer música”. MAZZINI,
clarinete baixo, o seu timbre, som, potencial técnico e versatilidade, e diz: Entrevista Harry Sparnaay (ver nota19).
49
25. Na altura e segundo Clotilde Rosa, A obra
a obra teve impacto considerável, “O
Sparnaay era de facto muito bom!” Este Como vimos, Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo ficou
clarinetista era uma estrela no universo marcada desde a sua ante-estreia e estreia pelos vários intervenientes que
da música contemporânea. O ambiente
daquele Centro de Arte Contemporânea
lhe estão associados,25 desde logo pela importância quer de Sparnaay no
foi marcante. O concerto que também clarinete baixo, quer de Jorge Peixinho na composição, quer do Grupo de
continha obras portuguesas e outras de Música Contemporânea de Lisboa em Portugal. A sua ante-estreia deu-se
que não me lembro, realizou-se com
algum sucesso! Mas a obra principal foi em Lisboa, nos 9ºs Encontros de Música Contemporânea da Fundação
o concerto para Clarinete Baixo “Meta- Calouste Gulbenkian (que encomendou a obra), a 12 de Maio de 1985; a
Formoses” de Jorge Peixinho! Foi um
grande êxito. Clotilde ROSA, Resposta ao
estreia teve lugar em Amesterdão, no Festival Internacional do SIMC-Gau-
questionário elaborado por Luís Gomes, deamus, que decorreu de 4 a 13 de Outubro de 1985.
enviada por correio eletrónico, (2016). Harry Sparnaay diz, no questionário que lhe foi colocado que,26 apesar
26. SPARNAAY, Resposta (ver nota 23). de a memória não lhe permitir ter a certeza, deve ter conhecido Jorge Pei-
xinho nos “Gaudeamus Music Weeks”; o seu depoimento no livro Jorge
Peixinho In Memoriam parece confirmar esta ideia, na medida em que o
mesmo intérprete afirma que “foi durante um concerto em Ijsbreker em
Amesterdão e penso que foi num concerto Gaudeamus [que conheceu
Jorge Peixinho]”. Sparnaay afirma ainda que Meta-Formoses é uma obra
“muito lírica e intensa”, por ele “tocada duas vezes, com o seu [de Jorge
Peixinho] grupo [Grupo de Música Contemporânea de Lisboa] uma vez
em Amesterdão e uma vez em Lisboa”.
A obra Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo é um marco na
história deste instrumento, não só em Portugal, como a nível internacio-
Clarone
nal. Trata-se de uma das primeiras obras que colocam em destaque o cla-
rinete baixo como instrumento solista, sendo que em Portugal esta obra
apenas foi precedida pela peça escrita por Duarte Pestana para clarinete
baixo e orquestra (Breve Fantasia para Clarinete Baixo). Será necessário es-
perar décadas para termos novas obras, escritas no nosso país, com este
perfil, nomeadamente a partir do início do Séc. XXI (existem cinco no to-
tal). Mesmo a nível internacional, este perfil de obra para clarinete baixo
solista e ensemble tem poucos predecessores, como já vimos; para além
disso, Meta-Formoses distingue-se por uma abordagem muito específica ao
nível da escrita e da forma como explora o instrumento. Pode deduzir-se
que a influência de um especialista de renome mundial como Harry Spar-
naay e a troca de impressões e informações entre o compositor e o solista
alargaram o espectro da paleta composicional.
Neste concerto para clarinete baixo, nota-se claramente a maior parte
das características da linguagem de Jorge Peixinho. A escrita para o instru-
mento explora uma expressividade, lirismo e fraseio permanentes, para
além de uma notável sensibilidade para escolha dos registos mais condi-
zentes com os diferentes ambientes criados. Em cerca de vinte e dois mi-
nutos de música, o potencial interpretativo e técnico de instrumentista e
instrumento são amplamente solicitados, seja em momentos de tensão
profunda, de fluentes diálogos com o ensemble e misturas de cores, tim-
bres e efeitos cuidadosamente interligados. O cunho pessoal do composi-
tor é evidente em colagens e citações constantes de matérias sempre de-
senvolvidas de forma interligada.
Tendo Jorge Peixinho atravessado várias fases em que assumiu os pa-
péis de intérprete, maestro e compositor da sua própria música, à época da
composição de Meta-Formoses já se encontrava no papel de maestro, e não
de pianista, do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. Importa refe-
rir que, muitas vezes, os membros do Grupo de Música Contemporânea de
Lisboa tocavam pela partitura, não sendo extraídas partes cavas; no entan-
to, com a presença do compositor como maestro, tal passa a ser cada vez
50
mais raro, como neste caso. Essa situação proporcionava uma liberdade, 27. Notas de programa desta obra escritas
pelo compositor “Foi por sugestão de
uma inter-reacção e uma interligação no processo interpretativo de que Harry Sparnaay que nasceu a ideia da
nos apercebemos repetidas vezes ao longo obra.27 realização de Meta-Formoses (1985),
destinada a clarinete-baixo solista e a um
pequeno conjunto de câmara (flauta e
As apresentações e gravações da obra e seus intérpretes : flautim, clarinete em si bemol, trompete,
Meta-Formoses apresenta-se como uma obra representativa da música harpa, guitarra, viola e violoncelo). A forma
geral é articulada segundo um sistema
portuguesa também pelo número de vezes que foi apresentada e gravada. complexo de relações entre os diversos
Poucos concertos para clarinete foram escritos no nosso país e menos ain- tipos de materiais de base, os quais
estabelecem uma rede de transformações
da tiveram esta projeção, especialmente no meio clarinetístico nacional e e sobreposições, assumindo, por isso,
internacional. A sua apresentação dentro e fora de portas é significativa. um carácter especial em que os diversos
Como afirma Victor Pereira,28 esta é “uma obra que merece ser mais tocada ciclos de reiteração dos elementos-base
são assinalados por mutações constantes,
e divulgada, de grande qualidade”. susceptíveis de diferentes leituras com
Devemos salientar a sua presença no 1º Congresso Mundial do Clarine- distintos matizes. Para além da função
solística do clarinete baixo (factor, por
te Baixo em Roterdão em 2005. Este foi o primeiro congresso a nível mun- assim dizer, «exterior»), existe um outro
dial exclusivamente organizado para este instrumento e, como tal, a pre- aspecto unificador na concepção e
elaboração da obra (factor «interno»):
sença desta obra num grupo selecionado de repertório e intérpretes, como um sistema de campos harmónicos,
foi o caso, demonstra a sua representatividade a nível do repertório do nos quais a técnica contrapontística e
instrumento. Em 2010, a apresentação no Curso e Concurso Internacional as relações intervalares assumem uma
função estrutural: elemento-matriz e
de Clarinete Julian Menendez em Ávila, Espanha, e em 2015 no Congresso critérios de mobilidade e transformação.
Mundial do Clarinete, Clarinetfest, da International Clarinet Association, em Meta-Formoses, encomenda da Fundação
Gulbenkian, é dedicada a Harry Sparnaay
Madrid, mostram também que em eventos ligados ao clarinete, esta peça e foi estreada em Amesterdão em Outubro
tem tido uma relevância expressiva. de 1985 no âmbito do Festival Internacional
Clarone
Fora de Portugal, podemos salientar a apresentação da estreia em da SIMC pelo dedicatário (como solista) e
pelo Grupo de Música Contemporânea de
Amesterdão em 1985, já referida anteriormente, e as apresentações em Lisboa (Jorge Peixinho in Programa dos 9ºs
França, nas cidades de Lille e Dunquerque. EMC, Lisboa, 1985, pp. 54-5).
Em Portugal, Meta-Formoses já foi tocada sete vezes até hoje, com 28. PEREIRA, Resposta (ver nota 3).
quatro apresentações em Lisboa, começando pela já referida ante-estreia 29. https://www.youtube.com/
watch?v=fiwSD5Sx8bs, https://www.
que decorreu nos Encontros da Fundação Calouste Gulbenkian em 1985, youtube.com/watch?v=P9fSLwdFMNE.
na Academia dos Amadores de Música em 2005, no centro Cultural de
Belém em 2010 e na Escola de Música do Conservatório Nacional em 30. https://www.youtube.com/
watch?v=5SdDq7BpX5c, https://www.
2014. Neste lote de concertos, pode verificar-se que, na Academia de youtube.com/watch?v=qNppR5XDwLI
Amadores de Música, surge a primeira apresentação depois de 1985, pelo
que este pode considerar-se um momento marcante na história da obra.
Também a apresentação no CCB, é relevante pois, nesse contexto, Meta-
-Formoses foi uma das obras de Peixinho selecionadas para serem apre-
sentadas nas comemorações dos quarenta anos do Grupo de Música
Contemporânea de Lisboa.
Na cidade do Porto, surge-nos o primeiro concerto realizado fora do
âmbito do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, apresentado
pelo Remix Ensemble na Casa da Música. Neste encontramos o terceiro
solista a apresentar a obra, Victor Pereira, que é considerado um espe-
cialista em música contemporânea até pelo lugar que ocupa como clari-
netista no Remix Ensemble, agrupamento que é já uma referência nesta
área específica. São de referir também os concertos no Conservatório de
Música do Porto, em 2014, e na cidade de Amarante, ambos com o maes-
tro Fernando Marinho.
Em termos de registo videográficos e fonográficos, existem os registos
áudio amadores do concerto de ante-estreia e estreia em Lisboa e Amster-
dão, que estão na posse de Harry Sparnaay e Luís Gomes. Existe ainda uma
gravação VHS do concerto de ante-estreia (Lisboa) que se encontra na posse
do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. Registos videográficos dos
concertos de Lille 29 e Lisboa (CCB)30 encontram-se disponíveis no youtube.
51
Há dois registos áudio profissionais de Meta-Formoses disponíveis: um
pelo Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, Luís Gomes e o maestro
Christopher Bochmann,31 e outro pelo Remix Ensemble, Victor Pereira e o
Maestro Baldur Brönnimman.32
Apresentações da obra
Parte 1 2 3 4 5 6
Material temático/
A1 A2 B A2 B1 B CeD
Secção
Parte 7 8 9 10 11 12
Compasso/Letra K/M M/N N/R R/S S/T T
Material Temático/
A2 A1 A2 B E A1
Secção
52
Esquema Formal
Clarone
to decorrentes de uma questão interpretativa e performativa e não de
uma questão composicional) ou se foram colocadas pelo autor aquan-
do da escrita da obra.
Nesta mesma Parte 1, a partir da secção A2 (do compasso 5 à letra
D), o solo de clarinete baixo prossegue, mas surgem diálogos e intera-
ção com outros instrumentos. O próprio papel do clarinete baixo, atrás
descrito, é muitas vezes substituído por outros instrumentos (como
por exemplo no compasso livre 22, na marca de dupla seta/indicação
de junção), a condução em termos de frase, tempo e fluência são variá-
veis de acordo com as intervenções desses mesmos instrumentos ou
conjuntos de instrumentos. Aparecem de forma mais sistematizada as
indicações de compassos e metronómicas, mas mesmo nos momentos
em que estes elementos surgem, sente-se claramente que são apenas
guias de execução para que a interação seja controlada, deixando no
entanto muito espaço para manter o carácter livre da secção. Nestes
momentos, as constantes alterações e diferenças metronómicas con-
tribuem para uma sensação de não regularidade, flutuação e fluência
constante.
A Parte 2 (entre as letras de ensaio D e D’) apresenta material novo,
com características mais virtuosísticas, caracterizadas por escalas e
movimentos ascendentes rápidos e fluidos, com gestos alternados em
contraponto, que caracterizam o que consideramos ser a secção B.
A Parte 3 (entre a letra de ensaio D’ e o compasso 54) apresenta uma
reiteração do material característico apresentado na secção A2; nessa
reiteração, a ornamentação é mais sucinta e menos preponderante,
com um discurso um pouco mais direto.
53
33. “En el sistema francês, la parte se escribe Na Parte 4 (entre o compasso 54 e a letra de ensaio H), reencontra-
en la clave de sol, igual que para el clarinete
en si bemol, aunque el sonido real es una mos o material em que se identificam os gestos rápidos e virtuosos,
novena mayor más grave”. Walter PISTON, com um desenvolvimento por parte dos instrumentos e intervenções
Orquestación (Madrid, Real Musical, 1985),
p. 193
livres de escrita pontilística, contrastando com momentos mais fluen-
tes. Com efeitos contínuos de movimento, verifica-se por vezes a al-
34. http://projectojp.blogspot.pt/2012/06/ ternância de notas em trilos ou trémulos, por vezes suspensos, dando
jorge-peixinho-edicao-critica-das-obras.
html (acedido em 11/11/2015). lugar a intervenções dos outros instrumentos, com variações texturais
e tímbricas, que designámos por secção B1.
35. “Technically speaking the piece is
challenging (a specialist is required), but
Estabelece-se que a Parte 5 (situada entre as letras de ensaio H e I)
things are ‘doable’, so that the end result nos apresenta novamente o material característico da secção B, desen-
can be quite rewarding”. BOK, Resposta volvido no sentido de um maior virtuosismo instrumental, dando por
(ver nota 4)
vezes a sensação de “perseguição” entre as várias intervenções do clari-
36. “When you think in a technical difficulty nete baixo e dos diferentes instrumentos.
range from 1 till 5 I would put the piece in
group 3. Not too difficult, but for sure not A Parte 6 (entre as letras de ensaio I e K) pode considerar-se um eixo
easy”. SPARNAAY, Resposta (ver nota 23). central de ligação entre as duas metades da obra, feito de momentos de
uma sonoridade ondulante, com solos de clarinete baixo na zona dos
graves em movimentos murmurantes, alternando com vibratos largos,
flatterzungs, trilos e trémulos que, em conjunto com as intervenções
dos restantes instrumentos, constituem a nova secção C. Ainda nesta
parte 6, encontramos um extenso compasso livre, onde o solista pára
e os instrumentos intervêm num registo grave, em heterofonia, sem
qualquer indicação métrica, mas apenas com indicações de tempo e de
Clarone
54
variadas de instrumentos. Estas intervenções surgem ora em simultâ- 38. A grande variabilidade de interpretações
da obra em termos de duração deve-se a
neo, ora separadas em sequência. Surgem novamente os sinais de in- algumas das características em termos
dicação/junção a serem dados pelo maestro. Peixinho usa estes sinais composicionais, como a presença de
compassos livres, sem tempo definido,
por vezes com uma seta simples e noutras ocasiões com setas duplas, numerosas suspensões e momentos de
sendo que o maestro dá os sinais com uma ou duas mãos, respectiva- interação, também eles livres, entre o
solista e o agrupamento.
mente, orientando a fluência e direccionalidade do discurso, gerindo
as diferentes intervenções. 39. http://projectojp.blogspot.pt/2012/06/
jorge-peixinho-edicao-critica-das-obras.
html (acedido em 11/11/2015).
A escrita idiomática e a exploração do instrumento
Na parte cava do solista, esta obra encontra-se escrita de acordo com 40. Hugo QUEIRÓS, Música Portuguesa
para Clarinete Baixo Solo, (Dissertação
a notação francesa (clave de Sol), com transposição à nona.33 Na partitura de Mestrado, Escola Superior de Música e
geral, o clarinete baixo está escrito na clave de Fá e em Dó, ou seja, no som Artes do Espectáculo, Porto, 2011), p. 12.
de efeito real. A única partitura disponível é o manuscrito original, que
nunca foi editado. Aliás, todas as partes cavas e a partitura geral existentes
são manuscritos autógrafos. Como afirma Francisco Monteiro, “da sua ex-
tensa obra [Jorge Peixinho] apenas um pequeno número de composições
se encontram publicadas”.34
Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo de Jorge Peixinho tem
características que levam alguns dos intérpretes deste instrumento (Hen-
ri Bok, Harry Sparnaay) a considerá-la uma obra a ser executada por es-
pecialistas no instrumento mas que pode, com trabalho e dedicação, ser
tocada com a necessária qualidade por clarinetistas menos experientes
Clarone
no clarinete baixo.35 Na realidade, é uma peça que explora muitas das po-
tencialidades do clarinete baixo. Em termos de dificuldade, como afirma
Sparnaay, pode atribuir-se-lhe, numa escala de 0 a 5, um grau de dificulda-
de 3 com tendência para 4.36 Também Victor Pereira sobre a obra diz que, “é
uma obra exigente tecnicamente mas musicalmente muito interessante”.37
Pode considerar-se que o maior desafio que a obra coloca ao intér-
prete é a sua exigência ao nível da resistência. Esta é uma obra com mais
de vinte e dois minutos de duração (uma das gravações existentes vai
até aos vinte e seis minutos), 38 onde o solista intervém de forma prati-
camente constante. Para além disso, a exploração frequente dos registos
extremos, a existência de notas muito longas, um fraseio de carácter ex-
pressivo e com uma exigência muito grande a nível do controlo das dinâ-
micas, tornam a questão da resistência a principal dificuldade para o mú-
sico, sobretudo se não estiver muito habituado a tocar este instrumento.
No caso específico desta obra, outra das dificuldades com que nos
deparamos decorre do facto de a partitura e as partes cavas serem ma-
nuscritos autógrafos. Francisco Monteiro afirma: “A prática de Jorge Pei-
xinho de escrever música para o seu grupo ou para músicos com quem
contactava habitualmente levou a que, muitas vezes, os seus manuscri-
tos sejam parcos em indicações e especificações [...]”;39 no entanto, no
caso em apreço, as indicações podem considerar-se suficientes. Coloca-
se, sim, o problema da insuficiência de uma legendagem relativa a essas
notas e indicações, para quem não conhece a linguagem e o universo
deste compositor. Este problema pode colocar-se de forma particular-
mente intensa para aqueles que estejam menos familiarizados com a
escrita manuscrita e/ou com a notação musical contemporânea. Como
afirma Hugo Queiroz,
55
40. Hugo QUEIRÓS, Música Portuguesa No que toca à composição atual, os compositores pro-
para Clarinete Baixo Solo, (Dissertação curam tirar o máximo partido de cada instrumento,
de Mestrado, Escola Superior de Música e
Artes do Espectáculo, Porto, 2011), p. 12. usando muito mais para além da tradicional forma de
tocar um instrumento. […] Por ainda não haver um no-
41. Gardner READ, Compendium of Modern tação standard para grande parte destes efeitos, é con-
Instrumental Techniques (Westport,
Connecticut.London, Greenwood Press, veniente que junto com a partitura, o compositor des-
1993). creva exatamente toda a notação que usou e ainda qual
42. Gardner READ, Music Notation A
o produto sonoro que deverá resultar; só desta forma
Manual of Modern Practice (New York, as obras poderão ser tocadas sem que seja necessário
Taplinger Publishing Company, 1979). um contacto direto com os compositores. No que toca
43. Todas as notas musicais mencionadas
a efeitos e técnicas usadas no clarinete baixo, seria pos-
neste texto referem as notas escritas e não sível escrever inúmeras páginas sobre este tema.40
de efeito real, para melhor visualização
nos exemplos ou na parte cava, que se
Meta-Formoses apresenta muitos destes efeitos, e a escrita de Jorge Pei-
encontram sempre na clave de sol.
xinho é, na sua maior parte, semelhante à notação comum na época em que
foi composta. Para uma fácil leitura, compreensão e estudo da partitura e
partes, podem consultar-se alguns livros e manuais existentes como o Com-
pendium of Modern Instrumental Techniques de Gardner Read (1993),41 Music
Notation in the Twentieth Century A Practical Guidebook de Kurt Stone, ou ain-
da Music Notation A Manual of Modern Practice, também de Gardner Read.42
Por outro lado, surgem indicações e notações com características próprias
de Jorge Peixinho. Obviamente, para quem já travou conhecimento com
outras obras deste compositor em que constam legendas relativas à nota-
Clarone
Exemplo1 Exemplo 2
Clarone
Exemplo 4 Exemplo 5
Exemplo 6
57
Exemplo 7
Exemplo 8
Exemplo 9
No compasso 173, deverão ouvir-se as notas mi2 e si3 (Exemplo 10).
Clarone
Exemplo 10
Exemplo 11
Na Letra T, temos uma vez mais a mesma situação na primeira nota es-
crita da penúltima pauta, onde deverão ouvir-se, a partir de dada altura e
após a suspensão, as notas sol#2 e ré#4 (Exemplo 12).
Exemplo 12
58
Como pudemos observar, nalguns destes casos, o intérprete é convi-
dado a deixar os multifónicos e manter apenas uma das notas ou, inver-
samente, iniciar apenas uma das notas e fazer surgir a outra, ou ainda os
dois processos, com o surgir e desaparecer do efeito a ser solicitado. Esta
situação exige controlo da colocação, da embocadura e do ar, usando uma
alteração gradual e controlada da pressão do lábio inferior, com um bom
apoio diafragmático-abdominal, sem deixar “fugir” o som que se preten-
de manter. O surgimento e desaparecimento do efeito é frequentemente
solicitado em dinâmicas diferentes e, nalguns casos, no decurso de uma
mudança de dinâmicas (Exemplos 7, 9, 10, 11 e 12).
Multifónicos estáveis e variáveis. No início do compasso 22 (Exemplo
13), surge uma primeira indicação de multifónicos com traços por cima da
pauta que indicam que Jorge Peixinho pretende mais do que um som re-
sultante. Por outro lado, nalguns casos, ao colocar indicações de altura, de
subida, de descida, inclinação e ainda de quantidade, o compositor dá a
entender claramente o que fazer, de certo modo “desenhando” o contor-
no sonoro pretendido. Saliente-se que Peixinho deixa ao critério do solista
os sons resultantes da série de harmónicos naturalmente obtidos com a
Clarone
utilização da dedilhação normal da nota base. Nalguns casos, o intérprete
poderá escolher, quase instintivamente, aqueles que mais se enquadram
na campo harmónico em que se insere a passagem em questão, ou que se
relacionam com intervenções dos outros instrumentos que tocam em si-
multâneo. A presença de alterações dinâmicas, pianos e pianíssimos por
vezes a decrescerem “al niente”, exige um bom domínio do instrumento. É
particularmente difícil obter o controlo das diferentes alturas e das varia-
ções sugeridas pelo “desenho” da notação.
Exemplo 13
Exemplo 14
59
Compasso 127 (Exemplo 15).
Exemplo 15
Exemplo 16
Exemplo 17
Exemplo 18
Exemplo 19.
60
Na última nota da obra, cuja duração é muito extensa, encontramos vá-
rios efeitos (mudanças de vibrato, de dinâmica, glissando, multifónicos;
cfr. Exemplo 20).
Exemplo 20.
Clarone
torção, também conhecidos como “sons rotos”. Este é um efeito de menor
exigência em termos de execução pois, à partida, a aplicação da mudança
de pressão de ar, a alteração da colocação/pressão da embocadura e ainda,
se necessário, uma pequena fuga de ar no tubo provocada por uma ligei-
ra abertura de uma chave ou dedo poderão resultar no som pretendido.
(Exemplo 21).
Exemplo 21.
Temos exemplos desta situação nos compassos 55, no segundo lá escri-
to na parte final do compasso (segundo sinal, Exemplo 22) e no compasso
180, na segunda vez que surge a indicação de maestro assinalada com o al-
garismo, antes da entrada da flauta (Exemplo 23).
Exemplo 22.
61
Também nestes casos, o surgir ou desaparecer do efeito pode ser soli-
citado (Exemplo 23).
Exemplo 23.
Exemplo 24.
sult of the multiphonics can change a bit, […] because a multiphonic not 49. BOK, Nouvelles Techniques De La
only depends on the fingering used. The mouthpiece, the reed, the bore Clarinette Basse (ver nota 45).
of the instrument and even your physique are also determining factors for 50. BOK, Resposta (ver nota 4 ).
the sounding result”. 47
Encontra-se ainda por vezes um trilo nos multifónicos resultantes,
com manutenção da nota base. Esta situação implica a mesma busca de
posições/dedilhações e alteração da colocação/pressão da embocadura.
Neste caso o problema é conseguir obter o que o compositor pretende (tri-
lo nos multifónicos) e manter a nota base estável. Deverá dar-se priorida-
de à nota base, permitindo a alternância possível dos dois multifónicos em
trilo e tentando obter a maior aproximação possível do intervalo em ques-
tão (meio tom). Este trilo dos multifónicos tem, quase invariavelmente,
efeitos na afinação e estabilidade da nota base. Esta situação é encontrada
nos compassos 84, 85 e 201 (Exemplos 26 e 27 e 28 respectivamente).
Clarone
Exemplo 26 Exemplo 27
Exemplo 28.
Exemplo 29.
63
Deve salientar-se que a escrita aborda também os extremos do instru-
mento e inclui problemas técnicos de dificuldade assinalável. Se tivermos
em conta que, no seu tratado de orquestração, Walter Piston48 considera
que “el clarinete bajo és mucho menos capaz que los otros clarinetes.... e
que el fá agudo és lo más agudo que se aconseja a escribir” para o instru-
mento, Peixinho foi verdadeiramente um revolucionário para a época na
abordagem ao clarinete baixo. Usa-o tecnicamente ao mesmo nível dos
outros clarinetes, tanto do ponto de vista da velocidade como do registo.
A nota mais aguda presente na obra é um Si6 presente no compasso 156
(exemplo 30), sendo que o compositor utiliza recorrentemente os registos
agudo e o grave (entre o Mi1 e o Dó1). Em muitos instrumentos da altura, o
registo grave terminava no Mib1. Estes modelos de clarinete baixo, vulgar-
mente designados por “modelos até ao Mib”, eram os mais comuns, espe-
cialmente em Portugal.
No que diz respeito à execução das notas agudas, há várias abordagens
possíveis. A mais tradicional e usual entre os clarinetistas (não especia-
listas do instrumento) é a utilização das posições do clarinete, libertando
meio buraco da chave do dedo médio da mão esquerda, o que implica o
emprego da chave de 12ª (chave de mudança de registo). No entanto, exis-
tem também, sobretudo, para os utilizadores mais experientes do instru-
mento, dedilhações obtidas com recurso aos harmónicos, um pouco à se-
melhança do saxofone, que se podem consultar por exemplo no livro de
Clarone
Henri Bok.49 Note-se que Peixinho tem absoluta noção desta alternativa,
pois coloca o símbolo de harmónico sobre a nota mais aguda da obra, que
se encontra no compasso 156 (ver exemplo 30). Nas notas graves, as dedi-
lhações dependem apenas do modelo e da marca do instrumento, pois as
chaves e mecanismos diferem de uns para outros.
Exemplo 30.
64
Conclusão
Clarone
Meta-Formoses ou Concerto para Clarinete Baixo constitui um desafio
para qualquer intérprete, um marco na história do clarinete baixo, uma re-
ferência na obra de Jorge Peixinho e na música contemporânea portuguesa.
65
João Paulo
Claronista em Destaque
de Araújo
Clarinetista e Saxofonista com mais 23 anos de atuação profis-
sional tanto como solista quanto camerista. Bacharel em perfor-
mance pela Universidade Federal da Paraíba e Mestre em Música
pela Universidade Federal da Bahia. Professor de clarineta, saxo-
fone e prática de conjunto da Escola de Música da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte desde 2008. Atuou como clari-
netista, claronista e saxofonista nas orquestras sinfônicas dos es-
tados da Paraíba (musico convidado) e Bahia (2000 a 2008), e
da Orquestra Filarmônica Norte-Nordeste (1998-2000). É coor-
denador do projeto de extensão Orquestra Potiguar de Clarinetas
da EMUFRN desde 2008 que tem tido participações efetivas em
vários encontros de clarinetistas no Brasil e em duas edições do
ClarinetFest®: Orlando, EUA (2017) e Ostend, Belgica (2018).
Em 2011 coordenou o Xº Encontro Brasileiro de Clarinetistas rea-
lizado na cidade do Natal (UFRN). Foi solista de clarone a fren-
te do Claribel Clarinet Choir Guido Six (Bélgica) no concerto de
abertura do ClarinetFest® 2018 realizado na cidade de Ostend
(Belgica). Atualmente, cursa o Doutorado em Música, em perfor-
mance, do PPGMUS da Escola de Música da UFBA sob orienta-
ção do professor Joel Barbosa. É artista das clarinetas Gao Royal e
das palhetas MARCA.
EMAIL jotapearquivos@gmail.com
FACEBOOK https://www.facebook.com/joaopaulo.araujo.566148
YOUTUBE Clarone Brasil https://youtu.be/-2FPe5TRm8M
Dança nº 01 para Clarone solo https://youtu.be/cROJ4ChYha8
66
Introduzindo a M|O
para Clarinete e Sax
Disponível em www.armazemdosopro.com.br/d/vandoren
Escola da Ospa promove
I Festival Internacional de
Encontros
Mais detalhes sobre a programação e as inscrições para o evento serão divulgadas em breve. Outras
informações pelo telefone 51 3228-6737 ou por e-mail escolademusica.ospa@gmail.com.
68
Reabertura do Bacharelado
em Clarineta da UNICAMP
Em 2019 teremos a reabertura do Bacharelado em Clarineta da Unicamp. O curso agora volta a
fazer parte de mais uma das modalidades em instrumento oferecidas pelo curso de Graduação em
Música, Departamento de Música-IA da Unicamp.
O curso, que tem a duração regular de quatro anos, é voltado para clarinetistas com ênfase em
uma formação de modo amplo, capacitando-os a atuarem nas mais diversas áreas quer seja
como solista, ou integrando grupos orquestrais e de música de câmara. A prova de ingresso será
realizada em duas etapas, sendo a primeira feita através do envio de vídeo de 19 a 27/09/2018.
A segunda etapa será realizada nos dias 14 e 15/10/2018 e consistirá em uma prova es-
crita e a apresentação do repertório previamente gravado. Para informações sobre a
inscrição, modalidades de ingresso, quadro de vagas, acesso ao calendário completo de
ingresso e demais aspetos, basta acessar ao sítio da comissão de Vestibular CONVEST:
http://www.comvest.unicamp.br/vestibular-2019/.
Todas as informações relacionadas à prova específica de clarineta podem ser obtidas no
seguinte endereço: https://www.comvest.unicamp.br/vestibular-2019/manual-do-candi-
dato/provas-de-habilidades-especificas/musica/. Informações sobre o Curso de Música
podem ser obtidas no sítio do Departamento:
https://www.iar.unicamp.br/graduacao-em-musica.
O professor responsável pelo curso é Vinicius de Sousa Fraga, cuja formação mais recente foi o
curso de Formazione Continua realizado nos dois anos em que esteve no Conservatorio della Sviz-
zera Italiana, em Lugano-Suiça, sob orientação de François Benda. Graduado em Clarineta pela
UFSM sob orientação de Guilherme Garbosa, realizou o Mestrado e o Doutorado pela UFBA,
onde esteve sob orientação de Pedro Robatto e Joel Barbosa. Tem atuado como performer, ca-
merista, professor e pesquisador. Além disso, foi durante cinco anos professor de clarineta do
Bacharelado em Música da UFMT, em Cuiabá-MT.
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Lançamentos por Diogo Maia
Viagem Infinita
Jairo Wilkens – Clarineta
Marília Vargas – Soprano
Clenice Ortigara – Piano
Selo/Gravadora - Paidéia Produções Artísticas
70
Clarone no Choro
Ségio Albach – Clarone
Selo/Gravadora - Tratore
71
Dica do mestre Cristiano Alves
Dica do Mestre
Agradeço imensamente à Revista pelo convite o trato vocal assume e, por extensão, os forman-
para redigir o presente artigo e saúdo os professo- tes (bandas de ressonância) que se constituem a
res que coordenam tão relevante trabalho. Espero partir deste. Elevados estados de tensão, vícios
colaborar, proporcionando reflexão e crescimento. posturais prejudiciais e continuada negligência a
Aprendo muito com os ensinamentos que recebo processos de feedback motor, conduzem a uma
dos mestres com os quais convivo e com os alunos execução que pode não revelar o máximo da po-
para quem leciono. tencialidade de um artista.
Abordo, inicialmente, o processo de emissão De modo a acessar um estado otimizado de
do som e sua extrema importância no que con- emissão, convém atentar para a importância da
cerne a performance musical. Traçando uma ana- propriocepção e de mecanismos de controle sobre
logia com o Principio de Pareto – lei proposta por o fluxo de ar (buscando observar questões referen-
Joseph Juran (também conhecida como “Regra tes à velocidade, pressão e foco) e sobre a pressão
do 80/20”), homenageando o economista italia- labial (exercícios específicos são observados na
no Vilfredo Pareto, propõe que, em diversas si- tese de doutorado por mim publicada na biblio-
tuações, 80% dos efeitos advém de 20% das cau- teca virtual da Unicamp), a qual rege as distintas
sas – acredito que um adequado domínio sobre o perspectivas contidas nas matizes buscadas e no
processo de emissão do som impacta significati- domínio de execução pretendido.
vamente a performance artística. Existem formas de prover adequada susten-
Quando seguros de que ativamos um estado tação do instrumento sem que, para isso, o lábio
otimizado de emissão do som, afetamos imedia- inferior exerça excessiva pressão sobre a palheta.
tamente não apenas a qualidade de som e as dis- Além do justo posicionamento e satisfatória ação
tintas matizes possíveis de serem acessadas, mas procedida pelo maxilar superior e dedo polegar
também afinação, dinâmicas, articulações, postura direito – sustentáculos fundamentais para a boa
e a própria técnica instrumental. Isso se dá através sustentação da clarineta –, verificamos impor-
do domínio de processos de manipulação do fluxo tante referencial presente nos dedos que, além de
de ar, bem como do trato vocal. Esses dois pilares exercerem a função técnica propriamente dita,
concorrem para a potencialização do uso do ar, do desempenham relevante papel face ao suporte re-
corpo e da capacidade plena de expressão artística. querido no presente contexto. Seria uma espécie
A pressão do lábio inferior sobre a palheta de- de “apoio digital”, no qual os dedos oferecem um
termina, dentre outras coisas, a configuração que suporte adicional necessário à manutenção do re-
72
laxamento do lábio inferior, sem que estejam, de ra, ética e profissionalismo. A prática em conjunto,
forma alguma, “tensos” ou pressionando excessi- em ambiente salutar e estimulante, promove o de-
vamente orifícios e chaves. A boa sustentação do senvolvimento de inúmeras e relevantes compe-
instrumento deve ocorrer, portanto, sem prejuízo tências.
ao requerido relaxamento do lábio inferior. Relaxa- Antes de sermos músicos, somos brasileiros.
mento este que, se exagerado, promove malefícios Por que não nos embrenharmos na busca por co-
tão severos quanto aqueles observados por conta nhecimento e prática da tão rica música de nosso
da exagerada pressão. país? Não apenas a música de concerto merece
Tais níveis de otimizada pressão labial podem atenção. A prática do choro e dos distintos ritmos
ser acessados voluntariamente pelo músico, que e gêneros nacionais mostra-se um importante alia-
deve fugir da armadilha de, face ao nervosismo ine- do na construção da identidade artística. Consti-
rente à performance musical, tensionar não apenas tuir conjuntos, apresentar-se com estes, pesquisar,
o lábio inferior, como todo o corpo. A promoção de frequentar rodas de choro e eventos relacionados
relaxamento labial auxilia na busca para que não a todo gênero nacional, além de escutar gravações
se instale um indesejado e prejudicial processo com frequência, revela-se uma verdadeira e funda-
amplo de enrijecimento muscular. Para um melhor mental escola. O mesmo vale para outros gêneros de
entendimento acerca de questões referentes à música de diversos países. É extremamente valioso
emissão do som e manipulação do trato vocal, Ker- abrir-se para perspectivas variadas, como jazz, rum-
gomard, Scavone, Backus, Bonade são de grande ba, salsa, klezmer, não limitando fronteiras.
importância. Cada um dos referidos autores abre Por sua vez, a prática da música contemporânea
Dica do Mestre
um imenso leque de frentes de pesquisa. agrega imenso valor à formação artística do músi-
A constante busca por expertise se relaciona à co. Atuar – em todas as etapas da carreira – em con-
demanda por estudo de melhor qualidade. Concei- juntos estáveis e dedicar-se à prática desta, revela
tos relacionados à prática deliberada e à cognição um manancial substantivo enquanto perspectiva
musical revelam caminhos extremamente efica- de crescimento artístico.
zes na busca por mecanismos funcionais de gera- A prática de escalas – maiores, menores e mo-
ção de um poderoso sistema de feedbacks, bem dais – e arpejos, sempre recomendada por muitos
como por efetivo desenvolvimento de técnicas docentes, é aqui reforçada e, neste contexto, reco-
de estudo transformadoras. Menciono Ericson, mendo o método de Fernando Morais. O estudo de
Williamon, Sloboda, Levitin, além dos brasileiros métodos, por sinal, é apontado por muitos como a
Santiago, Nogueira, Ilari e Freire como importan- base fundamental para a constituição de excelên-
tes referenciais. cia técnica. Há uma infinidade de cadernos de es-
Uma importante pergunta no processo de estu- tudo de grande nível e sob medida para cada etapa
do é: para que estou repetindo? Entender porque da formação musical.
se repete algo e qual o objetivo da nova investi- O estudo da harmonia revela-se igualmente de
da é fundamental. Gerar feedbacks cada vez mais fundamental importância. Músicos de instrumen-
poderosos e estratégias eficazes de resolução dos tos melódicos tendem a negligenciar a prática de
problemas deve ser a meta central. Estudar é resol- instrumentos harmônicos ou nem mesmo buscar
ver problemas. E de forma definitiva, preferencial- consideráveis níveis de domínio da matéria. Os be-
mente. Muitas vezes o estudo sem o instrumento nefícios de tal domínio e prática (de instrumento
promove subsídios valiosíssimos ao intérprete. harmônico, mesmo que o “básico”) são imensurá-
Considero de relevante importância a proposição veis. Distintas estratégias de estudo que se revelam
de pistas visuais na partitura que remetam aos funcionais passam por entendimento de campo
modelos mentais adotados para a resolução de harmônico, ressignificação de melodias (reagru-
problemas. O modelo de reagrupamento de notas pando notas e constituindo novos modelos) e ree-
(note grouping) proposto por James Thurmond, laborando frases tendo a ideia de “elevação” – qual
merece especial atenção neste contexto. seja, a busca por picos melódicos que auxiliem a
Ao analisar a trajetória de grandes artistas e, constituição de domínio de emissão e geração de
sobretudo, clarinetistas em específico, percebo o memória muscular.
quão importante é a vivência em banda de música. A busca por memorização do conteúdo artís-
Nesta, são observados referenciais fundamentais tico estudado pode potencializar sobremaneira a
acerca não apenas de tudo o que envolve música e performance. Diversas são as estratégias relativas
carreira, bem como sobre companheirismo, postu- ao tema. De imediato, entretanto, convém des-
73
mistificar a questão, posto que a capacidade mne- para tanto, a qualidade artística do material recolhi-
mônica está presente em todos, segundo diversos do deve ser aquela que expressa, de forma mais fiel,
estudos. Não há indivíduo incapaz de memori- a real capacidade do músico em questão. Por vezes,
zar coisas. Gerar associações é um caminho, bem leva-se muito tempo para que o resultado de um pe-
como “nomear”, de alguma forma, trechos e frases, queno trecho gravado satisfaça amplamente. E este
situando-as em contextos mais amplos e recorren- processo revela muitas coisas acerca da busca por
do também à memória visual, localizando o que se domínio de performance e controle global.
toca tendo por base o posicionamento do trecho Por fim, deixo aqui minha crença de que a bus-
em questão na respectiva página e exato local. ca por tornar-se um grande artista passa também
Cercar-se de pessoas altamente capacitadas e pela aquisição de cultura geral e por constante va-
qualificadas profissional e pessoalmente potencia- lidação de mecanismos cognitivos. Exercitar o ra-
liza o crescimento do artista e ser humano exposto ciocínio tanto quanto esmerar-se em externalizar
a tão benéfico convívio. Comprometer-se integral- sentimentos e comunicar conteúdo artístico é uma
mente com as metas estabelecidas e com o ofício máxima que considero relevante.
em si deve ser uma máxima seguida invariavel- A todos um grande abraço, desejando-lhes
mente. Metrônomo e afinador, quando usados de sempre tudo de melhor!
forma adequada, trazem consideráveis benefícios.
Registrar as sessões de estudo proporciona be-
nefícios variados. Nem sempre é possível gravar
todo o período de estudo, mas ao registrar, num
momento final, trechos que foram trabalhados ao
longo do dia, o músico tem acesso permanente Cristiano Siqueira Alves é Doutor em Música pela
ao resultado do que fora efetivamente assimilado. UNICAMP e professor de clarineta da Universidade
Convém imaginar que o que será gravado deveria, Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. http://lattes.cnpq.
em tese, poder ser endereçado a outras pessoas e, br/9480361228383227 - crisclarineta@yahoo.com.br
SOB MEDIDA
PARA SUA
CAMPANA
ESTABILIDADE, DESIGN,
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Disponível em www.armazemdosopro.com.br/d/hercules
CLARINETA
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Submissão de Trabalhos
A revista CLARINETA é uma revista acadêmica que visa divulgar co-
nhecimentos científicos, artísticos, pedagógicos e técnicos referentes a
área de clarineta no Brasil, mas não se restringindo apenas a este país. Ela
recebe submissões de textos para publicação para suas diversas seções
(artigos, entrevistas, resenhas etc).
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res da equipe editorial. Os pareceristas serão de região(ões) e institui-
ção(ões) diferentes da(s) do(s) autor(es) das submissões. Eles emitirão
pareceres pelo sistema single blind, onde o manuscrito é avaliado com
o(s) nome(s) do(s) autor(es). Todo texto será avaliado, primeiramente,
por dois pareceristas e, em não havendo concordância, será acionado um
terceiro. O conteúdo dos textos é de responsabilidade do(s) autor(es).
Em relação a artigos, serão aceitas submissões de artigos científicos e
empíricos referentes a pesquisas concluídas. Cada artigo deverá incluir
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missões dos outros formatos de textos, será considerada a relevância de
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