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INDEPENDÊNCIA
A criação do Grande Oriente do Brasil e a proclamação da Independência são dois fatos
históricos intimamente interligados. Procuraremos, neste capítulo, apresentá-los em
separado, evitando a superposição e repetição dos mesmos fatos históricos, assim como
evitaremos abordar outros fatos históricos, paralelos, a fim de não alongarmos o nosso
relato que, afinal de contas, não tem o objetivo de reescrever a história do Brasil.
Havia a clara intenção de fundar, no Brasil, uma Obediência que congregasse todas as
forças maçônicas, dispersas, em todo o território -nacional.
Agindo de forma maçônica, a Loja Comércio e Artes decidiu, em data não determinada
no início de 1822, distribuir seus obreiros em três Lojas, visando a formar a base para a
criação de uma Obediência de âmbito nacional.
Esta não foi a primeira iniciativa de formar uma Obediência. Mencionamos nesta obra
que, em 1813, foi fundado, na Bahia, o Grande Oriente Brasileiro, cujo Grão-Mestre foi
Antônio Carlos de Andrada. Esse Grande Oriente operou até 1817. Em 1816, foi criada,
em Recife, a segunda Obediência, esta regional, a Grande Loja Provincial que operou
até 1817. O desejo dos maçons pernambucanos era, todavia, o de criar uma república
constitucionalista independente no Nordeste.
A intenção dos maçons da Loja Comércio e Artes era muito mais ampla do que a dos
pernambucanos: conquistar a independência e manter o país inteiramente unificado,
evitando, desta forma, que a nação brasileira se fragmentasse em diversas repúblicas ou
reinos, tal como estava ocorrendo com as colônias espanholas na América.
Na referida reunião do início de 1822 ficou decidido que a Loja Comércio e Artes se
desdobraria em mais duas Lojas políticas, compondo um conjunto de três Lojas:
Membros – João Luís Ferreira Drumond, Domingos Alves Pinto, Luís Manuel de
Azevedo, José de Sousa Teixeira, João Militão Henriques, Francisco José dos Reis
Alpoim, Manuel Pinto Ribeiro Pereira de Sampaio, Samuel Wook, João da Costa Silva,
José Joaquim dos Santos Marrocos, Antônio dos Santos Cruz, Miguel de Macedo, José
Joaquim dos Santos Lobo, José Inácio Albernaz, João Antônio Pereira, Eusébio José da
Cunha, Padre Manuel Teles Ferreira Pita, Cipriano Lerico, João da Silva Feijó, João
Bernardo de Oliveira Barcelos, Joaquim Gonçalves Ledo, Luís Ciríaco e Domingos José
de Freitas.
Loja Esperança de Niterói
Venerável – Pedro José da Costa Barros.
Outra dúvida que nos ocorreu no estudo da nominata apresentada por Mello Moraes
refere-se a José Bonifácio de Andrada e Silva. Na historiografia maçônica, consta que
José Bonifácio fora alçado ao alto cargo de Grão-Mestre da Ordem, sendo “profano”, ou
seja, não teria sido admitido na Ordem, senão pela sua eleição a Grão-Mestre. O fato de
utilizar-se um “profano” para o cargo de Grão-Mestre é justificado por Kurt Prober
(Achegas…) em uma nota de rodapé: “Muitas vezes a Maçonaria européia aclamou
‘profanos’ para o cargo de Grão-Mestre, especialmente em situações políticas difíceis e,
sendo este o caso do Brasil, não há nada de extraordinário na nomeação de José
Bonifácio”. Na nominata de Mello Moraes, todavia, consta, como tendo sido sorteado
obreiro sem cargo, na Loja Esperança de Niterói, o nome de José Bonifácio de Andrada.
Essa reunião que procedeu ao sorteio dos membros das três Lojas ocorreu em data não
precisada, no início de 1822. A ser verídica a nominata de Mello Moraes (que sugere ter
retirado os nomes do livro de atas da Loja Comércio e Artes), José Bonifácio era
membro da Loja Comércio e Artes desde o início de 1822. Fica a dúvida: José Bonifácio
era “profano” (recebendo a iniciação por comunicação ou “à primeira vista” para o alto
cargo de Grão-Mestre, como era prática da Maçonaria, até o final do século XIX, para
personalidades), ou já era maçom, membro da Loja Esperança de Niterói ao ser alçado
ao cargo de Grão-Mestre?
Estudar José Bonifácio não é tarefa simples. A história contempla-o como sendo o
“Patriarca da Independência”. Rocha Pombo (obra citada), ilustre historiador e maçom,
coloca José Bonifácio como “a outra corrente de opinião”:
“A outra corrente de opinião, que se personificava no príncipe, era dirigida por José
Bonifácio, cada vez mais a destacar-se pela serenidade com que preferia exercer o seu
esforço conciliando todos os elementos em torno da aspiração geral; mas entendendo
que era preciso fazer tudo com prudência e agir de acordo com as necessidades, e
segundo as imposições do momento. Em vez de precipitar as coisas, forçando a lógica
dos fatos, pretendendo suprir só pelo sentimento da causa os meios de sustentá-la –
queria José Bonifácio conservar em volta do príncipe regente uma atmosfera de paz, de
sinceridade, de confiança, que lhe permitisse, antes de tudo, colocar o problema da
independência como obra política, e portanto em condições fora das quais não teria a
solução que se procura”.
Esta não é a posição de outro grande historiador e maçom, Mello Moraes, que relata em
seu livro, já citado nesta obra – História do Brasil–Reino e do Brasil-Império, tomo 2,
sob o título “Revelações do Marquês de Olinda ao Autor”:
(…) “Disse-me também o Marquês de Olinda na mesma ocasião, que o Dr. José
Bonifácio era oposto à independência do Brasil, porque tendo figurado muito na Europa,
e por seus talentos e vasta erudição, ocupando os lugares de lente de Direito e Filosofia
na Universidade de Coimbra, nos quais era jubilado, tendo a Superintendência do
Mondego e sendo secretário perpétuo da Academia Real das Ciências de Lisboa, e por
conseguinte remunerado por esses empregos, não lhe convinha a separação do Brasil.
(…) Antônio Carlos conhecia o modo de pensar de seu ilustre irmão, e de Lisboa
constantemente lhe escrevia aconselhando-o para que se empenhasse pela
independência, abundando em razões”.
Kurt Prober, em todas as suas obras, posiciona José Bonifácio como “impostor”, que
desejava a permanência do Brasil como colônia de Portugal ou, no máximo, em face das
circunstâncias, como um país independente, com o regime monárquico, onde ele poderia
continuar desfrutando da sua grande influência na nobreza portuguesa.
O Apostolado
Daí surgiu a primeira cisão na Maçonaria Brasileira, tendo José Bonifácio criado uma
sociedade secreta, fora da Maçonaria, o “Apostolado”, ou a “Nobre Ordem dos
Cavaleiros de Santa Cruz” ou, como querem outros historiadores, o “Apostolado da
Nobre Ordem de Santa Cruz”, em 2 de junho de 1822. Era intenção de José Bonifácio,
como de fato o fez, evitar que o príncipe d. Pedro ingressasse na Maçonaria, onde a
liderança de Gonçalves Ledo era muito maior que a sua. Assim, d. Pedro ocupou o mais
alto cargo do Apostolado, com o título de archonte-rei, sendo José Bonifácio seu lugar-
tenente. Pertenciam ao Apostolado diversos maçons. Antônio Carlos, o único maçom
entre os três irmãos Andrada, redigiu no Apostolado sob orientação de José Bonifácio a
constituição política que deveria reger os destinos do Brasil.
Em 15 de julho de 1823, d. Pedro, embora acamado em virtude de uma fratura de
costela, convocou a presença de José Bonifácio ao palácio; reteve-o lá, em companhia
da imperatriz, enquanto se retirou para outro cômodo do palácio. Enquanto José
Bonifácio aguardava o regresso do imperador, d. Pedro foi, pessoalmente, à sede do
Apostolado (que estava reunido àquele momento), acompanhado de força militar, para
fechar aquela sociedade sob a alegação de que seus membros estariam tramando contra a
sua vida. Dom Pedro arrebatou a urna que guardava toda a documentação daquela
associação secreta. Basílio de Magalhães (obra citada) afirma que a urna está (ou estava
à época da edição do seu livro – final da década de 1940) no museu do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. No dia seguinte ao fechamento do Apostolado, os
Andrada caíam no ostracismo.
A posição de Gonçalves Ledo, clara e conhecida por todos, era a da independência, sob
o regime republicano-democrata. Mas Gonçalves Ledo reconhecia que, sob as
circunstâncias políticas, era praticamente impossível prescindir da liderança do príncipe
regente d. Pedro. Daí, resultou o trabalho de Gonçalves Ledo e seus seguidores na
Maçonaria para atrair d. Pedro às fileiras da Maçonaria.
Ainda recorrendo a Mello Moraes (obra citada), foi convocada uma assembléia geral, no
dia 28 de maio de 1822, para tratar-se da eleição dos dirigentes do Grande Oriente do
Brasil.
Essa data, 28 de maio de 1822, parece não estar correta.
Kurt Prober (Achegas…) afirma que a assembléia geral ocorreu no 28º dia do terceiro
mês do ano de 5822 do calendário maçônico primitivo, que estava em uso. Nesse
calendário, o ano maçônico inicia no dia 21 de março. Por conseguinte, o 28º dia do
terceiro mês é o dia 17 de junho. O ano, no calendário gregoriano, é obtido pela
subtração da cifra 4000 do ano do calendário primitivo, ou seja, 1822.
Mello Moraes afirma que essa assembléia geral foi presidida pelo venerável da Loja-
mãe, Comércio e Artes, João Mendes Viana. Há, nesta afirmação, uma dúvida em
relação ao relato de Mello Moraes. O venerável da Loja Comércio e Artes, à época da
assembléia geral, era o major do corpo de polícia Manuel dos Santos Portugal. João
Mendes Viana era, tão simplesmente, um membro sem cargo. Não entendemos como
poderia estar o Irmão capitão João Mendes Viana presidindo a assembléia geral na
qualidade de Venerável da Loja Comércio e Artes.
O fato concreto é que, na referida assembléia geral (das três Lojas), segundo Mello
Moraes, procedeu-se à eleição para os dirigentes do Grande Oriente Brasiliano (título
que ostentou na sua criação), posteriormente designado Grande Oriente do Brasil, sendo,
por maioria, eleitos:
Grande Cobridor – João da Rocha. (Observação: esse nome não consta da nominata,
anteriormente apresentada, dos membros das três Lojas.)
O local da fundação do Grande Oriente Brasiliano, e a conseqüente posse de seus
dignitários, eleitos na sessão de 28 de maio (segundo Mello Moraes [obra citada]), que
ocorreu, realmente, em 17 de junho de 1822, segundo Kurt Prober (A Verdadeira
História do Palácio do Lavradio), foi um sobrado da rua do Fogo, esquina da rua São
Joaquim (atuais rua dos Andradas esquina da rua Marechal Floriano).
Mello Moraes (obra citada) afirma que a cerimônia de posse dos eleitos ocorreu em um
espaçoso edifício que existia no porto do Méier, Praia Grande (atual Niterói), na manhã
do dia 24 de junho de 1822, seguida de banquete, com todas as formalidades do rito
maçônico.
Não encontramos confirmação para essa sessão de posse conforme apresentada por
Mello Moraes. Somos levados a afirmar que, conforme a versão de Kurt Prober, tudo
ocorreu no dia 17 de junho de 1822 no referido sobrado da rua do Fogo esquina da rua
São Joaquim.
Kurt Prober afirma que, ainda em 1822, a sede do Grande Oriente Brasiliano mudou-se
para um sobrado, mais amplo, no número 4 da rua Nova do Conde da Cunha,
posteriormente denominada rua do Conde D’Eu, atual rua Frei Caneca. Permaneceu
nesse endereço até 1832. Essa afirmativa, da permanência da sede do Grande Oriente do
Brasil no mesmo prédio, até 1832, não parece ser verdadeira porque, quando da
dissolução daquela agremiação, em outubro de 1822, d. Pedro mandara esvaziar o
prédio, recolhendo todos os pertences para outro local e entregar a locação ao seu
proprietário, como será apresentado adiante.
Mello Moraes cita que, nesse prédio, foram instalados, além do Grande Oriente, as três
Lojas (Comércio e Artes, União e Tranqüilidade e Esperança de Niterói).
Ficou evidente, na composição da direção do Grande Oriente Brasiliano, a ação de
Gonçalves Ledo. José Bonifácio, aparentemente neófito na Ordem, recebeu o posto
máximo. Seu “Delegado do Grão-Mestre” (atual Grão-Mestre Adjunto) era o idoso
marechal Joaquim de Oliveira Alves, muito pouco influente nas decisões. Restava, para
Gonçalves Ledo, o cargo de Primeiro Grande Vigilante, que lhe daria, como de fato
ocorreu, a direção efetiva dos trabalhos. José Bonifácio raramente compareceu às
reuniões do Grande Oriente, assim como o seu adjunto, o velho marechal Joaquim de
Oliveira Alves.
D. Pedro, que já era o dirigente máximo do Apostolado, percebeu que teria muito mais
amplo apoio nacional na Maçonaria do que naquela sociedade secreta não-maçônica, o
Apostolado. D. Pedro também percebeu que, se não se incorporasse à Ordem, a
independência seria proclamada pela Maçonaria, de qualquer forma, e ele estaria fora do
movimento.
Atraído por Gonçalves Ledo, com o apoio de “última hora” de José Bonifácio, o
príncipe regente aceitou ser iniciado na Maçonaria, o que foi feito ritualisticamente, na
Loja Comércio e Artes, em 2 de agosto de 1822 (13º dia do 5º mês do ano da V.L. de
5822), recebendo o nome heróico “Guatimosim”. A data de iniciação de d. Pedro foi,
realmente, 2 de agosto de 1822 e não no dia 13 de julho de 1822, como erroneamente
atribuem alguns autores, que desconheciam o calendário primitivo adotado pelo Grande
Oriente, em que o ano inicia em 21 de março.
Há uma outra divergência quanto à Oficina em que d. Pedro foi iniciado. Nas atas do
Grande Oriente Brasiliano, recuperadas por Mello Moraes, como acima mencionado,
figura, na ata da 9ª sessão, que d. Pedro foi iniciado em sessão do Grande Oriente. Kurt
Prober afirma, de forma diferente, que o príncipe regente foi iniciado ritualisticamente
na Loja Comércio e Artes, no dia 2 de agosto de 1822 e que, nesse mesmo dia e hora,
realizava-se a 9ª sessão do Grande Oriente e que essa assembléia tomou conhecimento
da iniciação de d. Pedro ao final dos Desembainhando a espada, grita: “Independência
ou Morte”.
Esporeia o animal e avança para o local onde estava seu séqüito, com a espada ainda
desembainhada. Exclamou, então, d. Pedro, para toda aquela gente:
“Meu Ledo.
Kurt Prober (Achegas…) informa que Gonçalves Ledo não cumpriu a ordem do
imperador e Grão-Mestre. Preferiu prestar esclarecimentos, em entrevista com o
imperador, que reconheceu ter sido vítima do ódio do seu próprio ministro (José
Bonifácio) ao redigir o bilhete de 21 de outubro. Mudou de rumo o imperador,
determinando ao Grande Oriente que prosseguisse em seus trabalhos. Em 25 de outubro
(sexta-feira), mandou entregar um novo bilhete a Gonçalves Ledo, cujo teor passamos a
apresentar:
“Meu I∴ – Tendo sido outro dia suspendidos nossos augustos trabalhos pelos motivos
que vos participei, e achando-se hoje concluídas as averiguações vos faço saber que 2ª
feira que vem os nossos trabalhos devem recobrar o seu antigo vigor começando a
abertura pela G∴L∴ em Assembléia Geral. É o que por ora tenho a participar-vos para
que passando as ordens necessárias as executeis. Queira o S\A\D\U\ dar-vos fortunas
imensas como vos desejo o vosso I∴ P∴ M∴ R∴†.” (Irmão Pedro Maçom Rosa-Cruz).
No dia 29, foi divulgada uma proclamação elaborada pelos membros do Apostolado,
que exigia a volta dos Andrada. O imperador (sempre indeciso, fraco e volúvel),
influenciado pelo grupo aliado a José Bonifácio, recuou e recolocou os Andrada no
ministério, por decreto de 30 de outubro de 1822. Nesse mesmo dia, José Bonifácio
determinou a prisão dos que considerava seus inimigos. As fortalezas de Santa Cruz,
Laje, Conceição e Ilha das Cobras ficaram abarrotadas de presos políticos, em sua
maioria, maçons aliados de Gonçalves Ledo.
O Grande Oriente fechava, de fato, as portas, pouco mais de quatro meses após ter sido
criado. O segundo Grão-Mestre, d. Pedro, ocupou o cargo de 4 de outubro de 1822 a 25
de outubro de 1822.
FONTE:
João Ferreira Durão – Pequena História da Maçonaria no Brasil 1720 – 1882 – Madras
Editora, 2008