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Presidente
Marcio Pochmann
Chefe de Gabinete
Persio Marco Antonio Davison
Assessor-Chefe de Comunicação
Estanislau Maria de Freitas Júnior
URL: http://www.ipea.gov.br
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
apresentação 7
CAPÍTULO 1
A RELAÇÃO ENTRE CURTO E LONGO PERÍODOS NAS
PRINCIPAIS CORRENTES TEÓRICAS DE ECONOMIA 9
Fernando José Cardim de Carvalho
Capítulo 2
PIB POTENCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA NO BRASIL 25
Armando Castelar Pinheiro
capítulo 3
Catching up NO SÉCULO XXI: CONSTRUÇÃO COMBINADA
DE SISTEMAS DE INOVAÇÃO E DE BEM-ESTAR SOCIAL 55
Eduardo da Motta e Albuquerque
CAPÍTULO 4
ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO
NO BRASIL: UMA ANÁLISE do período 1950-2006 85
Miguel Bruno
João Sicsú
Diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea
Pedro Miranda
Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea
Pois o tempo, que é o centro da principal dificuldade encontrada em quase todas as questões econômicas,
é absolutamente contínuo: a Natureza desconhece forma de fracionar o tempo em longo e curto períodos;
ambos transformam-se um no outro através de imperceptíveis gradações e o que é curto período para
um problema, é longo período para outro.
Alfred Marshall
1 INTRODUÇÃO
Duas noções de atividade econômica fundam abordagens completamente opostas
da questão da temporalidade dos processos econômicos. De um lado, a economia
política clássica via na produção de riqueza e nas formas de sua apropriação o con-
ceito apropriado de atividade econômica. Não por acidente, a obra fundadora da
teorização econômica moderna se chamou precisamente Uma investigação sobre as
causas da riqueza das nações. Essa perspectiva se impôs aos autores que se seguiram,
notadamente Ricardo e Marx, e prosseguiu, com modificações importantes, na
tradição neoclássica associada a Alfred Marshall, incluindo John Maynard Keynes.
Nas tradições clássica e marshalliana, o papel do mercado era o de organizar a
atividade produtiva privada, através da compensação oferecida a cada atividade,
sob a forma de receitas de venda de bens e serviços. Como na tese da mão invisível
de Adam Smith, o que se buscava mostrar era que a coordenação da atividade
produtiva – aí incluída a divisão social do trabalho, fenômeno de grande comple-
xidade – poderia ser satisfatoriamente alcançada através da interação espontânea
dos agentes econômicos buscando favorecer seus próprios interesses.
A outra noção de atividade econômica foi conceituada de modo mais consistente
por Leon Walras e foi perpetuada através dos chamados modelos neowalrasianos.
* Professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para Walras, a troca, mais do que a produção, é a atividade econômica que deve
ser objeto da economia. A produção assim como o consumo e a acumulação de
riqueza material são os resultados da atividade econômica, mas não são eles mesmos
uma atividade econômica. O objeto da economia deve ser explicar as proporções
em que os bens são trocados, isto é, seus preços relativos. O que resulta desta troca
é de interesse apenas subsidiário para a economia. Assim, Walras (1954, p. 143)
definiu o objetivo da teoria econômica (utilizando a expressão “teoria da riqueza
social”) do seguinte modo:
A troca de um bem por outro em um mercado perfeitamente competitivo é uma operação na qual todos
os detentores de uma das duas mercadorias, ou de ambas, podem obter o maior grau de satisfação
possível de seus desejos, mantendo a condição de que os dois bens sejam comprados e vendidos a um
mesmo valor de troca em todo o mercado.
O objeto principal da teoria da riqueza social é generalizar esta proposição mostrando primeiramente que
se aplica à troca de diversos bens entre si assim como à troca entre dois bens, e, em segundo lugar, que
em concorrência perfeita, esta regra se aplica à produção assim como à troca. O objeto principal da teoria
da produção de riqueza social é mostrar como os princípios de organização da agricultura, da indústria
e do comércio podem ser deduzidos como uma conseqüência lógica da proposição acima.
2. Esse processo é descrito por Walras como equivalente a um em que o tateio se dá através da troca de bilhetes que darão direito à
retirada de mercadorias apenas quando os preços de equilíbrio forem encontrados. Até que isso ocorra, todas as ofertas e demandas
são apenas tentativas, não podendo se concretizar senão em equilíbrio. Sobre o uso dos bilhetes, ver Walras (1954, p. 242 e 282).
Hicks, em Value and Capital, obra maior da tradição de equilíbrio geral da primeira metade do século XX, também bane as operações a
preços de desequilíbrio, chamadas por ele de “falsas trocas”. Sobre o conceito de falsas trocas, ver Hicks (1946, p. 128-129). De fato a
atemporalidade do processo econômico nesta perspectiva foi mostrada de modo mais marcante exatamente por Hicks, na mesma obra.
Ali Hicks cria o artifício de realizar todas as trocas na “segunda-feira”, ficando o resto da “semana” dedicada à atividade de produção,
conforme decidida na segunda-feira. Não há qualquer descrição analítica do que ocorre durante a semana, precisamente porque isso
não tem qualquer importância nessa linha de abordagem.
3. A mão invisível é uma metáfora, não uma prova, da consistência mútua de operações livremente decididas por agentes privados.
4. Marx, como sempre, recusa a linguagem naturalizante adotada por Smith e Ricardo, mas propõe basicamente a mesma relação entre
valor e valor de mercado ou entre preço de produção e preço de mercado.
5. Isto permanece assim em abordagens que se propõem como continuadoras dos métodos clássicos. Por exemplo, Eatwell (1977, p. 64),
um expoente do neoricardianismo, observa que “acreditava-se que preços de mercado fossem influenciados por uma gama de forças
– como incerteza, quebra de safra e monopólio, entre outras – e que por isso não poderiam ser analisados como resultantes de forças
sistemáticas, como era o caso dos preços naturais.” ( ênfase minha).
6. Como na discussão que caracterizou o nascimento de modelos dinâmicos de economia, onde se contrapunham modelos cuja natureza
dinâmica era definida ou pela datação de variáveis ou pela proposição de taxas de variação em vez de níveis das variáveis.
7. O presente autor discutiu detalhadamente esses temas em Carvalho (1990).
8. Embora a preocupação de Marshall com tempo emirja em praticamente toda a obra (ver citações relevantes em Carvalho, 1990),
Marshall enfrenta diretamente a questão aqui tratada no cap. 5 do livro 5 dos Principles (p. 302 a 315).
longo período podem funcionar como tal porque as variáveis que o definem não
se traduzem em móveis da ação dos indivíduos.
A proposta teórica de Keynes se apóia na percepção da importância de se
considerar que decisões econômicas são tomadas em condições de incerteza fun-
damental. Uma crítica tola e simplista deve ser enfrentada de imediato, para que se
possa prosseguir rumo a argumentos mais importantes. Alegam alguns que a ênfase
na incerteza das decisões destrói a possibilidade de teorização porque implica que
qualquer coisa é possível. Para Keynes, o reconhecimento da incerteza que cerca
as decisões dos indivíduos é importante por dois motivos centrais. O primeiro é
questionar a validade de teorias de gravitação, que supõem implicitamente que a
“história ocorre pelas costas dos indivíduos”. Teorias de gravitação assumem de-
terminantes das posições de equilíbrio que simplesmente não têm qualquer papel
do processo de decisão dos agentes econômicos. Essas teorias assumem, portanto,
que economias funcionam como o mito platônico da caverna, onde os indivíduos
percebem apenas as sombras do que acontece, mas deuses ex machina garantem
a operação da economia segundo “leis” objetivas. Na perspectiva de Keynes, as
expectativas e decisões dos agentes econômicos, e suas interações, são os fatores
determinantes do movimento de economias modernas. Argumentos baseados
em deuses ex machina transformam o que poderia ser uma metáfora útil numa
proposição metafísica a respeito de “leis da história” reificadas e independentes da
ação humana.
O mais interessante, porém, pode ser o segundo motivo para consideração
da incerteza, que é a postulação não de que o futuro é incerto, o que é, em si,
trivial, mas da constatação de que, sob incerteza os comportamentos econômicos
se alteram, especialmente pela adoção, pelos indivíduos, de estratégias defensivas
que mudam a dinâmica dessas economias, inclusive inviabilizando processos de
gravitação para equilíbrios. Em outras palavras, incerteza é importante, porque
os agentes a reconhecem quando tomam decisões, especialmente aquelas que
comprometem recursos em maior escala e por horizontes temporais mais distantes
como as ligadas à acumulação de riqueza.9 Na verdade, a Teoria Geral de Keynes
é quase um catálogo de comportamentos que são identificáveis como relevantes
apenas se se considera que os agentes econômicos julgam necessário proteger-se
9. É assim que o próprio Keynes define suas inovações teóricas em um de seus trabalhos, explicando e defendendo suas proposições
feitas na Teoria Geral: “O objetivo final da acumulação de riqueza é produzir resultados, ou resultados potenciais, em um momento
relativamente ou, algumas vezes, indefinidamente, longínquo. Assim, o fato de que nosso conhecimento em relação ao futuro é volátil,
vago e incerto, torna a riqueza um objeto peculiarmente inapropriado para os métodos da teoria econômica clássica” (CWJMK, 14, p. 113,
ênfase adicionada). O artigo em que esta afirmação está contida, The general theory of employment, publicado em 1937 e reproduzido
integralmente na fonte citada, é talvez a mais fundamental das fontes bibliográficas para a compreensão do projeto teórico de Keynes
apresentado na obra Teoria geral do emprego, juros e moeda.
10. Para os conceitos de animal spirits e estado de confiança, ver Keynes (1964, cap. 12).
11. Keynes definiu na verdade o conceito de não neutralidade da moeda exatamente com essa possibilidade em mente: “A teoria a qual
considero indispensável trataria… de uma economia onde a moeda possui um papel próprio e afeta motivações e decisões e é, em
suma, um dos fatores determinantes nessa situação, de modo que o curso dos acontecimentos não possa ser previsto, quer no longo ou
no curto período, sem o conhecimento do comportamento da moeda entre o primeiro e o último estado. E é a isto que deveríamos nos
referir quando falamos de uma economia monetária” (CWJMK, 13, p. 408-409). Os motivos de Keynes para justificar a centralidade da
moeda são expostos na fonte citada na nota de rodapé 9.
12. Keynes levantou essa possibilidade na discussão do papel da política fiscal na sustentação da demanda agregada. Ver CWJMK, 27,
p. 322, e também 122 e 268. As idéias de Keynes a respeito de política fiscal são discutidas com algum detalhe em Carvalho (1997),
Kregel (1983) e Wilson (1982).
Ao longo de qualquer intervalo de tempo, a economia está inevitavelmente sujeita a interrupções bruscas
e recomeços (fits and starts) (…) as interrupções tendem a ser tratadas por uma maior flexibilidade
orçamentária do que monetária, enquanto as retomadas tendem a ser enfraquecidas mais pela con-
tração monetária do que por medidas fiscais restritivas. Na medida em que esta tendência é válida (...)
a participação do consumo cresce mais e a do investimento diminui mais do que seria desejável pela
simples comparação de mérito entre os dois.
(…) a estratégia de administração da demanda afeta a capacidade produtiva de longo período da economia.
A combinação de políticas é responsável por esta ligação. A razão é que a composição do produto
nacional será diferente com uma combinação de políticas diferente, mesmo que o PIB agregado seja o
mesmo com uma ou outra. A combinação de restrição na oferta monetária com uma política fiscal mais
flexível prioriza o consumo em detrimento do investimento (...) Taxas de juros elevadas desestimulam
o investimento, enquanto a política fiscal expansionista incentiva o consumo através da redução dos
impostos, de transferências elevadas ou do aumento dos gastos correntes do governo. Na realidade, as
compras governamentais não são sempre para o consumo; se o governo estiver aumentando seu déficit
para acumular capital público, o qual melhoraria a produtividade e a capacidade da economia a longo
prazo, esta explicação não seria válida.
13. “A histerese é definida como uma resposta específica do sistema à mudança no valor de um insumo: o sistema exibe certa memória
quando há um efeito permanente na saída depois do valor do produto ter sido modificado e trazido de volta à sua posição inicial.”
(AMABLE et al., 1995, p. 155).
14. A referência clássica aqui é certamente Summers e Blanchard (1990).
15. Ver Leijonhufvud (1981, cap. 6), Clower (1984, cap. 15) e Howitt (1990, cap. 7).
16. Considere-se, por exemplo, o efeito violentamente destrutivo das elevações de taxas de juros utilizadas nas crises de balanço de
pagamentos nos anos 1990, no Brasil, na Ásia etc.
17. Na verdade, Schumpeter aceita a distinção entre ciclo e tendência no sentido estatístico apenas.
18. O sumário da teoria de ciclos de Schumpeter apresentada aqui se baseia em Schumpeter (1964), especialmente os capítulos 3 e 4.
6 CONCLUSÃO
Como se sugeriu nesta relativamente breve survey de abordagens e correntes de
pensamento, Marshall certamente tinha razão quando escreveu sobre a dificuldade
envolvida no exame da temporalidade dos processos econômicos. Isto porque, de
fato, o tempo é aquilo que muda à medida que o tempo passa. A passagem do
tempo é medida pelo que se permita (ou espere) que aconteça enquanto o tempo
passa. Portanto, discutir tempo é discutir a dinâmica da economia. A dificuldade
que isso implica se explica pela complexa e assincrônica convivência de muitas
dinâmicas em uma economia moderna.19
As teorias de equilíbrio geral de origem walrasiana resolveram esse problema
cortando o nó górdio, simplesmente optaram pela atemporalidade. Já os herdeiros
das tradições clássica e marshalliana não tinham essa alternativa por terem optado
por privilegiar a atividade produtiva e de acumulação de riqueza como objeto
19. O tema era recorrente nos Principles of Economics, a obra mais influente de Marshall. Assim, Marshall (1920, p. 304) viria a insistir:
“O elemento tempo é uma das causas principais desses problemas nas investigações econômicas que fazem com que o homem, com
seus poderes limitados, tenha que ir passo a passo; desmembrando uma questão complexa, analisando uma parte de cada vez, e, ao
final, combinando suas soluções parciais, para formar uma solução mais ou menos completa da questão por inteiro.”
REFERÊNCIAS
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approach. In: CROSS, R. (Org.). The natural rate of unemployment. Reflections on 25 years of the
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CLOWER, R. Money and markets. Essays by Robert Clower. WALKER, D. A. (Ed.). Cambridge:
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New York: McGraw-Hill, 1964. Edição reduzida por Rendig Fels.
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(Org.). Keynes as a policy adviser. Londres: MacMillan, 1982.
1 INTRODUÇÃO
Embora não haja definição única ou consensual para Produto Interno Bruto (PIB)
potencial, e menos ainda medição oficial ou universalmente aceita de seu valor
em cada momento, este conceito é de grande relevância na análise econômica e na
definição das políticas públicas. No curto prazo, ele é um importante indicador
a ser seguido, por exemplo, na gestão da política monetária; de uma perspectiva
mais longa, ajuda no entendimento dos determinantes da expansão da oferta
agregada de bens e serviços, e, portanto, na identificação das restrições críticas
à sua aceleração. Essa informação, por sua vez, pode ser usada para alimentar o
desenho das políticas públicas.
A capacidade de produção ou, mais precisamente, de adicionar valor em um
país é determinada pela disponibilidade e qualidade da sua mão-de-obra, pelo seu
estoque de capital físico, aí incluídos recursos naturais como terra e água, e pela
tecnologia e eficiência com que esses são utilizados. A relevância desses fatores,
enquanto limitantes ao crescimento do PIB potencial no Brasil, variou ao longo do
tempo. Mas a maioria dos estudos recentes aponta a baixa qualidade da mão-de-
obra, o chamado capital humano do país, e a escassez de capital físico, notadamente
em infra-estrutura, como as principais restrições à expansão do PIB potencial no
Brasil. Em especial, exercícios de decomposição das fontes de crescimento pelo
lado da oferta mostram que a forte queda nas taxas de expansão do PIB entre os
períodos 1951-1980 e 1995-2007 resultou quase inteiramente do ritmo bem mais
lento de acumulação de capital físico neste segundo período. Isso é consistente
com a observação de que, apesar de a economia ter crescido meros 2,8% ao ano
(a.a.) em 1998-2007, o país entrou o ano de 2008 enfrentando, além da escassez
* Analista da Gávea Investimentos, professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador licenciado do Ipea.
média de capital humano por trabalhador (H), e da produtividade com que o total
dos fatores (trabalho e capital, físico e humano) é utilizado para produzir (A):1
Yt = At K tα ( H t Lt )1−α
yt = At ktα H t1−α
η 1−ψ
H t = exp[φ(ht )] = exp ht
1 − ψ
∆y = ∆A + α∆k + (1 − α )∆H
(ln xt + n − ln xt )
onde ∆x =
n
A tabela 1 mostra os resultados obtidos utilizando-se as expressões acima
para decompor as taxas de crescimento do PIB potencial, aqui aproximadas pelas
variações do PIB efetivo em períodos longos e iniciados e terminados em anos si-
tuados em pontos semelhantes do ciclo econômico, de forma a minimizar o efeito
de diferenças no grau de utilização dos fatores de produção. Na comparação entre
os três períodos, selecionados de forma a representar a fase de alto crescimento no
pós-guerra, o período de crise externa e alta inflação, e os anos pós-Plano Real,
observa-se que:
l A taxa de crescimento do PIB potencial despenca em 1981-1994, recuperando-
se muito parcialmente em 1995-2006.
l Ambas as variações refletiram essencialmente o comportamento da produti-
vidade do trabalho (PIB/trabalhador), que era menor em 1994 do que em 1981.
TABELA 1
Decomposição da taxa de crescimento do PIB
(Médias anuais, em %)
∆Y − ∆L = ∆A + α( ∆K − ∆L ) + (1 − α )∆H
onde:
∆Y = ∆A + α∆K + (1 − α )( ∆H + ∆L ), e, utilizando-se o fato de que
I − δK Y I − δK
∆K ≈ = , deriva que
K K Y
Y I − δK
∆Y ≈ ∆A + α + (1 − α )( ∆H + ∆L ). Resolvendo-se a expressão
K Y
anterior na taxa de investimento ( I Y ) , se obtém:
I [ ∆Y − ∆A − (1 − α )( ∆L + ∆H ) + αδ]
≈
Y Y
α
K
A partir dos resultados da tabela 1 e das estatísticas mais recentes das Contas
Nacionais (CN), os seguintes valores são aqui utilizados para os parâmetros e
variáveis na expressão acima
Y
α = 0,45, δ = 3,5%, ∆A = 0,7%, ∆H = 1,3%, ∆L = 2,2% e = 0,41
K
TABELA 2
Requisitos de investimento para diferentes taxas de crescimento do PIB potencial
(Em %)
4,0 16,1
4,5 18,8
5,0 21,6
5,5 24,3
6,0 27,0
6,5 29,7
7,0 32,4
TABELA 3
Investimentos em infra-estrutura
(Em % do PIB)
De fato o ordenamento jurídico impõe limites à prerrogativa da Administração Pública de rever e modificar
ou invalidar seus atos. Um desses limites, fundado no princípio da boa-fé e da segurança jurídica, reside
na mudança da orientação normativa interna ou jurisprudencial. Assim é que a alteração da orientação
da Administração, no âmbito interno ou em decorrência de jurisprudência, não autoriza a revisão e
invalidação dos atos que, de boa-fé, tenham sido praticados sob a égide de orientação então vigente, os
quais, por assim dizer, geram direitos adquiridos.4
4. Relatório do Desembargador Sérgio Pitombo, em 11.8.1997, conforme reproduzido em Nicolau Junior apud Coelho (2005).
da não-surpresa nas relações jurídicas. Atua o Judiciário, nesse caso, como guardião
maior do princípio da segurança jurídica.
A importância da segurança jurídica para a economia sempre foi, se não ex-
plícita, pelo menos implicitamente reconhecida pelos economistas.5 Não obstante,
o detalhamento, formalização e mensuração da influência da segurança jurídica
sobre o desempenho econômico só tiveram início em um passado mais recente, a
partir dos ferramentais desenvolvidos pela teoria econômica neo-institucionalista
e o movimento de Direito & Economia. Ainda que utilizando abordagens distintas,
ambos enfatizam o papel da segurança jurídica na promoção do investimento e
da eficiência econômica, seja reduzindo os custos de transação, seja estimulando
uma alocação eficiente de recursos.
Olson (1996) destaca entre as instituições que considera mais importantes
para determinar o desempenho econômico das nações “os sistemas legais que
garantem os contratos e protegem os direitos de propriedade”. Esse ponto é assim
colocado por North (1992):
De fato, a dificuldade de se criar um sistema judicial dotado de relativa imparcialidade, que garanta o
cumprimento de acordos, tem-se mostrado um impedimento crítico no caminho do desenvolvimento
econômico. No mundo ocidental, a evolução de tribunais, dos sistemas legais e de um sistema judicial
relativamente imparcial tem desempenhado um papel preponderante no desenvolvimento de um com-
plexo sistema de contratos capaz de se estender no tempo e no espaço, um requisito essencial para a
especialização econômica.
Em economias de mercado, a estrutura legal (idealmente pelo menos) estabelecerá direitos de propriedade
duradouros – os quais dificilmente serão alienados de forma arbitrária – e fornecerá os meios para que
esses direitos permeiem e se façam valer ao longo de toda a estrutura de propriedade; permitirá um
nível substancial de atividade; e garantirá liberdade suficiente para a associação no que diz respeito à
formação de empresas e, considerando e definindo o caráter limitado da responsabilidade das partes, irá
encorajar o crescimento do capital, estabelecendo as bases para a dissolução ordenada de associações,
firmas, joint ventures, e assim por diante.
um elemento adicional de risco e incerteza na avaliação de seus efeitos. Como bem observou Max Weber,
a predominância de formas de produção estruturadas através do mercado requer um sistema legal com
efeitos calculáveis racionalmente pelas partes; a sobre-determinação dos contratos por considerações
que não podem ser racionalmente calculadas pelas partes afeta negativamente a produção e o emprego
(ver ARIDA, 2005).
A partir dessas observações, pode-se constatar que são vários os canais por
intermédio dos quais a segurança jurídica estimula o crescimento econômico. Uma
forma de abordar essa questão de modo sistemático consiste em analisar como a
segurança jurídica afeta os fatores determinantes da expansão do PIB potencial: a
quantidade utilizada de cada fator de produção e a produtividade com que esses
são empregados, cujas variações podem resultar tanto do progresso tecnológico
como do aumento da eficiência com que a tecnologia disponível é utilizada.
Nas próximas seções será mantida essa abordagem ao se analisar como a falta
de segurança jurídica distorce o sistema de preços, ao elevar o risco e o custo dos
negócios; desencoraja investimentos e a utilização do capital disponível; estreita a
abrangência da atividade econômica, desestimulando a especialização e dificultando
a exploração de economias de escala; e diminui a qualidade da política econômica,
tornando-a mais instável e deixando de coibir a expropriação pelo Estado, desesti-
mulando, dessa forma, o investimento, a eficiência, e o progresso tecnológico.
De forma a realizar uma transação no mercado é necessário descobrir com quem se quer transacionar,
informar às pessoas que se quer negociar e em que termos, conduzir negociações que levem a um acordo,
redigir um contrato, monitorar o seu cumprimento de forma a garantir que os seus termos estão sendo
respeitados, e assim por diante.
[A] natureza de bem público do precedente fará com que terceiros se beneficiem do precedente sem terem
para isso gasto recursos em processos judiciais. Assim, nos próximos litígios, a existência de precedente
7. Obviamente, é desnecessário frisar a importância da norma e, em especial, do Judiciário para fazer cumprir as cláusulas relativas
às contingências explicitamente previstas no contrato. Entende-se, aqui, que, sendo contratualmente prevista, a repartição de perdas
e ganhos derivada da ocorrência de uma contingência é um “direito de propriedade”, sendo as conseqüências econômicas da sua
adequada proteção as discutidas anteriormente.
eficiente induzirá a que as partes não entrem em conflito judicial, já que o precedente, como diz Barzel,
tem a função de delinear direitos (de propriedade). As partes, sabendo do precedente, poderão resolver
seus conflitos fora da corte (settlement), adotando as definições manifestadas no precedente.
O Estado de Direito significa em parte que as pessoas usam o sistema legal para estruturarem suas
atividades econômicas e resolverem suas contendas. Isso significa, entre outras coisas, que os indivíduos
devem aprender o que dizem as regras legais, estruturar suas respectivas transações econômicas utili-
zando essas regras, procurar punir ou obter compensações daqueles que quebram as regras e voltar-se
a instâncias públicas, como os tribunais e a polícia, para a aplicação dessas mesmas regras (HAY; SHLEIFER;
VISHNY, 1996).
Os custos de ajuste (adjustment costs) são os que recaem sobre os agentes privados que se valem da
estabilidade da norma para fazer investimentos por ela amparados. A reversão de precedentes dá margem
a custos de ajuste significativos se as partes tiverem de se ajustar a um novo regime jurídico devido à
mudança do precedente (GORGA, 2005).
8. Por exemplo, o spread bancário no financiamento à aquisição de veículos, protegido pela alienação fiduciária, uma garantia bem aceita
pelo Judiciário, foi em média de 18,7% em 2004, contra um spread de 45,5% no financiamento para a compra de outros bens de consumo.
Observa-se um contraste semelhante entre os spreads de juros no crédito consignado e em outras modalidades de crédito pessoal.
Nações em que há graves riscos aos investimentos irão gerar quantidades menores de investimento
especializado e durável (...) diferentemente de regimes de proteção ao investimento com maior cre-
dibilidade; nações com judiciários problemáticos sofrerão desvantagens da mesma natureza. Essa
tendência aparecerá claramente no que diz respeito à tecnologia. Regimes que dão poucas garantias
ao investimento e à contratação raramente serão capazes de fornecer garantias seguras aos direitos de
9. Dificuldades com a credibilidade de certos compromissos ou de certos agentes constituem uma importante classe de custos de transação.
Se o Estado não for capaz de garantir ex ante o cumprimento de suas obrigações em uma relação, os custos de transação que esta envolve
podem aumentar até o ponto de torná-la inviável. Nesse caso, um Judiciário forte e independente que obrigue a administração pública
a agir conforme firmado é um importante instrumento para reduzir o custo e viabilizar transações envolvendo o Estado.
7 OBSERVAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos Brasil registrou uma substantiva melhora de seus indicadores
macroeconômicos, incluindo taxas mais baixas de inflação, queda nas taxas de juro,
alguma redução da razão dívida pública/PIB, superávits primários consistentemente
na ou acima da meta, e um grande aumento nos fluxos de comércio exterior. Os
indicadores de solvência externa também melhoraram, com um grande declínio na
dívida externa líquida, notadamente a do setor público. Junto com a redução da
dívida pública interna indexada ao dólar, o forte aumento da integração comercial
externa aumentou a resistência do país, e em particular do setor público, aos
choques externos, levando, por sua vez, a uma queda substancial nos spreads de risco
soberano. Tudo isso fez com que, em meados de 2007, se elevasse a classificação
de risco de crédito da dívida externa do Brasil para um degrau abaixo do grau de
investimento, que é entendido por muitos como o último requisito formal para a
consolidação da estabilização econômica no país.
Mais recentemente, esse processo de gradual melhoria dos indicadores eco-
nômicos também passou a incorporar a aceleração no crescimento do PIB, que
subiu de uma média de 1,9% em 1999-2003 para uma taxa projetada de 4,5%
em 2004-2008. Em que medida essa elevação traduz o retorno do PIB potencial
à trajetória de crescimento alto e sustentado da qual o país se desviou no início de
1980? Apenas em parte, sugerem os resultados aqui apresentados. Em outras pa-
lavras, parte dessa aceleração no crescimento do PIB é estrutural, mas não toda ela.
Mais especificamente, dois fatores fizeram com que nos últimos anos o cres-
cimento do PIB superasse o seu potencial de longo prazo. Um foi o ambiente externo
muito favorável – com uma significativa aceleração no crescimento econômico mundial,
11. Mansfield (1994) mostra, conceitual e empiricamente, que a segurança jurídica encoraja a absorção e a geração de novas tecnologias,
enquanto a sua ausência afasta investimentos diretos estrangeiros intensivos em tecnologia.
Além disso, estimula os agentes privados a investir mais e em ativos de mais longo
prazo, ilíquidos e especializados, que são os mais produtivos; e, por fim, fomenta
a especialização, o investimento em P&D e a difusão de tecnologia. Dessa forma,
por meio do incremento do investimento e da produtividade, a segurança jurídica
promove o crescimento econômico.
Mesmo após conquistar a estabilidade de preços, vencendo o dragão da hi-
perinflação, o Brasil ainda tem um grau relativamente baixo de segurança jurídica,
como refletido na instabilidade das “regras do jogo”. Pelo menos três fatores se
combinam para produzir esse quadro:
l A má qualidade da produção legislativa, resultando em leis que, muitas vezes,
são ambíguas e conflitantes com outras normas. Em certa medida, esse problema
é conseqüência da fragmentação político-partidária, que faz com que apenas leis
muito gerais sejam aprovadas no Congresso Nacional, jogando o conflito político
para ser posteriormente resolvido pelo Judiciário, no que se convencionou chamar
de “judicialização da política”.
l Decisões judiciais freqüentemente motivadas pelas visões políticas dos
magistrados, muitas vezes sem demonstrar grande preocupação em seguir a ju-
risprudência estabelecida nos Tribunais Superiores, dando margem à chamada
“politização do Judiciário”.
l Freqüentes mudanças nas “regras do jogo”, com a administração pública
agindo para modificar ou invalidar seus atos pretéritos. Incluem-se nessa categoria
desde a quebra de contratos até as constantes alterações nas regras tributárias. São
exemplos os vários confiscos promovidos no âmbito dos planos de estabilização,
do confisco explícito no Plano Collor aos embutidos no expurgo dos índices de
correção monetária dos contratos.
Essa é uma situação ao mesmo tempo injusta e ineficiente. Injusta, pois a
constante mudança de regras provoca a perda de investimentos em ativos específicos
realizados por aqueles que, de boa-fé, confiaram na estabilidade e continuidade
da norma. Ineficiente, pois, ao se adaptarem a essa situação, os agentes econômicos
incorrem em custos de transação e riscos elevados, evitam investir em ativos
específicos, e são forçados a um menor grau de especialização do que seria reco-
mendável pela lógica estritamente econômica. A instabilidade, imprevisibilidade
e falta de credibilidade das “regras do jogo” e das políticas públicas também levam
os agentes econômicos a pouparem e investirem menos, por receio de abrir mão
do consumo presente em função de um retorno futuro muito incerto. Além disso,
os agentes tendem a transferir seus investimentos e sua poupança financeira para
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1 INTRODUÇÃO
Este capítulo propõe a discussão de uma estratégia de desenvolvimento baseada na
construção combinada de um sistema de inovação (para impulsionar o progresso
tecnológico) e um sistema de bem-estar social (para mitigar a concentração de
renda e garantir a inclusão social), em um contexto democrático e participativo.
Essa estratégia deriva-se, entre outros elementos, da compreensão do caráter mul-
tidimensional do processo de desenvolvimento.
Essa estratégia é necessária para superar a barreira do subdesenvolvimento. A
obra de Celso Furtado pode ser lida como um diagnóstico da natureza estrutural
do subdesenvolvimento e como uma rica fonte de argumentos e propostas para a
superação da “armadilha do subdesenvolvimento”.
O ponto de partida da discussão deste capítulo é um diagnóstico sintético
e preocupante: desde meados da década de 1970 o Brasil encontra-se estagnado
em sua posição no cenário internacional. Essa estagnação pode ser constatada na
tabela 1, que apresenta a relação entre o Produto Interno Bruto (PIB) per capita
do Brasil e o PIB per capita dos Estados Unidos (o país líder no presente contexto
econômico e tecnológico).1 Os dados da tabela 1 indicam que desde 1973 essa
razão oscila em torno de 20%.
* Agradeço o apoio dos bolsistas de iniciação científica Caroline Gomes da Silva, Juliana Vieira, Luiza Melo Franco, Bernardo Aragão e
Guilherme Meilman durante a preparação deste capítulo. Os erros são de minha inteira responsabilidade.
** Professor associado do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG).
1. Esse indicador está entre os dados das Penn World Table: trata-se de uma variável definida com Y (porcentagem do PIB per capita de
uma nação em relação ao dos Estados Unidos).
TABELA 1
Relação entre o PIB per capita do Brasil e da Coréia do Sul com o PIB per capita
dos Estados Unidos – 1913-2005
(Em %)
PIB per capita como porcentagem do PIB per capita dos Estados Unidos
Ano
Brasil Coréia do Sul
1913 15,2 16,8
1950 17,5 8,1
1973 23,3 17,0
1990 21,2 37,5
1998 19,9 44,5
2005 20,1 52,6
Fonte: Elaboração própria a partir de dados de Maddison (2001), e para 2005 dados da United Nations Development Programme
(UNDP, 2007).
Entre 1913 e 1973 o PIB per capita brasileiro aproximou-se do valor daquele
dos Estados Unidos (cresceu de 15,2% para 23,3% do PIB per capita dos Estados
Unidos). Porém, desde então essa distância não foi mais reduzida. Daí o diagnóstico
de estagnação relativa.
Também na tabela 1 estão apresentados os dados relativos à Coréia do Sul. Entre
1950 e 2005 o PIB per capita coreano passou de apenas 8,1% do PIB per capita dos
Estados Unidos para 52,6%. O contraste com o caso brasileiro é evidente. Essa
aproximação (ou diminuição do hiato) da Coréia do Sul com o país tecnologica-
mente líder em termos de PIB per capita sintetiza quantitativamente um processo
de catching up bem-sucedido. Como será apresentado na próxima seção, esse contraste
entre o Brasil e a Coréia do Sul é também encontrado quando dados relevantes para uma
avaliação quantitativa de sistemas de inovação são comparados. Ribeiro et al. (2006)
identificaram o “efeito rainha vermelha” para o caso brasileiro (e de outros sistemas
imaturos de inovação). O crescimento da produção científica e tecnológica (fortemente
correlacionada com a riqueza das nações) desde a década de 1980 tem sido suficiente
apenas para manter o Brasil na mesma distância do limiar do grupo dos países mais
avançados. Ou seja, tanto na produção científica e tecnológica como na renda per capita
o esforço realizado no país tem sido suficiente apenas para manter-se na mesma posição.
O Brasil corre para ficar no mesmo lugar: eis o “efeito rainha vermelha”.
Este diagnóstico de estagnação relativa no cenário internacional indica o fra-
casso das políticas econômicas das últimas décadas, que poderiam ser classificadas
como políticas de “inserção passiva” na ordem econômica internacional. Definir
um processo de catching up como um objetivo do país significa, entre outras coisas,
buscar políticas de “inserção ativa” na ordem internacional.
2. Para maiores detalhes e referências bibliográficas mais importantes, ver Ribeiro et al. (2006).
3. Herskovic (2007) dialoga com essa elaboração e acrescenta a dimensão financeira em sua análise, que utiliza as mesmas técnicas
de Ribeiro et al. (2006). O resultado encontrado mantém a divisão dos países em três grupos e há uma forte correlação entre os três
grupos nos dois casos. Uma implicação inicial dos resultados de Herskovic (2007) é a necessidade de contemplar a co-evolução entre
o sistema de inovação e o sistema financeiro como um pressuposto do processo de catching up.
4. A identificação de unstructured islands of business innovative performance é uma das características da fase 2 de construção dos
sistemas de inovação, de acordo com o relatório da UNIDO (2005, p. 71).
adota padrões de consumo similares aos dos países onde as revoluções tecnológicas
acontecem. Essa minoria de alta renda importa bens dos países desenvolvidos para
consolidar seus padrões de consumo. No estágio seguinte de desenvolvimento, o
processo de substituição de importações internaliza a produção desses bens (proteção
para a produção interna de bens de consumo). Porém, essa proteção para a produção
interna de bens de consumo coexiste com subsídios para a importação de bens de
capital, subsídios que, ao menos temporariamente, bloqueiam o desenvolvimento
de uma indústria local produtora de bens de capital (embora temporário, esse blo-
queio tem efeitos persistentes sobre o desenvolvimento tecnológico endógeno). Essa
combinação entre proteção para a indústria de bens de consumo e subsídios para a
importação de bens de capital determina uma trajetória específica de crescimento
econômico. Nessa trajetória os ganhos de produtividade combinam-se com o cres-
cimento do desemprego (um excedente estrutural de mão-de-obra crescente).
Posteriormente pode surgir uma produção retardatária de parte dos bens
de capital para essas indústrias de bens de consumo, levando a economia a
alcançar a “fase superior do subdesenvolvimento” – para Furtado (1986, p. 145),
“a fase superior do subdesenvolvimento é alcançada quando se diversifica o
núcleo industrial, capacitando-se este para produzir parte dos equipamentos
requeridos para que se efetue o desenvolvimento”. Mas, como as revoluções
tecnológicas são parte da dinâmica capitalista nos países centrais – aqui, há
uma importante conexão com a elaboração das ondas longas do desenvolvi-
mento capitalista, como Freeman e Louçã (2001) resumiriam –, o progresso
tecnológico no centro continua introduzindo novos produtos, novos bens de
consumo. Por isso, esse processo se repete continuamente, com a abertura de
importações de novos bens de consumo, seguido de uma nova fase de subs-
tituição de importações e importações de bens de capital relacionados a essa
nova substituição de importações. Mudanças no mercado de trabalho interno
são conseqüências desses novos processos, preservando e transformando o
excedente estrutural de mão-de-obra.
O resultado final é o processo de modernização e marginalização; um
processo permanentemente renovado pela dinâmica iniciada por revoluções
tecnológicas no centro. De um lado há o processo de modernização (inicial-
mente chapéus e roupas de luxo, depois carros importados, em seguida telefones
importados, computadores pessoais importados, e assim por diante). De outro
lado tem-se a marginalização se renovando (os sem-casa, a exclusão digital etc.).
Modernização à medida que as indústrias locais são impulsionadas pela adoção
e pela constante atualização dos padrões de consumo difundidos pelos países
desenvolvidos; esse esforço contínuo, à medida que as revoluções tecnológicas
5. A desigualdade existente no caso brasileiro pode ser sintetizada em um mapa do desenvolvimento humano no Brasil, apresentado
em Araújo (2005, p. 34). Esse mapa, entretanto, não consegue captar toda a heterogeneidade existente no país em termos de desen-
volvimento humano, pois as regiões metropolitanas (RMs) do país apresentam forte desigualdade, com a polaridade modernização-
marginalização de forma mais crua e direta. Estudos demonstram o grande diferencial em termos de desenvolvimento humano existente
nas principais RMs do país. Mas, o grau de heterogeneidade existente no caso brasileiro é demonstrado pelos dados que contribuíram
para a sua construção (ver www.ipeadata.gov.br). No extremo inferior, há 23 municípios com índice de desenvolvimento humano (IDH)
correspondentes a países de baixo desenvolvimento humano (IDH < 0,50); há 232 municípios com IDH igual ou menor ao de Gana
(IDH ≥ 0,553). No extremo superior, há 566 municípios com IDH correspondentes a países com alto desenvolvimento humano (IDH >
0,800), dos quais 22 com IDH igual ou maior ao do Uruguai (IDH > 0,852).
3 LIÇÕES DA HISTÓRIA
A primeira lição é apresentada por Braudel (1986, p. 517): “(...) a industrialização,
tal como a Revolução Industrial, implica tudo, sociedade, economia, estruturas
políticas, opinião pública e tudo o mais”. Em sua discussão sobre a revolução
industrial inglesa Braudel apresenta essas relações de forma exaustiva: o papel da
agricultura, a técnica “como condição necessária mas talvez não suficiente” (p. 526),
a demografia, a revolução agrícola (“um ciclo impulsiona outro”, p. 536), a revo-
lução financeira “que ocorreu misturada com a industrialização do país, que, se
não a provocou, pelo menos a acompanhou e até a tornou possível” (p. 559).
O painel histórico de Braudel ilustra o caráter multidimensional do pro-
cesso de desenvolvimento. Um importante lembrete para se evitar proposições
e avaliações monocausais.7
Embora, para Braudel, a revolução industrial inglesa não tinha modelos para
seguir, ela legou às “revoluções industriais de hoje (...)” uma imagem “(...) em que
modelos conhecidos iluminam o caminho que se pretendia seguir” (p. 546).
A segunda lição é sugerida por Gerschenkron (1962) que indica as diferenças
entre as industrializações retardatárias e o caso inglês. Gerschenkron investiga
como o atraso econômico pode influenciar a natureza da industrialização e aponta
especificidades dos processos de industrialização retardatária. As diferenças entre
o processo inglês e os posteriores podem ser sintetizadas em cinco tópicos:
a) velocidade do desenvolvimento; b) estruturas organizacionais e produtivas
da indústria; c) estruturas institucionais (que determinam tanto a velocidade do
desenvolvimento quanto as estruturas da indústria); d) clima intelectual; e e) uma
6. A limitação do processo de atualização tecnológica do parque industrial brasileiro foi recentemente diagnosticado pelo IBGE, que
encontrou uma diminuição da participação de setores de alta tecnologia na indústria de transformação brasileira (ver VALOR ECONÔMICO,
2007, p. A5; Folha de S. Paulo, 2007, p. B1, B3 e B).
7. Para uma crítica das abordagens monocausais sobre crescimento econômico, ver Adelman (2001).
relação mais geral entre o grau de atraso, as potencialidades industriais dos países
e as estruturas institucionais necessárias.
A análise de Gerschenkron pode ser interpretada como a identificação da impor-
tância decisiva de inovações institucionais para dar conta das exigências impostas pelo
caráter retardatário da industrialização. No seu texto clássico Gerschenkron destaca
o papel dos grandes bancos no processo alemão e o papel do Estado no processo
russo do final do século XIX. Aliás, Gerschenkron chega a apresentar um gradiente
de graus de atraso relativo, que está relacionado ao tipo de estrutura institucional
exigida. A comparação do caso alemão e do caso russo traz a sugestão de que quanto
maior seja o atraso, maior a necessidade de participação do Estado.
A experiência de catching up dos séculos XIX e XX, quando se toma a elabo-
ração de Gerschenkron como referencial, apresenta uma notável diversidade de
trajetórias e de arranjos existentes. As razões para essa diversidade são múltiplas:
diferenças em termos dos paradigmas tecnológicos dominantes, diferentes países
hegemônicos, contextos internacionais distintos, pontos de partida nacionais variados
e conseqüentes diferenças em termos de graus de atraso relativo. As inovações
institucionais, portanto, devem responder a desafios diversos e específicos a cada
processo de desenvolvimento. Por isso, processos de catching up não podem ser
reduzidos à mera cópia de algum modelo anterior bem-sucedido.
Quais as inovações institucionais mais importantes nesses processos de catching
up bem-sucedidos?
Para o caso da Alemanha, a elaboração de Gerschenkron (1962), Landes
(1969) e Chandler (1990) indicam três importantes inovações institucionais. Em
primeiro lugar, os grandes bancos e seu papel na canalização de recursos para as em-
presas industriais, além de seu envolvimento na gestão profissional dessas empresas.
Em segundo lugar, o enorme investimento em educação, especialmente a secundária
e superior. Em terceiro lugar, o papel das instituições de ensino e pesquisa, que
contribuíram para atender as demandas apresentadas pelo setor industrial.
Para o caso do Japão, na elaboração de Okhawa e Kohama (1989), em um
livro que avalia a experiência do país do período Meiji até o final do processo de
catching up (em 1974), a principal lição advém do processo em seu conjunto,
em sua sucessão de fases e mudanças nas políticas. Como lições positivas, cinco
aspectos se destacam. Em primeiro lugar, a importância das políticas industriais
ativas, cujo segredo está na correta interação entre o setor público e o privado. Essa
interação pressupõe visões de longo prazo, capacidade de definir metas e objetivos
e de acompanhar a sua implementação. Plasticidade para aprender com erros ao
longo do processo é essencial. Em segundo lugar, a flexibilidade para articular e
Essa avaliação das inovações institucionais mais importantes deve ser com-
pletada por uma reinterpretação desde o ponto de vista da elaboração dos sistemas
de inovação. Mesmo contextualizando o papel da técnica, como nos ensina Braudel,
ela é uma condição necessária. Por isso, é indispensável avaliar os estudos da
economia da tecnologia.
A partir de uma concepção ativa do processo de difusão, todos os países que
realizaram processos bem-sucedidos de catching up (Alemanha, Estados Unidos, Japão,
entre outros) iniciaram seus processos através da cópia, imitação e transferência de
tecnologia dos centros mais avançados (LANDES, 1969; NELSON; WRIGHT,
1992; OKHAWA; KOHAMA, 1989). Esse processo de cópia e imitação não ocorreu
de forma independente do desenvolvimento de aprendizado interno: como Cimoli
e Dosi (1995, p. 258-259) resumem, a combinação entre aquisição e aprendizado e
a seqüência que vai da cópia à criatividade são faces de uma mesma moeda. Por isso
é possível definir capacidade de absorção como a variável-chave tecnológica desde
o ponto de vista do país “imitador”, para que novas tecnologias se difundam e o
processo de catching up seja bem-sucedido (MOWERY; OXLEY, 1995, p. 81).
O que se propõe aqui é uma articulação entre a construção de sistemas de
inovação e processos de catching up. O livro editado por Nelson (1993) contém
excelentes discussões sobre a construção das instituições dos sistemas de inovação
na Alemanha (KECK, 1993), no Japão (ODAGIRI; GOTO, 1993), na Coréia
do Sul (KIM, 1993) e Taiwan (HOU; GU, 1993).
No caso da Coréia do Sul, um comentário adicional relativo a mudanças qua-
litativas é importante. Durante o processo de catching up, os papéis desempenhados
por universidades, institutos de pesquisa e empresas foram mudando ao longo do
tempo. O professor Keun Lee (Seoul National University) apresentou alguns fatos
estilizados relativos ao que poderia ser rotulado de “flexibilidade institucional” ao
longo do processo de catching up. O esquema é apresentado supondo-se a existência de
três tipos de atores institucionais: universidades, institutos de pesquisa e empresas.
Empresas desenvolveriam capacidade de absorção a partir de suas atividades internas
de P&D – donde a capacidade de absorção das empresas coreanas começou de um
ponto muito baixo (inexistente) e foi evoluindo ao longo do tempo até alcançar
o ponto atual, no qual as empresas assumem parte substancial dos investimentos
em P&D do país. Universidades e institutos desenvolvem capacidade de pesquisa
e se tornam aptos a alimentar empresas com informações técnico-científicas de
forma variada, dependendo da fase de desenvolvimento de suas interações. Com
esses atores, Eun, Lee e Wu (2006) apresentam um esquema geral, no qual uma
tipologia de padrões de interação entre universidades e empresas é construída a
necessária originalidade dos processos atuais. Essa discussão serve para indicar os
limites das lições dos processos anteriores, avaliadas na seção 3.
Arrighi: uma conjuntura mundial plena de desafios que podem ser transformados
em oportunidades.
8. Sobre o sistema de bem-estar social brasileiro, trata-se de avaliar o legado da construção do Sistema Único de Saúde e o estágio
presente da Previdência Social brasileira: há estudos, como os de Oliveira e Teixeira (1989); Viana (1998); Andrade (1999); Lima e Viacava
(2003); Pochman et al. (2005); Wajnman e Machado (2003), além de inúmeras pesquisas apresentadas em publicações como Ciência
e Saúde Coletiva, para citar apenas alguns exemplos.
9. A proposta de articulação entre sistemas de inovação e sistemas de bem-estar social encontra-se desenvolvida de forma mais completa
em trabalho anterior (ALBUQUERQUE, 2007).
10. De acordo com o Banco Central, em 2003 os residentes no Brasil declararam oficialmente depósitos de US$ 72 bilhões em contas
no estrangeiro (Folha de S. Paulo, 22/02/2004, p. B4).
econômica pode ser uma tarefa mais difícil do que a obtenção dos conhecimentos
científicos e de engenharia necessários para a operação de novas tecnologias”. Uma
razão “é o poder político de firmas e indústrias estabelecidas e as dificuldades que
podem existir em sua transformação. Para firmas estabelecidas, com posições con-
fortáveis e bem relacionadas, o processo de destruição criadora não é um processo
bem-vindo. Política e socialmente, a destruição criadora não é um processo fácil
de lidar” (p. 12). O desenvolvimento depende da quebra desse lock in.
Novamente, aqui está a questão: como quebrar essa forte lógica institucional
(negativa)? Como fugir desse ciclo vicioso de crescimento limitado, limitada atuali-
zação tecnológica e subdesenvolvimento estrutural contínuo?
A resposta pode estar na relação antagônica entre o processo de amadurecimento
do sistema de inovação brasileiro e a persistência da polarização modernização-
marginalização. A questão passa a ser a seguinte: qual padrão de desenvolvimento
tecnológico é necessário para escapar da polarização modernização-marginalização.
A formulação de Celso Furtado sobre a articulação entre inadequação da tec-
nologia e a polaridade modernização-marginalização contribui para esclarecer dois
pontos importantes sobre a construção de sistemas de inovação: a) a construção de
sistemas de inovação na periferia envolve mais do que o mero crescimento quantitativo
de instituições existentes; e b) o subdesenvolvimento é um fenômeno mais complexo
e abrangente do que as “armadilhas de crescimento baixo” identificadas por vários
autores da elaboração evolucionista. Por isso, a identificação da articulação entre os
problemas derivados do padrão de distribuição de renda existente no Brasil com a
questão tecnológica é uma grande contribuição de Celso Furtado.
De outra forma, a construção combinada de sistemas de inovação e sistemas
de bem-estar social pode ser introduzida por Furtado a partir da questão da “seleção
de técnicas em função de objetivos sociais explícitos” (1986, p. 187).
A polarização modernização-marginalização, criada pela cadeia causal descrita
na subseção 2.2, é necessariamente inscrita nas instituições existentes no sistema
nacional de inovação brasileiro. Logo, o caminho para o amadurecimento do sis-
tema de inovação brasileiro não é apenas a expansão quantitativa das instituições
existentes. Certamente, existem problemas relacionados à falta de uma massa crítica
em ciência e tecnologia. As instituições do sistema de inovação já existentes – que
têm sido funcionais para a economia brasileira até agora – não são necessariamente
a base institucional para um processo de catching up bem-sucedido. Novamente,
os fatores sociais profundamente enraizados refletidos na inadequação tecnológica
bloqueiam o espalhamento e a difusão de práticas bem-sucedidas para outros setores
e para outras regiões. Destaca-se a necessidade de dobrar (ou triplicar) os recursos
Em terceiro lugar, o sistema de bem-estar social deve ser articulado com políticas
ativas de criação de empregos (pois a situação de pleno emprego é importante para
a própria viabilização intertemporal do sistema de bem-estar social), ponto ressal-
tado por Rosanvallon (1995), que avalia o “Estado providência passivo” sugerindo
uma mudança de ênfase para um “Estado providência ativo”, em que a lógica da
indenização seria substituída pela lógica da inserção (ver p. 126-129).12 Em quarto
lugar – flexibilidade para cima (deslocamento de trabalhadores e desempregados
para tarefas mais sofisticadas: isso depende de processos educacionais contínuos,
programas de treinamento e retreinamento atuantes) –, a construção combinada
dos sistemas de inovação e de bem-estar pode ser um mecanismo para lidar como
o processo de destruição criadora: Esping-Andersen (1999, p. 123) comenta como
o modelo sueco de Rehn-Meidner “buscou deliberadamente acelerar o declínio de
empregos em indústrias não-competitivas de forma a realocar o trabalho nos setores
mais dinâmicos”. Finalmente, há os pontos de ligação entre o sistema de bem-estar
social com a construção dos sistemas de inovação. Essas ligações são bidirecionais.
Por um lado, há a direção do sistema de bem-estar para o sistema de ino-
vação: a) melhores condições de nutrição e saúde resultam em melhorias na
capacidade de aprendizado e na produtividade do trabalho – canais que estão
exaustivamente discutidos em trabalhos como WHO (2001) e UNDP (2001);
b) melhores condições educacionais, pré-requisito para os processos de learning-
by-doing e para a construção da capacitação social; c) melhorias nas condições de
trabalho, oferecendo mais segurança no trabalho, menos acidentes com reper-
cussões sobre capacidade produtiva e inovativa nos ambientes de produção; d)
redução do desemprego, expansão da demanda interna, com a clássica implicação
sobre as possibilidades de divisão de trabalho mais sofisticadas; e) instituições de
bem-estar razoavelmente construídas podem mitigar alguns custos do processo de
desenvolvimento, reduzindo os custos sociais do processo de destruição criadora,
ao viabilizar retreinamento e requalificação de trabalhadores ocupando posições
destruídas pelo processo de avanço tecnológico de forma a garantir novas posições
no mercado de trabalho; f) podem ainda contribuir para que o dinamismo tecno-
lógico seja fortalecido, auxiliando a mobilidade dos trabalhadores no sentido das
tarefas apontadas pelo processo de reposicionamento do trabalho (peso crescente
do trabalho intelectual em detrimento do trabalho manual); e g) melhoras na
distribuição de renda e sucessos na redução da pobreza contribuem diretamente
para o crescimento econômico.
12. A elaboração de Rosanvallon sobre o sistema de bem-estar francês atual (“Estado providência passivo”) pode ser compatibilizada com a
avaliação de Esping-Andersen, que inclui o caso francês entre os sistemas de bem-estar “conservadores” (Esping-Andersen, 1990).
13. Na construção dos sistemas de bem-estar nórdicos a questão da habitação ocupou um papel relevante (ver ESPING-ANDERSEN,
1985, cap. 6). Esping-Andersen descreve trajetórias divergentes entre a Dinamarca, a Suécia e a Noruega nessa questão. Barr (1998)
apresenta a questão da habitação como uma área incluída na temática dos sistemas de bem-estar.
14. Outras lições do caso sueco podem ser avaliadas aqui. Esping-Andersen (1996, p. 18) indica que a “via escandinava” foi bem-
sucedida no gerenciamento dos “excedentes de trabalhadores ´desindustrializados`, em sua maior parte desqualificados, através de
retreinamento e criação de empregos”.
6 CONCLUSÃO
A estratégia de construção combinada de um sistema de inovação e de um
sistema de bem-estar social no Brasil orienta um conjunto de mudanças quan-
titativas e qualitativas.
Este capítulo enfatiza a importância de uma expansão significativa de nossa
base técnico-científica. Esse crescimento expressivo é um enorme desafio, mas é
também fonte de oportunidades únicas para o país: esse crescimento quantitativo
pode ser realizado de forma a aprimorar qualitativamente a base técnico-científica
do país. Aliás, o aspecto qualitativo é essencial para viabilizar o necessário cresci-
mento quantitativo.
15. Essa meta (triplicar a infra-estrutura científica) é coerente com um dado sobre a educação universitária no país: a proporção da população
adulta (25 a 64 anos) com nível superior (em 2004) era de 8% no Brasil, enquanto a média da Organização para a Cooperação e o Desen-
volvimento Econômico (OCDE) alcançava 25%. Na Coréia do Sul essa proporção chega a 30% (Folha de S. Paulo, 12/11/2006, p. B4).
16. Esses elementos, em especial o maior envolvimento do setor privado com atividades de P&D, são características decisivas da transição
da fase 2 para a fase 3 da construção dos sistemas de inovação segundo o relatório da UNIDO (2005, p. 71).
17. A combinação entre essas mudanças qualitativas e quantitativas está mais desenvolvida em Albuquerque (2006).
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Miguel Bruno*
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho propõe uma análise das principais tendências do crescimento eco-
nômico brasileiro considerando-se seus determinantes de longo prazo, no período
1950-2006. A dinâmica desta economia, entre 1950-1980, foi particularmente
notável, com elevadas taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) e
de acumulação de capital. Em conseqüência, a renda per capita e o nível geral de
emprego mantiveram-se sob trajetórias de forte expansão, e o país pôde conso-
lidar sua base industrial, deixando para trás sua condição de economia primário-
exportadora.
No período pós-liberalização, novas oportunidades surgiram para o país
reencontrar uma nova trajetória de desenvolvimento. Mas apesar da estabilidade
de preços e das condições favoráveis do cenário internacional, a performance
macroeconômica brasileira tem permanecido muito abaixo da média histórica
(7% a.a.) e do que se espera para uma economia ainda em desenvolvimento.
* Assessor de Projetos Especiais – Crescimento e Desenvolvimento da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea, professor adjunto
do Departamento de Evolução Econômica da FCE/Uerj e professor licenciado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – Ence/IBGE.
1. A acumulação de capital fixo produtivo ainda aparece como o principal determinante do crescimento em análises comparativas (por
exemplo, em Boyer, 2000a; Stockhammer, 2004, 2007; Maddison, 2005).
2 MARCO TEÓRICO-METODOLÓGICO
As teorias do crescimento econômico são, em geral, unânimes em atribuir um
papel fundamental para a acumulação de capital enquanto variável explicativa das
tendências de expansão do produto e da renda. Mas divergem quando se trata de
reconhecer que a forma como o produto é distribuído entre os diferentes setores
ou classes sociais de produção condiciona decisivamente o ritmo de acumulação e de
crescimento econômico. Foram os economistas clássicos os primeiros a perceber que
o conflito distributivo e a acumulação de capital estavam no centro da problemática
acerca das origens e das causas da riqueza das nações. Embora seduzido no plano
teórico pelos automatismos da lei dos mercados de Say, Ricardo fora capaz de
compreender que o processo de crescimento econômico poderia ser obstado se a
distribuição do produto terminasse por reduzir a taxa geral de lucro da indústria
e, em conseqüência, a taxa de acumulação.
Em termos analíticos, o processo de acumulação desdobra-se em três mo-
mentos cujas regularidades macroeconômicas subjacentes se caracterizam por graus
significativos de autonomia relativa: a produção, a distribuição e o consumo. O
problema da demanda efetiva, detectado por Malthus e posteriormente teorizado
por Keynes em suas implicações macroeconômicas fundamentais, decorre preci-
samente das tendências à dissociação, no tempo e no espaço, dessas três esferas
do sistema econômico. Nesta perspectiva analítica, os regimes de crescimento
ou de acumulação surgem como o resultado de um conjunto de regularidades
macroeconômicas que asseguram uma progressão geral e relativamente coerente
da acumulação de capital (BOYER; SAILLARD, 2002). Conseqüentemente, esta
noção tem por objetivo descrever as evoluções conjuntas, e por um longo período,
das condições de produção (produtividade do trabalho, grau de automação,
importância relativa dos diferentes setores da economia) com as condições que
respondem pelo uso social do produto (consumo das unidades familiares, gastos
do governo, comércio exterior).
Neste contexto, destacam-se os modelos que buscam uma síntese das con-
tribuições de Keynes, Kalecki e Kaldor e que são normalmente conhecidos como
pertencentes à abordagem neo-estruturalista. Um rótulo que na realidade pode
abrigar diversos tipos de análise e concepções teóricas que se afastam deliberada-
mente da visão neoclássica e de suas variantes contemporâneas. Tais modelos buscam
articular a dinâmica da demanda efetiva com a lógica do conflito distributivo
inerente à relação capital-trabalho ou à distribuição primária da renda em contas
nacionais. A análise dos determinantes das taxas de lucro e de acumulação de capital
é considerada nesta perspectiva e corresponde à primeira etapa de uma abordagem
neo-estruturalista do crescimento econômico brasileiro. Operacionalmente, busca-se
destacar os principais fatos estilizados relacionados à acumulação de capital e ao
crescimento econômico no longo prazo. Proposta por Kaldor (1961), esta noção
refere-se a uma constatação de ordem empírica, necessária ao confronto da teoria
utilizada com os dados das economias reais. Nas palavras desse autor, “o teórico
da economia deveria começar por um resumo dos fatos estilizados que se supõe
sejam explicados pela teoria”. Para Kaldor, a análise deveria tentar detectar os tipos
de regularidades subjacentes aos fenômenos observados empiricamente e então
2. Segundo Kaldor (1978, p. 17-18), “esta abordagem é, por um lado, de um alcance mais modesto (pois não visa explicações que derivam
de um modelo global do sistema, mas é igualmente mais ambiciosa, já que busca diretamente descobrir soluções (ou remédios) para
problemas reais”. Para mais detalhes, ver Kaldor (1987), que traz uma coletânea dos seus principais artigos concernentes à problemática
do crescimento e da estabilidade macroeconômica.
3. Conforme Gaffard (1997, p. 186), isto decorreria de um tipo de lei de rendimentos decrescentes cuja justificação permaneceria
estritamente formal, isto é, a demonstração da existência de um equilíbrio, neste caso, no ponto P.
Π PY
Seja: r = . (1)
K PK
Π Y Y pot PY
r = . . . (2)
Y Y pot K PK
r = π . u .β . p (3)
PR L
Períodos Taxa de lucro macroeconômico (r) r π u β p
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ipeadata e Marquetti
(2003).
Nota: Variáveis em taxas médias percentuais por período. r é a taxa média de lucro; p é a profit-share; u é a taxa de utilização
da capacidade produtiva instalada; b é a razão produto potencial/estoque de capital fixo produtivo e p é a razão entre os
preços do produto e os preços dos bens de capital.
Os dados mostram que as taxas médias de lucro foram muito altas no primeiro
e segundo períodos, respectivamente, 42,29% e 31,32%. Juntos eles incluem o
w J T
r = PRK 1 − − − onde PRK é a produtividade do capital. (5)
PRL Y Y
7. Esta formulação é válida no plano micro e setorial, mas isto não significa que se devam interpretar todas as regularidades macro-
econômicas como simples agregação de comportamentos individuais ou a mera extensão das regularidades micro, como o fazem as
análises macroeconômicas derivadas da teoria econômica neoclássica.
TABELA 2
Taxa real de lucro, produtividade e salário médio real – 1950-2006
(Em %)
Períodos Taxa real de lucro macroeconômico (r) r PRk w PRL Wage-share ws
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ipeadata e Marquetti
(2003).
Nota: Variáveis a preços constantes de 2006.
8. Belluzzo e Almeida (2002) fazem uma análise bastante instrutiva das intervenções do Estado brasileiro com o objetivo de restaurar a
lucratividade do capital no início dos anos 1990. Os autores iniciam a abordagem nos anos 1980, época em que a crise fiscal do Estado
tornou-se explícita, e tanto a taxa média de lucro como a taxa de acumulação de capital apresentavam-se em queda tendencial.
a queda tendencial da taxa de lucro foi superada, neste regime, através do aumento da
concentração funcional da renda.9
Estas evidências sugerem que o atual regime de acumulação e o tipo de inserção
internacional que o Brasil escolheu para participar do processo de globalização,
tem sido desfavorável aos salários e ao emprego, mas muito favorável aos lucros.
Se ao menos estas regularidades macroeconômicas estivessem impulsionando a
taxa de acumulação de capital e, conseqüentemente, o crescimento econômico,
seus efeitos adversos no plano social poderiam ser parcialmente compensados a
médio ou longo prazos.10 A economia brasileira seria então capaz de reduzir mais
rapidamente suas taxas de desemprego e recompor as perdas salariais impostas
pelos ajustes estruturais e macroeconômicos inerentes à opção por uma inserção
do tipo neoliberal no processo de internacionalização dos capitais.
9. Os resultados encontrados por Pochmann et al. (2004) são relevantes para essa análise, pois atestam também a excessiva concentração
do estoque de riqueza na economia brasileira e não apenas a conhecida concentração em termos de fluxo (renda).
10. A exemplo dos casos da economia chinesa, indiana e coreana. Para maiores detalhes concernentes às características dos atuais
regimes de crescimento pós-fordistas, que marcam o período atual de globalização, ver Petit (2003).
g = γ . PRK . π (6)
ou por:
g = γ. r (6’)
Em taxas de crescimento tem-se que g = γ + P R K + π .
A equação (6) mostra que a propensão média a investir do lucro macroe-
conômico, juntamente com a produtividade do capital e a distribuição do valor
adicionado em favor dos lucros determinam o ritmo de acumulação de capital fixo
produtivo. Mais uma vez a questão distributiva surge como central nos vínculos
entre lucro e acumulação.12 Em situações normais para uma economia capitalista
industrializada, as taxas de lucro e de acumulação devem compartilhar uma ten-
dência de evolução comum, já que a elevada rentabilidade do capital produtivo,
ou o aumento da profit-share, leva a um aumento da taxa de acumulação de capital
fixo. Econometricamente, diz-se que essas variáveis são co-integradas, expressando a
existência de uma relação de equilíbrio de longo prazo entre taxa de lucro e taxa de
acumulação. Todavia, pela equação na forma (6’) pode-se apreender que a influência
da taxa média de lucro sobre a taxa de acumulação de capital fixo é mediada pela
propensão a investir dos lucros. Isto significa que é possível a existência de regimes
de crescimento que, embora apresentem taxas elevadas de lucro macroeconômico,
as taxas de acumulação de capital podem ser proporcionalmente muito baixas.
As próximas etapas desta análise procuram mostrar que este é exatamente o caso
do atual regime de crescimento vigente na economia brasileira pós-Plano Real e
pós-liberalização.
12. Como observa Lipietz (1987, p. 99), “as formas de repartição do valor adicionado estabelecem uma nova contradição: muito
salário e não muita acumulação; ou muitos lucros e não muita demanda. Este é o problema fundamental da regulação da relação
capital-trabalho”.
Períodos Taxa bruta de acumulação de capital fixo (g) g γ PRk π r
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ipeadata e Marquetti
(2003).
Nota: A taxa de acumulação de capital fixo total inclui as construções residenciais.
13. Os lucros brutos empresariais são obtidos deduzindo-se os juros do lucro total.
14. Que responde pelas taxas mais elevadas de FBCF a partir de 2004.
15. Uma análise econométrica proposta em Bruno (2006) revela que essas variáveis permaneceram co-integradas no período 1950-1993.
Além disso, os testes de causalidade de Granger mostraram que variações na taxa de lucro precederam as variações nas taxas de
acumulação de capital, de acordo com o proposto pelas teorias macroeconômicas neo-estruturalistas.
16. Essa recuperação dos ganhos de produtividade da indústria brasileira nos anos 1990 motivou o desenvolvimento de vários estudos
e debates sobre o tema.
17. O aumento da intensidade do trabalho é uma das formas de obtenção de ganhos de produtividade sem que necessariamente tenham
ocorrido quaisquer mudanças sociotécnicas no processo de produção. A força de trabalho é simplesmente premida a intensificar seu
ritmo de produção. Mas isto não significa que a introdução de inovações tecnológicas ou de processos não impliquem aumentos da
intensidade do trabalho.
18. O exemplo mais notável estudado por Krippner (2005) e por Boyer (2000b) é o padrão finance-led growth observado na economia
dos Estados Unidos desde os anos 1990.
tabela 4
Uma comparação entre três regimes de crescimento da economia
brasileira – 1966-2006
5 Conclusão
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