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ARTIGO ARTICLE 1671

“Quando um não quer, dois não brigam”:


um estudo sobre o não uso constante
de preservativo masculino por adolescentes
do Município do Rio de Janeiro, Brasil

“It takes two to tango”:


a study on inconsistent use of male condoms
by adolescents in Rio de Janeiro, Brazil

Kátia Geluda 1
Maria Lucia Magalhães Bosi 2,3
Antonio José Ledo Alves da Cunha 1

Anete Trajman 4,5

Abstract Introdução

1 Instituto de Puericultura This study assessed gender-related aspects in- A epidemia da AIDS, com prevalências que ain-
e Pediatria Martagão
volved in the inconsistent use of male condoms da crescem e incidências que se estabilizam,
Gesteira, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, by adolescents in Rio de Janeiro, Brazil. Four fo- merece atenção da comunidade científica 1. No
Rio de Janeiro, Brasil. cus groups were conducted, two with each gen- mundo são, em média, 40 milhões de pessoas
2 Faculdade de Medicina,
der, two in a public school and two in a private infectadas com HIV/AIDS. No Brasil, são 362.364
Universidade Federal
do Rio de Janeiro, school, totaling 34 participants, comparing gen- portadores de HIV/AIDS 2. O quadro é ainda
Rio de Janeiro, Brasil. der and social status. The resulting material mais preocupante quando nos remetemos aos
3 Núcleo de Estudos de
was analyzed using a critical interpretative ap- jovens. Um terço da população mundial que vi-
Saúde Coletiva, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, proach. Among the emerging themes, “gender ve com AIDS tem entre 15 e 24 anos 3. No Brasil,
Rio de Janeiro, Brasil. relations” were chosen, consisting of three di- até junho de 2004, entre os 41.274 adolescentes
4 Departamento de
Medicina, Universidade
mensions: trust, submission, and initiative. So- entre 13 e 24 anos com HIV/AIDS, 25.167 eram
Gama Filho, called unequal gender power was not detected meninos e 16.107 meninas 2. De 2000 a 2002
Rio de Janeiro, Brasil. in the adolescents’ discourse, which however re- observou-se uma inversão na relação homem x
5 Escola de Medicina,
Fundação Técnico-
vealed an apparent inequality in negotiation mulher 2. Em 2004, a relação era de 1:1 2.
Educacional Souza Marques, and initiative in condom use. Differences be- O uso do preservativo é a única forma de
Rio de Janeiro, Brasil. tween public and private schools were subtle. prevenção contra as doenças sexualmente trans-
Correspondência Some changes may be occurring in the field of missíveis (DST)/AIDS e gravidez não planeja-
K. Geluda adolescent sexual behavior. The results indicate da 4. No entanto, apesar do aumento da freqüên-
Instituto de Puericultura
the importance of channels for dialogue, taking cia do uso do preservativo entre jovens, o uso
e Pediatria Martagão
Gesteira, Universidade into account the singularity of groups in order consistente ainda é infreqüente, principalmen-
Federal do Rio de Janeiro. to establish intervention strategies adapted to te nas relações eventuais 5.
Rua Gustavo Sampaio 732,
subjects and different historical and cultural As pesquisas no campo da sexualidade nes-
apto. 401, Rio de Janeiro, RJ
22010-010, Brasil. contexts. sa faixa etária têm privilegiado o comporta-
geluda@uol.com.br mento individual como responsável pela vul-
Adolescent; Condoms; Sexually Transmitted Dis- nerabilidade em que se encontram os jovens 6,
eases; Acquired Immunodeficiency Syndrome numa perspectiva não raro descritiva que não
contempla os aspectos subjetivos inerentes às
práticas. O predomínio do paradigma positi-
vista nos estudos relativos à saúde humana pa-
rece explicar o número reduzido de pesquisas

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voltadas à compreensão do uso do preservati- tos de atividade, dominação, racionalidade, e à


vo englobando dimensões simbólicas, sociais e mulher de passividade, submissão e emoção 13.
culturais, imprescindíveis para o planejamento A recomendação de uso do preservativo mas-
de intervenções adequadas aos diferentes seg- culino nem sempre pode ser discutida e nego-
mentos 7. ciada antes da relação sexual, o que coloca a
Dentre os aspectos ainda pouco explora- mulher, que precisa solicitar o seu uso, numa
dos, a não inclusão das questões de gênero co- situação em que depende da anuência do par-
mo mais um fator implicado na transmissão do ceiro, com valores e iniciativas masculinas que
HIV tem sido criticada 8. As desigualdades en- revelam preconceitos e produzem constrangi-
tre os gêneros se expressam nos planos: políti- mentos quando não se submetem às ações
co, cultural e sócio-econômico e seus efeitos coercitivas e, muitas vezes, agressivas 6,12.
emergem tanto no contexto macro como mi- Para jovens do sexo feminino, estar afetiva-
crossociológico. mente envolvida, ter confiança, tempo de relacio-
Gênero é aqui entendido como um modo de namento, sentir medo de perder o parceiro e
ser e atuar diferenciado, decorrente de uma constrangimento pelas reações e discussões do-
construção social e histórica de caráter relacio- lorosas e violentas com os companheiros dificul-
nal que se configura a partir das significações e tam a negociação do uso do preservativo 9,14,15,16.
da simbolização cultural das diferenças anatô- Os conceitos de fidelidade, estabilidade, par-
micas 9. Gênero, uma das dimensões constitu- ceiro fixo e monogamia, conferem àquelas que
tivas das relações sociais e das identidades dos exercem estas modalidades de parceria a sen-
indivíduos, homens e mulheres, é ainda assu- sação de sexo seguro e, resultam na decisão de
mido por Barbosa 10 e Giffin 11 como categoria não uso do preservativo, mesmo quando sabem
relacional e transversal, articulada às dimen- da infidelidade do parceiro. Na literatura relati-
sões de classe social e cultural, de etnia e de ge- va ao tema evidencia-se que alguns jovens de-
rações, que por si só não pré-determina dife- claram fazer sexo ainda que não tenham pre-
renciais de vulnerabilidade. Essa concepção servativo na “hora da transa” 9,15,16,17. No entan-
aplicada à esfera reprodutiva e de saúde per- to, numa postura diferenciada, também são re-
mite relacionar os gêneros, assim como com- latadas tentativas de negociação no grupo ado-
parar as mulheres de diferentes classes sociais lescente 17, ainda que persistam dificuldades
ou mesmo, de diferentes idades. Sobretudo em conversar sobre o uso do preservativo 15.
quando atravessamos uma “transição de gêne- Ante os elementos brevemente expostos,
ro”, na qual uma atualização ideológica da con- nosso objetivo no presente estudo foi explorar
dição feminina faz-se refletir na condição mas- aspectos relacionados ao gênero com o intuito
culina. Noutras palavras, mudanças em relação de compreender o não uso constante do pre-
à identidade, papéis e poder de um gênero terá servativo entre estudantes adolescentes, bus-
conseqüências sobre o outro gênero 11. cando contribuir para a fundamentação de pro-
No âmbito da temática aqui focalizada, a postas de ações diferenciadas que propiciem o
mulher, além de biologicamente mais vulnerá- sexo seguro neste segmento.
vel à infecção pelo HIV e outras DST, tem fun-
ções, responsabilidades e direitos diferentes
daqueles atribuídos ao homem que variam de Método
acordo com o contexto social. Essas diferenças
nos papéis de gênero se associam a diferenças A escolha da abordagem qualitativa para a rea-
sociais e acarretam dificuldades específicas na lização desta investigação se justifica, em pri-
negociação do método de prevenção das DST, meira instância, pela natureza do objeto, que
ainda mais evidentes nas camadas sociais eco- supõe respostas múltiplas, que não poderiam
nomicamente desfavorecidas 9. ser expressas ou traduzidas por linguagem nu-
As questões de gênero revelam, assim, o mérica, tampouco antecipadas por meio de va-
efeito sinérgico de múltiplos determinantes de riáveis demarcadas pelo pesquisador 19,20. Par-
vulnerabilidade a que as mulheres estão sub- te-se, assim, de uma postura heurística que, no
metidas 8. plano ontológico, recusa o princípio da exis-
O lugar de submissão emocional e econô- tência de uma realidade em si a ser coletada
mica ainda ocupado por um número expressi- para, em lugar disso, reconhecer o caráter de
vo de mulheres tem causas históricas e bem construção em relação – portanto intersubjeti-
definidas 12. No Brasil, persiste uma cultura se- va – das informações.
xual tradicional, impregnada por uma visão dua- No plano epistemológico tal postura reflete
lista de gênero, onde o “machismo” é um fenô- a renúncia a uma busca de objetividade e neu-
meno marcante, delegando ao homem atribu- tralidade, concebendo as técnicas como rela-

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NÃO USO CONSTANTE DE PRESERVATIVO MASCULINO POR ADOLESCENTES 1673

ções sociais submetidas aos aspectos contex- pela própria pesquisadora logo após a aplica-
tuais sócio-históricos que circunscrevem as ção, permitiu que apenas a pesquisadora tives-
demais relações. Partindo-se dessa concepção se acesso às mesmas e à identidade dos infor-
referente às técnicas de pesquisa, a aproxima- mantes. Além disto, só responderam aqueles
ção aos dados empíricos deste estudo se deu que consentiram, pois foi dada a eles a possibi-
por meio da realização de grupos focais 21, com lidade de não responderem, caso não o quises-
conteúdo registrado em fitas cassete, transcri- sem.
to em momento posterior. Aos iniciados que não usavam preservativo
A amostra se delineou a partir de uma pers- foram entregues, posteriormente, os consenti-
pectiva de intencionalidade, como sugere Tri- mentos livres e esclarecidos a serem assinados
viños 22, refletindo os contornos do objeto – pelos responsáveis e pelos alunos. Consideran-
amostra, portanto, teórica conforme designa do-se a temática – sexo inseguro, uso irregular
Tesch 23 – e compreendeu 34 adolescentes que de preservativo – ante o contexto sócio-fami-
atendiam, tanto na totalidade como na singu- liar, o consentimento teve, também, o cuidado
laridade, os requisitos necessários para com- de preservar os adolescentes diante de seus pais,
por o conjunto de informantes-chave da inves- não declarando em nenhum momento o crité-
tigação. rio de seleção dos informantes.
Foram realizados quatro grupos focais, dois Em relação ao contexto escolar, os selecio-
em escola pública, dois em escola privada, que nados foram chamados por meio de telefone-
no Brasil atendem a estratos sócio-econômicos mas efetuados de local externo a este espaço;
distintos, separados por gênero, num total de portanto, dentre os alunos, nenhum deles ficou
34 adolescentes entre 16 e 18 anos (média 16,7 ± sabendo quem era ou não sexualmente ativo
0,7) sexualmente iniciados e que não faziam ou quem fazia uso constante do preservativo,
uso constante do preservativo, freqüentando o exceto os participantes dos grupos focais. Os
Ensino Médio. não selecionados também não ficaram saben-
Aqui cabe assinalar que ainda são poucos do do critério de inclusão nos grupos. Da mes-
os trabalhos com esta temática entre adoles- ma forma, como já referido, apesar das dificul-
centes, provavelmente pela dificuldade do aces- dades impostas pela intermediação dos res-
so aos jovens, em especial no ambiente esco- ponsáveis em pesquisas relacionadas a temas
lar, devido a impedimentos, alguns deles vi- como sexualidade, conforme descritas na lite-
venciados ao longo desta pesquisa como a re- ratura 18, preservamos os adolescentes diante
cusa à implementação de técnicas qualitativas de seus pais, não transparecendo qualquer in-
por parte de diretores de estabelecimentos de formação que os expusesse.
ensino privado do Rio de Janeiro e do Departa- No interior dos grupos focais constituídos
mento Geral de Educação para o estudo do uso após todos esses cuidados éticos, procurou-se
do preservativo 18. favorecer a interação e a explicitação das per-
Ante essas dentre outras dificuldades ine- cepções, idéias, expectativas e sentimentos a
rentes à investigação da temática focalizada partir das vivências, partindo-se de uma per-
em um estudo desta natureza desenvolvido em gunta disparadora: “Todos/as sabem que a úni-
ambiente escolar, as instituições foram esco- ca forma de se prevenir contra a AIDS e outras
lhidas levando-se em conta a viabilidade de DST é usar a camisinha. Todos/as vocês já tive-
realização do estudo, selecionando-se aquelas ram relações sexuais e às vezes usaram a cami-
cujas direções assinaram a autorização para sinha ou nunca usaram. Por que não usam sem-
realização da pesquisa. Ao lado disso, foram pre?”. Durante as discussões, o pesquisador pro-
cuidadosamente considerados os aspectos éti- curou intervir no sentido de reconduzir a dis-
cos inerentes à condução do estudo. Os res- cussão para o tema central e propor perguntas
ponsáveis e os adolescentes também assina- para que os sentidos do discurso fossem expli-
ram Termo de Consentimento Livre e Esclareci- citados e desdobrados, numa atitude interativa
do. Para a seleção dos integrantes dos grupos intersubjetiva. A técnica de grupo focal exige
focais, duas perguntas foram apresentadas por dos participantes um desembaraço para arti-
escrito (se eram sexualmente iniciados e se usa- cular idéias, dificultando a participação dos jo-
vam sempre o preservativo) ao conjunto dos vens mais tímidos. Inversamente, a exacerba-
estudantes por um dos pesquisadores que en- ção do exibicionismo, incentivada pela presen-
trou em todas as salas de aula com turmas pre- ça do grupo, pode ocorrer e idéias fantasiosas
sentes à escola no dia da sondagem. A privaci- serem construídas. Torna-se difícil determinar
dade dos informantes não foi, portanto, expos- se existe um consenso de opiniões ou se algum
ta ao grupo e à instituição, uma vez que o pro- informante está abrindo mão de um pensamen-
cedimento de respostas por escrito, recolhidas to individual para se adequar à opinião de ou-

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tros ou do que supõe ser a opinião da pesqui- categorização retardada: núcleos de sentido
sadora. Entretanto, a pesquisadora e seu assis- encontrados a partir das falas com a incorpo-
tente se eximiram de expressar julgamentos ou ração gradual da teoria como caminho analíti-
opiniões e cientes do limites da técnica, manti- co 19, dialogando com diferentes domínios dis-
veram-se atentos aos aspectos aqui referidos, ciplinares, já que o próprio tema, a complexi-
considerando-os no momento do exercício her- dade do ser humano e do conhecimento, recla-
menêutico, o que reduziu sobremaneira as li- ma a convergência de saberes 29.
mitações inerentes à técnica. A discussão que se segue busca apresentar
Em cada grupo, um assistente do pesquisa- o diálogo estabelecido com alguns elementos
dor/facilitador anotava a discussão e supervi- do universo semântico que o estudo permitiu
sionava o funcionamento do gravador, embora recuperar. Com base nesse material, emergi-
não tenham participado das discussões que ram categorias que foram dispostas em torno
ocorreram em encontros com duração aproxi- de um eixo composto por cinco temas: a força
mada de uma hora e meia, em local onde a pri- do desejo; a sexualidade na cultura e a cultura
vacidade pôde ser garantida. da sexualidade; a dor real e a dor simbólica; as
Na seqüência, procedemos a leitura exaus- relações de gênero; e as informações. Discuti-
tiva e repetida do material, ou, como afirmam remos neste artigo as relações de gênero e suas
Minayo 24 e Triviños 22, a leitura flutuante das dimensões: a confiança, a submissão e a inicia-
transcrições das entrevistas, de maneira a per- tiva. Nele abordamos a percepção que cada
mitir a nossa impregnação pelo sentido do “to- membro do casal tem do outro, seus papéis nas
do” de cada depoimento, bem como a identifi- negociações, sua autonomia e responsabilida-
cação das unidades de significação, que indi- des, aspectos em jogo na decisão de usar o pre-
cam os vários “momentos” ou temas presentes servativo.
nessas descrições 25. O projeto de pesquisa n. 13/2002 foi apro-
Dentro de uma postura metodológica fun- vado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Ins-
damentada na tradição crítico-interpretativa 7, tituto de Puericultura e Pediatria Martagão Ges-
seguimos os passos para coleta e análise do teira, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
material discursivo 26.
As fitas gravadas foram transcritas pelos
pesquisadores, procedimento que permitiu in- Compreendendo a questão
serir comentários acerca do que foi dito e tam-
bém sobre os silêncios, os não-ditos percebi- Quando um não quer, dois não brigam:
dos, das comunicações não-verbais e das rea- as relações de gênero
ções do grupo abrangendo a fala nos planos di-
gital e analógico 27. No estudo, a categoria empírica confiança re-
Em cada grupo, procurou-se encontrar as velou-se polissêmica – a confiança entre os par-
particularidades no nível intragrupal, isto é, as ceiros – entendida como fidelidade, como ex-
falas que se diferenciavam no interior de cada pressão de amor e de consciência/responsabi-
grupo. Foram observadas também as contradi- lidade – coexistindo os diferentes sentidos em
ções e ambigüidades no discurso dos partici- um mesmo depoimento conforme ilustrado a
pantes. Em seguida, a leitura horizontal do ma- seguir.
terial teve como objetivo buscar os elementos A fidelidade, entendida como relações mo-
comuns e variantes intergrupais para se for- nogâmicas, protegeria do risco de relações múl-
mular a estrutura do vivido, primeiro entre os tiplas. Os discursos elaborados indicam, prin-
tipos de estabelecimento escolar e depois en- cipalmente para as meninas e as de escola pú-
tre os gêneros. blica, o dever da fidelidade, o que comumente
O exercício hermenêutico buscou ultrapas- sedimenta a auto-estima feminina. Existe a ex-
sar as falas espontâneas dos informantes evi- pectativa de que o amor e a fidelidade sejam
tando recair na ilusão de transparência, enten- plenamente correspondidos com a exclusivi-
dida como a crença do pesquisador nas expli- dade sexual.
cações correntes sobre as idéias e comporta- “... Eu só tenho um namorado, eu confio ne-
mentos dos atores, deixando-se iludir que o seu le, eu tenho certeza de que ele não vai me trair.
significado pode ser buscado apenas na cons- Eu também não vou. Por que ele vai procurar
ciência dos atores 28. As temáticas foram esta- outra? (...) meu namorado tem certa responsa-
belecidas para se contemplarem as dimensões bilidade comigo. Mas pode ser que não, ele po-
e dinâmicas das relações estabelecidas, inician- de trair minha segurança, mas espero que pelo
do-se, então, o diálogo propriamente dito com menos ele tenha consciência: vou usar camisi-
o referencial teórico. Nessa etapa, adotamos a nha para não transmitir nada à garota [se ti-

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ver relações com outra]” (Graziela, escola pú- confiança como a fidelidade quase não se pro-
blica). nunciam porque provavelmente esperam que
Na dupla moral vigente em nossa sociedade, suas parceiras tenham este princípio que rege
ser fiel parece ser uma condição feminina, en- preferencialmente as mulheres. Aparentemen-
quanto a infidelidade masculina é tolerada 16. A te, a confiança se relaciona ao tipo de parceria,
maioria das adolescentes não menciona nem ainda que se possa encontrar, muito tenua-
admite a infidelidade nos seus depoimentos, e mente, esta fala também nas meninas. Na clas-
acredita estar envolvida em relações monogâ- se de parceria eventual, encontram-se as me-
micas onde não é preciso usar o preservativo. ninas de programa ou “ficantes”. No decorrer
De um modo geral, nas meninas, principal- do grupo focal, talvez por se sentirem mais sol-
mente de escola pública, há a expectativa de tos para declarar o que realmente é a prática,
encontrarem em seus respectivos parceiros a pudemos perceber que os meninos, mesmo
reciprocidade na confiança que depositam ne- com as parceiras eventuais, nem sempre usam
les, o que parece possibilitar não se compro- o preservativo.
meterem com o uso do preservativo. “... Com a namorada, você conhece há bas-
A confiança, baseada na fidelidade e na par- tante tempo, você adquire aquela confiança na
ceria fixa e única, dificulta pedir o uso da cami- menina. (...) Eu confio, mas se de repente a gen-
sinha, pois a solicitação pode ser entendida co- te mal conhece, tem que usar camisinha. É de
mo a revelação de ter “pulado a cerca”, ser ativa lei” (Roberto, escola pública).
ou acusar o outro de assim ter feito, contrarian- Dos meninos e homens é aceito ter várias
do as normas sociais 16,17,30. Esse critério para experiências sexuais, sem que haja necessaria-
uso do preservativo se mostra difundido entre mente envolvimento afetivo. Também as meni-
diferentes jovens como nos mostram as pesqui- nas esperam que haja esta discriminação entre
sas com jovens em prostituição e detentos 31,32. os parceiros. Quem usa preservativo é a “outra”,
Essa crença é preocupante, considerando-se a pecadora, a prostituta, a “escolada” 16,33. Esta
que a transmissão do HIV por meios destes par- crença foi reforçada na medida em que os pri-
ceiros fixos, mesmo que por um curto período meiros programas de intervenção 33 limita-
de tempo, tem infectado as mulheres 16,17,30. vam-se às mulheres envolvidas na prostituição
Contudo, alguns depoimentos revelam um ou ligadas a múltiplos parceiros sexuais, como
senso crítico na crença de fidelidade em ambos se as mulheres monogâmicas estivessem imu-
os gêneros, independente da classe. Entretan- nes. A expectativa das meninas participantes
to, este senso não leva os jovens efetivamente desta pesquisa é, portanto, muito preocupan-
ao uso constante do preservativo: te, pois não é correspondida pela prática reve-
“Eu confiava mais, mas meu namorado se lada pelos meninos que nem sempre usam o
mudou pra São Paulo, desde maio. (...) Se ele preservativo quando mantêm relações sexuais
vier agora, eu não tenho coragem de transar com com “ficantes” ou “mulheres da noite”.
ele sem camisinha porque ele deve ter ‘dado’ lá, Confiança por conhecer o outro há muito
eu não tenho coragem, mas antes tinha” (Ilana, tempo ou pela convivência familiar ou bairris-
escola pública). ta esteve presente nas declarações dos partici-
“Eu não tenho esta confiança. Eu acho as- pantes dos quatro grupos, revelando crenças
sim: do mesmo modo que eu posso trair ela com apontadas por Guimarães 34, referentes a quem
outra pessoa, ela pode trair e não falar nada e está fora do núcleo familiar – os periféricos ou
pegar essa doença” (Jaques, escola pública). desconhecidos, como os homossexuais, prosti-
O confronto das colegas provoca a proble- tutas, drogados – dever se proteger e apenas
matização do sentimento de confiança e fideli- deles devemos nos proteger. A autora afirma
dade, mas ainda sobrepõe à racionalidade. que conhecimento como forma de confiança es-
“Eu sei que é assim, a maioria das mulheres tá presente em outros segmentos sociais e é o
que tem, é casada, a maioria tem AIDS por con- método preventivo mais usado para a AIDS 34.
fiar no marido. Mas se eu estou satisfazendo “Eu conheço ele/ela” tem como referência a fa-
meu namorado, mesmo que ele transe com ou- mília, esta, muitas vezes, instituição social que
tra, põe a camisinha com a outra. (...) Mas eu serve de eixo privilegiado para referendar com-
confio, eu conheço a pessoa, (...) eu nunca parei portamentos, principalmente nas classes po-
para pensar realmente: será que ele pode estar pulares (Duarte LFD, 1986, apud Guimarães 34).
com outra pessoa, será que ele pode estar me Outra dimensão que surgiu nesse tema foi
passando alguma doença? Não. Eu tenho con- a submissão. Na situação do ato sexual, os me-
fiança nele” (Graziela, escola pública). ninos, principalmente os de escola pública, se
Para os meninos, tanto os de escola pública sentem submetidos ao desejo das meninas de
como os de estabelecimentos privados, tanto a se entregarem ou terem relações. Com clareza,

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as falas apontam que, apesar do movimento cultura e outra, que não privilegia nem homens
deles ser ativo, pois a penetração é feita por eles, nem mulheres, sugerindo transformações ou
reconhecem a atividade da mulher, já que é ela especificidades da faixa etária:
quem permite ou não a iniciação sexual com a “A mulher não tem coragem, a mulher é sem-
penetração; e que se elas recusassem a relação pre assim mais submissa ao homem. O homem
sem preservativo, teriam de aceitar. está querendo e a mulher namorando sempre
“Se ela insistisse, eu usaria também. Neste cede” (Valter, escola privada).
caso, acho que a gente está submisso à mulher. “Acho que não depende só dela, também. Se
Submisso. [os outros participantes concordam] você não se autoconfiar, aí vai depender dela. Só
Ela quem faz as preliminares, ela quem provoca existe ela no mundo? Está rolando um lance
este tesão. Se ela insistir na hora em usar a ca- com ela, mas você não quer, quando um não
misinha, com certeza usaria. (...) Você está for- quer, dois não brigam. Não é só ela não querer”
çando a barra, mas vai ser no dia e na hora em (Jaques, escola pública).
que ela quiser” (Rafael, escola pública). A literatura sobre o assunto, 35,36 ao contrá-
Cabe ressaltar que os meninos participan- rio, está impregnada pela idéia de passividade
tes desses grupos focais iniciaram recentemen- feminina, que atende ao desejo do outro e ab-
te suas vidas sexuais, tiveram poucas relações e nega o seu, com reforço social aos aspectos sub-
sua iniciação se deu com as namoradas ou “fi- missos e conformistas do exercício da sexuali-
cantes”, e não com prostitutas, como era comum dade que dificultam a criação de um espaço
até poucas gerações atrás. Se sentem “agrade- onde a mulher possa se diferenciar dos desejos
cidos” pela oportunidade que elas deram a eles. masculinos. Uma maior submissão é concer-
Quando a parceira aceita iniciar-se sexualmen- nente a uma maior vulnerabilidade social da-
te, a estréia para o menino é vivida como “uma queles que têm baixa renda, pela história de re-
luz no final do túnel”, uma “tábua de salvação”. traimento vivenciada por esta camada da po-
As falas dos informantes contrariam a idéia pulação em nossa sociedade. A decisão de não
promulgada que a questão de gênero não se en- usar o preservativo é uma “ordem”.
contra no plano da eqüidade, mas da desigual- Um fator que pode contribuir para uma
dade, com a submissão apontada como a posi- maior igualdade na questão de gênero na op-
ção que cabe às mulheres, na medida em que ção de uso do preservativo pode ser a idade dos
os homens têm sido apontados detentores do adolescentes, quando os padrões sociais de gê-
poder nas relações de gênero. Delineiam, tal- nero, apesar de veiculados fortemente pela cul-
vez, um início de mudança na qual as mulhe- tura, ainda não se enrijeceram como o obser-
res estão numa posição um pouco mais privile- vado nos adultos 33. O último depoimento aci-
giada do que a até então ocupada. ma parece apontar para as mudanças que tal-
Podemos nos referir ao que Giffin 11 consi- vez comecem a se processar na contempora-
derou como uma transição de gênero, uma atua- neidade.
lização ideológica dos gêneros. Se por um lado, Em relação a essa dimensão, apenas uma
a figura de uma nova mulher independente, fala de menina retrata dificuldade de se impor
que se responsabiliza e é responsabilizada não e negociar o uso do preservativo. Mesmo assim
só pelo controle de sua fecundidade, mas por ela consegue insistir e quando abre mão do uso
ter um trabalho próprio, pela provisão de ren- é porque parece estar tomada pelo desejo se-
da e independência, promoveu a “libertação xual e, por isso, não querendo perder a oportu-
feminina” que inclui tanto conquistas como nidade:
sobrecarga e superexploração, concomitante- “Tem gente que não aceita. Tem vezes que eu
mente, alguns homens estão mais fragilizados peço e ele fala que não. Eu falo: ‘– Pô, não, cara,
e uma parcela ainda que pequena deles reivin- pelo amor de Deus, usa, é perigoso’ (...) tem ve-
dica participar da esfera reprodutiva – da vida zes que a gente discute. Às vezes faço assim mes-
doméstica, do cuidado com filhos, da afetivi- mo, às vezes não. A vontade é muito grande
dade e aspiram a mudanças profundas nos es- [Rindo]. Não dá para controlar. O fogo é mais
tereótipos de masculinidade hegemônicos en- forte [Ela se abana com as mãos]” (Teresa, es-
quanto poder masculino. Esse estado atual po- cola pública).
de explicar as visões mais igualitárias dos jo- Na atualidade, quando a discussão de pa-
vens da pesquisa, apontando para profundas péis tem fortalecido o sexo feminino, as meni-
transformações nas relações de gênero nessas nas, ao que parece, já não se sentem na dinâ-
novas gerações. mica relacional tão impedidas ou passivas du-
Duas falas se discriminaram das restantes rante um diálogo para a solicitação da camisi-
em relação a esse assunto: uma aponta para nha quanto em tempos passados, embora mui-
uma idéia provavelmente dominante na nossa to recentes.

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Como última dimensão desse tema focali- a perder a relação conjugal estável ou inicial.
zaremos a questão da iniciativa no uso ou na As expectativas delas são de que o homem te-
solicitação de uso do preservativo, para uma nha a iniciativa e controle a relação que está
melhor compreensão de como se dá a negocia- “nas mãos” deles. O preservativo é assunto de
ção entre o casal de jovens. Nos grupos realiza- homem, é ele quem deve tê-lo. Quando pode, a
dos, a iniciativa de uso ou de solicitar o uso é mulher só solicita seu uso 9,37.
muito precária para ambos os gêneros. Aconte- A falta de uso do preservativo por parte dos
ceu para alguns nas primeiras relações, em lu- adolescentes pode estar vinculada ao estado
gares em que outros métodos não puderam ser em que se encontram depois de fazer uso de al-
utilizados ou, no caso dos meninos, quando guma droga e terem relações sexuais 38. Rom-
eram parceiras desconhecidas ou conhecidas pendo com o que prevalece nas pesquisas so-
há pouco tempo. bre sexualidade, nos surpreendeu que por trás
Essa falta de iniciativa não nos parece liga- do uso de drogas estão os sentimentos de an-
da à dificuldade de adotar uma postura autô- siedade e timidez. Estes sentimentos envolvem
noma ou, para as meninas, ao silêncio em rela- o ato de seduzir e a ameaça de serem rejeita-
ção à vida afetiva. Os meninos raramente op- dos, que o discurso feminista, muitas vezes, não
tam por utilizá-lo, não querem, mas não se re- inclui como possíveis de serem vividos, muito
cusam, quando solicitados. Transferem para menos admitidos pelos homens. Entretanto,
elas a responsabilidade de pedir. Mas declaram foram declarados pelos meninos de escola pri-
que na vivência deles é raro uma menina soli- vada. Os depoimentos abaixo revelam que por
citar, pois estão também ávidas pela “transa”. trás de toda onipotência e fortaleza masculina
As meninas, por sua vez, confirmam com suas podem-se encontrar fragilidades:
declarações que não pedem porque não que- “Eu estava no réveillon, estava doidão (...)
rem, não gostam. De forma geral, não sofrem rolou sem camisinha, sem nada. Se a pessoa be-
recusa, quando solicitam. be pra perder a timidez é porque é muito fecha-
“Se ele não oferecer, eu não vou pedir. Eu evi- do. Bebe e quando vai transar, não vai pensar
to falar, se ele falar, eu evito. Eu não gosto” (Nor- nisto daí, no depois, vai pensar aqui na hora, no
ma, escola pública). agora” (Renato, escola privada).
“Tudo é questão de não perder a oportuni-
dade. No caso, se ela exigisse, não tivesse como
resolver a situação, usaria” (Roberto, escola pú- Conclusão
blica).
No discurso dos meninos podemos perce- Finalizamos este trabalho com a percepção de
ber certa contradição. Se estes propõem que a que algumas transformações podem estar acon-
decisão está 50% nas mãos de cada um, “depen- tecendo no campo das relações de gênero para
de das duas pessoas, se uma não quer ...”, trans- o grupo estudado. Apesar do sentimento de con-
parecem ao mesmo tempo em que gostariam fiança e seus inúmeros significados atravessa-
que elas se responsabilizassem pelas decisões. rem as relações de gênero e interferirem nos
Por isto prefeririam que adotassem um méto- comportamentos de proteção, persistindo a
do feminino. valoração das relações monogâmicas como fa-
Também as mulheres mais jovens e não ca- tor protetor, a negociação e a iniciativa para o
sadas participantes da pesquisa de Goldstein 30 uso do preservativo, nessa faixa etária e nesse
não tinham problemas em exigir a camisinha, grupo sócio-econômico, não se mostram com-
se elas decidissem que queriam, sugerindo que prometidas pelas relações desiguais de poder
provavelmente perdem o poder de exigir quan- como se observa em outros segmentos. Pelo
do se casam, mesmo se o marido tem outras contrário, em algumas falas, muitas vezes mas-
relações. culinas, transparece o poder de negociação,
Como aponta Giffin 11, é preciso enfocar a imposição e iniciativa das adolescentes.
questão de gênero numa perspectiva relacio- O novo papel ativo que as adolescentes vêm
nal e transversal, já que diferenças importantes assumindo junto aos parceiros, propiciando-
e até contraditórias podem se explicitar entre lhes a iniciação sexual, pode refletir mudanças
mulheres e homens de diferentes classes so- nos papéis sociais contemporâneos da mulher
ciais, etnias e gerações. e do homem. É possível, ainda, hipotetizar um
No entanto, a literatura salienta preponde- início de mudança na qual as mulheres passa-
rantemente que nossa cultura é machista, e riam a uma posição um pouco mais privilegia-
que a solicitação exigida a cada contato dificul- da do que a até então ocupada, sendo, contu-
ta ainda mais a negociação feminina. As mu- do, necessárias novas análises de modo a cons-
lheres preferem correr o risco de se contaminar tatar em que medida este achado se confirma.

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1678 Geluda K et al.

Na atualidade, quando a discussão de pa- co, o fato de a pesquisa ter sido desenvolvida
péis tem fortalecido o sexo feminino, as meni- dentro da escola onde estudam e os partici-
nas, ao que parece, já não se sentem na dinâ- pantes se conhecerem, pode constranger o par-
mica relacional tão impedidas ou passivas du- ticipante a dar depoimentos, principalmente
rante um diálogo para a solicitação da camisi- quando o assunto diz respeito às questões de
nha quanto em tempos passados, embora mui- sua intimidade e privacidade. Contudo, acredi-
to recentes. Contudo, no presente estudo, a ini- tamos que as falas construídas no diálogo esta-
ciativa de uso ou de solicitar o uso ainda é pre- belecido com os informantes expressam os va-
cária para ambos os gêneros. lores dos grupos estudados.
Consideramos importante a atenção aos Por último, reitera-se a necessidade de cons-
movimentos da sociedade para que não nos trução de práticas que possibilitem dar vazão
aferremos a padrões antigos que geram discur- aos sentimentos, dúvidas, medos, fantasmas
sos feministas ou machistas que não acompa- que estão em jogo nas vivências de gênero e
nham possíveis transformações sociais. O novo que favoreçam a escuta das demandas dos ado-
e o estranho devem ser considerados. lescentes, possibilitando que eles criem novas
Ao lado dos achados desta investigação, al- e diferentes modalidades de relação e vida se-
guns limites devem ser igualmente levados em xual, atendendo à pluralidade dos modos de
conta. Diversas questões não relacionadas ao subjetivação na atualidade. A interlocução en-
gênero, também relevantes para a compreen- tre adolescentes dos dois gêneros que usam ou
são do problema, estavam fora do escopo deste não o preservativo pode contribuir para novas
artigo e não foram discutidas, o que, em parte, produções de sentido, reorientando as ações
se deve ao recorte eleito. No plano metodológi- direcionadas a esse grupo.

Resumo Colaboradores

O objetivo deste estudo é analisar, numa perspectiva K. Geluda participou da concepção do trabalho, pes-
de gênero, aspectos envolvidos no não uso constante quisa e levantamento bibliográfico, coleta, análise e
do preservativo masculino por adolescentes do Muni- interpretação dos dados, redação e revisão crítica da
cípio do Rio de Janeiro, Brasil. Foram realizados qua- versão final do artigo. M. L. M. Bosi colaborou na con-
tro grupos focais com 34 estudantes adolescentes da cepção do estudo, bem como na orientação do traba-
rede de ensino público e privado, contrastando gênero lho de campo e na interpretação do material discursi-
e origem social. A análise intra e intergrupal do mate- vo, na redação e revisão crítica, e leitura e aprovação
rial discursivo fundamentou-se num enfoque crítico- da versão final do artigo. A. Trajman e A. J. L. A. Cunha
interpretativo. Dentre os temas identificados, aborda- contribuíram na concepção do trabalho, na análise e
mos “as relações de gênero”, estruturando a exposição interpretação dos dados, na redação e revisão crítica,
em torno de três dimensões: a confiança, a submissão e leitura e aprovação da versão final do artigo.
e a iniciativa, que emergiram como eixos centrais. Os
achados deste estudo ressaltam que a tão propalada
desigualdade de poder entre os gêneros não se eviden-
cia na fala dos adolescentes, ganhando, ao contrário,
uma aparência de eqüidade na negociação e na falta Agradecimentos
de iniciativa para o uso do preservativo. São sutis as
diferenças encontradas entre as escolas públicas e pri- Os autores agradecem à professora Regina Helena Si-
vadas. Mudanças podem estar ocorrendo neste campo mões Barbosa pelos comentários e sugestões ofere-
do comportamento sexual entre adolescentes, o que cidos quando da leitura da versão preliminar deste
ressalta a importância dos canais de diálogo, conside- artigo.
rando-se a singularidade dos grupos na construção de
estratégias adequadas aos atores sociais em seus con-
textos históricos e culturais.

Adolescente; Preservativos; Doenças Sexualmente Trans-


missíveis; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida

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NÃO USO CONSTANTE DE PRESERVATIVO MASCULINO POR ADOLESCENTES 1679

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