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3 Evento-jornada: o assédio sexual........................

147
4 O assédio sexual :...................... 148 CAPÍTULO 1
5 Clínica do Social em consultacão !5!

ANEXO íI 153
1 Genealogia da penal Reabilitação do apenado 153

ANEXO III 157

ANEXO lV 159
r
1 A INTERFACE, PSICANÁLISE E DIREITO

~~
1.1 A questão da interface

çy~J~',~ A localização e a abordagem da interface diferem


da abordagem meramente interdisciplinar ou multidisci-
Jo~ plinar. Em nossa proposta, uma vez reconhecida como
crucial a vizinhança entre duas disciplinas científicas -
1>\--\ \)J ~ ~Oi1 cada uma com objeto de estudo e metodologia que lhes
são próprios - tal vizinhança levaria à implicação entre
elas, abrindo espaço para um novo objeto de estudos. A
interface, como lugar de implicação para ambas, revela-
CARl se tão importante quanto as áreas tradicionalmente já re-
conhecidas. Uma vez descoberta a localização, veremos
surgir a inovação, e, eventualmente, um novo objeto de
estudo. Essa é a nossa ambição.

1.2 Os termos aplicação e extensão

Poderiam nos perguntar: os termos aplicação e ex-


tensão, já conhecidos, responderiam ao que temos em
mente quando disséssemos aplicação da Psicanálise ao
campo do Direito?
O uso comum dos termos extensão e aplicaç i )
XXiV parece colocar em primeiro plano o fato de aplic nt10S
2 CÉLlO GARCIA PSICOLOGIA JURÍDICA - OPERADORES DO SIMBÓLICO.

nossos conhecimentos, especialmente quando se trata de Em outros momentos, para nossa surpresa, Freud
situações menos formais se comparadas ao currículo de esmerou-se em sugerir técnicas de aplicação como na
um curso universitário. Como o uso referido aceita a exis- conferência ministrada em 1906 na Universidade de Viena,
tência de disciplinas e campos, cada um com seu objeto no curso de Prática Jurídica do doutor Loêffler e publicada
de estudo, desconhecendo eventuais articulações embu- com o título A psicanálise e o estabelecimento defatos em
tidas no termo, preferimos adotar o termo':~iJltedace e, matéria judiciária. A sugestão de Freud para o aper-
assim, continuar nossa pesquisa. Logo nos perguntamos: feiçoamento do método de investigação, através de inter-
como jdentificar o lugar onde vamos reconhecer a rogatório, baseia-se, segundo suas palavras, na técnica
interface entre Psicanálise e Direito? Aproximemo-nos ditada pelas experiências de associação. As referidas
de Freud no intuito de ver como ele encarava a questão. experiências adquirem valor específico quando se traba-
lha, diz ele, com a hipótese de que a reação indutora não
1.3 Freud - Uma eventual aplicação a outros campos pode ser produto do acaso, mas determinada por conteúdo
de representação preexistente; ele conclui lembrando que
Da Psicanálise deixada por Freud podemos apontar o termo traição psíquica de si mesmo diz bem do que se
três direções: . trata. A conferência se desenrola num clima de aproxi-
~~.tQ.i1::O.tJ..O.. '
mação entre a posição do analista ao atender o paciente e
Psicanálise como método de investigação, a condução de um interrogatório judiciário. Na conclu-
Psicanálise como terapêutica, ; são, Freud é bem menos tolerante no que diz respeito a
tal aproximação, ou seja, aplicação. Ele termina por
Psicanálise como teoria geral do fel~ômeno
humano. !
dizer que "melhor seria que as conclusões relativas à cul-
pabilidade do acusado, caso fosse este o resultado das
pesquisas, não fossem do conhecimento da justiça".
A terceira parece sugerir um vasto campo de apli-
cação para o método de investigação, também ele criado Esse tipo de aplicação que não cria interface, mas
pela Psicanálise; o referido campo poderia certamente se tão-somente a demonstra, não será retido por nós apesar
estender (daí a idéia de extensão) da clínica a outras ma- de ter sido relatado pelo próprio Dr. Freud.
nifestações do fenômeno humano. Será que o termo apli- Assim, vamos estabelecer, de agora em diante, que
cação estaria, a partir de então, justificado? não diremos aplicação da Psicanálise a diferentes áreas
De fato, quando nos aproximamos dos trabalhos do conhecimento humano'; diremos, sim, que a desco-
deixados por Freud, vemos que ele faria restrições a uma berta freudiana (ipso facto, a Psicanálise) pode estar
pura e simples aplicação da Psicanálise; a idéia de apli- implicada em outros discursos com os quais ela se
cação não lhe era simpática. Ou então, entendeu ele esse confronta além da clínica propriamente dita.
termo de maneira muito especial, adotando uma posição Além de interfaceei,!YlpJicação, vamos, propor: Ope-
original no trato da questão da aplicação ao aproximar-se radares dõ"slmr;o7icõ:1~.sse
termo'nos orientará exame e no
de outras áreas que não a clínica, com uma desenvoltura ríã:-p~~spêçã~'d;'~a interface, visto que teremos que
que não passou despercebida aos especialistas de cada adotar termos suscitados por alguma novidade que dêem
um dos campos visitados pelo criador da Psicanálise. conta do trabalho realizado ou em vias de realização.
"~~l<:&" 4fIr)
1=JUu.d.
,
,!
i
4 CÉLIO GARC1A PSICOLOGIA JURíDICA - OPERADORES DO SllvlBÓLICO 5
I
!
I
estudando a sexualidade humana, a interdição e a questão .
Ij Operadores do simbólico foi um termo que cunha-
mos, paralelamente a "operadores do Direito" para desig-
da lei, ressaltou os seguintes pontos:
,
nar juizes e advogados em atividade na área jurídica, ao
~ a sexualidade humana é necessariamente um
~ nomear os profissionais que se encontravam reunidos no desvio quanto à ordem biológica;
I Congresso, I por ocasião da mesa-redonda «Direito de Famí-
se há ruptura quanto à ordem biológica, uma
I lia e sua conexão com outros campos do conhecimento".
outra ordem se faz necessária;
Estavam reunidos psicólogos, psicanalistas e juristas em
essa outra ordem tem como referência uma
tomo da Reforma do Direito de Familia - subtítulo do
lógica, sendo esta última capaz de criar distân-
Congresso, cuja pauta tratava de temas da Psicologia Jurí- cia entre os membros de um grupo primeiro
dica. Não passa despercebido que mencionamos o epíteto ou família.
Operadores do simbólico no subtítulo deste livro.
Na continuação de nosso trabalho, daremos um lugar Esta lógica é baseada no surgimento de um terceiro,
especial à questão da Lei, pois ela é uma das primeiras ou seja, a um par inicial acrescenta-se um terceiro ele-
questões a surgir na interface Psicanálise/Direito. Abor- mento, e, ao mesmo tempo, abre-se perspectiva para o
daremos as questões suscitadas pela Lei segundo várias que devemos pensar sobre a ausência, a falta. Vej amos
perspectivas: o que é a Lei? Como a Lei existe? Teria um exemplo. Ao observar certa vez, seu neto brincando
origem divina? Õrigem natural? Em que consistiria sua com um carretel, Freud anotou: "( ... ) meu neto, sob
dimensão simbólica? São questões como essas que pretexto de estar brincando com o carretel, está montan-
encontraremos nas páginas seguintes. do a lógica em questão.essa outra lógica se chama o.Sim-
bólico, ou a instauração de uma Lei".
I
2 A LEIEA LEI O jogo consiste no seguinte:
!
I l. Quando o carretel vai embora, ele diz (só
A palavra lei significa, em seu sentido mais amplo,

I a relação constante e necessária entre fenômenos. No


sentido jurídico, é a regra escrita, instituída pelo legislador.
tem três anosl), "bora"; ele fica sem o carretel
de que tanto gosta, mas com isso marca
alguma coisa. .

I! É o preceito escrito emanado do órgão competente do


Estado e que tem como principais características a gene-
ralidade (universalidade) e a obrigatoriedade.
2. Quando o carretel volta, ele diz "voltô!" .. Ele
continua com três anos, mas já sabe fazer
desaparecer e fazer reaparecer o carretel, ou
iI A primeira conseqüência da Lei foi transformar o seja, uma rodada completa.
selvagem em homem. A partir desse fato uma cultura foi 3. Nova rodada do jogo. Não pensem que é mera
criada. A interdição do incesto estabelece uma linhagem repetição, nem tampouco que ele está sim-

II e com ela uma descendência; com isso, cria-se uma distân-


ciaentre os membros de um grupo. De que distância se
trata? Distância por quê? Para quê? Freud, que já vinha
plesmente se consolando. Faz parte do jogo
haver novo sorteio, e tudo recomeça como
na loteria. Quando uma nova jogada é feita,
" o carretel se afasta e ele diz "bora", quando o
I I Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte, 2-25.10.97. carretel voltar, ele dirá "voltô". ,
6 CÉU O GARCIA PSICOLOGIA JURÍDiCA - OPERJ"-DORES DO SIMBÓLICO 7

A operação é aparentemente simples, mas é muito Vamos lembrar, de início, que o Direito Natural e o
trabalhosa quando montada pela primeira vez; mais trabalho Direito Divino estiveram, em determinada época, asso-
deu ~ara quem o~servou e descreveu as regras do jogo. ciados, em harmonia; os juristas e os filósofos cristãos
I.m~g~~emuma cnança que pensasse haver desaparecido assim o entenderam, estando a Lei natural baseada na
definitivamente o objeto que tanto ama; imaginem a psique Lei eterna estabeleci da por Deus.
~umana sem o ~ecurso simbólico, sem o dispositivo para No entanto, a partir do momento em que se admitiu
lidar com os objetos e as pessoas! As histórias contadas que o Direito Natural não dependia do direito divino ou
os mitos encontrados nas mais diferentes e variadas culturas Lei eterna, abriu-se espaço para o jusnaturalismo na sua
teriam a mesma função: propor uma concepção lógica do versão moderna. A tendência chamada jusnaturalismo é
mundo, por conseguinte, da Lei. No mito tudo é dado de um aspecto na evolução da doutrina do Direito Natural.
~a só vez: ~ origem dos homens é contada. Graças ao As doutrinas jusnaturalistas encontram-se freqüentemente
mito a necessidade material e bioló gica ganha um estatuto associadas às teorias do contrato social.
de necessidade lógica, e a Lei é explicitada. No Direito Positivo, de início, predominantemente
,. A distâ~ci~ de que falamos acima é dada pelo Sim- histórico, ócorreu um desdobramento típico. Agora, duas
. ?ohco e sua lógica, ambos surgidos com a interdição do tendências podem ser reconhecidas. Uma, reinante durante
Incesto, ambos tão bem retratados no jogo do neto de a primeira metade do século XX,é relativista em Ética e
agora sabemos, é coisa elaborada'
Freud. Q):::,im!2.Q.1ico, positivista em Teoria do Direito; a segunda, vigente em
ele não quer dizer simplesmente si~boÜs~o· ne~ nossos dias, apresenta-se como universalista e humanista.
tampouco lei coI? mi~úscula. Vamos examinar a q~estão De fato, o.início do século XX foi caracterizado
contrastando LeI e lei. por uma forte recusa da metafísica e, efetivamente, suas
A Lei foi concebida em tempos antiquíssimos como primeiras décadas foram marcadas por um vasto ceti-
um brado, uma voz gravada em tábuas; o som transfor- cismo filosófico quanto aos fundamentos racionais de
mado em e:critura ~oitransmitido de geração em geração. ordem de valores de alcance universal. Nem a natureza
O tom era rmperativo, seu pedido, rigor. (cosmocentrismo antigo) nem o teocentrismo cristão
(tradição medieval) nem mesmo a humanidade cami-
Para entendermos bem, vamos contrastá-Ia com as
nhando para o progresso (iluminismo) poderiam for-
leis naturais (da ciência, por exemplo): estas são enuncia-
necer princípios éticos indiscutíveis. Na área do Direito,
das gra7as a gráficos e cálculos; não existe segredo nem
esse movimento geral teve como conseqüência mani-
h~rm.etl~mo, tudo se baseia na demonstração. Se a Lei
festações como o Direito Positivo de Kelsen. No uni-
discrimina entre eleitos e condenados, as leis, ao abstraí- verso relativista no plano da ética, o dever-ser objetivo
rem o em-comum, nos fazem iguais na necessidade. será assumido pelo Direito Positivo. Contudo, os
positivistas não o erigem como fonte absoluta do dever.
2.1 Campo do direito: alguns parârnetros Tomam cuidado ao distinguir o positivismo, por eles
praticado no sentido metodológico, de um positivismo
Uma divisão bastante conhecida para as distintas como ideologia da justiça.
abordagens do objeto de estudo da ciência do Direito vem Para o positivismo lógico dominante no pós-guerra,
a ser a seguinte: Direito Natural e Direito Positivo. somente as proposições da ciência são providas de sentido;

.... - .. _-- .._._-_._ .... - _ ... ---'--- ... ---- .... _ ...
8 CÉLlO GARCIA PSICOLOGIA JURÍDICA - OPERADORES DO SIM8ÓLlCO

como foi observado, o funcionamento da ciência supõe inalienável com a qual convivemos e que t0111a p .sív I
em sua raiz urna escolha por valores tais corno toda comunicação. Como seriam os problemas de (.()fII{/
verificabilidade, simplicidade e coerência. Nem a Na- nicação agora que 58.0 três os personagens? A pr pru
tureza nem Deus nem a História forneceriam uma refe- lógica a que fizemos alusão poderá nos ajudar na a 01
rência infalível para sustentar as normas éticas. Essas dagem da questão, ou seja, ambas as partes terão qLI 'I
terão como referência o homem, mas não o homem iden- mediadas perante este terceiro.
tificado a uma essência, como fazia a metafísica, nem a
um indivíduo, à maneira do existencialismo. 2.2 Kelsen, um autor
Veremos como, no desdobramento, a intersubjeti-
vidade e a comunicabilidade vão substituir a Natureza , a Kelsen destacou-se como jurista durante toda n
Deus e a História, donde os direitos do homem, a tolerân- primeira metade do século xx.
cia recíproca, a negociação, a competência comunicativa, Em uma carta biográfica, ele disse: "nasci I PI'iII:iI
a mediação, como se diz atualmente. Antes de nos deter- no dia 11 de outubro de 1881". Com a idade d trôs !IlHH',
mos nesse assunto, uma palavra sobre a Psicanálise. os pais mudaram-se para Viena, onde ele fez cstu los dl
Poderia a Psicanálise encontrar na orientação teóri- Direito. Em 1917 já era professor na niv r idad til
co-prática, que promove a comunicabilidade, a intersubje- Viena, em 1919, professor titular. "Alé: I l ( I ill til)
tividade e a mediação, sua aproximação com o Direito? Direito e do Estado, sempre me ocupei de po!fll ':1",
Sim, com a condição de fazermos uma ressalva; caso con- continua em sua carta-testamento. Simpátic ao I IIlli!!"
trário, estaríamos entendendo o trabalho da Psicanálise social-democrata, o chanceler da Áustria en arr p )(1 0,
como um compromisso de aplicação às diversas situações em 1918, de preparar um projeto de constitui 110plll:l li
delimitadas pela comunicação e pela intersubjetividade. país. Kelsen teve que enfrentar uma forte op içnu b
Por exemplo, sabe-se que os manuais sobre mediação direita católica, abandonando em seguida o pai
reservam capítulos para os chamados conflitos interpes- Ternos muitas razões para dar atenção e dai"
soais, conflitos intrapsíquicos, indo buscar na Psicologia Kelsen, basta considerarmos seu interesse pela P i '\lIi'1
e/ou na Psicanálise subsídios para a abordagem dos referidas lise e por Freud, de quem comentou Psicologia d irupo
conflitos (de comunicação). Esses casos se limitam ao que e análise do ego logo após sua publicação, 1 texto
chamamos aplicação da Psicanálise. Sobre uma concepção do Estado e a Psicolo ia soriul.
Se pretendemos levar mais longe a investigação na com especial referência a Freud.' O próprio Kel 11 '11.1
tentativa de fazer justiça a uma certa originalidade da em urna nota, urna outra obra de Freud, igualment tio
Psicanálise, a resposta à pergunta acima poderá sei- não. seu conhecimento e merecedora de sua atençã : Totctn I'
Vamos tentar isolar o momento em que a Psicanálise
estaria implicada na teoria e na prática da ciência do 2 The conception oftlzestate and social Psychology with special rcf(ll '1/1'1
Direito. Neste caso, a mediação será implementada a partir to Freud s Group Theory (1924) 5, Int. Journal of Psycho-aualysi« I
38. Publicado inicialmente na revista Imago, em 1922. Ao lcmln 1I 11
da lógica implicada na linguagem, lógica que abrange os
importância de Kelsen, nos valhemos aqui de um comentário i111i1\1hlllll
dois personagens em jogo (parceiros, cônjuges) e o The basic norm as fiction. STEWART, Ian. The juridical Revi 'IV /1/1
mais-um, que vem a ser o terceiro corno referência Law Journal 0/ Scottislz Univertities, p. 199.
10 CÉLIO GARCiA
PSICOLOGIA JURÍDICA - OPERADORES DO SIMBÓLICO. 1,l

tabu. Ele relaciona este livro de Freud a um outro artigo ficção, então tudo o que dele depender deverá igualmente
de sua autoria intitulado O conceito de estado desde o ser uma ficção? Aí entra em jogo a função simbólica, já
ponto de vista sociológico ejurídico. Não vamos estranhar conhecida nossa, para nos dizer como funciona a ficção.
o fato de Freud ser consultado por alguém implicado em Na mesma época em que Kelsen sugere nova inter-
teoria do Estado; supõe-se que, naquela época, os escri- pretação da norma básica em termos de ficção, conclui
tos de Freud tinham impacto na política. que qualquer jusnaturalismo supõe um sujeito absoluto,
Quanto ao Direito, Kelsen conclui que ele teria a quem as normas do Direito N atura! serão atribuídas -
que ser normativo. Com isso, estaríamos tratando de certamente como autor - e a quem se atribui, finalmente,
estudar as proposições do Direito sem apelo a urna eventual um conteúdo psicológico. Ora, esse sujeito já havia sido
significação psicológica voltada para os comportamentos duramente criticado por Kelsen.
:
reais, ou à maneira como se efetuam em conformidade A pretensão de um sujeito absoluto com conteúdo
com as leis da natureza. Assim, abria-se um campo para psicolàgicõ se estenderia aos aspectos legais, acobertando
uma teoria do sujeito jurídico esvaziada de conteúdo a legalidade do positivismo legal, pois que tal atribuição
psicológico. Mas, qual seria o fundamento desta teoria, permite às normas legais pretenderem uma certa objeti-
já que não era a natureza e muito menos o direito divino? vidade. Essa suposta objetividade das normas legais (na-
Em que se fundamenta a lógica ou a dedução a partir de turais ou positivas) deriva, queiramos ou não, de urna atri-
uma norma? buição. É aí que surge o sujeito absoluto como autor. As-
.sim, Kelsen tomava evidentes as possibilidades e limita-
2.3 A norma, a ficção e a dimensão simbólica ções da concepção positivista da lei, Na verdade, a figura
;
da ficção volta na nossa contemporaneidade, seja pelas
Kelsen manteve seu conceito de norma básica como mãos de Kelsen, seja pelos textos de um utilitarista inglês,
fundamento até 1962 quando, aos 80 anos, demonstrando Bentharn. Veremos mais tarde como esse autor, que deixou
uma honestidade intelectual exemplar, declarou que havia livros sobre como construir prisões, sobre a felicidade
um engano em sua tese: a norma básica não passava de almejada pelos homens, sobre a maneira de se expressar a
uma ficção. Essa crítica feita a: sua teséaiiteriorencontra-se expectativa de felicidade, sobre Direito, vai nos interessar.
inidalmente no texto Afunção da constituição? Coube à Kelsen chamar a atenção para a extraordi-
Kelsen desconstrói, desmonta o conceito de norma nária reviravolta quando, nos anos 1960, este notável jurista
básica, caracterizando-a como uma ficção nos termos do austríaco declarou que em vez de hipótese como fundamento
filósofo neokantiano Vaihinger (filosofia do como-se, de suas teorias, caberia falar em ficção. Na verdade, se o
citada no texto de Kelsen), para quem uma proposição falsa idealismo racionalista considerava urna qualidade inata da
pode eventualmente ser de utilidade, como uma etapa do razão humana o fato de ela poder distinguir entre certo e
pensamento. Kelsen sugere que o conceito de norma básica errado, o positivismo desde sempre insistiu em separar:
vem a ser uma ficção. Se ?_ conceito de norma básica é~f1
as proposições que se referiam à existência;
3 Die Funktion der Verfassung (The constitutional function, na tradu- as proposições que se referiam ao dever-ser.
ção do autor do artigo citado por lan Stewart). Existe uma tradução (Na filosofia de língua inglesa, trata-se de
em espanhol, distinguir o is de ought).

----------,----_ ... _._,_. _.


12 CÉLIO GARCIA PSICOLOGIA JURÍDICA - OPERADORES DO SIMBÓLICO 13

Já sabemos que, para a nossa modernidade, não se verdade, até nossa contemporaneidade, quando encon-
encontrando o fundamento (da Lei, ou dos Estados) na tramos a ficção como fundamento de montagens jurídicas."
Natureza nem em Deus, apelamos para uma explicação a Encontramos em Bentham a ternática das ficções quando,
ser encontrada pela via da História, ou como no caso que em vez de um Direito Natural eivado de um transcen-
nos interessa, apelamos para a ficção, a qual vem suprir dentalismo cioso em dizer como deve ser a natureza
a carência de fundamento. Vamos acompanhar essa ex- humana, de um direito consuetudinário prejudicado pelo
traordinária aventura do pensamento jurídico em nosso empirismo, preferiu-se considerar a norma como resultado
século. Nessa operação levada a efeito por Kelsen, a Psi- de uma ficção.
canálise se encontrava implicada, grandemente implicada! Com efeito, as leis são feitas de palavras a serem
Bentham (1748-1832), ao tentar definir o que se certamente consideradas de acordo com Bentham, ou seja,
deveria entender por busca da felicidade, usou o termo como sendo nomes ou termos designando entidades
ficção, tratando-o com o rigor próprio dos utilitaristas. Com fictícias. Sabendo-se das exigências do pensamento ju-
Bentham, a felicidade deveria ser compreendida em termos rídico, a·linguagem de uso entre juristas não poderia
dispensar tais entidades fictícias, cuja existência é asse-
de ficção, mesmo que ela tivesse estatuto de verdade.
gurada pela linguagem. Trata-se de uma realidade verbal,
Ficção não no sentido de quimera ou fábula, mas como
cabendo a nós, que usamos essa, linguagem, como
aparelhos lingüísticos articuladores de motivos e desejos,
propunha Bentham, o exercício de urna crítica que não
última instância encontrada por trás dos interesses.
permita o abuso - abuso que chegaria eventualmente a
Bentham articula o utilitarismo e o suporte fornecido pela
uma patologia que seria à linguagem do como-se. Oportu-
linguagem, fazendo da passagem pela linguagem uma etapa namente, dedicaremos um capítulo ao exame da lingua-
inni~npnÇ,!~'\!Pl
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gem aqui chamada como-se.
veritatis, cunhada entre os doutores da Idade Média, Fica claro que o real não está composto somente
conhecida de São Tomás. A contribuição de Bentham toma por entidades sensíveis, palpáveis. A existência simulada
sentido na trajetória do termo ficção quando percebemos é aqui efeito de uma invenção consciente, sem que haja
que ele enumerava várias entidades, todas elas compro- fabulação, como no caso da linguagem como-se. Real e
metidas com um real difícil de ser nomeado, o que nos faz Simbólico articulam-se em tomo dessa referência. Em
concluir pelo caráter fictício em se tratando dos objetos Bentham, passando por Kelsen, a ficção foiconvocada como
em questão, da ordem simbólica, para sintetizar ... modalidade operatória.
O termo ficção permite, com efeito, que Kelsen se Nada impede que possamos distinguir Fictio juris
mantenha logicista sem abandonar a questão da verdade. e Praesumptio juris. A primeira resulta de invenção deli-
Ficção em Kelsen suge.r.ealgo equivalente a um mito fun- berada; a segunda, é uma suposição. Quando dizemos
dador, umlugar vazio sem referente semântico. Para se
chegar a tanto, ele terá acompanhado a longa trajetória 4 O Direito Romano já havia criado a persona fieta que, encontrando
do termo no pensamento jurídico, desde os romanos (ver lugar na Constituição, não era reconhecida com sujeito pleno de di-
reito. Ficções legais são constituídas graças a regras e procedimen-
a noção de persona ficta) , passando pela Idade Média, tos que fazem com que um acusado seja tratado com se estivesse
quando São Tomás dizia que aficção era uma figura da presente, enquanto que na verdade ele não está.
14 CÉLIO GARCIA PSICOLOGIA JURíDICA - OPERADORES DO SIMBÓLICO. ,.15
j

que a criança concebida durante o casamento tem como acaba por soar falso. Metáfora de quê? Do Falo
com certeza, isto é, da Referência absoluta trans-
pai o marido da mãe, trata-se de uma praesumptio; se
crita em termos de sexo.'? (tradução do autor)
tivéssemos que lançar mão da ficção estaríamos do lado
do Simbólico, conseqüentemente da ficção (ver possession
d'état no Direito francês). A ficção está do lado do que
A Psicanálise pode e deve ser vista como uma tenta-
tiva de pensar a questão da identidade da criança err:-f~ce
chamamos Simbólico, instância freqüentada pelos que
da variedade de figuras parentais, já que não nos limita-
estudam e trabalham na interface Psicanálise e Direito.
mos a urna referência única. Nostálgica do paradigma tradi-
c >

cional, nem sempre ela tem abandonado a idéia de um in-


2.4 Que seria ficção legítima? Qual a resposta da divíduo originário único. Abandonamos a idéia de uma
Psicanálise?
pirâmide do um e do múltiplo, de Deus P~i e suas criatur~s,
entramos numa era de pensamento multipolar; o que nao
Foi Montaigne quem nos deu as primeiras pistas significa.que estejamos desprovidos de uma axiologia.
para pensarmos a questão do Método e do Direito. Sem A leitura-que acaba de ser feita pretende ressaltar a
pejo de examinar a questão à luz das próprias ilusões/ dimensão simbólica. Psicanálise e Direito sempre vi-
desilusões, já que ela está sempre comprometida com veram e sobreviveram à sombra de nossa tradicional
os enganos e empáfias do Ego, pretenso senhor da casa maneira de abordar o tema. Nossa hipótese valoriza
onde pensamos morar, Montaigne chega a anotar em Essais tão-somente a revisão e a avaliação dos desgastes sofri-
Il, capo XII: Nosso direito conta com ficções legítimas dos por essa tradição. Assim, vamos propor uma defini-
sobre as quais ele fim da a verdade da sua justiça. ção minimalista da dimensão simbólica, escoim~~do~a
Não há dúvida de que, ão abandonar sua teoria da de qualquer carga religiosa, ou de outra proveniencia
. - - ." ,. , __ .J::... .-l~ ~ __ ..j... ••.•••

sedução, Freud decide-se por introduzir em seu projeto a susceptível de compromete-Ia quanto ao ruuueu uci u.o
temática daficção como característica dos relatos trazidos desta ou daquela instituição.
pelos pacientes. Por outro lado, o criador da Psicanálise
estava convencido de que nada havia de arbitrário na 2.5 A Lei, a lei e o sujeito
referida ficção. Pierre Legendre, com a autoridade que
lhe traz o fato de ter freqüentado longamente os textos de Sabemos da importância dos estudos e atendimentos
Lacan, adverte-nos: realizados por psicólogos e assistentes sociais quando
solicitados por juízes nas varas de Infância e Juventude, .
"Temos que esclarecer uma questão a respeito do assim como nas varas de Família.
pai. De tanto repetir a interpretação de 1. Lacan Os juízes que exercem atividades nas var8:S. <32.
quanto ao princípio paterno com a fórmula da Infância e Juventude, nas varas de Família podem solicitar
metáfora paterna, sem nenhuma precaução quanto do profissional de Serviço Social, do educador,. ?o
à implicação genealógica e quanto à montagem psicólogo estudo e intervenção no real do grupo familiar
de ficção que estão em causa na reprodução do
sujeito humano, essa fórmula trazida com pre-
caução pelo seu autor posteriormente banalizada LEGENDRE. L'inestimable objet de Ia transtnission. p. 360.
• !
16 CÉLlO GARClA PSICOLOGIA JURÍDICA - OPERADORES DO SIMBÓLICO 17
I
I
I (Clínica das Transformações Familiares), e não simples- ciência do Direito e a Psicanálise. Os juristas, os pro-
mente na realidade do chamado problema social. Cabe fissionais que trabalham na prática jurídica, demons-
aqui uma aproximação entre a Psicanálise e o Social, uma tram em seus comentários, em suas crônicas, ao mesmo
Psicanálise trabalhada em nível do que chamamos Clínica tempo o desconforto e a admiração diante do que cha-
do Social, um Social atento ao real do sujeito, ao seu maríamos um novo objeto (novo objeto a ser consagrado
próprio corpo, sujeito incluído na trama - não unicamente quando reconhecido pelas disciplinas implicadas). A
materializada, mas de valor e inscrição simbólicas, em metodologia para tratar desse novo objeto ainda falta,
estado de ruptura de suas relações baseadas na Lei. e, por vezes, mistura-se ao reconhecimento. Passemos,
A dimensão simbólica do juiz deverá ser percebida então, aos comentários que puderam ser recolhidos no
como um enunciado em nome da Lei para alguém cuja Recuei! Dalloz Sirey (1991).6
figura de pai - ausente ou inexistente - deixou falhas na
história do Sujeito, no estabelecimento da Lei. Nesse 2.7 Comentários e restrições à noção posse de estado
sentido, muita coisa pode ser feita pelo juiz. A Psicanálise
põe o delinqüente frente a frente com a Lei, e não somente
Entre as inovações do pensamento jurídico, conhe-
diante do Juiz de Direito e à lei. Aliás, um crime que é
cemos na França (assim como em OutTOS países) a prática
real para o sujeito pode não ser de interesse para o Direito,
de um instituto conhecido por Possession D' État, práti-
para o Juiz de Direito. A solidão dos obsessivos, o estigma
ca definida a partir de três elementos: nomen (nome),
dos perversos, testemunhas jamais ouvidas, nem arroladas,
tractatus (contrato) e fama (reconhecimento, especial-
escondem/mostram os restos de noites mal dormidas, ho-
mente pelo sujeito). É postulado em seu art.31 1-2:
ras criminosas, já disse alguém. Seria simples dizer que
esses sujeitos buscam tão-somente uma satisfação do ins-
"os fatos principais são: que o indivíduo tenha
tinto sexual; se o disséssemos, estaríamos tão-somente
o mesmo nome que aqueles de quem ele é pro-
atribuindo rótulos. Poderíamos continuar o exame da
cedente [Nome]; Que estes o tenham tratado
questão e mencionar igualmente casos em que a necessi- como filho, e que ele os tenha tratado como
dade de punição se toma evidente por ocasião do crime. pai e mãe; Que estes cuidaram de sua educa-
Envolvido em um verdadeiro jogo de polícia e ladrão, só ção, a sua manutenção [Contrato]; Que ele seja
resta ao delinqüente pagar com o próprio corpo e/ou a reconhecido como tal pela sociedade e pela fa-
vida uma dívida de caráter simbólico que diz respeito a mília [fama]; Que a autoridade pública o con-
sua condição de sujeito. sidere como tal."

i
, 2.6 Um caso especial na interface Psicanálise e Direito No sistema francês, a noção de patemidade esta-
I
I ria, assim, associada à noção de função paterna, à
!
medida que considera a posse de estado um elemento
I
\
Referimo-nos aqui à noção de posse de estado.
Trata-se de um caso exemplar, de um exemplo pri- fundamental para a determinação da paternidade. Enfim,
\ vilegiado, uma vez que ele convoca, ao mesmo tempo,
!
i
I
objeto de estudo e metodologia das duas disciplinas: a 6 GROSLIERE. Recuei! Daloz Sirey. p. 20.
!
18 CÉLIO GARCIA PSlCOLOGlA JURíDlCA - OP . RADORES 1 I M13ÓLI<'I j
I

em se tratando de um genitor, a posse de estado seria rísticas. Vejamos o comentário de um a lvoand )


uma garantia de que o pai deseja ser pai. Menciona- encontrado numa publicação do FÓ11.ll11 de Pan.
'Como apreciar o conteúdo sentimental se ist«
mos, em seguida, um resumo de reações e comentários
acontece no foro íntimo, longe de qualquer ttt)»
ao instituto em pauta:
toriedade? Para o legislador; ao que parece, o
vivido de uma filiação parece refletir necessa-

I
j
"Posse de estado, o âmbito da noção, seu campo de
aplicação estão estabelecidos: filiação legítima e
filiação natural. Quanto ao confronto com outras
riamente a verdade além de ser tido como coisa
simples' .. Em seguida, são citados casos de pos-
se de estado concorrentes,posse de estado am-
I noções vigentes, como por exemplo a noção de bígua. Cita-se um caso em que 'O marido ale-
título, vejamos a reação de um advogado militante
gou que a gestação de sua mulher desenvolveu-
na França: 'Ela (a 'posse de estado J é atualmente o
se normalmente, que a escolha em comum do
modo de prova privilegiado nos casos de filiação
enxoval da criança e de um nome constituíam
legítima e de filiação natural, mas podemos nos
uma posse de estado pré-natal...'
perguntar se outros problemas estão surgindo quando
substituímos o 'título 'pela 'posse de estado '.'
Conclusão: 'A posse de estado toca no fundo
do direito (...) em função de sua constatação,
Contestação: 'Ninguém pode contestar o esta-
a legitimidade pode ser incontestável ou sus-
do de quem tem a 'posse de estado' conforme
peita.' 'Aposse de estado se parece com a pró-
a seu título de nascimento. A interpretação 'a
pria vida e, como tal, ela não é simples .... (ela)
contrario 'permite contestar um estado quando
a 'posse de estado' não está em conformidade é uma situação de fato que não pode ser artifi-
com o título'. : cialmenteinfluenciada pela vontade'."
'Posse de estado' como prova; papel excessivo
a ela atribuído: 'Poderiamos nos perguntar se A bem da verdade, entendeu-se haver um conteúdo
o papel atribuído à 'posse de estado 'não está sentimental, o que é bem pouco para dar conta da função
sendo excessivo; seu papel de prova parece simbólica implicada na noção deposse de estado que, na
limitado'.
realidade, foi entendida como verdade sociológica, pois
Que tipo de prova: 'Ela (a 'posse de estado J não assim ficou mencionado no título do comentário: A posse
pode ser considerada judiciária, nem
extrajudiciária, pois que é estabe!ecida não por
de estado como peça central do direito e da filiação ou
uma ação de paternidade ou de maternidade na- perigo de uma verdade sociológica.
tural, mas por um ato por parte do juiz de tutela, Nosso comentário insiste em fazer admitir que o
um ato de notoriedade e, no caso de contestação Simbólico é a instância geradora de Leis. O Decálogo, na
dajiliação, por uma ação de contestação de posse tradição judaico-cristã, é fundador de códigos de toda es-
de estado: ela é uma prova para-judiciária'. pécie: sistemas de parentesco, lógicas, montagens jurídicas,
Emprego e uso da noção na prática forense: A etc. Referência absoluta, diz Legendre. Sabidamente,
manutenção por parte do pai não implica no que
todos esses campos são da seara do jurista. Por seu turno,
chamamosfama; o envio de pensão não basta se
esta prestação não tem como causa a convicção
foi reconhecidamente a Psicanálise que mais se ocupou da
de ser o pai da criança. Cabe ao J1m solicitarposse questão da Lei, das montagens ficcionais, da questão do
de estado em casos apresentando tais caracte- pai, do desejo, da culpa e da reparação
20 CÉLlO GARCIA PSICOLOGIA JURIDICA - OPERADORES DO SIM136L1C 21

Sendo assim, as duas disciplinas, Direito e Psica- o questionamento jurídico diz respeito à entrada
nálise, sempre se ocuparam das mais variadas manifes- do sujeito no universo simbólico. Cabe, portanto, urna
tações desta extraordinária capacidade (faculdade, já se reflexão sobre as elaborações jurídicas que pretendem
disse) de que é portadora a espéci.e humana: a de fabricar levar em conta a subjetividade. O jurista assume a tarefa
leis, a de estar sujeita a Leis. de enfrentar esse tipo de problema, interrogando-o na sua
Operadores do Simbólico, assim serão chamados complexidade, sem evitar o caráter inusitado, quase
tais profissionais em nossa atualidade, ela mesma pertur- impossível de algumas questões. O jurista se envolve tanto
bada pelas transformações susceptíveis de colocarem em quanto o psicanalista quando assegura um espaço para a
questão nossos códigos, por vezes, os mais bem estabele- incerteza estrutural documentada na pergunta: Que terá
cidos. Podemos citar o que é motivo de inquietação para o acontecido?, pergunta que ele se encarrega de levar do
professor Legendre, em carta que enviou aos organiza- nível individual ao nível coletivo. Trata-se de formular o
dores do 1 Congresso sobre Direito de Família, em Belo lugar do impossível de acontecer, do impensável, sem
Horizonte: nos limitarmos a repetir o que a ciência nos propõe com
sua performance técnico-científica. Foram os juristas, e
"Les juristes qui aujourd'hui étudient le droit des com eles as Escolas de Direito, que precederam o saber
personnes, le droit de Ia famille et des filiations, psi, assim como a tentativa de transmissão de um saber
ont à considérer que le systêrne juridique traduit sobre o tema. Tarefa nada fácil, pois trata-se de produzir
dans Ia:société l'exigence du principe de raison. efeitos no nível do próprio direito constituído. Longe de
(...) Les juristes doivent résister aux nouvelles ser o teólogo da ciência, o jurista é um intérprete; ele
idéologies, qui par exemple proclament le libre sabe que a idéia de natureza é uma ficção.
! choix du sexe, Ia libre disposition des norns, etc.,
A partir das noções abordadas ou somente men-
!
et résister à ces discours qui préparent aux
cionadas nesse capítulo introdutório - Lei, lei, ficção,
générations qui nous suivent un monde
symboliquement incohérent,"? paternidade, função paterna, dimensão s{Ínbó!ica e
outros - poderemos, no seguimento de nosso trabalho,
fazer valer a implicação entre Psicanálise e Direito na
Trata-se de uma incisiva manifestação do professor
análise do material atinente à família. Iremos, por exemplo,
Legendre, inicialmente convidado para estar presente no
aprofundar a noção de ficção e examinar o que ela nos
Congresso. No momento, não nos cabe discutir as posições
fornece em teimas de função simbólica, assim como
! por ele assumidas. Prestamos aqui apenas uma homena-
critério de verdade.
I gem ao jurista, professor da Universidade de Paris, sempre
atento às questões do sujeito do inconsciente.

7 Os juristas que se dedicam ao estudo do direito da família e da filiação


estarão lembrados de que o sistema jurídico traduz a exigência do prin-
cípio da razão (...) Os juristas devem opor resistência às novas ideolo-
gias que, por exemplo, proclamam a livre escolha do sexo, a livre dis-
posição do nome etc. Resistir, portanto, aos discursos que preparam
um mundo simbolicamente incoerente para as gerações futuras.

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