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Abstract: This paper proposes to identify the key aspects to the development of students’
competencies in technical educational institutions. Therefore, it relies on a qualitative research
of phenomenographic nature” seeking to apprehend the perception of FAETEC professionals and
representatives of the labor market in the city of Rio de Janeiro between April and July 2008.
The theoretical view comprised: (a) the concept of competency from several theoretical points
of view; and (b) pedagogy of competencies in Brazilian professional education. The process
of analysis, which initially consisted of six categories of description – Technicians’ Conception
1
Este estudo foi financiado pela FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.
Percepções acerca dos aspectos-chave para o desenvolvimento de competências no ensino técnico
of Competencies, Technical Education’s Role for Career Opportunities in the Labor Market,
Labor Market Requirements regarding the Preparation of Students; Teacher’s Role in Students’
Technical Training; Student’s Role in Their Technical Training; Involvement in the Construction
of the Curriculum by Competencies – was followed by the construction of a framework of
reference that discusses the issue of development of competencies from two perspectives of
analysis: Meaning of Competencies and Formation of Competencies. Regarding the meaning of
competencies, it showed that the interviewed naturally associate that concept to “know-how”,
to practical performance. Two possible interpretations of this phenomenon are outlined: (a)
the people involved have assimilated the official discourse about the notion of competency; (b)
teachers also have an active role in the labor market. Regarding the formation of competencies,
three categories constituted its pillars: the construction of the school curriculum, the role of
the teacher and of students in the educational process.
que as escolas técnicas desempenham 1997), Educação (Perrenoud, 1999), ser central e estar presente em
no que concerne ao atendimento das Sociologia do Trabalho (Hirata, todas as atividades; para tanto,
demandas do mercado empregador, o 1994; Ropé e Tanguy, 1997). a comunicação é fundamental
presente trabalho se propõe a revelar Ao traçar uma breve história do (Zarifian, 2001).
a percepção de agentes formadores e conceito, Fleury e Fleury (2000)
receptores de mão de obra a respeito observam que o debate francês sobre Dessa forma, a competência mo-
do desenvolvimento das competên- competências nasceu nos anos 70, a bilizada se torna inerente ao trabalho
cias nas escolas técnicas estaduais partir da insatisfação da capacitação desenvolvido por um indivíduo que
(ETEs). Para tanto, encontra-se or- dos trabalhadores, que se apresen- cada vez mais enfrenta situações
ganizado em cinco seções, incluindo tava não mais condizente com as complexas e imprevistas (Fleury e
esta introdução. A segunda expõe o demandas do mercado empregador, Fleury, 2000). Assim, o trabalho me-
aporte teórico, a terceira narra os pro- prioritariamente as indústrias. Dessa ramente associado às descrições das
cedimentos metodológicos, a quarta forma, iniciou-se uma reflexão a funções desempenhadas por cargos
discorre sobre as revelações do cam- respeito da formação profissional, passa a ser ultrapassado. Fleury e
po de pesquisa, e, por fim, a quinta principalmente técnica, por meio Fleury (2000) definem competência
ilustra as considerações finais e traça da correlação entre as competências de um profissional como: “um saber
uma agenda para futuros estudos. e o saber agir no referencial do di- agir responsável e reconhecido,
ploma e do emprego, com vistas à que implica mobilizar, integrar,
Competências: conceitos melhoria da formação dos trabalha- transferir conhecimentos, recursos,
e implicações dores e, consequentemente, de sua habilidades que agreguem valor
empregabilidade (Fleury e Fleury, econômico à organização e valor
A fim de compor um referencial 2000). Nos anos 90, o debate sobre social ao indivíduo”. Por sua vez,
teórico que sustentasse a discus- competências ultrapassou a discus- Dutra (2001) considera que refletir
são dos resultados encontrados na são no nível da qualificação. A esse sobre competências significa adicio-
pesquisa de campo, buscaram-se, respeito, Zarifian (2001) destacou nar aos conhecimentos, habilidades
na literatura acadêmica, algumas três mudanças no mercado de tra- e atitudes (inputs) a entrega efetiva
referências acerca do conceito de balho que justificavam a emergência (outputs) que um indivíduo oferece
competências e da pedagogia das do modelo de competência para a à organização. Nesse sentido, as
competências na educação profis- gestão das organizações: competências somente serão úteis às
sional brasileira. empresas se contiverem as entregas
A noção de incidente: aquilo que (ações). Por sua vez, o conceito de
O conceito de ocorre de forma imprevista, não entrega está associado à efetiva ação
competências programada, vindo a perturbar o do indivíduo no exercício de suas
desenrolar “normal” do sistema atividades de trabalho. A entrega
O conceito de competência des- de produção, ultrapassando a traduz a real contribuição do pro-
perta amplo interesse ao refletir as capacidade rotineira de assegu- fissional no cumprimento de uma
necessidades de formação do traba- rar sua autorregulação (Zarifan, determinada competência (Ruas et
lhador na sociedade atual. Além dis- 2001, p. 20). Isso implica que a al., 2005).
so, apresenta diversas interpretações competência não pode estar con- No que diz respeito aos tipos
e tem em sua aplicação uma elevada tida nas predefinições da tarefa; a de competências, Markert (2000)
complexidade. A justificativa para pessoa precisa estar sempre mo- identifica as categorias centrais do
tal polarização se dá a partir da bilizando recursos para resolver conceito integral de competências:
ampla abrangência e multidiscipli- as novas situações de trabalho; a competência técnica (trabalho),
naridade acerca do tema (Ruas et
Comunicação: comunicar im- “voltada para o domínio do proces-
al., 2005). Segundo esses estudiosos, plica compreender o outro e a so de trabalho”, e a competência
não há um tratamento homogêneo si mesmo; significa entrar em comunicativa, “direcionada para as
e unidimensional na aplicação do acordo sobre objetivos orga- relações humanas sem restrições,
conceito de competência. Ao con- nizacionais, partilhar normas que são incompatíveis com as es-
trário, tal conceito apresenta diversas comuns para sua gestão; truturas de classe” (Markert, 2000,
82 perspectivas: Economia e Estratégia
Serviços: a noção de serviço, de p. 1). Enquanto isso, Zarifian (2001)
(Porter, 1985, 1996; Prahalad e Ha- atender a um cliente externo ou diferencia as seguintes competências
mel, 1990; Coriat, 1994; Teece et al., interno à organização, precisa em uma organização:
Educação Unisinos
Percepções acerca dos aspectos-chave para o desenvolvimento de competências no ensino técnico
sobre processos: os conhecimen- ordem teórica e empírica postas pela como: a falta de sintonia da educa-
tos sobre o processo de trabalho; realidade atual. Ramos (2001) toma ção profissional com a realidade; o
técnicas: conhecimentos especí- como ponto de partida a qualificação histórico dualismo entre educação
ficos sobre o trabalho que deve enquanto um conceito central na profissional e ensino médio, com
ser realizado; relação trabalho-educação para de- aquela voltada unicamente para o
sobre a organização: saber orga- fender a existência do deslocamento fazer; a baixa qualidade da forma-
nizar os fluxos de trabalho; conceitual: da qualificação à compe- ção dos técnicos de nível médio e
de serviço: aliar à competência tência. Admitindo que o conceito de a orientação assistencialista e eco-
técnica a pergunta: qual o impac- qualificação é polissêmico, Ramos nomicista da educação profissional
to que este produto ou serviço (2001) entende que essa noção or- (Araújo, 2002).
terá sobre o consumidor final?; denou, historicamente, as relações As diretrizes apregoam a auto-
sociais: saber ser, incluindo ati- sociais de trabalho e de educação nomia e a flexibilidade pedagógica
tudes que sustentam os compor- face à materialidade do mundo com o objetivo de facilitar a revisão
tamentos das pessoas; Zarifian produtivo. Porém, a centralidade e a atualização permanente dos cur-
(2001) identifica três domínios da qualificação tende a ser ocupada rículos com vistas ao alinhamento da
destas competências: autonomia, pela noção de competência que, gra- formação do aluno com as competên-
responsabilização e comunicação. dativamente, torna-se um conceito cias mais adequadas às demandas de
“socialmente concreto”. Justificando um mercado complexo e dinâmico.
Zarifian (2002) ocupa-se em a atualidade do conceito de qualifi- O Parecer 16/99 defende, ainda,
associar competência à iniciativa e cação como relação social, observa um tipo de formação unificada que
à responsabilidade profissional. No Ramos (2001) que o significado de possa ser construída pelo uso de
que se refere à iniciativa, o autor res- qualificação se transformou em fun- competências comuns das áreas na
salta a preocupação com os outros, ção das disputas teórico-filosóficas educação profissional, com o intuito
ou seja, ao se antecipar a uma ação, o e socioempíricas, por conta das de enfrentar o histórico dualismo da
indivíduo demonstra a preocupação mudanças nos processos produtivos. educação no Brasil entre a educação
com os outros. No que concerne à Sem substituir ou negar o conceito profissional e a educação geral (Bra-
responsabilidade profissional, essa de qualificação, a competência o sil, 2008). Dessa forma, pretende,
vem embutida de uma interiorização nega e o afirma, simultaneamente, sem conseguir, estimular a ideia de
do “responder por”, tendo uma negando algumas de suas dimensões equidade (Araújo, 2002). A esse
base explicitamente jurídica – cada e afirmando outras. Insistindo que a respeito, em análise retrospectiva,
indivíduo tem a consciência de seus noção de competência não atualiza a Kuenzer (1998) considera que a du-
atos ou da falta desses e das suas de qualificação, Ramos (2001, p.41) alidade existente no ensino profissio-
respectivas consequências. Dessa argumenta que, se assim o fosse, nal é reparada significativamente em
forma, Zarifian (2002) converge o “não se justificaria a emergência de 1961, com a promulgação da Lei de
trabalho ao indivíduo, sendo o pri- um novo signo”. Diretrizes e Bases da Educação Na-
meiro a condição subjetiva à ação do No que diz respeito à Educação cional (Lei 4024/61) face às mudan-
segundo, ao contrário do taylorismo Profissional, o parecer 16/99 da ças ocorridas no mundo do trabalho.
e do fordismo, que distanciavam Câmara de Educação Básica do Assim, pela primeira vez, a legislação
subjetivamente o indivíduo das ta- Conselho Nacional de Educação reconhece a completa articulação
refas que lhes eram impostas. define as diretrizes curriculares “do ensino profissional ao sistema
nacionais como conjunto de prin- regular de ensino, estabelecendo-se
A pedagogia das cípios, critérios, definição de com- a plena equivalência entre os cursos
competências na petências profissionais gerais por profissionalizantes e os propedêuti-
educação profissional área profissional e procedimentos cos para fins de prosseguimento nos
a serem observados pelos sistemas estudos” (Kuenzer, 1998, p. 368).
Ramos (2001) fornece uma con- de ensino e pelas escolas na organi- Na interpretação de Kuenzer (1998,
tribuição relevante e instigante à zação e planejamento da educação p. 368), a equivalência, que poderia
discussão sobre a diferenciação profissional de nível técnico (Brasil, ser considerada por alguns como um
entre os conceitos de qualificação 2008). Esse parecer objetivou sanar avanço, àquela época não superava
profissional e competência. A noção alguns problemas verificados na a “dualidade estrutural”, posto que 83
de competência surge com o obje- Educação Profissional Brasileira continuavam a existir dois ramos
tivo de atender às necessidades de (Araújo, 2002; Rocha, 2004), tais distintos de ensino.
Para os efeitos desse Parecer, a articulação entre educação profis- mas, questionamentos, tomada de
entende-se por competência profis- sional e ensino médio e a elevação decisões, iniciativas e polivalência
sional “a capacidade de articular, da formação de cultura geral dos profissional. Assim, no que se refere
mobilizar e colocar em ação valores, técnicos. Para o CNE, o improviso à grade disciplinar, é esperado que
conhecimentos e habilidades neces- e a baixa qualidade associados à o currículo passe a ser um conjun-
sários para o desempenho eficiente e educação profissional estão dire- to de situações-meio, organizado
eficaz de atividades requeridas pela tamente relacionados à integração de acordo com uma concepção
natureza do trabalho”. Assim, para o dessa modalidade com o ensino criativa local e particular, voltado
MEC, “o conhecimento é entendido médio. Dessa maneira, de acordo para a geração de competências.
como o que muitos denominam com o CNE, no parecer 16/99, cabe Pretende-se, assim, o rompimento
simplesmente saber. A habilidade ao ensino médio, no contexto da com o currículo tradicionalmente en-
refere-se ao saber fazer relacionado profissionalização, a preparação bá- tendido como uma grade disciplinar
com a prática do trabalho, transcen- sica para o trabalho, entendida como preestabelecida, obrigatoriamente
dendo a mera ação motora”. O valor etapa de desenvolvimento da auto- reproduzida pelas escolas (Brasil,
se expressa “no saber ser, na atitude nomia intelectual e do pensamento 2008, p. 7). A contextualização das
relacionada com o julgamento da per- crítico. E, ainda segundo o Parecer, competências deve ser assegurada
tinência da ação, com a qualidade do cabe à educação profissional de ní- ainda, segundo o Parecer 16/99,
trabalho, a ética do comportamento, a vel técnico o desenvolvimento das pelo uso de uma metodologia prá-
convivência participativa e solidária e competências específicas, referentes tica que deve constituir e organizar
outros atributos humanos, tais como às habilitações, e das competências os currículos, inclusive abrangendo
a iniciativa e a criatividade” (Brasil, por áreas, necessárias à formação estágio supervisionado a ser realiza-
2008). Verifica-se que a noção de de técnicos de nível médio inseridos do em empresas e outras instituições
competência nos documentos oficiais em uma sociedade em mutação e ao (Araújo, 2002).
está atrelada ao aprendizado (saber), desenvolvimento de aptidões para a Dessa forma, há de se concordar
à ação (saber-fazer), à identidade vida produtiva (Brasil, 2008). com Araújo (2002), a respeito do
(saber-ser) e à sensibilidade (saber- No que concerne às orientações fato de que se imputa às instituições
conviver). De acordo o CNE, no e aos princípios específicos da or- de ensino a difícil identificação das
parecer 16/99, a ética da identidade, ganização da educação profissional, demandas da sociedade, do mercado
colocada como valor, deve promover o Parecer 16/99, do CNE, normatiza de trabalho e dos indivíduos. Con-
a identificação do indivíduo com seu que a educação profissional pautada tudo, inexiste qualquer sugestão de
trabalho, pressupondo responsabili- na laborabilidade é condição direcio- instrumentos ou de metodologias
dade e autonomia para decidir entre nadora de atendimento às demandas para tal, sugerindo haver, por parte
diferentes alternativas, gerando um do mercado de trabalho, da socie- dos agentes reguladores, uma des-
resultado eficaz para a organização dade e dos indivíduos. Assim, de consideração a respeito da falta de
(Brasil, 2008). Contudo, Silva (2010, acordo com o CNE (Brasil, 2008, p. experiência e conhecimentos insti-
p. 19), quando aborda essa temática 96), busca-se estruturar um tipo de tucionais para a operacionalização
no âmbito do ensino médio, pondera formação profissional dinâmica, que da matriz por competências nas
que, na definição das competências desenvolva a capacidade de o técni- instituições de ensino. Além disso,
pretendidas, os textos oficiais pro- co manter-se em atividade produtiva não existem indicações quanto ao
duzem listagens de competências; e geradora de renda em contextos so- necessário aporte de recursos – in-
assim, incorrem em uma proposta de cioeconômicos mutáveis e instáveis, clusive de pessoas – e equipamentos
organização do currículo em bases transitando entre variadas atividades que pudessem permitir às escolas
“demasiadamente genéricas”, que produtivas. Imputa-se, dessa forma, assegurar uma formação que respon-
promovem uma confusão quanto ao ao indivíduo a total responsabilidade desse a essas demandas. Quanto ao
sentido, à finalidade e à natureza da por se manter empregável. papel dos docentes, Araújo (2002)
educação escolar ou de outros espa- A ideia de competência para aponta que o Parecer indica a neces-
ços de formação. a laboralidade implica, para as sidade de contínua atualização a essa
No que diz respeito ao desenvol- instituições de educação profissio- nova configuração da educação pro-
vimento das competências, duas es- nal, a organização de programas fissional de nível técnico por meio
84 tratégias se destacam e se constituem que inclua conteúdos e meios que de ações continuadas de formação
no cerne da educação profissional favoreçam o desenvolvimento de que devem ser pautadas por com-
proposta pelo CNE: a separação e capacidades de resolução de proble- petências diretamente voltadas para
Educação Unisinos
Percepções acerca dos aspectos-chave para o desenvolvimento de competências no ensino técnico
o ensino de uma profissão. Dessa própria de relevância. O mundo, ser descobertas pela imersão nos
forma, o Parecer define uma lista de então, é perscrutado a partir do ponto dados, que, na maioria dos casos,
competências necessárias, tais como de vista específico de cada observa- são as transcrições das entrevistas.
conhecimento das filosofias, conhe- dor (Marton 1981; Åkerlind, 2005). As categorias, portanto, não são e
cimento e aplicação de diferentes O entrevistador deve estabelecer não devem ser determinadas com
formas didáticas, consciência crítica o fenômeno como uma experiência antecedência, mas devem “emergir”
e ética e flexibilidade frente às mu- e explorar seus diferentes aspectos a partir dos dados (Åkerlind, 2005).
danças, entre outras (Brasil, 2008, tanto quanto possível. A entrevista Após definidas as categorias, o pes-
p. 113). Contudo, não tangencia as deve seguir uma determinada linha quisador deve rever as transcrições
condições materiais, tecnológicas ou de questionamento até que o parti- da entrevista para determinar se
salariais asseguradoras da qualidade cipante não tenha mais nada a dizer as categorias são suficientemente
do trabalho docente. ou até que o pesquisador e partici- descritivas e indicativas dos dados.
pante tenham alcançado algum tipo Essa revisão pode resultar em mo-
Procedimentos de entendimento comum sobre o dificação, aditamento ou supressão
metodológicos tema em discussão. A percepção do de categorias. Esse processo de alte-
entrevistado não está previamente ração e revisão continua, reduzindo
Por se tratar de uma pesquisa constituída e disponível para ser lida. sucessivamente a taxa de mudança,
qualitativa (Creswel, 2007), onde São aspectos da consciência dos in- até que as categorias pareçam con-
se pretende extrair a opinião de divíduos que mudam de inconsciente sistentes com os dados da entrevista
indivíduos acerca de um fenômeno, a consciente, durante o processo de e assim, finalmente, todo o sistema
a partir da experiência vivida por entrevista (Marton, 1994). Portan- de significados é estabilizado (Tes-
eles, optou-se pela abordagem fe- to, um questionário estruturado é ch, 1990).
nomenográfica (Tesch, 1990). A fe- dispensável para esse tipo de entre- As “categorias de descrição”
nomenografia é um estudo empírico vista. O pesquisador pode ter uma hierarquizadas são chamadas de
sobre as diferentes formas como as lista de perguntas a abordar. Porém, “espaço de resultados”. Esse espa-
pessoas experimentam, interpretam, o entrevistado pode seguir linhas ço fornece um instrumento para a
percebem, apreendem, compreen- inesperadas de raciocínio, levando caracterização, em termos quali-
dem e conceituam um fenômeno, um o pesquisador a novas reflexões. As tativos, da questão analisada. Se a
assunto ou um determinado aspecto entrevistas devem ser gravadas em entrevista abordou vários tópicos
da realidade (Marton, 1981, 1994). áudio, transcritas integralmente e ou múltiplos aspectos de um deter-
O objetivo central dessa abordagem analisadas. A análise de dados é um minado fenômeno, o pesquisador
é compreender os fenômenos a processo que implica esforço para pode desenvolver um “espaço de
partir do ponto de vista de quem os identificar temas (ou “categorias resultados” para cada tópico. Com
vivencia, coletando e analisando as de descrição”) que constituirão um os dados classificados, o foco da
suas percepções, buscando elucidar sistema de organização a partir dos análise deve ser entre as diferenças
as diferentes concepções possíveis dados coletados. Para estabelecer es- na estrutura da consciência e o sen-
a respeito de um determinado fe- sas categorias, o pesquisador deverá tido correspondente do fenômeno
nômeno. Trata-se, assim, da análise identificar, segundo semelhanças e ou situação. Como se trata de uma
coletiva das experiências individuais diferenças de significados, catego- pesquisa empírica, o pesquisador
(Marton, 1981; Åkerlind, 2005). rias qualitativamente distintas, des- não irá sistematizar e divulgar a
As variações de percepções são critoras das formas como diferentes sua própria reflexão, mas a de seus
possíveis na medida em que há pessoas experimentam um fenôme- entrevistados. Consequentemente,
experiências análogas do fenômeno no. As categorias de descrição serão o pesquisador pode construir não
fora da situação em questão, do utilizadas para classificar extrato dos apenas um conjunto de significa-
que aconteceu antes de seu início textos coletados, conhecido como dos diferentes, mas uma estrutura
e do que vai acontecer em seguida. processo de codificação (Tesch, lógica, relacionando os diferentes
A experiência vivida se estende no 1990). significados. Essa construção pode
espaço e no tempo indefinidamente. Os pesquisadores do método fornecer uma maneira de olhar para
Logo, o ser humano está ciente de fenomenográfico acreditam que há uma experiência humana coletiva
tudo o tempo todo. Mas certamente um número limitado de categorias de forma holística, apesar do fato 85
não ciente de tudo da mesma manei- possíveis para cada conceito em de que o mesmo fenômeno pode ser
ra. Cada situação tem sua estrutura estudo e que essas categorias podem percebido de forma diferente por di-
ferentes pessoas e em circunstâncias doras de alunos egressos da FAETEC. acesso à percepção dos indivíduos
diferentes (Åkerlind, 2005). O Quadro 1 sintetiza a seleção dos que fazem parte dele e que vivenciam
Na fenomenografia, um grupo pe- sujeitos realizada para esta pesquisa. o fenômeno em análise. O Quadro 2
queno de entrevistados (normalmente sumariza os espaços de resultados
entre 20-30) que apresentam variação Análise e discussão dos encontrados a partir da análise do
com relação a determinados indica- resultados discurso dos entrevistados.
dores-chave (como idade, gênero,
experiência) é o tradicional (Åkerlind Em acordo com as recomenda- Significação de
et al., 2005). A seleção de sujeitos ções de Marton (1986) e Åkerlind competências
baseada na variedade relaciona-se com (2005), as seis categorias inicial-
a ideia de aumentar as possibilidades mente encontradas na análise dos Este espaço de resultados abriga
do pesquisador em ter acesso a uma depoimentos dos entrevistados as percepções acerca da concepção
foram submetidas a um processo de de competências dos técnicos, do
maior variedade de relatos sobre a
refinamento que resultou em dois papel do ensino técnico enquanto
experiência com o fenômeno estudado
espaços de resultados: Significação formador de oportunidades para o
(Åkerlind, 2005). Com o objetivo de
de Competências e Formação de mercado de trabalho e das exigên-
seguir essa orientação, vinte e sete
cias do mercado de trabalho no que
sujeitos foram entrevistados entre Competências. As categorias de
concerne à preparação dos alunos.
abril e julho de 2008. Abordaram-se: descrição e a relação entre elas são o
Os entrevistados, em sua maioria,
gestores, diretores, coordenadores resultado da pesquisa fenomenográ-
associam o conceito de competência
pedagógicos, professores e o pessoal fica. Cada categoria é definida em
à prática profissional, corroborando
de apoio administrativo, de três esco- termos de seus aspetos estruturais e
a visão de Markert (2000) a respeito
las técnicas estaduais, definidas em relacionais. O conjunto de categorias
do conceito de competência técnica
entrevistas preliminares, em janeiro de descrição que estão relacionadas
“voltada para o domínio do processo
e fevereiro de 2008, na FAETEC. entre si é denominado de Espaço de trabalho”. Eis o depoimento do
Os critérios norteadores da escolha fo- de Resultados. Logo, o conjunto de entrevistado P a esse respeito:
ram: (a) Natureza socioeconômica da categorias de descrição constitui um
região onde a instituição se inseria; (b) sistema que descreve um fenômeno O ensino técnico sempre trabalhou com
Tipos de produtos/serviços educacio- a partir da perspectiva de um grupo competências, habilidades. É ensinar
nais oferecidos (cursos ministrados). (Stoodley, 2009). Por meio desse tipo a fazer, construir. Já é uma questão
Além disso, entrevistaram-se dois de estudo, pessoas externas ao grupo bem colocada dentro do ensino pro-
fissionalizante [...] e a gente tem que
selecionadores de empresas contrata- selecionado para as entrevistas têm
Entrevistas Duração
Local Visitas
Tipo Qtde (horas)
Educação Unisinos
Percepções acerca dos aspectos-chave para o desenvolvimento de competências no ensino técnico
Espaços de
Categorias Iniciais Descrição
Resultados
Educação Unisinos
Percepções acerca dos aspectos-chave para o desenvolvimento de competências no ensino técnico
para o mercado de trabalho. Esse ficação. É possível ocorrer que um e talvez acriticamente, assimilam
papel, na opinião de alguns entre- aluno manifeste a intenção de trocar e adotam a noção de competência
vistados, é diferenciado na medida de estágio quando próximo à con- conforme consagrada no mercado.
em que ensina o conteúdo que os clusão da carga-horária destinada ao Ainda sobre significado de com-
alunos usarão na prática profissional. estágio supervisionado. Conforme petências, vale destacar a distinção
Nesse sentido, a experiência dos ilustra o entrevistado D: “Essa esco- encontrada entre a competência
professores no mercado de trabalho lha até acontece. Acontece porque se técnica (desempenho das funções
enriquece as discussões em sala de a gente for ver o lado social da coisa, específicas do trabalho) e a compor-
aula, conforme os depoimentos dos lembrando que preferem uma bolsa tamental (desempenho das funções
entrevistados E, S e V. Segundo em relação à outra maior.” Além gerais/gerenciais do trabalho). As
esses entrevistados, o professor, disso, os entrevistados observaram competências relacionais/compor-
ao compartilhar sua experiência de que o comprometimento do aluno tamentais foram apontadas como as
mercado com os alunos, contribui pode ser reforçado quando ocorre o mais importantes nos momentos de
para a formação técnica. Eis o tes- ingresso na escola por meio de um seleção e avaliação e encontravam-
temunho do entrevistado V a esse teste vocacional. se relacionadas a aspectos como
respeito. comprometimento, esforço, dedi-
Considerações finais cação e proatividade.
O papel do professor é justamente No que diz respeito à formação
passar o conhecimento que ele ad- O objetivo desta pesquisa foi de competências, três categorias
quiriu. Porque nós aqui utilizamos, verificar a percepção tanto de formaram seu pilar: a construção
normalmente, a nossa mão de obra. profissionais atuantes no ensino da matriz curricular, o papel do
Ela já é de pessoas qualificadas atra-
técnico quanto de selecionadores professor e do aluno no processo
vés de concurso, e essas pessoas, elas
foram, de certa forma, já trabalharam do mercado de trabalho a respeito formativo. Descobriu-se que a or-
em empresas. Toda a nossa mão de dos aspectos importantes para o ganização da matriz curricular por
obra já tem essa experiência. Então, desenvolvimento de competências competências em módulos facilita o
eles passam essa experiência que dos alunos das escolas técnicas desenvolvimento de competências
adquiriram ao longo dos anos para o estaduais do Rio de Janeiro. Ou- dos alunos, assim como a avaliação
nosso aluno. tras questões secundárias estavam dessas competências adquiridas. No
relacionadas às expectativas das entanto, deve-se considerar o regis-
No que se refere ao papel do escolas técnicas estaduais e de seus tro de Araújo (2002), para o fato de
aluno para a formação, a percepção funcionários no processo de imple- que a modulação pode fragmentar o
dos entrevistados é a de que o caráter mentação da matriz curricular por processo formativo se os módulos de
comportamental é um fator decisivo competências. Ao final do processo cada disciplina não forem elaborados
para o sucesso do aluno tanto na vida de análise e de refinamento das seis com o devido cuidado para assegurar
escolar quanto na sua inserção no categorias iniciais, dois espaços de a sequência lógica da formação e
mercado. Nesse sentido, o entrevis- resultados, estreitamente relacio- uma compreensão global dos pro-
tado B destaca o comportamento do nados, foram encontrados: signifi- cessos produtivos. Ademais, falta um
aluno como um diferencial para a cação e formação de competências. entendimento a respeito de como a
certificação, no momento do recru- No que diz respeito à significação operacionalização do conceito deve
tamento das empresas para estágios. de competências, verificou-se que ocorrer. Ao proverem autonomia às
Eis um depoimento a esse respeito: os entrevistados associam, natural- ETEs, as entidades reguladoras dei-
mente, o conceito ao “saber fazer”, xaram a impressão de que não sabem
O serviço de orientação educacional
à atuação prática. Para esse fenô- “como” desenvolver/implementar a
de uma escola está atuando junto com
o Estado nessa preparação dos alunos
meno, esboçam-se duas possíveis matriz por competências. Essa per-
quanto às entrevistas, comportamen- interpretações: (a) os envolvidos cepção reforça os estudos acerca das
tos e atitudes. Então, tem essa coisa assimilaram o discurso dos órgãos dificuldades de operacionalização
integrada. A gente tenta... oficiais a respeito da noção de das competências e vai ao encontro
competência; (b) os professores são, dos achados de Silva (2010), que
Foi também manifestado que a também, profissionais atuantes no descobriu que apenas 70% das es-
atratividade do valor da bolsa para a mercado de trabalho. Dessa forma, colas de Ensino Médio da cidade 89
escolha do estágio pode, em alguns a partir de uma perspectiva apoiada de Curitiba (PR) procederam a uma
casos, prejudicar o tempo de certi- em uma racionalidade instrumental, incorporação apenas formal das pro-
posições acerca da matriz curricular No que se refere ao papel do alu- competências comportamentais em
por competências. As escolas em no na formação técnica, em conso- seu projeto pedagógico. Além disso,
análise afirmam que reformularam nância com o discurso do MEC, os poder-se-ia avaliar as implicações
suas propostas de projetos políticos entrevistados julgam que, idealmen- de tal proposição na formação do
pedagógicos estruturando-os com te, o discente deveria aprender como jovem tanto na condição de aluno
base na definição de competências sujeito ativo, pensante, autônomo, quanto de ingresso no mercado de
e habilidades de/ou na relação entre protagonista do processo. Contudo, trabalho.
saberes e suas tecnologias. Contudo, os entrevistados reconhecem que a Considera-se que este estudo
não promoveram alterações em suas motivação dos alunos muitas vezes contribui para a melhoria do en-
práticas pedagógicas. Segundo Silva é prejudicada na modalidade de en- sino técnico ao sinalizar alguns
(2010), algumas das escolas justifi- sino concomitante. Essa modalidade elementos-chave para o desen-
cam esse fenômeno a partir de duas tem a carga horária muito pesada volvimento de competências nas
perspectivas: (a) os professores não para a formação média e técnica em escolas técnicas estaduais. Contu-
entenderam que alterações seriam conjunto, ocasionando muitas vezes do, uma última consideração a ser
necessárias pôr em prática; (b) as di- a evasão do curso. feita diz respeito ao alerta lançado
ficuldades de interpretação das pro- Em função da delimitação deste por Araújo (2002, p. 16): deve-se
posições oficiais, ou a dificuldades trabalho e de algumas questões considerar que “há uma grande
de organização das próprias escolas. surgidas durante a pesquisa de distância entre uma política formu-
A esse respeito, cabe o destaque de campo, lacunas de pesquisa podem lada e sua execução, espaço onde
que a dificuldade de operacionali- ser apontadas. Uma sugestão para podem e devem agir os sujeitos
zação do conceito de competências estudos futuros é ampliar o foco comprometidos com a construção
não se restringe às instituições de de análise da pesquisa e verificar o do futuro envolvidos na educação
ensino. Ocorre, também, no âmbito desenvolvimento de competências profissional de modo a lhe dar
das organizações (Ruas et al., 2005; em outras instituições de ensino de contornos efetivamente sociais”.
Brandão et al., 2005). nível técnico, tanto no estado do Rio Diante disso, seria interessante,
O papel do professor foi consi- de Janeiro quanto em outros estados. também, investigar a percepção
derado proeminente na formação Outra sugestão é a de modificar o dos alunos a respeito do impacto
técnica dos alunos. No entanto, foco da análise, e verificar a pers- da educação profissional em sua
verificou-se que o mercado de traba- pectiva dos Órgãos Normatizadores formação; expectativas iniciais;
lho pode atuar como um concorrente da Educação acerca da implantação experiência vivida no contexto
das ETEs por esse valioso recurso, da matriz por competências. Ade- escolar e a percepção acerca da
na medida em que se torna mais mais, tendo em vista a relevância entrada no mercado de trabalho.
atraente em termos de perspectivas do papel que as escolas técnicas
de carreira e de salário. Dessa for- têm a cumprir no que se refere à Referências
ma, atraído pelo mercado de traba- formação profissional, um aspecto
lho, o professor pode solicitar seu essencial a ser levado em conside- ÅKERLIND, G. 2005. Variation and com-
monality in phenomenographic research
desligamento da FAETEC ou sua ração diz respeito à gestão dessas
methods. Higher Education Research
transferência de turno. Essa decisão instituições. Assim, poderiam ser
& Development, 24(4):321-334. http://
provoca a evasão dos professores do verificados os fatores críticos de su-
dx.doi.org/10.1080/07294360500284672
horário diurno para o noturno. Com cesso para a melhoria da gestão das
ÅKERLIND, G.; BOWDEN, J.E.; GREEN, P.
isso, prejudicam-se a formação e o instituições de nível técnico. Outra
2005. Learning to do phenomenography:
desenvolvimento dos alunos. Outro questão surgida nesse trabalho e que
A reflective discussion. In: J. BOWDEN;
aspecto relacionado ao papel do pro- poderá ser confirmada/aprofundada P. GREEN (eds.), Doing developmental
fessor na formação dos alunos diz em trabalhos futuros refere-se ao phenomenography. Melbourne, RMIT
respeito à falta de capacitação/atu- fato de que a competência compor- Press, p. 74-100.
alização dos professores em relação tamental ter sido mais valorizada ARAÚJO, R. M. L. 2002. A reforma da
às exigências atuais e tecnologias pelo mercado de trabalho do que a educação profissional sob a ótica da
do mercado. Essa situação pode ser competência técnica. Dessa forma, noção de competências. In: REUNIÃO
julgada paradoxal. Afinal, trata-se instiga-se ser pesquisado em que
90 de um profissional que atua em uma medida as instituições de ensino
ANUAL DA ANPED – ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PESQUISA EM EDU-
instituição de ensino, formadora e técnico poderiam, além do foco em CAÇÃO, 25, Caxambu, 2002. Anais...
geradora de saberes. competências técnicas, contemplar Caxambu, p. 1- 18
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