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Dissertação de Mestrado
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PUC-Rio
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
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Departamento de História
PUC-Rio
Ficha Catalográfica
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CDD: 900
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Agradecimentos
A Marcos Varela, Amador Perez, Carlos Martins, Iuri Frigoletto, Helena de Barros, João
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Sánchez, Julieta Roitman e Pedro Henrique Torres, pelas idéias, opiniões e apoio funda-
mentais.
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A Guilherme Rodrigues, Gláucia Altmann e toda equipe da Lithos Edições de Arte, cuja
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Aos professores João Masao e Maria Luisa Távora, que participaram da banca examinado-
ra.
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Resumo
é então estudada a atuação da Lithos Edições de Arte, oficina gráfica fundada em 1973, no
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Rio de Janeiro. Ao longo de 35 anos, a Lithos vem trabalhando junto a importantes nomes
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grafia e litografia. Desde 2005, esta oficina realiza uma pioneira experiência com a nova
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das e direcionadas para a industria gráfica, na Lithos, essas matrizes são adaptadas e im-
pressas em uma prensa litográfica Marinoni, do século XIX.
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Palavras-chave
Gravura; litografia; xilogravura; gravura em metal; artes gráficas; reprodução de
imagens; indústria gráfica.
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Abstract
This dissertation analyzes the transitions of uses that the techniques of reproduction
of images have passed through. The study identifies different functional outwardness
assumed for such doings, and, among them, it privileges the specifically artistic
approaches: those using techniques that lost their functional use and those that appropriate
of techniques strictly marked until then by this functionality. In that context, it is, then,
studied the performance of “Lithos Edições de Arte”, graphic workshop founded in 1973,
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in Rio de Janeiro. Along 35 years, Lithos is working close to important names of the
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Brazilian arts, offering them the possibility to carry out serial works in screen-printing and
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lithograph. Since 2005, this workshop accomplishes a pioneer experience with the new
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addressed for the graphic industry, in Lithos, those matrices are adapted and printed in a
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Keywords
Printmaking; lithography; woodcut; engraving; etching; graphic arts; reproduction
of images; graphic industry.
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Sumário
1. Introdução
1.1 A gravura e quatro métodos de gravação 12
1.2 A incisão, a reprodutibilidade
e o desenvolvimento das técnicas de gravura 14
6. Conclusão 160
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8. Apêndice: Entrevistas
8.1 Carlos Martins 174
8.2 Marcos Baptista Varela 181
8.3 Darel Valença Lins 185
8.4 Guilherme Rodrigues e Gláucia Altmann 191
8.5 Alan Passos 213
8.6 Iuri Frigoletto 221
8.7 Thereza Miranda 238
8.8 Amador Perez 248
Lista de Imagens
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Figuras 5.1 e 5.2 – Álbum de Aves Amazônicas, litografia, Ernst Lohse, 1900/1906. 145
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Figuras 5.6, 5.7, 5.8 e 5.9 – Pintura Brasileira III – década de 1950. 147
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Figura 6.3 – Imagem para o álbum Couro de Gato, João Sánchez. 164
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Introdução
vação digital de matrizes de off-set, o CTP, e impressas em uma prensa litográfica automá-
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tica, de meados do século XIX, da marca Marinoni. Na maioria delas, houve a sobreposi-
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atelier artístico e uma oficina gráfica? Como se coloca a utilização de técnicas gráficas
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seculares, como a serigrafia, a litografia e outras, por parte de artistas, hoje? Qual o signifi-
cado de direcionar para uma utilização artística uma técnica gráfica cuja utilização pela
industria, ainda em voga, lhe era, até então, exclusiva? Estas são algumas das questões que
esta dissertação pretende analisar.
1.1
A gravura e quatro métodos de gravação
“gravura é a arte de transformar a superfície plana de um material duro, ou, às vezes, dota-
do de alguma plasticidade, num condutor de imagem, isto é, na matriz de uma forma criada
para ser reproduzida certo números de vezes”1.
A imagem impressa forma-se a partir do seu contraste com o suporte sobre o qual é
estampada. O papel é o suporte mais comum da gravura. Sua invenção, distribuição e po-
pularidade, tanto no Oriente, quanto na Europa, foram fatores determinantes para a repro-
dução de imagens.
Segundo Ferreira, podemos subdividir as diversas técnicas que compõe a “arte da
gravura” em quatro grupos distintos, consagrados por diferentes “atitudes básicas de inse-
minação”. A primeira, a mais antiga das formas de impressão, é a “gravura a relevo”. Nela,
tudo o que constitui a imagem é poupado na matriz pelos instrumentos e pela ação do gra-
vador. No momento da impressão, as áreas intactas recebem a tinta e a transmitem para o
suporte, por meio de prensas ou por fricção manual. Pode-se gravar a relevo em linóleo,
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que utiliza a madeira como matriz. O processo de “gravura a entalhe” ou “em côncavo”,
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consiste no princípio oposto. Nele, as linhas e áreas gravadas retêm a tinta que é posteri-
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ormente impressa sobre o papel. O metal mostrou-se o mais indicado meio para esta forma
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de gravação, mas outros materiais foram e são ainda utilizados, como a pedra, o acrílico ou
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plástico.
O terceiro método de gravação é a “gravura em plano”, no qual não se elimina ne-
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nhuma área da superfície, mas trabalha-se de modo que certas partes simplesmente não
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FERREIRA, Orlando da Costa. Imagem e Letra: Introdução à Bibliologia Brasileira: A Imagem Gravada.
São Paulo. 2. ed.: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, p. 29.
14
Não cabe fazer aqui uma história cronológica das técnicas de reprodução de ima-
gens. As questões que pretendo levantar dizem respeito, principalmente, às mudanças de
usos pelas quais passaram as técnicas de gravura e àqueles aspectos por trás destas trans-
formações. Assim, traçarei um breviário desse processo histórico, apontando alguns fatos
marcantes para esta discussão. “Incisão” e “reprodutibilidade” serão vistas aqui como os
conceitos característicos da gravura como forma de expressão.
1.2
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metal, estas proporcionam as linhas e áreas em negro. Na litografia, como vimos, não há
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incisão. Tampouco há na monotipia, que ademais permite a tiragem de apenas uma cópia.
Nelson Leirner (1932), em exposição no Museu Chácara do Céu, no Rio de Janei-
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William Ivins Jr., em seu livro Prints and Visual Communication, propõe uma no-
va abordagem da gravura que ressalte seu significado como meio de comunicação, aspecto
que teria sido grandemente ignorado por boa parte dos estudiosos e conhecedores de gra-
vura. “A importância de ser capaz de repetir dados iconográficos”, aponta este autor, “é,
sem dúvida, maior para a ciência, tecnologia e para a informação em geral, do que para a
arte”3:
“Se definirmos a gravura de acordo com o ponto de vista funcional aqui indicado e não a-
través de uma valoração processual ou técnica, torna-se óbvio que sem ela teríamos muito
poucas das nossas ciência, tecnologia, arqueologia ou etnologia modernas, pois todas estas
dependem de informações providas exatamente por dados pictóricos reprodutíveis”4.
retrata um cavalheiro diante de uma cruz, como se preparando para a batalha (Fig. 1.2). Do
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outro, traz uma imagem da Anunciação. Acredita-se que sejam fragmentos de composi-
ções maiores e que, devido ao seu tamanho, tenha sido gravada para impressão sobre teci-
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do século XIV. Pode-se dizer que o desenvolvimento das técnicas de impressão de ima-
gens esteve desde o início intimamente ligado com objetivos ideológicos, sejam estes reli-
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giosos ou políticos.
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LEIRNER, Nelson, catálogo da exposição Variações. Amigos da Gravura 2003/2004, Museu Chácara do
Céu, Rio de Janeiro.
3
“The importance of being able exactly to repeat pictorial statements is undoubtedly greater for science,
technology, and general information that it is for art”. IVINS JR., William M., Prints And Visual
Communication, New York: The M.I.T Press, 1982. Pg. 02.
4
“If we define prints from the functional point of view so indicated, rather than by any restriction of process
or aesthetic value, it becomes obvious that without prints we should have very few of our modern sciences,
technologies, archaeologies, or ethnologies, for all these are dependent first or last, upon information
conveyed by exactly repeatable visual or pictural statement”. IVINS JR., William M. op. cit. Pg. 03.
16
Nas oficinas gráficas que se multiplicaram pela Europa, a partir de meados do sé-
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culo XV, a xilogravura passa a ser associada à tipografia, na ilustração de livros, substitu-
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indo pouco a pouco a ilustração manual conforme realizada nos livros manuscritos e a gra-
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do, A Xilogravura Expressionista Brasileira, esta técnica terá um papel fundamental para a
fundação do mundo moderno, acompanhando o desenvolvimento da sociedade; instituin-
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do-se como objeto comercializável, acessível às classes cultas e às mais populares; possibi-
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“A gravura trouxe uma característica inédita até então, de objeto portátil, transportável, fá-
cil de comercializar, adequada aos novos tempos de individualismo, de crescimento co-
mercial e intercâmbio de informações; diferente das pinturas de painéis religiosos em ma-
deira, dos afrescos, dos vitrais das catedrais, das tapeçarias de parede, comuns até a época
como meios de criação de imagens” 7.
5
EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa – Os Primórdios da Europa Moderna. São
Paulo: Editora Ática, 1998. Pg.28.
6
EISENSTEIN, Elizabeth, op. cit. Pg. 36.
7
VARELA, Marcos Baptista. A Xilogravura Expressionista Brasileira. Dissertação de Mestrado em História
da Arte. Rio de Janeiro, Escola de Belas Artes. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1997, p. 34.
17
Carlo Ginzburg, em seu livro Mitos, emblemas, sinais – morfologia e história, ana-
lisa como a possibilidade de reproduzir imagens impressas advinda da difusão da xilogra-
vura na Europa contribuiu para esmaecer a divisão entre dois “círculos icônicos”, um pú-
blico, amplo indiscriminado; outro privado, socialmente elevado:
“O primeiro constituído por estátuas, afrescos, telas e quadros de grandes dimensões – ob-
jetos expostos em igrejas e palácios públicos, acessíveis a todos. O segundo, além de está-
tuas e afrescos, constituídos por telas e quadros também de pequenas dimensões, jóias, me-
dalhões, conservados nas residências de uma elite de senhores, prelados, nobres e, em al-
guns casos, mercadores”8.
De acordo com Ivins Jr., a partir do século XVI, “o que poderíamos chamar de
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para ilustração de livros, aponta este autor, não apresentavam o mesmo nível de detalha-
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1520: o processo de edição de livros não comportava a acuidade que tais impressões de-
mandavam. “Por volta da metade do século XV, a xilogravura atingira um limite de minú-
cia além do qual não poderia avançar a menos que houvesse mudanças técnicas na produ-
ção do papel e na entintagem das matrizes”10, escreve.
Segundo Ivins Jr., entre os livros ilustrados editados pelas oficinas gráficas euro-
péias, nesta época, a xilogravura é gradualmente substituída pela gravura em metal, mais
precisamente pela gravura a buril, técnica que permitiu a difusão de imagens muito mais
precisas. Conforme analisa Eichenberg,
8
Ginzburg, Carlo, “Mitos, emblemas, sinais – morfologia e história”. São Paulo: Companhia das Letras,
1990, p. 122.
9
“In the course of the first half of the sixteenth century, what I may call the informational pressure on the
woodcut illustration, that is, the cramming for more and more lines and detailed information into the given
areas became notable”. IVINS JR., William M. op. cit. pg. 46.
10
“By the fifteen-fifties the woodcut had reached the limit f minuteness of work beyond which it could not
go so long as there was no change in the techniques of paper-making an of inking the blocks”. IVINS JR.,
William, M. op. cit. Pg. 47.
18
“talvez, a xilogravura em toda a sua glória tenha (então) alcançado os limites do seu refi-
namento, e o tempo havia chegado para a emergência da gravura em metal a buril como
uma nova mídia, expressando mais adequadamente a crescente sofisticação do século
XVI” 11.
O buril, de acordo com Ferreira, “consiste numa curta barra de aço, altamente tem-
perado, de seção quadrada ou romboidal, com o bisel cortado num dos ângulos” 12. O for-
mato e o tamanho variam de acordo com o tipo de linha que proporcionam. Demandando
um extremo domínio técnico, este instrumento produz uma precisa incisão no metal, ge-
rando linhas curvas ou retilíneas, que foram associadas na conformação das mais variadas
padronagens e texturas.
“Tendo sua origem nas oficinas de joalheiros e ourives a gravura em metal pareceu o meio
mais apropriado para exibir a riqueza de texturas, a ornamentação e a riqueza de detalhes
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cidas podemos citar as duas séries xilográficas, a Grande e a Pequena Paixão, publicadas
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entre os anos de 1497-98, e o talho-doce, Adão e Eva, de 1504. Segundo Varela, antes de
Dürer, era muito raro que os gravadores assinassem seus trabalhos.
Antes de se estabelecer como um artista reconhecido, Dürer trabalhou em uma das
proeminentes oficinas gráficas de Nuremberg, gravando imagens desenhadas por outros
artistas. Mais tarde, utilizou a gravura como forma de divulgação de seu trabalho, dando à
atividade gráfica uma importância tão grande àquela destinada à pintura, em sua obra.
Tendo trabalhado junto a uma equipe de profissionais especializados, não se sabe
ao certo quais das suas matrizes foram abertas por ele próprio e quais foram entregues aos
artesãos de sua equipe. Dürer vivenciou as transformações técnicas no campo das artes
gráficas de seu tempo, editando suas primeiras impressões em xilogravura, adaptando-se
em seguida às extensivas possibilidades do talho-doce, sem substituir uma pela outra, ex-
11
EICHENBERG, Fritz, The Art of The Print. New York: Abrams, 1976. p. 83.
12
FERREIRA, Orlando da Costa. op cit. p. 70.
13
EICHENBERG, Fritz. op cit. p. 160.
19
“Desde as suas origens, a gravura foi usada para reproduzir e multiplicar a imagem de pin-
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balho de artistas, na medida em que ampliava o alcance de suas obras. A manufatura dessas
gravuras de reprodução era um negócio muito rentável. Marcantonio Raimondi (c.1480 –
c.1534), gravador bolonhês estabelecido em Roma, é tido como o primeiro a possuir um
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De acordo com Ivins Jr., Marcantonio Raimondi – bem como outros gravadores
decididos a reproduzir obras pictóricas a buril – teceram um repertório gráfico particular,
uma sintaxe visual, com a qual interpretavam as obras que desejavam. Tal artifício era
particularmente exigido pelos editores gráficos que, em seus estabelecimentos, emprega-
vam diversos gravadores, cujas pranchas receberiam, não suas assinaturas, mas a da ofici-
na.
14
Catálogo da exposição Impressões originais: A gravura desde o século XV. Rio de Janeiro:
Centro Cultural Banco do Brasil. Pg. 7.
20
sobre a placa; proporcionando linhas ou áreas de cor. Será interessante determos-nos bre-
vemente em uma delas: a água-forte.
Esta é uma técnica de gravação de linhas sobre o metal que utiliza substâncias cor-
rosivas como agentes gravadores, sendo, por isso classificada como uma técnica “indireta”,
ou “molhada”. Sobre a placa, o gravador aplica uma substância resistente ao ácido, o ver-
niz. Com uma ponta, ele desenha sobre esta película, riscando-a e expondo-a, assim, à se-
guinte aplicação ao ácido. É, como podemos perceber, uma técnica mais espontânea que o
talho-doce, pois permite uma gestualidade mais aleatória e libera o gravador da precisão
técnica exigida por aquele fazer. Não obstante, em seu surgimento, a água-forte foi utiliza-
da apenas como processo auxiliar ao buril, chegando por vezes a imitá-lo. Segundo Ivins
Jr., o gravador francês Jacques Callot (1592-1635) talvez tenha sido quem, no século
XVII, desenvolveu o instrumento chamado échope, com o qual traçava-se sobre o verniz
uma linha abaulada cuja intenção era realmente simular aquela obtida com o buril15. Em
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outros casos, gravuras abertas a água-forte eram depois complementadas com o uso do
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buril, de modo a agilizar o processo. Surgida entre os séculos XV e XVI, a água-forte, con-
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forme coloca Ferreira, só terá real importância a partir do século XVII16, quando, devido à
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espontaneidade possibilitada, esta técnica atrai diversos artistas. Como escreve Varela,
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“neste processo o trabalho do artista dá-se diretamente na placa de metal, sendo depois
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15
IVINS JR., William, M. op. cit. Pg. 73-74.
16
FERREIRA, Orlando da Costa. op cit. p. 76-77.
17
VARELA, Marcos Baptista. op. cit. Pg. 39.
21
trapola em muito o simples desejo de divulgar uma obra criada independentemente, embo-
ra o interesse em multiplicar imagens esteja, naturalmente, implícito na intenção do autor.
nhos e cartas de baralho, estando à venda em feiras e lojas de rua. Este uso, desde antes
direcionado a esta mídia, tornava-se agora praticamente a sua orientação exclusiva. Anali-
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“Ao passo que se dá a ascensão (muito lenta) do talho doce, a xilogravura se torna cada vez
mais popularesca, passando do livro religioso para o folheto de colportagem19, num proces-
so de contínua expansão do século XVI ao XIX”20.
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Devemos ter em mente que este processo, além de gradual, não se deu uniforme-
mente. Segundo Ivins Jr.,
“por toda a parte, entretanto, as velhas técnicas para fazer matrizes em relevo em madeira
ou em metais macios sobreviveram, especialmente para uso como elementos decorativos
em livretos populares, folhetos avulsos, cartas de jogar e anúncios”21.
18
HUGHES, Robert. Goya. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2007. Pg. 248-249.
19
Os folhetos de colportagem eram uma espécie de literatura em cordel produzidas e distribuídas entre as
classes populares em Portugal nesta época.
20
FERREIRA, Orlando da Costa, op cit. p. 65.
21
“Everywhere, however, the old techniques for making relief blocks on wood or soft metal had survived,
principally for use as decorations for popular chap-books, song sheets, trade cards, and advertisements”. I-
VINS JR., William M. op. cit. Pg. 86.
22
propriada para este fim. Aquele século vivenciaria, ainda, duas importantes inovações tec-
nológicas que forneceriam à impressão iconográfica a praticidade demandada pela impren-
sa.
comunicação de massa, nascentes no início do século XIX, como os jornais e revistas ilus-
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trados” 22.
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tagem: por sua afinidade com o processo de impressão tipográfico, esta técnica possibilitou
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a impressão simultânea de imagem e texto, agilizando desta forma ainda mais as tiragens
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ponsável pela sua difusão por toda a Europa. Trabalhando em uma daquelas oficinas cita-
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das por Ivins Jr., nas quais a gravura em relevo continuou sendo executada, Bewick come-
çou a praticá-la em 1785. Realizou algumas publicações que se tornaram extremamente
populares, entre as quais duas se destacam como marcos na história da gravura: A General
History of Quadrupeds de 1790 e A History of British Birds (1797-1804).
Na Inglaterra, The Times publicou em 1806 uma gravura de topo aberta por um
discípulo de Bewick. Logo, esta técnica seria amplamente adotada nas gráficas dos perió-
dicos e nas oficinas gráficas comerciais que crescem e se multiplicam por toda a Europa e
nos Estados Unidos.
Ao desenvolvimento de grandes oficinas gráficas, após o aperfeiçoamento da téc-
nica de xilogravura de topo, acrescenta-se a implantação de métodos para se reproduzir as
matrizes xilográficas. Com a invenção da estereotipia e, posteriormente, da eletrotipia23, as
22
VARELA, Marcos Baptista op. cit. p. 37.
23
De acordo com Ferreira, “a estereotipia e a galvanotipia são processos destinados a duplicar chapas im-
pressoras, para garantir a imobilidade dos seus elementos ou para garantir a tiragem simultânea do texto e/ou
23
utilização da gravura em madeira como a forma mais adequada para se ilustrar textos e
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livros, justamente pelo parentesco com a tipografia. Discutindo as características que quali-
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ficaram um livro de arte como tal, ao longo do tempo, a pesquisadora Catarina Helena
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Knychala coloca:
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“O editor francês Edouard Pelletan, em 1896, exigia como condições indispensáveis para a
beleza de um livro, que ele contivesse um texto de alta qualidade, fosse ilustrado com gra-
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vuras sobre madeira (cujo sentido tipográfico está em harmonia com a letra) e fosse im-
presso com todo o cuidado”24.
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Naturalmente, tal defesa não teria cabimento se a xilogravura de topo não ofereces-
se a sofisticação gráfica que lhe é peculiar.
Segundo Ferreira, o maior artista da xilogravura de topo foi William Blake (1757-
1827). Embora não tenha se dedicado tanto a esta técnica, foi Blake o primeiro a tomá-la
totalmente como uma forma de expressão artística, mais do que um estrito meio de repro-
dução de imagens. Blake desenvolveu ainda a gravura em relevo em metal e a gravura em
imagens em mais de uma prensa. A estereotipia, que se tornou prática no fim do século XVIII, é um processo
puramente mecânico: tira-se um molde (primitivamente em gesso e depois até mesmo em chumbo e hoje em
cartão especial) da composição ou do condutor da imagem em relevo, e sobre este vasa-se o metal em fusão,
assim reproduzindo o ‘original’ em número desejado de vezes... A galvanotipia (ou eletrotipia), inventada em
1839, é um processo eletroquímico: em banho galvânico, o ‘original’ recebe uma fina ‘casca’ de cobre, que
depois é destacada, reforçada e montada. essas duas espécies de fôrmas podem ser niqueladas ou cromadas,
para maior duração, no caso das grandes tiragens”. FERREIRA, Orlando da Costa. op. cit. pg. 60-62.
24
KNYCHALA, Catarina Helena, O Livro de Arte Brasileiro II. Rio de Janeiro: Pró-memória/ Instituto Na-
cional do Livro, 1984.
24
relevo em pedra, que dará origem ao processo litográfico, e chegou a imprimir seus poe-
mas e ilustrações com estes processos, sem a necessidade de prensas.
Foi pesquisando sobre métodos de impressão em relevo sobre pedra que o ator e
escritor de peças teatrais, Aloys Senefelder (1711-1834), chegou à invenção da gravura em
plano, no ano de 1796. Desenvolvida simultaneamente à difusão da xilogravura de topo, a
litografia transformará drasticamente a história dos processos de reprodução de imagens.
Assim como no caso da gravura em metal, inúmeras variações de instrumentos e
técnicas litográficas foram desenvolvidas à medida que este processo era difundido. A pra-
ticidade apresentada; a afinidade quase direta com o desenho; a fidelidade na reprodução
de pinturas e a rapidez de impressão revelavam na litografia uma forma de reprodução de
imagens técnica e economicamente eficiente, garantindo, assim, a sua popularidade. Rapi-
damente ela foi difundida pelos países europeus, assim como pelas colônias. No Brasil, a
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litografia será, como veremos, amplamente usada durante o século XIX como forma de
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Blake realizou uma litografia, em 1806. Em 1825, Goya realizou na Espanha a série de
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quatro litografias intitulada Touros de Bordéus. Em 1828, é publicado na França uma edi-
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ção do “Fausto” de Goethe, com dezessete litografias em preto e branco de Eugène Dela-
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cadas pelos periódicos franceses. Toulouse-Lautrec (1864-1901) utilizou-a para criar uma
nova forma de arte, o cartaz, particularmente concordante com as novas características de
seu tempo.
Da mesma forma que a difusão da gravura em metal representa uma transformação
nos tipos de usos feitos da xilogravura; pode-se observar – e me limitarei a isso – que a
popularização, também relativamente gradual, da xilogravura de topo e da litografia pelas
oficinas gráficas européias exerce um impacto naquele ambiente gráfico. Com efeito, em
meados do século XIX, a criação de inúmeras sociedades de artistas-gravadores procurava
afirmar a pertinência das possibilidades plásticas da gravura em metal, particularmente da
água-forte, a despeito da perda de sua funcionalidade reprodutiva mediante a difusão da
gravura de topo e, sobretudo, da litografia na Europa.
Segundo Rafael Cardoso, até 1830, não se poderia falar em uma indústria gráfica,
uma vez que, em todo o mundo, a produção de impressos sustentava-se em atividades de
25
cunho ainda demasiadamente artesanal. Nas próximas quatro décadas, entretanto, uma
série de transformações na tecnologia de reprodução de imagens possibilitaria o advento
desta indústria: a mecanização dos processos de impressão tipográfica; o advento da prensa
litográfica rotativa movida a vapor; a difusão mais abrangente do papel produzido a partir
da polpa da madeira e o uso da eletrotipia como forma de reprodução de matrizes de relevo
destacam-se entre as primeiras mudanças no meio gráfico que concorreram para sua otimi-
zação. “Na Europa”, escreve este autor, “o resultado dessas inovações foi uma expansão
dramática da oferta de impressos mais baratos após 1830, com subseqüentes reduções de
custos ao longo das décadas seguintes”25. Desta época datam as primeiras revistas satíricas
francesas, como a Caricature (1830) e a Le Charivari (1832), que utilizavam a litografia
como forma de ilustração. Em 1832, é fundado na Inglaterra o Penny Magazine, ilustrado
por xilogravura de topo.
No final da década de 1839, anuncia-se na França, como consequência de experi-
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ências óticas que vinham sendo realizadas há pelo menos três séculos, a invenção do da-
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fornecia negativos de papel, permitindo desta forma a obtenção de novas cópias da ima-
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gem obtida. A fotografia tornava-se assim um múltiplo26. Segundo Joaquim Marçal Ferrei-
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ra de Andrade, “estava claro que o futuro da fotografia residia nos processos que possibili-
tavam a sua múltipla reprodução a partir de um negativo ou outro tipo de matriz”27. O de-
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25
CARDOSO, Rafael, Uma introdução à história do design. Pg. 40.
26
ANDRADE, Joaquim Marçal, História da fotorreportagem no Brasil – a fotografia na imprensa do Rio de
Janeiro de 1839 a 1900. Rio de Janeiro: Elsevier/ Editora Campus, 2004. Não cabe, neste trabalho, o estudo
aprofundado sobre a fotografia. Interessa-nos apenas, o impacto desta sobre as técnicas de reprodução de
imagens.
27
Idem. Pg. 05.
26
“as imagens eram inevitavelmente processadas pelos encarregados de viabilizar a sua re-
produção nas páginas da imprensa. As interferências no que se refere ao conteúdo das re-
produções impressas – se comparadas aos originais fotográficos ocorriam em vários ní-
veis”.29
dios deste processo ou em livros fotográficos e estampas avulsas31. Nestes lugares, os peri-
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28
Idem. Pg. 08.
29
Idem.
30
Idem. Pg. 78.
31
Idem. Pg. 246.
32
Apenas no século XX, com o desenvolvimento da chamada “litografia off-set”, e da fotocomposição de
textos, processos que otimizaram a impressão e permitiram a inserção de texto nas pedras litográficas, é que
ocorre a “migração tecnológica” da composição tipográfica para os processos de composição litográfica.
ANDRADE, Joaquim Marçal, História da fotorreportagem no Brasil, Pg. 84.
27
cífica de cada área da imagem”33. Através dela, eram produzidos clichês passíveis de se-
rem associados à impressão tipográfica. A autotipia – a qual os ingleses denominaram half
tone e os franceses similigravure – substitui, rapidamente, a utilização da xilogravura de
topo para a impressão de imagens fotográficas, representando, desta forma, um marco na
história das artes gráficas. Segundo Varela,
“disto resulta a perda de uma das mais importantes funções da gravura ao longo da sua his-
tória, ou seja, a função de reproduzir imagens, documentar, mas liberando-a, por outro la-
do, para uma utilização como processo artístico puro, com finalidades expressivas em si,
ou como é chamada, gravura original ou gravura de artista, resultante de um processo com
um total acompanhamento feito pelo próprio gravador”34.
É interessante notar que, a princípio, houve certa resistência por parte do público e
de editores em relação à adoção da gravação fotomecânica: ambos acreditaram que a xilo-
gravura, por seu caráter artesanal, possuiria maior valor35. No entanto, não demorou muito
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para que esta posição fosse deixada para trás. Já no começo do século XX, observa-se a
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com Walter Benjamin, “com ela, pela primeira vez, no tocante à reprodução de imagens, a
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mão encontrou-se demitida das tarefas artísticas essenciais que, daí em diante, foram re-
servadas ao olho fixo sobre a objetiva”36. A reprodução de imagens se concretiza num rit-
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“Tal como a água, o gás e a corrente elétrica vêm de longe para as nossas casas, atender às
nossas necessidades por meio de um esforço quase nulo, assim seremos alimentados de
imagens visuais e auditivas, passíveis de surgir e desaparecer ao menor gesto, quase que a
um sinal” 37.
33
ANDRADE, Joaquim Marçal, História da fotorreportagem no Brasil, Pg. 11.
34
VARELA, Marcos Baptista op cit. p. 40.
35
Ver: ANDRADE, Joaquim Marçal, op. cit.
36
BENJAMIN, Walter, A Obra de Arte no Tempo de Sua Reprodutibilidade Técnica, in Os Pensadores Edi-
tora Abril, 1975, São Paulo, p. 12.
37
VALÉRY, Paul in Benjamin, Walter. op cit. p. 12.
28
Pode-se dizer que, segundo o ponto de vista puramente funcional, as técnicas arte-
sanais de reprodução de imagens seriam arrastadas para uma posição de obsolescência e
acabariam por se extinguir uma vez que fossem substituídas por outras, mais eficientes ou
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econômicas, ainda que este processo ocorresse gradativamente? Talvez. Observa-se, po-
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rém, que, em diversos momentos da história da gravura, mesmo diante de novas técnicas
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persistência de formas de impressão artesanais até nossos dias – fazeres que, como no caso
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mento técnicos – denotaria, assim, a continuidade destas atividades ao longo de todo esse
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tempo. Desta maneira, teriam sido outros usos adquiridos por elas os responsáveis pela sua
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38
Mesmo quando orientadas para um uso artístico - como as diversas modalidades de gravura em metal de-
senvolvidas ao longo do século XVII, ou as modernas técnicas de impressão digital para reprodução em alta
qualidade, como o “giclée” – o interesse na reprodutibilidade surgiria como elemento fomentador no desen-
volvimento de tal tecnologia.
39
“Until a century ago, prints made in the old tradicional techniques filled all the function that are now filled
by our line cuts and half tones, by our photographs and blueprints, by our various color processes and by
political cartoons and pictorial advertisement” IVINS JR., William M. op. cit. Pg. 03.
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29
30
2
As Distintas utilizações das técnicas de gravura
2.1
Laran / Ivins Jr. = Orlando da Costa Ferreira
Orlando da Costa Ferreira, em sua obra citada, analisa distintas formas de qualifi-
cação das variadas utilizações das técnicas de gravura. Tais divisões levam em considera-
ção aspectos diversos e são passíveis de sobreposição; o autor chama a atenção, desde o
início, para a intercomunicação entre estes compartimentos.
Primeiramente, uma espécie de “gravura industrial”, ou “comercial” consistiria
“nas pequenas pranchas destinadas principalmente a anúncios e ornatos das mais variadas
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zada por um artesão a partir de um desenho original traçado especialmente para aquele
fim, mas por outra pessoa; e a “gravura de reprodução”, aquela que copia uma outra gravu-
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ra, desenho, pintura, ou, como vimos, fotografia. Entre os artistas que perceberam na gra-
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vura a possibilidade de divulgação de sua obra, muitos gravaram pessoalmente suas pran-
chas, outros contaram com técnicos especializados. Em diversas ocasiões, como em Dürer,
o que vemos é uma hibridização destes dois casos. Em outras, a atuação do artista se dá
mediante a falta de oficinas e técnicos gráficos apropriados, com o qual pudesse contar. O
desenvolvimento dos meios fotomecânicos de reprodução gerou sucessivas polêmicas a-
cerca da “originalidade” de uma estampa. Comitês internacionais foram organizados, cri-
ando exigências que as “gravuras originais” deveriam obrigatoriamente atender. Atual-
mente, com o deslocamento do interesse no “produto” para a “produção” artística, tal valor
parece ter sido totalmente subvertido: Segundo Antony Griffiths, em Prints and printma-
king – an introduction to the history and techniques,
40
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. p. 30.
31
“muitas das melhores gravuras dos anos 1960 incorporavam meios de reprodução fotome-
cânicos (...). Tais obras obviamente permanecem “originais” em todo o sentido, uma vez
que tais processos estão aqui sendo usados não para realizar um fac-símile de uma obra de
arte preexistente, mas para criar uma nova, a qual encontra sua razão de ser exatamente na
utilização de tal processo. O que importa, como sempre, é a intenção artística e seu efei-
to”41.
Corroborando com esta afirmação, Ivins Jr. escreve: “o que faz uma mídia artisti-
camente importante não é nenhuma qualidade própria desta mídia, mas as qualidades men-
tais e manuais que seus usuários lhe dirigem”42.
Ferreira sublinha ainda a sutil separação entre “gravura erudita” e “gravura popu-
lar”, qualificando a última segundo as palavras do pesquisador polonês W. Skoczlas: “de-
vem-se considerar como tais as gravuras desenhadas e cortadas na madeira por gente do
povo, gente que não faz estudos artísticos ou profissionais e que adquire sua arte esponta-
neamente ou por tradição, transmitida de pai a filho” 43. O assunto demonstra, entretanto,
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que a distinção entre estes dois círculos, porque fluida, estende-se às questões de origem
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til. Não obstante, é impossível negar que, ao longo do tempo, distintas atitudes diante das
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de Ivins Jr., que, por sua vez, encara-a do ponto de vista da comunicação – Ferreira aponta
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a uma qualificação mais ampla, que separa a “gravura interessada” da “gravura livre”. Na
primeira ala, alinham-se, de acordo com a natureza do interesse, a estampa técnica (mapas,
impressos de música, selos, papéis-moeda e impressos ilustrativos); a comercial (ilustração
publicitária, peça gráfica); e a documental (retrato, vista, monumento...). A gravura livre,
por sua vez, poderia apresentar-se sobre forma de estampa autônoma, ou de ilustração.
41
“Many of the best prints of the 1960s incorporated photomechanically reproduced imagery (…). Such
prints of couse remain in every way ‘original’ because the photomechanical processes are here being used not
to make a facsimile of a pre-existing work of art, but to create a new one wich only finds its embodiment in
the resulting print. What matters, as always, is the artistic intention and effect”. Griffiths, Antony “Prints and
Printmaking – An introduction to the history and techniques”. Los Angeles: University of California Press,
1996.
42
“…what makes a medium artistically important is not any quality of the medium itself but the qualities of
mind and hand that its users bring to it”. Ivins Jr., William M., op. cit.
43
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 30-32.
32
teresse para a indústria de ponta por parte de um círculo de cultura popular é um fenômeno
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de fato recorrente. Marca-o a preservação e, mesmo, o resgate de certos fazeres por parte
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dos “agentes periféricos”, a despeito de uma defasagem técnica em relação à “cultura cen-
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“ao surgir uma nova família de técnicas, as outras não desaparecem. Continuam existindo,
mas o novo conjunto de instrumentos passa a ser utilizado pelos novos atores hegemôni-
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cos, enquanto os não hegemônicos continuam utilizando conjuntos menos atuais e menos
poderosos” 44.
44
SANTOS, Milton, Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. 13 ed. Rio
de Janeiro: Record, 2006. p. 25.
45
FROTA, Lélia Coelho. Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro – Século XX. Rio de Janeiro: Aero-
plano, 2000.
33
trazer o clichê de zinco. O uso se generalizou e as cidades foram solicitando mais e mais
aos seus artistas a produção de xilogravuras”46.
A “gravura popular livre”, se pudermos associar estas duas classificações, explora,
nas técnicas gráficas, sua tradição e sua potencialidade e afinidade para expressar o imagi-
nário popular. Se, como coloca Sobreira, os gravadores nordestinos utilizaram a xilogravu-
ra como forma de reprodução de imagens num momento em que, em virtude do apareci-
mento de novas técnicas mais avançadas, ela já era considerada comercialmente obsoleta;
hoje, esses gravadores utilizam-na como meio artístico. Não é mais apenas por seu caráter
múltiplo que a escolhem, mas também pela sua expressividade plástica.
Nos fundos de quase todo ateliê de xilogravura na cidade de Bezerros, em Pernam-
buco, há uma oficina de serigrafia. Aí o gravador transfere as imagens gravadas na madeira
e impressas no papel para as telas de náilon. Com elas, essas imagens são aplicadas em
camisetas, cartazes, azulejos, calendários e outros artigos. Observamos, portanto, nestes
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nos dias de hoje, nos grandes centros urbanos, inclusive: Visando a “customização” de
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nica e conceitual. (Fig. 2.4). Em meio a uma sociedade industrializada, o produto feito em
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série está potencialmente voltado para o consumo popular maciço e o trabalho artesanal,
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2.2
O uso artístico das técnicas de gravura
46
SOBREIRA, Geová, Xilógrafos do Juazeiro. Edições UFC: Fortaleza, CE, 1984., p. 09.
47
GULLAR, Ferreira, Argumentação Contra a Morte da Arte, Rio de Janeiro: Reavan, 1993.
34
“A função do xilógrafo era seguir à risca o desenho feito diretamente na tábua ou no bloco,
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desbastando com facas ou buris as áreas brancas, isto é, as áreas que não receberiam tinta,
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deixando em relevo a superfície que, recebendo tinta, imprimiria o desenho. Sendo assim
tinha uma função mais técnica de produção de fac-símiles do desenho” 48.
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Este aspecto aponta a uma separação entre a concepção e a execução da obra gra-
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vada. De um modo geral, a produção das oficinas gráficas européias, desde o século XV
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O mestre impressor regia as diferentes etapas de composição, impressão e edição dos li-
vros, agindo como um promotor cultural, na localidade em que atuava. Durante o século
XVI, a transformação da produção de livros ilustrados em um verdadeiro empreendimento
capitalista contribuiu imensamente para o estabelecimento dessa organização, perceptível
até o século XIX.
A produção das xilogravuras de topo, principalmente para a composição dos perió-
dicos ilustrados, ao longo do século XIX, fez-se baseada em um sistema onde tal subdivi-
são pode ser particularmente observada. Um profissional compunha o esboço da imagem a
ser impressa, a partir de uma fotografia, de um relato oral ou do desenho de outro artista.
Este era transferido para as placas de madeira, que, muitas vezes eram divididas entre di-
48
VARELA, Marcos Baptista op. cit., p. 35.
49
EISENSTEIN, Elizabeth, op. cit., p. 40.
35
soais, com a mistura de processos e certos virtuosismos de impressão que só mesmo o gra-
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observa-se que o momento da “criação” tende a difundir-se por todas as etapas do trabalho,
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revelando, desta forma, uma nova importância ao “fazer artístico”, um novo tipo de relação
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“há fases ou regiões culturais inteiras em que a práxis prevalece sobre a teoria, chegando às
vezes a excluí-la; há outras em que a teoria predomina e a práxis acaba sendo reduzida à
operação mecânica que reproduz o melhor que pode, mas sempre de modo imperfeito, um
modelo ideal” 52.
Em termos mais especificamente gráficos, a mesma idéia é expressa por Marco Bu-
ti, no livro Gravura em Metal:
50
FERREIRA, Orlando da Costa. op cit., p. 91.
51
Idem, p. 92.
52
ARGAN, Giulio Carlo, História da arte como história da cidade. Editora Martins Fontes: São Paulo, 1998,
p. 13-14.
53
BUTI, Marco e LETYCIA, Anna (orgs.), Gravura em Metal, Editora da Universidade de São Pau-
lo/Imprensa Oficial do Estado: São Paulo, 1992. p. 11.
36
do meio passam a ser encaradas – e, sobretudo, exibidas – como índices expressivos, por-
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que resultantes do contato do artista com aquela matéria, porque testemunhas desta ação.
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Isto pode ser notadamente percebido nas obras dos expressionistas, por isso, me aterei bre-
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2.3
Parêntesis: a gravura e o expressionismo
54
ARGAN, Giulio Carlo, Clássico anticlássico – O Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. Editora Com-
panhia das Letras: 1999. p. 15.
55
Idem.
37
cultural de grupos como Die Brücke (1905 a 1913), de Dresden; e Der Blaue Reiter (1911
a 1914) de Munique56.
Jean-Claude Lebenstejn, no seu artigo Douane-Zoll, propõe um entendimento do
expressionismo que extrapole esta concepção limitadora. Lebenstejn indica o retorno ao
significado que o termo adquire, em 1912: uma abordagem internacionalista, trans-
geográfica e trans-histórica – que abrangia os pintores franceses fauvistas, os futuristas
italianos, além das vanguardas germânicas – caracterizando-se por sua oposição ao impres-
sionismo57.
A contraposição a este movimento predominantemente pictórico manifesta-se tec-
nicamente no expressionismo com a eleição da gravura, sobretudo sobre madeira, como
mídia privilegiada, embora tenham estes artistas pintado, esculpido, gravado sobre metal e
grafado na pedra. Ao tomar a gravura em madeira como meio criativo – motivados pelo
movimento já iniciado pelos componentes do Jugenstil; inspirados nos trabalhos do norue-
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a um “espírito setentrional” que tal fazer lhes despertava, conectando-os aos antigos grava-
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“a imagem é produzida escavando-se uma matéria sólida, que resiste à ação da mão e do
ferro, a seguir espalhando-se tinta nas partes em relevo, e finalmente prensando a matriz
sobre o papel. A imagem conserva os traços dessas operações manuais, que implicam atos
de violência sobre a matéria, na escassez parcimoniosa , na rigidez e angulosidade das li-
nhas, nas marcas visíveis das fibras da madeira. Não é uma imagem que se liberta da maté-
ria, é uma imagem que se imprime sobre ela num ato de força”59.
56
VARELA, Marcos Baptista, op. cit., 08.
57
LEBENSTEJN, Jean-Claude, Douane-Zoll, in Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais.
EBA, UFRJ, 1999. Tradução Glória Ferreira. Revisão Antônio Guimarães. Pg. 150.
58
VARELA, Marcos Baptista, op. cit., p. 22.
59
ARGAN, Giulio Carlo, Arte Moderna, p. 238-240.
38
dência artística exerce decisiva influência nas obras dos pioneiros Lasar Segall, Oswaldo
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Adir Botelho insere-se nesta tradição gráfica, integrando uma linhagem que, atra-
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vés de Segall, Abramo e sobretudo Goeldi, remete às experiências dos jovens alemães. Em
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Adir, contudo, a incisão adquire uma sinuosidade nova, talvez mais afeita aos trópicos,
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60
KIRCHNER, in MOELLER, Magdalena M., La Gravure dans l’historie de la Brücke. p. 63.
61
Ver: Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I. Coordenação: FERREIRA, Heloisa Pires; Respon-
sável pela gênese do projeto e entrevistas: CÂMARA, Adamastor. Re-orientação do projeto inicial e sua
concretização: TÁVORA, Maria Luisa Luz. Sesc, 1995.
62
MOELLER, Magdalena M. op. cit.
39
um tempo rude e sutil. A colher de madeira busca nas áreas abertas o cinza gráfico. Uma
linha branca surge, em meio à imagem, ritmando-a e, (quem sabe?), deflagrando a junção
das placas de madeira.
No Japão, entre os séculos XVII e XIX, os artistas da escola Ukiyo-e aprimoraram
a tal ponto a xilogravura como forma de produção e reprodução de imagens, que dificil-
mente identificamos indícios materiais que revelem sua realidade técnica. O mesmo pode
ser dito em relação às xilogravuras de topo produzidas por Gustave Doré e sua equipe, no
século XVIII. Tais trabalhos constituíam-se através do domínio técnico daquela mídia
(Fig. 2.6).
Os gravadores expressionistas alemães ou brasileiros, por sua vez, deixam transpa-
recer o aspecto físico do material – a madeira – seus veios, formato e texturas; bem como o
aspecto autoral de sua mão de artista, a brutalidade ou a delicadeza de seus gestos. Aqui, é
mediante o confronto com a matéria – e não através de seu domínio – que nasce a obra de
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arte.
Digital Nº null
2.4
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cas
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63
No campo da fotografia, o trabalho do fotógrafo Sebastião Barbosa nos mostra a concomitância destas duas
atitudes. Em sua exposição FotografiaViva, no Centro Cultural da Caixa, no Rio de Janeiro, Barbosa expõe
imagens obtidas com câmeras artesanais que remetem às primeiras formas de captação de imagens a partir de
luz. A ao lado destas imagens, Barbosa expõe outras, fotografadas digitalmente com aparelhos celulares po-
pularmente utilizados.
40
dar-se a não ser depois ou enquanto aquelas estivessem a serviço de tal utilização. Tal dis-
tinção não faria sentido se não encerrasse em si uma significativa diferença de atitudes.
Situadas no primeiro caso estariam aquelas manifestações em que o artista explora
a possibilidade de expressão de uma forma de reprodução de imagens corriqueiramente
utilizada pelo meio gráfico funcional da época, ou de uma nova técnica, desenvolvida para
esta finalidade.
Em seu discurso, Ivins Jr. aponta para o fato de que, com poucas exceções, as mais
conhecidas estampas artísticas independentes, desde a segunda década do século XVI, até
o desenvolvimento dos processos fotomecânicos de reprodução, foram feitas em técnicas
que eram, na época, familiarmente usadas para propósitos utilitários, especialmente para a
ilustração de livros64.
Pode-se perceber tal atitude na adoção quase imediata da litografia por muitos pin-
tores no século XIX. Se esta manifestação é logicamente marcada por ser aquele um perío-
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do em que, já, a subjetividade do artista havia se tornado um dos fatores essenciais para a
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desta técnica: pelo fato de ser a litografia uma técnica extremamente versátil, que permite,
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para a pedra. Como vimos, as possibilidades abertas pela água-forte foram ignoradas en-
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Sistematicamente, uma nova técnica, quando desenvolvida, leva certo tempo até
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que seja plenamente apreendida em sua especificidade formal, até que seja despida de sua
“fantasmagoria”65. Em outras palavras, novas técnicas abrem novas possibilidades formais,
em um processo que, na maioria das vezes, hesita antes de ser definitivamente deflagrado.
A absorção de novas tecnologias gráficas por parte dos artistas revela-se cada vez
mais como um fenômeno recorrente à história da gravura. Ricardo Resende, em seu artigo
Os Desdobramentos da Gravura Contemporânea, coloca-o como um fértil viés para as
“novas possibilidades para a gravura contemporânea”. Escreve este autor:
64
“It is worth while to reflect upon de fact that with a very few remarkable exceptions the greatest artistic
single sheets prints since the end of the first quarter of the sixteenth century have been made in techniques
which at the time were currently and familiarly used for utilitarian purposes and especially for the illustration
of books”. IVINS JR., op. cit., p. 96.
65
“Para Benjamin, é fantasmagórico todo produto cultural que hesita ainda um pouco antes de se tornar mer-
cadoria pura e simples. Cada inovação técnica que rivaliza com uma arte antiga assume durante algum tempo
a forma... da fantasmagoria: os métodos de construção modernos dão origem à fantasmagoria das galerias, a
fotografia faz nascer a fantasmagoria dos panoramas... o urbanismo de Haussmann se opõe à flânerie fantas-
magórica” N. do T. in BENJAMIN, Walter, Paris do Segundo Império, in Os Pensadores, Editora Abril,
1975, São Paulo. p. 62.
41
“Nos últimos cinqüenta anos, uma quantidade infindável de novas tecnologias tem sido de-
senvolvida para atender ao mercado de mídias gráficas comerciais, como jornais, revistas e
livros. A arte, atenta a estas novidades, vem incorporando imediatamente algumas destas
inovações trazidas principalmente pela cultura de massa do fim dos anos 50 e 60”66.
Desde 2005, Amador Perez vem desenvolvendo trabalhos em que seus desenhos,
escaneados e levados ao computador, passam por uma seqüência de interferências virtuais
(Fig. 2.7). Impressos em bureaus comerciais, estas obras receberam a alcunha “tonergrafi-
a”, termo que – ao contrário de “gravura digital”, por exemplo – valoriza, não a incisão,
mas o processo de impressão e reprodução da gravura. As tonergrafias de Amador Perez
(impressas semelhantemente às imagens incluídas neste mesmo trabalho) apresentam-se
como um exemplo atual de tal atitude. Coloca o artista:
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que se aboletam no balcão, que vão lá imprimir capas de CD, folders, etc. (...) Às vezes vo-
cê precisa acertar algumas coisas no momento da impressão e isso é impossível, porque a
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máquina está desregulada, ou o papel que você deseja está faltando no formato adequado...
Mas nós acabamos ganhando a simpatia do pessoal da loja e eles se sentem parceiros do
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trabalho”67.
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No segundo caso estariam aquelas experiências em que o artista utiliza como forma
de expressão técnicas que já perderam sua funcionalidade para aquele meio gráfico. Este
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Gauguin pela xilogravura ao fio ou o interesse de Darel, no Brasil, pela litografia. Confor-
me aponta este artista:
“Não se fazia mais litografia nos anos 50, ela havia entrado num período de decadência to-
tal. Na década de 40, a litografia era o que estampava as revistas O Malho, A Semana. Era
o off-set da época. Era usada não como trabalho artístico, mas como imprensa. (...) Daí
comprei uma prensa e a instalei na rua Taylor, na Lapa, buscando ressuscitar a lito, no sen-
tido artístico. Eu me lembrava de Munch, o pintor norueguês que fazia litografia nos anos
10 como expressão de arte. (...) Queria mostrar também que a lito era uma expressão de ar-
te e não um mero processo de reprodução”68.
“O que acontece com as coisas quando não atendem mais às demandas do merca-
do? Que papel lhes resta quando perdem valor econômico num mundo em que tudo tem
66
RESENDE, Ricardo, Os Desdobramentos da Gravura Contemporânea, in Gravura – Arte Brasileira do
Século XX, São Paulo: Itaú Cultural, 2000., p. 235.
67
PEREZ, Amador. Entrevista para esta dissertação. Rio de Janeiro, 13/08/2007.
42
2.5
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A inserção da Lithos Edições de Arte nesta pesquisa dá-se através dos aspectos
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acima apreciados. Uma oficina gráfica que opera basicamente com a litografia e a serigra-
PUC-Rio
fia; esta não se apresenta, contudo, como um atelier de gravura propriamente dito, em que
PUC-Rio
cada gravador, na coletividade do ambiente, cria uma obra múltipla, atuando em todas as
etapas que tal trabalho pressupõe. Na Lithos, o artista-cliente, de acordo com seus aponta-
mentos, conta com técnicos que se responsabilizam pela preparação e pela impressão da
matriz. Eventualmente o que vemos, é uma interpretação tão absoluta quanto fiel de um
original apenas traçado pelo artista. Mas isso não é uma regra geral. Muitos são aqueles
que utilizam-na como atelier; como local de trabalho. Mesmo nestes momentos, porém, a
tiragem é resguardada à oficina. Regular, estável, homogênea, esta procura seguir o padrão
da cópia “boa para imprimir”. Uniforme. Tanto mais porque realizada na prensa automáti-
ca Marinoni. Este aparato, imenso, impressionante, que, como coloca Iuri Frigoletto69,
remete à maquinaria das ferrovias a vapor, materializa a relação da Lithos com a tradição
industrial gráfica da qual ela emerge. Personifica-a Gláucia Altmann, cromista litógrafa.
Seu trabalho estaria situado na arqueologia das extintas profissões catalogadas em O Fim
68
Gravura, arte brasileira do século XX, São Paulo: Itaú Cultural., p. 70.
69
Ver: Entrevista com Iuri Frigoletto, em anexo. Rio de Janeiro, 9/07/2007 e 27/12/2007
43
do Sem Fim, não fosse reformulado, de modo a adquirir, contemporaneamente, uma nova
significação, direcionada a um nicho especializado do mercado.
A Lithos tampouco apresenta-se como uma oficina comercial. Como coloca Gui-
lherme Rodrigues, este é um filão no qual eles escolheram não penetrar.
Quanto às técnicas gráficas ali implementadas, se a serigrafia e a litografia – técni-
cas que há muito perderam sua função para a indústria gráfica – são utilizadas como forma
de reprodução de obras de arte; se, com isso, a Lithos realiza a preservação de tais fazeres,
mantendo girando estes aparatos seculares; a experiência com uma nova técnica gráfica,
concomitantemente aplicada na indústria de ponta, aponta paralelamente para uma outra
direção. Refiro-me aos trabalhos ali impressos através de matrizes de off-set gravadas digi-
talmente pelo processo denominado CTP, computer-to-plate. A transferência de tais cha-
pas para a oficina e a impressão na prensa Marinoni vinculam esta ação ao sistema litográ-
fico oitocentista, iluminando-a, ao mesmo tempo, com um caráter artesanal que, por sua
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Analisarei a trajetória da Lithos Edições de Arte, sua relação com a indústria lito-
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gráfica e sua contribuição para a gravura de arte brasileira. Para isso, estudarei o processo
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3
As Técnicas Gráficas no Rio de Janeiro Oitocentista
instalou uma oficina tipográfica com material que trouxe consigo. Mais uma vez, a metró-
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minação”71. Porém, além do intenso controle exercido, aponta ainda, as próprias condições
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festações anteriores a 1808. Uma delas é o livro Exames de Bombeiros, ilustrado com vinte
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pranchas gravadas em metal pelo português José Francisco Chaves. Há nesta publicação
uma gravura que, ao que tudo indica, foi aberta no Rio de Janeiro, em 1749. (Fig. 3.1).
Trata-se da ilustração de “partes de uma bateria”. Conforme coloca Orlando da Costa Fer-
reira, as primeiras ilustrações de livros realizadas no Brasil tinham, como esta, um caráter
essencialmente técnico.
Dentre as mudanças instauradas na cidade com a chegada da corte, a criação de três
instituições, entre 1808 e 1809, abre espaço para o desenvolvimento oficial da gravura no
Brasil. São elas: a Impressão Régia, o Arquivo Militar e o Collegio das Fabricas.
Em um primeiro momento, a xilogravura a fio e o talho-doce são as técnicas de
gravura exercidas. Elas terão todo o tipo de orientação funcional. As figuras 3.2 e 3.3 mos-
tram algumas pranchas gravadas para publicação em jornais, em meados da década de
70
WERNECK SODRÉ, Nelson, História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1983. Pg. 20.
71
Idem. Pg. 21.
72
Idem. Pg. 20.
49
1840. Nelas podemos ler o nome do gravador anunciante – na época, chamado de “abri-
dor” – seu endereço e, por vezes, uma listagem dos serviços que atendiam. “Bilhetes de
visita”, “letras de câmbio”, “armas de família” constam entre as aplicações mais comuns
da xilogravura e da gravura em metal, então. A riqueza de tipos e de ornatos empregados
nos anúncios era uma forma de demonstrar a destreza de quem o fazia.
Em breve, a litografia passa a dividir com a xilogravura e com o talho-doce este
mercado. Neste capítulo analisarei o impacto da implantação e popularização da litografia
sobre a utilização daquelas técnicas; os principais tipos de impressos destinados a cada
uma destas; e a possibilidade ou impossibilidade de se destacar, entre os diversos usos des-
tinados a cada uma, manifestações caracterizadamente “desinteressadas”.
3.1
Primeiros anos: 1808 – 1809
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Com a chegada da Corte, muitos gravadores portugueses foram atraídos para esta cidade.
Digital
Alguns encontrarão cargos nos primeiros estabelecimentos gráficos oficiais, onde gravarão
- Certificação
a buril, em chapas de metal, plantas cartográficas, ilustrações para livros técnicos e, mes-
- Certificação
73
LUZ, Ângela Âncora da, A Missão Artística Francesa – Novos Rumos Para a Arte do Brasil, in revista Da
Cultura, Ano IV, nº 7, 2004.
74
Estas pranchas eram, na maioria das vezes, abertas a partir de originais de outros gravadores, ou pintores.
50
gravar em metal, Sinibaldi gravou em madeira, podendo ser considerado, de fato, o primei-
ro xilógrafo do Brasil.
O gabinete cartográfico do Arquivo Militar foi constituído no dia 7 de abril de
1808. Esta oficina estava vinculada à Academia Militar e desenvolveu-se inicialmente co-
mo centro de produção de talhos-doces aplicado principalmente à ilustração cartográfica.
Em 1826, passou a abrigar o primeiro ateliê litográfico oficial, tornando-se uma importante
referência gráfica para o Brasil.
No dia 13 de maio de 1808, é inaugurada a Impressão Régia, desde o início um
centro de produção de talho-doce e, mais esporadicamente, de xilogravura. Depois trans-
formada em Imprensa Nacional, esta oficina atuou mais intensamente como tipografia. O
material tipográfico da Impressão foi trazido para o Brasil por Antônio de Araújo, futuro
Conde da Barca76. Seu primeiro lançamento é o opúsculo intitulado Relação dos despa-
chos publicados na corte pelo expediente da Secretaria de Estado (...) desde a feliz chega-
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da de S. A. R. aos Estados do Brazil até o dito dia hoje. “Com três séculos e meio de atra-
Nº null
das atividades de impressão em solo brasileiro”, escreve Joaquim Marçal Ferreira de An-
Digital
drade77.
- Certificação
sagrada como marco inicial da imprensa no Brasil78. Em 1809, construiu-se ali o primeiro
prelo de madeira e, no ano seguinte, iniciou-se a fundição de tipos79. Com a instalação das
PUC-Rio
PUC-Rio
75
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 137.
76
Idem. Pg. 22.
77
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, op. cit.
78
Embora tenha surgido três meses e dois números antes da Gazeta, em 1º de junho de 1808, o Correio Bra-
siliense, de Hipólito da Costa foi, e continuou sendo até seu último número, impresso na Inglaterra. Mais do
que isso, destaca Werneck Sodré, sua análise das questões brasileiras era feita segundo uma perspectiva alheia
a esta realidade. WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 24.
79
Idem. Pg. 40.
80
Idem. Pg. 23.
81
Em 1831, esta oficina pôs à venda suas duas prensas de talho-doce. Em 1845, compra o primeiro prelo
mecânico, fabricado pela inglesa Clymer & Dixon, conhecido, no país, como prelo “Águia”. O exemplar
pertencente à Impressão está, hoje, no Museu da Imprensa de Brasília. Houve tentativas de reinstituir a gravu-
51
3.2
1810 – 1819
Durante a segunda década do século XIX, tendo sido instaladas as oficinas oficiais,
a atividade gráfica na capital do Império entra em fase de amadurecimento. Encontra-se,
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no entanto, ainda bastante dependente dos ateliês estrangeiros, de seus buris e suas prensas.
Nº null
Esta situação, aliás, embora amenizada, se perdura durante quase todo o século. Já no final
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deste período, “qualquer brasileiro de alguma posse podia mandar gravar seu retrato na
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Europa ou fazer as ilustrações de seu livro, a ser impresso lá ou no Rio, na Impressão Re-
- Certificação
gia, que cumpria encomenda do público (...), ou ainda, pouco depois, nas primeiras tipo-
- Certificação
ra naquele estabelecimento, mas nenhuma bem sucedida. Apenas no século XX, a Imprensa voltaria a impri-
mir imagens, mas já por meios fotomecânicos.
82
PAULA, Aldemar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, Artes Gráficas no Brasil - Registros 1746 –
1941, São Paulo: Laserprint, 1989.
83
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 239.
84
Idem. p. 138.
52
tante instauradora desta tradição85. Neste e em outros casos veremos que o apelo pela i-
magem impressa aliado à carência do domínio técnico específico fizeram brotar esse cará-
ter “popular” em muitas das imagens impressas nos periódicos do Rio de Janeiro durante
todo o século. Os folhetos avulsos como registros de santos e as cartas de baralho, que
circulavam na época, estavam, por sua natureza, ainda mais sujeitos a essa abordagem es-
pontânea.
Com a vinda da Missão Artística Francesa, chefiada por Joachim Lebreton (1760-
1819), anuncia-se oficialmente o exercício da atividade artística “erudita” na capital do
império. Este empreendimento, no entanto, não acarretou em conquistas significativas para
a gravura brasileira: “Dos membros da Missão Artística Francesa chegada em 1816, con-
tratada (...) pelo conde da Barca, com o fito de criar uma Escola Real de Ciências, Artes e
Ofícios (...), não há muito o que dizer com relação à arte e técnica de gravar, quando tudo
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se devia dela esperar a esse respeito”86, escreve Ferreira. Charles Simon Pradier (1783-
Nº null
1847) foi o gravador oficial da Missão. Sendo contratado para realizar e ensinar a gravura
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no Brasil, deveria inclusive gravar os retratos das figuras importantes da Corte. De fato,
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Pradier fez alguns destes retratos, como o do imperador, segundo desenho de Debret, e
- Certificação
deste artista. Entretanto, preferiu realizar suas gravuras na França. Em 1818, retornou à
PUC-Rio
Europa alegando que não encontrara aqui os recursos técnicos para a realização de suas
PUC-Rio
encomendas, quando, contudo, poderia, como bem aponta Ferreira: ter lançado mão das
oficinas existentes; ter trazido ou encomendado o material necessário; ou mesmo ter man-
dado construir uma prensa apropriada.
Dos demais membros desta comissão são conhecidas algumas gravuras, de pouca
significância, porém. Félix Émile Taunay (1795-1881), filho de Nicolas Antoine-Taunay
(1755-1830), pintor de paisagens e batalhas, também membro da comissão francesa, exe-
cutou uma água-forte, A Aclamação de D. Pedro I, gravada no Rio de Janeiro. Mais tarde,
realizará algumas experiências litográficas, no ateliê do Arquivo Militar. Jean Baptiste
Debret (1768-1848), fez duas águas-fortes entre 1817 e 1818, o Solene Desembarque de D.
Leopoldina e a Aclamação de D. João VI, segundo quadros seus. Já de volta à Europa,
publicou com editores franceses o álbum Voyage Pittoresque et Historique au Brèsil, gra-
vados por litógrafos franceses, a partir de desenhos seus.
85
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 141.
86
Idem. p. 255.
53
te da atividade gráfica no Rio nas primeiras décadas do século XIX, o anúncio é também a
Nº null
primeira menção pública da técnica litográfica – trazida para o país três anos depois – e um
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indício da convivência de diferentes técnicas gráficas nas oficinas européias, situação que
Digital
3.3
PUC-Rio
1820 – 1829
PUC-Rio
87
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit.
88
Idem. p. 239.
89
WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 42.
90
Idem.
91
Idem. p. 45.
54
beçalhos gravados em madeira. Surgido em 1º de julho de 1821, este foi o primeiro jornal
Nº null
das com o processo de independência95. Foi também, segundo Ferreira, “o primeiro veícu-
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ilustrando o anúncio do Moinho de vapor de farinha de arroz. (Fig. 3.5). Assim como esta,
- Certificação
“Os anunciantes e os impressores de jornais depressa aprenderam duas coisas: que a pe-
quena ilustração ‘vendia’, por mais insignificante que fosse, pois promovia o anuncio, den-
tro da massa de outros (...); e que, para tornar a matriz mais resistente ao choque da prensa,
era preciso dotá-la de maior área impressora sem aumentar o seu formato, assim nascendo
espontaneamente a xilo ‘negativa’, isto é, com o desenho e/ou letras em ‘linha branca’ num
campo negro preponderante”96.
92
Idem. p. 46.
93
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 259.
94
Idem. Pg. 260.
95
WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 58.
55
(1783-1862), que desembarcou no Rio em 1817, onde atuou também como pintor, profes-
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sor e gravador em talho-doce. Seu prelo era certamente uma prensa portátil projetada por
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Senefelder, trazida, como o restante de seu material, pelo próprio artista. Uma de suas lito-
- Certificação
grafias gravadas e impressas no Rio, em 1819, é um frontispício que traz a imagem de São
- Certificação
Sebastião e, ao fundo, a Baía de Guanabara. (Fig. 3.6). Pallière produziu também algumas
PUC-Rio
etiquetas para pacotes de rapé da marca Scaferlati. Este artista não ensinou litografia em
PUC-Rio
96
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 147.
97
AANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, “História da fotorreportagem no Brasil”.
98
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. p. 321.
56
tentado fazer”99. A litografia já não era de todo desconhecida da elite do Rio, tendo sido
noticiada, conforme vimos, desde o anúncio de 1819, nos periódicos locais como a mais
nova descoberta das artes gráficas. O interesse do imperador por esta técnica foi certamen-
te um dado propulsor de sua divulgação no país 100.
Em 18 de dezembro de 1824, o brigadeiro Joaquim Norberto Xavier de Brito, dire-
tor do Arquivo Militar, apresenta ao ministro da Guerra, o general João Vieira de Carva-
lho, a proposta de substituir a seção de talho-doce de sua oficina por um ateliê de litografia.
A compra da prensa e dos materiais necessários e a contratação de um técnico responsável
ficaram a cargo de Borges de Barros, que, contou novamente com o auxílio de Sequeira.
Barros buscou entre as oficinas européias um candidato que preenchesse as exigências do
cargo. É Edouard Knecht, responsável pela Senefelder & Cia., quem lhe indica o suíço
Johan Jacob Steinmann (1804-1844).
Em 1825, Steinmann, que estava a pouco mais de um ano naquela firma, foi con-
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tratado. No acordo de cinco anos, Steinmann receberia 600.000 réis anuais e deveria res-
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elas estavam notadamente citadas: desenho a crayon e a pena sobre pedra; gravura a buril
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sobre pedra; transporte de textos e inscrição direta de textos sobre pedra; impressão; fabri-
- Certificação
cação de papéis transporte; água-tinta sobre pedra; impressão a cores e a manutenção dos
- Certificação
utensílios e prensas. Steinmann estaria proibido de trabalhar para clientes privados durante
PUC-Rio
Aos seus cuidados, Borges de Barros enviou a prensa e todo material necessário
para a instalação da oficina litográfica. Esta entrou em funcionamento em janeiro de 1826.
A figura 3.7 mostra uma página de um livro técnico ilustrado em litografia por Steinmann
na oficina do Arquivo. Neste ano, somavam-se quatro os prelos litográficos em atividade
no Rio de Janeiro: a prensa portátil do imperador, a que pertencera a Pallière, provavel-
mente deixada aqui com o seu retorno à França, e as duas prensas do Arquivo.
Em 1º de outubro de 1827, começa a sair o Jornal do Comércio no Rio de Janeiro,
primeiro periódico diário da cidade e segundo do país. É impresso na tipografia de Pierre
Plancher, instalada à Rua da Alfândega, 47.
Em março de 1828, o diretor do Arquivo noticiava “que a oficina aceitava enco-
mendas de trabalhos litográficos em geral, especialmente mapas, plantas, estampas de ma-
99
Idem. Pg. 322.
100
Idem Pg. 323.
57
3.4
1830 – 1839
cos de então e a incrível carência de imagens propriamente gravadas e mão de obra especi-
Nº null
alizada que a indústria gráfica viveu até, pelo menos, a metade do século XIX. (Fig. 3.8 e
Digital
3.9).
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Até 1830, são ainda poucos os litógrafos em atividade no Rio e praticamente insig-
- Certificação
nificante a formação destes pelo Arquivo Militar. Neste ano, vencido o contrato que o
- Certificação
trouxe para o Brasil, Steinmann deixa esta oficina e abre uma particular, onde contará com
PUC-Rio
a clientela obtida durante o tempo de trabalho para aquele ateliê. Em 1833, o suíço retorna
PUC-Rio
à Europa.
Com a saída de Steinmann, a oficina do Arquivo não fecha suas portas. Sebastião
Carlos Abelé, contratado em 1826 como desenhista e professor de desenho em litografia,
aí se estabelece. É, depois, substituído pelo francês Pierre Victor Larée. Assim, esta oficina
continua atendendo ao público e contribuindo, ainda que lentamente, para a formação de
técnicos especializados. Esta demanda, entretanto, será realmente respondida com a vinda
de técnicos estrangeiros para cá. A partir de 1830, o Arquivo dividirá cada vez mais o mer-
cado litográfico com as firmas privadas abertas pelos gráficos imigrantes.
A Rivière & Briggs foi fundada em 1832 e teve apenas um ano de duração. Além
de litógrafo, Édouard Philippe Rivière foi professor de desenho e pintura. Frederico Gui-
lherme Briggs (1813-1870), foi aluno de Grandjean de Montigny e de Taunay na Acade-
101
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. p. 340-342.
58
mia de Belas-Artes, que freqüentou como ouvinte. Em 1832, quando Briggs não tinha mais
de 19 anos, os dois se associam e abrem sua oficina litográfica na Rua do Ouvidor. Nesta
oficina, a dupla gravou alguns retratos e um grupo de estampas de tipos populares, que
segundo Ferreira foi “a primeira coleção do gênero a ser publicada no Brasil”.
Em março de 1836, Briggs foi para Europa e freqüentou o ateliê de Day & Haghe,
a mais importante oficina litográfica da Inglaterra, naquela época. Em novembro de 1837,
retorna ao Rio. No ano seguinte já anunciava seu próprio ateliê, na Rua do Ouvidor. Ali
imprimiu uma série de charges desenhadas por Araújo Porto Alegre para o jornal O Cari-
caturista.
Pierre Victor Larée, após breve período no Arquivo, deixa esta oficina e abre sua
Lithographia do Commercio. Larée orientava-se principalmente aos impressos comerciais,
como anunciava sua firma. Em 1834, este gráfico parte para a Europa em busca de bom
funcionário capaz de atender às exigências de um técnico litógrafo. Em 11 de abril de
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mento carecia dum escrevente capaz de desempenhar os seus deveres nesta arte, mandou
- Certificação
vir um litógrafo de fora, com quem se tem associado. (...) Os dois sócios, com a firma Vic-
tor e Guerrin, executarão todas as obras pertencentes à litografia, tais como circulares, fac-
- Certificação
Tal publicação é um indício do importante papel que a vinda dos técnicos especia-
PUC-Rio
que exclusivamente à gravura em metal, por outro, Larée – cujos olhos eram os de um em-
presário – encontrava motivos suficientes para investir ainda nesta última forma de impres-
são.
3.5
1840 – 1849
para a França, talvez em busca de materiais e conhecimentos específicos para montar ofi-
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cina com Briggs. Em 1842, os dois fundam a firma Ludwig & Briggs. Além de editar co-
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leções de vistas do Rio e de outras cidades do Império, editam coleções de “cenas popula-
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res”, séries de caricaturas, retratos e toda espécie de impressos comerciais: “mapas, letras,
- Certificação
faturas, circulares, preços correntes, bilhetes, adresses, etiquetas para boticas, música, de-
- Certificação
senhos (...) e fac-símiles”104, fazendo, assim, concorrência aberta a Larée. Neste mesmo
PUC-Rio
são de textos e legendas para suas publicações. A parceria dura até 1868, mas a firma, com
novos sócios, se mantém até 1884, quando perde competitividade para outras, como a Hea-
ton & Rensburg.
102
Idem. p. 359.
103
WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 139 e 206.
104
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 370.
60
procedimento no Rio caracterizaram-se por uma cobertura mais enciclopédica que noticio-
sa.
A importação de estereótipos passaria a contar como uma alternativa para revistas e
jornais. Contudo, sempre que precisavam de imagens específicas, estes recorriam ao arte-
são local e sua fatura não especializada. Este é o caso da xilo publicada em 1846 por aque-
le periódico anunciando um espetáculo circense na cidade (Fig. 3.12). A impressão de xi-
logravuras realizadas nestes moldes se manteria no Rio de Janeiro durante algum tempo.
Em 1843, ano em que se registra o primeiro anúncio de fabricação de prensas de talho-
doce, é implantado o processo de reprodução de matrizes por meio de estereótipos no Bra-
sil, reforçando a importância da xilogravura na publicação de periódicos neste momento.
De fato, na década de 1840 aumenta o número de xilógrafos comerciais105. Segun-
do Ferreira, dos treze talho-docistas que chegam então ao Rio, cinco atuaram também co-
mo xilógrafos. Na realidade, muitos gravadores, exerciam a xilogravura e o talho-doce,
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das numa mesma pessoa, a figura do xilógrafo era mais ingênua que a do litógrafo, man-
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com vários periódicos locais. Na década de 1850, abrirá a Litografia d’Aranha & Cia. Há-
PUC-Rio
bil artesão, gravou a buril na pedra o Mapa Architectural do Rio de Janeiro, de autoria do
engenheiro João da Rocha Fragoso, impresso em 1874 na oficina de Paulo Robin e reim-
presso por Genaro Rodrigues, na década de 1960 em atelier montado no Museu Histórico
Nacional. Em 1882, Aranha expôs, como amador, um retrato de D. Pedro II em água-forte,
no Salão de Belas-Artes.
Uma das firmas litográficas nas quais atuou Aranha foi a Heaton & Rensburg, a-
berta em 1840 pelo inglês George Mathias Heaton (1804 – após 1855), litógrafo e pintor e
pelo holandês Eduard Rensburg (1817-1898), litógrafo e desenhista. Os dois chegaram ao
Rio em 1839 e logo depois mandam publicar o seguinte comunicado:
“Heaton & Rensburg têm a honra de anunciar ao respeitável público, e particularmente aos
amadores das artes e ao comércio, que acabaram de abrir seu estabelecimento litográfico,
(...) onde se encarregam de todas as obras litográficas, tanto de lápis, em gravura ou à pena;
105
Idem. Pg. 163.
106
Idem. Pg. 170.
61
Os dois anunciavam também a venda de trabalhos por subscrição. Entre estes, al-
gumas vistas do Rio de Janeiro e da Cidade de Campos dos Goitacases, onde estiveram
primeiramente, e retratos; todos “desenhados, litografados e publicados” naquele estabele-
cimento. (Fig. 3.13). Não desprezavam as reportagens litográficas e vendiam “todos os
arranjos para a litografia preparados para o clima do país”108.
A Heaton & Rensburg editou e imprimiu vários periódicos ilustrados, como Illus-
tração Brasileira (1854-1855); Bazar Volante (1863-1867); O Arlequim (1867) e A Lan-
terna Mágica (1844-1845). Este último foi dirigido por Araújo Porto Alegre, sendo o peri-
ódico que consagrou a caricatura no Brasil, segundo Werneck Sodré. Esta possibilidade
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representa “o primeiro sério avanço técnico na imprensa brasileira”109. Muitas das caricatu-
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ras saídas aí eram do importante artista português Raphael Mendes de Carvalho. (Fig.
Digital
3.14).
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Além disso, os sócios atuavam no setor cartográfico, sendo segundo Ferreira “os
- Certificação
- Certificação
melhores litógrafos de mapas que o Brasil já teve, nesse particular só talvez igualados por
Paulo Robin”110. Voltavam-se igualmente aos gráficos autônomos que, não possuindo
PUC-Rio
Tal prática, comum aos talho-docistas se tornará cada vez mais corriqueira aos litógrafos.
Passando por inúmeros endereços distintos, Rensburg assume completamente a direção da
firma em 1854, quando monta também uma tipografia.
Como podemos perceber, Heaton e Rensburg visavam abarcar todo o campo dos
impressos “comerciais”, “técnicos” e “documentais”, da mesma forma, aliás, que o faziam
as demais firmas gráficas da época. Estes, porém, orientavam-se mais detidamente às es-
tampas de arte, procurando, como está explícito em seu primeiro anúncio, atender aos “ar-
tistas amadores” que desejassem imprimir suas experiências. “Vários artistas de importân-
cia para a história da estampa brasileira trabalharam no ateliê em questão”111, escreve Fer-
reira. Os sócios chegaram a participar de exposições na Academia de Belas-Artes, onde
107
Idem. Pg. 377.
108
Idem.
109
WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 206.
110
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 382.
111
Idem. Pg. 383.
62
Heaton expôs pinturas em 1847 e 1850 e Rensburg, uma litografia à maneira de entalhe,
em 1859. No entanto, mesmo aproximando-se mais do que outros da “gravura de arte”, a
atitude desta oficina diante das técnicas gráficas não se caracteriza como especificamente
desinteressada. Estas eram praticadas, sobretudo, em função da possibilidade de reprodu-
ção que ofereciam e não especificamente como um meio de expressão autônomo, como
“gravura de criação”.
Em 1848, José Joaquim da Costa Pereiras Braga e Paula Brito fundam a Brito &
Braga, que “logo passaria a ser uma das maiores do país e atravessaria o século, com tipo-
grafia, litografia, estamparia, seção de talho-doce e xilogravura”112. Após a saída de Brito,
José Pimenta de Mello se tornará sócio de Braga e, em 1903, assume a firma, que se esten-
derá até 1959.
3.6
Nº 0610408/CA
1850 – 1859
Digital Nº null
ro. Nestas, é comum observar a concomitância do trabalho com ourivesaria bem como
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com outras técnicas gráficas. A gravura em metal está, neste período, ainda em fase de
- Certificação
ascensão, comprovada pelo aumento da compra e venda do material para esta atividade,
PUC-Rio
nestes anos. Acompanha este movimento o crescente número de oficinas litográficas esta-
PUC-Rio
belecidas aqui, que nesta década, somam-se vinte. Dentre elas, destacam-se: a Litografia
d’Aranha & Cia e a Lithographia Mercantil, ambas de H. Aranha; a de Francisco de Paula
Brito, fundada em 1852; a de Manuel José Cardoso, que em 1851 é somada à sua oficina
de impressos comerciais e anúncios de santos; a de Sebastien Auguste Sisson, fundada em
1855, especializada em retratos; e a importante Casa Leuzinger.
De propriedade do suíço Georges Leuzinger (1813-1892), a Casa Leuzinger come-
ça em 1840, como papelaria e oficina de encadernação. Neste mesmo ano, torna-se tam-
bém livraria. Entre os anos de 1845 e 1846, passa a abarcar uma oficina de estamparia de
talho-doce para impressos comerciais. Em 1852, Leuzinger monta uma tipografia e passa a
atuar como um nomeado editor. Em 1853, finalmente, adquire também litografia, cujas
atividades foram mantidas, pelo menos, até 1889. A Casa Leuzinger trabalhou também
112
Idem. Pg. 299.
63
com fotografia. Seu dono representou o Brasil nas exposições universais de Paris de 1867
e 1889. Em 1881, doa um álbum reunindo 114 litografias à Biblioteca Nacional.
Resende, analisa os livros de registros oficiais de marcas deste período. Segundo Resende,
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estas poderiam ser inscritas em qualquer forma, como através de um simples esboço dese-
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nhado. Entretanto era por meio de impressos litográficos que a maioria das marcas era a-
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presentada aos registros oficiais115. (Fig. 3.15). Neste momento, não se sentia a necessida-
- Certificação
vezes, o próprio técnico litógrafo, ou mesmo o dono da empresa, era o responsável pela
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sua elaboração. “De um modo geral”, coloca a autora, “arte e comércio caminharam juntos
PUC-Rio
113
RESENDE, Lívia Lázaro, A Circulação de Imagens no Brasil Oitocentista: Uma História com Marca
Registrada, in O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Co-
sac Naif, 2005. p. 28.
114
“No Brasil imperial”, coloca Rafael Cardoso, “apesar dos esforços de organizações como a Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional e de industriais como Visconde de Mauá, as classes dominantes e portanto
o governo continuaram atrelados a uma noção de ‘vocação agrária’ do país e fizeram pouco ou nada para criar
condições favoráveis para o desenvolvimento da indústria”. CARDOSO, Rafael, Uma introdução à história
do design, São Paulo: Edgar Blücher, 2004. p. 30.
115
RESENDE, Lívia Lázaro, op. cit. p. 20.
116
Idem. p. 33.
64
3.7
1860 – 1869
Entre os mais importantes acontecimentos para a história das artes gráficas ocorri-
dos na década de 1860, no Rio, destacam-se a atividade dos irmãos Fleiuss e a chegada de
Angelo Agostini.
Em 1858, Heinrich Fleiuss (1823-1882) e seu irmão Carl Fleiuss (- 1878), nascidos
em Colônia, chegam ao Brasil. Dois anos depois, estabelecem, junto com o pintor Carl
Linde (-1873), o Instituto Artístico, que, a partir de 1863, sendo reconhecido pelo impera-
dor, passaria a chamar-se Imperial Instituto Artístico. Entre as primeiras façanhas do Insti-
tuto sobressai a publicação da revista Semana Illustrada, fundada em dezembro de 1861.
Como anúncio do seu lançamento, tem-se a utilização pioneira do cartaz ilustrado como
meio de comunicação visual no Rio.
Nº 0610408/CA
curando criar uma safra de técnicos especializados nesta modalidade da atividade xilográ-
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fica pouco desenvolvida no país. (Fig. 3.16). A escola de xilogravura é anunciada na Se-
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em aprender tal arte. Segundo as intenções dos editores, os trabalhos destes alunos compo-
- Certificação
Janeiro, aponta que a intenção de Fleiuss era integrar imagem e texto em sua revista, con-
forme o faziam as publicações européias. Até então seus textos eram impressos em tipo-
grafia e as imagens impressas separadamente em litografia. Estabelecer um diálogo entre
os discursos verbal e visual era, segundo este mesmo autor, o maior desafio para os gráfi-
cos das revistas ilustradas litograficamente.
Normalmente, estas publicações adotavam o seguinte padrão: de um lado da folha
era impresso o texto, compostos tipograficamente; do outro, as imagens, desenhadas em
litografia. Após receber duas dobras, ortogonais, e ser cortada e refilada, obtinha-se um
caderno de oito páginas. As páginas 1 (capa), 4, 5 e 8 (quarta-capa) continham as imagens;
as 2, 3, 6 e 7, eram tipográficas, ornadas, quando muito, com pequenas vinhetas xilográfi-
cas ou com estereótipos. Sublinhemos, ainda, que, muitas vezes, as impressões litográficas
e tipográficas eram realizadas em estabelecimentos distintos. Segundo Andrade, para os
sócios do Instituto, portanto,
65
“o caminho para alcançar seus objetivos passava obrigatoriamente pela formação de mão-
de-obra para os trabalhos com xilogravura de topo no Rio de Janeiro, de modo a viabilizar
a composição e impressão dos blocos de texto e das imagens numa mesma página, simul-
taneamente pelo processo tipográfico”117.
“Progresso! Progresso! Palavra mágica que impele o mundo à conquista do futuro e ao seu
aperfeiçoamento moral e physico. Este puff sexquipedal serve apenas para noticiar aos nos-
sos leitores, urbi et orbi, que de hoje em diante a Semana Illustrada é ornada em estampas
gravadas em madeira pelos moços brasileiros que freqüentarão a aula de Xylographia do
Imperial Instituto Artístico...”
seguinte, o Instituto editou a Historia Natural Popular dos Animaes, (Fig. 3.17), publicada
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cerca de quarenta estampas, algumas produzidas pelos alunos do Instituto, mas a maioria
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envio de uma comissão especial ao Paraguai, para realizar a cobertura visual da guerra, da
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qual participaram, entre outros, o engenheiro João da Rocha Fragoso. Esta revista publica,
então, uma série de litografias realizadas a partir de fotografias enviadas especialmente
para a sua redação. Assim como esta, outras revistas irão adotar a reprodução de imagens
fotográficas através da litografia.
Em 1876, a Semana Illustrada encerra sua circulação, tendo se consagrado como
uma das primeiras revistas ilustradas publicadas no país118.
Naquele mesmo ano, H. Fleuiss funda a Illustração Brasileira, uma revista nos
moldes dos grandes magazines europeus, ilustrada com xilogravuras de grandes formatos,
que o levará a falência119. Nas páginas desta revista, Fleiuss pretendia editar gravuras na-
117
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, Do gráfico ao fotográfico: a presença da fotografia nos impres-
sos, in O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naif,
2005. Pg. 68.
118
A Revista Popular, publicação do gênero anterior à Semana tinha suas ilustrações impressas na França e
inseridas no corpo da revista aqui. WERNECK SODRÉ, op. cit. p. 235.
119
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. p. 190.
66
cionais e estrangeiras, “de modo que pelas primeiras, tenha a Europa conhecimento do
Brasil, e pelas segundas conheça o Brasil o que há de interessante nas regiões de além-
mar”120. A atividade de sua escola, entretanto, não podia atender a tão alta expectativa. A
maioria das ilustrações publicadas era proveniente do exterior, mais precisamente da Ale-
manha. Em 1878, cessa esta revista e o Instituto fecha suas portas. Escreve Ferreira: “É
indiscutível a influência do Instituto sobre o despertar do interesse geral em torno da xilo-
gravura”121.
Em 1865 chega ao Rio um grande nome das artes gráficas, o italiano Angelo Agos-
tini (1843-1910). Ao chegar ao Brasil, seguiu para São Paulo, onde trabalhou na revista
Diabo Coxo. No Rio de Janeiro, além de atuar em diversas publicações, Agostini funda a
Revista Illustrada, que, em 1889, alcançará a tiragem de 4 mil exemplares, sendo impressa
em oficina litográfica a vapor. (Fig. 3.18). Esta publicação é logo comparada à importante
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Semana Illustrada. O uso do vapor como força motriz nas oficinas gráficas, cada vez mais
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comum a partir de então, punha em ação um eixo central ao qual estavam atreladas as múl-
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tiplas máquinas.
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este estilo com outras publicações, como As Aventuras de Zé Caipora. Nelas, os persona-
gens apareciam sempre de corpo inteiro sendo a narrativa contada pelas legendas.122 (Fig.
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PUC-Rio
3.19). Em 1888, Agostini vai para a Europa, deixando sua revista sob a direção do litógrafo
Pereira Netto. Em 1895, volta ao Brasil e funda a D. Quixote que circulou até 1903.
3.8
1870 – 1879
120
Idem. Pg. 192-193.
121
Idem. Pg. 193.
122
PATATI, Carlos e BRAGA, Flávio, Almanaque dos Quadrinhos – 100 anos de uma mídia popular. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2006. Pg. 20.
123
PAULA, Aldemar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, op. cit., p. 54.
67
de luxo, ornada com muitas imagens, a Illustração traz, em seu primeiro número, uma
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da obra Suas Altezas Imperiais do Brazil, que retrata a princesa Isabel, o conde d’Eu e seu
- Certificação
mo coloca Vivaldo Coaracy, “eram, muito poucos, no Rio de Janeiro, os artistas aptos a
efetuar esse trabalho que, por motivos óbvios, se tornava dispendioso, além de demora-
do”127.
Além de encomendar sistematicamente tais matrizes, Vivaldi adquiria outras, já
utilizadas, que pudessem ter, segundo seu juízo, algum interesse para o publico brasileiro.
A partir destas ilustrações o editor encomendava artigos especiais. A bem da verdade, Vi-
valdi contou com a colaboração de alguns gravadores especializados, como o alemão Hirs-
ch, que gravou para ele o retrato do Conselheiro Leôncio de Carvalho, publicado em outu-
bro de 1878 na Illustração do Brazil (Fig. 3.21). Contudo, as imagens gravadas aqui eram
a minoria daquelas publicadas.
124
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. Pg. 409.
125
PEDERNEIRA, Raul, citado por WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 253.
126
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, Do gráfico ao fotográfico: a presença da fotografia nos impres-
sos. p. 72.
127
COARACY, Vivaldo, citado por WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 255.
68
O problema que Vivaldi encarava era o mesmo que havia enfrentado H. Fleiuss: a
escassez de mão-de-obra especializada. Por trás dele estava a busca pela articulação de
imagens e textos na impressão. Enquanto Fleiuss procurou criar esta mão de obra, organi-
zando o curso de xilogravura de topo em seu Instituto, Vivaldi driblou o problema, impor-
tando as matrizes estereotipadas.
“Em 1880, enquanto nos Estados Unidos e na Europa as publicações similares iam de ven-
to em popa, já próximas do período de transição para a reprodução fotomecânica (autotipi-
a), a Illustração do Brazil, no Rio de Janeiro, chegava ao fim128”.
como objetivo atrair o público. Sua independência do corpo da publicação tornava sua
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sil, muito mais vinculada à litografia que na Europa e nos Estados Unidos, onde, como
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vimos, tal prática foi logo transposta à xilogravura de topo. A falta de mão de obra especia-
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lizada impediu este processo de ocorrer entre nós. De uma forma geral, aqui, a litografia
imperou entre as revistas ilustradas. Por conseguinte, notamos o predomínio do desenho,
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mais especificamente, da caricatura, nesta mídia. Mais do que isso, coloca Andrade, a
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128
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, Do gráfico ao fotográfico: a presença da fotografia nos impres-
sos, p. 73.
129
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, História da fotorreportagem no Brasil. Pg. 52.
69
vez a primeira no Rio de Janeiro. Nesta prensa, Robin editaria, dois anos depois, o Mapa
Architectural do Rio de Janeiro.
Nos anos seguintes, Robin imprimiria a parte litográfica de alguns dos mais proe-
minentes periódicos em circulação no Rio. Em 1876, o francês associa-se ao italiano Agos-
tini e a firma passa a se chamar Angelo & Robin. Em 1881, passa a adotar a zincografia,
também chamada “gilotagem”, processo de gravação de chapas de zinco a serem impres-
sas em relevo a partir de desenhos. A casa torna-se Lithographia e Zincographia Artistica e
Commercial.
A zincografia baseava-se na obtenção de clichês a partir da transferência de um de-
senho para uma chapa daquele material. Seu uso, iniciado neste momento, estenderia-se
durante as primeiras décadas do século XX e representaria uma alternativa às revistas ilus-
tradas da época. Alcançará uma popularização significativa quando somado à possibilidade
de produzir matrizes a partir de imagens fotográficas. Este processo dava-se através da
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tas e levavam a assinatura Clichês Paulo Robin & Cia.. A firma se manteria até 1916,
mesmo após o falecimento de Robin, em 1897 e de Agostini, em 1910.
130
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 402.
131
Idem. p. 402.
70
escola brasileira de xilografia, se a época em que chegou e o meio, sobretudo, fossem pro-
pícios àquela arte”132.
Outro nome a ser citado é o de Ad. Hirsch. É provável que Ad. Hirsch tenha sido
aluno do Instituto. Para a Illustração Brasileira, gravou em madeira uma vista da Tipogra-
fia Nacional, feita a partir de fotografia de Marc Ferrez (Fig. 3.23). Hirsch produziu xilo-
gravuras para diversos periódicos, entre eles, Illustração do Brasil, O Besouro, Folhinha.
3.9
1880 – 1889
pria firma, a Pinheiro & Cia.. Reproduzia em xilogravura, sob encomenda, retratos, paisa-
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gens e obras de arte, inclusive a partir de fotografias (Fig. 3.24). Alfredo Pinheiro era um
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gravador de topo, técnica que aprendeu provavelmente em sua estada na França. Tinha
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ambições mais artísticas que o pai, porém, de uma forma geral, seu trabalho mantinha-se
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atrelado à gravura “de reprodução”. Ferreira classifica os dois como gravadores “documen-
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132
SILVA, Oswaldo, citado por ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, História da fotorreportagem no
Brasil., p. 267.
133
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 177.
71
dalha e gravura, na qual seriam ensinadas três gravações em cobre: buril, água-forte e
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através do Decreto n.º 8 802, cria a Cadeira de Xilografia no lugar da Cadeira de Medalhas
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e Pedras Preciosas. Aquela disciplina, entretanto, ficaria sem professor até que, em 1888, o
próprio corpo acadêmico pediu o restabelecimento da gravura de medalhas e pedras pre-
ciosas em seu lugar134. Em 1890, a cadeira continua vaga, e em 1892, não mais aparece
entre as disciplinas da Academia. Finalmente, em 1894, já está restabelecida a original.
A criação de uma aula de xilogravura no Rio havia sido concebida primeiramente
por Félix Ferreira, que vinha discutindo a necessidade desta iniciativa em artigos publica-
dos na imprensa. Ferreira era um entusiasta do Liceu de Artes e Ofícios e era ali que ele
imaginava instaurá-la. Em novembro daquele ano, em um sarau em homenagem a Dantas,
organizado pelos professores do Liceu, Ruy Barbosa proferiu seu célebre discurso sobre as
“artes aplicadas”, onde colocava que, então, “as obras notáveis já não apelam para o públi-
co unicamente pela tela, pelo desenho, ou pela escultura original, senão pelos infinitos mo-
134
FERREIRA, Orlando da Costa. op. cit., p. 202.
72
off-set, ocasião em que será responsável pela introdução desta técnica no país.
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3.10
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1890 – 1900
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Na última década do século XIX, o Rio de Janeiro possuía uma população seis ve-
zes maior que antes de 1808136. Ao crescimento urbano seguiu-se um aumento significati-
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135
Idem. p. 201.
136
CARDOSO, Rafael, Uma introdução à história do design, São Paulo: Edgar Blüncher Editora, 2004, 2ª
edição. p. 38 e 39.
137
Idem.
138
Idem. p. 46.
73
uma transformação do ambiente gráfico do Rio de Janeiro. Aí, como em outros grandes
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centros urbanos do país, os periódicos passariam a se organizar como empresas nas quais
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os meios artesanais de impressão seriam substituídos por meios industriais. Logo, a distri-
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buição destes periódicos adquire uma nova dimensão. Alteram-se também as relações com
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139
WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 314.
74
esse tipo de imprensa, nelas o jornal ingressara, efetiva e definitivamente, na fase industri-
al, era agora empresa, grande ou pequena, mas com caráter comercial inequívoco”140.
virada do século XIX para o XX, já com atraso, a imprensa brasileira adentrou verdadei-
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A Revista da Semana manifesta a transição para uma nova era visual na cidade. Em
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3.11
A particularidade do meio gráfico oitocentista carioca
140
Idem.
141
AANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, História da fotorreportagem no Brasil, p. 223.
142
Idem. p. 12.
143
No sentido dessa nova etapa da produção industrial de impressos, o Brasil não se coloca em uma posição
de defasagem em relação aos países europeus. De fato, o advento desta indústria obrigou o mundo todo a se
atualizar diante das inúmeras inovações tecnológicas. Assim como a litografia, a fotografia e as demais con-
quistas que agilizaram a produção gráfica chegariam a este país em relativa concomitância aos outros países
75
gravura em metal, naqueles anos, ressentirá, portanto, de uma tradição ampla como na
Europa, onde, como colocado no capítulo anterior, estes fazeres remetem aos séculos XIV
e XV. Isto acarretará, entre outras conseqüências, uma abrangência muito maior da litogra-
fia que destas outras técnicas em certos meios. É o caso, por exemplo, das revistas ilustra-
das, publicações em que, na Europa e nos Estados Unidos, a gravura de topo dividia espa-
ço com a litografia. Marcos Varela, em entrevista realizada para esta dissertação, analisa
esta questão:
“No Rio, a Imperial Academia de Belas-Artes formava desenhistas que eram aptos a dese-
nhar sobre a pedra. Você tinha técnicos litográficos, responsáveis pela gravação desse de-
senho. Até mesmo o dono da gráfica poderia escrever de próprio cunho o texto, ou fazer
um desenho em um papel transporte e então decalcar estas imagens na pedra. (...) No caso
da gravura de topo, fazia-se preciso não só o desenhista mas também o gravador. Esse ti-
nha a função de interpretar o desenho em termos de gravação artesanal na matriz. Isso não
era um processo puramente mecânico como era o do técnico litográfico, era muito mais
complexo”144.
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Como poderia ter o Brasil uma tradição de gravura de topo se, ademais, esta foi
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popularizada em Portugal apenas a partir de 1837? A tentativa dos irmãos Fleiuss de cons-
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tituir uma mão de obra especializada em gravura de topo, e o retorno “resignado” às capas
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litográficas diante da frustração de tal empreitada, são outro indício da aplicação que esta
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nem tampouco a xilogravura, do mercado gráfico brasileira. Cada uma destas técnicas a-
barcará para si uma parcela deste mercado.
Como vimos, a litografia possibilitava a representação de inúmeros artifícios gráfi-
cos próprios do trabalho direto sobre o papel, permitia a transferência de qualquer desenho
ou texto para a pedra litográfica e tornava desnecessário o domínio técnico das ferramentas
de “gravação”, como o buril e as goivas. Porém, mesmo nas aplicações específicas em que
esta dividiu espaço com a gravura em metal, não houve um domínio absoluto dela. Pelo
contrário, a tardia implantação de departamentos talho-docísticos em firmas que já opera-
vam com a litografia, como a de Larée ou a Casa Leuzinger, nos fazem perceber a abertura
a esta forma de impressão. Que vantagens manteria o talho-doce em relação à litografia?
Vejamos um caso citado por Ferreira que se deu no final da década de 1820:
europeus e aos Estados Unidos. CARDOSO, Rafael Denis, O início do design de livros no Brasil, in O design
brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naif, 2005. p. 164.
144
VARELA, Marcos Baptista. Entrevista para esta dissertação. Rio de Janeiro, 24/09/2007.
76
ta. Segundo Varela, “os cartões de visitas eram gravados a buril em relevo, pelos chama-
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dos ‘abridores de chapa’. Essas impressões continham um relevo, seco ou entintado, que
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era natural do processo e que não era obtido numa impressão litográfica, por exemplo. Isto
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As referências ao maior apreço pelo impresso gravado em metal que pelo litografa-
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do eram comuns nas publicações desta época. Certamente a materialidade da tinta impres-
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sa através da incisão no metal, que produz uma leve saliência sobre a superfície do papel,
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145
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 268. Grifo meu.
146
Idem. p. 269.
147
VARELA, Marcos Baptista. Entrevista para esta dissertação.
77
nal do Comércio (figuras 3.9, 3.10 e 3.12). A afinidade da xilogravura com a tipografia e
sua própria simplicidade técnica fizeram com que muitos editores apelassem para a mão de
obra improvisada de um funcionário que demonstrasse uma maior habilidade manual ou
disposição para obter certas matrizes reproduzíveis.
Outra questão em relação aos trabalhos gráficos oitocentista, no Rio, é a existência
ou inexistência de uma gravura “de arte” neste período. Indubitavelmente os trabalhos pu-
blicados pela indústria gráfica oitocentista no Rio são de extrema qualidade técnica e esté-
tica. Não obstante, estas obras estão por demais vinculadas à possibilidade reprodutiva das
técnicas gráficas para assumirem um caráter de gravura “desinteressada”. Conforme apon-
ta Ferreira, podemos observar, entre os gráficos que arriscaram-se nas belas artes e os pin-
tores que experimentaram a litografia e outras técnicas de reprodução de imagens, uma
indecisão e mesmo uma incapacidade em assumir a figura de um artista-gravador; uma
incapacidade em inaugurar a gravura de criação148.
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O debate entre indústria e arte está sempre presente na história da gravura. Com a
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palavra, Varela:
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“A imagem gráfica sempre teve esses dois pesos, esses dois aspectos: uma função artística
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propriamente dita: a beleza em si da imagem; e seu lado prático. (...) Toda a obra gráfica do
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Dürer, pelo que se sabe, era vendida em barraquinhas de feiras, como o cordel de hoje. A-
queles impressos eram vendidos pela esposa dele como se fossem santinhos de igreja. Essa
era sua função original. Depois, até com uma rapidez muito grande, foi atribuída a estes
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impressos uma função artística. (...) Na gravura, esse aspecto se colocou de maneira muito
presente porque ela sempre teve a função de divulgação, de multiplicação da imagem. En-
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tão surgem as questões: “é arte aplicada?”, “é arte utilitária?”. E vão se criando vários no-
mes para distinguir uma coisa da outra, diferenciar o que é arte aplicada e o que não é, o
que é menos arte e o que é mais arte, colocando uma escala de valores que, na verdade, tem
uma importância relativa, pois varia com o tempo. Os cartazes de Toulouse-Lautrec, que
na época não tinham outro intuito senão o de vender uma mercadoria cultural, são hoje va-
lorizados porque foram feitos por este artista”.
148
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 251.
78
autor, também na Europa, antes da fotografia, pode-se dizer que eram poucas as pessoas
que tinham consciência da diferença entre expressão gráfica e a comunicação gráfica de
informações e fatos. Até então,
“a profunda diferença entre criar algo e fazer um relato sobre a qualidade ou o caráter de
algo não havia sido percebida. Os homens que realizavam-nas haviam ido para as mesmas
escolas de arte, cursado as mesmas disciplinas e aprendido as mesmas técnicas. Eram todos
classificados como artistas e o público aceitava-os como tais, ainda que distinguisse entre
um bom e um mau artista”149.
No Brasil, este processo, que se deu após a virada para o século XX, seria acompa-
nhado pelo entendimento essencialmente plástico representado pelas obras dos pioneiros:
Carlos Oswald, Raimundo, Cela Anita Malfatti e Lasar Segall, na gravura em metal; Se-
gall, Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo, na xilogravura; e, pouco mais tarde, Darel Valença
Lins, na litografia.
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149
“…the profound difference between creating something and making a statement abouality and character of
something had not been perceived. The men who did these things had gone to the same art school and learned
the same techniques and disciplines. They were all classified as artists and the public accepted them all as
such, even if it did distinguish between thos it regarded as good and as poor artists”. IVINS JR., William M.,
op. cit. Pg. 136.
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O desenvolvimento do meio de artes gráficas no Rio de Janeiro
ao longo do século XX
“A expressão gravura original não é tão usual em português como no inglês, original
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prints, ou no francês, gravure originale, ou mesmo gravure de peintre. Isso se deve, possi-
velmente, ao fato de a gravura original ter surgido no Brasil apenas a partir do primeiro
quartel do século XX, quando a gravura de reprodução já havia sido suplantada pelos pro-
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cessos fotomecânicos”150.
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que uma relação causal, há, entre a indústria gráfica e a gravura de arte brasileiras, uma
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4.1
A gravura de arte brasileira
mais do que seu próprio trabalho, foram, nestes primeiros anos, de fundamental importân-
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“Sei que em todo o mundo o despertar do interesse pela gravura nasceu e se desenvolveu
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no nosso século pelas razões que todos conhecem: ‘sintetismo’, em oposição à exagerada
policromia dos pós-impressionistas; entusiasmo pela ressurreição desta arte que talvez te-
nha sido morta pelos processos mecânicos derivantes da fotografia; (...) sua prática que lhe
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facilitava a repetição em muitos exemplares e que a tornava uma arte mais em harmonia
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150
Catálogo da exposição Impressões originais: A gravura desde o século XV. p. 09
151
OSWALD, Carlos, 1957 in Gravura – Arte Brasileira do Século XX.
94
vura da Bienal de Veneza; A. L. Piza radica-se em Paris, em 1952; Anna Letycia expôs
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tude que o ensino desta arte teve aqui, para isso colaborando o “espírito de conjunto” exis-
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“para existir gravadores é indispensável um ateliê coletivo, onde um mestre passe todo o
seu conhecimento para os novos artistas (...). Com o passar do tempo, esses alunos inician-
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tes passam a se expressar como jovens artistas, e a relação mestre-discípulo passa para uma
convivência de troca de experiência de igual para igual. Todo mestre sabe que a melhor
maneira de se aprender gravura é através do ensino. E a relação fraterna com o discípulo é
indispensável155”
“Acho que não existe uma verdadeira ‘iniciação’ sem que alguém passe esse conhecimen-
to, e este é o papel do professor. (...) Ele orienta numa certa direção. Acredito que alguém
que vá se tornando artista se apóie na experiência do professor, principalmente se for um
professor artista, ou seja, um artista exercendo o ensino de arte, em seu pleno momento de
trabalho individual. O aluno pode se afastar mais tarde desta influência, pode mesmo rene-
152
KOSSOVITCH, Leon e LAUDANNA, Mayra in Gravura – Arte Brasileira do Século XX.
153
BARATA, Mário, Introdução à Gravura no Brasil, in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I,
Sesc, 1995. p. 18.
154
LETYCIA, Anna in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I, Sesc, 1995. p. 61.
155
ALTINO, José in “Gravura Brasileira Hoje - depoimentos” Volume II. Coordenação: FERREIRA, Heloisa
Pires. Responsável pela gênese do projeto e entrevistas: CÂMARA, Adamastor. Re-orientação do projeto
inicial e sua concretização: TÁVORA, Maria Luisa Luz. Sesc, 1996, p. 83.
95
gá-la. Isto é comum. É como o filho que renega as idéias dos pais. É uma questão de gera-
ções. (...) Não há órfãos de arte...”156
Um terceiro fato a ser salientado é a falta de tradição artística com que se depara-
ram nossas primeiras gerações de gravadores modernos. Esta realidade, ao mesmo tempo
em que gerou certos obstáculos, agiu como um catalizador para tais experiências: não
constituía uma tradição constrangedora e motivou uma pesquisa intensa, propiciando um
domínio técnico mais abrangente. Assim sendo, encontramos, na década de 1950, um Iberê
Camargo a escrever para Mário Carneiro, em Paris, em busca de informações e materiais
valiosos para a gravação em metal157; um Darel Valença Lins a interrogar antigos técnicos
litógrafos – ex-funcionários da indústria gráfica – sondando por pedras, prensas e aprendi-
zado; um Orlando Dasilva a freqüentar o atelier de gravura do Liceu, no final da década de
1930, declarando: “A nossa desinformação era tal que não sabíamos que se esquentava a
placa para tirar cópias. Mas, bendita seja essa falta de informação; ela criou uma escola
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técnica brasileira!”158.
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tir de 1914159, a gravura é praticada como uma forma de expressão, percebe-se o convívio
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e se multiplica.
Para muitos destes gravadores, o ensino não constituiu uma atividade menos im-
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portante ou distinta da artística; ao contrário, muitos foram os que se destacaram mais co-
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mo professores. Observa-se, nessa apreensão, artistas que foram alunos em uma instituição
atuando como mestres nesta ou em outras; as experiências dos mais antigos sendo repro-
duzidas através das gerações posteriores, marcando-as; artistas permeando distintos ateliês,
garantindo uma intercomunicação entre estes espaços. A vinda de artistas estrangeiros, a
vivência de brasileiros no exterior, o contato com as diferentes regiões do Brasil alargam
ainda mais este movimento.
A “genealogia” da prática e do ensino da gravura no Rio de Janeiro se organiza em
uma estrutura em rede; permeia diferentes instituições e cidades; se estende para fora do
país.
156
GEIGER, Anna Bella in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume III. Coordenação: FERREIRA,
Heloisa Pires. Responsável pela gênese do projeto e entrevistas: CÂMARA, Adamastor. Re-orientação do
projeto inicial e sua concretização: TÁVORA, Maria Luisa Luz. Sesc, 1997, p. 81.
157
Iberê Camargo Mário Carneiro – Correspondência, Rio de Janeiro: Casa da Palavra/ Centro de Artes
Hélio Oiticia/ RioArte, 1999.
158
DASILVA, Orlando da in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume II, Sesc, 1996. Pg. 50.
159
Ano em que começaram as atividades no atelier de gravura em metal do Liceu de Artes e Ofícios.
96
4.2
As principais instituições multiplicadoras
4.2.1
O Liceu de Artes e Ofícios
Oswald (1882-1971). Oswald nasceu em Florença e veio para o Brasil, em 1906, graduado
Nº null
como físico-matemático e tendo cursado a Accademie di Belle Arti di Firenzi. Aqui, realiza
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sua primeira exposição individual. Em 1908, retorna à Itália onde estuda água-forte com o
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americano Carl Strauss (1873 -). Em 1913, de volta ao Rio, expõe com Eugenio Latour na
- Certificação
Escola Nacional de Belas Artes. Neste ano é contratado para dar aulas de água-forte no
- Certificação
bem equipado atelier do Liceu. Ali, instaura o primeiro centro de difusão e prática da gra-
PUC-Rio
Modesto Brocos, que havia sido chamado para dirigir esta oficina, foi quem trouxe
da Europa os materiais que Oswald ali encontrou. A prensa elétrica foi trazida da Alema-
nha e permitia a impressão de placas de até 80 por 100 cm. O resto dos apetrechos necessá-
rios para aquela atividade (chapas de cobre, buris, lentes, vernizes, raspadores, brunido-
res...) foram trazidos da França.
“Quando o professor Carlos Oswald tomou conta da oficina encontrou-a bem aparelhada e
montada com esmero. O material, porém, não era eterno; vieram as conseqüências da pri-
meira grande guerra; acabaram-se as chapas européias e os vernizes finíssimos, não se en-
contrando em nosso mercado nada semelhante. Veio a oficina a ter falta de tudo, tendo iní-
cio a primeira crise que sofreu o curso de água-forte. Não desanimaram, porém, professor e
alunos, e com admirável boa vontade conseguiram criar novo abastecimento água-
fortístico, servindo-se unicamente de artigos existentes na cidade. Levigaram-se chapas
brutas, fabricaram-se buris e agulhas, derreteram-se resinas, ceras e asfaltos para recobrir
as chapas; usaram-se papel nacional e feltros do comércio”160.
160
DE BARROS, Álvaro Paes, O Liceu de Artes e Ofícios e o Seu Fundador, Rio de Janeiro, 1956, p. 329.
97
Dasilva lecionaria aí. Muitos foram os artistas que passaram por este atelier, dentre os
Nº null
quais podemos destacar: o austríaco Hans Steiner (com quem, mais tarde, Iberê Camargo
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teria o primeiro contato com a gravura em metal); Darel Valença Lins (1926), Renina Katz
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(1925); Danúbio Gonçalves (que, entre 1969 e 1971, lecionará gravura na Universidade
- Certificação
Federal do Rio Grande do Sul); Poty Lazzarotto. Também gravaram neste ateliê, segundo
- Certificação
Anna Letycia: ela própria; Iberê Camargo; De Lamônica; Orlando Dasilva e José Lima.
PUC-Rio
PUC-Rio
4.2.2
O Curso de Artes Gráficas da Fundação Getúlio Vargas
161
DE BARROS, Álvaro Paes, op. cit.
98
“O Carlos Oswald ensinava os princípios da gravura em metal. Mas é preciso dizer que o
rolo de nossa prensa media uns dez centímetros, ou seja, era uma prensinha. O material era
precário. Realmente, começamos na melhor tradição brasileira, ou seja, improvisando tu-
do! O que, por outro lado nos garantiu um conhecimento absolutamente íntimo das neces-
sidades técnicas”162.
Renina Katz e Danúbio Golçalves (que terá importante atuação nos Clubes de Gravura no
Nº null
sul do país).
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Edith Behring (1916-1996) foi uma que, tendo tido aulas de xilogravura com Les-
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koschek na FGV, acompanha-o em seu ateliê na Glória. Segundo esta gravadora, foi Les-
- Certificação
- Certificação
koschek quem “sugeriu e sistematizou o hábito dos debates e crítica analítica entre alunos
e professores ao final dos trabalhos práticos…”163.
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PUC-Rio
4.2.3
O ensino da gravura na Escola Nacional de Belas Artes
“Goeldi, com sua humanidade e firmeza, atraía seus discípulos sem interferir em suas o-
bras. Apontava as soluções partindo dos acertos dos jovens estudantes, fazendo-os desco-
brir as falhas na matriz gravada para que elas fossem corrigidas, redirecionando-os, no ár-
162
OSTROWER, Fayga in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume III, Sesc, 1997, p. 38.
163
BEHRING, Edith in Gravura – Arte Brasileira do Século XX, Itaú Cultural, 2000. Pg. 46.
99
duo processo de retorno à sua obra. Sua visão larga e experiente possibilitava mudanças
metodológicas, pois ele já havia abandonado a cópia para estimular as novas poéticas, o
que contribuía para a descoberta da modernidade pelos seus jovens alunos” 164
Foram alunos de Goeldi: Gilvan Samico, que havia estudado xilogravura com Lí-
vio Abramo, no Masp; Adir Botelho; Newton Cavalcanti; Marília Rodrigues; Hugo Mund;
Chlau Deveza; Rachel Strosberg; Sérgio Campos Melo; Júlio Vieira; Jesuíno Ribeiro; An-
tônio Dias e outros.
Em 1955, Darel Valença Lins (1924) instala um atelier livre em uma pequena sala
da escola. Apoiado pelo Centro Acadêmico da Escola e por Quirino Campofiorito, então,
diretor da Escola. Oficialmente independente daquela instituição, inicia-se o curso de lito-
grafia ali. É de suma importância para estas primeiras tentativas de expressão litográfica o
contato que Darel, Antonio Grosso e outros artistas travam com os técnicos da antiga in-
dústria gráfica. Segundo Darel, Genaro Rodrigues, cromista litógrafo e pai dos fundadores
Nº 0610408/CA
1957, este artista recebe o Prêmio de Viagem ao Exterior. O atelier é mantido em atividade
Digital
pelos estudantes que ali trabalhavam. Entre eles, encontramos: Anna Letycia; Vera Boca-
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Em 1961, falece Oswaldo Goeldi. Adir Botelho assume a regência do curso de xi-
- Certificação
logravura e gravura em metal. Neste mesmo ano, a litografia entra para o quadro de disci-
plina da Escola tendo Ahmés de Paula Machado como professor.
PUC-Rio
gravura.
Em 1970, é criado o Curso de Graduação em Gravura na, agora, Escola de Belas
Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O programa é elaborado por Adir Bote-
lho e conta com as oficinas de gravura em metal, xilogravura e litografia. Em 1984, Ahmés
de Paula Machado falece e Kazuo Iha (1947), assume o posto de professor responsável
pelo ateliê de litografia. Logo, Marcos Baptista Varela (1948) se torna o professor respon-
sável pelo ensino da gravura em metal. Ambos haviam sido alunos de Adir. Este lecionará
aí até o ano de 2003, quando se aposenta. Entre os que foram seus alunos podemos citar:
Roberto Magalhães; Rubem Grilo; Newton Cavalcanti (que lecionará em diversas institui-
ções, entre elas, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage); Isa Aderne (que lecionará na
164
LUZ, Ângela Ancora da, A Importância do Curso de Gravura Para a Escola de Belas Artes, in
Gravura – A Bela Arte, Guadalupe Diego org. Ultraset Editora Ltda. Rio de Janeiro, 2007, p. 09.
100
Escolinha de Arte do Brasil) e José Altino (que dará aulas de xilogravura na Escolinha de
Arte do Brasil).
4.2.4
O Atelier do Museu de Arte Moderna
Munis Sodré e Paulo Carneiro para orientar a construção do atelier de metal no Museu de
Nº null
Arte Moderna, no Rio de Janeiro . “O trabalho estava entregue aos arquitetos”, conta Be-
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hring, “mas estes precisavam de conhecimentos específicos, por exemplo, onde colocar as
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coisas, o que era necessário, assim eles me chamaram. Até então os ateliês eram muito
- Certificação
mente aquele atelier. Carmem Portinho era a engenheira responsável. Behring os orientou
PUC-Rio
165
BEHRING, Edith in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I, Sesc, 1994, p. 75.
166
Como bem apontou Anna Letycia, em seu relato para o “Depoimentos Para Posteridade”, organizado pelo
Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 2007, justamente do próprio Friedla-
ender, intermediadas por Mário Carneiro, Iberê Camargo, neófito, obteve as valiosíssimas informações que o
possibilitaram organizar o curso no Instituto Municipal de Belas Artes.
101
“Nessa época eu estudava com o Iberê e ele fazia restrição, como também o Goeldi, à vin-
da do Friedlaender, porque entendiam que ele iria dar uma orientação diferente à gravura
no Brasil. Para eles o Brasil já tinha uma gravura bem marcada e peculiar. O Friedlaender
trazia uma série que não eram mais do que recursos de impressão que a gravura possibili-
tava e que não eram usados. Havia reação contra a sua vinda”167.
Segundo Behring, Lívio Abramo e Fayga Ostrower foram dois que mantiveram
uma opinião mais equilibrada sobre o assunto.
Como consequência da rejeição dos gravadores mais experientes, as aulas de Frie-
dlaender no MAM foram assistidas principalmente por iniciantes. Este não ficou mais de
três meses no Rio. Mesmo durante sua estada, Behring e Perez eram os grandes responsá-
veis pelo andamento das aulas. Eles assessoravam os jovens alunos, traduziam seu francês
e ficavam em tempo integral no atelier. Após seu retorno, os dois assistentes assumiram a
direção. Estiveram também em contato com Friedlaender no MAM: Isabel Pons; Farnese
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Depois de quatro meses de atividade foi organizada uma mostra com os trabalhos.
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Participaram: Farnese de Andrade, José Lima, De Lamônica, José de Souza, Walter Mar-
- Certificação
- Certificação
Havia dois turnos de aulas diárias. Com a saída de Friedlaender, Behring passou a
PUC-Rio
coordenar o curso, assumindo também a turma da tarde durante vários anos; Perez, com 29
anos na época, ficou como professor da turma de manhã até 1960, quando vai lecionar em
La Paz. José Assumpção de Souza era o assistente de Behring e Walter Marques de Perez.
Quando Perez se afastou, Anna Letycia ficou com a turma da manhã. Depois, foi
sua vez de viajar e Roberto De Lamônica ficou em seu lugar. Em 1977, Anna voltou, aí
ficando até o encerramento do curso.
Além de Behring e Rossini, muitos outros gravadores ensinaram gravura em metal
naquele espaço: Anna Letycia (1960/1969); Newton Ribeiro (1960/1961); Eduardo Sued
(1974/1980) e Marília Rodrigues (1977/1986) e Thereza Miranda (1983/1986).
Neste espaço deram aulas de xilogravura Roberto Magalhães, em 1970, Alex gama
e Sandra Santos. Dionísio Del santo lecionou serigrafia aí em 1969 e, depois em 1984 e
1985.
167
LETYCIA, Anna in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I, Sesc, 1995, p. 60.
102
4.2.5
Outros ateliês
Além dos quatro ateliês observados aqui, encontramos outros espaços de significa-
tiva importância para a propagação da gravura no Rio de Janeiro. A Escolinha de Artes do
Brasil, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e o Atelier de Gravura do Sesc Tijuca
foram locais onde muitos dos artistas já comentados também atuaram. Deve-se considerar
igualmente os ateliês particulares, como o de Axl Leskoschek e de Iberê Camargo, além do
Instituto Municipal de Belas Artes, onde o último montou um curso de gravura em metal, e
que, mais tarde, deu origem à Escola de Artes Visuais.
Entre os ateliês de atuação mais recente podemos citar: a oficina de gravura da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; o Centro de Arte Calouste Gulbenkian;
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e o Atelier Villa Venturoza, na Glória, onde Rizza Conde, Thereza Miranda, Bia Sasso,
Nº null
dução de imagens no país. Esta e às não poucas transformações econômicas sociais e cul-
- Certificação
4.3
O Desenvolvimento do meio gráfico brasileiro
Observa-se, ao longo do século XX, quando o Brasil passa por um processo de in-
tenso desenvolvimento industrial, a crescente modernização do meio gráfico nacional,
marcada tanto pela sistemática importação de novas tecnologias e dos subsídios necessá-
rios à produção gráfica, quanto pelo esforço pela produção interna destes.
Nas primeiras décadas, inúmeras publicações são lançadas no mercado, principal-
mente no campo das chamadas revistas ilustradas. Este gênero, tendo sido inaugurado no
século anterior, iria então atingir enorme popularidade. Mais do que os próprios jornais,
são estas que melhor apresentam as novas possibilidades dos recursos técnicos alcançados.
Elas agem como catalizadores na “assimilação do processo de modernização” que seria
103
“tipoaltura”. Eram produzidos a partir do desenho em tinta autográfica sobre papel especi-
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al, preparados para serem impressos em prensas tipográficas. Raul Pederneiras, citado por
Digital
“Com a tinta autográfica e a pena de irídio, o artista desenhava o seu trabalho sobre papel
- Certificação
especial, obedecendo ao tamanho exato que deveria ter o clichê, fosse ele de uma polegada.
Uma prensa fazia o desenho aderir ao zinco (...), fixava-se o desenho ao calor do fogo com
betume, e, em seguida, a chapa de metal entrava em banhos graduados de água-forte que,
PUC-Rio
roendo o metal, deixavam em relevo os traços do desenho protegidos pela tinta betumina-
PUC-Rio
da170”
168
SOBRAL, Julieta Costa, J. Carlos, designer in O design brasileiro antes do design: aspectos da história
gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naif, 2005. Como coloca Sobral, “os impressos em geral e as revistas
ilustradas em particular ocuparam um lugar estratégico na assimilação do processo modernizador”, p. 124.
169
Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história. São Paulo: Bandeirante S.A. Gráfica e Editora,
p. 50.
170
PEDERNEIRAS, Raul in WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 253-254.
104
Sodré, principalmente a partir da segunda metade do século, mas também manifestada nas
Digital
gráficas comercias em geral. No caso da imprensa, esta situação se tornaria ainda mais
- Certificação
riódico de melhor equipamento gráfico. Atinge, nesta época, a tiragem de 62.000 exempla-
res. Conta com diversos ilustradores, entre os quais, Julião Machado, Raul Pederneiras,
Plácido Isasi e Amaro Amaral. Em 1902, este periódico inicia a publicação do primeiro
romance policial em quadrinhos, ilustrado por Julião Machado. No ano seguinte, adapta
sua prensa rotativa à eletricidade. Em 1906, realiza a primeira transformação de sua com-
posição gráfica e, em 1907, passa a distribuir complemento colorido, aos domingos.
Este momento marca o início das grandes reformas urbanas pelas quais passou a
cidade sob a administração do prefeito Pereira Passos. Terminadas as obras da Avenida
Central, o Jornal do Brasil, assim como outros periódicos farão, constrói ali sua sede. Nes-
171
“As revistas ilustradas”, coloca Werneck Sodré, “assinalam o início da fase da fotografia, liberada a ilus-
tração das limitações da litografia e da xilogravura”. WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 343-344.
172
LOREDANO, Casio, Guevara e Figueroa: Caricatura no Brasil dos Anos 20. Rio de Janeiro: Funarte,
Instituto Nacional de Artes Gráficas, 1988.
105
ta época, é reequipado com as primeiras linotipos da cidade, assim como novas máquinas
de impressão a cores e de obtenção de clichês pelo processo fotomecânico173.
A Imprensa Nacional passa também por fase de modernização. Em 1902, recebe
sua primeira rotativa e, logo em seguida, mais duas, tornando-se capaz de imprimir 15.000
exemplares em uma hora174. Desde 1900, esta instituição mantinha em funcionamento uma
escola dentro da gráfica, que, a partir de 1910, daria origem ao departamento denominado
EAGIN, Escola Nacional de Artes Gráficas da Imprensa Nacional175. Paralelamente, inici-
ava-se, no Rio e em São Paulo, a atuação das escolas nacionais de ensino técnico, como o
já comentado Liceu de Artes e Ofícios, e o SENAI, Serviço Nacional de Aprendizado In-
dustrial. A criação de tais entidades marca o momento de crescimento industrial experi-
mentado pelo país.
Em 1907, a Gazeta de Notícias inicia a publicação de clichês em cores produzidos
a partir de fotografias. Este periódico passa a publicar charges em tricomia aos domingos.
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Em 18 de julho de 1911, sai A Noite, de Irineu Marinho, “jornal moderno, bem di-
Nº null
Jornal do Comércio e a Gazeta de Notícias eram, junto com o Jornal do Brasil e A Noite,
- Certificação
173
WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 325.
174
Idem. p. 322.
175
PAULA, Aldemar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, op. cit., p. 32.
176
WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 379.
177
Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história, p. 147.
178
WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit. p. 367.
106
cimento dos centros urbanos e a ampliação do cenário literário profissional, com sensível
impacto sobre o público leitor”179.
Em 1918, Pimenta de Mello adquire a maioria das ações da empresa Malho S.A.,
na época responsável pela publicação das revistas O Malho, Para Todos..., Ilustração Bra-
sileira, Leitura Para Todos, Tico-Tico e outras. A Pimenta de Mello & Cia., empresa que
vimos surgir no capítulo anterior, será, junto com a Companhia Lithographica Ferreira
Pinto, surgida na década de 1890, uma das pioneiras da impressão off-set no país.
Em 1922, a primeira máquina de off-set chega ao Brasil, adquirida pela Companhia
Lithographica Ferreira Pinto, que, nessa época, trabalhava quase que exclusivamente para
a companhia de cigarros Souza Cruz. Suas máquinas litográficas imprimiam em média 200
folhas por hora. O novo equipamento ampliou esta produção para 2.000 folhas por hora, a
princípio. Com o aperfeiçoamento do pessoal, chegou a dobrar este índice180. Os fotolitos
eram, então, preparados sobre chapas de vidro e posicionados sobre as placas de zinco
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sensibilizadas. A matriz era exposta e gravada à luz solar. Apenas mais tarde passou-se a
Nº null
Johann Sessler, que se tornou uma importante figura na popularização daquela técnica no
- Certificação
logia Gráfica, em 1959, da Editora Abril e da Escola de Artes Gráficas Theobaldo de Ni-
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Ainda em 1922, Assis Chateubriand compra O Jornal, fundado em 1919 por Rena-
to Toledo Lopes, e inicia, assim, seu império jornalístico. É neste ano que Pimenta de Mel-
lo contrata J. Carlos, já grandemente consagrado como ilustrador e caricaturista devido ao
seu trabalho em O Tagarela e Careta, para atuar como diretor de arte das revistas de sua
empresa. Seu desempenhou aí se estende em muito à simples ilustração. Entre as publica-
ções que testemunham plenamente sua ação como designer, Julieta Costa Sobral, em seu
artigo J. Carlos, designer, cita duas, distintas em forma e conteúdo bem como direcionadas
a distintos leitores: O Malho e Para Todos...181.
179
CARDOSO, Rafael, O início do design de livros no Brasil, in O design brasileiro antes do design: aspec-
tos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naif, 2005, p. 168.
180
PAULA, Ademar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, op. cit.
181
Neste artigo, a autora analisa as diferenças entre estas duas revistas, sublinhando a atuação de J. Carlos,
ordinariamente conhecido como caricaturista, como programador visual e diretor de arte. Ao longo de sua
extensíssima carreira, coloca, J. Carlos explora as possibilidades plásticas e técnicas daquela ascendente in-
dústria gráfica, otimizando o parque gráfico das empresas em que atuou; articulando inovadoramente a man-
107
cam-se: A Pátria (1920), de Paulo Barreto; O Globo (1925), de Irineu Marinho e Diário de
- Certificação
Lanterna (1926); A Maçã (1922); Beira-Mar (1922); Vida Nova (1921); A Noite Ilustrada
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cha tipográfica; desmistificando a fotografia ao romper com sua aura, fazendo-a dialogar com o texto e com a
página; norteando decisões projetuais em função dos aspectos técnicos apresentados; direcionado cada projeto
108
pioneiro da rotogravura foi A Noite, com o lançamento, no início dos anos 1940, do suple-
mento intitulado A Manhã, que contou com a participação dos mais renomados intelectuais
da época. Na Imprensa Nacional, esta técnica foi direcionada aos impressos comerciais182.
Em 1917, havia sido fundada no Rio de Janeiro a Livraria Leite Ribeiro, que atuou
nos anos seguintes como uma importante casa editora. Dois anos depois, em São Paulo,
Monteiro Lobato funda a Monteiro Lobato & Cia., editora que desempenhará um impor-
tante papel na modernização do design de livros e do sistema de distribuição de seus e-
xemplares. Colhendo os frutos plantados nos anos anteriores, a terceira década do século
seria também marcada pelo surgimento de inúmeras editoras, entre as quais podemos citar
a Companhia Editora Nacional (São Paulo, 1925); a Livraria do Globo (Porto Alegre,
1925); Civilização Brasileira (Rio de Janeiro, 1929)183. Na década de 1930, surgiram ain-
da, no Rio de Janeiro, a Livraria Schmidt Editora, em 1930; e a Ariel Editora. A José
Olympio Livraria e Editora, fundada em 1931, em São Paulo, foi transferida, em 1934 para
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o Rio de Janeiro, destacando-se no mercado e atraindo para si muitos dos autores mais
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importantes da época184.
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“Entre 1930 e 1937, o setor livreiro no Brasil viveu um surto de industrialização que inter-
- Certificação
cional, pela primeira vez na história, em nítida vantagem sobre os livros importados. (...) o
número de editoras brasileiras, cerca de uma dezena, chegou a dobrar entre 1936 e 1944,
atingindo um pico de produção na década de 1950, quando contou com 4 mil títulos e pu-
PUC-Rio
ao seu público alvo e atuando, enfim, como peça fundamental na incorporação de um novo discurso visual.
SOBRAL, Julieta Costa. op. cit.
182
PAULA, Aldemar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, op. cit. Pg. 50-52.
183
CARDOSO, Rafael, O início do design de livros no Brasil, p. 168.
184
CUNHA LIMA, Edna Lúcia & FRREIRA, Márcia Christina, Santa Rosa: um designer a serviço da litera-
tura, in O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960.
185
Idem. p. 197.
186
“A elaboração de um projeto gráfico cuidadosamente elaborado já era prática comum no Brasil da década
de 1920, remontando mesmo em seus primórdios ao final da década de 1910”, conclui Rafael Cardoso em seu
artigo. CARDOSO, Rafael, O início do design de livros no Brasil, p. 193.
187
Idem. p. 173. “Escritores como Humberto de Campos, Monteiro Lobato, Benjamin Costallat e Érico Ve-
ríssimo misturam-se nesse momento à atividade editorial, tornando-se não somente ativos articuladores de
109
segunda metade do século, e pode ser paralelamente observada, como colocado acima, na
tradição da gravura de arte. Na verdade, há uma interseção entre estes dois meios, personi-
ficada por nomes como Tomás de Santa Rosa, Darel Valença Lins e outros. A atuação
destes dois artistas resume, de fato, a permeabilidade entre os meios de gravura de arte e da
indústria gráfica, no Rio de Janeiro.
Edna Lúcia Cunha Lima & Márcia Christina Ferreira, em Santa Rosa: um designer
a serviço da literatura, estudam a importante atuação deste artista múltiplo na criação do
moderno livro nacional188. Nascido na Paraíba, em 1909, Santa Rosa vem para o Rio de
Janeiro em 1932. Aqui, trabalha como programador visual, assinado a capa, o projeto grá-
fico e as ilustrações de inúmeras publicações das editoras Ariel, Schimdt e José Olympio.
Em 1935, é contratado por este último para quem trabalhou em parceria com muitos dos
importantes autores da época.
Santa Rosa fez ainda projetos gráficos para editoras como Pongetti, A Noite, Man-
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chete e outras e colaborou como ilustrador para diversos jornais e boletins literários. Entre
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1938 e 1939, trabalha como assistente de Candido Portinari, na execução dos murais para o
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pavilhão brasileiro na Exposição Mundial de Nova York, época em que o pintor realizou
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Bibliófilos do Brasil, dirigida por Raymundo Ottoni de Castro Maya, ilustrando, em águas-
fortes as pranchas para Espumas Flutuantes, de Castro Alves189. Em 1946, como vimos,
PUC-Rio
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funda o Curso de Artes Gráficas da Fundação Getúlio Vargas. E, em 1953, leciona Ceno-
grafia na Escola Nacional de Belas Artes, curso criado por Quirino Campofiorito.
Santa Rosa faleceu em 29 de novembro de 1956, aos 47 anos. Sua atuação foi cer-
tamente de extrema importância para a história do design brasileiro bem como promoção
da gravura de arte neste país. Analisando as ilustrações elaboradas por este artista para
compor as capas e os miolos dos diversos livros que projetou, percebemos que, embora
políticas editoriais como também objeto das atenções de alguns dos mais arrojados projetos gráficos da épo-
ca”.
188
CUNHA LIMA, Edna Lúcia & FERREIRA, Márcia Christina, op. cit., p. 216.
189
“Empreendimento voltado para colecionadores sofisticados, teve o mérito de estimular a ilustração de
livros e valorizar a gravura artística. Para as 23 obras que a Sociedade publicou entre 1943 e 1969, Castro
Maya selecionou obras de escritores brasileiros contemporâneos e clássicos como Machado de Assis e Manu-
el Antônio de Almeida. Sob a direção técnica do gravador Darel Valença Lins, foram chamados a colaborar,
além de Santa Rosa, os mais ilustres artistas plásticos da época, como Portinari, Aldemir Martins, Clóvis
Graciano, Di Cavalcanti, Djanira, Eduardo Sued, Lívio Abramo, Marcelo Grassmann e Poty Lazzarotto. A
tiragem era de 120 exemplares: cem para os sócios e vinte para distribuir pelas bibliotecas e museus de arte.
Um banquete refinado precedia a distribuição dos exemplares, com o cardápio gravado pelo artista da vez”.
Idem. Pg. 228.
110
desenhadas a naquim, estas exibem uma influência assumida da linguagem gráfica das
técnicas xilo ou litográficas (Fig. 4.3).
Darel Valença Lins também participou da publicação organizada por Castro Maya
para a Cem Bibliófilos do Brasil, ilustrando com águas-fortes o Memórias de um Sargento
de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, em 1954. Atuou como diretor de arte desta
editora, teve ampla importância como ilustrador e foi um dos principais difusores da lito-
grafia de arte no Brasil. Em entrevista realizada para esta dissertação, Darel, relata aspectos
particulares de sua carreira artística.
gráficas multinacionais no país. Novas editoras também são estabelecidas. Enquanto isso,
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Entre as revistas que deixaram de circular, estão: Careta, Fon-Fon, Ilustração Bra-
sileira, O Malho, Tico-Tico, Revista da Semana, Cruzeiro e dezenas de jornais. Apareceu
apenas a Manchete, em 1953.
Nos anos 1950, as empresas nacionais atualizam seus parques gráficos, importan-
do, da Europa e dos Estados-Unidos, grande quantidade de equipamentos novos. Paralela-
mente, acelerava-se, com relativo atraso mas com grande importância, a produção interna
no campo da tecnologia de impressão. Terminada a Segunda Guerra, os países europeus e
os Estados Unidos normalizavam suas atividades industriais, empreendendo uma corrida
190
Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história.
191
WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 446.
111
do design gráfico no país. A vinda de artistas gráficos estrangeiros para cá – como continu-
- Certificação
idade de uma situação já vivida no século anterior – e o surgimento dos primeiros cursos
PUC-Rio
192
Idem. p. 94.
112
de quatro a cinco dias para finalizar um trabalho; com a seleção eletrônica de cores, fazia-
Nº null
Entre 1966 e 1967, o governo criou o programa GEIPAG, Grupo Executivo das
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as. Esta iniciativa, seguida por outras medidas, se propõe a modernizar o parque gráfico
PUC-Rio
nacional em relação aos países de primeiro mundo. Em São Paulo, o Colégio Industrial de
PUC-Rio
Artes Gráficas Theobaldo de Nigris é criado, assim como outras escolas de formação téc-
nica, com o objetivo de sanar uma lacuna existente entre as inovações da tecnologia im-
plementada e o desconhecimento dos novos profissionais que chegavam ao mercado. As
próprias empresas passam empreender ações nesse sentido, realizando cursos, seminários,
investindo na qualificação da mão de obra especializada, à medida que eram postos em
funcionamento os equipamentos importados.
Diante da impossibilidade de se manter uma atualização constante em relação às
cada vez mais rápidas novidades tecnológicas surgidas nas diversas etapas da produção,
observa-se, a partir da década de 1970, a tendência à especialização e segmentação do
mercado. Enquanto algumas empresas se orientam para uma etapa específica do processo
gráfico, com a produção de fotolitos, outras lançam mão da terceirização de tais serviços.
193
CARDOSO, Rafael (org.), “O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960”,
p. 09.
194
Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história, p. 89-90.
113
A especialização ocorre também, com relativa cautela por parte dos empresários, no que
diz respeito ao tipo de impresso produzido.
Em 1988, o parque gráfico brasileiro dispunha de 13.600 empresas. “As grandes
companhias, com mais de setecentos funcionários, constituem aproximadamente 10 por
cento do total. As empresas médias ocupam por média quinhentos funcionários e totalizam
20 por cento das firmas. 70 por cento do parque gráfico é composto por micro e pequenas
empresas”195. O Estado de São Paulo concentra a maior parte destas.
A partir da década de 1980, a informática passaria a dominar cada vez mais a tec-
nologia gráfica, infiltrando-se e revolucionando todas as etapas da produção.
Em sua dissertação de mestrado ainda inédita, Em busca da aura: dinâmicas de
construção da imagem impressa para simulação do original, pelo Programa de Pós-
Graduação em Design da UERJ, Helena de Barros analisa as diferentes estratégias desen-
volvidas na reprodução de imagens em alta qualidade. Para isso, considera “dois vetores
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ção do tom contínuo e as estratégias cromáticas de síntese ótica para impressão de imagens
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ção deste processo pelos meios fotográficos, na passagem do século XIX para o século
- Certificação
195
Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história, p. 139.
114
4.4
Arte e Indústria
uma relação causal, uma concomitância temporal. Além deste aspecto, já apreciado, mui-
Nº null
na utilização interessada das técnicas de reprodução de imagens feita aqui até, pelo menos,
- Certificação
o final do século XIX196. Esta antecede e, em alguns casos, ampara tecnicamente aquela:
- Certificação
uma herança significativa, o mesmo não se pode dizer em relação à litografia. A litografia
PUC-Rio
196
Os casos que evidenciam a continuidade da utilização funcional de técnicas artesanais de reprodução de
imagem fogem, como já mencionado, ao limite desta dissertação.
197
Ver: entrevista realizada COM Darel Valença Lins, em 25 de setembro de 2007.
115
porosa. O ateliê de gravura da Escola de Belas Artes da UFRJ possui uma granitadeira de
mesa que pertenceu anteriormente à Grafiksilk, firma que realizava a granitagem de chapas
de alumínio para gráficas comerciais, localizada em Bonsucesso, na Rua Capitão Sampaio,
66. Segundo Kazuo Iha, professor do ateliê de litografia daquela instituição, até 1999 seus
alunos encomendavam suas chapas na Grafiksilk, quando esta começou a vender seus e-
quipamentos para ferros-velhos, ocasião em que a mesa de granitagem foi comprada pelo
ateliê. As prensas Krause, utilizadas pela maioria dos litógrafos, pequenas e manuais, pró-
prias à subjetividade de sua impressão, eram até então prensas de prova, utilizadas pelos
“transportadores”, em uma etapa específica da litografia industrial. Quanto às pedras, ve-
mos a mesma origem.
Por outro lado, podemos observar durante o desenvolvimento da indústria gráfica
nacional, ao longo do século XX, casos em que a utilização comercial de peças gráficas
fundamenta-se em uma atitude francamente artesanal. Além dos reclames de espetáculos
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teatrais e filmes exibidos – que até os anos 1950 eram, em sua maioria, pintados à mão –
Nº null
encontramos inúmeras outras manifestações em que o responsável por uma gráfica resolvia
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brasileiro não apenas permite mas ocasiona a convivência de estágios tecnológicos polari-
- Certificação
consumo no Brasil, refletindo uma situação social econômica e política cujas causas e efei-
PUC-Rio
tos têm sido, mais do que nunca, discutidas e problematizadas, acabaram por gerar, no
PUC-Rio
198
Ver: Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história.
116
gravura de arte. Oriunda de uma utilização funcional de técnicas artesanais, como a litogra-
Nº null
fia e a serigrafia, esta oficina atualiza tais fazeres colocando-os, há quatro décadas, à dispo-
Digital
5
A Lithos Edições de Arte
“Minha escola vem da indústria gráfica. Embora tenha feito um curso de ouvinte na Escola
de Belas Artes, tudo o que eu aprendi sobre artes gráficas foi com o meu pai. Ele foi cro-
mista litógrafo da indústria gráfica, que, na época, era a litografia. Até o começo do século
passado, quando houve uma evolução muito grande na indústria gráfica, tudo era feito em
litografia. Quando foi implantada a retícula fotográfica, com as quatro cores que reproduzi-
am a imagem através da fotografia, o cromista litógrafo, que fazia aquilo manualmente, pa-
rou de desenhar”199.
Este depoimento faz parte da série de entrevistas realizadas com Guilherme Rodri-
gues, fundador, junto Genaro Rodrigues e Gláucia Altmann, seus irmãos, da Lithos Edi-
ções de Arte. Conforme apontado acima, esta oficina não se caracteriza de maneira estrita
como um atelier de gravura, como aqueles apresentados na primeira parte do capítulo ante-
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para artistas não gravadores a possibilidade de atuar pessoalmente (assistidos por uma e-
- Certificação
quipe técnica) em uma mídia gráfica, produzindo uma obra múltipla; a adaptação da técni-
- Certificação
Sobretudo, a Lithos Edições de Arte coloca-se como uma empresa. Uma empresa
PUC-Rio
familiar, voltada à execução de estampas de arte, com alta qualidade técnica e estética,
profundamente enraizada na indústria gráfica tradicional e, ao mesmo tempo, intimamente
relacionada com a atualização do meio industrial gráfico brasileiro. Não há nada de para-
doxal, trata-se de um paralelismo que pode ser verificado no trânsito de Guilherme entre
artistas e industriais; na sua participação no Fórum de Artes Gráficas da Escola de Artes
Gráficas do Senai, onde empresários do ramo gráfico reúnem-se para discutir questões
profissionais e no seu papel de promotor da gravura entre o meio artístico brasileiro.
Na Lithos, a abordagem expressiva das técnicas gráficas revela, a todo instante, a
herança de um passado funcional.
120
5.1
A tradição técnica da Lithos Edições de Artes
Genaro Louchard Rodrigues nasceu na cidade de Manaus, em 1904. Logo, sua fa-
mília muda-se para Belém do Pará. Em 1916, com apenas 12 anos de idade, inicia sua car-
reira nas artes gráficas, tornando-se aprendiz na Litografia Amazonas, naquela cidade.
Nesta empresa trabalhava o suíço Ernst Lohse (-1930), pintor, desenhista, fotógrafo e litó-
grafo. Lohse colaborou para muitas das publicações editadas pelo então Museu Goeldi de
História Natural e Etnografia, hoje, Museu Paraense Emílio Goeldi. Uma delas, de autoria
do próprio Emílio Goeldi (pai do xilogravador) o Álbum de Aves Amazônicas. Em 1894,
Emílio Goeldi viajou do Rio de Janeiro para aquela cidade, chamado para assumir a dire-
ção da instituição que seis anos depois receberia seu nome. O Álbum teve sua primeira
edição publicada entre 1900 a 1906. É composta por 3 fascículos, cada um com 48 lâminas
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em cores litografadas pelo lápis de Lohse e impressas pela Litografia Amazonas200. (Fig.
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5.1 e 5.2). Ali, Genaro participou de publicações editadas pelo Museu. Sob a supervisão de
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Lohse, passa por todos os estágios que compreendem a litografia e especializa-se como
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“cromista litógrafo”.
- Certificação
- Certificação
parte do século XX, era subdividido em uma série de etapas. Em cada uma delas, figurava
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199
Entrevista com Guilherme Rodrigues.
200
Em 1981, a Editora Universidade de Brasília (CNPQ) publicou uma segunda edição desta obra.
201
Rafael Cardoso, em Uma introdução à história do design e em Design antes do design coloca como o
design já era manifestado por profissionais antes mesmo da concepção desta atividade. “Os primeiros desig-
ners”, escreve, “os quais têm permanecido geralmente anônimos, tenderam a emergir de dentro do processo
produtivos e eram aqueles operários promovidos por quesitos de experiência ou habilidade a uma posição de
controle e concepção, em relação a outras etapas da divisão do trabalho” (Uma introdução à história do de-
121
pedra, desenhando invertidamente todo o texto que figurasse no projeto. O cromista inter-
pretava e realizava a separação das cores da imagem, estabelecendo quantas matrizes seri-
am necessárias para alcançar o resultado previsto. Cada tom significava uma nova matriz.
Este técnico lançava mão, por vezes, de retículas gravadas manualmente em bicos de pena
ou com o auxílio de películas especiais. Este processo antecipa a organização mecânica em
retículas empregada posteriormente pela indústria gráfica na simulação do tom contínuo
através do processo CMYK. Naquele momento, entretanto, este padrão não havia sido
ainda estabelecido e os pontos utilizados eram de três tipos: “Rosa”; “Batido” ou “Pestado”
e “Francês”:
“O Chamado Ponto Rosa (...) dava uma idéia de semi-círculos que, impressos em várias
cores, formavam aproximadamente a roseta ou rosácea que conhecemos hoje em dia. O
ponto Batido ou Pestado era irregular, adicionado para mais ou menos, conforme fosse a
intensidade da imagem para os claros ou escuros. O Ponto Francês, também pontilhado
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que produzia uma série de padrões regulares, bastante utilizados, então. Tanto um quanto
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outro, realizavam finíssimas incisões que, depois, eram entintadas de modo semelhante ao
- Certificação
- Certificação
dor era aquele que realizava a transição destas para as pedras grandes, das quais sairia a
tiragem final, nas máquinas impressoras como a Marinoni. Ele imprimia diversas provas
em papel “Pellure” e, em seguida, as decalcava na pedra maior. Este trabalho era realizado
nas prensas de provas, manuais, sendo as da marca alemã Krause, as mais comuns no Bra-
sil.
O impressor garantia a estabilidade da tiragem. Sobre as máquinas plano-
cilíndricas atuavam, durante a impressão, o margeador e o puxador, responsáveis, respecti-
vamente, pela alimentação da máquina e pela retirada das provas impressas. Ao impressor
cabia, também gerenciá-los em um trabalho sincronizado e uniforme.
sign, São Paulo: Edgar Blüncher Editora, 2004, 2ª edição, p. 16). É, notadamente, o caso dos desenhistas
litógrafos que realizavam a composição daquelas peças gráficas.
202
PAULA, Aldemar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, op. cit., p. 48.
122
No início da década de 1930, Genaro Louchard Rodrigues vem para o Rio de Ja-
neiro, onde passará por algumas empresas como cromista litógrafo. Segundo Guilherme
Rodrigues,
“O litógrafo, naquela época, imaginava quantas cores ele precisaria para fazer um cromo.
Se ele quisesse fazer com trinta cores, gravava trinta pedras e imprimia trinta vezes. Obti-
nham-se impressões belíssimas. Minha irmã até hoje faz isso”.
A primeira empresa litográfica na qual encontrou trabalho, assim que chegou nesta
cidade, foi a já comentada Pimenta de Mello & Cia., que, na época situava-se em um anti-
go casarão na Av. Presidente Vargas, onde hoje é o edifício dos Correios.
Em 1934, Gustavo Capanema havia assumido o Ministério de Educação e Saúde
Pública, mantendo-se neste cargo por onze anos. Durante sua gestão contou com importan-
tes representantes da cultura nacional, como Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Ma-
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nuel Bandeira, Anísio Teixeira, Rodrigo Melo Franco de Andrade e Carlos Drummond de
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Andrade, seu chefe de gabinete. Entre as grandes realizações desta gestão, destacam-se a
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Janeiro203.
Rodrigo de Melo Franco de Andrade e Carlos Drummond de Andrade convidam
PUC-Rio
Educação e Saúde. Esta oficina esteve situada junto ao Ministério, no edifício da Bibliote-
ca Nacional. Nela, Genaro imprimiu em litografia diversas publicações, como Lenda da
Carnaubeira (1936) (Fig. 5.3), cujas ilustrações são de Paulo Werneck; Guia de Ouro Pre-
to (1938) (Fig. 5.4), de Antonio Bandeira, ilustrado por Luis Jardim e História dos Feitos
Recentemente Praticados Durante Oito Anos no Brasil (1940), de Gaspar Barleu. Produz
também uma série de litografias para Cândido Portinari, sendo quem introduz este artista
na arte litográfica. Em 1939, Portinari as expõe nos Estados Unidos (Fig. 5.5). Além deste,
outros artistas tiveram sua iniciação nesta técnica creditada a Genaro: Antônio Bandeira,
Enrico Bianco, Tomás de Santa Rosa e Darel Valença Lins.
Nos primeiros anos da década de 1940, Genaro já havia saído do Ministério da E-
ducação e Saúde. É então novamente convidado por Gustavo Capanema para chefiar as
203
Página virtual do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação
Getúlio Vargas. www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev_inteest_mec.htm
123
de.
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Por volta do ano de 1950, Genaro abre o Estúdio Gráfico Brasil, em São Cristóvão,
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na esquina das ruas São Luis Gonzaga e Liberdade, também uma das poucas gráficas no
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Rio a possuir prensas de off-set, então. Ali, foram publicados diversos trabalhos para o
- Certificação
(Fig. 5.6, 5.7, 5.8 e 5.9). A primeira edição de Pequeno Príncipe foi também impressa nes-
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ta oficina, assim como as capas das revistas em quadrinhos publicadas pela “EBAL” –
PUC-Rio
periência de Genaro com a antiga cromo-litografia serviu como diferencial: além as cores
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selecionadas mecanicamente pelo off-set, novas matrizes especiais, traçadas a mão foram
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incluídas.
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convite do Patrimônio Histórico Nacional. Este atelier foi montado em um salão no Mu-
- Certificação
seu, no vão entre o quadro A Batalha do Riachuelo, de Vitor Meireles e a parede no fundo
PUC-Rio
da uma sala. Em 1969, Genaro Louchard Rodrigues e seus filhos iniciam, no Museu, a
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reimpressão do Mapa Architectural do Rio de Janeiro (Fig. 5.14), cuja “pedra fundamen-
tal” foi encontrada por acaso enclausurada em uma sala desconhecida. O trabalho se esten-
de até 1971 e contou com o apoio de Pedro Nava, Afonso Arinos e Henrique Mindlin.
Como vimos no segundo capítulo, o Mapa Architectural do Rio de Janeiro, desenhado pelo
engenheiro João da Rocha Fragoso, foi gravado a buril sobre pedra por Henrique José A-
ranha e impresso na firma Paulo Robin & Cia., em 1874. A reimpressão foi realizada a
partir de cópias desta tiragem original. A composição foi transferida para matrizes litográ-
ficas de zinco e impressa pela família Rodrigues.
Sobre a importância arquitetônica e urbanística do Mapa e de sua reimpressão es-
creveram José Mindlin, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, entre outros. Segundo o último:
Permite conhecer melhor a antiga cidade em que nascemos, lembrando seus aspectos ar-
quitetônicos e humanos que o tempo modificou”204.
“Em 1974, nós já estávamos na casa toda. Mas, antes um pouco, papai adoeceu. Eu o trazia
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aqui, aos sábados, aos domingos... Ele teve uma doença de esclerose muito triste porque,
eu acho, ele entendia o que nós falávamos mas não conseguia se expressar. Quando ele vi-
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nha aqui, via algum trabalho e ficava muito nervoso, apontava agitadamente para as coisas,
- Certificação
como se estivesse vendo um erro. Mas ainda assim ele gostava de vir aqui. Eu dava pra ele
- Certificação
material de desenho, mas ele já não tinha coordenação. Ele faleceu em outubro de 1974”.
Entre 1974 e 1975, os irmãos compram a prensa Marinoni, vinda da antiga gráfica
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PUC-Rio
Muniz. Como outras empresas do gênero, que desfaziam-se do equipamento antigo para
modernizarem-se ou simplesmente fechavam suas portas, esta gráfica vendeu todo seu
maquinário litográfico. Antonio Grosso, em seu depoimento para a publicação Gravura
Brasileira do Sesc, relata o processo de transferência da tecnologia obsoleta de tais estabe-
lecimentos para os ateliês de gravura que foram se formando em diversas cidades do pa-
ís205.
Nessa época, a empresa contava com dois funcionários, além dos sócios. Assim
como o pai, Gláucia especializou-se na parte de seleção de cores. Auxiliava os artistas-
clientes na parte especificamente técnica de preparação do original a ser interpretado como
um múltiplo gráfico. Genaro responsabilizava-se pela parte de impressão, garantindo a
qualidade da tiragem. Guilherme intermediava a relação entre os clientes-artistas e a equi-
pe técnica. Era também responsável pela distribuição dos trabalhos. Em 1986, Genaro a-
204
NIEMEYER, Oscar. Arquivo da Lithos Edições de Arte.
205
GROSSO, Antonio, in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I, Sesc, 1995.
126
fastou-se da empresa. Segundo Guilherme, a Lithos chegou a ter vinte funcionários traba-
lhando diariamente ali e a distribuir gravuras por todo o país. A partir de 1990, devido a
uma situação própria do período, Guilherme e Gláucia optaram por diminuir seu campo de
atuação, realizando apenas trabalhos sob encomenda, montando uma equipe especial,
quando necessário.
Muitos foram os artistas que trabalharam junto à Lithos Edições de Arte. Pintores,
desenhistas, arquitetos, escultores, fotógrafos, escritores e gravadores. Muitos foram os
produtos editados ali. Livros de Arte, Álbuns de gravura, estampas independentes. A em-
presa acumulou, ao longo desses anos, um conjunto de obras que, por si só, permite traçar
um panorama da arte moderna brasileira. Além disso, reuniu um acervo de equipamentos
que possibilitaria a estruturação de um verdadeiro museu de artes gráficas. Preencher uma
totalidade destes 35 anos de desempenho da empresa seria tarefa para um estudo mais pro-
longado. Por isso, tendo observado suas origens e delineado seu perfil, levantaremos al-
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guns aspectos desta trajetória mais relevantes para a discussão travada aqui, e, enfim, nos
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determos naquele que nos trouxe a ela: a atuação em pólos extremos da utilização artística
Digital
5.2
Dois casos
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PUC-Rio
Podemos perceber, entre os trabalhos realizados pela Lithos, duas atitudes parcial-
mente distintas. Conforme coloca Guilherme,
“existem dois modos de trabalho: um em que o artista tem intimidade com as artes gráfi-
cas; e outro, em que ele entrega o trabalho ao ateliê. Nesse caso, nós trabalhamos adaptan-
do o trabalho para alguma das duas técnicas, mas sempre sob consulta do artista, até che-
garmos a um resultado satisfatório para ele. Quando aprovado, a tiragem segue conforme a
prova que foi feita naquele momento”.
Assim, nestes trabalhos, a partir de um desenho original esboçado pelo artista, a lá-
pis, aquarela e nanquim, Gláucia planeja quantas cores e, portanto, quantas matrizes serão
necessárias e grava-as separadamente, reproduzindo em cada uma delas um fragmento da
obra original, seguindo o traço do artista, simulando sua expressividade pessoal através de
uma introjeção profunda e de uma atividade esmerada206 (Fig. 5.15 e 5.16). O mesmo pro-
cesso poderia ser verificado na edição serigráfica das obras do aquarelista Ianelli, ainda
que neste caso concorra a incompatibilidade entre estas duas mídias. Contudo, observa
Gláucia: “no trabalho de Ianelli, nós partimos de um original, mas, no decorrer do proces-
so, abandonamos aquele modelo e seguimos em frente. Nós íamos acrescentando cores até
chegarmos onde ele queria”.
Muitos são os artistas que utilizam a Lithos como um ambiente de trabalho, criando
a obra ali e, sobretudo, atuando diretamente na matriz de lito ou de serigrafia, participando
ativamente do processo de seleção e preparação das cores. Carlos Scliar e Rubens Gerch-
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man, pela intimidade pessoal com os processos gráficos que demonstram, colocam-se nes-
Nº null
ta posição.
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a formação de sua linguagem artística. Desde, 1942, quando participa da edição do álbum
- Certificação
de 35 litografias de sete artistas diferentes, a gravura faz parte de seu leque de expressão.
- Certificação
sionais para realizar suas edições em serigrafia e em litografia. “Senti que a serigrafia me-
PUC-Rio
xia com várias idéias e soluções em meu trabalho de pintor. No início busquei, nessa técni-
ca, repetir meus quadros. Depois percebi que a técnica de chapadas exigia uma síntese
tanto no desenho como na cor. Em pouco tempo a serigrafia modificava minha pintura”207,
coloca. De 1967 a 1973 contou com a participação do impressor/artista Dionísio Del San-
to. A partir de 1974, passou a editar suas gravuras na Lithos, mas atuou também em diver-
sas outras oficinas semelhantes, em todo o país, como a oficina da Ranulpho Galeria de
Arte, do Recife, a partir de 1981; a Graphus, de São Paulo, em 1979, a convite de Otávio
Pereira; a Imagos, também de São Paulo, em 1984 e 85; e a Casa de Gravura Largo do Ó,
de Tiradentes, em 1986.
206
Em sua entrevista, Gláucia Rodrigues relata sua dificuldade em encontrar uma expressividade própria após
anos exercendo uma atividade tão precisa, na qual esta era a todo instante rejeitada, domada.
207
Catálogo da exposição Carlos Scliar – Pinturas/ Litografias/ Serigrafias, realizada no Centro Cultural
Itaipava, no Rio de Janeiro, em dezembro de 1986.
128
“Para nós pintores, geralmente autores de peças únicas, é importante saber que temos ao
nosso alcance oficinas e técnicas que – quando bem executadas – nos permitem multiplicar
a possibilidade de comunicação, com linguagem própria, mas nem por isso com emoção
menor”208.
Em 1986, realiza uma exposição no Rio de Janeiro, onde são expostas serigrafias
desenvolvidas em diversas destas oficinas, compostas a partir de pinturas previamente rea-
lizadas. (Fig. 5.17, 5.18, 5.19 e 5.20). “Ao colocar as gravuras ao lado dos quadros que lhe
deram origem, me proponho mostrar que um mesmo desenho com outra técnica, resulta
em obra autônoma”, escreve. “Sempre entreguei aos técnicos meus originais acompanha-
dos de um desenho em papel vegetal e uma tabela com as cores numeradas, tudo descrimi-
nado. Depois da primeira prova realizo, habitualmente na oficina, com os impressores, os
ajustes necessários, até poder aprovar a tiragem”209.
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Itália como calígrafo e do pai, que veio para o Brasil onde trabalhou no jornal O Globo,
como técnico gráfico210. Mostra-se presente em sua formação artística, em sua atuação
Digital
“Os primeiros quadros que fiz eram em preto e branco, porque sabia que assim eram os
jornais. Sabia que se fizesse algo bom em preto e branco, quando fosse reduzido para ser
publicado ficaria bom. Eu observava a técnica que as pessoas trabalhavam: era um fundo
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preto e você abria as luzes brancas no gesso. Depois fui fazer gravura, usei esse método,
cavar a madeira e abrir as luzes. Esse mundo do preto e branco foi o começo”211.
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208
Idem.
209
Idem.
210
MAGALHÃES, Fábio. Rubens Gerchman. São Paulo: Lazuli Editora, 2006 (Coleção Arte de Bolso).
211
GERCHMAN, Rubens in MAGALHÃES, Fábio, op. cit., p. 13.
129
um atelier coletivo de gravura212. Em 1998, participou com outros artistas do álbum sobre
futebol promovido pela Lithos (Fig. 5.21). Em 2000, produz na oficina da Tijuca o livro
Cahier’s d’Artiste, com 32 litografias (Fig. 5.22).
Suas obras realizadas neste estabelecimento demonstram sua intimidade com os
processos gráficos. Em suas serigrafias (Fig. 5.23), Gerchman atua diretamente sobre o
filme serigráfico, película texturizada, na qual o artista desenha com bastão de cera, crian-
do, ali, o fotolito com o qual será gravada a tela. Como podemos observar, a figura é cons-
tituída através da múltipla sobreposição de diversas matrizes contendo áreas e linhas em
cores diversas. A sobreposição destas, análoga a da litografia, é realizada pessoalmente
pelo artista, em meio ao processo de criação da obra.
Não pretendo estipular uma hierarquia de valores entre os dois grupos de trabalhos
citados. Polarizá-los interessa-me para dimensionar a duplicidade da atuação desta oficina,
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e/ou como obras autônomas. Com efeito, aponta Guilherme Rodrigues: “todos os trabalhos
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são feitos sob a consulta do artista. Eles foram levados ao artista que verificou os acertos
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que deveriam ser feitos”. Se, nos trabalhos de Lan e Ianelli, o parecer do artista é recorren-
- Certificação
responsabilidade dos técnicos da oficina. Esta é feita segundo a cópia aprovada. Pretende-
PUC-Rio
se regular e uniforme, ao que colabora o uso da prensa automática Marinoni. (Fig. 5.24).
PUC-Rio
Esta é uma prensa litográfica desenvolvida pelo engenheiro francês Hipólito Mari-
noni, em 1849, utilizada, então, para grandes tiragens comerciais, como jornais, rótulos de
produtos e folhetos diversos, obtendo até 6.000 impressões por hora. Nela, depois de acer-
tada, a tiragem segue homogênea, se não eliminando as variações entre cada cópia – posto
que mesmo na tiragem industrial de qualquer produto podem ser observadas diferenças
entre dois exemplares – ao menos colocando-se de maneira completamente distinta daque-
212
“O Taller Arte Dos Gráfico foi fundado em 1978 por María Eugenia Nino y Luis Angel Parra, enquanto
realizavam seus estudos nas Faculdades de Belas Artes e Engenharia da Universidade Nacional de Colômbia,
em Bogotá, em meio ao movimento estudantil da época. (...) Desde então, o atelier se concentrou na produção
de obras gráficas originais. Começou com um atelier de serigrafia, seguido por um de gravura, e três anos
depois foi fundada a Galería Sextante, sob os auspícios do Taller. A mesmo tempo em que eram criados os
ateliês de litografia, durante os anos de 1983 e 1984, eram publicados os primeiros livros de artistas. Em
1985, foram organizados os ateliês de xilogravura e linóleo, e em 1986, os de tipografia e encadernação. Ao
longo destes 25 anos de trabalho ininterrupto, María Eugenia e Luis Ángel conseguiram reunir em um só
espaço as técnicas básicas da atividade gráfica, além de oficinas de papel, encadernação e maquete, onde
importantes artistas latino-americanos desenvolvem sua obra gráfica”. Site do Taller Arte Dos Gráfico,
http://www.artedos.com
130
la, analisada por Ferreira, em que o artista reveste-a de tal subjetividade, que apenas ele
próprio torna-se capaz de realizá-la.
5.3
Gravura de desenhistas
novamente.
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Em 1975, na sétima edição do Salão de Verão do Rio de Janeiro, ocorreu pela pri-
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cartunistas e quadrinistas convidados (Fig. 5.25). Estas obras foram expostas naquele ano
- Certificação
homenagem ao mestre: Alvarus, Borjalo, Caulos, Chico, Fortuna, Jaguar, Jorge de Salles –
curador e idealizador do projeto, Juarez Machado, Lan, Mendez, Miguel Paiva, Millôr,
Nássara, Paulo Caruso, Zélio e Ziraldo.
Em 15 de setembro de 1988, é inaugurada no Rio de Janeiro a exposição Bar – Se-
rigrafias de Humor, que teve a participação de 22 desenhistas de renome da imprensa na-
cional (Caulos, Chico Caruso, Danyel Paz, Fortuna, Gabor, Helho, Hubert, Ique, J. Carlos,
Jaguar, Jorge de Salles, Lan, Mendez, Miguel Paiva, Millôr, Mollica, Nani, Nássara, Otelo,
Reinaldo, Zélio e Ziraldo). Jorge de Salles é o curador. As estampas, serigrafias de 2, 5, 6,
7 e até 9 cores editadas pela Lithos foram reunidas em um livro (Fig. 5.26) e participaram
em sala especial do 15º Salão de Humor de Piracicaba, do Salão de Humor de Aracaju e do
2º Salão Carioca de Humor, em agosto de 1988.
Se, nestas obras, o projeto traçado pelo desenhista foi transcodificado para a lin-
guagem serigráfica, no livro Jazz – Litografias, de Lan, Chico e Paulo Caruso, editado em
1997 (Fig. 5.27), estes artistas tiveram a oportunidade de agir diretamente na matriz lito-
131
Sesc – Rio de Janeiro, nos meses de junho e julho de 2006. Em 1983, ao completar 10 anos
Nº null
de fundação, esta oficina realizou a primeira mostra de seus trabalhos, no Shopping Rio
Digital
“...Quiseram os irmãos Rodrigues trazer sua mostra para o vaivém incessante de um shop-
- Certificação
ping center em que o público variado e numeroso, ávido de artigos de consumo, se con-
fronta com obras de arte e sente-se desafiado pelos seus mistérios.
Os artistas que optaram por entregar seus quadros às mãos de Genaro e Guilherme
PUC-Rio
213
BRAGA, Rubem, 1983. Apresentação para exposição comemorativa dos 10 anos da Lithos. Arquivo
particular da Lithos Edições de Arte.
132
5.4
As “técnicas centenárias de impressão, preservadas pela Lithos”
“...Os dois irmãos da Lithos aprenderam o ofício com o pai, Genaro Louchard Rodrigues,
Nº null
que desde 1917, e durante quase sessenta anos, praticou a litografia no Brasil.
A larga utilização da litografia para fins utilitários – rótulos, cartazes coloridos,
Digital
apólices, partituras musicais, capas de revistas, etc. – estava condenada desde a aparição do
off-set.
Digital
Hoje a velha litografia inventada por Aluisio Senefelder, no fim do século XVIII,
- Certificação
ao fazer o rol da roupa em uma pedra calcária da Baviera, é quase apenas restrita à repro-
- Certificação
dução limitada de obras de arte. Hoje a maioria dos artistas prefere confiar na habilidade,
na paciência e nos pequenos macetes operacionais do artesão especializado.
Quanto à serigrafia, vale recordar que até meados deste século não era aceita no
PUC-Rio
Salão Oficial, por ser considerada um processo menos nobre de reprodução. Embora de o-
rigem milenar no Oriente, o silk-screen só surgiu no Ocidente neste século, e se populari-
PUC-Rio
“...A Lithos possui um precioso acervo de pedras, quase duas mil, recolhidas por este Bra-
sil afora. Estas foram salvas, não serão desfiguradas, nem se transformarão em lajeado co-
mo aconteceu em Porto Alegre, com as Pedras da Editora Globo. Nesta rica coleção de pe-
dras litográficas, muitas são as que contam a história da publicidade do início do século.
São raras e preciosas, devem, portanto, permanecer com as faces tatuadas...”215.
214
BRAGA, Rubem, 1983. Apresentação para exposição comemorativa dos 10 anos da Lithos. Arquivo
particular da Lithos Edições de Arte
215
CAMARGO, Iberê, 1980. Arquivo particular da Lithos Edições de Arte.
133
“Oficina de criação e centro de revitalização das artes gráficas e das técnicas de reprodu-
ção, a Lithos é uma ponte estendida entre o passado e o futuro nessas importantes áreas
onde se exercitam continuamente o saber e o fazer do homem. Por isso mesmo a missão
que a Lithos se propôs a cumprir e vem cumprindo merece o reconhecimento e o apoio de
todos os que defendemos a conservação e a continuidade dos nossos bens culturais. Sua
presença em nosso meio é um exemplo e um estímulo”216.
5.5
O caso do CTP
Nº 0610408/CA
Nº null
Consiste na gravação de imagens e textos em chapas de alumínio, próprias para serem im-
- Certificação
de da gravação do fotolito.
Segundo a definição do Dicionário Aurélio, ofsete, o aportuguesamento da palavra
PUC-Rio
off-set, cuja tradução literal seria “fora do lugar”, é o “método de impressão litográfica
PUC-Rio
216
MAGALHÃES, Aloísio. Arquivo particular da Lithos Edições de Arte.
134
cada chapa virgem de off-set era gravada a partir de um processo fotográfico, utilizando-se
Nº null
O processo de CTP gera imagens e textos em chapas que serão impressas em pren-
- Certificação
sas de off-set diretamente a partir do arquivo digital – ou seja, do computador para a placa
PUC-Rio
sobre a chapa de alumínio. Toda uma etapa do processo de gravação da chapa é demitida,
o que traz imensos benefícios para a indústria gráfica, agiliza o processo, diminui a mão de
obra e o custo total do processo. A chapa de CTP pode, ainda, passar pelo processo de
“forneamento”, o que faz aumentar consideravelmente a sua vida útil. Após passar pelo
forno, uma chapa que permitiria uma tiragem de 200.000 cópias, chega a sustentar até
1.000.000 de cópias. Na figura 5.32 podemos ver as diferentes etapas do processo de gra-
vação da chapa de CTP.
“No Rio de Janeiro, a Gráfica Minister já trabalha com o CTP há oito anos, nós
fomos os pioneiros”, diz Alan Passos, sócio do Bureau Carioca, empresa que presta servi-
ços de gravação destas chapas para diversas gráficas no Rio de Janeiro. “Mas esse proces-
so tem no máximo uns dez anos aqui no Brasil”, aponta.
“Quando o CTP surgiu aqui, o pessoal teve certo receio de trabalhar com ele, mas, hoje em
dia, quem não o tem está completamente defasado. A nossa empresa, o Bureau Carioca,
135
trabalha gravando chapas para outras gráficas. Nós não trabalhamos mais exclusivamente
para a Gráfica Minister. (...) Quando o cliente contrata nossos serviços, ele manda o arqui-
vo para nós, nós geramos uma prova mostramos para ele. Sendo aprovada, nós gravamos a
chapa. Nós trabalhamos, inclusive, com chapas de vários tamanhos, que vão variar de a-
cordo com a maquinaria de cada um de nossos clientes”.
A “estocástica” é uma das retículas que se adequou melhor ao CTP que ao fotolito
Nº null
convencional, devido à alta precisão exigida. Nela, a superposição das quatro cores básicas
Digital
forma uma camada homogênea na impressão, pois se trata de uma retícula aleatória, que
Digital
opera com um ponto infinitamente menor que o convencional e sem a formação das rose-
- Certificação
- Certificação
tas tradicionais. Em anexo à figura 5.31, temos fragmentos de impressão onde podemos
comparar os grãos da retícula estocástica e da litografia clássica.
PUC-Rio
ca,
“no Brasil, isso é ainda pouco usado. A Gráfica Minister não usa esse tipo de lineatura ain-
da. Basicamente, nós trabalhamos com uma retícula fina, de 175 linhas, e, em alguns traba-
lhos, como trabalhos de arte, por exemplo, com uma retícula de 200 linhas”.
136
Se, no Brasil, a indústria gráfica ainda não desempenhou uma utilização plena da
retícula estocástica; no âmbito artístico, esta retícula, associada à técnica do CTP, já abre
toda uma cadeia de novas possibilidades práticas. Esta experiência vem sendo realizada no
Rio de Janeiro pela Lithos Edições de Arte.
5.6
O uso artístico do CTP
“Nós pesquisamos durante quase um ano a forma de se imprimir estas matrizes, porque es-
Nº null
nologia de ponta, e imprimir numa máquina do século XIX. Nós não fizemos nada mais do
que descobrir a quantidade exata de água e a quantidade exata de tinta. A pedra litográfica,
Digital
tecnologia diferente. Eles têm porosidade para reter um pouco mais de água, portanto, ne-
- Certificação
les, a superfície intacta repele mais a tinta. A prensa com a qual nós trabalhamos é uma
prensa do século XIX, preparada para esse tipo de placa. Como imprimir nela uma chapa
quase totalmente lisa? Esse foi o aspecto mais problemático”.
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“Tunga pegou uns desenhos em carvão e disse: ‘faz isso aqui’. Não se colocou a mão sobre
o desenho dele, nem houve nenhum tipo de interferência de outro desenhista para reprodu-
zi-lo, como é feito com muitos outros artistas, como o Lan (...). No trabalho do Tunga, não
houve esse tipo de interferência: o desenho original foi escaneado, e o scanner registrou o
que estava ali no trabalho. Com aquilo foi gravada a chapa. Todas aquelas “poeirinhas” que
você reparar naquele trabalho já estavam lá, no desenho original em carvão”.
137
“Qual é o nome que se vai dar a isso? Alguns gravadores vão brigar, eu penso, vão falar: “o
gravador grava e tira a sua prova...”. De repente chega o artista contemporâneo, o rei do
computador, vai ali, grava, e a gente vai imprimir no mesmo processo antigo. Mas eu acho
que isso é uma abertura. E não deixa de ser gravura, embora seja gravado por processo di-
gitais. A matriz foi gravada, porque isso aqui é gravado de uma forma como se fosse a gra-
vação do crayon litográfico, ou seja, de modo que possa receber tinta gordurosa e a outra
parte receber água e imprimir: o nome disso é Litografia”.
Ora, tais matrizes poderiam ser impressas, aos milhares aliás, em prensas de off-set
Nº 0610408/CA
“Uma diferença grande da litografia para o off-set, quando você imprime, é a seguinte: por
necessidade de velocidade da máquina de off-set – tanto que os prelos de prova não são as-
PUC-Rio
sim – foi criado o “cauchu”. A máquina off-set trabalha com três cilindros. Em um cilindro
PUC-Rio
posiciona-se a chapa. O outro, roda com o papel, é o “contra-pressão”. O do meio tem uma
borracha, é o chamado “cauchu”. A chapa é entintada, decalca na borracha, a borracha, en-
tão, transfere para o papel. Quando você grava uma chapa para o off-set, portanto, você
grava na direita, ela transfere para a esquerda e, em seguida, transfere novamente para a di-
reita, no papel. No nosso caso, a impressão é plana e direta. Você grava a chapa na esquer-
da e ela transfere na direita. A própria impressão é direta: a placa recebe a tinta e transfere
diretamente para o papel. Com isso, a camada de tinta depositada é mais generosa.
Além disso, em relação ao uso das retículas randômicas, você não conseguiria fa-
zer uma gravura como a do Tunga com as retículas convencionais. Você sente a diferença
porque, nestas, o meio-tom é obtido através de uma graduação mecânica, que obedece a
um determinado padrão espacial e de tamanho. No entanto, com a retícula estocástica, por
exemplo, você consegue uma graduação de tonalidade menos rígida, porque independente
daquele ponto mecânico”.
(Computer to Plate), que dispensa o uso do fotolito” havia a “impressão pelo processo
- Certificação
- Certificação
litográfico”.
Este aspecto é também levantado por Iuri Frigoletto:
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“Nós estamos usando um suporte que é da indústria gráfica atual, um suporte que trabalha
com arquivo digital, grava num processo digital e, do outro lado, uma prensa, um equipa-
mento de impressão que vem lá daquele momento do final do século XIX”.
“...A impressão de trabalhos é feita por meio de um processo que utiliza uma matriz de im-
pressão gravada numa lâmina de alumínio sensibilizada (o CTP - computer-to-plate). O re-
gistro desta ‘imagem’, gravada no alumínio a partir de um arquivo digital, é produzido por
uma retícula randômica (registrada por pontos aleatórios, sem padrões perceptíveis). Uma
139
vez produzida a matriz, esse alumínio com o arquivo gravado será utilizado numa robusta
relíquia de fins do século XIX – uma prensa litográfica Marinoni”217.
parte fundamental da obra de arte: “O processo assume uma importância essencial, deter-
minando tanto suas intenções quanto seu sentido”220.
Digital
param de sua execução revela-se no próprio discurso dos artistas e, segundo Resende, está
- Certificação
relacionada a uma das maiores conquistas da arte do século XX: a possibilidade de romper
as barreiras da própria arte:
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“Destituídos por Duchamp daquela ‘aura’ com que os ‘objetos artísticos’ eram costumei-
ramente identificados, o que passou a interessar o artista – principalmente a partir dos anos
60, depois de Joseph Beuys e com o advento das artes minimal e conceitual, em que a obra
não é mais aurática, e passa naquele momento pela sua desmaterialização – não é mais a
obra de arte em si, mas sim as possibilidades que ela abre no processo criativo e interativo,
a obra passa a ser um processo inacabado, completado posteriormente pelo receptor”221.
217
Folder da exposição Alumínio Digital. Galeria Artur Fidalgo, dezembro de 2007 a março de 2008. Os
grifos são meus.
218
RESENDE, Ricardo, Os Desdobramentos da Gravura Contemporânea, in Gravura – Arte Brasileira do
Século XX, São Paulo: Itaú Cultural, 2000.
219
Idem. p. 226.
220
Idem. p. 230.
221
Idem. p. 229.
140
“...na arte contemporânea o artista volta-se para a intenção, para a idéia e para a solução da
realização do seu trabalho. Se o produto final é uma gravura, uma tela, uma escultura, uma
instalação, pouco importa. O que importa é a expressividade da obra”222.
criada para ser enviada pelo correio e este fato condiciona a sua criação (dimensões, fran-
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quias, peso, natureza da mensagem, etc.)” 223. Da mesma forma, enfim, entendo como tra-
Digital
balhos que problematizam material e processualmente a técnica de CTP, aqueles que le-
Digital
relembrando as palavras de Ivins, citadas no primeiro capítulo, “o que faz uma mídia artis-
- Certificação
ticamente importante não é nenhuma qualidade própria desta mídia, mas as qualidades
mentais e manuais que seus usuários lhe dirigem”224.
PUC-Rio
CTP, mantendo-a atrelada à reprodução de um desenho original traçado pelo artista. Após
o ato inicial do artista, realizado em um momento a parte, este registro foi levado à oficina,
de onde resultou no múltiplo editado. A gravura de Daniel Senise (Fig. 5.35), produzida
pouco depois, parece incorporar momentos da produção que não foram ressaltados naque-
la. A absorção do processo do trabalho como aspecto constituinte da própria obra é colo-
cada por Frigoletto:
222
Idem. p. 230.
223
BRUSCKY, Paulo, Arte Correio e a grande rede: hoje, a arte é este comunicado, in FERREIRA, Glória
& COTRIM, Cecília, (org.) Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, p. 374-
379.
224
“…what makes a medium artistically important is not any quality of the medium itself but the qualities of
mind and hand that its users bring to it”. IVINS JR., William M., op. cit.
141
disso, monta formas nas telas. No trabalho que ele imprimiu em CTP, especificamente, ele
tentou explorar um desenho que foi impresso a partir dos tacos do chão, imprimindo-o em
uma tela.
Nós pegamos um pedaço de tecido impresso dentro do processo produtivo do Da-
niel, escaneamos esse tecido, transformamos aquilo em arquivo digital; com esse arquivo,
gravamos uma matriz em CTP e imprimimos no processo litográfico. A mancha negra em
volta desse trabalho é uma serigrafia aplicada sobre a impressão do CTP, utilizada para dar
exatamente a sensação de irregularidade do movimento do tecido”.
O mesmo é percebido em sua análise da obra de Paulo Vivacqua (Fig. 5.36) para a
“Alumínio Digital”:
“Nesta obra, Vivacqua utilizou uma fotografia tirada por ele de um monitor de televisão:
uma cena de uma novela das oito da Rede Globo. Com uma câmera digital, ele fotografou
um monitor de televisão. Nós transformamos aquela imagem em matriz digital, e impri-
mimos. Os efeitos que a cor luz produz no monitor de televisão foram mantidos nessa ma-
triz. Este trabalho situa-se, assim, entre a cor pigmento e a cor luz”.
Nº 0610408/CA
ra ainda mais direta na obra de Rafael Carneiro (Fig. 5.37). Este artista desenvolve aí um
Digital
imagem digital, transpondo-a imediatamente para uma matriz gráfica abriu um novo signi-
ficado para a obra de Carneiro225.
PUC-Rio
225
De maneira análoga, observamos, no primeiro capítulo, a revolução conceitual e técnica causada pela
possibilidade de gravar imagens diretamente a partir da fotografia, a partir do desenvolvimento dos processos
fotomecânicos de reprodução.
142
José Damasceno já havia trabalhado com o CTP anteriormente. Sua obra Elevador
(Fig. 5.39), de 2006 esteve exposta na mostra da Lithos de 2007, em São Paulo. Na Alumí-
nio Digital, este artista opera a partir de uma imagem formada no reflexo do espelho de
uma tabacaria de Copacabana. Esta imagem, corriqueira, é fotografada por Joana Traub
Csekö, que esteve também no Elevador. Com ela é gravada a matriz de CTP. Sobreposi-
ções de cores transparentes serigráficas são aplicadas sobre a impressão (Fig. 5.40).
No trabalho de Miguel Rio Branco, artista oriundo da fotografia, a incorporação da
impressão gráfica em CTP apresenta-se em função da probabilidade de experimentação de
um novo suporte: a seda (Fig. 5.41). Para Antonio Manuel (Fig. 5.42), a retícula estocásti-
ca é explorada enquanto textura, justaposta a áreas de cor impressas em serigrafia e à sinu-
osa incisão no próprio suporte da gravura.
Para Frigoletto, o CTP coloca-se como uma mídia experimental, por isso interes-
sante ao artista de hoje.
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“A arte moderna trabalhava a forma e a sua política era a execução dessa forma. O artista
moderno se colocava social e culturalmente em seu meio e em relação à sociedade a partir
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‘Qual é o debate?’, e eu entendo que, por trás disso tudo está também a pergunta: ‘Qual é a
- Certificação
“A idéia que serviu de ponto de partida da mostra foi justamente proporcionar aos artistas a
possibilidade de experimentarem uma nova técnica: a impressão de trabalhos gráficos a
partir de uma matriz gravada por arquivo digital. Foi escolhido um grupo heterogêneo de
artistas, pertencentes a diferentes gerações, alguns muito jovens e outros já com longas tra-
jetórias. Cada qual com as suas poéticas e os seus meios habituais de expressão, os artistas
selecionados desenvolveram percursos distintos diante das possibilidades inéditas abertas
por esta inovação tecnológica. A singularidade dessa exposição reside exatamente nesta di-
versidade”226.
226
Folder da exposição Alumínio Digital. Galeria Artur Fidalgo, dezembro de 2007 a março de 2008.
143
viabilizar a atualização técnica dos processos de impressão. Num momento em que múlti-
plas possibilidades técnicas já foram rigorosas e exaustivamente pesquisadas e testadas por
- Certificação
várias gerações – e no qual um limite de invenção, ao menos provisório, parecia ter sido a-
tingido – eis que a experimentação de novas ferramentas tecnológicas gera oportunidades
originais de criação, no âmbito da relação ancestral de artistas e impressores” 228.
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227
Em entrevista em anexo, Iuri Frigoletto relata o processo de aproximação com os artistas e analisa as obras
realizadas, colocando um pouco da história de cada um destes trabalhos.
228
Folder da exposição Alumínio Digital. Galeria Artur Fidalgo, dezembro de 2007 a março de 2008.
144
6
Conclusão
artística das técnicas de reprodução de imagens: uma marcada pelo resgate ou pela preser-
- Certificação
vação de determinada técnica gráfica deslocada de seu uso funcional para a “indústria de
ponta” da época; outra marcada pela apropriação, por parte dos artistas, de fazeres que não
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século XX, quando podem ser observados, respectivamente, a atuação dos primeiros gra-
vadores modernos e o processo de difusão dos meios fotomecânicos de gravação. Notamos
que, enquanto se afasta de uma utilização funcional, a gravura adquire as características
peculiares de uma mídia expressiva. Ao mesmo tempo, enquanto afasta de si as caracterís-
ticas artesanais que até então lhe acompanhavam, a indústria gráfica adquire os seus con-
tornos próprios. São dois meios que seguem paralelamente. A Lithos figura, neste contex-
to, como concretização da confluência entre eles. Diversos aspectos confirmam-no: desde
a atuação de Genaro Louchard Rodrigues na indústria litográfica; passando pela sua se-
qüente orientação por praticas artesanais que mantivessem um determinado padrão de ex-
celência gráfica em seus impressos comerciais, observada em diversas ocasiões; até a re-
cente experiência de Guilherme Rodrigues com o CTP.
Ricardo Resende, em seu comentado artigo, sublinha a apropriação de novas tecno-
logias de impressão como parte do “processo artístico” por parte de inúmeros artistas brasi-
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leiros e estrangeiros. Desde meados do século XX, analisa este autor, obras em fotografia e
Nº null
vídeo, trabalhos que usam a internet como meio, arte correio, zines e livros de artistas pas-
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saram a ser compreendidos dentro de uma discussão que problematiza os estatutos da gra-
Digital
vura clássica. Tais procedimentos inserem-se como “novas possibilidades para a gravura
- Certificação
contemporânea”. Nesse contexto, a gravura é levada a atuar nos limites de seus processos.
- Certificação
A absorção de procedimentos como a impressão digital, a arte correio, o vídeo, etc. como
“gravura”, defronta-a (“como em outros momentos da história da gravura”229) com uma
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questão sobre seus conceitos fundamentais. Segundo Resende, enquanto o termo “gravu-
ra”, em português, refere-se especificamente à “incisão”, posicionando-se consequente-
mente, por vezes, como uma nomenclatura exclusiva; os termos inglês e francês, printing e
empreite, por outro lado, possibilitam uma abordagem mais ampla e acolhedora, porque
direcionados ao momento da impressão, ou à “reprodutibilidade”, aspectos indubitavel-
mente contidos nos novos processos de impressão.
Esta forma de expressão, devido ao pluralismo que lhe é peculiar, teria, talvez mais
do que a pintura e a escultura, naturalidade para incorporar e dialogar com os avanços tec-
nológicos surgidos nos últimos cinqüenta anos. Além disso, a própria contaminação com
estas outras categorias – da qual o “múltiplo”, como híbrido entre gravura e escultura, é
uma das mais latentes manifestações – mostra-se cada vez mais comum à discussão gráfi-
ca.
229
RESENDE, Ricardo, op. cit., p. 226
162
para estes, aponta este autor, é notável a importância dos “tradicionais ateliês” de gravura
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artistas e programadores de computador”, analisada por Resende, pode ser observada niti-
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damente na Lithos. Marcus Claussen ocupa a posição deste último agente. Sua atuação
- Certificação
situa-se como etapa fundamental do processo de criação. Junto a ele, os artistas progra-
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mam a manipulação das imagens a serem gravadas, a inserção de demais elementos gráfi-
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cos, a granulação das retículas. Ali é preparado o arquivo que, enviado para o bureau, ser-
virá como registro para a gravação digital da matriz.
Em relação ao uso das técnicas gráficas – modernas e arcaicas – pela Lithos, o inte-
resse na reprodutibilidade se mostra como um aspecto fundamental. A manutenção ativa
de equipamentos como a máquina de revelação de telas serigráficas, a granitadeira – para
não falarmos da Marinoni – e a nova experiência com o CTP, ao mesmo tempo em que
aquecidas por este fim, estão decididamente orientadas a uma utilização artística.
Ainda que não tenha sido desenvolvido um viés comercial desta empresa, muitas
são as impressões que atendem a um uso funcional, mesmo que para uso próprio: exempli-
ficam-nas as capas para os álbuns de artistas editados ali; os pequenos folhetos para divul-
gação e outros eventuais serviços. Por outro lado, se fossemos caracterizar as estampas
editadas ali entre “originais” e “de reprodução”, imediatamente identificaríamos a coexis-
230
Idem. p. 228.
163
tência de ambas, sendo que, no segundo caso, a reprodução é, como foi recorrentemente,
encomendada pelo próprio artista e, sublinhemos, não implica uma desvalorização mas
uma particularidade da obra.
Quanto à experiência artística da Lithos Edições de Arte com o CTP, concluímos
que esta se origina da relação desta oficina com os meios gráficos industrial e artístico.
Paralelamente, materializa-a. Ao mesmo tempo em que abre para o artista contemporâneo
um novo viés de atuação, ao permitir incorporar tal técnica a um processo de trabalho que
tem como resultado a realização de um múltiplo gráfico; possibilitou à empresa um novo
posicionamento diante do circuito artístico atual.
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Xilógrafos Nordestinos, Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa: 1977.
Catálogo de Exposições
“Gráfica Utópica: Arte Russa 1904-1942. Centro Cultural Banco do Brasil. Brasília:
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CCBB, 2001.
- Certificação
“Gravura Brasileira na Coleção Mônica e George Kornis”, Caixa Cultural Rio de Janeiro,
- Certificação
“Impressões – Litografia e Serigrafia – história impressa pela Lithos”. Sesc Pinheiros, São
PUC-Rio
Páginas virtuais
8
Apêndice: Entrevistas
reprodução de imagens.
Muitas das questões levantadas no decorrer desta dissertação foram levadas a estes
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entrevistados. Suas considerações foram, por sua vez, trazidas para o interior do texto, sen-
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- Certificação
Gláucia Altmann, Amador Perez e Thereza Miranda. Outros foram os que, ainda que não
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tenha sido possível a formalização de seus relatos, colaboraram diretamente para esta in-
vestigação. Assim agradeço igualmente a Antonio Grosso, George Kornis, Helena de Bar-
ros, João Sánchez, Kazuo Iha, Maria Luisa Távora, Sebastião Barbosa e Rafael Cardoso.
Naturalmente, esse trabalho não teria sido possível sem o irrestrito e precioso apoio de
Guilherme Rodrigues.
Acredito que a reunião destas entrevistas represente uma contribuição para a do-
cumentação das informações históricas nelas contidas e que esta sua publicação venha a
possibilitar o compartilhamento destas experiências.
174
8.1
Entrevista com Carlos Martins – Rio de Janeiro, 03/07/2007 e 11/07/2007
plo, a litografia, que é uma técnica muito mais recente, por isso muito mais fácil de ser
Nº null
detectada e analisada. Quando ela aparece, no século XVIII, é plena revolução industrial. É
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pressa, é produto, é jornal, pôster, propaganda: Ela tem um cunho comercial explícito. É
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rua, capa de jornal, rótulo de embalagem, ela é gravura do Bonnard, ou, muito antes dele, o
- Certificação
próprio Daumier faz uso fantástico da positividade da litografia. O Goya também, a mesma
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coisa. Não é quando ela cai do afã da comercialização como um produto que ela vira de
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arte para continuar tendo uma existência. Isso se dá ao mesmo tempo, a meu ver.
Pode-se dizer que o desejo de reproduzir imagens foi o grande propulsor na história
da gravura? Seria o interesse comercial a força motriz dessa história?
Como você vê a utilização artística que se volta a uma técnica que se tornou comerci-
almente obsoleta?
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Uma questão que devemos colocar é: Por que dizer que uma técnica é obsoleta?
Porque apareceu o off-set? Ou porque apareceu a impressão a jato, laser? Técnicas mais
modernas.
Não se pode atrelar a produção artística à novidade tecnológica, nem a favor, nem
contra.
O artista usa hoje meios de computador. Perfeito. Porém, isso não vai obrigatoria-
mente deixar mais ou menos descentrado o uso da litografia, por exemplo. Não é porque a
lito não é mais a grande maravilha da invenção da tecnologia que foi no final do século
XVIII, início de século XIX – quando ela respondeu à necessidade da pressa que se tinha
para a impressão e multiplicação de imagens – que ela se torna obsoleta. É claro que hoje a
internet, o computador, o fax, e não sei mas o quê, ocupam esse papel. A lito está em desu-
so na área de mercado, sem dúvidas. Mas ela não é só isso. Ela é um meio de expressão
artística, e isso independe de novas propostas, novas invenções, novos aprimoramentos
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tecnológicos. Tem muito artista que está fazendo inclusive a combinação disso tudo. O
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Rauschenberg é um deles. E é uma maravilha o trabalho que ele faz. Existem vários. Em
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São Paulo tem a Laurita Sales que trabalha em metal e no computador, é um trabalho expe-
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Hoje, é lógico que ninguém vai fazer rótulos de nada nem em serigrafia nem em
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litografia. Então, pronto, está descartado. O que interessa é o uso feito desse equipamento,
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Você acha que podem ser distinguidas duas atitudes entre os artistas que buscaram
nas técnicas de reprodução de imagens a possibilidade de expressão: uma em que esta
atitude é voltada para uma técnica que se tornou comercialmente obsoleta; e outra
em que esta atitude se volta a novas técnicas de reprodução, desenvolvidas e ainda
utilizadas pela indústria?
Eu me lembro uma vez, há muitos anos atrás, nos anos 80, eu ia de ônibus para
Santa Catarina sentado do lado de uma cara que era operário de uma fábrica têxtil. Conver-
sa vai, conversa vem, ele diz: “Eu, para imprimir lençol de casal na fábrica onde trabalho
uso uma tela de serigrafia que tem um bastidor de dois metros e meio por dois metros e
meio”. Eu pensei: “Eu não acredito. Nenhum artista brasileiro usou essa tecnologia para
fazer uma serigrafia”. Aquilo era serigrafia, impressa sobre tecido, para estampar tecido
para roupa de cama.
Em outra ocasião, fui levar um trabalho para fazer em um lugar chamado “Studio
Alfa”, em São Cristóvão. Eles fazem plotter para cobrir fachada de Rio Sul, para você ter
idéia da dimensão. São fachadas imensas, de propaganda. Texto, imagem, o que for. Eu
fiquei tão entusiasmado com o potencial que tem aquilo (que eu não vejo ninguém usar)! O
gerente de lá, então, me levou para ver toda a instalação. Entrei em uma sala em que eu
fiquei boquiaberto. Eles têm uma máquina que é, digamos, um pantógrafo mecanizado, na
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qual você transfere a imagem para recortar plotters auto-adesivo, com recorte do limite do
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desenho, sem estar inserido em um fundo quadrado ou retangular. Ele recorta o desenho,
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Eles usam como base de corte um MDF, que, depois de sei lá quanto tempo de uso,
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não dá mais para usar. Essa placa de MDF, que deve ter pelo menos uns dois metros por
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dois metros, fica parecendo uma matriz de xilogravura. E é tudo feito pelo computador.
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Quem dirige o corte de qualquer coisa nessa máquina é o computador. Você olha aquilo e
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é uma maravilha: é só entintar e imprimir para ver o que sai. Lembra o trabalho do ameri-
cano Jasper Jones em que ele sobrepõe números e números.
Acho que aqui no Brasil nunca teve essa aproximação do artista com a indústria,
com a tecnologia. Isso é aqui uma coisa muito tímida. Existe pontualmente um ou outro
artista, um ou outro trabalho. Uma relação mais íntima, não há.
Isso é do Argan. Ele coloca que os alemães têm uma tradição atávica da gravura.
Desde as xilos do século XIV isso ficou arraigado na cultura deles. A questão da ilustra-
ção, da familiaridade com a imagem passa pela linguagem da xilogravura. No expressio-
177
nismo, quando eles queriam mostrar isso, não é que eles retomam isso, porque isso nunca
caiu, eles se apropriam da xilo e dessa atitude – porque no metal é a mesma coisa, na lito
também. É uma atitude, que é a veemência, deixar a marca, a expressão na matriz. É lindo
isso que o Argan coloca.
Claro. Com o Iberê Camargo é a mesma coisa. O Iberê leva a atitude do metal para
a tela, para a pintura: ele pega o cabo do pincel e risca a tinta fresca para tirar, como se
tivesse riscando com a ponta, o verniz da chapa de metal. Ele deixa isso lá. Essa marca
fica. Ele a incorpora na pintura.
vador, são indícios da subjetividade do artista, que naquele momento histórico estava
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sendo revelada. Hoje, sinto que, mais do que essa expressão subjetiva, o uso por parte
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placas de madeira, tintas, querosene, papéis, farpas, lixas, pó; um designer gráfico
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produz imagens e seus gestos limitam-se ao movimento ínfimo de seu dedo indicador
sobre o mouse, estas imagens são transportadas em discos lasers, pen drivers, ou cir-
culam em bytes, pela internet – de fato desmaterializaram-se. Como você vê esse con-
traste?
Que imagem é feita com o mouse? Você pode fazer qualquer imagem, você pode
fazer uma gravura expressionista no computador.
Não se pode confundir o meio e a mensagem. O computador, com todas essas faci-
lidades, é uma ferramenta nova. Elas não induzem necessariamente a um tipo de imagem –
de repente, podem até induzir, mas isso ainda não foi descoberto, não foi explorado. Para
mim isso é um veículo. Você vê de tudo no computador: imagens expressionistas, imagens
impressionistas, imagens resgatando propostas e poéticas de cem anos, de duzentos anos
atrás.
178
Uma vez, estava conversando com o Marcos Martins. Ele é um designer, foi pro-
fessor e está indo para Boston, fazer um doutorado. Eu dizia que achava inacreditáveis os
ícones que existem no computador. É quase que para débil mental. Tem um que é uma
Gioconda, do Leonardo da Vinci. O que são os pictogramas que você encontra ali? Como
é que uma tecnologia que se propõe a ser uma tecnologia de ponta utiliza um pictograma
como a ampulheta? Ampulheta! Gioconda! Na verdade, a pessoa que vai usar aquela fer-
ramenta, talvez nem saiba o que é uma ampulheta, nunca viu uma. Acho isso uma coisa
estranhíssima. Para mim é um retrocesso de inteligência muito grande.
Acho que há, ainda hoje, uma grande confusão de como se apropriar dessa ferra-
menta para ver que produto vai sair. Tenho visto vídeos de apresentação e DVDs com efei-
tos especiais que são ridículos. É uma coisa rasa: o efeito pelo efeito. Isso é uma coisa que
tem que ser muito bem pensada. Porque é perigosa, inclusive. Perigosa porque é algo que,
para o público, passa como se fosse um achievement, como se tivesse alcançado alguma
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coisa: “Olha o que eu fiz!”. E não há nada ali. O que há é a utilização de uma ferramenta. É
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como se o fato de se estar adestrando, utilizando e tirando proveito já passasse a ser bom. E
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não é bom. Não é nada. A pessoa só aprendeu. Qual foi o produto? Qual foi a proposta, a
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poética, ou a estética?
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O que, para você, está por trás do uso de técnicas que envolvem um fazer artesanal
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hoje em dia?
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O que eu quero dizer é que, para o discurso da arte contemporânea, a técnica deixa
de ser um meio expressivo para o sujeito, enquanto que, para os Expressionistas, ela
era expressão do sujeito. Penso que a madeira, hoje, deixa de ser um indício do sujei-
to e passa a ser um indício dela mesma, em contraste com uma desmaterialização e
mesmo uma superficialidade das imagens comumente veiculadas. Como, para você,
se colocaria o gravador, hoje em dia?
outra imagem, outra forma de expressão, outros materiais, isso não aniquila obrigatoria-
mente aqueles outros.
Isso é uma questão de mercado e não de história da arte. E acho que é de se ficar
alerta. É um perigo achar que as regras de mercado são determinantes ou devem determi-
nar a história da arte. Daqui a vinte, trinta ou quarenta anos vai se perceber que não é as-
sim, porque o mercado vai mudar. Vai ser resgatado um tipo ou outro de atitude, como já
teve, ou vai aparecer um novo, que não se conhece. O que não se pode, hoje, é pensar em
excludentes, pensar em excluir coisas. Ao contrário: deve-se incluir. É a inclusão de tudo.
Acredito que isso começa numa situação social e política. Você tem que conviver com o
diferente, tem que saber que tem que lidar e tirar o melhor proveito disso. A mesma coisa
se dá na produção artística.
Acho que essa mentalidade é extremamente restritiva e limitadora. Tem que haver
limites. A pressão de mercado, de moda e de sei lá o que, é uma coisa, a história e o afluxo
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também a utilização das técnicas de gravura por uma esfera da cultura popular,
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As técnicas de gravura foram, com certeza, usadas da forma mais erudita, mas há
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também uma forma popular de apropriação. Aqui no Brasil nós temos, no começo do sécu-
lo XX a gravura de cordel, que é uma tradição que vem da Europa. Ali, principalmente na
França, houve uma grande tradição desse tipo, nos séculos XVIII e XIX. A escola de xilo-
gravura popular francesa é uma maravilha. É uma xilogravura bem popular, bem estiliza-
da, mas que não chega a ser uma caricatura. Tem muitos santos, santinhos, ex-votos, cenas
históricas, retratos da nobreza. Tem um retrato de Pedro I a cavalo que é uma maravilha. O
cavalo é azul, para você ter uma idéia.
Mesmo já tendo a fotografia, a partir da metade do século XIX, a idéia, a imagem
gravada acompanha a mitopoética das pessoas.
Está um caos. (Risos). Ela está completamente... coitadinha. Há dois anos atrás, a-
chava que fosse um fenômeno próprio do Brasil, ou seja, um resultado de uma decadência
180
dos últimos tempos. Estive em Paris há, mais ou menos, um ano, um ano e meio atrás,
conversando com Pisa, que mora lá há cinqüenta ou sessenta anos, e ele falou: “Eu vou te
levar no ateliê em que eu imprimo, onde eu faço os meus trabalhos. É um lugar fantástico,
um ateliê do século XIX. As prensas e o espaço são fantásticos. O dono, o técnico, é bisne-
to de quem fundou. Mas, vamos logo, antes que acabe, porque quando comecei a trabalhar
lá, há cinqüenta anos atrás, tinham oito ou dez impressores, hoje tem dois: o dono e um
contratado. De todas aquelas prensas instaladas, hoje só tem uma funcionando”. Falei: “A-
qui, em Paris, não acredito!”.
Quer dizer, nós estamos em um momento difícil, mas eu não acho que isso seja
determinante. Penso que é uma circunstância, depois muda de direção. Aqui no Brasil, a
coisa é mais agravante porque aqui a mentalidade é excludente, então é mais perigoso. Na
Europa, nos Estados Unidos, existe uma tradição, uma cultura nas artes da produção do
múltiplo, a gravura. Essa tradição acompanha o trabalho do artista independentemente de
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qual é a produção dele, seja pintura, gravura, escultura ou instalação, sempre tem. Os ateli-
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porque existe uma cultura, o que aqui não tem. Aqui, nós ficamos a mercê do mercado,
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8.2
Entrevista com Marcos Varela – Rio de Janeiro, 24 de setembro de 2007
minância da litografia tanto numa questão comercial, quanto ilustrativa. Em outros países,
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a xilogravura de topo teve um peso e uma importância muito maiores do que teve aqui.
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que era a tipografia. Ele é um processo tipográfico, por isso se adequa melhor ao texto na
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ilustração de um livro, de um jornal, de uma revista. Nos jornais do século XIX, no Rio, as
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isso, um artista como o Daumier, na Europa, tinha muitas de suas ilustrações impressas em
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lito, mas tinha também seus desenhos gravados e impressos em matrizes de topo. Gustav
Doré foi outro autor que trabalhou muito com topo.
Por que o uso tão freqüente dessa técnica? Basicamente, isso se dá pela precisão e
minúcia que ela proporcionava – equivalentes às da litografia – e porque permitia a im-
pressão simultânea do texto e da imagem. A madeira, com a mesma espessura do tipo, ou
seja, da letra, permitia a impressão simultânea da imagem e do texto. No Brasil, entretanto,
esta técnica não teve um uso tão abrangente. São raros os exemplos do uso da gravura de
topo pela industria gráfica daqui.
Uma hipótese para explicar esse fato, me parece, é a dificuldade do trabalho do ar-
tesão. No Rio, a Imperial Academia de Belas-Artes formava desenhistas que eram aptos a
desenhar sobre a pedra. Você tinha técnicos litográficos, responsáveis pela gravação desse
desenho. Até mesmo o dono da gráfica poderia escrever de próprio cunho o texto, ou fazer
um desenho em um papel transporte e então decalcar estas imagens na pedra. Depois era
impresso o cartaz, ou o que quer que fosse. No caso da gravura de topo, fazia-se preciso
182
não só o desenhista mas também o gravador. Esse tinha a função de interpretar o desenho
em termos de gravação artesanal na matriz. Isso não era um processo puramente mecânico
como era o do técnico litográfico, era um negócio muito mais complexo.
Na gravura de topo a gravação era altamente especializada. Um artista como Gus-
tav Doré não era um gravador mas trabalhava com uma equipe de gravadores à qual, com
o tempo, foi atribuída uma importância equivalente a sua. Ele não pré-determinava as so-
luções gráficas. Por vezes chegava a desenhar em aguada, em lápis, ou em carvão. Eram
desenhos que continham sombreados... Ele desenhava diretamente sobre a madeira ou em
papéis que eram colados sobre esta; os gravadores interpretavam o desenho, a aguada, a
mancha de crayon em termos de gravação de topo. Isso exigia uma criatividade, uma in-
terpretação gráfica de formas, de manchas, de texturas; exigia uma elaboração técnica mui-
to grande por parte daqueles gravadores; exigia uma formação especializada. Essa é uma
questão que talvez tenha impedido o desenvolvimento da gravura de topo e ocasionado o
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predomínio maior da lito no Brasil. Mas isso, em todo caso, é uma suposição a ser pesqui-
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sada.
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Ainda assim, percebemos que o uso da gravura em metal e até da xilogravura de fi-
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dizer que cada uma destas técnicas tinha uma parcela do mercado própria?
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Pelo que eu conheça, uma técnica não substitui a outra. Cada técnica encontra seu
nicho de atuação. Duas circunstâncias são exemplares para esta questão. No caso da gravu-
ra em madeira, não necessariamente de topo, há o uso nos chamados “cabeções” dos jor-
nais. Estes seriam o que nós chamamos de logotipo, hoje, e eram gravados em xilo. Outro
exemplo é a aplicação da gravura em metal na impressão de mapas, no Arquivo Militar.
Nesse caso, esta técnica era utilizada em virtude da precisão e da possibilidade de reprodu-
ção muito grande.
Além disso, as pautas musicais, também, muitas vezes eram mais facilmente gra-
vadas em metal. Esta era uma gravação mais definitiva, aquela matriz era guardada poderia
ser reimpressa a qualquer momento. Cartões de visitas, igualmente, eram gravados a buril
em relevo, pelos chamados “abridores de chapa”. Essas impressões continham um relevo
seco ou entintado que era natural do processo e que não era obtido numa impressão litográ-
fica, por exemplo. Isto dava uma nobreza maior àquele impresso.
183
Muitas vezes o mesmo gravador fazia todos esses processos. Gravava em madeira,
em metal e na pedra. A história da arte tende a dar uma ênfase maior à imagem mas havia
uma ampla aplicação desses processos gráficos em outras parcelas do mercado.
Essa é uma questão que percorre toda a história da gravura e, de um modo geral,
toda a história da arte. A imagem gráfica sempre teve esses dois pesos, esses dois aspectos:
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uma função artística propriamente dita: a beleza em si da imagem; e seu lado prático. Isso
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se dá um pouco como quando você vê máscaras africanas, máscaras da Oceania nos mu-
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seus de arte, hoje. Originalmente estes objetos tinham funções religiosas, funções místicas.
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Tinham um emprego social pré-determinado. Hoje estas máscaras são admiradas e coloca-
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das em um museu como sendo uma obra de arte. São deslocadas de seu sentido original,
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do uso a que eram destinadas naquele povo, naquela época, naquele período, naquelas cir-
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cunstâncias. No caso da gravura, isso também ocorre. Toda a obra gráfica do Dürer, pelo
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que se sabe, era vendida em barraquinhas de feiras, como o cordel de hoje. Aqueles im-
pressos eram vendidos pela esposa dele como se fossem santinhos de igreja. Essa era sua
função original. Depois, até com uma rapidez muito grande, foi atribuída a estes impressos
uma função artística.
Sempre houve essa dicotomia, esses dois lados. Na realidade, trata-se de uma ima-
gem em si. Não as vejo como sendo duas coisas separadas, ou distantes. Quando nós ve-
mos uma ilustração, um cartaz na rua, um impresso, uma imagem qualquer, ela pode ter
uma forma tão boa que pode ser considerada uma obra de arte, melhor até que muita coisa
que vemos em um museu. Na gravura, esse aspecto se colocou de maneira muito presente
porque ela sempre teve a função de divulgação, de multiplicação da imagem. Então sur-
gem as questões: “é arte aplicada?”, “é arte utilitária?”. E vão se criando vários nomes para
distinguir uma coisa da outra, diferenciar o que é arte aplicada e o que não é, o que é me-
nos arte e o que é mais arte, colocando uma escala de valores que, na verdade, tem uma
importância relativa, pois varia com o tempo. Os cartazes de Toulouse-Lautrec, que na
184
época não tinham outro intuito senão o de vender uma mercadoria cultural, são hoje valo-
rizados porque foram feitos por este artista.
Rembrandt foi um artista que fez suas gravuras sem uma finalidade específica. As
fez pelo mero prazer estético, ou pelo prazer da técnica em si, de suas possibilidades. Ou-
tros autores faziam gravura com uma função mesmo direcionada, como Rubens, seu con-
temporâneo. Este contratava pintores que o auxiliavam em suas telas, pintando animais,
roupas, paisagens. O preço do quadro dependia de quanto havia sido pintado pessoalmente
por ele. Paralelamente, possuía um ateliê de gravura com gravadores responsáveis pela
reprodução de sua obra. Rubens supervisionava aquela atividade. Tratava-se, quase que
literalmente, de uma indústria gráfica. A intenção era simplesmente a divulgação daquelas
imagens: Quem não pudesse comprar uma pintura, compraria uma gravura em metal ou
em xilo que a reproduzisse. O que existe de obra gravada reproduzindo pinturas de Rubens
foi feito, muitas vezes, sob sua supervisão, em um sistema que, hoje, nós qualificaríamos
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como de uma empresa de reprodução de imagens. Mas, veja: Esse aspecto não desmerece
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aquele trabalho. Ele é feito sob outra intenção, mas isso não o desqualifica. Você pode dar
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arte, de quem está analisando aquele material. No meu ponto de vista, talvez possa ser feita
PUC-Rio
8.3
Entrevista com Darel Valença Lins – Rio de Janeiro, 25/09/07
Darel, gostaria que você falasse um pouco sobre sua trajetória como gravador, seus
primeiros anos de aprendizado da gravura.
Se você reparar a sua volta vai perceber que estou fazendo desenhos, pinturas a
óleo, temperas... Não sou um artista como o Goeldi que foi um estrito gravador... Naquela
época convivi muito com Goeldi, durante onze anos. Mas Goeldi foi para mim um orienta-
dor no ponto de vista de filosofia de vida, dos princípios morais e de conduta do homem
com relação à arte e à vida, não em termos de gravura. Aliás, nunca fiz uma gravura em
madeira.
Descobri a litografia no final da década de 40, em 1948, 1949, mais ou menos.
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Nesta época, ela estava nos seus estertores. No Brasil, ela nunca havia sido feita artistica-
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mente. A gravura não foi feita para fazer arte, era vinculada estritamente à reprodução.
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cristianismo.
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rótulos para as latas de biscoitos Aymoré, cartas de baralho, e muitos outros impressos
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desse tipo. Depois, trabalhei para Castro Maia como diretor artístico da Bibliófilos do Bra-
sil. Eu orientava a parte técnica, escolhia os artistas e acompanhava a feitura dos livros.
Acredito que Goeldi tenha sido o único artista verdadeiramente expressionista bra-
sileiro. Ele escolheu a xilogravura como forma de expressão. Goeldi gravava ao comprido.
Para os expressionistas, e principalmente para Goeldi, os princípios morais do homem e-
ram algo sagrado. Ele era um sujeito extremamente rígido em relação a estes princípios.
Este é o espírito do movimento expressionista que surgiu na Alemanha na Primeira Guerra
Mundial. Os Expressionistas tinham uma alma generosa e uma rigidez moral muito gran-
de. Através de Goeldi eu tomei conhecimento das gravuras de Munch, não apenas de suas
xilogravuras, como de suas litografias. Soube, então, que havia uma gravura em madeira,
que era uma forma de fazer arte. Nessa época, tinha uns vinte e três, vinte e quatro anos.
Com Goeldi eu comecei a tomar conhecimento de que a gravura poderia ser utilizada co-
mo forma de arte. Fui fazer gravura em metal no Liceu de Artes e Ofícios, que ficava nu-
ma velha casa do século XIX, na Avenida Rio Branco.
186
A primeira gravura em metal que eu fiz, foi em 1948. No Liceu aprendi a gravar
em metal, com Henrique Oswald, filho de Carlos Oswald. Havia ali prensas de litografias,
inclusive elétricas, prensas enormes de dois por três metros, mas que não eram usadas co-
mo arte. Anteriormente estas haviam sido utilizadas para reproduzir cartas de baralho, ró-
tulos... Aquilo era uma estamparia comercial... Os clientes chegavam e encomendavam um
rótulo de garrafa de vinho, por exemplo. Os desenhistas compunham aquele rótulo em
pedra. As prensas Krause, que nós vemos hoje nos ateliês eram chamadas “prensas de pro-
va”. Os litógrafos primeiro desenhavam as matrizes, depois tratavam esta pedra, aplicando
breu e jato de fogo em cima para que este breu derretesse, de modo a estabilizar aquela
imagem. Era uma técnica muito tradicional, que vinha desde o século XIX. Naquela época,
a litografia havia sido amplamente utilizada como forma de reprodução industrial.
Até as primeiras décadas do século XX, esta técnica foi exercida desta maneira tra-
dicional, utilizada como forma de reprodução de imagens. Genaro Louchard Rodrigues,
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freqüentei o Liceu, porém, esta oficina já não estava mais em atividade. Os processos foto-
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grafos como Goya, Lautrec, Munch, Bonnard... As litografias de Lautrec eram cartazes e
eram feitas conforme a indústria gráfica da época: uma forma amarela era sobreposta por
outra, vermelha e ocasionava numa forma laranja.
Comprei, então, uma prensa Krause e instalei em um atelier na Lapa. Comecei a
aprender a fazer litografia com os litógrafos e estampadores da Estamparia Colombo e com
Genaro Rodrigues, que foi muito importante para esse meu aprendizado na época. Ele co-
nhecia muito sobre litografia e me explicava como se davam os procedimentos técnicos.
Além do Genaro, outro técnico litógrafo quem aprendi muito foi um sujeito chamado Ba-
calhau. Com eles, aprendi a forma tradicional de fazer litografia.
Munch, na Europa, fez litografia artística, mas não conseguia fazer uma tiragem
maior que seis, porque as imagens “fechavam”. Ele não fazia os procedimentos de uma
forma profissional. Levei a prensa para o meu ateliê e comecei a lutar par fazer litografia.
Minha grande preocupação era conseguir fazer grandes tiragens. Mas eu não tinha merca-
do para fazer grandes tiragens e, uma litografia que tivesse doze cores, necessitaria de doze
187
pedras, cada uma com uma forma de cor. Isso era o que eu aprendia na Estamparia Co-
lombo e com Genaro. Aquilo para mim, era um absurdo, não dava para ser feito.
litografia como arte, mas nós não conseguíamos fazer, nem litografia em cor, nem grandes
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tiragens.
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Um amigo meu, chamado Del Vitor, que era escritor, havia escrito um livro cha-
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mado “Círculo de Giz” e queria publicá-lo. Eu fiz as ilustrações para esta publicação arte-
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sanal e imprimi, pela primeira vez, cem cópias de uma imagem. Eu gravei da forma tradi-
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cional e imprimi as cem cópias a mão, na prensa Krause. A única maneira pela qual eu
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conseguia fazer grandes tiragens era aquela maneira que Genaro me ensinou, conforme a
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litografia industrial praticada no século XIX. Desta forma, fiz o livro “Círculo de Giz” à
maneira que os estampadores faziam as cartas de baralho. Em 1956, se não me engano,
saiu uma reportagem do Ferreira Gullar sobre esse trabalho que foi, de fato, uma empreita-
da pioneira da litografia artística aqui no Brasil.
Conheci-o em um atelier livre que havia na Praia Vermelha. Este espaço, onde hoje
é o Pinel, havia sido cedido pelo ministro ao pintor e escultor Bruno Giorgi para que ele
usasse como estúdio. Ali se reuniam muitos artistas como Iberê Camargo, Francisco Stoc-
kinger, Lívio Abramo e Goeldi. Durante muito tempo, eu ia a sua casa, no Leblon, conver-
sar com ele.
Um artista que Goeldi admirava muitíssimo era o austríaco Kubin, um
grande desenhista. Certa vez, eu levei alguns desenhos para mostrar ao Goeldi. Ele, que era
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muito rigoroso, pegou os desenhos e disse assim: “Isto é Kubin. Isto é Kubin. Isto é Kubin.
Isto é Darel”. E, em seguida: “Darel, você não precisa mais de Kubin!”. Eu rasguei todos
aqueles e pus-me a fazer o meu desenho, usar a minha caligrafia – boa ou má.
Goeldi dizia uma coisa muito interessante e verdadeira: “o desenho tem uma cali-
grafia”. Quer dizer, a riqueza da caligrafia é que faz um bom desenho. Cada um de nós tem
uma caligrafia própria. “A caligrafia é que faz um bom desenhista”, dizia Goeldi.
As gravuras de Goeldi, por sua vez, também não eram tiradas de uma forma tradi-
cional. Algumas, de fato, podem ser consideradas mais uma monotipia do que uma gravura
em madeira. Como disse, certa vez Santa Rosa: “a obra de Goeldi é um auto-retrato”. Ele
vivia em um estado de pobreza muito grande e gravava, realmente, aquilo que estava den-
tro da alma dele. Este era um princípio próprio da estética expressionista.
Como foi sua experiência na Europa? Os artistas trabalhavam com litografia ali?
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Você chegou trabalhar com esta técnica durante seu tempo de viagem?
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Na década de 50, quando ganhei o Prêmio de Viagem ao Exterior, fui para Viena.
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Lá, havia uma grande oficina de litografia no Kunchtondbe Museum, onde eles tinham
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uma grande prensa. Fui com a intenção de aprender litografia. Achava que não conhecia
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esta técnica o suficiente. O professor responsável por este ateliê era um austríaco. Nós nos
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comunicávamos em italiano. Ele me disse: “Você não tem nada o que aprender sobre lito-
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grafia. Você já sabe litografia!”. Claro que ele se referia à litografia tradicional, mas eu
estava interessado em uma outra abordagem. Fui, então, para Roma. Na época havia artis-
tas que publicavam seus trabalhos em litografia e estas tiragens me deixavam enlouquecido
porque ultrapassavam as quinhentas provas. Picasso, nesta época, também editava grandes
tiragens em litografia. Chegando em Roma, fui procurar quem responsável por estas tira-
gens. Este era o professor Castelli. Ele possuía uma estamparia própria. Fui conversar com
ele e fiquei surpreso.
Eu disse que estava interessado em fazer uma tiragem de cem copias em litografia
colorida de um desenho a pastel que havia levado. Ele me cobrou 500 dólares pelo traba-
lho. Isso naquela época era muito dinheiro. Era todo o prêmio que eu havia recebido. Mas
eu via as litografias daqueles artistas, com doze, quinze cores e ficava abismado. Queria de
qualquer maneira saber como era. Disse: “Tudo bem. Vamos fazer a litografia.”. Ele, que
era um sujeito grande, gordo, disse: “O Sr. me dá 200 dólares de adiantamento...”. Eu per-
guntei: “Quando começaremos a trabalhar?”. E ele respondeu: “Ah, não. Você deixa esse
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desenho aqui, eu vou pensar como reproduzir este desenho, usar “tudo aquilo que for ne-
cessário, pois a litografia do oitocestos não me interessa nem um pouco”. Ou seja, ele iria
usar fotolito, silk-screen, litografia... Então, as litografia que ele fazia para aqueles artistas
eram uma mistura de técnicas enorme, que lançava mão inclusive do fotolito. Assim, ele
fazia litografias com vinte cores, em tiragens enormes... Aquilo tampouco me interessava!
A litografia que eu pensava que ia encontrar na Europa, não existia! Quando o aus-
tríaco me disse que eu não tinha nada a aprender em litografia, ele se referia àquilo que o
Senefelder havia descoberto, ou seja, à litografia industrial, o que o Bacalhau sabia. Mas o
professor Castelli não me ensinou o que eu queria saber sobre litografia, porque o que ele
utilizava não era uma litografia pura. Eu, com a influência que tinha de Goeldi, achei aqui-
lo um absurdo. “Isso é um blefe!”, pensei.
Depois disso, eu parei de desenhar e de pintar e fiquei um ano sem fazer trabalho
nenhum de arte. Viajei por diversos países da Europa, conheci diversas cidades e, em Bo-
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lonha, eu conheci Morandi. Ele, por uma questão de economia, gravava em zinco. Um
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amigo meu, que era ex-aluno dele, Manfredi, falou para o Morandi que eu era um brasilei-
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ro que estava interessado em prensas de gravura em metal, o que não era verdade. O que
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eu queria era conversar com aquele grande artista, pois me encontrava numa situação de
- Certificação
Ele era muito tímido, um sujeito difícil de conversar, mas todos os domingos eu
PUC-Rio
era um homem rico. Nesses encontros houve uma situação muito curiosa. Na época havia
uma grande polêmica em torno do Tachismo em Roma. Alguns defendiam os trabalhos
figurativos, outros os não-figurativos e havia grandes discussões. Num desses debates, um
defensor do tachismo gritou para um adversário: “Arranque este bigode da sua cara!”. Ou
seja: deixe de ser primário, nós não estamos mais na época de usar bigodes. Eu levei esta
problemática para Morandi, que era um figurativo, pois eu vivia um dilema nesta época.
Ele me disse: “precisamos reencontrar a confiança na natureza”. Nós estávamos diante de
uma janela, onde víamos umas árvores. Eu perguntei: “Nesta que nós vemos?”. Ele res-
pondeu: “Não na que vemos, mas na que acreditamos”.
Compreendi, então, que uma maçã de Cézanne é uma maçã-pintura, ali dentro tem
toda uma forma de expressão abstrata. O que faz de Rembrandt, de Cézanne, de Morandi,
de Renoir, de Lautrec grandes artistas é essa compreensão da abstração da expressão figu-
rativa. Desse momento em diante foi que eu voltei a desenhar. Depois disso é que veio
190
minha série sobre as cidades. Fiz algumas gravuras e desenhos realmente abstratos, apenas
com linhas...
vamente a coisa não engrenou. Finalmente, Élcio Motta, que era um sujeito com um gran-
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outros ateliês particulares e institucionais que foram surgindo realizaram uma inovação
- Certificação
muito grande na litografia. Esta técnica passou a ser cultivada por artistas, de maneira mais
PUC-Rio
espontânea que aquela rigidez técnica toda que o uso industrial pregava. O Otávio Pereira,
PUC-Rio
trazendo sua experiência de fora do Brasil, foi um sujeito fundamental no começo dessa
renovação.
De fato, os artistas foram responsáveis por grandes inovações técnicas na história
da gravura. Vejamos o seguinte: A água-tinta foi descoberta pelos ingleses, que escondiam
aquela formula. Rembrandt, quando queria dar uma camada de cinza numa superfície,
simplesmente deixava menos limpa aquela parte da matriz, porque ele não sabia fazer á-
gua-tinta. O artista tem que se virar. Outro exemplo é o Piranesi. Eu estive com as suas
chapas na Calcografia de Roma. E era um grande mistério para mim, como ele conseguia
abria linha tão grossas em água-forte. Então eu descobri: no interior nas linhas gravadas,
ele gravava a ponta-seca, de modo que a tinta ficasse retida ali e não saísse no momento
em que ele limpava a chapa para imprimir. O artista é sempre um ser inventivo e, usando
as palavras de Goeldi, o que um artista inventa não servirá para outro artista, apenas para
ele.
191
8.4
Entrevista com Guilherme Rodrigues e Gláucia Altmann, da Lithos Edições
de Arte
I
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Gostaria que você falasse um pouco sobre a proposta da Lithos Edições de Artes.
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Minha escola vem da indústria gráfica. Embora tenha feito um curso de ouvinte na
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Escola de Belas Artes, tudo o que eu aprendi sobre artes gráficas foi com o meu pai. Ele
- Certificação
foi cromista litógrafo da indústria gráfica, que, na época, era a litografia. Até o começo do
PUC-Rio
século passado, quando houve uma evolução muito grande na indústria gráfica, tudo era
PUC-Rio
feito em litografia. Quando foi implantada a retícula fotográfica, com as quatro cores que
reproduziam a imagem através da fotografia, o cromista litógrafo, que fazia aquilo manu-
almente, parou de desenhar.
Meu pai aprendeu a preparar a tinta com um suiço que foi professor dele em Belém
do Pará. Todos os dias, ele tinha que chegar ao ateliê antes do professor para preparar a
tinta. Ele depositava um bocado de tinta pastosa nas bordas de um pires, colocava um pou-
co de água no centro e, girando aquilo, ia dissolvendo gradualmente a tinta na solução, até
ficar no ponto ideal para o trabalho. Meu pai dizia que, quando não fazia direito, o alemão
dava-lhe uns tapas no pé do ouvido! Depois, eu tive que fazer isso para o papai. Ele não
me dava os tapas que levou, mas, caso eu me distraísse do trabalho, me dava uns puxões de
orelha contra os quais eu, com aquela tralha na mão, não podia me defender! (Risos).
A indústria litográfica, desde sua origem, tinha as seções subdividas. Havia o dese-
nhista litógrafo, o transportador... Este preparava a pedra e transportava o desenho para
uma pedra maior que iria ser impressa na máquina plana litográfica, como a Marinoni que
192
nós temos aqui. Além destes, havia o impressor, que tinha que tocar o trabalho, do início
ao fim, dentro daquela qualidade que foi tirada na prova pelo transportador. O transporta-
dor tirava a prova na prensa Krause. Esta nunca foi prensa de fazer tiragem, sempre foi
uma prensa de prova e de transporte. Outra figura importante era o ponçador, que prepara-
va as pedras litográficas para o gravador. As pedras deveriam ser preparadas com diferen-
tes texturas, variando da mais porosa à completamente lisa dependendo do tipo de utiliza-
ção: desenho a lápis ou crayon; desenho a bico de pena, ou gravação a buril.
Durante o século passado houve a substituição da pedra pela chapa de zinco e de-
ram a isso o nome de “zincografia”. Do zinco, houve a transição para o alumínio. Depois,
para a chapa preparada para receber a fotografia, primeiramente feita com albumina – ou
seja, clara de ovo, e uma parte de bicromato de amônia, que misturadas dão uma substân-
cia sensível à luz – em seguida substituída pela chapa pré-sensibilizada. Todos estes são
um processo químico: primeiramente feito na pedra, depois na chapa de metal; enquanto a
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gravação passou a ser feita através da camada foto-sensível preparada nos estúdios para ser
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impressa em prensas off-set. Agora, nós temos o CTP, computer-to-plate, que leva a ima-
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Porém, quando Senefelder, lá atrás, descobre a litografia, diz que inventou o pro-
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cesso químico. Ele chamou de litografia por causa do calcário, que ele estava pesquisando.
- Certificação
Na verdade, o processo litográfico engloba todos esses processos subseqüentes. Até hoje,
PUC-Rio
entre água e gordura. Às vezes fico bobo: vou ver máquinas moderníssimas, que impri-
mem com oito castelos de cor, e lá está a água. Só que agora sofisticaram: a água é gelada.
Mas é ainda: água e gordura. Por isso eu digo que ainda é litografia.
A nossa escola, aqui, sempre foi dar aos artistas o conhecimento técnico que nós
temos da indústria litográfica, mesmo na serigrafia; pois, aparte o momento da impressão,
na serigrafia, não muda muito o nosso sistema de trabalhar: em ambas nós trabalhamos a
partir do processo de seleção de cores conforme realizado na antiga indústria litográfica.
Entre 1968 e 1972, mais ou menos, nós tivemos o atelier no Museu Histórico Na-
cional. Em 1964 eu tinha dezoito anos. Mas antes disso, eu já trabalhava com papai e meus
irmãos também. Nós já trabalhamos com papai quando ela atuou como orientador técnica
para Raymundo Castro Maya, antes do atelier do Museu..
193
Quando nós éramos pequenos, papai já nos mandava limpar pedras litográficas. Na
verdade eu não me lembro de outra coisa na minha vida que não seja trabalhar com artes
gráficas. Houve uma época em que eu queria matar meu pai! (Risos). Imagina você: eu
tinha dezesseis anos, meu pai desmontou um prensa Marinoni dessas completamente e
mandou eu lixar peça por peça, até retirar completamente a pintura antiga, para depois
pintar de outra cor. Eu passei mais de um mês lixando aquela prensa toda! Hoje eu agrade-
ço, pois graças a isso sei montar e desmontar essa máquina livremente. Ela é muito bruta,
mas, ao mesmo tempo, muito sensível: se o rolo se deslocar um pouquinho para o lado dá
falhas na impressão. Gláucia se especializou na parte de gravação de matriz. Genaro e eu
aprendemos tudo sobre impressão.
Vocês tiveram uma oficina no Museu Histórico Nacional. Como foi montado este ate-
lier? Que trabalhos foram feitos ali?
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de restauração do Museu era o professor Del Negro. Quem pediu pra ser cedido um espaço
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para instalar o ateliê, foi o Renato Soeiro, que era presidente do Patrimônio Histórico, na
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época.
- Certificação
çou em 1969 e foi até 1971. Quando nós o fizemos, o Patrimônio deu um voto de louvor
na ata de uma reunião. Isso deve estar ainda contido em uma das atas do Patrimônio Histó-
rico daquele ano. É claro que ninguém instalaria um ateliê no Museu sem ter uma autoriza-
ção para isso, também. E, veja bem, a gente estava entrando, nessa época, na barra pesada
da ditadura.
O Museu estava em reforma. Seu diretor era um comandante da marinha. Chama-
va-se Comandante Leo Fonseca e Silva. Quando foi solicitada e cedida a sala para a ofici-
na, não havia espaço no Museu para instalá-la. O Comandante, então, pegou um quadro
daqueles grandes que estão no Museu – a “Batalha do Riachuelo”, de Victor Meireles – e o
arrastou cinco metros para frente. O quadro ocupava toda a parede de fundo de uma sala
do Museu, que tinha oito metros de comprimento pela altura do pé-direito. Com o quadro
ele criou uma parede! Naquele vão, nós instalamos o ateliê.
A janela dessa saleta dava para o pátio interno dos canhões. Havia um espaço for-
mado entre o fundo da sala e o fundo do quadro. Mas, como se chegaria àquele lugar? Pen-
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saram: “Vamos fazer uma porta nessa parede, porque ela vai dar no ambulatório”. Nessa
época o Museu tinha um ambulatório, com enfermeira, médico, etc. Imaginou-se que, fu-
rando essa parede, se abriria uma entrada através dele. Quando o fizeram, no entanto, des-
cobriram que entre aquela sala e o ambulatório havia uma outra sala, que estava fechada.
Era um buraco. E ali dentro estava uma das pedras litográficas do Mapa! (Risos).
Portanto, uma das pedras do Mapa Architectural da Cidade do Rio de Janeiro foi
achada, por acaso, por nós.
Ela estava presa naquele vão, toda suja de cimento. Deve ter ido parar ali durante
alguma reforma, na qual fecharam aquilo daquela maneira. As outras estavam no Museu
mesmo, embaixo, logo na entrada, onde há um arco. Ali dentro havia um grande salão on-
de grande parte do acervo estava guardada durante as obras.
Fizeram, então, uma outra porta que levava dessa saleta para o ambulatório, final-
mente. Testemunhas disso, que foram lá várias vezes, são Ricardo Cravo Albin e Thereza
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Miranda. Estiveram ali também Pedro Nava, Afonso Arinos, o arquiteto Henrique Min-
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dlin, o Aloísio Magalhães, criador da ESDI. O Aloísio teve, inclusive, uma litografia im-
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ção do Mapa e deram uma verba para a reimpressão. A verba, entretanto foi dada com uma
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condição: O Coronel de Brasília, deu trinta dias para que fosse feito o trabalho ou devolvi-
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do o dinheiro. Aí, nós ficamos com medo. Esse foi um trabalho que levou um ano e meio
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sendo feito e nós sabíamos, então, que seria uma tarefa demorada. Não aceitamos essa
condição do Patrimônio. Quem financiou realmente o trabalho foi o arquiteto Henrique
Mindlin, que faleceu em 1971, sem vê-lo pronto.
O Mapa, desenhado por Rocha Fragoso, em 1874, não apenas como trabalho gráfi-
co, mas como trabalho de arquitetura – e isso dito por Lúcio Costa, Oscar Niemeyer – é
um negócio espetacular. São fachadas rebatidas numa escala de 1/800, as duas fachadas
das ruas. Imagina você, o sujeito desenha número de casa, linha de bonde, enfim, todo esse
trabalho que foi passado, depois, para um gravador. Essas pedras são gravadas a buril!
Imagina um gravador ter de fazer um trabalho desses sem poder errar nem um milímetro,
por causa daquela escala! Veja você que naquele mapa há pessoas desenhadas sentadas no
banco, com cachorro do lado e guarda-chuva! Ele levou, se eu não me engano, três anos
fazendo esse trabalho.
Quando nós descobrimos isso, não sabíamos o que era. Mas também o que nós en-
contramos foi apenas uma das pedras, ou seja, uma parte de um mapa. Então, nós chama-
195
mos Pedro Nava para ver o que era aquilo. Afonso Arinos e Henrique Mindlin foram com
ele. Lembro-me direitinho do Nava com a mão na cabeça dizendo: “A planta do Fragoso!”.
Nós funcionamos no Museu pelo menos durante três anos. Esse foi, com certeza, o
trabalho mais importante e também o mais demorado que nós fizemos naquele atelier. A-
lém deste, outra coisa importantíssima que nós fizemos ali foi o “Pôster-poema”, com os
poetas Mário Lago, Reinaldo Jardim, Gian Calvi, Heitor Humberto de Andrade. “Pôster-
poema” eram os poemas e as ilustrações impressos em uma mesma folha. Na ocasião da
oficina no Museu, papai ainda era bem ativo.
Quando surge a Lithos Edições de Arte? O pai de vocês chegou a trabalhar aqui?
Nós viemos pra cá em 1971, logo depois da morte do Mindlin. Em 1973 nós fun-
damos a Lithos, mas antes nós já estávamos aqui.
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Lá atrás havia dois quartos. Nós os alugamos. Trabalhávamos com uma prensa de
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mão. A prensa elétrica que nós tínhamos ficou guardada em um depósito, porque nós não
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tínhamos espaço aqui pra ela. Em 1974, nós já estávamos na casa toda. Mas antes um pou-
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co o papai adoeceu. Eu o trazia aqui, aos sábados, aos domingos... O papai teve uma doen-
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ça de esclerose muito triste porque, eu acho, ele entendia o que nós falávamos mas não
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conseguia se expressar. Quando ele vinha aqui, via algum trabalho e ficava muito nervoso,
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apontava agitadamente para as coisas, como se estivesse vendo um erro. Mas ainda assim
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ele gostava de vir aqui. Eu dava pra ele material de desenho, mas ele já não tinha coorde-
nação. Ele faleceu em outubro de 1974.
Como eram divididas as tarefas na época em você e seus irmãos Genaro e Gláucia
trabalhavam aqui?
Em um final de semana, em 1986, meu irmão decidiu parar de trabalhar. Foi embo-
ra e eu comprei a parte dele. Gláucia ficou comigo. E continua. Houve apenas que nosso
ritmo de produção diminuiu. Nós estamos precisando descansar um pouco também.
Gláucia, gostaria que você falasse um pouco sobre a origem da Lithos, sobre seu tra-
balho aqui e sobre seu aprendizado com seu pai.
Gláucia: Sempre estive mais próxima da parte de seleção de cores. Tanto na litografia,
quanto na serigrafia. Os artistas – pintores e desenhistas – normalmente não dominam essa
parte técnica específica da litografia e da serigrafia. Não sabem preparar o filme, posicio-
nar uma cor sobre a outra para preparar a sobreposição delas. É complicado para um artis-
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ta, por exemplo, fazer uma seleção de dezoito cores para uma gravura.
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Guilherme: Acho que há uma diferenciação entre os artistas com os quais trabalhamos.
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Existem alguns, como o Scliar, que conhecem gravura profundamente, têm intimidade
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Guilherme: Outros artistas exigem o trabalho da Gláucia, que, através de um estudo pre-
parado por aquele artista, ou de uma fotografia, executa a transposição daquela obra para a
serigrafia, ou para a litografia. Este é um trabalho técnico, o qual, os artistas, naturalmente,
não dominam. É um trabalho que exige uma experiência enorme.
Gláucia: Eu, por exemplo, jamais seria capaz de fazer o que meu pai fazia: a perícia, a
delicadeza e o rigor que compunham aquelas impressões maravilhosas, de não sei quantas
cores. Aquilo era uma outra época. Papai tinha um amigo, o Sr. Machado, que gravava a
buril sobre a pedra, para fazer impressões comerciais: cheques, títulos de banco...
Guilherme: O tempo era outro: eles, às vezes, levavam seis meses preparando um desenho
para fazer uma caixa de charutos.
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Gláucia: As litografias que nós fazemos aqui, também bastante trabalhosas, são, em com-
paração com estas, menos rigorosas, mais livres, mais ágeis. Não desenhamos mais aque-
las letras que eram, antes, feitas por caligrafistas, profissionais especializados nessa tare-
fa... Naquela época, cada pedra era trabalhada por diversos profissionais. Havia um que
fazia a caligrafia, outro que preparava os cromos. Eles iam passando as pedras de um para
outro.
Guilherme: Havia um apetrecho interessante, próprio da industria gráfica, que nosso ir-
mão Genaro, se não me engano, vendeu para o Antonio Grosso, quando saiu daqui. Era um
bastidor de madeira que emoldurava uma película de borracha menor. Entre a borracha e o
quadro, havia uma folga. Fazia-se a impressão de uma pedra sobre aquela borracha e de-
pois se esticava seus lados até o limite do quadro. Com este aparelho, aqueles homens fazi-
am as ampliações das imagens! Era possível ampliar uma imagem ao dobro de seu tama-
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Gláucia: Desde crianças nós víamos papai trabalhar. Na casa onde morávamos, na qual
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nós nascemos, na frente, ficava o estúdio de fotolito que papai montou. Era na Rua Lúcio
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de Mendonça, aqui na Tijuca. Ali, ele gravava filmes para diversas gráficas do Rio de Ja-
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neiro, em uma época em que o fotolito estava ainda começando a ser difundido na cidade.
Eu morei nessa casa até ter uns dez, onze anos.
Guilherme: Quem era sócio do papai, nessa oficina era o Sr. Machado, que foi diretor
técnico da Gráfica Lord. Ele faleceu também. Era muito bom profissional. Machado gra-
vava apenas em preto e branco, enquanto papai era cromista.
Houve, nessa época, a passagem das matrizes de pedra desenhadas para a fotogra-
fia. Eles, então, montaram o fotolito. Na década de 30, papai montou a oficina litográfica
no Ministério da Educação. Nesta oficina foi feita uma série grande de gravuras do Porti-
nari. Em 1939, Portinari fez uma exposição nos Estados Unidos e levou para lá estas lito-
grafias. Nós estamos com um projeto de reeditar estas gravuras. Em 1946, quando nasci,
papai já havia saído do Ministério da Educação.
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Gláucia: No Ministério da Educação, papai tinha uma oficina para trabalhos comerciais
em litografia. Porque, nessa época, a litografia era ainda utilizada para reprodução de ima-
gens. Ali era atendida toda a demanda gráfica do Ministério.
Guilherme: Mas o velho já tinha a idéia de fazer trabalhos mais elaborados, com uma
concepção mais artística. Gustavo Capanema era o ministro. Aquela foi uma época de
grande revolução cultural no Brasil. Afonso Arinos, Rodrigo de Melo Franco de Andrade e
Carlos Drummond de Andrade faziam parte do gabinete. Drummond e Rodrigo convida-
ram papai para montar essa oficina no Ministério da Educação. Mais tarde, todas as ofici-
nas dos órgãos públicos se incorporaram à oficina da Imprensa Nacional. Papai chegou a
trabalhar na Imprensa Nacional, mas saiu, dizendo que ali não era possível fazer o trabalho
que ele estava fazendo no Ministério.
Logo depois disso, ele montou o ateliê na Rua Lúcio Mendonça. Mas, eu não sei
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Gláucia: Papai não era um empresário. Era um artesão-artista. É difícil, para um artista,
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comandar uma firma. Entre 1949 e 1952, papai montou o “Estúdio Gráfico Brasil”.
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Guilherme: Esta era uma gráfica propriamente dita, que trabalhava com prensas de off-set
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Gláucia: Papai era tão perfeccionista que, neste serviço, além das quatro cores em fotolito
do desenho do Debret, que seriam impressas no off-set, ele fez, a mão, outras matrizes de
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off-set, para sobrepor a estas impressões e providenciar toda aquela leveza de nuances de
tons.
Guilherme: Na verdade, ele não selecionou as cores em fotografia, como poderia ter feito
naquela época, pois já havia tecnologia para isso: Ele desenhou cada cor em papel vegetal,
depois fotografou estes desenhos, reticulou-os e imprimiu em off-set.
Gláucia: Porque aquele já era um trabalho realmente comercial. Era, inclusive, um traba-
lho que deveria ter uma tiragem muito grande.
to que o papai tinha da litografia, entretanto, ele melhorava os trabalhos, desenhando a mão
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as matrizes de cor.
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Gláucia: E é o que nós ainda fazemos aqui: Com o conhecimento que temos, usamos o
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resultados.
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No começo da década de 1960, antes do Golpe Militar, papai foi trabalhar na área
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Gláucia: Eu já estava de volta ao Brasil, mas havia ido morar em São Paulo. Meu marido
era correspondente do “Estado de São Paulo”. Em 1973, meu marido faleceu e desde então
trabalho aqui. No ano passado, tive um “pirepaque” e me afastei um pouco, porque tam-
bém já trabalhei demais. Agora vivo no interior e venho para cá vez ou outra. Quando tem
um trabalho muito difícil, Guilherme me chama.
Gláucia, você cursou uma escola de artes? Quais foram suas experiências fora da
Lithos?
Gláucia: Em 1970, havia uma escola de artes na Urca, onde o Iberê Camargo dava aulas.
Comecei a fazer pintura com ele, que era muito amigo do papai. Papai era extremamente
exigente. Iberê, mais ainda. Um trabalho meu que eu achava lindo eles diziam: “Está um
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horror!”. Esse tipo de coisa vai deixando a pessoa muito complexada. Não era possível que
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um trabalho que as pessoas elogiavam, eles arrasavam. Com isso eu fui deixando de fazer
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pintura.
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Recentemente, voltei a pintar. Passei esses trinta anos trabalhando com um monte
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de artistas e absorvendo a técnica deles. Uma vez, resolvi fazer uma gravura aqui. Fiz. Fi-
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cou linda. Quando terminei, quase levei para o Scliar assinar (risos) porque era exatamente
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como o trabalho dele! Depois, fiz uma outra que ficou igual ao José Paulo Moreira da Fon-
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seca, porque havia feito uma série de vinte trabalhos dele. Você quer tirar aquilo da sua
cabeça mas não consegue! Agora, disse para mim mesma: “Isolada de todos, vou tentar
criar alguma coisa que não tenha influência de ninguém”.
Gerchman me incentivava muito a criar, mas é difícil, pois estive condicionada du-
rante minha vida toda a um trabalho muito técnico. Era um trabalho também muito delica-
do. Um artista deixava um original em guache, ou mesmo em aquarela para ser reproduzi-
do em serigrafia: A serigrafia é uma técnica muito dura, então é preciso um conhecimento
e uma sensibilidade enormes para dar à obra a leveza que o original possui.
Artistas como o Scliar, já trabalhavam pessoalmente com serigrafia. O Gerchman,
também, praticamente fazia tudo diretamente. A única coisa que acertávamos eram as co-
res. Outros ainda vinham para cá, nós testávamos as cores: “É isso mesmo que é para ser
feito?”. Thomas Ianelli, por exemplo, que é um aquarelista, dizia: “Jamais eu havia pensa-
do em fazer uma serigrafia, porque para mim era impossível transportar a linguagem da
aquarela para esta técnica”. Ele veio e nós fizemos a serigrafia: foram necessárias vinte e
201
tantas cores, mas saiu! Esse é um trabalho que me encanta porque é um desafio muito
grande: encontrar a cor que o artista quer!
No trabalho de Ianelli, nós partimos de um original, mas, no decorrer do processo,
abandonamos aquele modelo e seguimos em frente. Nós íamos acrescentando cores até
chegarmos onde ele queria. Ele ficou maravilhado com o resultado. Mandou fazer outro,
mas, infelizmente, faleceu antes de o realizarmos.
Gláucia: Até porque, o trabalho depende de uma série de decisões que são tomadas na
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hora, durante o processo de realização. Esse tipo de obra deve ser considerado um original,
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porque o artista trabalha junto conosco, eu não estou fazendo uma cópia do seu trabalho.
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II
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Gostaria que você falasse um pouco sobre os trabalhos que vocês desenvolveram a
partir do uso do CTP.
ou o triplo disso.
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O CTP é uma chapa de alumínio mais fina e muito mais lisa que a convencional. O
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que ocorre quando tem água demais? Não dá certo. Fica muito molhada, a tinta não pega
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direito. Levou algum tempo até que nós contornássemos essa questão.
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O que nós pesquisamos foi como pegar uma chapa dessas, produzida por uma tec-
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nologia de ponta, e imprimir numa máquina do século XIX. Nós não fizemos nada mais do
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que descobrir a quantidade exata de água e a quantidade exata de tinta. A pedra litográfica,
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rência: o desenho original foi escaneado, e o scanner registrou o que estava ali no trabalho.
Com aquilo foi gravada a chapa. Todas aquelas “poeirinhas” que você reparar naquele
trabalho já estavam lá, no desenho original em carvão.
Qual é o nome que se vai dar a isso? Alguns gravadores vão brigar, eu penso. Vão
falar: “o gravador grava e tira a sua prova...”. De repente chega o artista contemporâneo, o
rei do computador, vai ali, grava, e a gente imprime no mesmo processo antigo. Mas acho
que isso é uma abertura. E não deixa de ser gravura, embora seja gravado por processo
digitais. A matriz foi gravada, porque isso aqui é gravado de uma forma como se fosse a
gravação do crayon litográfico, ou seja, de modo que possa receber tinta gordurosa e a
outra parte receber água e imprimir: o nome disso é Litografia
O contato com esses artistas está sendo feito em parceria com o fotógrafo e produ-
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tor cultural Iuri Frigoletto. Tunga é meu amigo há muito tempo. Cildo Meireles já traba-
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lhava conosco desde os anos 1970... A parceria com esses dois já lhe dá um estofo para
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fazer o contato com outros artistas contemporâneos. Além disso, a própria experiência com
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o CTP abriu as portas para o trabalho de outros, como Damasceno, Senise, Ernesto Neto...
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Iuri estava voltando dos Estados Unidos. Foi à galeria onde nós estávamos expon-
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do, aqui no Rio, me perguntando sobre o CTP e, depois, nos propôs essa parceria. Nós
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topamos. Isso foi ótimo porque abriu novas possibilidades de trabalho, inclusive no exteri-
or.
Vocês estão utilizando uma tecnologia de ponta, e como toda tecnologia digital, ela
está sujeita a se tornar, muito rapidamente, obsoleta. Existe a possibilidade do CTP
ser substituído por outro processo de impressão em pouco tempo?
Não, eu acho que essa tecnologia não vai sair de mercado assim tão rapidamente,
até porque é um investimento muito grande. Você imagina, a Gráfica Minister comprou
uma máquina agora que custou dois milhões de euros, para trabalhar com essa tecnologia.
Fora a de gravação, que custou meio milhão de dólares. Então há de ter um tempo para que
ela se acomode no mercado.
Pode. O problema vai sempre se resumir à “água e tinta”. Se secar depressa de-
mais, você vai perder o trabalho, ou seja, tem que ser rápido: passou água, entintou, im-
primiu.
A chapa de CTP pode passar por um forno que aumenta consideravelmente a capa-
cidade de impressão da chapa. As chapas com as quais nós trabalhamos não passam pelo
forno. Quando a placa passa pelo forneamento, a imagem fixa de tal forma que você pode
tirar meio milhão de cópias. Sem ele, a chapa suporta uma tiragem de 200 mil cópias, o
que já ultrapassa em muito a nossa necessidade. Não passando pelo forno a placa admite o
uso de um recurso: um corretor que permite apagar o que não se quer. O artista pode, desta
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maneira, continuar agindo naquela matriz. Não adicionando, mas retirando. Mas, o retirar,
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O preço do trabalho vai depender de muitas coisas, porque não é apenas o custo de
PUC-Rio
gravação de chapa, a gente aqui corre um risco muito grande. Eu fiz um orçamento agora
para a impressão de um trabalho, em um papel de rolo que custa R$ 1.200 o rolo com dez
metros. E se a impressão não der certo, depois de tudo feito à mão? Então o nosso custo
não é só esse custo gráfico industrial. Entra todo esse custo inicial e mais a possibilidade
de vinte por cento, às vezes, a mais de papel, para garantir uma margem de erro. Nós esta-
mos falando é de papeis que custam 25 reais a folha, por exemplo. Já aconteceu de dar
problemas, durante a feitura do trabalho, que às vezes nem são problemas nossos. São mui-
tos detalhes em jogo. Além do custo inicial, existe um risco sempre presente.
Todos os trabalhos são feitos sob a consulta do artista. Eles foram levados ao artista
que verificou os acertos que deveriam ser feitos.
A gravura do Tunga, por exemplo, depois de escaneada e tirada a primeira prova,
foi levada a ele que decidiu o que deveria mudar, o que deveria ficar, aquilo que precisava
ser acentuado e o que precisava ser abaixado. A Lúcia Mindlin fez uma montagem no
205
computador a partir de fotografia, o Iuri Frigolletto também. Mas há um campo todo a ser
explorado, depende agora do artista.
O Iuri estava me falando que, quando ele foi apresentar o CTP a esses artistas, eles
acharam que uma tiragem de 150 exemplares era muito grande e quiseram trabalhar
com tiragens bem menores. Como foi isso?
Esta é uma questão de mercado: a tiragem menor simplesmente valoriza mais cada
exemplar. Mas, quando você tem um mercado sólido, uma tiragem de cem exemplares é
muito pequena. As tiragens que nós fizemos foram de trinta, quarenta cópias.
Sim, mas, uma vez que o artista numerou a tiragem e assinou, mesmo que queira
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repetir eu não faço. Porque amanhã, o comprador de uma gravura com uma tiragem de
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tantos exemplares vê outra com uma tiragem diferente, ou o mesmo exemplar de uma ou-
Digital
O que pode ser feito é acrescentar algo, retirar alguma coisa: fazer outra gravura a
- Certificação
Essa prensa veio da gráfica Muniz, uma gráfica aqui do Rio, que trabalhava com
litografia. Nós a compramos entre 1974 e 1975, logo depois de nos mudarmos para cá. Nós
chegamos a ter duas outras prensas elétricas, vindas da Bahia, que o meu irmão vendeu,
quando desfizemos a sociedade.
Até a década de sessenta, muitas gráficas ainda trabalhavam com essas máquinas.
Havia uma gráfica enorme, chamada “Gráfica Época”, que empregava essas máquinas
para imprimir outdoor. A Época, assim como inúmeras outras gráficas, “quebrou” e ven-
deu seu equipamento todo para o ferro-velho.
Tenho outra prensa dessas que está guardada no depósito de um amigo meu. De
vez em quando eu vou lá visitá-la. Veio do interior de São Paulo, é uma máquina alemã,
ainda não consegui descobrir se ela é anterior a essa ou não. Está desativada. Eu queria
comprá-la há muito tempo, mas o dono não queria vendê-la. Há dez anos atrás, aproxima-
206
damente, telefonei novamente e o homem disse que a venderia, finalmente. Pretendo colo-
cá-la para funcionar em breve, só para movimentá-la. Se tivéssemos produção, montaria as
duas. Nos Estados Unidos há um ateliê que tem quatro máquinas destas montadas.
Pode-se fazer, nesta prensa, a sobreposição das chapas ciano, magenta, amarela e
preta, conforme se faz na impressora off-set?
Claro. Não vai sair igual àquela impressão feita na off-set, porque é uma prensa
diferente, mais lenta. A cópia, entretanto, certamente sairá com maior vigor de tinta. Essa,
porém, já não é uma máquina própria para imprimir cartazes e folhetos comerciais. Ela não
tem rapidez de produção para isso.
Quando entrou a tecnologia fotográfica, deixaram de fazer a seleção de cores em
pedra. A imagem era gravada na pedra ou na chapa de metal através da retícula fotográfi-
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ca, o que acabou com a profissão do meu pai. Antes de serem impressas nas máquinas off-
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set, essas chapas reticuladas fotograficamente eram impressas nessa máquina. A impressão
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era perfeita. Hoje, é claro, a precisão das máquinas off-set é muito maior. Mas, a impressão
Digital
O litógrafo, naquela época, imaginava quantas cores ele precisaria para fazer um
- Certificação
cromo. Se ele quisesse fazer com trinta cores, gravava trinta pedras e imprimia trinta vezes.
PUC-Rio
É rápida. Nós fazemos algumas cópias de teste e quando está pronto, essa máquina
imprime onze provas em um minuto. São mais ou menos 600 provas por hora. Mas nós
fazemos um pouco mais devagar.
III
Qual seria, na sua opinião, o interesse de se imprimir o CTP nesta prensa do século
XIX, uma vez que isso poderia ser impresso na máquina de off-set?
Uma diferença grande da litografia para o off-set, quando você imprime, é a se-
guinte: por necessidade de velocidade da máquina de off-set – tanto que os prelos de prova
não são assim – foi criado o “cauchu”. A máquina off-set trabalha com três cilindros. Em
um cilindro posiciona-se a chapa. O outro, roda com o papel, é o “contra-pressão”. O do
meio tem uma borracha, é o chamado “cauchu”. A chapa é entintada, decalca na borracha,
a borracha, então, transfere para o papel. Quando você grava uma chapa para o off-set,
portanto, você grava na direita, ela transfere para a esquerda e, em seguida, transfere no-
vamente para a direita, no papel. No nosso caso, a impressão é plana e direta. Você grava a
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chapa na esquerda e ela transfere na direita. A própria impressão é direta: a placa recebe a
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tinta e transfere diretamente para o papel. Com isso, a camada de tinta depositada é mais
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generosa.
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Além disso, em relação ao uso das retículas randômicas, você não conseguiria fazer
- Certificação
uma gravura com a do Tunga com as retículas convencionais. Você sente a diferença por-
- Certificação
que, nestas, o meio-tom é obtido através de uma graduação mecânica, que obedece a um
PUC-Rio
exemplo, você consegue uma graduação de tonalidade menos rígida, porque independente
daquele ponto mecânico.
deria ser feito tanto a partir de uma iniciativa estritamente particular, quanto como um pro-
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jeto de interesse estatal, o que eu acho mais difícil. O ideal seria fazer um museu vivo:
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tendo o equipamento, recebendo escolas, tendo artistas produzindo aqui e realizando ofici-
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nas... Essa casa ao lado é minha também. Poderia derrubar a parede divisória, abrir um
- Certificação
salão, fazer ateliês e receber alunos em convênios com várias universidades, inclusive do
- Certificação
exterior... Existem universidades na França que têm até hospedaria: o aluno vai para lá,
PUC-Rio
Nós poderíamos até trabalhar com essas técnicas, porque existem recursos que
permitem essa utilização. No ateliê do Museu Histórico Nacional, nós fizemos um traba-
209
lho, acho que para o xilogravador Zé Barbosa em que tirávamos uma prova da xilo feita
por ele, em papel transparente, e usávamos como positivo fotográfico, para criar uma ma-
triz de serigrafia a partir da xilo, como todas aquelas ranhuras, aquilo tudo. Tirávamos a
prova, criávamos um positivo fotográfico, copiávamos em uma matriz de serigrafia para
imprimir numa quantidade maior. Porque você fazer duzentas cópias em xilogravura entin-
tando aquilo, uma por uma, era uma demora muito grande.
Houve ocasiões em que nós misturamos a gravura em metal com a serigrafia. Cada
técnica tem os seus recursos. Mesmo na chapa de off-set gravada por meios fotomecâni-
cos, o artista pode criar na fotografia, depois ele pode trabalhar no positivo ou no negativo,
raspando coisas, limpando, depois gravando a chapa, rebaixando a chapa com materiais
apropriados, Enfim, essa técnica permite um processo de trabalho propriamente dito, como
o da gravura em metal.
Eu, aliás, já imprimi gravura em metal também. Uma vez, fui fazer uma edição
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para a Vera Mindlin, esposa do Henrique. Na primeira impressão deu uma nuvem, que não
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era da gravura, era uma mancha que apareceu por acaso. Era como uma névoa, uma coisa
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bem aguada. E ela queria aquilo em todas as provas. “Mas, não dá, Vera!”, eu dizia. “Mas,
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Esse foi o motivo pelo qual eu nunca mais imprimi gravura em metal e nem pensei
- Certificação
em montar nada de gravura em metal. Enquanto, na gravura em metal, o artista pode usar o
PUC-Rio
ácido forte, ou usar o ácido fraco, ou seja, há uma série de variações que o artista pode
PUC-Rio
pesquisar; no caso da litografia, nós temos receitas para que o trabalho corra bem do prin-
cípio ao fim. Aqui, tanto na litografia quanto na serigrafia, depois da prova pronta, é aquilo
o que vai sair, não tem essa mancha. Se aparecer: limpa, porque não é do trabalho. Não
tem essa coisa do artista que está imprimindo a gravura e diz: “Ih, gostei, vou tirar assim!”.
Porque a gente está assumindo um compromisso. O artista vai embora e a gente vai im-
primir. Aquela mancha que aparece e “eu quero!”, não é uma coisa que você possa contro-
lar de uma a duzentas cópias iguais, numa tiragem. Isso seria mais próprio do próprio artis-
ta imprimindo.
Acredito que o que está acontecendo agora com o CTP aconteceu em outros momen-
tos na história da gravura: uma técnica desenvolvida comercialmente ser adaptada
para o uso artístico.
210
Essas coisas acontecem, na maioria das vezes, quando essas técnicas estão deixan-
do de ser usada. Então os artistas vão se apropriando delas. Agora, nós estamos na tentati-
va de acompanhar a ponta da tecnologia.
Penso, contudo, que o artista sempre lança mão de coisas que ele pode pesquisar,
interferir, mexer... Seja esta uma técnica antiga ou nova.
Este é um ateliê gráfico, no qual nós temos o conhecimento técnico e oferecemos
ao artista várias possibilidades de trabalhar, numa linguagem pessoal, uma coisa que se
torne um múltiplo gráfico e que atinja muito mais pessoas do que um original único. Nossa
função sempre foi essa: dar ao artista o conhecimento técnico para que ele pudesse realizar
uma litografia ou uma serigrafia. Com o tempo, o artista se habitua àquela linguagem, mas
ele não tem nenhuma obrigação de pegar nas tintas, nos ácidos, em nada. Pra isso tem, e
sempre teve, desde que o Senefelder inventou a coisa, os ateliês e os técnicos de litografia.
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Quando a litografia é difundida pela Europa ela faz a mesma coisa que o CTP está
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fazendo hoje: possibilita aos artistas que não são gravadores, que não têm o domínio
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técnico do buril, utilizar uma técnica de gravura como forma reproduzir imagens.
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- Certificação
gens que o Senefelder inventou, o que havia como forma de impressão de imagens? A
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xilogravura e a gravura em metal: técnicas que dependiam de uma habilidade muito grande
PUC-Rio
de quem fazia as matrizes – os gravadores. Aquelas eram matrizes que dependiam da inci-
são. O sujeito tinha que dominar tecnicamente aquilo. Quando veio a litografia – que era
plana – possibilitou o artista – como o Daumier, depois o Toulouse-Lautrec, Picasso, etc. –
desenhar diretamente na chapa, depois o impressor que se virasse.
Vocês trabalham com técnicas, como a serigrafia, em que há ainda uma aplicação
comercial no mercado, em serviços gráficos especializados. Existe, aqui na Lithos,
esse tipo de demanda?
Não. Essa foi uma área na qual eu nunca entrei, não quis entrar. Quando se trabalha
comercialmente, você tem que estar preparado para tudo. O cliente pode te pedir o trabalho
para ser entregue no dia seguinte, e você tem que fazer. Há também uma exigência enorme
com a qualidade do serviço, mas, além disso você está sujeito a perder a concorrência por
uma diferença de dez centavos no orçamento.
211
Quando meu filho mais velho nasceu, minha mulher ficou doente. Eu era jovem,
estava ganhando dinheiro, tinha tudo do bom e do melhor, estava comprando um belíssimo
apartamento, tinha um monte de quadros em casa... Tendo tido sempre carros velhos, havia
finalmente comprado um Chevrolet Opala do ano... Minha mulher ficou doente e em três
anos perdi tudo o que tinha! A bofetada que levava da vida me dizia o seguinte: “Isso tudo
acaba daqui a pouco...”. Eu saía daqui todos os dias tarde da noite e não estava acompa-
nhando o crescimento dos meus filhos. A partir de então, nas sextas-feiras, trabalhei só até
o meio-dia e pronto!
Isso não é um exemplo, foi apenas a opção que tomei. Decidi não fazer trabalhos
comerciais. Uma vez ou outra acompanhava trabalhos comerciais, ou edições de livros,
para alguns clientes. Talvez a Lithos pudesse ter tido um braço industrial e eu não tenha
montado uma equipe à altura dessa demanda... Lembro-me que o Rubem Braga, quando
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estava fechando a editora Sabiá me disse: “Porque você não edita livros?”. Naquela época,
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estavam começando a Record, e uma série de outras empresas; já era amigo do Jorge A-
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mado, do Carybé, e de outros – já estava no meio – mas ainda assim não quis seguir esse
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braço. O que fiz até hoje foi um ateliê, talvez até mesmo pela minha experiência, que é de
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Há um tempo atrás, eu distribuía gravura no Brasil inteiro. Daquilo que estava dis-
PUC-Rio
tribuído, cinqüenta por cento do que foi vendido não me pagaram; vinte e cinco por cento
PUC-Rio
se perdeu, porque o pedido e a cobrança das gravuras em outros estados saíam mais caro
do que o preço da venda; os outros vinte e cinco por cento, pedi de volta. Então decidi pa-
rar de distribuir: “Quem quiser, agora, me peça. Aí, eu mando”. Com isso, diminuí toda a
nossa parte comercial. Eu cheguei a ter dezenove funcionários trabalhando aqui. Comecei
a produzir e guardar obras em um acervo, que é a minha aposentadoria. Chegou um mo-
mento em que decidi trabalhar apenas sobre encomenda, ou quando houvesse um projeto
específico. Hoje, quando vem a encomenda, eu monto a equipe na hora e nós fazemos o
trabalho.
Hoje em dia, o mercado em geral está estagnado. Com a gravura, esse problema é
ainda mais grave. Isso não é de agora, já vem acontecendo há bastante tempo, desde a épo-
ca do Collor. Muitos fatores contribuem para isso.
212
De um tempo para cá, houve uma enxurrada de pôsteres americanos. Hoje, a pes-
soa vê um catálogo de uma loja, ou mesmo na internet, escolhe um pôster e, em três dias, o
material está na sua mão, a um preço muito baixo. As pessoas, hoje em dia, em sua maiori-
a, não conhecem a diferença entre uma gravura em metal, uma xilogravura e um pôster:
preferem comprar um quadro mais vistoso, como a reprodução de uma fotografia de ara-
ras, do que uma gravura do Damasceno. Como essa pessoa não entende o significado de
uma gravura, o mesmo preço que ela pagaria em um trabalho que tende a valorizar, ela
prefere pagar pela arara, que é mais “bonita”.
Houve um aperto muito grande na classe média. Quem compra gravura é a classe
média. Ainda assim a gravura é a última coisa que a pessoa põe na casa. Primeiro ela faz o
sinteco no piso, depois compra o tapete, pinta as paredes, põe a cortina, os sofás. Depois,
ela vai escolher uma gravura que combine com aquilo tudo. Uma gravura de quatrocentos
reais já representa dez por cento de um salário de quatro mil, se estivermos falando de uma
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prei, no ano passado, um milhão e oitocentos mil reais em pintura. Ligava para ele e dizia:
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monte de quadros. Comprei dois Mabes enormes para ele. “Só quero se tiver sido publica-
PUC-Rio
do em algum livro”, ele dizia, “E você, por favor, me arrume também o livro...”. Ele queria
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colocar o livro na mesa da sala para enfeitar e dizer: “Olha, aquele quadro está nesse livro
aqui...”. Mas, pergunta se ele tem alguma gravura na casa dele, ou se ele quer ver gravura...
Outro problema é em relação às galerias. Em São Paulo há uma galeria especiali-
zada em gravura, a “Gravura Brasileira”, que eu acho que é uma das poucas no Brasil.
Parece que a “Vermelho” está querendo criar uma linha especializada em gravura, até em
virtude dessa experimentação com o CTP. Nas décadas de setenta e oitenta, haviam várias
galerias especializadas em trabalhos em papel.
Em São Paulo, existem algumas moldurarias de alto nível que vendem de tudo, in-
clusive gravura. Mas vemos também lojas vendendo tela a duzentos reais! Pintura! A pes-
soa coloca umas dez telas enfileiradas e vai fazendo, em série. Isso tudo contribui para um
desconhecimento ainda maior. Penso que uma coisa fundamental para a arte é a formação
de público. Eu sonhei em contribuir para a formação de um público, mas nós somos muito
pequenos para o fazermos sozinhos.
213
8.5
Entrevista com Alan Passos, da Gráfica Minister – Rio de Janeiro, 6/06/2007
O Bureau Carioca presta serviços de gravação de chapas de CTP para a Gráfica Minister e
para outras gráficas. Alan Passos é sócio do Bureau Carioca e responsável pela parte de
fechamento dos arquivos. Ele faz a diagramação dos arquivos que chegam e os preparo
para serem enviados para a gráfica ou para gravar o CTP.
com impressão em off-set, as imagens devem estar em CMYK: ciano, magenta, amarelo e
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preto; na maioria das vezes, porém, estas imagens vêm em RGB, porque as máquinas digi-
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tais fotografam neste sistema; então, a primeira coisa que nós temos que fazer é passar
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grado”, e geramos, então, o arquivo em PDF. Esta é a linguagem universal com a qual to-
PUC-Rio
das as gráficas trabalham. Com ela, nós podemos fazer dois tipos de prova, geralmente
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necessárias. Uma delas é a prova heliográfica digital: uma boneca de como o material vai
ficar no final, quando a impressão estiver feita. Nesta, pode-se ver como vão ser a pagina-
ção e o corte do material. Além da heliográfica, nós fazemos uma “prova digital”, que dis-
pensa o fotolito, a chapa e o prelo e serve apenas como referência de cor. Nós enviamos
estas duas provas, a heliográfica digital e a prova de cor, ao cliente que dará ou não a apro-
vação final.
Com o material aprovado, nós enviamos o trabalho para o setor de gravação de
chapa. O técnico coloca a chapa virgem dentro da máquina; o laser imprime, ou seja, sen-
sibiliza a camada. A chapa é levada para a máquina reveladora. Nela, o que foi sensibiliza-
do fica na chapa, e o que não foi é extraído. A placa fica branca, apresentado apenas os
dizeres e as imagens que serão impressos mais tarde.
214
Quatro são as cores das placas impressas em CMYK: ciano, magenta, amarelo e
preto. Uma área de cor como um vermelho, por exemplo, será encontrada tanto na chapa
“magenta” quanto na “amarelo”: as duas serão necessárias para formar aquele tom especí-
fico. Para uma outra tonalidade, podem ser necessárias as quatro cores. Um texto aqui em
preto, só estará gravado na chapa de preto.
A separação é feita automaticamente pelo programa de computador. Existem vários
programas que fazem isso. Nós costumamos o Trueflow. É um programa de imposição.
Visualiza-se o arquivo em PDF, na forma que nós chamamos Composite, que é a imagem
normal, em quatro cores. Quando ele vai para a máquina de gravação da chapa, o progra-
ma realiza essa separação dos tons nas quatro cores correspondentes ao tom original.
Quando nós trabalhávamos com o fotolito convencional, o processo continha uma
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gravação a mais. Antes de gravar a placa de off-set era necessário gravar o filme de fotoli-
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to. Mas em relação às cores nada mudou: nós continuamos usando o mesmo processo de
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separação.
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tipos de retículas. Gostaria que você falasse um pouco sobre essa questão.
PUC-Rio
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Aqui, isso é pouco usado. A Gráfica Minister não usa esse tipo de lineatura ainda.
Basicamente, nós trabalhamos com uma retícula fina, de 175 linhas, e, em alguns traba-
lhos, como trabalhos de arte, por exemplo, com uma retícula de 200 linhas.
Os ganhos são inúmeros. Quando era usado o fotolito de quatro cores, por exem-
plo, em uma mesma página vinham os quatro fotolitos, ciano, magenta, amarelo e preto.
Alguém precisava compor manualmente o material com fita adesiva, verificando se a cha-
pa estava na altura correta – pois o registro não era tão perfeito. No processo de CTP, você
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uma coisa que antes levava umas quatro horas, hoje, em um comando, leva uns quinze
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Além disso, a qualidade de gravação é muito maior, assim como a limpeza do ma-
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terial. Pode-se dizer ainda que o custo abaixou, porque, na medida em que o processo foi
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para o cliente uma prova de como o material vai ficar, era preciso tirar uma provar em pre-
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lo, e uma prova em heliográfica: gastava-se matéria prima para depois fazer o material
final. Hoje, você pode tirar uma prova digital e não gasta chapa, não gasta nada além de
papel e tinta. Pois , com o CTP, a chapa só é gravada depois que o material é aprovado.
Antes, você gravava o fotolito, com ele tirava uma prova em heliográfica. Não adiantava
você tirar uma impressão a laser porque nada garantia que o fotolito iria sair exatamente
como aquela impressão. Não havia tanta precisão. Além disso, se tivesse alguma correção
de texto essa correção tinha que ser feita manualmente no fotolito, era necessário fazer
emendas no fotolito, ou então perdia-se totalmente a chapa e era preciso fazer um novo
fotolito e tirar uma nova prova heliográfica.
No Rio de Janeiro, a Gráfica Minister já trabalha com o CTP há oito anos, nós fo-
mos os pioneiros. Mas esse processo tem no máximo uns dez anos aqui no Brasil. Quando
216
surgiu aqui, o pessoal teve certo receio de trabalhar com ele, mas, hoje em dia, quem não
tem o CTP está completamente defasado. A nossa empresa, o Bureau Carioca, trabalha
gravando chapas para outras gráficas. Nós não trabalhamos mais exclusivamente para a
Gráfica Minister. Além de gravarmos as chapas para eles, nós fazemos isso para outras
gráficas aqui do Rio de Janeiro. Quando o cliente contrata os nossos serviços, ele manda o
arquivo para nós, nós geramos uma prova e mostramos para ele. Sendo aprovada, nós gra-
vamos a chapa e mandamos para ele. Nós trabalhamos, inclusive, com chapas de vários
tamanhos, que vão variar de acordo com a maquinaria de cada um de nossos clientes.
Sim, já há algum tempo. Nós tínhamos um funcionário que era responsável pela
parte de gravação de fotolitos, para as gráficas que ainda trabalhavam com esse sistema, e
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Existe algum caso, na indústria gráfica, em que o fotolito ainda seja mais interessan-
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te?
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Acredito que apenas para pequenas gráficas, que trabalham exclusivamente com
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nas. Talvez nesses casos ainda seja mais interessante trabalhar com o fotolito. Existem
empresas ainda que vendem fotolito e, como a procura é pequena, o preço é muito baixo.
laser violeta é um pouco mais barato que o térmico, mas de menor durabilidade. A quali-
dade da chapa é praticamente a mesma. O receio que o pessoal tinha no começo de que
acabasse a chapa térmica não existe mais. Existem várias empresas produzindo tecnologia
e fornecendo matéria prima para a gravação térmica de chapas em CTP, como a brasileira
IBF ou as estrangeiras Kodak, a AGFA e a Fuji, que são as maiores concorrentes deles, e
já estão com fábricas aqui no Brasil.
A gravação é feita através do calor que a chapa recebe do laser. Chapa virgem pas-
sa pela máquina de gravação que irá gravá-la através de calor, nos pontos onde estão as
retículas. Depois ela passa por outra máquina, que vai limpar tudo aquilo que é branco da
chapa. Ela pode, nesse momento, passar por um forno para esmaltar. A chapa esmaltada,
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tem sua gravação estabilizada e suporta tiragens ainda maiores. Essa é uma das particulari-
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dades do nosso bureau, além de trabalharmos com a chapa térmica, que permite uma tira-
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gem maior que a violeta, essas placas passam pelo forno, são esmaltadas. Então ela permi-
Digital
8.6
Entrevista com Iuri Frigoletto – Rio de Janeiro, 9/07/2007 e 27/12/07
Como você chegou à Lithos? Como está sendo o seu trabalho com eles e a sua pesqui-
sa sobre a técnica do CTP?
Estou trabalhando junto com a Lithos essa técnica do CTP, desde 2006, quando
voltei dos Estados Unidos. Estou levando isso ao conhecimento dos artistas que estão pro-
duzindo dentro da arte contemporânea no Brasil. Esses artistas não conhecem essa técnica,
não sabem que essa possibilidade existe.
Quando a gente inicia um processo, esse é um processo de experimentação tam-
bém. Para mim, o CTP é um processo de experimentação gráfica.
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Uma nova técnica abre novas possibilidades aos artistas e, analisando a história da
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gravura, você vê que leva certo tempo até que essas possibilidades sejam exploradas
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última é uma técnica que permite ao gravador fazer um traço muito mais espontâneo
- Certificação
do que aquele conseguido com o buril. A princípio, ela foi usada como uma forma de
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imitar o buril, depois é que houve a reflexão: “Bom, isso tem uma potencialidade ex-
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tenha acontecido nessa obra do Tunga, que é um trabalho de traço, um desenho, o que a
torna muito próxima do trabalho feito pela Lithos. O Guilherme, então, se sentiu confortá-
vel para imprimir esse trabalho. Guilherme e eu começamos a conversar. A Lithos tem
trinta e três anos e a história da família tem oitenta anos de impressão. Eles têm um acervo
incrível, inclusive um acervo de pedras utilizadas na rotulagem no início do século XX,
essa, que foi uma aplicação comercial da litografia. Nós pensamos: “Vamos unir esse co-
nhecimento de impressão e de produção e buscar projetos”.
Não. Já havia acompanhado esse processo, entendia sobre o CTP, mas não havia
ainda trabalhado nele como suporte. Nós então formamos o seguinte conceito: “Vamos
fazer o antigo e o novo funcionarem juntos”. A única referência que nós tínhamos era o
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Tamarind Book of Litography, que dizia que, em alguns lugares, estavam usando o off-set
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como matriz.
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lógica. Nós tínhamos o registro de que havia alguém experimentando essa técnica, mas não
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matéria prima do trabalho dele. Ele usa a tela aplicada ao chão, em construções antigas.
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Retira essas impressões, que ele chama exatamente de “impressão” – e é uma impressão. A
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partir disso, monta formas nas telas. No trabalho que ele imprimiu em CTP, especifica-
- Certificação
mente, tentou explorar um desenho que foi impresso a partir dos tacos do chão, imprimin-
- Certificação
niel, escaneamos esse tecido, transformamos aquilo em arquivo digital; com esse arquivo,
gravamos uma matriz em CTP e imprimimos no processo litográfico. A mancha negra em
volta desse trabalho é uma serigrafia aplicada sobre a impressão do CTP, utilizada para dar
exatamente a sensação de irregularidade do movimento do tecido.
Nesse trabalho especificamente surgiu uma questão no processo de pré-impressão:
“Como nós iríamos transformar aquilo em arquivo digital, se o tecido era maior do que a
área que o scanner poderia atingir?”. A solução foi esticar este tecido, fotografá-lo na foto-
mecânica da indústria gráfica, e, com esse arquivo fotografado,transformar em arquivo
digital.
Então, nós iniciamos o processo de adaptação do CTP à impressão litográfica. Nes-
se trabalho de impressão de tecido, nós podemos ver uma concentração maior de pontos
em algumas áreas e uma concentração menor em outras.
221
A estocástica é uma retícula que se aproxima muito mais do grão fotográfico, do grão
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É verdade. E um negócio que faz todo o sentido é a indústria gráfica não conseguir
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produzir com esse tipo de retícula em escala industrial, porque você imagina a calibragem
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Os donos das gráficas são donos de um equipamento, mas não são pesquisadores
do uso artístico desses equipamentos. São prestadores de serviços dentro da indústria gráfi-
ca. Alguns gravam as matrizes de impressão em CTP para outras gráficas, que têm as má-
quinas de off-set. Para esses caras, se o processo começar a dar muito trabalho, não os inte-
ressa mais: eles têm que produzir o tempo todo.
O sujeito tem uma demanda que não exige esse tipo de especificidade.
Pois é.
Com isso veio a pergunta: “Quem está fazendo isso no mundo?”. Pesquisei e não
encontrei no Brasil, alguém que estivesse utilizando o CTP como matriz de impressão,
dentro da gravura. Morei em Nova Iorque e aquela é uma cidade pela qual tudo passa. Mas
não encontrei informações nesse sentido por lá. Encontrei na internet a menção de que
222
existem estúdios no mundo utilizando o CTP como matriz de litografia. “Quais são esses
estúdios?”: Não sei. Não encontro esses registros.
Um cruzamento interessante e que a sua pesquisa aborda é o seguinte: a litografia
exigia que o artista soubesse desenhar com o lápis gorduroso em cima de uma superfície
granitada, ou seja, porosa, propícia para trabalhar, preparada para receber um desenho com
lápis litográfico. No momento em que veio a arte contemporânea, deixou de ser necessário
ser um exímio desenhista para ser um artista plástico. Este pode ser um fotógrafo e desen-
volver um conceito sobre aquele trabalho, ou pode trabalhar com poliuretano, ou espuma,
ou neblina. A litografia manteve aquela exigência, de que eu tenho que saber desenhar
sobre aquela superfície e com todas aquelas questões. Por exemplo, se caiu uma gota de
suor em cima daquela superfície, joga-se aquela chapa litográfica fora e começa-se outro
desenho. Isso estava limitando muito a litografia na arte contemporânea.
O CTP é um processo de experimentação, portanto agradará ao artista contemporâ-
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neo: é uma variação do suporte, uma possibilidade de experimentação e não traz a obriga-
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A arte moderna trabalhava a forma e a sua política era a execução dessa forma. O
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ca?”; “Qual é o debate?”, e eu entendo que, por trás disso tudo está também a pergunta:
PUC-Rio
“Qual é a política desse trabalho?”. Nesse movimento, as técnicas de gravura ficaram sen-
do pouco trabalhadas.
O CTP não requer o domínio técnico da gravura e traz para esse artista a possibili-
dade de produzir um objeto em série, que sempre foi uma característica da gravura e
que não deixa de ser interessante para o mercado de arte contemporâneo.
Exato. O que me espantava quando eu voltei de Nova Iorque para o Brasil era co-
mo era enorme a demanda, a procura, o conhecimento e o ato de colecionar trabalhos em
papel fora do Brasil e como isso estava sendo tratado como algo secundário dentro da arte
e do colecionismo brasileiros. Nós temos no Museu de Arte de São Paulo e em Porto Ale-
gre, Clubes da Gravura, mas que são exatamente pequenos grupos que se interessam por
gravura e criam esse tipo de coisa como possibilidade de produção para aqueles artistas.
223
Uma coisa que era um hábito do artista moderno, que trabalhava no suporte tela, ou
um escultor que também desenhava e fazia gravura, e isso foi impactante numa oficina
como a Lithos, é que esse artista pintava telas; quando ele queria criar um múltiplo do tra-
balho dele, ele imprimia gravuras, necessariamente. Ele fazia séries de 150, 200 gravuras
para cada imagem que ele gravava. O Cícero Dias chegava na Lithos e imprimia 150 gra-
vuras de cada imagem. Isso foi uma coisa também questionada pela arte contemporânea,
ela mudou esse processo. Isso foi também influenciado pela entrada muito forte da fotogra-
fia. Quer dizer não exatamente a entrada, porque ela já vinha atuando...
Ernesto Neto vai trabalhar também com o CTP. O Neto escreveu uma frase em um papel e
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CTP e começa a pensar: “O que eu posso fazer com isso?”. Porque, fazer um desenho
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numa matriz litográfica pode ser uma coisa que não tem nada a ver com o cara.
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Não tem... E nisso há uma relação com o tempo que eu acho interessante. Antes, o
processo de trabalho na Lithos se dava da seguinte forma: havia uma mesa de desenho,
onde o artista vinha e ficava trabalhando. Hoje, o artista não tem condições de deixar seu
estúdio para ficar na Lithos produzindo. Ele não tem tempo para isso. Não pode deixar o
estúdio dele por muitas horas por dia e por dias consecutivos para desenhar uma gravura.
Com o CTP, o artista se sente livre dessa obrigação de ir lá, fazer um desenho, o
desenho dar certo, aí, imprimir e ele aprovar essa prova de impressão. Esse é um processo
que não faz parte mais da dinâmica da vida de um artista contemporâneo.
O trabalho do Neto teve uma questão interessante, porque ele é um escultor. Ele
tem um filho chamado Lito, sempre quis fazer litografia, mas nunca havia feito exatamente
por conta de uma falta de acesso à técnica. Nós fomos conversando, nos aproximando e
então ele pegou uma palavra e um artigo, que são “a mente”, e transformou isso em frase.
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Ficou uma coisa assim: “Mente a mente mente. Mente mente a mente mente. Mente mente
mente a mente”. Quer dizer, um conceito sobre o corpo e a relação do corpo e mente, que é
fundamento do trabalho dele como escultor. Através de um processo de transposição de
suporte, a gente produziu um múltiplo gráfico dentro do conceito que ele usa para escultu-
ra.
É o exemplo do sujeito que lança mão de uma técnica, da mesma forma que poderia
fazer com a fotografia.
Nós não queremos manipular a imagem do artista: Isso nos diferencia dos azes do
Digital
tão não é aplicar a ferramenta da computação gráfica a qualquer trabalho. A questão é usar
- Certificação
essa ferramenta para viabilizar um processo de impressão. De que maneira, então, nós po-
- Certificação
demos trabalhar essa retícula que grava matrizes do CTP, abrindo e fechando essa retícula
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de modo que eu possa criar planos, como na fotografia?”. Através da definição dos grãos
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da fotografia, eu sei o que é primeiro plano, e eu sei o que é plano médio e o que é fundo.
Uma vez que eu transponho isso para o CTP, também posso trabalhar com esse mesmo
conceito. E, então, posso pensar em cor.
Pois é. Eu adoro aquela tonalidade da água-tinta. Quanto mais a gente aprende so-
bre o CTP, mais a gente cria possibilidades de trabalho. Mas, ao mesmo tempo, o CTP foi
criado como um suporte da industria gráfica. Ele vai até ali. A partir daquele ponto vem a
criação a partir da técnica. O conceito é exatamente trabalhar o CTP como matriz de expe-
rimentação para a litografia; trazer isso para a arte contemporânea não simplesmente como
forma de reprodutibilidade técnica de uma obra, mas como suporte de experimentação.
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São softwares que possam trabalhar com vetores. Depende do que a pessoa tenha
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e que não seja fechado. Nós temos que abrir esse arquivo para podermos reticular a ima-
gem.
Quando nós vamos trabalhar com o CTP, eu preciso receber esse arquivo com 300
dpi. Essa imagem deve ser igual ou maior que 30 x 20 cm. e deve estar em JPG ou em
TIFF. Uma vez que nós recebemos essa imagem, nós fazemos um estudo de tonalidade,
dos meio-tons dela. Nós a transformamos em preto e branco, a reticulamos inteira, para
entender como vão funcionar os meio-tons na impressão. Uma vez que nós mandamos
gravar o CTP, o birô faz o processo mecânico e eletrônico, digital, simplesmente. Se ela
vai ter mais ou menos retícula, isso quem define somos nós.
Sim. Na minha foto, nós trabalhamos com um grão maior, na do Daniel, nós traba-
lhamos com um ponto finíssimo. Essas diferenças de pontos são trabalhadas antes de man-
dar para a impressão. Dependendo do trabalho do artista, ele pode encaminhar para um ou
outro tipo de retícula.
Na história da arte, há um momento em que a gravura passa a ser usada pelo artista
e tem um momento anterior a isso, no qual ela ainda não é usada. O momento em que
ela passa a ser usada é justamente aquele em que o artista, seja ele pintor, ou escul-
tor, começa a conceber a obra de arte como produto do fazer: ela passa a ser um re-
sultado do processo do fazer. O artista moderno se volta à técnica, não mais como
aquilo que vai executar o projeto elaborado anteriormente, mas como aquilo que ge-
rará a obra, durante o processo de fatura desta. Na arte contemporânea, isso deixou
de ser entendido dessa forma: O fazer deixa de ser o momento de gênese da obra e
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esta passa a ser realizada anteriormente, a partir de um projeto, uma idéia, um con-
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ceito. Por outro lado, a questão da técnica deixa de ser um meio expressivo do artista
Digital
A pintura, ainda se adapta a isso, mas a gravura passa a ser um pato feio, porque ela
- Certificação
– a princípio – demanda, exige do artista esse domínio técnico. Quem vai se propor a
- Certificação
E aí entra um debate político também, e que eu acho muito interessante: Por que
isso aconteceu de forma tão acentuada no Brasil? Porque fora do Brasil, na Europa, Ásia,
nos Estados Unidos, e em alguns lugares da América Latina também, a gravura continuou.
Penso que isso se deu, primeiramente, porque nesses lugares você tem escolas, ou
seja, o artista continuou tendo acesso a essa possibilidade. Você tem locais onde a gravura
é produzida, museus e centros culturais especializados em gravura. Isso fomenta a possibi-
lidade de produção dos artistas jovens que vão surgindo. Gera o chão, o colchão para o
artista se sentir confortável para produzir dentro daquela técnica.
Há também a questão do investimento nesse tipo de manifestação, que nós não
temos no Brasil.
Outra questão, mais analítica, é que o Brasil, como cultura, tende a assimilar a refe-
rência que vem de fora para produzir o seu trabalho. A informação que chega aqui, muitas
vezes não chega de forma plena, de forma integral. Ela chega em fragmentos. Surge então
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Eu fiz uma pergunta para o Guilherme, e que agora eu faço a você: qual o interesse
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Ele me deu uma resposta técnica e plástica, dizendo que a impressão litográfica não é
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indireta, como a do off-set, na qual a imagem passa antes para o cauchú e, só então, é
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impressa no papel. Esse dado técnico providencia à prova uma vivacidade da imagem
- Certificação
uma prensa manual, mas uma prensa industrial – têm uma relação histórica com a humani-
dade. A litografia está ligada ao desenvolvimento do tipo móvel por Gutenberg. Eu já vi
alguns registros sobre Gutenberg, que ele teria, de certo modo, inventado a palavra. Ele
criou a possibilidade da divulgação da informação: você reproduzir essa informação numa
velocidade suficiente para que a notícia de hoje esteja impressa amanhã e seja divulgada
para a população; que sejam impressos obtidos a um custo menor e, consequentemente,
mais acessíveis. A sociedade passa então a poder ler.
O maior desejo nesse conceito que eu coloco é que nós nos referimos ao final do
século XIX e início do século XX: a humanidade passou pela revolução industrial, vive em
plena consequência desse processo. Nessa época existia um conceito: aumentar a veloci-
dade de produção, aumentar a velocidade de locomoção do ser humano. Os trens e as fer-
rovias já havia tido um enorme desenvolvimento; a imprensa vive uma incrível alavancada
nessa época, também; surge a prensa industrial; surge o avião, o vôo mais famoso de San-
tos Dumont, com o 14-bis, e ele foi o inventor do avião, mesmo. Isso foi em 1904. A pren-
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sa industrial é inventada no final do século XIX. Ela é operada por quatro técnicos e pro-
duzia 400 folhas impressas por dia, ou seja, de 50, passa-se a conseguir 400 impressões
diárias. A própria mecânica de movimentação dela é uma mecânica de locomotiva. Ver
essa prensa funcionando é perceber essa relação com o aumento da velocidade de produ-
ção.
Foi exatamente numa prensa litográfica cilíndrica que se descobriu a possibilidade
do que viria a ser o off-set. O cara estava imprimindo e deixou de posicionar a folha: a
matriz imprimiu no couro que circundava o cilindro. Quando ele passou uma outra folha,
ela recebeu a impressão da matriz e daquilo que havia sido impresso no couro. Daí surge a
idéia do off-set.
Tudo isso aconteceu em quarenta anos no máximo, desde o final do século XIX e o
início do século XX. Surgem, então, as grandes gráficas e os jornais...
Nós damos um pulo de quase um século e vamos para 1996, com a criação do CTP
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e, na mesma época o conceito de rede: a comunicação através da internet, que torna a co-
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questões sociais e políticas que a humanidade vive nesse fim de século XX: a globalização,
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neo-liberalismo, essa suposta idéia de que não existem mais fornteiras... Todos esses con-
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ceitos irão se relacionar com a arte. Principalmente a arte contemporânea partiu para um
- Certificação
Então nós estamos usando um suporte que é da indústria gráfica atual, um suporte
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que trabalha com arquivo digital, grava num processo digital e, do outro lado, uma prensa,
um equipamento de impressão que vem lá daquele momento do final do século XIX. É
uma junção muito interessante, mas que carrega certo anacronismo, porque a gente produz
numa velocidade que não é industrial.
É uma velocidade bem menor à da industria gráfica atual, com a impressão off-set,
mas bem maior comparada à impressão artesanal da gravura. É uma impressão que
pode produzir 100 cópias em dez minutos. Numa tiragem artística, você vai produzir
quantas cópias? Cem? Duzentas? Mil cópias já é uma tiragem imensa em termos
artísticos.
Uma questão que o uso artístico da gravura trouxe foi: “Qual a genuinidade de uma
obra que é reproduzida n vezes?”. Comparando com uma impressão mecânica de
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off-set, que não tem valor artístico nenhum, a impressão na prensa Marinoni traz
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Uma coisa que levou certo tempo para ser acertado na conversa com a Lithos é que
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ela estava acostumada com essa produção de grande escala. Ela trabalhava com o artista
- Certificação
moderno que era, por exemplo, um pintor que queria reproduzir 150 vezes uma determina-
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da imagem. Desde o começo eu sinalizei a eles que não seria assim. Nós trabalhamos com
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É um número legal para uma xilo, mas para um CTP é muito baixo. Isso que eles
devem ter achado estranho, não é?
Essa questão é trabalhada não apenas no Brasil. “Qual a validade de uma obra re-
produzida duzentos e cinqüenta vezes?”.
Isso talvez porque o cara vai querer cobrar o mesmo preço naquilo que ele colocaria
num objeto único. Uma obra do Tunga, ou do Waltércio Caldas, por exemplo, você
não tem dinheiro para comprar, da mesma forma que você não teria para comprar
uma tela do Di Cavalcanti, que imprimiu na Lithos. Mas uma gravura dele você po-
deria comprar e ter na sua casa.
Eu concordo. Mas também concordo em você não produzir nesse mesmo formato,
uma vez que o principal da arte contemporânea não é a operação da obra, mas sim a críti-
ca, a problemática e o debate da obra. Você entende o que eu digo?
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Sim. Isso é uma coisa que talvez, cada artista diga e pense uma coisa, mas eu acho
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que não precisava ser por aí. Você tem, por exemplo, o Vogler, que é um cara da nos-
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jovens a produzir múltiplos. Uma tiragem de cem cópias para uma obra do Tunga,
- Certificação
Mas existe um cuidado excessivo nesse sentido, por parte do mercado de arte con-
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temporânea. O Argan, crítico de arte italiano, fala sobre essa necessidade do mercado de
estar sempre criando novas tendências, e, ao criar essas novas tendências, eliminar as ante-
riores. No Brasil, eu vejo uma voracidade nesse movimento absurda. Existe também, um
interesse econômico por trás disso aí. Porque se você produz cinco ao invés de cem, você
vende por mil vezes mais. E você está sempre dando uma exclusividade a uma obra, que
acaba virando uma coisa de olhar para o próprio umbigo. Essa é uma crítica política que eu
tenho ao artista jovem contemporâneo brasileiro. Existem artistas jovens no Brasil que
estão interessados com a questão política, e eu não falo de política partidária, nem de arte
engajada, ou panfletária. Eu falo de uma questão política. Nosso mundo ocidental é fun-
damentado na mente de Aristóteles que disse que o animal falante é um ser político. É des-
sa política que eu estou falando, e eu vejo o artista plástico brasileiro jovem voltado muito
para ele mesmo e muito para o seu meio e pouco preocupado com a política.
Penso que não deve haver uma inviabilização da tiragem. Mas acho que essa tira-
gem não precisa operar sempre.
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Eu não estou fazendo uma crítica ao cara fazer trinta cópias de um CTP. Acho que
como artista, ele pode fazer, numa monotipia, uma cópia só, ou fazer cem cópias de
uma gravura. Serão trabalhos diferentes. Eu só acho que o cara não pode tomar essa
decisão por conta de um preconceito, por medo de ser “moderno”.
Eu acho que o artista brasileiro deveria aprender a ser brasileiro antes de ser artista.
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Quem se dá muito bem é o cara que sabe jogar, sabe misturar de forma autêntica, que são o
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Hélio Oiticica, a Ligia Clark, o Ernesto Neto, que pegou meia-calça do Saara, com contas
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e lantejoulas que ele encontra por lá, e criou um escultura. Você percebe que o Neto é um
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artista brasileiro, que utiliza a questão conceitual, intelectual, que vem da Europa, da Ale-
- Certificação
manha e da França e também dos estados Unidos, toda a influência intelectual do ocidente;
- Certificação
mas que assimila isso como processo, não como uma verdade absoluta.
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pado em não fazer uma cópia, faz do seu trabalho uma cópia.
O artista contemporâneo que se destaca é aquele que é um mestre no que ele faz,
que atinge um nível de riqueza na execução de uma técnica altíssimo, comparável ao da
ciência. O jovem artista assimilou a primeira parte da história, “ah, eu não preciso dominar
uma técnica para executar um trabalho”, mas para dar consistência a esse trabalho ele tem
que se aprofundar em sua técnica. Isso está diferenciando quem é quem na arte contempo-
rânea.
2º Encontro, 27/12/07
Gostaria que você falasse um pouco sobre a exposição “Alumínio Digital”, na Galeria
Artur Fidalgo.
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Acho que, na época do nosso primeiro encontro, essa exposição já havia sido idea-
lizada e nós estávamos começando a dar uma forma a ela. Na verdade, esse projeto defi-
niu-se durante o processo. A proposta era a de uma experimentação: levar àqueles artistas a
possibilidade de produzir um trabalho em CTP e imprimi-lo em uma prensa litográfica.
Essa idéia é o que une os dez diferentes trabalhos realizados. Desde o início, nós sabíamos
que muita coisa iria surgir durante o processo. Exatamente por isso, nós não definimos um
formato exato, um padrão qualquer. Nós tampouco implementamos um prazo para os tra-
balhos. Procuramos, ao contrário, estender até o extremo a possibilidade de experimentar.
Isso significou imprimir até o dia da abertura da exposição.
Alguns sim, outros não. Alguns já a conheciam mas aproximaram-se dela justa-
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mente naquele momento, como o Antonio Manuel e o Miguel Rio Branco, por exemplo.
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O processo iniciou-se com uma aproximação com os artistas, visitando seus estú-
- Certificação
ao trabalho. Inicialmente, nos próprios estúdios dos artistas. Nós pesávamos em uma obra
que pudesse ser impressa em uma matriz gravada no processo digital. Experimentávamos,
criávamos possibilidades. Eu levava o resultado desenvolvido a partir dessa conversa para
a Lithos e lá, nós partíamos para as provas de impressão.
Esse é um processo de experimentação que, a meu ver, contemporiza uma possibi-
lidade de impressão, contemporiza uma técnica que tem a sua raiz na litografia. Ao mesmo
tempo, acredito que este processo exerce um impacto sobre a litografia clássica. E como
todo impacto, trata-se de uma força que em alguns momentos chega a ser contrária. Na
Lithos, até que se chegue a uma prova satisfatória, são tiradas diversas provas, nas chama-
das “folhas de coletura”. São como que provas de estado da impressão. Estas são reapro-
veitadas. Passam várias vezes na prensa e vão adquirindo variadas sobreposições. Confor-
me nós íamos imprimindo as provas de CTP, elas iam se sobrepondo às provas gravadas
na litografia convencional. Vendo o contraste entre os dois sistemas, ressaltado naquela
prova, eu percebi que, mais do que uma contemporização da litografia clássica, desenhada,
233
A recepção deles foi muito boa. Houve de cara um interesse muito grande. De uma
maneira geral, houve uma reação conjunta e individual comum a todos estes artistas: todos
manifestaram o interesse e a necessidade da atualização do processo de impressão no Bra-
sil.
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gravada na prensa litográfica com a matriz digital e ainda usar a serigrafia e outras possibi-
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lidades técnicas para chegar ao trabalho desenvolvido pelo artista no seu estúdio.
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Houve algum artista que nunca havia trabalhado com obras múltiplas, para o qual
- Certificação
O processo com o Gustavo Speridião foi muito interessante porque ele apresenta
uma referência gráfica muito forte no trabalho dele, inclusive uma referência aos russos no
século XX, que tiveram uma importância enorme para as artes gráficas. Ele desejava reali-
zar um trabalho estritamente gráfico e vibrou muito com essa possibilidade. Nós nos co-
nhecemos antes de realizar o trabalho, trabalhamos bastante, juntos, discordamos em al-
guns momentos e acabamos chegando em um resultado muito bom, muito melhor do que o
começo da nossa conversa.
ção. Ele não trabalhava com a galeria. Nós já havíamos conversado antes, logo que eu che-
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guei na França, em 2005. Eu havia cuidado da montagem de uma exposição que ele reali-
- Certificação
zou lá. Em novembro de 2007, quando nós o convidamos, ele tinha cinco dias para realizar
- Certificação
o trabalho, pois iria viajar e só voltava uma semana antes da abertura da exposição. Nós
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trabalhamos direto em seu estúdio e chegamos ao resultado final. Este foi, a meu ver, o
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trabalho de cunho mais experimental. Ele é um artista que tem a improvisação como raiz.
Nós trabalhávamos no seu estúdio, eu ia para a Lithos. Ali, nós imprimíamos algumas pro-
vas e, de volta ao seu atelier, ele experimentava novas possibilidades.
De alguns anos para cá, ele vem trabalhando com pintura. Mas seu trabalho escul-
tórico, de instalação, lida com muros e buracos nestes muros. Antonio trouxe a idéia de
uma pintura que ele não fez, a qual possuía um buraco, que nós reproduzimos nesta im-
pressão. Suas telas têm pontos geométricos, quadrados e retângulos, que, de certa forma,
flutuam nela. Porém, uma coisa que funciona na tela, não funcionará diretamente, ou ime-
diatamente na impressão. Nós passamos alguns dias testando diversas possibilidades de
composição, mexendo nas provas de impressão, testando, até que chegássemos ao resulta-
do final.
como referências para suas pinturas. Naturalmente, ao pintar, ele coloca alguma expressão
dele na tela. Revelou-se, então, no seu trabalho, um sentimento que permeou toda a expo-
sição. Ele próprio teve um estranhamento no decorrer do trabalho, pois, ao gravar uma
matriz diretamente a partir de uma imagem que já é digital, no caso, obtida a partir de um
circuito interno de televisão, mantêm-se uma série de informações, de texturas, de granula-
ções que são próprias do sistema em que a imagem foi gerada são passada diretamente
para a impressão.
Estas informações eram plasmadas pelo gestual dele na tela. Quer dizer, aqui, a ima-
gem “passa menos” pelo artista.
Exatamente. Acredito que o CTP agregou algo novo ao trabalho do Rafael Carnei-
ro.
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artista que vem da música, trabalha com escultura e com imagem. Embora lide com foto-
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grafia e tenha uma preocupação com enquadramento e com questões próprias desta mídia,
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ele tem, hoje, na verdade, um trabalho muito próximo da escultura. Nesta obra, Vivacqua
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utilizou uma fotografia tirada por ele de um monitor de televisão: uma cena de uma novela
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das oito da Rede Globo. Com uma câmera digital, ele fotografou um monitor de televisão.
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Nós transformamos aquela imagem em matriz digital, e imprimimos. Os efeitos que a cor
luz produz no monitor de televisão foram mantidos nessa matriz. Este trabalho situa-se,
assim, entre a cor pigmento e a cor luz.
Pois é. Se fosse para reproduzi-las daquela forma, seria melhor fazer uma fotogra-
fia propriamente dita. Nós optamos, assim, por trabalhar sinteticamente, com poucas cores,
dentro daquela limitação, de um modo semelhante, creio, à obra gráfica do Rauschenberg.
Este artista cola imagens que têm tonalidades de cores próximas. Usa vizinhanças de cores
interessantes, que fazem com que ele não tenha que se desdobrar em soluções técnicas
absurdas.
Nós usamos o CTP como registro sólido da imagem e operamos em serigrafia com
as camadas de cor que poderiam funcionar de acordo com o que ele apresentou.
O Waltercio Caldas foi o artista com o qual eu falei primeiro e foi o último trabalho
a ser impresso. Ele tem uma grande experiência com impressão e é um artista que deman-
da uma precisão enorme de execução. Este foi, por consequência, um trabalho que exigiu
muita precisão. Foi uma impressão muito sutil, muito delicada.
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delicada. Ele é um fotógrafo. Partiu de uma fotografia tirada por ele de um vitral de uma
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igreja na Alemanha. Havia uma luz que cruzava esse vitral. Nós pensamos em como im-
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primir aquela imagem de maneira não literal. Não queríamos reproduzi-la simplesmente
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em um papel branco. Uma pergunta recorrente a todo esse processo de produção foi: “o
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que é isso?”.
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Experimentamos aplicar uma camada prateada por baixo e depois sobrepor a ima-
gem por cima, mas não funcionou. Tentamos outros caminhos, também em vão. Assim,
chegamos à impressão no papel vegetal, que traz de volta a transparência do vitral. Esse
papel, porém, é extremamente sensível. Qualquer excesso de umidade o faz trabalhar. Na
Marinoni, o papel é seguro por uma pinça e levado à impressão; na hora em que aquele
papel era preso ali, ele era vincado. Nós tínhamos uma perda gigantesca, mas resolvemo-la
trabalhando.
O interessante do trabalho do Miguel Rio Branco foi que ele já havia tentado im-
primir em seda em algumas situações, em algumas cidades do mundo, e não tinha obtido
nunca um resultado realmente satisfatório, o que foi possível desta vez. A impressão em
tecidos abre novas possibilidades para esta técnica, de formato, inclusive.
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Eu não conhecia o Paulo Climachauska até então, e nós nos encontramos no mo-
mento de falar sobre o trabalho. Foi um processo completamente afinado. Cada passo le-
vou ao próximo e nós chegamos ao resultado final.
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A galeria acreditou no projeto, o que foi muito legal. Ao apoiar um projeto desses,
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ela mostrou acreditar também na idéia. Pois para ela, assim como para o público, essa pro-
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8.7
Entrevista com Thereza Miranda – Rio de Janeiro, 17/7/2007
Entrevista realizada no Ateliê Villa Venturoza, no dia 17 de julho de 2007. Estava também
no ateliê a gravadora Bia Sasso, que, interpelada por Thereza, participa da entrevista.
Em conversa com o Guilherme Rodrigues da Lithos, ele contou que antes de terem
essa oficina na Tijuca, eles tiveram um ateliê no Museu Histórico Nacional. Segundo
ele, você conheceu esse atelier. Como foi isso?
De fato, eu conheci esse ateliê. Nessa época eu trabalhava com o arquiteto Henri-
que Mindlin, irmão do José Mindlin. Ele era um grande arquiteto, trabalhava aqui no Rio
de Janeiro. Tinha um escritório de arquitetura aqui e era amigo do Genaro Rodrigues, pai
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do Guilherme.
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Um dia, Genaro chegou lá no escritório e disse: “Dr. Henrique, eu quero que o se-
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nhor venha comigo. Eu preciso mostrar uma coisa ao senhor”. Aí nós fomos lá. Ele tinha
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Você batia na parede e ela era oca. Ele pediu licença para derrubar aquela parede.
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Quando eles derrubaram, encontraram quatro pedras de uma grande litografia que mostra
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todo o centro antigo do Rio de Janeiro, com as casas todas pequenininhas gravadas.
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Não cheguei a trabalhar propriamente ali. Nesse tempo eu fazia gravura no MAM.
Eu sou cria do MAM. Comecei lá em 1960. Antes, eu pintava. Depois que o meu filho
menor foi para a escola, o Colégio Santo Inácio, eu passei a ter tempo. Nos momentos em
que ele ficava no Santo Inácio, eu ia para o ateliê do MAM e trabalhava lá. Eu estudei lá
durante dez anos.
Aqui no atelier, está pendurada uma gravura com a fotografia do Walter Marques.
Infelizmente ele já faleceu. Foi com quem eu aprendi tudo na minha vida. Ele foi meu pro-
fessor, foi professor de Bia Sasso. A Bia foi minha aluna no MAM também. O Walter era
um professor extraordinário.
239
Eu vi a impressão desse mapa sendo feita, mas vi pouca coisa, porque eu trabalha-
va muito no escritório do Henrique.
Naquele tempo a arquitetura aqui no Rio estava passando por um desenvolvimento
enorme. Para você ter uma idéia, naquela época, nós fizemos o Hotel Sheraton; um outro
hotel, logo adiante, o Intercontinental; fizemos o Jornal do Brasil; a Globo... Era um escri-
tório de muito movimento. Ele ocupava um andar inteiro do Edifício Avenida Central, que
foi também feito por nós. Era tudo moderníssimo, feito com placas que já vinham prontas.
Era uma arquitetura avançadíssima. O Henrique gostava muito de arte. A mulher dele, a
Vera Mindlin, era gravadora e minha amiga. Daí veio o meu contato, não só com o Henri-
que, como também com o Genaro.
Eu não tinha tempo de acompanhar aquele trabalho no ateliê, porque eu trabalhava
o dia inteiro. Depois, o Guilherme sucedeu o pai e tocou a oficina para frente. Eles eram, e
ainda são, uma empresa familiar e tiveram que se virar para sustentar aquilo tudo. Eu a-
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companhei a transição deles para a casa na Tijuca, onde instalaram a prensa Marinoni, que
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é maravilhosa.
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Há quinze dias atrás eu fiz uma litografia lá, por conta de uma encomenda que tive.
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Nós fizemos em uma chapa de alumínio, porque as pedras são cada vez mais raras. Como
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você não consegue pedras, acaba fazendo em alumínio. Essa já foi uma coisa bem mais
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avançada porque foi feita com retícula estocástica. Era uma foto que passamos para a cha-
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pa, por meios mecânicos, de uma maneira muito mais rápida do que antigamente, quando
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se tinha que desenhar tudo e preparar manualmente. Agora o processo é rapidíssimo. Eles
têm um funcionário que trabalha em computação, que é ótimo. Fizemos como eu queria e
foi muito rápido: em cinco dias fizemos tudo.
A gravura é um retrato de Maria Bethânia, com a Ana Basbaum, que é produtora
dela, as duas filhinhas da Ana e a Dona Canô. Tínhamos de montar aquilo tudo para dar
certo. Eram fotos diferentes, e, na computação, nós conseguimos montar. Conseguimos
fazer a composição do jeito que eu queria e depois passamos diretamente para a chapa. Se
eu fosse fazer aquilo em metal, iria levar uns dois meses. Na litografia foi rapidíssimo.
Depois, voltei para São Paulo e ainda fiz muita litografia na Imago. Mas quando o
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Elcio faleceu, o estúdio foi morrendo junto. Hoje, só trabalham na base fotográfica. Só
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com computação. Mudou tudo. Eu não tive mais contato com eles depois que o Elcio mor-
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reu.
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Com o Guilherme, eu fiz uma gravura do “Barão Vermelho” para um álbum com
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vários gravadores. Fizemos, depois, uma gravura para um álbum em que cada artista deve-
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ria trabalhar em cima de um filme específico. Às vezes ele me chama para fazer uma gra-
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vura lá. No tempo em que o Fernando Henrique era presidente, nós fizemos um outro ál-
bum de gravuras com vários artistas.
O meu trabalho em gravura, durante muitos anos, era todo em cima de uma pesqui-
sa sobre arquitetura. Eu tive a sorte na minha vida de trabalhar com duas pessoas que da-
vam o maior valor à questão da memória, porque no Brasil as pessoas não dão valor a isso,
elas destroem e não querem nem saber. Uma foi Henrique Mindlin e a outra, Aloísio Ma-
galhães. Depois que Henrique faleceu, fui trabalhar no escritório do Aloísio, a PVDI. Ele
tinha também um interesse enorme pela preservação da memória e me deu muita força
também.
Nessa época trabalhava com uma grande galeria aqui no Rio, a Galeria Bonino, que
ficava na Barata Ribeiro, em Copacabana. A dona da galeria era italiana, Giovanna Boni-
no. Era uma dama, uma mulher da maior educação, que conhecia Arte. Era um privilégio
trabalhar com ela. Enquanto a Bonino existiu eu estive lá com ela. Depois que Giovanna
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morreu, acabou. A galeria nem existe mais. O filho dela é professor da PUC. Ele manteve
os contratos e depois fechou a galeria.
Como você vê o trabalho de uma oficina como a Lithos, que trabalha principalmente
com artistas que não são gravadores?
O Guilherme é uma pessoa muito popular no meio dos artistas. Ele vai fazendo as
pessoas produzirem com ele. Muita gente que não era propriamente gravador fez gravura
com ele, Gerchman, Siron... E continuam.
E agora com essa técnica do CTP, ele pode chamar artistas que não desenham, artis-
tas que podem pegar uma imagem diretamente de um arquivo no computador e
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Exatamente.
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Eu vou fazer quarenta anos de PUC. Sempre na minha primeira aula com os alunos
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digo assim: “Isso aqui se chama lápis. Lápis é um instrumento de madeira que tem dentro
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Eu não tenho nada contra a computação, mas acho que você precisa saber dese-
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nhar, saber que existe um lápis. Na PUC eu ensino gravura e ilustração. Muitas vezes os
meus alunos apresentam um projeto já inteiramente pronto, que eles pegam no computa-
dor. Quando eles apresentam o projeto digo: “Não quero isso, não. Quero que você faça
uma coisa sua, que você tenha criado”. Porque se você vai ser um designer, como você vai
criar alguma coisa que te pediram? Você vai na computação? Aquilo já está feito, não vão
aceitar. Vão acabar descobrindo que aquilo já estava feito. Você tem que aprender a criar.
A Fayga Ostrower, que foi uma grande gravadora, tem um livro sobre criatividade que é
uma maravilha, mostrando isso.
Um colega meu na PUC é Amador Perez, é, acredito eu, nosso maior desenhista.
Os alunos adoram a aula do Amador e adoram a minha. Nossas aulas são lotadas, temos
cinqüenta alunos diferentes a cada semestre. Ele também luta por isso: você precisa apren-
der a desenhar; não pode usar apenas a computação.
Eu acho o computador um grande instrumento, mas você tem que ter uma base de
desenho, senão é muito difícil, não é mesmo?
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Na verdade, depende do que ele propõe. No caso desses últimos álbuns houve um
sorteio para saber quê temas cada gravador iria trabalhar. Eu caí com o Barão vermelho,
então tive que criar alguma coisa sobre o Barão Vermelho.
Eu faço o meu projeto, e trabalho lá, com o auxílio técnico deles. Mas naquela épo-
ca, fizemos na pedra, não foi feito nessa nova técnica que você está estudando...
O Guilherme tem uma irmã chamada Gláucia que tem uma sensibilidade para cor
que é uma coisa fantástica. Ela descobre coisas... Nós tivemos de fazer uns cartazes sobre
Alcântara, para a Fundação Roberto Marinho há anos atrás e eles queriam que fosse feito
em lito. Eles fizeram milagres nessa impressão na Lithos, milagres. O Guilherme tem mui-
to conhecimento e a irmã dele também. Ela, hoje em dia, está um pouco cansada e vive a
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Houve um problema muito grande com a gravura há um tempo atrás e isso foi ain-
Digital
da pior aqui no Brasil. Em qualquer lugar que você for, lá fora, você vê exposições de gra-
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vuras, mas aqui no Brasil, com as instalações, eles não querem nem mais saber de gravura.
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Não tem uma galeria no Rio de Janeiro que se interesse por gravura. Há quinze anos atrás
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eu voltei a pintar para poder sobreviver, porque senão você não sobrevive. O Glauco Ro-
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drigues ainda era vivo e quando eu quis voltar a pintar ele disse:”Mas como você vai pintar
nesse lugar? Não há espaço!” Eu digo: “Tem. A gente se vira”. Eu pintava o quadro e fica-
va metade atravessada no corredor, e o quadro batia na janela... Mas fui tocando.
Os marchands que estão por aí e as marchands, porque são sobretudo mulheres,
não sabem nem o que é gravura, não sabem distinguir uma litografia de uma gravura em
metal, ou de uma xilogravura.
O Ferreira Gullar, que é muito combatido por esse pessoal da instalação fala sem-
pre sobre isso. Mas um dia vai voltar, porque não tem razão de ser. Por que isso aqui? Na
última vez que eu fui aos Estados Unidos, o MOMA estava ainda em Queens. A nova se-
de, em Manhattan, estava em obras. As exposições eram de gravuras e desenhos. Hoje em
dia as pessoas não querem saber. Não dá para entender.
A Renina Katz, que é uma grande gravadora, me disse que parou de fazer lito por-
que não tinha mais onde fazê-lo. Ela fazia na Imago, agora ela faz apenas aquarela. É uma
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pena, mas eu acho que, com os anos, isso vai mudar: o pessoal vai se conscientizar que
isso está errado. É um marketing em cima de instalações que não abre espaço para mais
ninguém. E sobretudo, porque as galerias são dominadas por pessoas que não entendem de
arte, isso é o que eu acho pior. Elas só pegam quem está na crista da onda e na crista da
onda estão estes. Depois que a Giovanna morreu, eu fiquei na minha, quem quiser comprar
meus trabalhos, vá lá em casa, me telefone, nós marcamos. E assim eu vou vivendo. Nessa
altura da minha vida, vou fazer oitenta anos, não vou ficar atrás dessas mulheres que não
entendem nada de arte!
No ano passado foi uma mulher no meu ateliê, me telefonou: “eu gostaria muito de
ver as suas pinturas”. “Pois não”. Entrou, olhou, eu tive aquela trabalheira: tira quadro de
plástico-bolha, mostra aqueles quadros todos etc. Depois que acabou aquilo tudo, ela disse:
“Bom, mas eu queria ângulos e retângulos”.
Você tem que ter uma paciência de Jó: Eu perdi uma tarde inteira. Depois que a
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mulher foi embora, ainda tive que embrulhar aquilo tudo de novo! A pessoa nem se dá ao
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trabalho de procurar saber como é o seu trabalho... Nós, aqui no ateliê, fazemos sempre um
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bazar na época de Natal. Eu disse: “Esse ano eu vou fazer ângulos e retângulos!!!”.
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A prensa Marinoni, que eles têm lá, é uma prensa que faz não sei quantas cópias por
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Acho que não há nenhuma diferença. Isso é a coisa mais normal, que existe. Co-
nheci um rapaz na PUC, quando eu voltei de Londres, em 1975, que trabalhava no ateliê
de gravura, fazia a limpeza, ajudava os alunos. Hoje ele é o maior impressor do Rio de
Janeiro. Chama-se Agustinho Ribeiro. É um impressor maravilhoso, eu nuca vi coisa igual.
Ele imprime para mim há muitos anos.
Depois que aconteceu essa parada, com a gravura, ele faz muito mais serigrafia do
que gravura, porque o mercado foi fechando, fechando e ele teve que arrumar uma maneira
de sobreviver. Agora, trabalha com serigrafia comercial também, realizando encomendas
para empresas, etc. O ateliê dele fica em Vargem Pequena. Ele, hoje, ensina na ESDI, mas
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foi da PUC durante anos. Agustinho é impressor de metal, serigrafia e xilogravura, não
imprime lito.
A prensa dele é igual a essa minha. O Carlos Vergara comprou uma casa para ele
em Santa Teresa para fazer seu ateliê. Encontrou lá uma prensa grande igual a minha. Ele
me telefonou: “Pede ao Agustinho para vir aqui. Eu não sei que prensa é essa!”. Quando o
Agustinho foi lá, era uma prensa igual a minha. Essa prensa foi fabricada em São Paulo,
pela Topal, cujo dono chamava-se Diran. É uma prensa americana que o Diran copiou e
vendeu algumas, inclusive uma para mim. O Vergara disse então para o Agustinho: “Leva
essa prensa para o seu ateliê, quando eu precisar vou imprimir junto com você”. O Vergara
faz muita serigrafia com o Agustinho.
Antigamente, quando chegava julho, você tinha encomendas das mais diversas
firmas para realizar gravuras para o Natal. Você tinha que imprimir cinqüenta, cem cópias
de cada, e eu trabalhava o tempo todo junto com o Agustinho. No momento em que tinha
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aquela gravura que se chama BPI – “boa para imprimir” – você entregava para ele e ele
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fazia a edição. O gostoso da gravura é fazer uma gravura até ela ficar do jeito que você
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quer. Daí em diante, fazer uma tiragem, é uma coisa monótona. Lá fora, porém, uma tira-
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gem de trinta, cinqüenta cópias é feita toda de uma só vez. Aqui, como o mercado parou,
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você faz quatro e espera. Se você vendeu três, faz mais quatro... Você não vai entupir sua
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mecânica, mas eu acho que isso não diminui o valor da cópia. Acho que tem lugar para
tudo.
Uma coisa que eu penso sobre a gravura hoje em dia é que ela está numa posição de
contraste com a maneira como imagens são produzidas e veiculadas hoje em dia, em
que essas coisas são feitas de modo quase imaterial. A gravura, por outro lado, envol-
ve em seu fazer uma fisicalidade e, por vezes uma brutalidade material, incríveis pa-
ra o mundo de hoje.
Há uns dois anos atrás teve um simpósio sobre gravura na PUC, para o qual foi um
pessoal do Parque Laje, foi o Grilo... A discussão que houve lá foi justamente sobre isso.
Fazia-se litografia ainda no Parque Laje, mas aquilo foi acabando e eles foram entrando de
cabeça na computação.
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Eu não tenho nada contra isso, mas uma coisa é gravura, outra coisa é você fazer
um desenho no computador, depois emitir na sua copiadora cem cópias. É uma coisa toda
mecânica, na qual você não meteu a mão. Onde você meteu a mão? Apenas no princípio,
quando você desenhou ali no computador. E nem todo mundo tem aquela canetinha espe-
cial com a qual se desenha hoje em dia no computador. A pessoa, então, entra no Photo-
shop, faz aquilo ali e diz: “Quero cinqüenta cópias”. E pronto! Acho que deveria ter outro
nome, não poderia ser gravura.
Só que “gravar”, para mim significa que você meteu a mão ali. É a tua mão. Ali no
computador a tua mão não existe. O Amador Perez fez uns trabalhos e expôs nessa área. A
partir de uns desenhos seus, seu irmão passou para o computador e depois eles imprimiam.
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Eu acho que tem que dar outro nome, como esse dado pelo Amador. “Gravura” não
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pode ser.
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Há oito anos atrás eu dirigia uma escola chamada Centro de Artes Calouste Gul-
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benkian. Foi a primeira vez na minha vida que trabalhei em serviço público. Tinha um
amigo de infância que se tornou um político, o Renato Archer. Ele me disse: “Eu quero
que você dirija essa escola”. Eu disse que não tinha tempo... E ele: “você tem que vir, por
favor...”. “Só vou se puder levar a minha equipe do MAM”. Ele aceitou e eu fui. Nós cri-
amos um ateliê de gravura ali. Levei para lá minha prensa, que ficava na minha casa.
Liguei para Rizza Conde, que é xilogravadora, e disse: “Rizza, dá um pulo aqui, nós querí-
amos tanto fazer um ateliê aqui...” Ela topou. Ela é arquiteta, também. Nós pegamos umas
duas salas, transformamos e fizemos um ateliê ótimo. Levamos também outra prensa, que
é uma prensa histórica, foi da Edith Behring, quando Edith fundou o ateliê do MAM. De-
pois ela vendeu para a Bia Sasso. Nós levamos tudo para lá e fizemos um ateliê ótimo,
enorme. O Roberto Tavares também foi da minha equipa do MAM e trabalhava também
comigo no Calouste.
Eu liguei para a Maria Clara Machado, que foi minha amiga toda a vida e disse:
“Aqui tem um teatro, nós precisamos de alguém de teatro aqui”. Ela mandou a Dadá Maia
246
e o Ernesto Piccolo, que formaram um grupo teatral no Calouste; ganharam todos os prê-
mios de teatro: Shell, Coca-Cola... Com meninos carentes que estudavam teatro no Calous-
te.
Uma pessoa que me ajudou muito no Calouste foi a Gisella Amaral. Gisella tinha
uma ONG, chamada “Sorrio”, que formava cabeleireiros, cozinheiros...
Depois de oito anos, mudou o prefeito e eu disse: “Agora vou-me embora”. Tele-
fonei para Gisella Amaral e disse: “Gisella, vem para cá uma pessoa que não tem nada a
ver com educação, e eu estou me mandando”. O secretário de cultura que veio, eu o co-
nhecia do meu tempo de jovem, tempo de Ipanema, do Zepelin. Era o Artur da Távola. A
Gisela me disse: “Vamos procurar o Artur da Távola, que é meu amigo”. Nós fomos lá e a
Dadá foi conosco.
Os pais da Dadá, na época da ditadura, moravam na Barra e poucos nessa época
moravam lá. Eles acolheram o Artur da Távola na casa deles. Ele ficou muito tempo lá,
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escondido.
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Quando nós chegamos, a Dadá, a Gisella e eu, o Artur da Távola foi muito amável
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e me disse: “Mas eu te conheço...”. “Ih, isso faz muito tempo, no Zepelin, você era jovem e
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eu também”. “O quê você quer”, perguntou ele. “Eu quero que a Dadá fique no meu lugar.
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Não sei se você lembra, mas a Dadá é filha do Ivan Maia e da Madalena...”. Ele ficou nu-
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ma alegria e disse: “Faço o que você quiser, agora! Ela vai ser nomeada agora!”. E a Dadá
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continuou lá mais um ano, com o pessoal todo, seguindo aquele plano que nós havíamos
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feito. Depois, ela foi despedida por telefone, pelo secretário que entrou no lugar do Artur
da Távola, o Macieira. Aí acabaram com o Calouste. É muito difícil você ter nessa área
política, uma administração que continue a outra. Quem chega, destrói tudo.
A Rizza Conde, então, nos ajudou muito; levamos tudo para a “Villa Venturoza” e
a Rizza construiu então o ateliê, onde trabalhamos há três anos. Isso aqui era uma garagem.
Construíram isso aqui muito rápido, não foi Bia?
Bia: Foi. Começaram as obras em janeiro, e depois do carnaval nós já estávamos aqui. Isso
foi em 2000. Você me ligou no natal de 2000 para 2001.
A Thereza me ligou e disse: “É hoje!”.
Thereza: (Risos). Nós pegamos tudo. Você não faz idéia do que foi aquilo. Chovia! Agus-
tinho pegou um primo dele que sabia mexer com máquinas. Nós desmontamos tudo do
Calouste que era nosso, enfiamos numa Kombi que teve que fazer três viagens para trazer
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tudo para cá! Isso porque, senão, a nova diretora do Calouste podia achar que aquilo tudo
era da prefeitura e era tudo nosso, meu, da Bia, do Tavares...
Esse ateliê chama-se Villa Venturoza, porque é o nome do prédio. Isso aqui foi
antigamente um prostíbulo. Anna Bella Geiger sempre fala que quando o pai dela veio
para o Brasil, imigrando, quis alugar um quarto aqui, mas não pôde porque era um prostí-
bulo.
Como diz o Ferreira Gullar, esse ateliê são gravadores lutando para a gravura não
morrer. É assim. A gravura é uma luta eterna.
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8.8
Entrevista com Amador Perez – Rio de Janeiro, 13/08/2007
atrás, quando comecei a trabalhar com essas questões, ainda não tinha consciência disso;
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tinha apenas uma paixão imensa pela gravura e hoje ela existe no meu trabalho como con-
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conheci Agustinho Coradello, na PUC. Ele trabalhava com a Thereza Miranda. Estava
lançando as notas dos alunos, com ela. Agustinho é um apaixonado pelo ofício da gravura,
especialmente a gravura em metal, técnica na qual se iniciou, sob a orientação de Thereza.
Ele já imprimiu xilogravura e faz serigrafia, mas seu forte é o metal.
Quando vi o Agustinho imprimindo fiquei boquiaberto. Pensei: “Vou voltar a fazer
gravura” e ele começou a me provocar, me instigando a fazê-lo, mas, quando se trata de
arte, a “besta-fera” se manifesta dentro de mim... e a vontade de trabalhar também!
No início de minha carreira, não tinha dinheiro para fazer gravura. Felizmente,
sempre fui um sujeito muito disciplinado. Minha mãe me ensinou a ser assim, mas não
havia como eu ter um ateliê de gravura, com todos aqueles materiais e também não queria
trabalhar em um ateliê coletivo. Reduzi, então, meu elenco a duas coisas muito simples: o
papel e o lápis. Mesmo que o papel importado fosse um pouco caro, com os formatos que
trabalhava, uma folha dava para muitos desenhos. Durante anos, meu ateliê se reduziu a
uma prancheta da Casa Mattos, “a amiga número um do estudante do Brasil!”. Tenho essa
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prancheta até hoje. Ela se tornará a matriz de um trabalho inclusive, uma vez que, ao longo
dos anos, foi gravada com marcas que estou considerando explorar.
Através do desenho, me propus a gravar imagens no papel, o que funciona ao con-
trário do processo off-set das reproduções, onde a película de tinta – de espessura muito
fina – cobre a superfície do papel.
Ao decidir voltar a fazer gravura, o fiz, logicamente, com um sentido distinto da-
quele de quando era aluno do MAM. Conversei com Agustinho sobre um projeto que tinha
guardado há muitos anos. Perguntei se ele se interessaria em começar uma parceria e a
resposta foi um “sim”, imediato e sonoro!
Queria fazer gravura, mas sem tocar na chapa; Queria provar que, mesmo utilizan-
do uma técnica tão manual quanto essa, podemos privilegiar a idéia mais do que o artesa-
nato. Levei um layout do que pretendia fazer para saber se aquilo era possível ou não. A-
gustinho enlouqueceu: “Nós temos que fazer!”
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tamento de Artes e Design, nos horários vagos. Mas precisava também de um parceiro que
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manipulasse digitalmente as imagens e assim, meu irmão – Lula Perez – entrou em campo.
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Lula já fazia meus catálogos, me apoiando tecnicamente. E também desenhou meu site.
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Ele, então, escaneou alguns desenhos meus. Estas imagens foram transpostas para a matriz
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de metal, gravadas na chapa através de uma técnica que Agustinho reinventou, uma varia-
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ção da fotogravura.
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com a participação de Fernando Cochiaralle, Carlos Martins, Paulo Sérgio Duarte, Rubem
Grillo, Thereza Miranda; além de Rafael Cardoso, como organizador e eu, como mediador.
As gravuras foram produzidas entre 1999 e 2001 no ateliê da PUC e também no
Centro de Arte Calouste Gulbenkian, espaço cedido generosamente pela Thereza Miranda,
diretora do Calouste naquela época.
O Lula desenhou o folder na exposição que foi impresso em serigrafia. Foram
2.000 exemplares impressos no ateliê do Agustinho, que ainda estava em construção. Um
trabalho hercúleo, uma experiência gratificante e enriquecedora!
Por que, ao se voltar para a gravura, você elegeu a gravura em metal e não a litogra-
fia, uma técnica, que, a meu ver, está mais relacionada com o desenho a grafite?
Penso que meu trabalho está mais próximo da gravura em metal e mesmo da xilo
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fico e não planográfico. Alguns desenhos, faço literalmente sulcando, raspando, ferindo o
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papel; isto é, exaltando a materialidade da imagem, imagem esta que não está na matriz ou
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no papel, mas sim na mente. Quero dar corpo à idéia. Faço um desenho muito material,
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visceral. Mesmo que os resultados aparentem delicadeza – de fato, são delicados tanto
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quanto incisivos. São pequenos, mas não são miniaturas como muitos crêem, apenas traba-
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lho reproduzindo a escala das referências que utilizo, na maioria das vezes, cartões postais
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Comecei este trabalho motivado pelo meu irmão a fazer algo que fosse mais aces-
sível às pessoas em termos de mercado. Mas, quando nós começamos, aconteceu a mesma
coisa que no meu trabalho com Agustinho: a idéia foi adquirindo uma dimensão ainda
maior e tomando conta de mim, estendendo a proposta da gravura e do próprio desenho.
Simplificando, a tonergrafia é uma impressão a laser sobre papel. Mas tem toda
uma lógica, uma história e um processo que nos levaram a esse conceito.
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permeadas desse tipo de imagens: fotos 3 x 4, carteiras de identidade, selos e cartões tele-
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fônicos. Muitas destas tornam-se objetos de fetiche, peças disputadas por colecionadores.
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Nosso mundo particular está lotado destas imagens. No meu caso, trabalho com reprodu-
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ções de obras artísticas porque a arte é o meu mundo e o meu universo. Lembro-me de
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comprar, aos nove anos de idade, livrinhos de coleção de arte em feiras de livros que guar-
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a trabalhar a minha relação com elas. Busquei uma ponte com a história e a filosofia da
arte através destas reproduções – lembrando que só trabalho a partir das obras ou imagens
que me afetam, isto é, que eu amo, e não aquelas oficiais da História da Arte. Agora, se
esse conjunto de imagens com o qual eu tenho trabalhado significa uma forma de ver a
arte, isto já indica uma escolha e um gosto pessoal.
Você vai perceber no meu trabalho uma predominância da arte clássica e românti-
ca, isto é, de obras figurativas, relacionadas a questões humanistas. Alguns amigos e críti-
cos de arte, bem como alguns alunos, pessoas que se interessam e discutem meu trabalho,
me despertaram ainda mais para estas questões.
Por que, então, “tonergrafia”?
Em 2005, fiz uma exposição no Centro Cultural Cândido Mendes e queria um títu-
lo para a mostra, mas estava com dificuldade de definir tecnicamente o trabalho. Termos
como “arte digital”, “gravura digital”, não me serviam, porque eram muito genéricos.
Conversando com o Lula, ele deu essa sacada: “toner-grafia”. Um termo que valorizava o
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toner, ou seja, a matéria plástica utilizada na impressão, ampliando a discussão que propo-
nho sobre a materialidade das reproduções das obras de arte.
Nos polípticos baseados em “A Alcoviteira” e “A Arte da Pintura”, de Vermeer,
trabalhei com o que dizem os historiadores dois possíveis auto-retratos do artista holandês.
Vermeer é um artista que admiro muitíssimo e sobre cuja história de vida existe muito
pouca informação. Sua obra se resume a trinta e poucas peças.
Nesta série, parti de uma reprodução que encontrei no fascículo da coleção “Gênios
da Pintura”. Coloquei um papel manteiga por cima, e fiz um desenho decalcado a grafite
focalizando a figura do pintor e marcando as linhas de construção do quadro.
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Lula escaneou e trabalhei esta imagem no computador. Assim como Agustinho Co-
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radello foi o técnico de impressão das minhas gravuras, Lula Perez é o técnico que resolve
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as questões digitais das tonergrafias e de outros projetos meus. Ele é “minhas mãos” no
momento de trabalhar as imagens no computador.
Sobreposta a esta imagem da pintura, há outra, linear, uma representação da figura
do pintor, desenhada com uma linha “pixelada” que parece ter sido gerada como o mouse,
ou com a caneta digital. Na verdade, foi feita de outra maneira. Tinha curtido durante anos
a fio esta imagem e pensei: “essa imagem já está introjetada em mim”. Com os olhos fe-
chados, apalpando a folha de papel, fiz uma série de desenhos, com caneta Bic, baseados
naquela figura. Quando olhei o resultado, não acreditei: Eram muito semelhantes àquela
reprodução ao original, inclusive em dimensões gráficas. Pedi ao Lula para escanear o me-
lhor deles, “pixelando” a linha. Com isso, nós criamos a ilusão de que ela foi digitalmente
construída, subvertendo um processo de percepção e construção da forma e da imagem.
Esse desenho, por sua vez, relaciona-se com a própria imagem da pintura escanea-
da e trabalhada digitalmente. Na série, vou articulando as cores da palheta do pintor, as
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qüilidade para transmitir ao funcionário a idéia exata do seu trabalho. Às vezes você preci-
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está desregulada, ou o papel que você deseja está faltando no formato adequado... Mas nós
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projeto atual.
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Outro aspecto que se destaca neste trabalho, e mesmo nas gravuras em metal feitas
anteriormente em colaboração com Agustinho, é uma discussão que eles abrem acer-
ca da autoria destas imagens. Como você vê esta questão?
gem. Um artista que pouco domina os meios da gravura, e tampouco a tecnologia digital –
minha interface com o computador até hoje é meio complicada, não tenho muito prazer de
ficar sentado ali, embora recentemente, estimulado pelo trabalho do Lula, tenha começado
a me interessar.
Nesse processo, meu trabalho identifica a autoria dos artistas – que são meus pares
em outras épocas, com os quais, ou com cujas obras me identifico – estabelecendo uma
relação entre a idéia de passado e presente; projetando imagens e desejos para o futuro;
tentando dialogar com os espectadores destes desenhos, gravuras e tonergrafias, a partir de
componentes de obras que admiro e que me fazem refletir sobre arte: idéia, autoria, origi-
nalidade, subjetividade e poética; deslocando certos eixos de uma tradição; questionando o
estatuto da obra e de sua reprodução numa era “pós-benjaminiana”.
tonergrafia, seguindo certo padrão ou lógica de mercado. Rapidamente, porém, nós perce-
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bemos que isso não faz sentido. Se for para democratizar, que usemos então o off-set, ofe-
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Passei a trabalhar com uma tiragem de cinco exemplares, o que valorizou as gravu-
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ras e as tonergrafias como produtos mercadológicos e obras de arte em si – obras que não
objetivam (nem poderiam) rivalizar com as reproduções em massa veiculadas nos postais,
livros, pôsteres, impressos e imprensa em geral. Trabalhar com essa questão já prefigura
outro projeto, outra forma de ação, outra estratégia artística.
Na história da gravura há muitas variações sobre a utilização de uma tiragem e seus
exemplares, assim como na história da arte há inumeráveis questões sobre autoria, proprie-
dade e negociação da obra de arte.
Dentro deste questionamento, estou trabalhando as tonergrafias como peças únicas,
como originais, apesar de suas matrizes serem digitais, colocando lado a lado, participando
da mesma obra, uma imagem impressa a laser e um original desenhado, gravado ou pinta-
do.
Hoje em dia há uma “nova academia”, como costumo ironizar, um sistema de arte
que envolve o mercado, dominando a arte atual ou contemporânea e supervalorizando de-
terminados meios e tecnologias, estabelecendo fórmulas e gerando preconceitos em rela-
ção à utilização de instrumentos e suportes ditos tradicionais na arte. Os meios artesanais
são rejeitados pela “sociedade do espetáculo”. Penso que o problema é a instituição de
certos meios como passaporte para a contemporaneidade, como, por exemplo, a vídeo-arte,
genialmente trabalhada por artistas da qualidade de um Bill Viola.
Se, por um lado, a arte moderna e a arte contemporânea conseguiram grandes pu-
xadas de tapete, grandes aquisições; por outro lado, nós estamos, hoje, vivendo um mo-
mento muito complicado: o que nós, artistas, podemos fazer em relação a mercadores de
arte com um nível cultural e intelectual tão baixo e uma visão mercadológica tão limitada e
influenciável?
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Há um tempo atrás foi veiculada uma campanha publicitária da Natura que utiliza-
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va a xilogravura como meio de produção de imagens que foram animadas através do com-
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putador. Nesta mesma época, no festival internacional de cinema do Rio, muitos “Micas”
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estavam sendo distribuídos e também eram ilustrados com essa e outras técnicas manuais.
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gem da xilogravura. Nesses casos, está embutida a publicidade valorizando a questão arte-
sanal na produção de imagens, num contexto em que a informática propiciou um afasta-
mento dos instrumentos mais primários, como o lápis, a goiva, etc. Percebo, hoje, nas es-
colas de artes e design uma procura e um retorno aos chamados meios tradicionais de pro-
dução de imagens, reconceituados como técnica e revalorizados como linguagem, o que
parece significar uma postura inteligente e positiva na cena artística e cultural contemporâ-
nea.
Uma coisa da qual me orgulho muito foi um curso que iniciei há uns dez anos a-
trás, na PUC e que desenvolvo também na ESDI, com grande aceitação e entusiasmo por
parte dos alunos, curso este que tem dado excelentes resultados ainda não explorados em
toda a sua potencialidade por causa dos limites estabelecidos pelos currículos e sistemas de
crédito vigentes. Desde que comecei a trabalhar na universidade, encontrei um contingente
enorme de alunos interessados em trabalhar com o desenho e também com a ilustração.
Propus, então, uma disciplina onde relaciono a história dos meios mecânicos de reprodu-
ção de imagens – a história da democratização dos saberes e difusão das imagens. Através
de um trabalho de produção de desenhos ou ilustrações para veículos gráficos da área cul-
tural artística, pesquisamos, de forma experimental, os princípios técnicos que originaram
a clacografia (xilogravura e metal) e a planografia (serigrafia e litografia/off-set).
Os alunos estão relacionando os meios artesanais e digitais de geração e produção
de imagens de forma prazerosa, lúdica e inteligente, com métodos e disciplinas próprios. O
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Acredito muito em Leonardo quando disse: “Arte, cosa mentale”. O espírito reside
Digital
em nossa mente.
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