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Pedro Sánchez Cardoso

A Lithos Edições de Arte e as


Transições de Uso das Técnicas de
Reprodução de Imagens
Nº 0610408/CA
Digital
Digital Nº null

Dissertação de Mestrado
- Certificação
- Certificação
PUC-Rio

Dissertação apresentada como requisito parcial para


obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
PUC-Rio

Graduação em História Social da Cultura, do Departa-


mento de História da PUC-Rio.

Orientador: Prof. Antonio Edmilson Martins Rodrigues

Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
Livros Grátis
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2

Pedro Sánchez Cardoso

A Lithos Edições de Arte e as


Transições de Uso das Técnicas de
Reprodução de Imagens
Nº 0610408/CA
Nº null

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do


grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História
Social da Cultura do Departamento de História do Centro de Ci-
Digital

ências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examina-


Digital

dora abaixo assinada.


- Certificação
- Certificação
PUC-Rio

Prof. Antonio Edmilson Martins Rodrigues


Orientador
PUC-Rio

Departamento de História
PUC-Rio

Profª. Maria Luisa Luz Tavora


Escola de Belas Artes
UFRJ

Profº João Masao Kamita


Departamento de História
PUC-Rio

Profº João Pontes Nogueira


Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais
PUC-Rio

Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 2008.


3

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução to-


tal ou parcial do trabalho sem a autorização da universi-
dade, do autor e do orientador.

Pedro Sánchez Cardoso

Artista plástico e professor, graduou-se em Gravura pela


Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Participou de diversas exposições, entre as quais
se destacam: IBEU 70 Anos – Exposição comemorativa
dos 70 anos da Galeria de Artes do Instituto Brasil Esta-
dos Unidos (2007); Grupo de Xilogravadores Cavalo
Preto – coletiva na galeria de FURNAS, Rio de Janeiro
(2005); Coração Amador, Individual na galeria de arte
IBEU, RJ (2005); SELVA, coletiva na Casa de Cultura
Laura Alvim, RJ; (2004); solo Sánchez, individual no
Canto d'Alice, RJ (2004); Irmãos Sánchez – Gravuras,
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coletiva na Casa de Cultura Estácio de Sá, RJ (2003);


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Gustavo Speridião, Pedro Sánchez – Pinturas. – Galeria


do SESC, Niterói (2001); Novíssimos 2001, coletiva na
Galeria do IBEU, RJ e Prêmio RioArte de Jovens Artis-
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tas, coletiva, Espaço Sérgio Porto, RJ, (2000). Desde


Digital

2002, atua como professor de artes plásticas no Grupo


- Certificação

Nós do Morro, no Vidigal, Rio de Janeiro.


- Certificação

Ficha Catalográfica
PUC-Rio

Cardoso, Pedro Sánchez


PUC-Rio

A Lithos Edições de Arte e as transições de uso


das técnicas de reprodução de imagens / Pedro Sán-
chez ; orientador: Antonio Edmilson Martins Rodri-
gues. – 2008.
256 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em História)–Pontifícia


Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Ja-
neiro, 2008.
Inclui bibliografia

1. História – Teses. 2. História social da cultura.


3. Gravura. 4. Litografia. 5. Xilogravura. 6. Gravura
em metal. 7. Artes gráficas. 8. Reprodução de ima-
gens. 9. Indústria gráfica. I. Rodrigues, Antonio Ed-
milson Martins. II. Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro. Departamento de História. III. Título.

CDD: 900
4

Agradecimentos

Ao meu orientador Antonio Edmilson Martins Rodrigues.


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A Marcos Varela, Amador Perez, Carlos Martins, Iuri Frigoletto, Helena de Barros, João
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Sánchez, Julieta Roitman e Pedro Henrique Torres, pelas idéias, opiniões e apoio funda-
mentais.
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A Guilherme Rodrigues, Gláucia Altmann e toda equipe da Lithos Edições de Arte, cuja
Digital
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generosidade possibilitou a realização deste trabalho.


- Certificação

Aos professores João Masao e Maria Luisa Távora, que participaram da banca examinado-
ra.
PUC-Rio

Aos meus pais e à minha mulher, Mariana, por tudo.


PUC-Rio
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Resumo

Cardoso, Pedro Sánchez; Rodrigues, Antonio Edmilson Martins. A Lithos Edições


de Artes e As Transições de Usos das Técnicas de Reprodução de Imagens.
Rio de Janeiro, 2008. 256p. Dissertação de Mestrado - Departamento de História,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Esta dissertação analisa as transições de usos pelas quais passaram as técnicas de


reprodução de imagens. São identificadas as diferentes roupagens funcionais assumidas
por tais fazeres e, dentre elas, privilegiadas as abordagens especificamente artísticas: aque-
las que se valem de técnicas que perderam sua utilização funcional e aquelas que se apro-
priam de técnicas até então marcadas estritamente por esta funcionalidade. Nesse contexto,
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é então estudada a atuação da Lithos Edições de Arte, oficina gráfica fundada em 1973, no
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Rio de Janeiro. Ao longo de 35 anos, a Lithos vem trabalhando junto a importantes nomes
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das artes brasileiras, oferecendo-os a possibilidade de realizar trabalhos em série em seri-


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grafia e litografia. Desde 2005, esta oficina realiza uma pioneira experiência com a nova
- Certificação

técnica de gravação digital de matrizes de off-set, o CTP, computer-to-plate. Desenvolvi-


- Certificação

das e direcionadas para a industria gráfica, na Lithos, essas matrizes são adaptadas e im-
pressas em uma prensa litográfica Marinoni, do século XIX.
PUC-Rio
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Palavras-chave
Gravura; litografia; xilogravura; gravura em metal; artes gráficas; reprodução de
imagens; indústria gráfica.
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Abstract

Cardoso, Pedro Sánchez; Rodrigues, Antonio Edmilson Martins. Lithos Edições


de Arte and the Transitions of Uses of the Techniques of Reproduction of
Images. Rio de Janeiro, 2008. 256p. MSc. Dissertation - Departamento de História,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This dissertation analyzes the transitions of uses that the techniques of reproduction
of images have passed through. The study identifies different functional outwardness
assumed for such doings, and, among them, it privileges the specifically artistic
approaches: those using techniques that lost their functional use and those that appropriate
of techniques strictly marked until then by this functionality. In that context, it is, then,
studied the performance of “Lithos Edições de Arte”, graphic workshop founded in 1973,
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in Rio de Janeiro. Along 35 years, Lithos is working close to important names of the
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Brazilian arts, offering them the possibility to carry out serial works in screen-printing and
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lithograph. Since 2005, this workshop accomplishes a pioneer experience with the new
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technique of digital recording of offset matrices, CTP, computer-to-plate. Developed and


- Certificação

addressed for the graphic industry, in Lithos, those matrices are adapted and printed in a
- Certificação

lithographic press Marinoni, of the century XIX.


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Keywords
Printmaking; lithography; woodcut; engraving; etching; graphic arts; reproduction
of images; graphic industry.
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Sumário

1. Introdução
1.1 A gravura e quatro métodos de gravação 12
1.2 A incisão, a reprodutibilidade
e o desenvolvimento das técnicas de gravura 14

2. As distintas utilizações das técnicas de gravura


2.1 Laran / Ivins Jr. = Orlando da Costa Ferreira 30
2.2 O uso artístico das técnicas de gravura 33
2.3 Parêntesis: a gravura e o expressionismo 36
2.4 Duas outras características da utilização desinteressada
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das técnicas gráficas 39


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2.5 A Lithos Edições de Arte 42


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3. As Técnicas Gráficas no Rio de Janeiro Oitocentista 48


Digital
- Certificação

3.1 Primeiros anos: 1808 – 1809 49


- Certificação

3.2 1810 – 1819 51


3.3 1820 – 1829 53
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3.4 1830 – 1839 57


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3.5 1840 – 1849 59


3.6 1850 – 1859 62
3.7 1860 – 1869 64
3.8 1870 – 1879 66
3.9 1880 – 1889 70
3.10 1890 – 1900 72
3.11 A particularidade do meio gráfico oitocentista carioca 74

4. O desenvolvimento do meio de artes gráficas no Rio de Janeiro


ao longo do século XX 92
4.1 A gravura de arte brasileira 93
4.2 As principais instituições multiplicadoras 96
4.2.1 O Liceu de Artes e Ofícios 96
8

4.2.2 O Curso de Artes Gráficas da Fundação Getúlio Vargas 97


4.2.3 O ensino da gravura na Escola Nacional de Belas Artes 98
4.2.4 O Atelier do Museu de Arte Moderna 100
4.2.5 Outros ateliês 102
4.3 O Desenvolvimento do meio gráfico brasileiro 102
4.4 Arte e Indústria 114

5. A Lithos Edições de Arte 119


5.1 A tradição técnica da Lithos Edições de Artes 120
5.2 Dois casos 126
5.3 Gravura de desenhistas 130
5.4 As “técnicas centenárias de impressão, preservadas pela Lithos” 132
5.5 O caso do CTP 133
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5.6 O uso artístico do CTP 136


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6. Conclusão 160
Digital
- Certificação
- Certificação

7. Referências Bibliográficas 168


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8. Apêndice: Entrevistas
8.1 Carlos Martins 174
8.2 Marcos Baptista Varela 181
8.3 Darel Valença Lins 185
8.4 Guilherme Rodrigues e Gláucia Altmann 191
8.5 Alan Passos 213
8.6 Iuri Frigoletto 221
8.7 Thereza Miranda 238
8.8 Amador Perez 248

Lista de Imagens
9

Figura 1.1 – Variações, Stickers sobre papel, Nelson Leirner, 2003/2004. 29


Figura 1.2 – Bois Protat, xilogravura, anônimo, 1360. 29
Figura 2.1 – Rótulo, xilogravura, Damásio Paulo da Silva, s/d. 44
Figura 2.2 – Rótulo do Café Conquistador, xilogravura, anônimo, s/d. 44
Figura 2.3 – Rótulo para a aguardente Superior, xilogravura,
João Pereira da Silva, s/d. 44
Figura 2.4 – Folder para a exposição Gabinete de Estampas - gravuras,
de Amador Perez, 2006. 45
Figura 2.5 – Degolado, xilogravura, Adir Botelho, 1997. 46
Figura 2.6 – Ilustração para a Bíblia, xilogravura, Gustave Doré, 1843. 47
Figura 2.7 – Políptico baseado em A Alcoviteira, de Vermeer, tonergrafia,
Amador Perez, 2003. 47
Figura 3.1 – Partes de uma bateria, buril, José Francisco Chaves, 1749. 79
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Figura 3.2 – Anúncio de abridores e estampadores, xilogravura, Fulseman, 1845. 79


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Figura 3.3 – Anúncio de abridores e estampadores, xilogravura, Domère, 1845. 79


Digital

Figura 3.4 – Batalha do Buçaco, xilogravura, Braz Sinibaldi (?), 1810. 80


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Figura 3.5 – Moinho a vapor, xilogravura, anônimo, 1822. 81


- Certificação

Figura 3.6 – São Sebastião, litografia, Pallière, 1818. 81


- Certificação

Figura 3.7 – Ilustração para livro técnico, litografia, Steinmann, 1827. 81


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Figura 3.8 – Onça, xilogravura, anônimo, 1838. 82


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Figura 3.9 – Cobra, xilogravura, anônimo, 1838. 82


Figura 3.10 – Leiloeiro, xilogravura, anônimo, 1831. 82
Figura 3.11 – História Natural dos Animaes, xilogravura, anônimo, 1837. 83
Figura 3.12 – Cão, xilogravura, anônimo, 1846. 83
Figura 3.13 – Praça de Barbacena, litografia Heaton & Rensburg, 1845. 84
Figura 3.14 – Lanterna Mágica, litografia, Raphael Mendes de Carvalho, 1844 84
Figura 3.15 – Rótulo para Imperial Fábrica de Chocolate a Vapor Andalusa,
litografia, s/d, Rafael Bordallo Pinheiro. 85
Figura 3.16 – Semana Illustrada, litografia, Henrique Fleiuss, 1864. 86
Figura 3.17 – Historia Natural Popular dos Animaes,
xilogravura, Instituto Artístico, 1865. 86
Figura 3.18 – Revista Ilustrada, litografia, Angelo Agostini, 1876. 87
Figura 2.19 – As Aventuras de Zé Caipora, Angelo Agostini, s/d. 87
Figura 3.20 – Illustração do Brazil, litografia, Charles Vivaldi, 1876. 88
10

Figura 3.21 – Illustração do Brazil, litografia, Charles Vivaldi, 1878. 88


Figura 3.22 – A Pulga, xilogravura, Modesto Brocos, 1881. 89
Figura 3.23 – Typographia Nacional, xilogravura, Ad. Hirsch, 1886. 89
Figura 3.24 – Cypriano Barata, xilogravura, Pinheiro, 1882. 89
Figura 3.25 – Marinha, xilogravura, APinheiro, 1887. 90
Figura 3.26 – Machado de Assis, xilogravura, Villas Boas, 1886. 90
Figura 3.27 – A Semana, 1893. 91
Figura 3.28 – A Cigarra, 1895. 91
Figura 3.29 – Revista da Semana, 1900. 91
Figura 3.30 – Revista da Semana, 1900. 91
Figura 4.1 – Caricaturas, Guevara e Figueroa, década de 1920. 117
Figura 4.2 – Capas da Revista Cinearte, década de 1920 e 1930. 118
Figura 4.3 – Ilustrações de Santa Rosa para capas e miolos de livros, Santa Rosa. 124
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Figuras 5.1 e 5.2 – Álbum de Aves Amazônicas, litografia, Ernst Lohse, 1900/1906. 145
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Figura 5.3 – Lenda da Carnaubeira, 1936. 145


Digital

Figura 5.4 – Guia de Ouro Preto, 1938. 145


Digital

Figura 5.5 – Litografia de Cândido Portinari, 1939. 146


- Certificação

Figuras 5.6, 5.7, 5.8 e 5.9 – Pintura Brasileira III – década de 1950. 147
- Certificação

Figura 5.10 – Cardápio para Jockey Club Brasileiro. 148


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Figura 5.11 – Filme com “silhueta” traçada. 148


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Figura 5.12 – Prova de impressão da matriz azul. 148


Figura 5.13 – Reprodução de A Primeira Missa no Brasil. 149
Figura 5.14 – Mapa Architectural do Rio de Janeiro, 1971. 149
Figura 5.15 – Litografia de Lan. 150
Figura 5.16 – Matrizes litográficas para reprodução de obra de Lan. 150
Figura 5.17 – Rosas Várias e Bule Azul, Scliar, vinil e colagem encerados sobre tela. 151
Figura 5.18 – Rosas Várias e Bule Azul, Scliar, serigrafia. 151
Figura 5.19 – Lampião e pêra, Scliar, vinil e colagem encerados sobre tela. 151
Figura 5.20 – Lampião e pêra, Scliar, serigrafia. 151
Figura 5.21 – Garrincha, serigrafia, Rubem Gerchman. 152
Figura 5.22 – Cahier´s d´Artiste, Álbum litográfico, Rubem Gerchman. 152
Figura 5.23 – Serigrafia de Rubem Gerchman. 152
Figura 5.24 – Prensa Marinoni. 153
Figura 5.25 – Homenagem a J. Carlos, serigrafias. 153
11

Figura 5.26 – Catálogo da exposição “Bar”. 153


Figura 5.27 – Capa do Livro Jazz. 154
Figura 5.28 – Ilustração de Lan para o livro Jazz. 154
Figura 5.29 – Ilustração de Chico Caruso para o livro Jazz. 154
Figura 5.30 – Ilustração de Paulo Caruso para o livros Jazz. 154
Figura 5.31 – Roseta ampliada. 155
Figura 5.32 – Processo de gravação da chapa de CTP. 156
Figura 5.33 – Chapa de CTP e impressão na prensa Marinoni, Tunga. 157
Figura 5.34 – Folder da exposição Alumínio Digital. 157
Figura 5.35 – Daniel Senise, CTP. 157
Figura 5.36 – Paulo Vivacqua, CTP. 167
Figura 5.37 – Rafael Carneiro, CTP. 158
Figura 5.38 – Gustavo Speridião, CTP. 158
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Figura 5.39 – Elevador, José Damascendo, CTP. 159


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Figura 5.40 – José Damasceno, CTP. 159


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Figura 5.41 – Miguel Rio Branco, CTP. 159


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Figura 5.42 – Antonio Manuel, CTP. 159


- Certificação

Figura 6.1 – Contorcionista, Helena de Barros. 164


- Certificação

Figura 6.2 – La chica del boxer, João Sánchez. 164


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Figura 6.3 – Imagem para o álbum Couro de Gato, João Sánchez. 164
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Figura 6.4 – Inferno na Torre, João Sánchez. 164


Figura 6.5 – O Filho do Sol, Francisco de Almeida. 165
Figura 6.6 – A Morte dos Beija-Flores, Francisco de Almeida. 165
Figura 6.7 – Gravador Freelancer, Pedro Sánchez. 165
Figura 6.8 – Adidas-Panamá, Pedro Sánchez. 165
Figura 6.9 – Ratam, Patrícia Mado. 166
Figura 6.10 – Inverno, Patrícia Mado. 166
Figura 6.11 – Mal Falado, Flávio Vasconcelos. 166
Figura 6.12 – Mal Falado 2, Flávio Vasconcelos. 166
Figura 6.13 – Genealogia do Afeto, Rubem Grilo. 167
Figura 6.14 – Sem Título, Cláudio Mubarak. 167
Figura 6.15 – Dos dias de inverno, Ernesto Bonato. 167
12

1
Introdução

Localizada no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, a Lithos Edições de Arte é uma


oficina gráfica onde artistas atuantes em inúmeros meios, independentemente do tipo de
relação que tenham com as técnicas de reprodução de imagens, têm a oportunidade de pro-
duzir múltiplos gráficos em litografia, em serigrafia, ou através da articulação destas duas
técnicas. Ali, os artistas podem trabalhar diretamente sobre as matrizes, amparados por
uma equipe técnica, ou ter um original – a lápis, aquarela, carvão, guache, óleo, fotografia,
etc. – transposto para matrizes e reproduzido n vezes.
Extremamente ativa durante as décadas de 1970, 80 e 90, a Lithos acumulou um
acervo de peças que abarca grande parte da história da arte brasileira durante estes anos.
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Em dezembro de 2007, trabalhos editados ali compuseram a exposição Alumínio Digital,


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na Galeria Artur Fidalgo, em Copacabana. Participaram da mostra dez diferentes artistas,


de gerações e poéticas distintas. As obras foram produzidas em uma nova técnica de gra-
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vação digital de matrizes de off-set, o CTP, e impressas em uma prensa litográfica automá-
Digital
- Certificação

tica, de meados do século XIX, da marca Marinoni. Na maioria delas, houve a sobreposi-
- Certificação

ção de outras matrizes, produzidas em serigrafia.


Como qualificar a atuação da Lithos, uma vez que esta se situa no limiar entre um
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atelier artístico e uma oficina gráfica? Como se coloca a utilização de técnicas gráficas
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seculares, como a serigrafia, a litografia e outras, por parte de artistas, hoje? Qual o signifi-
cado de direcionar para uma utilização artística uma técnica gráfica cuja utilização pela
industria, ainda em voga, lhe era, até então, exclusiva? Estas são algumas das questões que
esta dissertação pretende analisar.

1.1
A gravura e quatro métodos de gravação

De acordo com o bibliófilo Orlando da Costa Ferreira,


13

“gravura é a arte de transformar a superfície plana de um material duro, ou, às vezes, dota-
do de alguma plasticidade, num condutor de imagem, isto é, na matriz de uma forma criada
para ser reproduzida certo números de vezes”1.

A imagem impressa forma-se a partir do seu contraste com o suporte sobre o qual é
estampada. O papel é o suporte mais comum da gravura. Sua invenção, distribuição e po-
pularidade, tanto no Oriente, quanto na Europa, foram fatores determinantes para a repro-
dução de imagens.
Segundo Ferreira, podemos subdividir as diversas técnicas que compõe a “arte da
gravura” em quatro grupos distintos, consagrados por diferentes “atitudes básicas de inse-
minação”. A primeira, a mais antiga das formas de impressão, é a “gravura a relevo”. Nela,
tudo o que constitui a imagem é poupado na matriz pelos instrumentos e pela ação do gra-
vador. No momento da impressão, as áreas intactas recebem a tinta e a transmitem para o
suporte, por meio de prensas ou por fricção manual. Pode-se gravar a relevo em linóleo,
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pedra, metal, ou em materiais alternativos, mas a modalidade mais popular é a xilogravura,


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que utiliza a madeira como matriz. O processo de “gravura a entalhe” ou “em côncavo”,
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consiste no princípio oposto. Nele, as linhas e áreas gravadas retêm a tinta que é posteri-
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ormente impressa sobre o papel. O metal mostrou-se o mais indicado meio para esta forma
- Certificação

de gravação, mas outros materiais foram e são ainda utilizados, como a pedra, o acrílico ou
- Certificação

plástico.
O terceiro método de gravação é a “gravura em plano”, no qual não se elimina ne-
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nhuma área da superfície, mas trabalha-se de modo que certas partes simplesmente não
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recebam e, consequentemente, não transmitam a tinta no momento da impressão. Ferreira


refere-se, aqui, particularmente à litografia, técnica de impressão de imagens que utiliza a
pedra (ou, como alternativa, o metal e até mesmo o papel) como matriz. Nesta técnica, o
que garante a reprodução da imagem obtida é a incompatibilidade entre a água absorvida
pelas áreas brancas da matriz e o óleo da tinta de impressão. Poderíamos, contudo, acres-
centar neste conjunto a monotipia, técnica peculiarmente pictórica, em que o artista traba-
lha com tintas sobre determinada superfície e, em seguida imprime a matriz uma única vez,
em detrimento do esmaecimento da imagem nas impressões sucessivas, vindo deste fato
seu nome.
Temos, finalmente, a “gravura a estampilha”, onde formas são decalcadas de uma
película qualquer e, então, estampadas por meio de pincéis, rolos, rodos, ou spray. Tratam-

1
FERREIRA, Orlando da Costa. Imagem e Letra: Introdução à Bibliologia Brasileira: A Imagem Gravada.
São Paulo. 2. ed.: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, p. 29.
14

se do pochoir, ou estêncil – associados frequentemente pelos gravadores a outras técnicas


como uma prática maneira de inserir cores em seus trabalhos, mas também desenvolvidas
independentemente – e da serigrafia, particularmente explorada, por sua praticidade e seu
caráter “impessoal”, pelos artistas da pop art.

Não cabe fazer aqui uma história cronológica das técnicas de reprodução de ima-
gens. As questões que pretendo levantar dizem respeito, principalmente, às mudanças de
usos pelas quais passaram as técnicas de gravura e àqueles aspectos por trás destas trans-
formações. Assim, traçarei um breviário desse processo histórico, apontando alguns fatos
marcantes para esta discussão. “Incisão” e “reprodutibilidade” serão vistas aqui como os
conceitos característicos da gravura como forma de expressão.

1.2
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A incisão, a reprodutibilidade e o desenvolvimento das técnicas de gravura


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Percebemos, entre as diferentes técnicas gráficas, variações em relação a estes dois


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conceitos. Enquanto na xilogravura, as gravações trazem o branco do papel, na gravura em


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- Certificação

metal, estas proporcionam as linhas e áreas em negro. Na litografia, como vimos, não há
- Certificação

incisão. Tampouco há na monotipia, que ademais permite a tiragem de apenas uma cópia.
Nelson Leirner (1932), em exposição no Museu Chácara do Céu, no Rio de Janei-
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ro, na edição do Amigos da Gravura 2003/2004, apresentou um trabalho intitulado Varia-


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ções 2. Constituía-se de 50 obras, com 62 x 40 cm cada uma, elaboradas através da cola-


gem de adesivos (stickers) de desenhos infantis, comprados em camelôs (Fig.1.1). Embora
classificado como “gravura”, este trabalho não apresenta incisões, uma vez que os adesivos
coletados são apenas arranjados sobre o papel. Quanto à reprodutibilidade, ainda que o
artista tenha numerado uma tiragem, cada um dos exemplares apresenta-se como uma peça
única, formalmente diferente das demais. No entanto, não há, de fato, outra denominação
mais pertinente para estas obras – bem como para outras que, por ventura, façam uso de
técnicas fotomecânicas e/ou digitais de reprodução de imagens – que a de “gravura”: são
justamente os dois princípios básicos desta arte que estas estão problematizando. O valor e
o caráter da incisão e da reprodutibilidade são fatores determinantes para os diversos tipos
de uso que os homens fizeram da gravura ao longo do tempo. As distintas utilizações das
técnicas gráficas podem ser lidas, assim, como diferentes formas de abordá-las.
15

William Ivins Jr., em seu livro Prints and Visual Communication, propõe uma no-
va abordagem da gravura que ressalte seu significado como meio de comunicação, aspecto
que teria sido grandemente ignorado por boa parte dos estudiosos e conhecedores de gra-
vura. “A importância de ser capaz de repetir dados iconográficos”, aponta este autor, “é,
sem dúvida, maior para a ciência, tecnologia e para a informação em geral, do que para a
arte”3:

“Se definirmos a gravura de acordo com o ponto de vista funcional aqui indicado e não a-
través de uma valoração processual ou técnica, torna-se óbvio que sem ela teríamos muito
poucas das nossas ciência, tecnologia, arqueologia ou etnologia modernas, pois todas estas
dependem de informações providas exatamente por dados pictóricos reprodutíveis”4.

A primeira xilogravura ocidental que se tem conhecimento é a célebre Bois Protat,


datada de 1360, gravada nas duas faces e medindo 60 x 23 cm. De um lado, esta matriz
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retrata um cavalheiro diante de uma cruz, como se preparando para a batalha (Fig. 1.2). Do
Nº null

outro, traz uma imagem da Anunciação. Acredita-se que sejam fragmentos de composi-
ções maiores e que, devido ao seu tamanho, tenha sido gravada para impressão sobre teci-
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do. A popularização da técnica da xilogravura na Europa está intimamente relacionada


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com a possibilidade de produção e distribuição de papel neste continente a partir do final


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do século XIV. Pode-se dizer que o desenvolvimento das técnicas de impressão de ima-
gens esteve desde o início intimamente ligado com objetivos ideológicos, sejam estes reli-
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giosos ou políticos.
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Estudando as conseqüências do advento da imprensa nas “comunicações escritas


dentro da Comunidade do Saber”, Elizabeth Eisenstein, em seu livro A Revolução da Cul-
tura Impressa, escreve:

“Desconhecidas em toda a Europa até meados do século XV, as oficinas de impressores


eram encontradas em todos os centros municipais importantes já por volta de 1500. Elas
acrescentavam um novo elemento à cultura urbana de centenas de cidades”5.

2
LEIRNER, Nelson, catálogo da exposição Variações. Amigos da Gravura 2003/2004, Museu Chácara do
Céu, Rio de Janeiro.
3
“The importance of being able exactly to repeat pictorial statements is undoubtedly greater for science,
technology, and general information that it is for art”. IVINS JR., William M., Prints And Visual
Communication, New York: The M.I.T Press, 1982. Pg. 02.
4
“If we define prints from the functional point of view so indicated, rather than by any restriction of process
or aesthetic value, it becomes obvious that without prints we should have very few of our modern sciences,
technologies, archaeologies, or ethnologies, for all these are dependent first or last, upon information
conveyed by exactly repeatable visual or pictural statement”. IVINS JR., William M. op. cit. Pg. 03.
16

De acordo com esta historiadora, o aumento na produção e difusão de livros e do-


cumentos escritos com o advento da imprensa deu-se de forma abrupta e não gradual. Por
outro lado, aponta, em termos plásticos, não é possível observar grandes transformações
entre os livros publicados nas primeiras décadas da impressa e aqueles produzidos até en-
tão. O desenho dos tipos utilizados, os ornamentos, a paragrafação e outros aspectos for-
mais destas publicações seguiam – deliberadamente – os padrões traçados pelos livros ma-
nuscritos. Apenas mais tarde, ganharia o livro impresso características formais intrínsecas
à impressão tipográfica. Imediatamente, em contrapartida, seriam os manuscritos que se-
guiriam o modelo indicado pelos impressos, de modo que, como coloca Eisenstein,

“tanto o trabalho manual como o executado no prelo mantiveram-se quase indistinguíveis


na aparência, mesmo depois que o impressor começou a afastar-se das convenções dos es-
cribas e a explorar algumas características inerentes a sua arte”6.
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Nas oficinas gráficas que se multiplicaram pela Europa, a partir de meados do sé-
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culo XV, a xilogravura passa a ser associada à tipografia, na ilustração de livros, substitu-
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indo pouco a pouco a ilustração manual conforme realizada nos livros manuscritos e a gra-
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vação conjunta de texto e imagens, como nos block-books.


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De acordo com o gravador Marcos Baptista Varela, em sua dissertação de mestra-


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do, A Xilogravura Expressionista Brasileira, esta técnica terá um papel fundamental para a
fundação do mundo moderno, acompanhando o desenvolvimento da sociedade; instituin-
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do-se como objeto comercializável, acessível às classes cultas e às mais populares; possibi-
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litando a documentação, o acúmulo e a difusão do conhecimento; favorecendo o espírito


científico e as crescentes demandas administrativas e burocráticas e possibilitando a repro-
dução de trabalhos de pintores.

“A gravura trouxe uma característica inédita até então, de objeto portátil, transportável, fá-
cil de comercializar, adequada aos novos tempos de individualismo, de crescimento co-
mercial e intercâmbio de informações; diferente das pinturas de painéis religiosos em ma-
deira, dos afrescos, dos vitrais das catedrais, das tapeçarias de parede, comuns até a época
como meios de criação de imagens” 7.

5
EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa – Os Primórdios da Europa Moderna. São
Paulo: Editora Ática, 1998. Pg.28.
6
EISENSTEIN, Elizabeth, op. cit. Pg. 36.
7
VARELA, Marcos Baptista. A Xilogravura Expressionista Brasileira. Dissertação de Mestrado em História
da Arte. Rio de Janeiro, Escola de Belas Artes. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1997, p. 34.
17

Carlo Ginzburg, em seu livro Mitos, emblemas, sinais – morfologia e história, ana-
lisa como a possibilidade de reproduzir imagens impressas advinda da difusão da xilogra-
vura na Europa contribuiu para esmaecer a divisão entre dois “círculos icônicos”, um pú-
blico, amplo indiscriminado; outro privado, socialmente elevado:

“O primeiro constituído por estátuas, afrescos, telas e quadros de grandes dimensões – ob-
jetos expostos em igrejas e palácios públicos, acessíveis a todos. O segundo, além de está-
tuas e afrescos, constituídos por telas e quadros também de pequenas dimensões, jóias, me-
dalhões, conservados nas residências de uma elite de senhores, prelados, nobres e, em al-
guns casos, mercadores”8.

Analisando o problema das imagens especificamente eróticas – que, em um primei-


ro momento estavam orientadas exclusivamente a um público erudito, através de um códi-
go elevado, o mitológico – Ginzburg aponta que a revolução nas formas de reprodução de
imagens propiciada pela difusão das oficinas gráficas e dos impressos xilográficos produz
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o enriquecimento da imaginação erótica visual entre as classes populares.


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De acordo com Ivins Jr., a partir do século XVI, “o que poderíamos chamar de
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pressão informativa sobre a ilustração xilogravada, ou seja, o acúmulo de linhas e de in-


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formações detalhadas nas áreas determinadas torna-se notável”9. As xilogravuras feitas


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para ilustração de livros, aponta este autor, não apresentavam o mesmo nível de detalha-
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mento que aquelas impressas separadamente, como a Dança da Morte, de Holbein, de


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1520: o processo de edição de livros não comportava a acuidade que tais impressões de-
mandavam. “Por volta da metade do século XV, a xilogravura atingira um limite de minú-
cia além do qual não poderia avançar a menos que houvesse mudanças técnicas na produ-
ção do papel e na entintagem das matrizes”10, escreve.
Segundo Ivins Jr., entre os livros ilustrados editados pelas oficinas gráficas euro-
péias, nesta época, a xilogravura é gradualmente substituída pela gravura em metal, mais
precisamente pela gravura a buril, técnica que permitiu a difusão de imagens muito mais
precisas. Conforme analisa Eichenberg,

8
Ginzburg, Carlo, “Mitos, emblemas, sinais – morfologia e história”. São Paulo: Companhia das Letras,
1990, p. 122.
9
“In the course of the first half of the sixteenth century, what I may call the informational pressure on the
woodcut illustration, that is, the cramming for more and more lines and detailed information into the given
areas became notable”. IVINS JR., William M. op. cit. pg. 46.
10
“By the fifteen-fifties the woodcut had reached the limit f minuteness of work beyond which it could not
go so long as there was no change in the techniques of paper-making an of inking the blocks”. IVINS JR.,
William, M. op. cit. Pg. 47.
18

“talvez, a xilogravura em toda a sua glória tenha (então) alcançado os limites do seu refi-
namento, e o tempo havia chegado para a emergência da gravura em metal a buril como
uma nova mídia, expressando mais adequadamente a crescente sofisticação do século
XVI” 11.

O buril, de acordo com Ferreira, “consiste numa curta barra de aço, altamente tem-
perado, de seção quadrada ou romboidal, com o bisel cortado num dos ângulos” 12. O for-
mato e o tamanho variam de acordo com o tipo de linha que proporcionam. Demandando
um extremo domínio técnico, este instrumento produz uma precisa incisão no metal, ge-
rando linhas curvas ou retilíneas, que foram associadas na conformação das mais variadas
padronagens e texturas.

“Tendo sua origem nas oficinas de joalheiros e ourives a gravura em metal pareceu o meio
mais apropriado para exibir a riqueza de texturas, a ornamentação e a riqueza de detalhes
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das roupas e paisagens que o Renascimento tanto valorizava” 13.


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A partir do final do século XV, a gravura em metal a buril, ou talho-doce, como é


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chamada, será utilizada na Europa na ilustração de livros, na impressão de documentos e


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tratados e como forma de divulgação de obras pictóricas.


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Na Alemanha, Albrecht Dürer (1471-1528), que já mantinha xilogravadores traba-


lhando para si, foi um artista intimamente ligado à gravura. Entre suas edições mais conhe-
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cidas podemos citar as duas séries xilográficas, a Grande e a Pequena Paixão, publicadas
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entre os anos de 1497-98, e o talho-doce, Adão e Eva, de 1504. Segundo Varela, antes de
Dürer, era muito raro que os gravadores assinassem seus trabalhos.
Antes de se estabelecer como um artista reconhecido, Dürer trabalhou em uma das
proeminentes oficinas gráficas de Nuremberg, gravando imagens desenhadas por outros
artistas. Mais tarde, utilizou a gravura como forma de divulgação de seu trabalho, dando à
atividade gráfica uma importância tão grande àquela destinada à pintura, em sua obra.
Tendo trabalhado junto a uma equipe de profissionais especializados, não se sabe
ao certo quais das suas matrizes foram abertas por ele próprio e quais foram entregues aos
artesãos de sua equipe. Dürer vivenciou as transformações técnicas no campo das artes
gráficas de seu tempo, editando suas primeiras impressões em xilogravura, adaptando-se
em seguida às extensivas possibilidades do talho-doce, sem substituir uma pela outra, ex-

11
EICHENBERG, Fritz, The Art of The Print. New York: Abrams, 1976. p. 83.
12
FERREIRA, Orlando da Costa. op cit. p. 70.
13
EICHENBERG, Fritz. op cit. p. 160.
19

perimentando até a água-forte e a ponta-seca, e sabendo, em todos estes momentos, explo-


rar expressivamente as peculiaridades de cada uma destas modalidades. Podemos, assim,
situar o alemão como um dos primeiros a enxergar o valor, não apenas reprodutivo, mas
propriamente expressivo da gravura. Dürer foi, além disso, um dos primeiros a trabalhá-la
como um objeto de arte independente, desvinculando-a de um texto ou de um original pic-
tórico.
Importantes pintores italianos também lançaram mão da gravura em metal como
forma de multiplicação de suas imagens: Pollaiuolo (1432-1498), que teve sua importante
obra, Batalha dos Dez Nus, traduzida para um painel políptico gravado em metal; Andrea
Mantegna (1431-1506), que lutou contra as impressões não autorizadas de seus trabalhos e
Rafael (1483-1520), que enxergou o valor comercial das reproduções de suas pinturas por
meio desta técnica e procurou contratar gravadores que fossem capazes de interpretar suas
composições em um padrão gráfico, são alguns nomes que podemos rapidamente citar.
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Outros profissionais, não exatamente pintores, ocuparam-se de reproduzir as obras dos


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artistas mais conceituados de então.


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“Desde as suas origens, a gravura foi usada para reproduzir e multiplicar a imagem de pin-
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turas, afrescos, esculturas, tornando-se ainda importante instrumento de divulgação do tra-


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balho de artistas, na medida em que ampliava o alcance de suas obras. A manufatura dessas
gravuras de reprodução era um negócio muito rentável. Marcantonio Raimondi (c.1480 –
c.1534), gravador bolonhês estabelecido em Roma, é tido como o primeiro a possuir um
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ateliê dedicado à reprodução de pinturas, sendo as de Rafael e Dürer as mais conhecidas”14.


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De acordo com Ivins Jr., Marcantonio Raimondi – bem como outros gravadores
decididos a reproduzir obras pictóricas a buril – teceram um repertório gráfico particular,
uma sintaxe visual, com a qual interpretavam as obras que desejavam. Tal artifício era
particularmente exigido pelos editores gráficos que, em seus estabelecimentos, emprega-
vam diversos gravadores, cujas pranchas receberiam, não suas assinaturas, mas a da ofici-
na.

Desde o seu surgimento até o momento em que é desvinculada de qualquer utilida-


de funcional, muitas variedades de gravação em metal foram desenvolvidas, utilizando
ácidos e substâncias corrosivas para se gravar ou, ao contrário, valendo-se de ações diretas

14
Catálogo da exposição Impressões originais: A gravura desde o século XV. Rio de Janeiro:
Centro Cultural Banco do Brasil. Pg. 7.
20

sobre a placa; proporcionando linhas ou áreas de cor. Será interessante determos-nos bre-
vemente em uma delas: a água-forte.
Esta é uma técnica de gravação de linhas sobre o metal que utiliza substâncias cor-
rosivas como agentes gravadores, sendo, por isso classificada como uma técnica “indireta”,
ou “molhada”. Sobre a placa, o gravador aplica uma substância resistente ao ácido, o ver-
niz. Com uma ponta, ele desenha sobre esta película, riscando-a e expondo-a, assim, à se-
guinte aplicação ao ácido. É, como podemos perceber, uma técnica mais espontânea que o
talho-doce, pois permite uma gestualidade mais aleatória e libera o gravador da precisão
técnica exigida por aquele fazer. Não obstante, em seu surgimento, a água-forte foi utiliza-
da apenas como processo auxiliar ao buril, chegando por vezes a imitá-lo. Segundo Ivins
Jr., o gravador francês Jacques Callot (1592-1635) talvez tenha sido quem, no século
XVII, desenvolveu o instrumento chamado échope, com o qual traçava-se sobre o verniz
uma linha abaulada cuja intenção era realmente simular aquela obtida com o buril15. Em
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outros casos, gravuras abertas a água-forte eram depois complementadas com o uso do
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buril, de modo a agilizar o processo. Surgida entre os séculos XV e XVI, a água-forte, con-
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forme coloca Ferreira, só terá real importância a partir do século XVII16, quando, devido à
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espontaneidade possibilitada, esta técnica atrai diversos artistas. Como escreve Varela,
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“neste processo o trabalho do artista dá-se diretamente na placa de metal, sendo depois
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gravado por ácido, permitindo o toque pessoal, a escritura da mão do artista”17.


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Rembrandt (1606-1669), um dos grandes expoentes da gravura em metal, desen-


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volveu inúmeras técnicas alternativas, marcando profundamente a história da gravura co-


mo mídia artística. Segundo Ivins Jr., diferentemente de Marcantonio Raimondi, este artis-
ta não criou para si um sistema gráfico racional, mas acumulou uma série de procedimen-
tos técnicos, que eram utilizados espontaneamente como solução gráfica, sendo criados no
decorrer do processo de gravação e impressão.
Já no século XVIII, Francisco de Goya (1746-1828), gravou séries inteiras em me-
tal, utilizando a água-forte e a água-tinta, técnica que permite a obtenção de áreas de tons.
Destacam-se as séries Caprichos, de 1797; a Los Desastres de la Guerra, de 1807 e a Los
Proverbios, realizadas entre os anos de 1810 e 1815. Trabalhos de cunho altamente crítico,
muitos dos quais só foram editados postumamente, representam uma abordagem que ex-

15
IVINS JR., William, M. op. cit. Pg. 73-74.
16
FERREIRA, Orlando da Costa. op cit. p. 76-77.
17
VARELA, Marcos Baptista. op. cit. Pg. 39.
21

trapola em muito o simples desejo de divulgar uma obra criada independentemente, embo-
ra o interesse em multiplicar imagens esteja, naturalmente, implícito na intenção do autor.

“Naquela época, as impressões de lâminas de gravuras a água-forte não eram numeradas e


assinadas individualmente, como são hoje em dia – no interesse do controle da qualidade e
da manutenção da qualidade. Mas Goya imprimiu trezentos conjuntos dos Caprichos, o
que significa que fez 2400 impressões (...). Foi uma labuta pesada, mesmo para um homem
com uma equipe inteira de assistentes, e os resultados foram desalentadores. A publicação
dos Caprichos foi comunicada no dia 6 de fevereiro e 1799, num anuncio veiculado no Di-
ario de Madrid – Goya não conseguiu encontrar livrarias comuns para efetuar a venda” 18.

À medida que, durante os séculos XVI e XVII, a gravura em metal é adotada na


maioria dos países europeus e suas inúmeras modalidades de gravação são desenvolvidas,
a xilogravura passa a ser utilizada quase que exclusivamente por um âmbito popular da
cultura, se concentrando em ilustrar acontecimentos banais e satirizar eventos políticos e
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provincianos, sendo produzida em estampas independentes, utilizada para produzir santi-


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nhos e cartas de baralho, estando à venda em feiras e lojas de rua. Este uso, desde antes
direcionado a esta mídia, tornava-se agora praticamente a sua orientação exclusiva. Anali-
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sando o processo de adoção da gravura em metal em Portugal, Ferreira escreve:


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“Ao passo que se dá a ascensão (muito lenta) do talho doce, a xilogravura se torna cada vez
mais popularesca, passando do livro religioso para o folheto de colportagem19, num proces-
so de contínua expansão do século XVI ao XIX”20.
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Devemos ter em mente que este processo, além de gradual, não se deu uniforme-
mente. Segundo Ivins Jr.,

“por toda a parte, entretanto, as velhas técnicas para fazer matrizes em relevo em madeira
ou em metais macios sobreviveram, especialmente para uso como elementos decorativos
em livretos populares, folhetos avulsos, cartas de jogar e anúncios”21.

No final do século XVIII, a gravura em metal é utilizada pelos primeiros periódicos


realmente ilustrados que surgem na Europa, como Le Cabinet des Modes (Paris, 1785-
1792) e Le Journal (1797-1839). Tal técnica mostra-se, no entanto, completamente ina-

18
HUGHES, Robert. Goya. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2007. Pg. 248-249.
19
Os folhetos de colportagem eram uma espécie de literatura em cordel produzidas e distribuídas entre as
classes populares em Portugal nesta época.
20
FERREIRA, Orlando da Costa, op cit. p. 65.
21
“Everywhere, however, the old techniques for making relief blocks on wood or soft metal had survived,
principally for use as decorations for popular chap-books, song sheets, trade cards, and advertisements”. I-
VINS JR., William M. op. cit. Pg. 86.
22

propriada para este fim. Aquele século vivenciaria, ainda, duas importantes inovações tec-
nológicas que forneceriam à impressão iconográfica a praticidade demandada pela impren-
sa.

Nesta mesma época, é aperfeiçoado e divulgado o processo de xilogravura “de to-


po”. Enquanto na gravura em madeira convencional, “ao fio”, as tábuas de madeira são
cortadas no sentido longitudinal da árvore; na xilogravura de topo, as placas de madeira
são cortadas no sentido ortogonal ao comprimento do tronco. Desta forma, as fibras da
árvore não interferem na gravação. Consequentemente, a matriz apresenta uma consistên-
cia mais densa, possibilitando o uso de instrumentos como o buril, que permite ao xilogra-
vador a obtenção de imagens muito mais complexas, malgrado o enorme domínio técnico
demandado. Além disso, conforme aponta Varela, justamente por sua maior dureza, a gra-
vura de topo permite tiragens muito maiores, “adequadas ao crescimento dos meios de
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comunicação de massa, nascentes no início do século XIX, como os jornais e revistas ilus-
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trados” 22.
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Em relação à gravura em metal, a xilogravura de topo apresentou uma grande van-


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tagem: por sua afinidade com o processo de impressão tipográfico, esta técnica possibilitou
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a impressão simultânea de imagem e texto, agilizando desta forma ainda mais as tiragens
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realizadas. O inglês Thomas Bewick (1753-1828) praticamente a reinventou, sendo o res-


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ponsável pela sua difusão por toda a Europa. Trabalhando em uma daquelas oficinas cita-
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das por Ivins Jr., nas quais a gravura em relevo continuou sendo executada, Bewick come-
çou a praticá-la em 1785. Realizou algumas publicações que se tornaram extremamente
populares, entre as quais duas se destacam como marcos na história da gravura: A General
History of Quadrupeds de 1790 e A History of British Birds (1797-1804).
Na Inglaterra, The Times publicou em 1806 uma gravura de topo aberta por um
discípulo de Bewick. Logo, esta técnica seria amplamente adotada nas gráficas dos perió-
dicos e nas oficinas gráficas comerciais que crescem e se multiplicam por toda a Europa e
nos Estados Unidos.
Ao desenvolvimento de grandes oficinas gráficas, após o aperfeiçoamento da téc-
nica de xilogravura de topo, acrescenta-se a implantação de métodos para se reproduzir as
matrizes xilográficas. Com a invenção da estereotipia e, posteriormente, da eletrotipia23, as

22
VARELA, Marcos Baptista op. cit. p. 37.
23
De acordo com Ferreira, “a estereotipia e a galvanotipia são processos destinados a duplicar chapas im-
pressoras, para garantir a imobilidade dos seus elementos ou para garantir a tiragem simultânea do texto e/ou
23

oficinas européias e norte-americanas distribuirão matrizes de impressão em relevo para


várias partes do mundo, inclusive para o Brasil.
A xilogravura de topo foi também bastante utilizada na ilustração de livros. Alice
no país das maravilhas, de Lewis Carroll foi publicado em 1860 com gravuras de topo
feitas a partir de desenhos de Tenniel (1820-1914). Na França, onde a técnica foi introdu-
zida nas primeiras décadas do século XIX, Gustave Doré (1832-1883) usou-a para ilustrar
diversas publicações. Entre elas se destaca A Divina Comédia, de Dante, realizada a partir
do ano de 1885, com o apoio de uma verdadeira equipe de gravadores intérpretes e impres-
sores.
Com a divulgação do processo de topo, muitos editores passaram a conferir-lhe a
qualidade de única forma de impressão “natural”. Segundo Ferreira, os “artistas dos livros”
– como são chamados os fundadores do movimento romântico francês, Renascimento Tra-
dicionalista, cujo maior nome é o do editor Édouard Pelletan (1854-1912) – defenderam a
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utilização da gravura em madeira como a forma mais adequada para se ilustrar textos e
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livros, justamente pelo parentesco com a tipografia. Discutindo as características que quali-
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ficaram um livro de arte como tal, ao longo do tempo, a pesquisadora Catarina Helena
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Knychala coloca:
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“O editor francês Edouard Pelletan, em 1896, exigia como condições indispensáveis para a
beleza de um livro, que ele contivesse um texto de alta qualidade, fosse ilustrado com gra-
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vuras sobre madeira (cujo sentido tipográfico está em harmonia com a letra) e fosse im-
presso com todo o cuidado”24.
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Naturalmente, tal defesa não teria cabimento se a xilogravura de topo não ofereces-
se a sofisticação gráfica que lhe é peculiar.
Segundo Ferreira, o maior artista da xilogravura de topo foi William Blake (1757-
1827). Embora não tenha se dedicado tanto a esta técnica, foi Blake o primeiro a tomá-la
totalmente como uma forma de expressão artística, mais do que um estrito meio de repro-
dução de imagens. Blake desenvolveu ainda a gravura em relevo em metal e a gravura em

imagens em mais de uma prensa. A estereotipia, que se tornou prática no fim do século XVIII, é um processo
puramente mecânico: tira-se um molde (primitivamente em gesso e depois até mesmo em chumbo e hoje em
cartão especial) da composição ou do condutor da imagem em relevo, e sobre este vasa-se o metal em fusão,
assim reproduzindo o ‘original’ em número desejado de vezes... A galvanotipia (ou eletrotipia), inventada em
1839, é um processo eletroquímico: em banho galvânico, o ‘original’ recebe uma fina ‘casca’ de cobre, que
depois é destacada, reforçada e montada. essas duas espécies de fôrmas podem ser niqueladas ou cromadas,
para maior duração, no caso das grandes tiragens”. FERREIRA, Orlando da Costa. op. cit. pg. 60-62.
24
KNYCHALA, Catarina Helena, O Livro de Arte Brasileiro II. Rio de Janeiro: Pró-memória/ Instituto Na-
cional do Livro, 1984.
24

relevo em pedra, que dará origem ao processo litográfico, e chegou a imprimir seus poe-
mas e ilustrações com estes processos, sem a necessidade de prensas.

Foi pesquisando sobre métodos de impressão em relevo sobre pedra que o ator e
escritor de peças teatrais, Aloys Senefelder (1711-1834), chegou à invenção da gravura em
plano, no ano de 1796. Desenvolvida simultaneamente à difusão da xilogravura de topo, a
litografia transformará drasticamente a história dos processos de reprodução de imagens.
Assim como no caso da gravura em metal, inúmeras variações de instrumentos e
técnicas litográficas foram desenvolvidas à medida que este processo era difundido. A pra-
ticidade apresentada; a afinidade quase direta com o desenho; a fidelidade na reprodução
de pinturas e a rapidez de impressão revelavam na litografia uma forma de reprodução de
imagens técnica e economicamente eficiente, garantindo, assim, a sua popularidade. Rapi-
damente ela foi difundida pelos países europeus, assim como pelas colônias. No Brasil, a
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litografia será, como veremos, amplamente usada durante o século XIX como forma de
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impressão de revistas, cartazes de publicidade e até rótulos de produtos.


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Os artistas logo observaram a potencialidade expressiva da gravura planográfica.


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Blake realizou uma litografia, em 1806. Em 1825, Goya realizou na Espanha a série de
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quatro litografias intitulada Touros de Bordéus. Em 1828, é publicado na França uma edi-
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ção do “Fausto” de Goethe, com dezessete litografias em preto e branco de Eugène Dela-
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croix (1798-1863). Daumier (1808-1879) explorou-a em suas inúmeras caricaturas publi-


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cadas pelos periódicos franceses. Toulouse-Lautrec (1864-1901) utilizou-a para criar uma
nova forma de arte, o cartaz, particularmente concordante com as novas características de
seu tempo.
Da mesma forma que a difusão da gravura em metal representa uma transformação
nos tipos de usos feitos da xilogravura; pode-se observar – e me limitarei a isso – que a
popularização, também relativamente gradual, da xilogravura de topo e da litografia pelas
oficinas gráficas européias exerce um impacto naquele ambiente gráfico. Com efeito, em
meados do século XIX, a criação de inúmeras sociedades de artistas-gravadores procurava
afirmar a pertinência das possibilidades plásticas da gravura em metal, particularmente da
água-forte, a despeito da perda de sua funcionalidade reprodutiva mediante a difusão da
gravura de topo e, sobretudo, da litografia na Europa.

Segundo Rafael Cardoso, até 1830, não se poderia falar em uma indústria gráfica,
uma vez que, em todo o mundo, a produção de impressos sustentava-se em atividades de
25

cunho ainda demasiadamente artesanal. Nas próximas quatro décadas, entretanto, uma
série de transformações na tecnologia de reprodução de imagens possibilitaria o advento
desta indústria: a mecanização dos processos de impressão tipográfica; o advento da prensa
litográfica rotativa movida a vapor; a difusão mais abrangente do papel produzido a partir
da polpa da madeira e o uso da eletrotipia como forma de reprodução de matrizes de relevo
destacam-se entre as primeiras mudanças no meio gráfico que concorreram para sua otimi-
zação. “Na Europa”, escreve este autor, “o resultado dessas inovações foi uma expansão
dramática da oferta de impressos mais baratos após 1830, com subseqüentes reduções de
custos ao longo das décadas seguintes”25. Desta época datam as primeiras revistas satíricas
francesas, como a Caricature (1830) e a Le Charivari (1832), que utilizavam a litografia
como forma de ilustração. Em 1832, é fundado na Inglaterra o Penny Magazine, ilustrado
por xilogravura de topo.
No final da década de 1839, anuncia-se na França, como consequência de experi-
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ências óticas que vinham sendo realizadas há pelo menos três séculos, a invenção do da-
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guerreótipo, procedimento que permitia a fixação de uma imagem fotográfica em uma


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placa de cobre sensibilizada. Logo depois, na Inglaterra, é desenvolvido um processo que


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fornecia negativos de papel, permitindo desta forma a obtenção de novas cópias da ima-
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gem obtida. A fotografia tornava-se assim um múltiplo26. Segundo Joaquim Marçal Ferrei-
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ra de Andrade, “estava claro que o futuro da fotografia residia nos processos que possibili-
tavam a sua múltipla reprodução a partir de um negativo ou outro tipo de matriz”27. O de-
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senvolvimento, na década de 1850, da ampliação fotográfica em papel albuminado viabili-


zaria a comercialização de fotografias avulsas e permitiria a produção de livros de arte que
contivessem fotografias anexadas em suas páginas. Para a imprensa, entretanto, a adoção
desta medida mostrava-se inviável: o alto custo e a lentidão do processo de ampliação fo-
tográfica – somados à instabilidade destas imagens – faziam com que a inserção da foto-
grafia nos impressos dependesse de sua transferência a uma matriz gráfica.
Assim, tornou-se rapidamente corriqueira a gravação de imagens “a partir” da fo-
tografia. De fato, logo após o anúncio da descoberta do daguerreótipo, a revista francesa Le
Lithographe publicou uma litografia desenhada a partir de um daguerreótipo da Notre

25
CARDOSO, Rafael, Uma introdução à história do design. Pg. 40.
26
ANDRADE, Joaquim Marçal, História da fotorreportagem no Brasil – a fotografia na imprensa do Rio de
Janeiro de 1839 a 1900. Rio de Janeiro: Elsevier/ Editora Campus, 2004. Não cabe, neste trabalho, o estudo
aprofundado sobre a fotografia. Interessa-nos apenas, o impacto desta sobre as técnicas de reprodução de
imagens.
27
Idem. Pg. 05.
26

Dame28. Na década de 1840, começaram a surgir, na Europa, periódicos que utilizariam a


fotografia como referência para a gravação de matrizes xilográficas, pelo processo de gra-
vura de topo. Por pelo menos duas décadas, aquelas imagens foram obrigatoriamente rede-
senhadas sobre a madeira e, em seguida, gravadas pelos técnicos especializados. A subdi-
visão das matrizes entre variados gravadores garantia a agilização do sistema. Segundo
Andrade,

“as imagens eram inevitavelmente processadas pelos encarregados de viabilizar a sua re-
produção nas páginas da imprensa. As interferências no que se refere ao conteúdo das re-
produções impressas – se comparadas aos originais fotográficos ocorriam em vários ní-
veis”.29

Na década de 1860, aperfeiçoou-se o processo de sensibilização da placa de madei-


ra. Assim, imagens fotográficas puderam ser reveladas diretamente sobre esta superfície.
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Buscava-se minimizar a interferência do estilo individual dos xilogravadores30.


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Na Europa e nos Estados Unidos, a reprodução de fotografias foi primordialmente


realizada através da técnica xilográfica, tendo sido a litografia utilizada apenas nos primór-
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dios deste processo ou em livros fotográficos e estampas avulsas31. Nestes lugares, os peri-
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ódicos litográficos especializaram-se desde o início na atividade caricatural, onde domina-


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va o desenho livre, isto é, grafado na pedra e desvinculado da fotografia.


Na segunda metade do século XIX, há uma intensa busca pelo desenvolvimento de
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processos fotomecânicos de gravação de imagens que produzissem matrizes diretamente a


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partir de fotografias. Entre 1856 e 1857, o francês Louis-Alphonse Poitevin desenvolve o


sistema de sensibilização fotográfica da pedra de calcário, ocasionando na criação da foto-
litografia. Este método, contudo, não obteve êxito pleno então, uma vez que a impressão
de texto ainda era realizada em máquina tipográficas32.
Em 1882, o alemão Georg Meisenbach patenteia um processo denominado “autoti-
pia”. De acordo com Andrade, “nele, a imagem original de tons contínuos era reproduzida
através de uma malha (ou retícula) de vidro, sendo então fragmentada em pequenos pon-
tos, distribuídos de maneira regular e cujo tamanho variava em função da tonalidade espe-

28
Idem. Pg. 08.
29
Idem.
30
Idem. Pg. 78.
31
Idem. Pg. 246.
32
Apenas no século XX, com o desenvolvimento da chamada “litografia off-set”, e da fotocomposição de
textos, processos que otimizaram a impressão e permitiram a inserção de texto nas pedras litográficas, é que
ocorre a “migração tecnológica” da composição tipográfica para os processos de composição litográfica.
ANDRADE, Joaquim Marçal, História da fotorreportagem no Brasil, Pg. 84.
27

cífica de cada área da imagem”33. Através dela, eram produzidos clichês passíveis de se-
rem associados à impressão tipográfica. A autotipia – a qual os ingleses denominaram half
tone e os franceses similigravure – substitui, rapidamente, a utilização da xilogravura de
topo para a impressão de imagens fotográficas, representando, desta forma, um marco na
história das artes gráficas. Segundo Varela,

“disto resulta a perda de uma das mais importantes funções da gravura ao longo da sua his-
tória, ou seja, a função de reproduzir imagens, documentar, mas liberando-a, por outro la-
do, para uma utilização como processo artístico puro, com finalidades expressivas em si,
ou como é chamada, gravura original ou gravura de artista, resultante de um processo com
um total acompanhamento feito pelo próprio gravador”34.

É interessante notar que, a princípio, houve certa resistência por parte do público e
de editores em relação à adoção da gravação fotomecânica: ambos acreditaram que a xilo-
gravura, por seu caráter artesanal, possuiria maior valor35. No entanto, não demorou muito
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para que esta posição fosse deixada para trás. Já no começo do século XX, observa-se a
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fotografia a substituir a gravura como método de gravação e reprodução de imagens em


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jornais e revistas e suplantar o desenho no papel da ilustração da vida moderna. De acordo


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com Walter Benjamin, “com ela, pela primeira vez, no tocante à reprodução de imagens, a
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mão encontrou-se demitida das tarefas artísticas essenciais que, daí em diante, foram re-
servadas ao olho fixo sobre a objetiva”36. A reprodução de imagens se concretiza num rit-
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mo tão veloz quanto o da palavra falada, coloca Benjamin.


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Atualmente, imagens digitais são infinitamente reproduzidas a cada segundo por


todo o mundo. Através da internet, via cabo, ondas eletromagnéticas ou via satélite, ima-
gens são transportadas de um ponto a outro do planeta. Elas são visualizadas em monitores
de plasma, impressas em impressoras a laser, são gravadas digitalmente, podem ser trans-
portadas em cds ou pendrives ou transmitidas eletronicamente via internet. Esse processo
já era pressentido por Paul Valéry em 1927:

“Tal como a água, o gás e a corrente elétrica vêm de longe para as nossas casas, atender às
nossas necessidades por meio de um esforço quase nulo, assim seremos alimentados de
imagens visuais e auditivas, passíveis de surgir e desaparecer ao menor gesto, quase que a
um sinal” 37.

33
ANDRADE, Joaquim Marçal, História da fotorreportagem no Brasil, Pg. 11.
34
VARELA, Marcos Baptista op cit. p. 40.
35
Ver: ANDRADE, Joaquim Marçal, op. cit.
36
BENJAMIN, Walter, A Obra de Arte no Tempo de Sua Reprodutibilidade Técnica, in Os Pensadores Edi-
tora Abril, 1975, São Paulo, p. 12.
37
VALÉRY, Paul in Benjamin, Walter. op cit. p. 12.
28

Entre as estampas religiosas gravadas em madeira na Europa medieval e as ima-


gens digitais que circulam virtualmente por todo o mundo, hoje, um mesmo anseio pode
ser observado: a busca pela reprodução de imagens carregadas de significado. É a partir
deste ponto de vista que afirmo que as técnicas de gravura foram desenvolvidas de acordo
com um uso primordialmente interessado38, que visa à reprodutibilidade. Conforme salien-
ta Ivins Jr., até o século XIX, as técnicas tradicionais de gravação preenchiam todas as
funções que atualmente são ocupadas por fotografias, e por todos os processos modernos
de impressão39.

Pode-se dizer que, segundo o ponto de vista puramente funcional, as técnicas arte-
sanais de reprodução de imagens seriam arrastadas para uma posição de obsolescência e
acabariam por se extinguir uma vez que fossem substituídas por outras, mais eficientes ou
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econômicas, ainda que este processo ocorresse gradativamente? Talvez. Observa-se, po-
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rém, que, em diversos momentos da história da gravura, mesmo diante de novas técnicas
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funcionalmente mais interessantes, muitos destes fazeres continuaram sendo praticados. A


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persistência de formas de impressão artesanais até nossos dias – fazeres que, como no caso
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da litografia e da gravura em metal, lembremos, demandam imensos aparato e conheci-


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mento técnicos – denotaria, assim, a continuidade destas atividades ao longo de todo esse
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tempo. Desta maneira, teriam sido outros usos adquiridos por elas os responsáveis pela sua
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conservação ativa. A história da gravura seria, portanto, a história de inovações técnicas


em busca de maneiras mais interessantes de propagação de imagens. Seria, paralelamente,
a história das transferências de usos dessas técnicas.

38
Mesmo quando orientadas para um uso artístico - como as diversas modalidades de gravura em metal de-
senvolvidas ao longo do século XVII, ou as modernas técnicas de impressão digital para reprodução em alta
qualidade, como o “giclée” – o interesse na reprodutibilidade surgiria como elemento fomentador no desen-
volvimento de tal tecnologia.
39
“Until a century ago, prints made in the old tradicional techniques filled all the function that are now filled
by our line cuts and half tones, by our photographs and blueprints, by our various color processes and by
political cartoons and pictorial advertisement” IVINS JR., William M. op. cit. Pg. 03.
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30

2
As Distintas utilizações das técnicas de gravura

2.1
Laran / Ivins Jr. = Orlando da Costa Ferreira

Orlando da Costa Ferreira, em sua obra citada, analisa distintas formas de qualifi-
cação das variadas utilizações das técnicas de gravura. Tais divisões levam em considera-
ção aspectos diversos e são passíveis de sobreposição; o autor chama a atenção, desde o
início, para a intercomunicação entre estes compartimentos.
Primeiramente, uma espécie de “gravura industrial”, ou “comercial” consistiria
“nas pequenas pranchas destinadas principalmente a anúncios e ornatos das mais variadas
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espécies de pequenos ou mesmo grandes formatos”40, distinguindo-se assim da dita “gra-


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vura artística”, aquela realizada autonomamente.


Paralelamente, uma categoria de “gravura original” distingue-se de três outras: a
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“reprodução de gravuras”, ou seja, os procedimentos de multiplicação mecânica de matri-


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zes gravadas, como a estereotipia e a eletrotipia; a “gravura de interpretação”, aquela reali-


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zada por um artesão a partir de um desenho original traçado especialmente para aquele
fim, mas por outra pessoa; e a “gravura de reprodução”, aquela que copia uma outra gravu-
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ra, desenho, pintura, ou, como vimos, fotografia. Entre os artistas que perceberam na gra-
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vura a possibilidade de divulgação de sua obra, muitos gravaram pessoalmente suas pran-
chas, outros contaram com técnicos especializados. Em diversas ocasiões, como em Dürer,
o que vemos é uma hibridização destes dois casos. Em outras, a atuação do artista se dá
mediante a falta de oficinas e técnicos gráficos apropriados, com o qual pudesse contar. O
desenvolvimento dos meios fotomecânicos de reprodução gerou sucessivas polêmicas a-
cerca da “originalidade” de uma estampa. Comitês internacionais foram organizados, cri-
ando exigências que as “gravuras originais” deveriam obrigatoriamente atender. Atual-
mente, com o deslocamento do interesse no “produto” para a “produção” artística, tal valor
parece ter sido totalmente subvertido: Segundo Antony Griffiths, em Prints and printma-
king – an introduction to the history and techniques,

40
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. p. 30.
31

“muitas das melhores gravuras dos anos 1960 incorporavam meios de reprodução fotome-
cânicos (...). Tais obras obviamente permanecem “originais” em todo o sentido, uma vez
que tais processos estão aqui sendo usados não para realizar um fac-símile de uma obra de
arte preexistente, mas para criar uma nova, a qual encontra sua razão de ser exatamente na
utilização de tal processo. O que importa, como sempre, é a intenção artística e seu efei-
to”41.

Corroborando com esta afirmação, Ivins Jr. escreve: “o que faz uma mídia artisti-
camente importante não é nenhuma qualidade própria desta mídia, mas as qualidades men-
tais e manuais que seus usuários lhe dirigem”42.
Ferreira sublinha ainda a sutil separação entre “gravura erudita” e “gravura popu-
lar”, qualificando a última segundo as palavras do pesquisador polonês W. Skoczlas: “de-
vem-se considerar como tais as gravuras desenhadas e cortadas na madeira por gente do
povo, gente que não faz estudos artísticos ou profissionais e que adquire sua arte esponta-
neamente ou por tradição, transmitida de pai a filho” 43. O assunto demonstra, entretanto,
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que a distinção entre estes dois círculos, porque fluida, estende-se às questões de origem
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social e de formação acadêmica. Da mesma forma, a discussão acerca da “artisticidade” ou


“originalidade” de determinada estampa, ou tipo de estampa, mostra-se extremamente su-
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til. Não obstante, é impossível negar que, ao longo do tempo, distintas atitudes diante das
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técnicas de reprodução de imagens foram exercidas.


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Problematizando duas perspectivas divergentes em relação à gravura – a do francês


Jean Laran, que tende a concebê-la essencialmente como forma de arte independente; e a
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de Ivins Jr., que, por sua vez, encara-a do ponto de vista da comunicação – Ferreira aponta
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a uma qualificação mais ampla, que separa a “gravura interessada” da “gravura livre”. Na
primeira ala, alinham-se, de acordo com a natureza do interesse, a estampa técnica (mapas,
impressos de música, selos, papéis-moeda e impressos ilustrativos); a comercial (ilustração
publicitária, peça gráfica); e a documental (retrato, vista, monumento...). A gravura livre,
por sua vez, poderia apresentar-se sobre forma de estampa autônoma, ou de ilustração.

41
“Many of the best prints of the 1960s incorporated photomechanically reproduced imagery (…). Such
prints of couse remain in every way ‘original’ because the photomechanical processes are here being used not
to make a facsimile of a pre-existing work of art, but to create a new one wich only finds its embodiment in
the resulting print. What matters, as always, is the artistic intention and effect”. Griffiths, Antony “Prints and
Printmaking – An introduction to the history and techniques”. Los Angeles: University of California Press,
1996.
42
“…what makes a medium artistically important is not any quality of the medium itself but the qualities of
mind and hand that its users bring to it”. Ivins Jr., William M., op. cit.
43
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 30-32.
32

Recolocando a questão proposta na introdução desta dissertação, acredito que pos-


samos dizer que caracterizaria a utilização interessada das técnicas de gravura o impulso
pelo desenvolvimento de formas mais eficazes ou econômicas de reprodução de imagens.
Este movimento, consequentemente, provocaria, a longo prazo, o arrastamento de deter-
minadas técnicas gráficas a uma posição de obsolescência funcional, mas não acarretaria
necessariamente em sua extinção. Assim, por exemplo, a difusão do talho-doce em Portu-
gal, leva a xilogravura a uma aplicação quase exclusivamente popular.

As “transições de uso das técnicas de reprodução de imagens”, devem ser entendi-


das, assim, como aqueles momentos em que determinada técnica de gravação e impressão
gráfica realiza a travessia entre quaisquer fronteiras estabelecidas por estas distinções.
Analisarei alguns casos em que podemos observar este movimento, para em seguida con-
centrar-me em um deles: a gravura como forma de expressão artística.
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A utilização funcional de técnicas de reprodução de imagens que perderam seu in-


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teresse para a indústria de ponta por parte de um círculo de cultura popular é um fenômeno
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de fato recorrente. Marca-o a preservação e, mesmo, o resgate de certos fazeres por parte
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dos “agentes periféricos”, a despeito de uma defasagem técnica em relação à “cultura cen-
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tral”. Como aponta o geógrafo Milton Santos,


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“ao surgir uma nova família de técnicas, as outras não desaparecem. Continuam existindo,
mas o novo conjunto de instrumentos passa a ser utilizado pelos novos atores hegemôni-
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cos, enquanto os não hegemônicos continuam utilizando conjuntos menos atuais e menos
poderosos” 44.

Situa-se neste caso a utilização da xilogravura para a feitura de rótulos de cachaça,


nos séculos XIX e XX, no nordeste brasileiro, manifestação citada pela estudiosa Lélia
Coelho Frota em seu Dicionário de Artistas Populares45 e por Geová Sobreira, em seu
livro Xilógrafos de Juazeiro. (Fig.2.1; 2.2 e 2.3). Segundo o último, nas tipografias das
cidades pernambucanas, já no século XX, “era muito mais simples usar o trabalho do arte-
são para fazer a capa do que mandar para o Recife o pedido para que viesse um portador

44
SANTOS, Milton, Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. 13 ed. Rio
de Janeiro: Record, 2006. p. 25.
45
FROTA, Lélia Coelho. Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro – Século XX. Rio de Janeiro: Aero-
plano, 2000.
33

trazer o clichê de zinco. O uso se generalizou e as cidades foram solicitando mais e mais
aos seus artistas a produção de xilogravuras”46.
A “gravura popular livre”, se pudermos associar estas duas classificações, explora,
nas técnicas gráficas, sua tradição e sua potencialidade e afinidade para expressar o imagi-
nário popular. Se, como coloca Sobreira, os gravadores nordestinos utilizaram a xilogravu-
ra como forma de reprodução de imagens num momento em que, em virtude do apareci-
mento de novas técnicas mais avançadas, ela já era considerada comercialmente obsoleta;
hoje, esses gravadores utilizam-na como meio artístico. Não é mais apenas por seu caráter
múltiplo que a escolhem, mas também pela sua expressividade plástica.
Nos fundos de quase todo ateliê de xilogravura na cidade de Bezerros, em Pernam-
buco, há uma oficina de serigrafia. Aí o gravador transfere as imagens gravadas na madeira
e impressas no papel para as telas de náilon. Com elas, essas imagens são aplicadas em
camisetas, cartazes, azulejos, calendários e outros artigos. Observamos, portanto, nestes
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mesmos ambientes, a simultaneidade entre dois usos: um “livre” e outro “interessado”.


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Outra utilização de técnicas gráficas afastadas da industria de ponta faz-se presente


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nos dias de hoje, nos grandes centros urbanos, inclusive: Visando a “customização” de
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produtos, técnicas artesanais de reprodução de imagens têm sido empregadas funcional-


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mente em nichos do mercado de consumo, adquirindo um significado de sofisticação téc-


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nica e conceitual. (Fig. 2.4). Em meio a uma sociedade industrializada, o produto feito em
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série está potencialmente voltado para o consumo popular maciço e o trabalho artesanal,
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porque raro, assume um valor de requinte material47.


O uso especificamente artístico será, portanto, uma das novas roupagens funcionais
consagradas às técnicas gráficas.

2.2
O uso artístico das técnicas de gravura

Duas características marcam particularmente – porém não obrigatoriamente – o uso


artístico de técnicas de reprodução de imagens: a tendência do artista a assumir pessoal-
mente todas as etapas do processo do trabalho e a revelação expressiva, observada em
meio a este fazer, das qualidades materiais específicas daquela mídia. Deter-me-ei breve-
mente nela na medida em que significaram uma mudança de postura em relação ao fazer

46
SOBREIRA, Geová, Xilógrafos do Juazeiro. Edições UFC: Fortaleza, CE, 1984., p. 09.
47
GULLAR, Ferreira, Argumentação Contra a Morte da Arte, Rio de Janeiro: Reavan, 1993.
34

gravurístico e na medida em que servirão como instrumentos conceituais para a apreciação


das obras realizadas na Lithos Edições de Arte.
Nas oficinas gráficas da Europa que utilizavam as técnicas de gravura para repro-
duzir imagens destinadas a diversos fins comerciais, desde o século XV até o século XIX,
desenhar e gravar – assim como imprimir, editar e distribuir – eram ofícios assumidos por
diferentes profissionais. Aqueles que abriam as primeiras matrizes de madeira eram consi-
derados apenas artesãos, “embora excelentes artesãos”, como aponta Ferreira. Quando
muito, era o desenhista quem adquiria as eventuais honras artísticas da parceria. Este as-
pecto revela-se visualmente nestas pranchas. Elas se apresentam com linhas negras con-
formando as figuras e grandes áreas brancas, como na Bois Protat. Aquelas eram grava-
ções que respeitavam a linha desenhada, obedeciam ao trabalho prévio do desenhista.

“A função do xilógrafo era seguir à risca o desenho feito diretamente na tábua ou no bloco,
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desbastando com facas ou buris as áreas brancas, isto é, as áreas que não receberiam tinta,
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deixando em relevo a superfície que, recebendo tinta, imprimiria o desenho. Sendo assim
tinha uma função mais técnica de produção de fac-símiles do desenho” 48.
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Este aspecto aponta a uma separação entre a concepção e a execução da obra gra-
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vada. De um modo geral, a produção das oficinas gráficas européias, desde o século XV
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baseava-se em um sistema organizado de divisão de tarefas. Segundo Elizabeth Eisenstein,


a produção de livros impressos, nas oficinas que se multiplicaram pela Europa, a partir de
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meados do século XV, “reunia em um só local talentos tradicionais de várias espécies”49.


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O mestre impressor regia as diferentes etapas de composição, impressão e edição dos li-
vros, agindo como um promotor cultural, na localidade em que atuava. Durante o século
XVI, a transformação da produção de livros ilustrados em um verdadeiro empreendimento
capitalista contribuiu imensamente para o estabelecimento dessa organização, perceptível
até o século XIX.
A produção das xilogravuras de topo, principalmente para a composição dos perió-
dicos ilustrados, ao longo do século XIX, fez-se baseada em um sistema onde tal subdivi-
são pode ser particularmente observada. Um profissional compunha o esboço da imagem a
ser impressa, a partir de uma fotografia, de um relato oral ou do desenho de outro artista.
Este era transferido para as placas de madeira, que, muitas vezes eram divididas entre di-

48
VARELA, Marcos Baptista op. cit., p. 35.
49
EISENSTEIN, Elizabeth, op. cit., p. 40.
35

versos gravadores. Um técnico especializado responsabilizava-se por gravar as áreas de


união entre as matrizes, de modo a conferir-lhes uma unidade.
No caso das gravuras em metal, segundo Ferreira, era comum indicar com termos
abreviados em latim, nas legendas das impressões, as atribuições dos diversos profissionais
envolvidos naquela obra. Assim, lê-se pinx., indicando aquele que pintou a tela original;
comp. ou delin., aquele que desenhou; coelavit ou fec., aquele responsável pela gravação;
exc., aquele que imprimiu a estampa; e, finalmente, divulgavit. indicando aquele que a
publicou50.
Entre os artistas que demonstraram o interesse na potencialidade expressiva das
técnicas de gravura, pode-se perceber a tendência a assumir pessoalmente cada fase do
trabalho gráfico como parte do processo criativo. Este movimento intensifica-se ainda mais
no século XX, de modo que, como escreve Ferreira, o próprio impressor torna-se “uma
figura que está rapidamente desaparecendo: as gravuras se tornam tão complexas, tão pes-
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soais, com a mistura de processos e certos virtuosismos de impressão que só mesmo o gra-
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vador é capaz de tirá-las com resultados inteiramente satisfatórios”51. Nestas gravuras,


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observa-se que o momento da “criação” tende a difundir-se por todas as etapas do trabalho,
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revelando, desta forma, uma nova importância ao “fazer artístico”, um novo tipo de relação
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entre “práxis” e “teoria”.


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Segundo Giulio Carlo Argan,


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“há fases ou regiões culturais inteiras em que a práxis prevalece sobre a teoria, chegando às
vezes a excluí-la; há outras em que a teoria predomina e a práxis acaba sendo reduzida à
operação mecânica que reproduz o melhor que pode, mas sempre de modo imperfeito, um
modelo ideal” 52.

Em termos mais especificamente gráficos, a mesma idéia é expressa por Marco Bu-
ti, no livro Gravura em Metal:

“Conforme os conceitos possíveis de arte, o momento histórico e as estéticas vigentes, i-


dentifica-se a técnica artística com a própria arte ou, no outro extremo, pode-se relegá-la a
uma posição secundária no processo de criação. (...) Há trabalhos que devem ser realizados
com precisão mecânica, outros exigem a colaboração sensível de uma equipe, alguns só
adquirem sentido se executados pessoalmente pelo artista” 53.

50
FERREIRA, Orlando da Costa. op cit., p. 91.
51
Idem, p. 92.
52
ARGAN, Giulio Carlo, História da arte como história da cidade. Editora Martins Fontes: São Paulo, 1998,
p. 13-14.
53
BUTI, Marco e LETYCIA, Anna (orgs.), Gravura em Metal, Editora da Universidade de São Pau-
lo/Imprensa Oficial do Estado: São Paulo, 1992. p. 11.
36

A relação entre práxis e teoria assume, ao longo da história e em distintas regiões,


diversos modos de equilíbrio. De acordo com Argan, é durante o Renascimento que a arte
ocidental incorpora decisivamente os problemas do fazer artístico. Conforme coloca este
autor, a arte deste período firmou-se na “transição de uma concepção de arte como mime-
se, baseada nos modelos fundamentais da natureza e da história, a uma arte como ‘manei-
ra’, práxis adequada a situações, exigências, dificuldades do presente”54. Ao mesmo tem-
po, é exatamente neste momento que – através da atuação de homens como Alberti, Brun-
nelleschi, Leonardo, Michelangelo entre outros – o artista irá sublinhar sua autonomia pro-
fissional através da afirmação da intelectualidade e da transcendência de seu fazer; distin-
guindo-se, assim, decisivamente do mero artesão. E é com essa transição que surge, para o
artista, a necessidade de enfrentar “os problemas dos meios expressivos”, “as dificuldades
internas, específicas da arte”55.
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Na gravura, a valorização do fazer como momento decisivo para a criação da obra


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de arte leva o artista a colocar-se subjetivamente em todos os aspectos da sua execução: a


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preparação da matriz, dos instrumentos e das ferramentas; a escolha do papel, os mínimos


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detalhes do processo de impressão. Neste processo, as características materiais específicas


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do meio passam a ser encaradas – e, sobretudo, exibidas – como índices expressivos, por-
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que resultantes do contato do artista com aquela matéria, porque testemunhas desta ação.
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Isto pode ser notadamente percebido nas obras dos expressionistas, por isso, me aterei bre-
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vemente no significado desta manifestação para gravura.

2.3
Parêntesis: a gravura e o expressionismo

Ao termo expressionismo, foram associadas diversas interpretações que abrangem


desde um entendimento mais específico, que o identifica como a atividade de certos artis-
tas em um período e lugar determinados, até uma leitura mais ampla, que o aborda mais
como uma postura em relação ao mundo e à arte e que se faz presente em diversos mo-
mentos da história. Especificamente, este movimento é associado à atividade de jovens
artistas na Alemanha, nas primeiras décadas do século XX, e à participação nesse contexto

54
ARGAN, Giulio Carlo, Clássico anticlássico – O Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. Editora Com-
panhia das Letras: 1999. p. 15.
55
Idem.
37

cultural de grupos como Die Brücke (1905 a 1913), de Dresden; e Der Blaue Reiter (1911
a 1914) de Munique56.
Jean-Claude Lebenstejn, no seu artigo Douane-Zoll, propõe um entendimento do
expressionismo que extrapole esta concepção limitadora. Lebenstejn indica o retorno ao
significado que o termo adquire, em 1912: uma abordagem internacionalista, trans-
geográfica e trans-histórica – que abrangia os pintores franceses fauvistas, os futuristas
italianos, além das vanguardas germânicas – caracterizando-se por sua oposição ao impres-
sionismo57.
A contraposição a este movimento predominantemente pictórico manifesta-se tec-
nicamente no expressionismo com a eleição da gravura, sobretudo sobre madeira, como
mídia privilegiada, embora tenham estes artistas pintado, esculpido, gravado sobre metal e
grafado na pedra. Ao tomar a gravura em madeira como meio criativo – motivados pelo
movimento já iniciado pelos componentes do Jugenstil; inspirados nos trabalhos do norue-
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guês Munch e do auto-exilado Gauguin; entusiasmados pelo sentimento de pertencimento


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a um “espírito setentrional” que tal fazer lhes despertava, conectando-os aos antigos grava-
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dores de Nuremberg – Kircnher, Heckel, Schmidt-Rottluff, Pechstein e os outros artistas


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que porventura juntaram-se à Brücke, resgatam-na de uma posição de obsolescência fun-


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cional, dotando-a de um novo significado, expressivo. Mais notadamente, passam a com-


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preender e exibir as características plásticas particulares do fazer gráfico como aspectos


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poéticos intrínsecos à obra.


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“Quais as características próprias da xilogravura que atraem os artistas? Qual a im-


portância do ato físico de gravar a madeira e os resultados plásticos decorrentes para o
artista?”, pergunta-se Varela58. “Na xilogravura”, analisa Argan,

“a imagem é produzida escavando-se uma matéria sólida, que resiste à ação da mão e do
ferro, a seguir espalhando-se tinta nas partes em relevo, e finalmente prensando a matriz
sobre o papel. A imagem conserva os traços dessas operações manuais, que implicam atos
de violência sobre a matéria, na escassez parcimoniosa , na rigidez e angulosidade das li-
nhas, nas marcas visíveis das fibras da madeira. Não é uma imagem que se liberta da maté-
ria, é uma imagem que se imprime sobre ela num ato de força”59.

56
VARELA, Marcos Baptista, op. cit., 08.
57
LEBENSTEJN, Jean-Claude, Douane-Zoll, in Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais.
EBA, UFRJ, 1999. Tradução Glória Ferreira. Revisão Antônio Guimarães. Pg. 150.
58
VARELA, Marcos Baptista, op. cit., p. 22.
59
ARGAN, Giulio Carlo, Arte Moderna, p. 238-240.
38

De Kirchner a Goeldi, a resistência da madeira contém e intensifica a expressão


que, “na execução incomparavelmente fácil do desenho e da pintura”60, tende a esvair-se.
O confronto com a “dureza” da matriz – qualidade esta, apontada por Ferreira na definição
de gravura com que encabeçamos este texto e salientada por Goeldi em sua apreciação à
experiência linográfica do jovem Scliar61 – surge, então, como um dado fundamental para
a obra. É através da incisão que o artista realiza a transcendência de sua subjetividade.
Paralelamente, observamos que, para os jovens expressionistas da Brücke, cada có-
pia é alçada ao valor de um trabalho original. Tais artistas revelam uma nova concepção da
reprodutibilidade, associando-a ao caráter popular e vanguardista da nova arte. Como co-
loca Magdalena M. Moeller, Heckel e Schmidt-Rottluff imprimem suas próprias estampas
em uma prensa construída especialmente para aquele fim, buscando dotar cada cópia de
uma originalidade própria62.
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Conforme analisa Varela, a atividade gráfica dos expressionistas alemães terá


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fundamental importância para a implantação da moderna xilogravura brasileira. Esta ten-


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dência artística exerce decisiva influência nas obras dos pioneiros Lasar Segall, Oswaldo
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Goeldi, e, de maneira indireta, em Lívio Abramo.


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Adir Botelho insere-se nesta tradição gráfica, integrando uma linhagem que, atra-
- Certificação

vés de Segall, Abramo e sobretudo Goeldi, remete às experiências dos jovens alemães. Em
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Adir, contudo, a incisão adquire uma sinuosidade nova, talvez mais afeita aos trópicos,
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contraposta à angulosidade apontada por Argan.


Confrontando as obras deste artista com aquelas feitas nos moldes das oficinas grá-
ficas européias, percebemos de que maneira os dados materiais próprios da mídia xilográ-
fica – a forma, a textura e a qualidade da madeira; os gestos do gravador; a marca de suas
ferramentas; a cobertura aveludada da tinta; as fibras do papel; o ritual da impressão – são
incorporados como aspectos constituintes da obra de arte. Na prancha, Degolado (Fig.
2.5), da série Canudos, o “achatamento” da figura, na parte superior esquerda, revela o
limite da placa em meio ao papel. Percebem-se os golpes das goivas sobre a madeira nas
áreas de luz abertas dentro do negro dos personagens. A ação do berceau diretamente so-
bre a madeira, subvertendo a função original desta ferramenta, cria um meio-tom vário, a

60
KIRCHNER, in MOELLER, Magdalena M., La Gravure dans l’historie de la Brücke. p. 63.
61
Ver: Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I. Coordenação: FERREIRA, Heloisa Pires; Respon-
sável pela gênese do projeto e entrevistas: CÂMARA, Adamastor. Re-orientação do projeto inicial e sua
concretização: TÁVORA, Maria Luisa Luz. Sesc, 1995.
62
MOELLER, Magdalena M. op. cit.
39

um tempo rude e sutil. A colher de madeira busca nas áreas abertas o cinza gráfico. Uma
linha branca surge, em meio à imagem, ritmando-a e, (quem sabe?), deflagrando a junção
das placas de madeira.
No Japão, entre os séculos XVII e XIX, os artistas da escola Ukiyo-e aprimoraram
a tal ponto a xilogravura como forma de produção e reprodução de imagens, que dificil-
mente identificamos indícios materiais que revelem sua realidade técnica. O mesmo pode
ser dito em relação às xilogravuras de topo produzidas por Gustave Doré e sua equipe, no
século XVIII. Tais trabalhos constituíam-se através do domínio técnico daquela mídia
(Fig. 2.6).
Os gravadores expressionistas alemães ou brasileiros, por sua vez, deixam transpa-
recer o aspecto físico do material – a madeira – seus veios, formato e texturas; bem como o
aspecto autoral de sua mão de artista, a brutalidade ou a delicadeza de seus gestos. Aqui, é
mediante o confronto com a matéria – e não através de seu domínio – que nasce a obra de
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arte.
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2.4
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Duas outras características da utilização desinteressada das técnicas gráfi-


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cas
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Enfocando-me nas obras gráficas dos expressionistas, procurei apontar casos em


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que a subjetivação do fazer apresentou-se como aspecto marcante do arrastamento das


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técnicas gráficas a uma abordagem especificamente artística, revelando-se inclusive plasti-


camente. Gostaria agora de levantar dois outros aspectos que podem ser considerados mar-
cantes desta utilização.
Levando-se em consideração as subdivisões de usos das técnicas gráficas aprecia-
das acima, acredito que possamos observar, entre as diversas manifestações artísticas ori-
entadas às técnicas de gravura, tanto a apropriação expressiva de técnicas até então dire-
cionadas a uma utilização estritamente funcional; quanto o resgate ou a preservação de
técnicas já consideradas funcionalmente obsoletas63.
Ora, tendo-se em conta que as técnicas de reprodução de imagens foram desenvol-
vidas sob o intuito funcional, como sustentado acima, tais manifestações não poderiam

63
No campo da fotografia, o trabalho do fotógrafo Sebastião Barbosa nos mostra a concomitância destas duas
atitudes. Em sua exposição FotografiaViva, no Centro Cultural da Caixa, no Rio de Janeiro, Barbosa expõe
imagens obtidas com câmeras artesanais que remetem às primeiras formas de captação de imagens a partir de
luz. A ao lado destas imagens, Barbosa expõe outras, fotografadas digitalmente com aparelhos celulares po-
pularmente utilizados.
40

dar-se a não ser depois ou enquanto aquelas estivessem a serviço de tal utilização. Tal dis-
tinção não faria sentido se não encerrasse em si uma significativa diferença de atitudes.
Situadas no primeiro caso estariam aquelas manifestações em que o artista explora
a possibilidade de expressão de uma forma de reprodução de imagens corriqueiramente
utilizada pelo meio gráfico funcional da época, ou de uma nova técnica, desenvolvida para
esta finalidade.
Em seu discurso, Ivins Jr. aponta para o fato de que, com poucas exceções, as mais
conhecidas estampas artísticas independentes, desde a segunda década do século XVI, até
o desenvolvimento dos processos fotomecânicos de reprodução, foram feitas em técnicas
que eram, na época, familiarmente usadas para propósitos utilitários, especialmente para a
ilustração de livros64.
Pode-se perceber tal atitude na adoção quase imediata da litografia por muitos pin-
tores no século XIX. Se esta manifestação é logicamente marcada por ser aquele um perío-
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do em que, já, a subjetividade do artista havia se tornado um dos fatores essenciais para a
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ocorrência da obra de arte; é também grandemente produzida por aspectos particulares


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desta técnica: pelo fato de ser a litografia uma técnica extremamente versátil, que permite,
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com seus inúmeros artifícios a transposição da linguagem do desenho quase diretamente


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para a pedra. Como vimos, as possibilidades abertas pela água-forte foram ignoradas en-
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quanto procurou-se simular, com esta, os efeitos obtidos pelo buril.


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Sistematicamente, uma nova técnica, quando desenvolvida, leva certo tempo até
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que seja plenamente apreendida em sua especificidade formal, até que seja despida de sua
“fantasmagoria”65. Em outras palavras, novas técnicas abrem novas possibilidades formais,
em um processo que, na maioria das vezes, hesita antes de ser definitivamente deflagrado.
A absorção de novas tecnologias gráficas por parte dos artistas revela-se cada vez
mais como um fenômeno recorrente à história da gravura. Ricardo Resende, em seu artigo
Os Desdobramentos da Gravura Contemporânea, coloca-o como um fértil viés para as
“novas possibilidades para a gravura contemporânea”. Escreve este autor:

64
“It is worth while to reflect upon de fact that with a very few remarkable exceptions the greatest artistic
single sheets prints since the end of the first quarter of the sixteenth century have been made in techniques
which at the time were currently and familiarly used for utilitarian purposes and especially for the illustration
of books”. IVINS JR., op. cit., p. 96.
65
“Para Benjamin, é fantasmagórico todo produto cultural que hesita ainda um pouco antes de se tornar mer-
cadoria pura e simples. Cada inovação técnica que rivaliza com uma arte antiga assume durante algum tempo
a forma... da fantasmagoria: os métodos de construção modernos dão origem à fantasmagoria das galerias, a
fotografia faz nascer a fantasmagoria dos panoramas... o urbanismo de Haussmann se opõe à flânerie fantas-
magórica” N. do T. in BENJAMIN, Walter, Paris do Segundo Império, in Os Pensadores, Editora Abril,
1975, São Paulo. p. 62.
41

“Nos últimos cinqüenta anos, uma quantidade infindável de novas tecnologias tem sido de-
senvolvida para atender ao mercado de mídias gráficas comerciais, como jornais, revistas e
livros. A arte, atenta a estas novidades, vem incorporando imediatamente algumas destas
inovações trazidas principalmente pela cultura de massa do fim dos anos 50 e 60”66.

Desde 2005, Amador Perez vem desenvolvendo trabalhos em que seus desenhos,
escaneados e levados ao computador, passam por uma seqüência de interferências virtuais
(Fig. 2.7). Impressos em bureaus comerciais, estas obras receberam a alcunha “tonergrafi-
a”, termo que – ao contrário de “gravura digital”, por exemplo – valoriza, não a incisão,
mas o processo de impressão e reprodução da gravura. As tonergrafias de Amador Perez
(impressas semelhantemente às imagens incluídas neste mesmo trabalho) apresentam-se
como um exemplo atual de tal atitude. Coloca o artista:
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“O grande problema (em relação às tonergrafias) é a dependência de trabalhar em lojas co-


piadoras. Você está trabalhando com uma gráfica que tem uma demanda incrível: pessoas
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que se aboletam no balcão, que vão lá imprimir capas de CD, folders, etc. (...) Às vezes vo-
cê precisa acertar algumas coisas no momento da impressão e isso é impossível, porque a
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máquina está desregulada, ou o papel que você deseja está faltando no formato adequado...
Mas nós acabamos ganhando a simpatia do pessoal da loja e eles se sentem parceiros do
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trabalho”67.
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No segundo caso estariam aquelas experiências em que o artista utiliza como forma
de expressão técnicas que já perderam sua funcionalidade para aquele meio gráfico. Este
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movimento acarretaria em um resgate daquele ofício. Podem ser situados aí o interesse de


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Gauguin pela xilogravura ao fio ou o interesse de Darel, no Brasil, pela litografia. Confor-
me aponta este artista:

“Não se fazia mais litografia nos anos 50, ela havia entrado num período de decadência to-
tal. Na década de 40, a litografia era o que estampava as revistas O Malho, A Semana. Era
o off-set da época. Era usada não como trabalho artístico, mas como imprensa. (...) Daí
comprei uma prensa e a instalei na rua Taylor, na Lapa, buscando ressuscitar a lito, no sen-
tido artístico. Eu me lembrava de Munch, o pintor norueguês que fazia litografia nos anos
10 como expressão de arte. (...) Queria mostrar também que a lito era uma expressão de ar-
te e não um mero processo de reprodução”68.

“O que acontece com as coisas quando não atendem mais às demandas do merca-
do? Que papel lhes resta quando perdem valor econômico num mundo em que tudo tem

66
RESENDE, Ricardo, Os Desdobramentos da Gravura Contemporânea, in Gravura – Arte Brasileira do
Século XX, São Paulo: Itaú Cultural, 2000., p. 235.
67
PEREZ, Amador. Entrevista para esta dissertação. Rio de Janeiro, 13/08/2007.
42

preço?”, indaga-se Armando Antenore, na crítica do documentário O Fim do Sem Fim. O


filme, de Beto Magalhães, Cao Guimarães e Lucas Bambozzi, produzido em 2000 e lança-
do em 2007, investiga diversas profissões arcaicas – rurais ou urbanas – que, confrontadas
com os avanços tecnológicos, resistem nos dias de hoje. Fotógrafos lambe-lambe, tocado-
res de sino, lanterninhas, parteiras, xilógrafos cordelistas, e outras figuras semelhantes sur-
gem colocando a questão formulada pelo jornalista. Interessantemente, o documentário é
todo filmado em tecnologia digital. Tal aspecto, somado à própria atuação de seus produto-
res, inserem-no em um movimento contemporâneo que visa problematizar as novas tecno-
logias digitais, como as câmeras fotográficas e filmadoras portáteis e de celular, e as possi-
bilidades artísticas abertas pela internet.
As questões colocadas pelo gravador e atual diretor da Escola de Artes Visuais do
Parque Lage, Carlos Martins, em entrevista para esta pesquisa, mostram-se indispensáveis
para o exame desta discussão.
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2.5
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A Lithos Edições de Arte


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A inserção da Lithos Edições de Arte nesta pesquisa dá-se através dos aspectos
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acima apreciados. Uma oficina gráfica que opera basicamente com a litografia e a serigra-
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fia; esta não se apresenta, contudo, como um atelier de gravura propriamente dito, em que
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cada gravador, na coletividade do ambiente, cria uma obra múltipla, atuando em todas as
etapas que tal trabalho pressupõe. Na Lithos, o artista-cliente, de acordo com seus aponta-
mentos, conta com técnicos que se responsabilizam pela preparação e pela impressão da
matriz. Eventualmente o que vemos, é uma interpretação tão absoluta quanto fiel de um
original apenas traçado pelo artista. Mas isso não é uma regra geral. Muitos são aqueles
que utilizam-na como atelier; como local de trabalho. Mesmo nestes momentos, porém, a
tiragem é resguardada à oficina. Regular, estável, homogênea, esta procura seguir o padrão
da cópia “boa para imprimir”. Uniforme. Tanto mais porque realizada na prensa automáti-
ca Marinoni. Este aparato, imenso, impressionante, que, como coloca Iuri Frigoletto69,
remete à maquinaria das ferrovias a vapor, materializa a relação da Lithos com a tradição
industrial gráfica da qual ela emerge. Personifica-a Gláucia Altmann, cromista litógrafa.
Seu trabalho estaria situado na arqueologia das extintas profissões catalogadas em O Fim

68
Gravura, arte brasileira do século XX, São Paulo: Itaú Cultural., p. 70.
69
Ver: Entrevista com Iuri Frigoletto, em anexo. Rio de Janeiro, 9/07/2007 e 27/12/2007
43

do Sem Fim, não fosse reformulado, de modo a adquirir, contemporaneamente, uma nova
significação, direcionada a um nicho especializado do mercado.
A Lithos tampouco apresenta-se como uma oficina comercial. Como coloca Gui-
lherme Rodrigues, este é um filão no qual eles escolheram não penetrar.
Quanto às técnicas gráficas ali implementadas, se a serigrafia e a litografia – técni-
cas que há muito perderam sua função para a indústria gráfica – são utilizadas como forma
de reprodução de obras de arte; se, com isso, a Lithos realiza a preservação de tais fazeres,
mantendo girando estes aparatos seculares; a experiência com uma nova técnica gráfica,
concomitantemente aplicada na indústria de ponta, aponta paralelamente para uma outra
direção. Refiro-me aos trabalhos ali impressos através de matrizes de off-set gravadas digi-
talmente pelo processo denominado CTP, computer-to-plate. A transferência de tais cha-
pas para a oficina e a impressão na prensa Marinoni vinculam esta ação ao sistema litográ-
fico oitocentista, iluminando-a, ao mesmo tempo, com um caráter artesanal que, por sua
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vez, inflige-lhe de maneira particular a aura de um objeto artístico.


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Analisarei a trajetória da Lithos Edições de Arte, sua relação com a indústria lito-
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gráfica e sua contribuição para a gravura de arte brasileira. Para isso, estudarei o processo
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de implementação das técnicas de reprodução de imagens no Brasil, particularmente na


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cidade do Rio de Janeiro, em cujo meio gráfico origina-se esta oficina.


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48

3
As Técnicas Gráficas no Rio de Janeiro Oitocentista

No Brasil, a gravura só é praticada, de forma realmente sistemática, a partir da che-


gada da família real portuguesa no Rio de Janeiro em 1808. Até então, a postura protecio-
nista de Portugal em relação às suas colônias impedia qualquer chance de desenvolvimento
de atividades gráficas por aqui. Embora proibida pela Carta Régia de 6 de julho de 1747,
encontramos casos isolados de impressão gráfica no Brasil, como o relatado por Werneck
Sodré, ocorrido em 1706, quando foi instalada, em Recife, uma tipografia “para impressão
de letras de santos e orações devotas”70. Tal iniciativa, assim como outras subseqüentes,
foi logo reprimida por decreto oficial, que liquidou com os equipamentos e notificou seus
donos. Em 1746, no Rio de Janeiro, Francisco Isidoro da Fonseca, impressor português,
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instalou uma oficina tipográfica com material que trouxe consigo. Mais uma vez, a metró-
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pole se impôs. E de maneira igualmente inexorável. Conforme sublinha aquele autor, no


caso de Portugal, “manter as colônias fechadas à cultura era característica própria da do-
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minação”71. Porém, além do intenso controle exercido, aponta ainda, as próprias condições
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sócio-econômicas da colônia – francamente agrária e escravocrata – não incentivavam a


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divulgação da imprensa no Brasil72.


No âmbito das atividades iconográficas, podemos também observar algumas mani-
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festações anteriores a 1808. Uma delas é o livro Exames de Bombeiros, ilustrado com vinte
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pranchas gravadas em metal pelo português José Francisco Chaves. Há nesta publicação
uma gravura que, ao que tudo indica, foi aberta no Rio de Janeiro, em 1749. (Fig. 3.1).
Trata-se da ilustração de “partes de uma bateria”. Conforme coloca Orlando da Costa Fer-
reira, as primeiras ilustrações de livros realizadas no Brasil tinham, como esta, um caráter
essencialmente técnico.
Dentre as mudanças instauradas na cidade com a chegada da corte, a criação de três
instituições, entre 1808 e 1809, abre espaço para o desenvolvimento oficial da gravura no
Brasil. São elas: a Impressão Régia, o Arquivo Militar e o Collegio das Fabricas.
Em um primeiro momento, a xilogravura a fio e o talho-doce são as técnicas de
gravura exercidas. Elas terão todo o tipo de orientação funcional. As figuras 3.2 e 3.3 mos-
tram algumas pranchas gravadas para publicação em jornais, em meados da década de

70
WERNECK SODRÉ, Nelson, História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1983. Pg. 20.
71
Idem. Pg. 21.
72
Idem. Pg. 20.
49

1840. Nelas podemos ler o nome do gravador anunciante – na época, chamado de “abri-
dor” – seu endereço e, por vezes, uma listagem dos serviços que atendiam. “Bilhetes de
visita”, “letras de câmbio”, “armas de família” constam entre as aplicações mais comuns
da xilogravura e da gravura em metal, então. A riqueza de tipos e de ornatos empregados
nos anúncios era uma forma de demonstrar a destreza de quem o fazia.
Em breve, a litografia passa a dividir com a xilogravura e com o talho-doce este
mercado. Neste capítulo analisarei o impacto da implantação e popularização da litografia
sobre a utilização daquelas técnicas; os principais tipos de impressos destinados a cada
uma destas; e a possibilidade ou impossibilidade de se destacar, entre os diversos usos des-
tinados a cada uma, manifestações caracterizadamente “desinteressadas”.

3.1
Primeiros anos: 1808 – 1809
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Em 1808, cerca de 15 mil pessoas desembarcaram na cidade do Rio de Janeiro73.


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Com a chegada da Corte, muitos gravadores portugueses foram atraídos para esta cidade.
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Alguns encontrarão cargos nos primeiros estabelecimentos gráficos oficiais, onde gravarão
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a buril, em chapas de metal, plantas cartográficas, ilustrações para livros técnicos e, mes-
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mo, alegorias, composições históricas e retratos74. Outros atuarão autonomamente como


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“abridores profissionais”. Trazendo seus próprios materiais, ferramentas e prensas, estes


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primeiros gravadores começarão a trabalhar para o público, alojando-se nos sobrados do


centro, mudando-se sistematicamente de endereço, atuando em uma ampla área de ação –
relacionada ou não a atividades propriamente gráficas – anunciando sempre seus serviços e
seus locais de trabalho nos periódicos que logo passariam a circular pela cidade. Atenderão
a uma sociedade que se sofisticava e exercia uma demanda cada vez maior por impressos.
Tais profissionais eram, em sua maioria, talho-docistas, uma vez que em Portugal,
no final do século XVIII e início do século XIX, a xilogravura já era considerada “uma arte
do povo”75, e a litografia não havia sequer sido implantada. No entanto, logo encontraram
aqui espaço para a “abrição em madeira”, anunciando esta possibilidade na gama de seus
serviços. Entre os gravadores vindos para o Brasil junto ou logo após a chegada da Corte,
encontramos Braz Sinibaldi, cuja data de chegada ao Rio não se sabe ao certo. Além de

73
LUZ, Ângela Âncora da, A Missão Artística Francesa – Novos Rumos Para a Arte do Brasil, in revista Da
Cultura, Ano IV, nº 7, 2004.
74
Estas pranchas eram, na maioria das vezes, abertas a partir de originais de outros gravadores, ou pintores.
50

gravar em metal, Sinibaldi gravou em madeira, podendo ser considerado, de fato, o primei-
ro xilógrafo do Brasil.
O gabinete cartográfico do Arquivo Militar foi constituído no dia 7 de abril de
1808. Esta oficina estava vinculada à Academia Militar e desenvolveu-se inicialmente co-
mo centro de produção de talhos-doces aplicado principalmente à ilustração cartográfica.
Em 1826, passou a abrigar o primeiro ateliê litográfico oficial, tornando-se uma importante
referência gráfica para o Brasil.
No dia 13 de maio de 1808, é inaugurada a Impressão Régia, desde o início um
centro de produção de talho-doce e, mais esporadicamente, de xilogravura. Depois trans-
formada em Imprensa Nacional, esta oficina atuou mais intensamente como tipografia. O
material tipográfico da Impressão foi trazido para o Brasil por Antônio de Araújo, futuro
Conde da Barca76. Seu primeiro lançamento é o opúsculo intitulado Relação dos despa-
chos publicados na corte pelo expediente da Secretaria de Estado (...) desde a feliz chega-
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da de S. A. R. aos Estados do Brazil até o dito dia hoje. “Com três séculos e meio de atra-
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so, em relação aos desenvolvimentos de Gutenberg, iniciava-se finalmente a implantação


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das atividades de impressão em solo brasileiro”, escreve Joaquim Marçal Ferreira de An-
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drade77.
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Destas prensas saíram, a 10 de setembro de 1808, a Gazeta do Rio de Janeiro, con-


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sagrada como marco inicial da imprensa no Brasil78. Em 1809, construiu-se ali o primeiro
prelo de madeira e, no ano seguinte, iniciou-se a fundição de tipos79. Com a instalação das
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prensas e do material tipográfico, a Impressão Régia ficaria responsável pela publicação


dos impressos necessários para a administração imperial e, logo, pela impressão de alguns
livros. Naturalmente, todo o material editado estava submetido a uma rígida censura, para
a qual foi constituída uma comissão especial80. Até o final da terceira década do século
XIX, a Impressão se colocaria como um importante ateliê gráfico na cidade; depois, a gra-
vura não seria mais realizada nesta instituição81.

75
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 137.
76
Idem. Pg. 22.
77
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, op. cit.
78
Embora tenha surgido três meses e dois números antes da Gazeta, em 1º de junho de 1808, o Correio Bra-
siliense, de Hipólito da Costa foi, e continuou sendo até seu último número, impresso na Inglaterra. Mais do
que isso, destaca Werneck Sodré, sua análise das questões brasileiras era feita segundo uma perspectiva alheia
a esta realidade. WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 24.
79
Idem. Pg. 40.
80
Idem. Pg. 23.
81
Em 1831, esta oficina pôs à venda suas duas prensas de talho-doce. Em 1845, compra o primeiro prelo
mecânico, fabricado pela inglesa Clymer & Dixon, conhecido, no país, como prelo “Águia”. O exemplar
pertencente à Impressão está, hoje, no Museu da Imprensa de Brasília. Houve tentativas de reinstituir a gravu-
51

Em 1809, foi instituído o Collegio das Fabricas a partir de um grupo autônomo de


gravadores portugueses. Esta oficina, instalada no Morro do Castelo, era integrada pela
Fabrica de Cartas de Jogar e pela Estamparia de Chitas, onde se imprimiu, principalmente
em madeira mas também em metal, com matrizes abertas aqui e, muitas vezes, importadas.
Data dos anos 1809 e 1810 o início da fabricação de papel realizado por Henrique
Nunes Cardoso e Joaquim José da Silva que, juntos, instalaram uma fábrica do Andaraí
Pequeno, no Rio de Janeiro82.

3.2
1810 – 1819

Durante a segunda década do século XIX, tendo sido instaladas as oficinas oficiais,
a atividade gráfica na capital do Império entra em fase de amadurecimento. Encontra-se,
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no entanto, ainda bastante dependente dos ateliês estrangeiros, de seus buris e suas prensas.
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Esta situação, aliás, embora amenizada, se perdura durante quase todo o século. Já no final
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deste período, “qualquer brasileiro de alguma posse podia mandar gravar seu retrato na
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Europa ou fazer as ilustrações de seu livro, a ser impresso lá ou no Rio, na Impressão Re-
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gia, que cumpria encomenda do público (...), ou ainda, pouco depois, nas primeiras tipo-
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grafias particulares da Corte”83.


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A partir de 1810, perceberemos a convivência da madeira e do metal nas publica-


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ções e anúncios relativos à atividade gráfica no Rio. Em 13 de setembro de 1810, a Gazeta


do Rio de Janeiro publicou um mapa da Batalha do Buçaco (Fig. 3.2), aberto em madeira,
provavelmente por Braz Sinibaldi. Em 16 de abril de 1817, este gravador, estabelecido na
Rua do Ouvidor, 15, anunciou que abria “firmas e outras coisas por engenho, em pedras
finas, e a buril, em madeira, metal, etc.”84.
A Impressão Régia publica em 1815 a Historia Verdadeira da Princesa Magalona,
e a Historia da Donzella Theodora, primeiros exemplares de uma série de novelas cujo
teor mundano e a rudeza de traço das folhas de rostos gravadas em madeira tornam-nas
verdadeiros prenúncios da xilogravura popular no país, fazendo da Impressão uma impor-

ra naquele estabelecimento, mas nenhuma bem sucedida. Apenas no século XX, a Imprensa voltaria a impri-
mir imagens, mas já por meios fotomecânicos.
82
PAULA, Aldemar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, Artes Gráficas no Brasil - Registros 1746 –
1941, São Paulo: Laserprint, 1989.
83
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 239.
84
Idem. p. 138.
52

tante instauradora desta tradição85. Neste e em outros casos veremos que o apelo pela i-
magem impressa aliado à carência do domínio técnico específico fizeram brotar esse cará-
ter “popular” em muitas das imagens impressas nos periódicos do Rio de Janeiro durante
todo o século. Os folhetos avulsos como registros de santos e as cartas de baralho, que
circulavam na época, estavam, por sua natureza, ainda mais sujeitos a essa abordagem es-
pontânea.

Com a vinda da Missão Artística Francesa, chefiada por Joachim Lebreton (1760-
1819), anuncia-se oficialmente o exercício da atividade artística “erudita” na capital do
império. Este empreendimento, no entanto, não acarretou em conquistas significativas para
a gravura brasileira: “Dos membros da Missão Artística Francesa chegada em 1816, con-
tratada (...) pelo conde da Barca, com o fito de criar uma Escola Real de Ciências, Artes e
Ofícios (...), não há muito o que dizer com relação à arte e técnica de gravar, quando tudo
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se devia dela esperar a esse respeito”86, escreve Ferreira. Charles Simon Pradier (1783-
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1847) foi o gravador oficial da Missão. Sendo contratado para realizar e ensinar a gravura
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no Brasil, deveria inclusive gravar os retratos das figuras importantes da Corte. De fato,
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Pradier fez alguns destes retratos, como o do imperador, segundo desenho de Debret, e
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chegou a colaborar com a série de pranchas do Voyage Pittoresque et Historique au Brèsil,


- Certificação

deste artista. Entretanto, preferiu realizar suas gravuras na França. Em 1818, retornou à
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Europa alegando que não encontrara aqui os recursos técnicos para a realização de suas
PUC-Rio

encomendas, quando, contudo, poderia, como bem aponta Ferreira: ter lançado mão das
oficinas existentes; ter trazido ou encomendado o material necessário; ou mesmo ter man-
dado construir uma prensa apropriada.
Dos demais membros desta comissão são conhecidas algumas gravuras, de pouca
significância, porém. Félix Émile Taunay (1795-1881), filho de Nicolas Antoine-Taunay
(1755-1830), pintor de paisagens e batalhas, também membro da comissão francesa, exe-
cutou uma água-forte, A Aclamação de D. Pedro I, gravada no Rio de Janeiro. Mais tarde,
realizará algumas experiências litográficas, no ateliê do Arquivo Militar. Jean Baptiste
Debret (1768-1848), fez duas águas-fortes entre 1817 e 1818, o Solene Desembarque de D.
Leopoldina e a Aclamação de D. João VI, segundo quadros seus. Já de volta à Europa,
publicou com editores franceses o álbum Voyage Pittoresque et Historique au Brèsil, gra-
vados por litógrafos franceses, a partir de desenhos seus.

85
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 141.
86
Idem. p. 255.
53

Em 11 de agosto de 1815 é revogada a Carta régia de 30 de julho de 1766, que pro-


ibira a profissão de ourives nas colônias portuguesas. Tal medida atrairia muitos gravado-
res em metal para o Rio. Habituados com as ferramentas e técnicas da ourivesaria, estes
artesãos viam na gravação de textos e imagens em metal mais uma forma de autuação para
o público. Por outro lado, a inscrição de ornatos e letras em baixelas e sinetes, nunca deixa-
ria de constituir um serviço comum aos talho-docistas “comerciais” do século XIX, no
Rio87.
O contato, para não dizer a dependência, com as oficinas européias revela-se no
anúncio publicado na Gazeta do Rio de Janeiro, em 31 de março de 1819. Neste, os repre-
sentantes dos Anaes das Sciencias, das Artes e Letras, publicada em Paris, disponibiliza-
vam-se a “redigir a impressão de qualquer obra escrita em português, francês, ou inglês e
de fazer abrir chapas em cobre, pedra, pau, ou de fazer litografar debuxos”88. Comprovan-
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te da atividade gráfica no Rio nas primeiras décadas do século XIX, o anúncio é também a
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primeira menção pública da técnica litográfica – trazida para o país três anos depois – e um
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indício da convivência de diferentes técnicas gráficas nas oficinas européias, situação que
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se produzirá, de forma peculiar, no Rio de Janeiro.


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- Certificação

3.3
PUC-Rio

1820 – 1829
PUC-Rio

A década em questão veria o crescimento das condições materiais para o advento


da imprensa no Brasil. Em 1821, duas novas tipografias surgem no Rio: a Nova Tipografia
e a de Moreira e Garcez89. Delas sairiam os diversos periódicos que passariam a circular,
atiçados pela excitação política vivida então. Em 1823, apareceriam mais quatro, entre elas
a do Diário do Rio de Janeiro, que passaria, assim, a ser tirado em prensas próprias90. A
venda de livros também sentiria um aumento significativo: Em 1813, apenas duas livrarias
existiam na Corte. Em 1821, havia nove e, em 1823, proclamada a independência, surgiri-
am outras91.

87
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit.
88
Idem. p. 239.
89
WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 42.
90
Idem.
91
Idem. p. 45.
54

“Essa expansão do comércio de livros estava em consonância com as condições políticas


que evoluíam rapidamente: era um país novo que começava a emergir, com sua camada
culta ansiosa por definir-lhe os rumos e necessitada, para isso, de informar-se”92

Nestes anos, a atividade talho-docística entra em um período de desenvolvimento


que durará pelo menos cinco décadas. Por volta de 1826, segundo Ferreira, “já havia no
Rio, pode-se dizer, uma multidão de pequenos gravadores em talho-doce ‘comerciais’”93.
Entram em funcionamento as primeiras “estamparias” de metal do Rio. Além da produção
dos gravadores profissionais, as estamparias costumavam receber chapas abertas na Euro-
pa, cujos preços de entrada no país dependiam do tipo de imagem que traziam94. Em 1824,
a cidade registra o primeiro planeur, profissional que se dedicava, ainda que subsidiaria-
mente, à preparação de chapas a serem gravadas.
A xilogravura também viverá, nessa época, seu período de evolução no mercado
comercial. A partir de 1821, periódicos como o Diário do Rio de Janeiro publicariam ca-
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beçalhos gravados em madeira. Surgido em 1º de julho de 1821, este foi o primeiro jornal
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decididamente informativo da Corte, mantendo-se alheio às discussões políticas inflama-


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das com o processo de independência95. Foi também, segundo Ferreira, “o primeiro veícu-
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lo da xilogravura brasileira”. Em 1822, publicou a imagem de uma casinha xilogravada


- Certificação

ilustrando o anúncio do Moinho de vapor de farinha de arroz. (Fig. 3.5). Assim como esta,
- Certificação

outras pequenas xilogravuras de autores anônimos começaram a adornar os reclames pu-


blicados nos jornais da época. A mesma casinha seria impressa novamente mais tarde,
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trazendo algumas mudanças, não se sabe se propositais ou acidentais.


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“Os anunciantes e os impressores de jornais depressa aprenderam duas coisas: que a pe-
quena ilustração ‘vendia’, por mais insignificante que fosse, pois promovia o anuncio, den-
tro da massa de outros (...); e que, para tornar a matriz mais resistente ao choque da prensa,
era preciso dotá-la de maior área impressora sem aumentar o seu formato, assim nascendo
espontaneamente a xilo ‘negativa’, isto é, com o desenho e/ou letras em ‘linha branca’ num
campo negro preponderante”96.

Outros periódicos passariam a contar também com imagens xilogravadas. Nesta


época, a quase completa exclusividade da xilogravura nos jornais – onde, geralmente, esta
técnica dividia espaço apenas com as ilustrações feitas a partir do material da caixa tipo-
gráfica – explica-se por seu procedimento de impressão associável às prensas tipográficas.

92
Idem. p. 46.
93
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 259.
94
Idem. Pg. 260.
95
WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 58.
55

O talho-doce, no entanto, dominava praticamente a demanda por impressos efêmeros, co-


mo letras de câmbio, rótulos, cartões de visita, bilhetes, etc. Ainda assim, a princípio, ob-
serva-se a sua eventual aparição nos periódicos de então97. É interessante reparar que as
figuras 3.2 e 3.3, que representam imagens gravadas em madeira para impressão em jor-
nais, na década de 1840, anunciam serviços que seriam, seguramente, gravados em talho-
doce. Se a xilogravura admitia e até dependia da fatura popular, este último haveria de se
estender também por este campo, principalmente no caso dos chamados “registros de san-
tos”.

A década de 1820 é marcada pela implantação da litografia no Brasil. A relativa


rapidez com que esta técnica chegou aqui e o atraso com que chegaram a gravura em metal
e a xilogravura criaram uma situação que marcará particularmente o mercado gráfico oito-
centista brasileiro.
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A primeira oficina litográfica do Brasil foi a do francês Arnauld Julien Pallière


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(1783-1862), que desembarcou no Rio em 1817, onde atuou também como pintor, profes-
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sor e gravador em talho-doce. Seu prelo era certamente uma prensa portátil projetada por
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Senefelder, trazida, como o restante de seu material, pelo próprio artista. Uma de suas lito-
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grafias gravadas e impressas no Rio, em 1819, é um frontispício que traz a imagem de São
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Sebastião e, ao fundo, a Baía de Guanabara. (Fig. 3.6). Pallière produziu também algumas
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etiquetas para pacotes de rapé da marca Scaferlati. Este artista não ensinou litografia em
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sua academia particular, procurando mantê-la, mesmo, em segredo. Conforme Ferreira,


“pode-se pensar também, com boa probabilidade de acerto, que não desejasse usar a lito-
grafia como sua principal atividade ‘artística’, reservando-a quase que somente a trabalhos
comerciais, que se sabe proporcionavam boas rendas”98. Suas tiragens eram muito reduzi-
das e a maioria de suas impressões se perdeu.
Outra prensa particular encontra-se em atividade antes da instalação do ateliê lito-
gráfico no Arquivo Militar. Trata-se daquela pertencente a D. Pedro I, enviada pelo poeta
baiano Domingos Borges de Barros, depois Visconde da Pedra Branca, em 1822. Segundo
Ferreira, foi certamente sob influência do pintor português Antonio de Sequeira que Bor-
ges de Barros teria adquirido e enviado uma prensa portátil ao imperador, “para que esse
pudesse imitar os diletantes da nobreza européia de então, como parece haver pelo menos

96
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 147.
97
AANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, “História da fotorreportagem no Brasil”.
98
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. p. 321.
56

tentado fazer”99. A litografia já não era de todo desconhecida da elite do Rio, tendo sido
noticiada, conforme vimos, desde o anúncio de 1819, nos periódicos locais como a mais
nova descoberta das artes gráficas. O interesse do imperador por esta técnica foi certamen-
te um dado propulsor de sua divulgação no país 100.
Em 18 de dezembro de 1824, o brigadeiro Joaquim Norberto Xavier de Brito, dire-
tor do Arquivo Militar, apresenta ao ministro da Guerra, o general João Vieira de Carva-
lho, a proposta de substituir a seção de talho-doce de sua oficina por um ateliê de litografia.
A compra da prensa e dos materiais necessários e a contratação de um técnico responsável
ficaram a cargo de Borges de Barros, que, contou novamente com o auxílio de Sequeira.
Barros buscou entre as oficinas européias um candidato que preenchesse as exigências do
cargo. É Edouard Knecht, responsável pela Senefelder & Cia., quem lhe indica o suíço
Johan Jacob Steinmann (1804-1844).
Em 1825, Steinmann, que estava a pouco mais de um ano naquela firma, foi con-
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tratado. No acordo de cinco anos, Steinmann receberia 600.000 réis anuais e deveria res-
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ponsabilizar-se por diversas atribuições próprias de um técnico litógrafo da época. Entre


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elas estavam notadamente citadas: desenho a crayon e a pena sobre pedra; gravura a buril
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sobre pedra; transporte de textos e inscrição direta de textos sobre pedra; impressão; fabri-
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cação de papéis transporte; água-tinta sobre pedra; impressão a cores e a manutenção dos
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utensílios e prensas. Steinmann estaria proibido de trabalhar para clientes privados durante
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o tempo de duração do contrato, o que foi simplesmente ignorado.


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Aos seus cuidados, Borges de Barros enviou a prensa e todo material necessário
para a instalação da oficina litográfica. Esta entrou em funcionamento em janeiro de 1826.
A figura 3.7 mostra uma página de um livro técnico ilustrado em litografia por Steinmann
na oficina do Arquivo. Neste ano, somavam-se quatro os prelos litográficos em atividade
no Rio de Janeiro: a prensa portátil do imperador, a que pertencera a Pallière, provavel-
mente deixada aqui com o seu retorno à França, e as duas prensas do Arquivo.
Em 1º de outubro de 1827, começa a sair o Jornal do Comércio no Rio de Janeiro,
primeiro periódico diário da cidade e segundo do país. É impresso na tipografia de Pierre
Plancher, instalada à Rua da Alfândega, 47.
Em março de 1828, o diretor do Arquivo noticiava “que a oficina aceitava enco-
mendas de trabalhos litográficos em geral, especialmente mapas, plantas, estampas de ma-

99
Idem. Pg. 322.
100
Idem Pg. 323.
57

temática e de física, avisos, passaportes, conhecimentos, etc.”101. Pretendeu-se instalar,


nesta oficina, uma Escola de Litografia: aos cuidados de Steinmann, alguns jovens milita-
res e mesmo civis começam a aprender o desenho e a impressão litográfica.

3.4
1830 – 1839

A partir de 1831, o Jornal do Comércio passa a publicar mais constantemente xilo-


gravuras ilustrando suas notícias e anúncios. Algumas destas imagens apresentam melhor
acabamento, demonstrando terem sido abertas com ferramentas especiais e não com cani-
vetes ordinários. (Fig. 3.10). No entanto, algumas impressões – que trazem, por vezes a
marca dos pregos ou parafusos que as sustinham sobre a prancha tipográfica – carregam
ainda a marca de sua fatura rudimentar, comprovando igualmente o amadorismo dos gráfi-
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cos de então e a incrível carência de imagens propriamente gravadas e mão de obra especi-
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alizada que a indústria gráfica viveu até, pelo menos, a metade do século XIX. (Fig. 3.8 e
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3.9).
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Até 1830, são ainda poucos os litógrafos em atividade no Rio e praticamente insig-
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nificante a formação destes pelo Arquivo Militar. Neste ano, vencido o contrato que o
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trouxe para o Brasil, Steinmann deixa esta oficina e abre uma particular, onde contará com
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a clientela obtida durante o tempo de trabalho para aquele ateliê. Em 1833, o suíço retorna
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à Europa.
Com a saída de Steinmann, a oficina do Arquivo não fecha suas portas. Sebastião
Carlos Abelé, contratado em 1826 como desenhista e professor de desenho em litografia,
aí se estabelece. É, depois, substituído pelo francês Pierre Victor Larée. Assim, esta oficina
continua atendendo ao público e contribuindo, ainda que lentamente, para a formação de
técnicos especializados. Esta demanda, entretanto, será realmente respondida com a vinda
de técnicos estrangeiros para cá. A partir de 1830, o Arquivo dividirá cada vez mais o mer-
cado litográfico com as firmas privadas abertas pelos gráficos imigrantes.

A Rivière & Briggs foi fundada em 1832 e teve apenas um ano de duração. Além
de litógrafo, Édouard Philippe Rivière foi professor de desenho e pintura. Frederico Gui-
lherme Briggs (1813-1870), foi aluno de Grandjean de Montigny e de Taunay na Acade-

101
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. p. 340-342.
58

mia de Belas-Artes, que freqüentou como ouvinte. Em 1832, quando Briggs não tinha mais
de 19 anos, os dois se associam e abrem sua oficina litográfica na Rua do Ouvidor. Nesta
oficina, a dupla gravou alguns retratos e um grupo de estampas de tipos populares, que
segundo Ferreira foi “a primeira coleção do gênero a ser publicada no Brasil”.
Em março de 1836, Briggs foi para Europa e freqüentou o ateliê de Day & Haghe,
a mais importante oficina litográfica da Inglaterra, naquela época. Em novembro de 1837,
retorna ao Rio. No ano seguinte já anunciava seu próprio ateliê, na Rua do Ouvidor. Ali
imprimiu uma série de charges desenhadas por Araújo Porto Alegre para o jornal O Cari-
caturista.
Pierre Victor Larée, após breve período no Arquivo, deixa esta oficina e abre sua
Lithographia do Commercio. Larée orientava-se principalmente aos impressos comerciais,
como anunciava sua firma. Em 1834, este gráfico parte para a Europa em busca de bom
funcionário capaz de atender às exigências de um técnico litógrafo. Em 11 de abril de
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1834, manda publicar o seguinte anúncio:


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“O proprietário da Lithographia do Commercio desta Capital, vendo que seu estabeleci-


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mento carecia dum escrevente capaz de desempenhar os seus deveres nesta arte, mandou
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vir um litógrafo de fora, com quem se tem associado. (...) Os dois sócios, com a firma Vic-
tor e Guerrin, executarão todas as obras pertencentes à litografia, tais como circulares, fac-
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símiles, conhecimentos, letras de câmbio, faturas, bilhetes d’endresse, bilhetes de visita,


cartas geográficas, planos topográficos, vinhetas, letreiros, música, etc.”102.
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Tal publicação é um indício do importante papel que a vinda dos técnicos especia-
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lizados teria para o desenvolvimento da indústria gráfica do Rio de Janeiro oitocentista


(situação que se reproduzirá durante o século seguinte). Estes homens traziam consigo não
apenas materiais e apetrechos como também preciosos conhecimentos técnicos. Além dis-
so, o anúncio é também, um exemplo da gama de serviços que a litografia comercial ofere-
cia: percebemos que esta técnica avançou sobre aplicações antes orientadas principalmente
à gravura em metal.
Em 1857, Larée fechará sua firma e retornará à oficina do Arquivo Militar, onde
gerenciará as aulas de gravação e impressão e trabalhará, em seguida, como gravador. An-
tes disso, porém, destaca-se em sua atividade um dado interessante para nossa análise: Em
26 de março de 1838, Larée - assim como outros litógrafos farão mais tarde - anunciou a
abertura em sua oficina da seção de talho-doce. Se, por um lado, a litografia estava abar-
cando parte da demanda comercial de impressos que anteriormente era destinada quase
59

que exclusivamente à gravura em metal, por outro, Larée – cujos olhos eram os de um em-
presário – encontrava motivos suficientes para investir ainda nesta última forma de impres-
são.

3.5
1840 – 1849

Werneck Sodré, analisando as transformações na imprensa brasileira, na década de


1830, coloca que estas foram de ordem mais política que técnica. A década de 1840, entre-
tanto, veria mudanças formais na distribuição, na impressão e na circulação dos periódi-
cos103, aponta.
Em 1840, Peter Luwig, “artista litógrafo” – como foi registrado – chega ao Rio
com 26 anos de idade. Neste mesmo ano associa-se brevemente à Larée. Em 1841 parte
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para a França, talvez em busca de materiais e conhecimentos específicos para montar ofi-
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cina com Briggs. Em 1842, os dois fundam a firma Ludwig & Briggs. Além de editar co-
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leções de vistas do Rio e de outras cidades do Império, editam coleções de “cenas popula-
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res”, séries de caricaturas, retratos e toda espécie de impressos comerciais: “mapas, letras,
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faturas, circulares, preços correntes, bilhetes, adresses, etiquetas para boticas, música, de-
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senhos (...) e fac-símiles”104, fazendo, assim, concorrência aberta a Larée. Neste mesmo
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ano adquirem também uma tipografia e tornam-se auto-suficientes em matéria de impres-


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são de textos e legendas para suas publicações. A parceria dura até 1868, mas a firma, com
novos sócios, se mantém até 1884, quando perde competitividade para outras, como a Hea-
ton & Rensburg.

A partir de 1837, o Jornal do Comércio passa a publicar notícias ilustradas com


matrizes politipadas vindas da Europa. Estas passam a constituir quase completamente o
corpo iconográfico deste periódico (Fig. 3.11). Ao contrário do que seria de se esperar da
ilustração jornalística, neste caso, eram as imagens que orientavam a notícia a ser publica-
da. Com este procedimento, adotado também para a revista Museu Universal, fundada pela
mesma empresa, naquele ano, a xilogravura passou a ser popularizada e, ao mesmo tempo,
mais “sofisticadamente” representada. Segundo Andrade, os periódicos que adotavam tal

102
Idem. p. 359.
103
WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 139 e 206.
104
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 370.
60

procedimento no Rio caracterizaram-se por uma cobertura mais enciclopédica que noticio-
sa.
A importação de estereótipos passaria a contar como uma alternativa para revistas e
jornais. Contudo, sempre que precisavam de imagens específicas, estes recorriam ao arte-
são local e sua fatura não especializada. Este é o caso da xilo publicada em 1846 por aque-
le periódico anunciando um espetáculo circense na cidade (Fig. 3.12). A impressão de xi-
logravuras realizadas nestes moldes se manteria no Rio de Janeiro durante algum tempo.
Em 1843, ano em que se registra o primeiro anúncio de fabricação de prensas de talho-
doce, é implantado o processo de reprodução de matrizes por meio de estereótipos no Bra-
sil, reforçando a importância da xilogravura na publicação de periódicos neste momento.
De fato, na década de 1840 aumenta o número de xilógrafos comerciais105. Segun-
do Ferreira, dos treze talho-docistas que chegam então ao Rio, cinco atuaram também co-
mo xilógrafos. Na realidade, muitos gravadores, exerciam a xilogravura e o talho-doce,
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paralelamente à litografia. No entanto, conforme aponta Ferreira, mesmo quando encarna-


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das numa mesma pessoa, a figura do xilógrafo era mais ingênua que a do litógrafo, man-
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tendo-se invariavelmente autônoma.


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Em 1840, chega ao Rio o português Henrique José Aranha, xilogravador; gravador


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a entalhe e a relevo sobre metal e pedra litográfica; litógrafo; cinzelista e zincógrafo. Em


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1847 anuncia-se pela primeira vez, dizendo-se “abridor-lavrante”106. Aranha contribuiu


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com vários periódicos locais. Na década de 1850, abrirá a Litografia d’Aranha & Cia. Há-
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bil artesão, gravou a buril na pedra o Mapa Architectural do Rio de Janeiro, de autoria do
engenheiro João da Rocha Fragoso, impresso em 1874 na oficina de Paulo Robin e reim-
presso por Genaro Rodrigues, na década de 1960 em atelier montado no Museu Histórico
Nacional. Em 1882, Aranha expôs, como amador, um retrato de D. Pedro II em água-forte,
no Salão de Belas-Artes.
Uma das firmas litográficas nas quais atuou Aranha foi a Heaton & Rensburg, a-
berta em 1840 pelo inglês George Mathias Heaton (1804 – após 1855), litógrafo e pintor e
pelo holandês Eduard Rensburg (1817-1898), litógrafo e desenhista. Os dois chegaram ao
Rio em 1839 e logo depois mandam publicar o seguinte comunicado:

“Heaton & Rensburg têm a honra de anunciar ao respeitável público, e particularmente aos
amadores das artes e ao comércio, que acabaram de abrir seu estabelecimento litográfico,
(...) onde se encarregam de todas as obras litográficas, tanto de lápis, em gravura ou à pena;

105
Idem. Pg. 163.
106
Idem. Pg. 170.
61

tiram e imprimem retratos, paisagens, monumentos, plantas, mapas geográficos, faturas,


circulares, preços correntes, cartões de visita, etc. etc. Acha-se em sua casa papel e tinta au-
tográfica de uso tão fácil como a tinta ordinária, (...). Os senhores amadores do desenho
acharão na mesma casa pedras, lápis, tinta e todos os utensílios necessários para o desenho
sobre a pedra”.107

Os dois anunciavam também a venda de trabalhos por subscrição. Entre estes, al-
gumas vistas do Rio de Janeiro e da Cidade de Campos dos Goitacases, onde estiveram
primeiramente, e retratos; todos “desenhados, litografados e publicados” naquele estabele-
cimento. (Fig. 3.13). Não desprezavam as reportagens litográficas e vendiam “todos os
arranjos para a litografia preparados para o clima do país”108.
A Heaton & Rensburg editou e imprimiu vários periódicos ilustrados, como Illus-
tração Brasileira (1854-1855); Bazar Volante (1863-1867); O Arlequim (1867) e A Lan-
terna Mágica (1844-1845). Este último foi dirigido por Araújo Porto Alegre, sendo o peri-
ódico que consagrou a caricatura no Brasil, segundo Werneck Sodré. Esta possibilidade
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representa “o primeiro sério avanço técnico na imprensa brasileira”109. Muitas das caricatu-
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ras saídas aí eram do importante artista português Raphael Mendes de Carvalho. (Fig.
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3.14).
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Além disso, os sócios atuavam no setor cartográfico, sendo segundo Ferreira “os
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melhores litógrafos de mapas que o Brasil já teve, nesse particular só talvez igualados por
Paulo Robin”110. Voltavam-se igualmente aos gráficos autônomos que, não possuindo
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prensa própria, costumavam enviar suas matrizes para os estabelecimentos impressores.


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Tal prática, comum aos talho-docistas se tornará cada vez mais corriqueira aos litógrafos.
Passando por inúmeros endereços distintos, Rensburg assume completamente a direção da
firma em 1854, quando monta também uma tipografia.
Como podemos perceber, Heaton e Rensburg visavam abarcar todo o campo dos
impressos “comerciais”, “técnicos” e “documentais”, da mesma forma, aliás, que o faziam
as demais firmas gráficas da época. Estes, porém, orientavam-se mais detidamente às es-
tampas de arte, procurando, como está explícito em seu primeiro anúncio, atender aos “ar-
tistas amadores” que desejassem imprimir suas experiências. “Vários artistas de importân-
cia para a história da estampa brasileira trabalharam no ateliê em questão”111, escreve Fer-
reira. Os sócios chegaram a participar de exposições na Academia de Belas-Artes, onde

107
Idem. Pg. 377.
108
Idem.
109
WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 206.
110
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 382.
111
Idem. Pg. 383.
62

Heaton expôs pinturas em 1847 e 1850 e Rensburg, uma litografia à maneira de entalhe,
em 1859. No entanto, mesmo aproximando-se mais do que outros da “gravura de arte”, a
atitude desta oficina diante das técnicas gráficas não se caracteriza como especificamente
desinteressada. Estas eram praticadas, sobretudo, em função da possibilidade de reprodu-
ção que ofereciam e não especificamente como um meio de expressão autônomo, como
“gravura de criação”.
Em 1848, José Joaquim da Costa Pereiras Braga e Paula Brito fundam a Brito &
Braga, que “logo passaria a ser uma das maiores do país e atravessaria o século, com tipo-
grafia, litografia, estamparia, seção de talho-doce e xilogravura”112. Após a saída de Brito,
José Pimenta de Mello se tornará sócio de Braga e, em 1903, assume a firma, que se esten-
derá até 1959.

3.6
Nº 0610408/CA

1850 – 1859
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Na década de 1850, dezoito oficinas de gravura em metal surgem no Rio de Janei-


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ro. Nestas, é comum observar a concomitância do trabalho com ourivesaria bem como
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com outras técnicas gráficas. A gravura em metal está, neste período, ainda em fase de
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ascensão, comprovada pelo aumento da compra e venda do material para esta atividade,
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nestes anos. Acompanha este movimento o crescente número de oficinas litográficas esta-
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belecidas aqui, que nesta década, somam-se vinte. Dentre elas, destacam-se: a Litografia
d’Aranha & Cia e a Lithographia Mercantil, ambas de H. Aranha; a de Francisco de Paula
Brito, fundada em 1852; a de Manuel José Cardoso, que em 1851 é somada à sua oficina
de impressos comerciais e anúncios de santos; a de Sebastien Auguste Sisson, fundada em
1855, especializada em retratos; e a importante Casa Leuzinger.
De propriedade do suíço Georges Leuzinger (1813-1892), a Casa Leuzinger come-
ça em 1840, como papelaria e oficina de encadernação. Neste mesmo ano, torna-se tam-
bém livraria. Entre os anos de 1845 e 1846, passa a abarcar uma oficina de estamparia de
talho-doce para impressos comerciais. Em 1852, Leuzinger monta uma tipografia e passa a
atuar como um nomeado editor. Em 1853, finalmente, adquire também litografia, cujas
atividades foram mantidas, pelo menos, até 1889. A Casa Leuzinger trabalhou também

112
Idem. Pg. 299.
63

com fotografia. Seu dono representou o Brasil nas exposições universais de Paris de 1867
e 1889. Em 1881, doa um álbum reunindo 114 litografias à Biblioteca Nacional.

A partir de meados do século XIX, o Brasil viveria um aumento da produção de a-


limentos e de bens de consumo e um progresso técnico do setor de transportes orientados a
partir de um notável crescimento urbano. Tais fatores foram acompanhados por um relati-
vo desenvolvimento industrial voltado, principalmente, para a produção básica de insumos,
maquinaria e peças e implementos vinculados à agroexportação113. Embora a atividade
industrial não tenha encontrado aqui um amplo apoio por parte do Estado114, este principi-
ante aumento da produção interna foi um fator incentivador para o mercado gráfico.
Rótulos vinculados ao beneficiamento de produtos agrícolas, eram uma das novas
demandas da nascente indústria gráfica. Em 1875 tem início a prática do registro de mar-
cas no Brasil. Em seu artigo A Circulação de Imagens no Brasil Oitocentista, Lívia Lázaro
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Resende, analisa os livros de registros oficiais de marcas deste período. Segundo Resende,
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estas poderiam ser inscritas em qualquer forma, como através de um simples esboço dese-
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nhado. Entretanto era por meio de impressos litográficos que a maioria das marcas era a-
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presentada aos registros oficiais115. (Fig. 3.15). Neste momento, não se sentia a necessida-
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de de destacar um profissional especializado para a concepção desta marca. Na maioria das


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vezes, o próprio técnico litógrafo, ou mesmo o dono da empresa, era o responsável pela
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sua elaboração. “De um modo geral”, coloca a autora, “arte e comércio caminharam juntos
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durante o século XIX. Tratava-se de uma relação menos apartada”116.

113
RESENDE, Lívia Lázaro, A Circulação de Imagens no Brasil Oitocentista: Uma História com Marca
Registrada, in O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Co-
sac Naif, 2005. p. 28.
114
“No Brasil imperial”, coloca Rafael Cardoso, “apesar dos esforços de organizações como a Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional e de industriais como Visconde de Mauá, as classes dominantes e portanto
o governo continuaram atrelados a uma noção de ‘vocação agrária’ do país e fizeram pouco ou nada para criar
condições favoráveis para o desenvolvimento da indústria”. CARDOSO, Rafael, Uma introdução à história
do design, São Paulo: Edgar Blücher, 2004. p. 30.
115
RESENDE, Lívia Lázaro, op. cit. p. 20.
116
Idem. p. 33.
64

3.7
1860 – 1869

Entre os mais importantes acontecimentos para a história das artes gráficas ocorri-
dos na década de 1860, no Rio, destacam-se a atividade dos irmãos Fleiuss e a chegada de
Angelo Agostini.
Em 1858, Heinrich Fleiuss (1823-1882) e seu irmão Carl Fleiuss (- 1878), nascidos
em Colônia, chegam ao Brasil. Dois anos depois, estabelecem, junto com o pintor Carl
Linde (-1873), o Instituto Artístico, que, a partir de 1863, sendo reconhecido pelo impera-
dor, passaria a chamar-se Imperial Instituto Artístico. Entre as primeiras façanhas do Insti-
tuto sobressai a publicação da revista Semana Illustrada, fundada em dezembro de 1861.
Como anúncio do seu lançamento, tem-se a utilização pioneira do cartaz ilustrado como
meio de comunicação visual no Rio.
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Em 1863, os irmãos abrem o primeiro curso de xilogravura de topo do Brasil, pro-


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curando criar uma safra de técnicos especializados nesta modalidade da atividade xilográ-
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fica pouco desenvolvida no país. (Fig. 3.16). A escola de xilogravura é anunciada na Se-
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mana Illustrada em 31 de maio de 1863, quando os sócios convocam jovens interessados


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em aprender tal arte. Segundo as intenções dos editores, os trabalhos destes alunos compo-
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riam a parte iconográfica da revista.


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Andrade, analisando a inserção da fotografia nos impressos oitocentistas do Rio de


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Janeiro, aponta que a intenção de Fleiuss era integrar imagem e texto em sua revista, con-
forme o faziam as publicações européias. Até então seus textos eram impressos em tipo-
grafia e as imagens impressas separadamente em litografia. Estabelecer um diálogo entre
os discursos verbal e visual era, segundo este mesmo autor, o maior desafio para os gráfi-
cos das revistas ilustradas litograficamente.
Normalmente, estas publicações adotavam o seguinte padrão: de um lado da folha
era impresso o texto, compostos tipograficamente; do outro, as imagens, desenhadas em
litografia. Após receber duas dobras, ortogonais, e ser cortada e refilada, obtinha-se um
caderno de oito páginas. As páginas 1 (capa), 4, 5 e 8 (quarta-capa) continham as imagens;
as 2, 3, 6 e 7, eram tipográficas, ornadas, quando muito, com pequenas vinhetas xilográfi-
cas ou com estereótipos. Sublinhemos, ainda, que, muitas vezes, as impressões litográficas
e tipográficas eram realizadas em estabelecimentos distintos. Segundo Andrade, para os
sócios do Instituto, portanto,
65

“o caminho para alcançar seus objetivos passava obrigatoriamente pela formação de mão-
de-obra para os trabalhos com xilogravura de topo no Rio de Janeiro, de modo a viabilizar
a composição e impressão dos blocos de texto e das imagens numa mesma página, simul-
taneamente pelo processo tipográfico”117.

Na figura 3.16, vemos a capa da Semana Illustrada de 17 de abril de 1864. Embora


litografada, a imagem representa o atelier do instituto e traz a seguinte legenda:

“Progresso! Progresso! Palavra mágica que impele o mundo à conquista do futuro e ao seu
aperfeiçoamento moral e physico. Este puff sexquipedal serve apenas para noticiar aos nos-
sos leitores, urbi et orbi, que de hoje em diante a Semana Illustrada é ornada em estampas
gravadas em madeira pelos moços brasileiros que freqüentarão a aula de Xylographia do
Imperial Instituto Artístico...”

Em 1864, o Imperial Instituto Artístico publica Almanak Illustrado da Semana Il-


lustrada para o Anno de 1864, com as gravuras produzidas pelos alunos da escola. No ano
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seguinte, o Instituto editou a Historia Natural Popular dos Animaes, (Fig. 3.17), publicada
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em fascículos mensais e ilustrada por xilogravuras e litografias, grandemente inspiradas


nas publicações semelhantes de Thomas Bewick. O livro, de mais de cem páginas, trazia
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cerca de quarenta estampas, algumas produzidas pelos alunos do Instituto, mas a maioria
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composta por gravuras estrangeiras, principalmente alemãs.


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Durante a Guerra do Paraguai, Fleuiss destaca-se pela iniciativa de realizar uma


cobertura fotográfica do conflito. Em 2 de abril de 1865, a Semana Illustrada anuncia o
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envio de uma comissão especial ao Paraguai, para realizar a cobertura visual da guerra, da
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qual participaram, entre outros, o engenheiro João da Rocha Fragoso. Esta revista publica,
então, uma série de litografias realizadas a partir de fotografias enviadas especialmente
para a sua redação. Assim como esta, outras revistas irão adotar a reprodução de imagens
fotográficas através da litografia.
Em 1876, a Semana Illustrada encerra sua circulação, tendo se consagrado como
uma das primeiras revistas ilustradas publicadas no país118.
Naquele mesmo ano, H. Fleuiss funda a Illustração Brasileira, uma revista nos
moldes dos grandes magazines europeus, ilustrada com xilogravuras de grandes formatos,
que o levará a falência119. Nas páginas desta revista, Fleiuss pretendia editar gravuras na-

117
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, Do gráfico ao fotográfico: a presença da fotografia nos impres-
sos, in O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naif,
2005. Pg. 68.
118
A Revista Popular, publicação do gênero anterior à Semana tinha suas ilustrações impressas na França e
inseridas no corpo da revista aqui. WERNECK SODRÉ, op. cit. p. 235.
119
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. p. 190.
66

cionais e estrangeiras, “de modo que pelas primeiras, tenha a Europa conhecimento do
Brasil, e pelas segundas conheça o Brasil o que há de interessante nas regiões de além-
mar”120. A atividade de sua escola, entretanto, não podia atender a tão alta expectativa. A
maioria das ilustrações publicadas era proveniente do exterior, mais precisamente da Ale-
manha. Em 1878, cessa esta revista e o Instituto fecha suas portas. Escreve Ferreira: “É
indiscutível a influência do Instituto sobre o despertar do interesse geral em torno da xilo-
gravura”121.

Em 1865 chega ao Rio um grande nome das artes gráficas, o italiano Angelo Agos-
tini (1843-1910). Ao chegar ao Brasil, seguiu para São Paulo, onde trabalhou na revista
Diabo Coxo. No Rio de Janeiro, além de atuar em diversas publicações, Agostini funda a
Revista Illustrada, que, em 1889, alcançará a tiragem de 4 mil exemplares, sendo impressa
em oficina litográfica a vapor. (Fig. 3.18). Esta publicação é logo comparada à importante
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Semana Illustrada. O uso do vapor como força motriz nas oficinas gráficas, cada vez mais
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comum a partir de então, punha em ação um eixo central ao qual estavam atreladas as múl-
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tiplas máquinas.
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Em 1869, na Vida Fluminense, Agostini publicara em litografia a primeira história


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em quadrinhos feita no Brasil, As Aventuras de Nhô Quim. Na Revista dá continuidade a


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este estilo com outras publicações, como As Aventuras de Zé Caipora. Nelas, os persona-
gens apareciam sempre de corpo inteiro sendo a narrativa contada pelas legendas.122 (Fig.
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3.19). Em 1888, Agostini vai para a Europa, deixando sua revista sob a direção do litógrafo
Pereira Netto. Em 1895, volta ao Brasil e funda a D. Quixote que circulou até 1903.

3.8
1870 – 1879

A década de 1870 é o período do grande desenvolvimento da litografia no Rio.


Neste ano, contam-se cinco fábricas de papel na cidade, três no Andaraí e duas no Jardim
Botânico123. Observa-se ainda um aumento da produção industrial no país.

120
Idem. Pg. 192-193.
121
Idem. Pg. 193.
122
PATATI, Carlos e BRAGA, Flávio, Almanaque dos Quadrinhos – 100 anos de uma mídia popular. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2006. Pg. 20.
123
PAULA, Aldemar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, op. cit., p. 54.
67

De acordo com Ferreira, “contaram-se, no decênio, 248 diferentes impressores li-


tográficos, contra o crescendo de 115 no de 1850 e de 197 no de 1860, e o decrescendo de
178 no de 1880 e de 128 no de 1890”124.
Entre as oficinas litográficas em atividade neste período destacam-se: Rensburg,
Ludwig, Briggs & Cia, Pereira Braga, Robin, Leuzinger. Entre os periódicos e revistas:
Ba-ta-clan, O Besouro, A Comedia Popular, A Comedia Social, O Figaro, A Lanterna,
Mephistopheles, O Mequetrefe, O Mosquito, O Mundo da Lua, Psit!, Revista Illustrada,
Semana Illustrada, A Vida Fluminense. Nestas, ressaltam-se os litógrafos: Martinet, A. de
Pinho, Fleuiss, Sisson, Agostini, além de Rafael Bordalo Pinheiro, Pinheiro Guimarães e
Julião Machado. “Todos eles, exímios no crayon litográfico, desenhavam diretamente so-
bre as pesadas pedras, às avessas, para que na impressão o resultados parecesse natural”,
relata Raul Pederneiras125.
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Em 1876, o aparecimento da Illustração do Brazil de Charles F. de Vivaldi, repre-


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senta a tentativa de aplicar meios alternativos para a ilustração de periódicos. Publicação


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de luxo, ornada com muitas imagens, a Illustração traz, em seu primeiro número, uma
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xilogravura estereotipada, realizada nos Estados Unidos a partir de um fotografia. Trata-se


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da obra Suas Altezas Imperiais do Brazil, que retrata a princesa Isabel, o conde d’Eu e seu
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filho, o príncipe do Grão-Pará. A matriz utilizada foi um estereótipo de uma xilogravura de


topo original, produzido nos Estados Unidos, pela firma Centenari Inc.126. (Fig. 3.20). Co-
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mo coloca Vivaldo Coaracy, “eram, muito poucos, no Rio de Janeiro, os artistas aptos a
efetuar esse trabalho que, por motivos óbvios, se tornava dispendioso, além de demora-
do”127.
Além de encomendar sistematicamente tais matrizes, Vivaldi adquiria outras, já
utilizadas, que pudessem ter, segundo seu juízo, algum interesse para o publico brasileiro.
A partir destas ilustrações o editor encomendava artigos especiais. A bem da verdade, Vi-
valdi contou com a colaboração de alguns gravadores especializados, como o alemão Hirs-
ch, que gravou para ele o retrato do Conselheiro Leôncio de Carvalho, publicado em outu-
bro de 1878 na Illustração do Brazil (Fig. 3.21). Contudo, as imagens gravadas aqui eram
a minoria daquelas publicadas.

124
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. Pg. 409.
125
PEDERNEIRA, Raul, citado por WERNECK SODRÉ, op. cit., p. 253.
126
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, Do gráfico ao fotográfico: a presença da fotografia nos impres-
sos. p. 72.
127
COARACY, Vivaldo, citado por WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 255.
68

O problema que Vivaldi encarava era o mesmo que havia enfrentado H. Fleiuss: a
escassez de mão-de-obra especializada. Por trás dele estava a busca pela articulação de
imagens e textos na impressão. Enquanto Fleiuss procurou criar esta mão de obra, organi-
zando o curso de xilogravura de topo em seu Instituto, Vivaldi driblou o problema, impor-
tando as matrizes estereotipadas.

“Em 1880, enquanto nos Estados Unidos e na Europa as publicações similares iam de ven-
to em popa, já próximas do período de transição para a reprodução fotomecânica (autotipi-
a), a Illustração do Brazil, no Rio de Janeiro, chegava ao fim128”.

Nas décadas de 1860 e 1870, populariza-se a prática de realizar estampas “a partir


de fotografias”. Vistas, retratos e cenas populares produzidos a partir de imagens fotográfi-
cas eram inseridos nos periódicos em forma de suplementos ilustrados. Estes, vendidos
separadamente, por vezes oferecidos como brinde mediante a assinatura da folha, tinham
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como objetivo atrair o público. Sua independência do corpo da publicação tornava sua
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edição conveniente diante das dificuldades técnicas já mencionadas.


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A reprodução – artesanal – de imagens fotográficas em periódicos esteve, no Bra-


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sil, muito mais vinculada à litografia que na Europa e nos Estados Unidos, onde, como
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vimos, tal prática foi logo transposta à xilogravura de topo. A falta de mão de obra especia-
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lizada impediu este processo de ocorrer entre nós. De uma forma geral, aqui, a litografia
imperou entre as revistas ilustradas. Por conseguinte, notamos o predomínio do desenho,
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mais especificamente, da caricatura, nesta mídia. Mais do que isso, coloca Andrade, a
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grande abrangência da litografia no meio gráfico carioca oitocentista – somada a outros


eventuais fatores sociais e culturais – contribuíram para que a “nossa imprensa ilustrada
noticiosa e nossa imprensa ilustrada caricatural (...) tenham sido, na essência, uma só”129.

Na década de 1870, uma empresa começaria a anunciar a fotogravura no Rio de


Janeiro. A Paulo Robin & Cia., foi fundada em 1872 pelo francês Paul Théodore Robin (-
1897). Robin chegou ao Rio entre 1853/1854, já com experiência litográfica. Antes de
abrir sua própria litografia, manteve breves parcerias com outros gráficos, atuando inclusi-
ve no mercado fotográfico. Em 1872, contou em sua oficina com uma prensa a vapor, tal-

128
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, Do gráfico ao fotográfico: a presença da fotografia nos impres-
sos, p. 73.
129
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, História da fotorreportagem no Brasil. Pg. 52.
69

vez a primeira no Rio de Janeiro. Nesta prensa, Robin editaria, dois anos depois, o Mapa
Architectural do Rio de Janeiro.
Nos anos seguintes, Robin imprimiria a parte litográfica de alguns dos mais proe-
minentes periódicos em circulação no Rio. Em 1876, o francês associa-se ao italiano Agos-
tini e a firma passa a se chamar Angelo & Robin. Em 1881, passa a adotar a zincografia,
também chamada “gilotagem”, processo de gravação de chapas de zinco a serem impres-
sas em relevo a partir de desenhos. A casa torna-se Lithographia e Zincographia Artistica e
Commercial.
A zincografia baseava-se na obtenção de clichês a partir da transferência de um de-
senho para uma chapa daquele material. Seu uso, iniciado neste momento, estenderia-se
durante as primeiras décadas do século XX e representaria uma alternativa às revistas ilus-
tradas da época. Alcançará uma popularização significativa quando somado à possibilidade
de produzir matrizes a partir de imagens fotográficas. Este processo dava-se através da
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interpretação mecânica dos meio-tons da imagem em retículas pontilhadas: a já comentada


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autotipia, também conhecida como “foto-zincografia” ou “fototipia”.


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Em 1883, além dos impressos litográficos que costumavam colocar à disposição do


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público, “mapas, plantas, ações de companhias, letras de banco, diplomas de sociedades,


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desenhos de máquinas, retratos, paisagens”130, os sócios anunciam “reproduções pelo pro-


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cessos modernos de fotogravura, fototipia e fotolitografia”131.


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Os clichês gravados na empresa passariam a ser encomendados por inúmeras revis-


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tas e levavam a assinatura Clichês Paulo Robin & Cia.. A firma se manteria até 1916,
mesmo após o falecimento de Robin, em 1897 e de Agostini, em 1910.

Em 1875, O Mequetrefe, impresso em litografia, anuncia a publicação de xilogra-


vuras intercaladas aos textos como uma novidade. Entre estas xilogravuras, estão algumas
vinhetas gravadas pelo espanhol Modesto Brocos y Gómez (1852-1936) que foram publi-
cadas, de forma relativamente constante, até o ano seguinte. Brocos, que chegou ao Rio em
1872, havia provavelmente publicado xilogravuras anônimas em variados jornais. Em
1877, iria para a Europa, retornando apenas em 1890, quando se estabelece como xilógrafo
profissional e talho-docista. (Fig. 3.22).
Brocos foi um dos artistas responsáveis pela elevação da qualidade técnica da xilo-
gravura no Rio. Segundo Oswaldo Silva “este talentoso espanhol teria sido o chefe de uma

130
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 402.
131
Idem. p. 402.
70

escola brasileira de xilografia, se a época em que chegou e o meio, sobretudo, fossem pro-
pícios àquela arte”132.
Outro nome a ser citado é o de Ad. Hirsch. É provável que Ad. Hirsch tenha sido
aluno do Instituto. Para a Illustração Brasileira, gravou em madeira uma vista da Tipogra-
fia Nacional, feita a partir de fotografia de Marc Ferrez (Fig. 3.23). Hirsch produziu xilo-
gravuras para diversos periódicos, entre eles, Illustração do Brasil, O Besouro, Folhinha.

3.9
1880 – 1889

Na penúltima década do século merecem destaque outros xilogravadores, como


Manuel Joaquim da Costa Pinheiro, conhecido simplesmente como “Pinheiro” e seu filho,
Alfredo Pinheiro (1858?-após 1901?), que assinava APinheiro, ou somente AP.
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Pinheiro trabalhou em diversas oficinas gráficas e, em 1852, estabeleceu sua pró-


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pria firma, a Pinheiro & Cia.. Reproduzia em xilogravura, sob encomenda, retratos, paisa-
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gens e obras de arte, inclusive a partir de fotografias (Fig. 3.24). Alfredo Pinheiro era um
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gravador de topo, técnica que aprendeu provavelmente em sua estada na França. Tinha
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ambições mais artísticas que o pai, porém, de uma forma geral, seu trabalho mantinha-se
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atrelado à gravura “de reprodução”. Ferreira classifica os dois como gravadores “documen-
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taristas”, sublinhando que apesar de procurarem colocar-se como gravadores “puros”, os


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dois estiveram demasiadamente vinculados à xilogravura comercial133 (Fig. 3.25).


O português José Villas Boas (1857- 1934), foi outro destes gravadores documen-
taristas em atividade no Rio. (Fig. 3.26). Villas Boas vem para o Brasil em 1868, com ape-
nas onze anos. Aos dezesseis, abandona carreira no comércio e vai dedicar-se à profissão
de xilógrafo, entrando para a oficina de Alfredo Pinheiro em 1873. Desejando ampliar os
conhecimentos sobre desenho, inscreve-se no Liceu de Artes e Ofícios. Durante anos tra-
balhou como assistente de A. Pinheiro. Colaborou para alguns periódicos ilustrados, como
A Semana. Realizou experiências com fotogravura e, em 1889, abriu o Atelier Moderno. A
partir de 1889 trabalha na Casa da Moeda, onde foi responsável pela instituição do curso
de foto-xilogravura.

132
SILVA, Oswaldo, citado por ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, História da fotorreportagem no
Brasil., p. 267.
133
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 177.
71

Estes nomes representam a inserção da xilogravura brasileira “erudita” nos periódi-


cos da época. Em todo caso, a xilogravura comercial estaria, na década de 1880, em vias
de ser substituída pelos clichês em zincografia, que, como vimos, estavam sendo larga-
mente produzidos por Robin e encomendados pelas mais variadas revistas do Rio. Uma
destas, A Distracção, já em fevereiro de 1886, passou a contar quase que exclusivamente
com esse gênero de ilustração.

Um indício interessante do modo como a xilogravura era compreendida pela socie-


dade carioca – “artistas”, público e governo – no final século XIX é dado pela ocasião da
tentativa de criação da cadeira de xilogravura na Academia de Belas-Artes.
A Escola Real de Ciências Artes e Ofícios, idealizada por Lebreton, foi criada em
12 de agosto de 1816, através de Decreto assinado por D. João VI. Entretanto, apenas dez
anos mais tarde seria construída sua sede e esta instituição seria oficialmente aberta. Em 5
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de novembro de 1826, através de um novo decreto, D. Pedro I inaugurou a Imperial Aca-


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demia e Escola de Belas-Artes. Dentre as cadeiras da Escola estaria a de Escultura em me-


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dalha e gravura, na qual seriam ensinadas três gravações em cobre: buril, água-forte e
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pontillié. Esta disciplina não foi, contudo, implantada.


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Em 1882, ocorre a segunda tentativa de se incluir a gravura naquele currículo. Em


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16 de dezembro daquele ano, Rodolpho Epiphanio de Souza Dantas, ministro do Império,


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através do Decreto n.º 8 802, cria a Cadeira de Xilografia no lugar da Cadeira de Medalhas
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e Pedras Preciosas. Aquela disciplina, entretanto, ficaria sem professor até que, em 1888, o
próprio corpo acadêmico pediu o restabelecimento da gravura de medalhas e pedras pre-
ciosas em seu lugar134. Em 1890, a cadeira continua vaga, e em 1892, não mais aparece
entre as disciplinas da Academia. Finalmente, em 1894, já está restabelecida a original.
A criação de uma aula de xilogravura no Rio havia sido concebida primeiramente
por Félix Ferreira, que vinha discutindo a necessidade desta iniciativa em artigos publica-
dos na imprensa. Ferreira era um entusiasta do Liceu de Artes e Ofícios e era ali que ele
imaginava instaurá-la. Em novembro daquele ano, em um sarau em homenagem a Dantas,
organizado pelos professores do Liceu, Ruy Barbosa proferiu seu célebre discurso sobre as
“artes aplicadas”, onde colocava que, então, “as obras notáveis já não apelam para o públi-
co unicamente pela tela, pelo desenho, ou pela escultura original, senão pelos infinitos mo-

134
FERREIRA, Orlando da Costa. op. cit., p. 202.
72

dos de reprodução industrial que se acumulou em nosso tempo: a gravura, a litografia, a


fotografia, a helioplastia, a galvanoplastia, a moldagem sob os seus vários processos”135.
Será provável que, no Liceu, onde estaria sob a alcunha de uma “arte aplicada”, a
xilogravura teria encontrado uma instituição que a acolhesse e difundisse no século XIX?
Em todo caso, conforme aponta Maria Luisa Luz Távora, procurar no século XIX manifes-
tações gráficas que demonstrem uma orientação expressiva é lê-lo com olhos modernos. A
própria concepção artística deste período está contaminada por um entendimento oposto.

Em 1884, é fundada a última grande empresa de litografia do século XIX: a Léon


de Rennes & Cia., especializada em impressos efêmeros, como etiquetas, diplomas de so-
ciedades, rótulos, etc. Em 1910, quando Rennes retorna à Bélgica, o baiano Ferreira Pinto,
sócio da firma, assume-a completamente e esta passa a se chamar Cia. Lithographica Fer-
reira Pinto, contando com litografia e tipografia. Mais tarde a firma contará também com
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off-set, ocasião em que será responsável pela introdução desta técnica no país.
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3.10
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- Certificação

1890 – 1900
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Na última década do século XIX, o Rio de Janeiro possuía uma população seis ve-
zes maior que antes de 1808136. Ao crescimento urbano seguiu-se um aumento significati-
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vo no consumo de bens de todos os tipos, inclusive o de impressos. O cartaz, a revista ilus-


trada, a embalagem e catálogos de produtos surgem como novos veículos impressos cria-
dos ou despontam como meios que, pouco usados até então, passariam a ter uma impor-
tância mais destacada137. Inovações tecnológicas, como o uso da polpa de madeira para a
fabricação de papel, contribuiriam ainda para este processo.
Em 1890, havia cerca de 130 oficinas litográficas estabelecidas na cidade138. Nesta
década, onze gravadores em metal estabelecem-se no Rio, número menor do que o regis-
trado na anterior. Estes anos veriam a difusão da prática da foto-xilogravura comercial, que
seria adotada na Casa da Moeda.

135
Idem. p. 201.
136
CARDOSO, Rafael, Uma introdução à história do design, São Paulo: Edgar Blüncher Editora, 2004, 2ª
edição. p. 38 e 39.
137
Idem.
138
Idem. p. 46.
73

A produção de clichês tipográficos através da zincografia e da foto-zincografia to-


ma gradativamente o lugar da xilogravura nas publicações periódicas e comerciais. Os
clichês, além de possibilitarem a impressão de imagens significativamente sofisticadas e
dispensarem o domínio técnico da incisão xilográfica, mostraram-se, agora, economica-
mente mais viáveis que a gravura em madeira: Em 1893, o Almanak Laemmert registra a
encomenda de placas de zincografia a 40$000, enquanto as xilogravuras saíam a 60$000.
É interessante notar que, a xilogravura “resistiu” , por assim dizer, ao convívio com
a litografia por setenta anos. É somente quando se obtém uma nova forma de produzir ma-
trizes em relevo já não mais abertas manualmente e associáveis aos prelos tipográficos –
agora automatizados – que a xilogravura perde seu interesse para indústria gráfica.
Essa substituição, no entanto, não chega a se dar por completo. Até os primeiros
anos do século XX a xilogravura figurará em alguns periódicos da cidade. Será apenas
com a popularização dos meios fotomecânicos que esta técnica, e gradativamente todos os
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processos “artesanais” de reprodução de imagens, perderão de forma generalizada seu uso


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estritamente funcional, passando a carregar novos valores.


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Aproximando-se da virada do século, inovações técnicas e estruturais acarretariam


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uma transformação do ambiente gráfico do Rio de Janeiro. Aí, como em outros grandes
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centros urbanos do país, os periódicos passariam a se organizar como empresas nas quais
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os meios artesanais de impressão seriam substituídos por meios industriais. Logo, a distri-
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buição destes periódicos adquire uma nova dimensão. Alteram-se também as relações com
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o público, com os anunciantes e com a política.


Em 1891 apareceria, no Rio de Janeiro, o Jornal do Brasil, representando um mar-
co de um periódico estruturado como uma grande empresa. Apresenta inovações na forma
e no conteúdo e, naturalmente, inovações tecnológicas. Outros jornais surgiriam e acom-
panhariam estes novos parâmetros. Enquanto, nestes, a tecnologia de ponta, trazida do
exterior, era implementada, possibilitando uma otimização significativa da produção; a
tecnologia obsoleta era absorvida pelas gráficas do interior. Nas pequenas cidades, aponta
Werneck Sodré, “nas folhas semanais feitas em tipografias, pelos velhos processos”, sub-
sistia a imprensa de “caráter artesanal”139. Está intimamente relacionado a este processo o
desenvolvimento da tradicional xilogravura popular nordestina, conforme colocado no
primeiro capítulo. “Nas capitais”, pondera Werneck Sodré, “já não havia mais lugar para

139
WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 314.
74

esse tipo de imprensa, nelas o jornal ingressara, efetiva e definitivamente, na fase industri-
al, era agora empresa, grande ou pequena, mas com caráter comercial inequívoco”140.

Ainda antes de terminado o século, veríamos a utilização, ainda tímida, de imagens


gravadas fotomecanicamente. Fundada em janeiro de 1885, A Semana publica, em 2 de
setembro de 1893, uma imagem que, segundo Andrade, é a primeira aparição da autotipia
na imprensa carioca, embora esta técnica já houvesse sido utilizada na produção de folhe-
tos avulsos141. Trata-se de um retrato (Fig. 3.27). Dois anos mais tarde é lançada A Cigar-
ra, que em seu terceiro número também publica um retrato em autotipia (Fig. 3.28). Seria
A Revista da Semana a publicação que popularizaria a utilização da autotipia no Rio de
Janeiro. Seu primeiro número sai a 20 de maio de 1900. Traz a vista da Praça da Glória na
ocasião do quarto centenário da descoberta do país, com o monumento a Pedro Álvares
Cabral, do escultor Rodolfo Bernardelli (Fig. 3.29). Como aponta Andrade, “somente na
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virada do século XIX para o XX, já com atraso, a imprensa brasileira adentrou verdadei-
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ramente a era dos processos fotomecânicos de reprodução”142.


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A Revista da Semana manifesta a transição para uma nova era visual na cidade. Em
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24 de junho de 1900 publica um desenho e uma fotografia ilustrando a notícia do suicídio


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de um detento na Repartição Central da Polícia. O desenho – uma aquarela – apresenta a


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simulação da queda do corpo, a fotografia, a documentação da morte – ambos testemu-


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nham o afastamento da gravura como forma de produção gráfica (Fig. 3.30).


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3.11
A particularidade do meio gráfico oitocentista carioca

O modo como foram inseridas as formas de reprodução de imagens no ambiente


gráfico do Rio de Janeiro, ao longo do século XIX, molda-o de maneira peculiar.
Aqui, a litografia é implantada paralelamente à xilogravura e à gravura em metal e
em relativa concomitância aos outros países da Europa (da mesma forma, a fotografia e,
mais tarde, os meios fotomecânicos de reprodução)143. O exercício da xilogravura e da

140
Idem.
141
AANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de, História da fotorreportagem no Brasil, p. 223.
142
Idem. p. 12.
143
No sentido dessa nova etapa da produção industrial de impressos, o Brasil não se coloca em uma posição
de defasagem em relação aos países europeus. De fato, o advento desta indústria obrigou o mundo todo a se
atualizar diante das inúmeras inovações tecnológicas. Assim como a litografia, a fotografia e as demais con-
quistas que agilizaram a produção gráfica chegariam a este país em relativa concomitância aos outros países
75

gravura em metal, naqueles anos, ressentirá, portanto, de uma tradição ampla como na
Europa, onde, como colocado no capítulo anterior, estes fazeres remetem aos séculos XIV
e XV. Isto acarretará, entre outras conseqüências, uma abrangência muito maior da litogra-
fia que destas outras técnicas em certos meios. É o caso, por exemplo, das revistas ilustra-
das, publicações em que, na Europa e nos Estados Unidos, a gravura de topo dividia espa-
ço com a litografia. Marcos Varela, em entrevista realizada para esta dissertação, analisa
esta questão:

“No Rio, a Imperial Academia de Belas-Artes formava desenhistas que eram aptos a dese-
nhar sobre a pedra. Você tinha técnicos litográficos, responsáveis pela gravação desse de-
senho. Até mesmo o dono da gráfica poderia escrever de próprio cunho o texto, ou fazer
um desenho em um papel transporte e então decalcar estas imagens na pedra. (...) No caso
da gravura de topo, fazia-se preciso não só o desenhista mas também o gravador. Esse ti-
nha a função de interpretar o desenho em termos de gravação artesanal na matriz. Isso não
era um processo puramente mecânico como era o do técnico litográfico, era muito mais
complexo”144.
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Como poderia ter o Brasil uma tradição de gravura de topo se, ademais, esta foi
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popularizada em Portugal apenas a partir de 1837? A tentativa dos irmãos Fleiuss de cons-
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tituir uma mão de obra especializada em gravura de topo, e o retorno “resignado” às capas
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litográficas diante da frustração de tal empreitada, são outro indício da aplicação que esta
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técnica teria se de fato fosse possível realizá-la de maneira sistemática.


No entanto, a popularização da litografia não afasta automaticamente o talho-doce,
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nem tampouco a xilogravura, do mercado gráfico brasileira. Cada uma destas técnicas a-
barcará para si uma parcela deste mercado.
Como vimos, a litografia possibilitava a representação de inúmeros artifícios gráfi-
cos próprios do trabalho direto sobre o papel, permitia a transferência de qualquer desenho
ou texto para a pedra litográfica e tornava desnecessário o domínio técnico das ferramentas
de “gravação”, como o buril e as goivas. Porém, mesmo nas aplicações específicas em que
esta dividiu espaço com a gravura em metal, não houve um domínio absoluto dela. Pelo
contrário, a tardia implantação de departamentos talho-docísticos em firmas que já opera-
vam com a litografia, como a de Larée ou a Casa Leuzinger, nos fazem perceber a abertura
a esta forma de impressão. Que vantagens manteria o talho-doce em relação à litografia?
Vejamos um caso citado por Ferreira que se deu no final da década de 1820:

europeus e aos Estados Unidos. CARDOSO, Rafael Denis, O início do design de livros no Brasil, in O design
brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naif, 2005. p. 164.
144
VARELA, Marcos Baptista. Entrevista para esta dissertação. Rio de Janeiro, 24/09/2007.
76

Antonio Maria Baker, um professor português, contratou um abridor de letra para


ilustrar seu Syllabario Portuguez. O serviço deveria ser entregue em setembro de 1827.
Contudo, um ano depois, Baker publica o seguinte anúncio: “...tendo o autor esperado até
outubro de 1828, sem que ele se concluísse, foi necessário recorrer à litografia, razão por-
que não está com a perfeição que o autor desejava”145. Testemunha da transição no mer-
cado de impressão caligráfica da técnica do talho-doce para a litográfica, este incidente
demonstra também a superioridade que a primeira mantinha em relação à última. A quali-
dade da impressão em talho-doce se fazia ainda mais latente quando comparada aos im-
pressos tipográficos. Segundo os registros da época, em 1825, títulos gravados em metal
eram vendidos a 1$000, cada. O mesmo tipo de impresso, tirado em tipografia, era vendido
a 500 réis o milheiro, ou seja, como coloca Ferreira, duas mil vezes mais barato que o pri-
meiro146.
Outro tipo de impresso cuja preferência é dada ao talho-doce são os cartões de visi-
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ta. Segundo Varela, “os cartões de visitas eram gravados a buril em relevo, pelos chama-
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dos ‘abridores de chapa’. Essas impressões continham um relevo, seco ou entintado, que
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era natural do processo e que não era obtido numa impressão litográfica, por exemplo. Isto
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dava uma nobreza maior àquele impresso”147.


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As referências ao maior apreço pelo impresso gravado em metal que pelo litografa-
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do eram comuns nas publicações desta época. Certamente a materialidade da tinta impres-
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sa através da incisão no metal, que produz uma leve saliência sobre a superfície do papel,
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torna-se, no caso dos referidos impressos, um aspecto diferencial quando comparados à


impressão planográfica da litografia. Além deste aspecto, acredito que o talho-doce, mes-
mo quando definitivamente destinado às impressões comerciais, mantinha um caráter “ar-
tesanal” que se tornava ainda mais latente quando comparado ao recém descoberto proces-
so litográfico, cujo nascimento acompanha a própria mentalidade industrial. Este artesana-
to torna-se inegável quando se compara a impressão em série de uma gravura em metal e
de uma litografia, que nesta época já estava em vias de ser feita em prensas a vapor.
No que diz respeito à xilogravura, a natureza de sua impressão, homóloga à tipo-
gráfica, correspondia plenamente aos interesses da imprensa. Desta feita, como vimos, até
os primeiros anos do século XX, encontramos sua aplicação em periódicos, mesmo depois
destes já utilizarem alternativas mais sofisticadas. É o caso das xilogravuras saídas no Jor-

145
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 268. Grifo meu.
146
Idem. p. 269.
147
VARELA, Marcos Baptista. Entrevista para esta dissertação.
77

nal do Comércio (figuras 3.9, 3.10 e 3.12). A afinidade da xilogravura com a tipografia e
sua própria simplicidade técnica fizeram com que muitos editores apelassem para a mão de
obra improvisada de um funcionário que demonstrasse uma maior habilidade manual ou
disposição para obter certas matrizes reproduzíveis.
Outra questão em relação aos trabalhos gráficos oitocentista, no Rio, é a existência
ou inexistência de uma gravura “de arte” neste período. Indubitavelmente os trabalhos pu-
blicados pela indústria gráfica oitocentista no Rio são de extrema qualidade técnica e esté-
tica. Não obstante, estas obras estão por demais vinculadas à possibilidade reprodutiva das
técnicas gráficas para assumirem um caráter de gravura “desinteressada”. Conforme apon-
ta Ferreira, podemos observar, entre os gráficos que arriscaram-se nas belas artes e os pin-
tores que experimentaram a litografia e outras técnicas de reprodução de imagens, uma
indecisão e mesmo uma incapacidade em assumir a figura de um artista-gravador; uma
incapacidade em inaugurar a gravura de criação148.
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O debate entre indústria e arte está sempre presente na história da gravura. Com a
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palavra, Varela:
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“A imagem gráfica sempre teve esses dois pesos, esses dois aspectos: uma função artística
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propriamente dita: a beleza em si da imagem; e seu lado prático. (...) Toda a obra gráfica do
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Dürer, pelo que se sabe, era vendida em barraquinhas de feiras, como o cordel de hoje. A-
queles impressos eram vendidos pela esposa dele como se fossem santinhos de igreja. Essa
era sua função original. Depois, até com uma rapidez muito grande, foi atribuída a estes
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impressos uma função artística. (...) Na gravura, esse aspecto se colocou de maneira muito
presente porque ela sempre teve a função de divulgação, de multiplicação da imagem. En-
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tão surgem as questões: “é arte aplicada?”, “é arte utilitária?”. E vão se criando vários no-
mes para distinguir uma coisa da outra, diferenciar o que é arte aplicada e o que não é, o
que é menos arte e o que é mais arte, colocando uma escala de valores que, na verdade, tem
uma importância relativa, pois varia com o tempo. Os cartazes de Toulouse-Lautrec, que
na época não tinham outro intuito senão o de vender uma mercadoria cultural, são hoje va-
lorizados porque foram feitos por este artista”.

Diante da impossibilidade de se caracterizar seguramente os casos e momentos em


que há um entendimento essencialmente “livre” do uso das técnicas de reprodução de ima-
gens, considera-se a implantação dos processos fotomecânicos como um marco deflagra-
dor de tal atitude.
Como aponta Ivins Jr., a difusão destes processos, ao afastar os fazeres artesanais
da utilização aplicada, revela que até então, a gravura havia sido direcionada a aplicações
informativas e documentais, muito mais do que propriamente expressivas. Segundo este

148
FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit., p. 251.
78

autor, também na Europa, antes da fotografia, pode-se dizer que eram poucas as pessoas
que tinham consciência da diferença entre expressão gráfica e a comunicação gráfica de
informações e fatos. Até então,

“a profunda diferença entre criar algo e fazer um relato sobre a qualidade ou o caráter de
algo não havia sido percebida. Os homens que realizavam-nas haviam ido para as mesmas
escolas de arte, cursado as mesmas disciplinas e aprendido as mesmas técnicas. Eram todos
classificados como artistas e o público aceitava-os como tais, ainda que distinguisse entre
um bom e um mau artista”149.

No Brasil, este processo, que se deu após a virada para o século XX, seria acompa-
nhado pelo entendimento essencialmente plástico representado pelas obras dos pioneiros:
Carlos Oswald, Raimundo, Cela Anita Malfatti e Lasar Segall, na gravura em metal; Se-
gall, Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo, na xilogravura; e, pouco mais tarde, Darel Valença
Lins, na litografia.
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149
“…the profound difference between creating something and making a statement abouality and character of
something had not been perceived. The men who did these things had gone to the same art school and learned
the same techniques and disciplines. They were all classified as artists and the public accepted them all as
such, even if it did distinguish between thos it regarded as good and as poor artists”. IVINS JR., William M.,
op. cit. Pg. 136.
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92

4
O desenvolvimento do meio de artes gráficas no Rio de Janeiro
ao longo do século XX

Como vimos, no Brasil, o desenvolvimento de uma indústria gráfica propriamente


dita e de uma tradição de “gravura artística” plenamente consciente de sua especificidade
formal não se dá antes do começo do século XX. É a partir de então que se inicia, de uma
forma generalizada, a difusão dos processos fotomecânicos de gravação no país, que desti-
tuem de uma utilização funcional os meios artesanais de reprodução gráfica. Verifica-se
que, enquanto se afastava de uma utilização aplicada, a gravura começava, enfim, a se ca-
racterizar como “livre” ou “desinteressada”, mediante a atuação dos nossos primeiros artis-
tas gravadores.
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“A expressão gravura original não é tão usual em português como no inglês, original
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prints, ou no francês, gravure originale, ou mesmo gravure de peintre. Isso se deve, possi-
velmente, ao fato de a gravura original ter surgido no Brasil apenas a partir do primeiro
quartel do século XX, quando a gravura de reprodução já havia sido suplantada pelos pro-
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cessos fotomecânicos”150.
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Assim, é possível traçar um paralelo entre o processo de modernização de nossa


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indústria gráfica – marcado pela automatização da produção e reprodução das imagens – e


o uso das técnicas de gravura como forma de expressão artística. Primeiramente, mais do
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que uma relação causal, há, entre a indústria gráfica e a gravura de arte brasileiras, uma
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concomitância temporal. Ambas desenvolvem-se paralelamente, através de um processo


em que, cada qual, assumiu sua especificidade própria. No entanto, muitos são os pontos
de diálogo entre as duas.
Neste capítulo concertar-me-ei no desenvolvimento do meio de artes gráficas no
Rio de Janeiro, a partir do começo do século XX. Estudarei as transformações tecnológicas
que marcaram a modernização do parque gráfico nacional, considerando desde a substitui-
ção dos fazeres artesanais por meios automatizados até a atual informatização destas tecno-
logias. Paralelamente, procurarei identificar e analisar os agentes constituintes da chamada
gravura de arte brasileira.
93

4.1
A gravura de arte brasileira

Como colocado no capítulo anterior, atuações como a do espanhol Modesto Bro-


cos, no Rio de Janeiro oitocentista, por mais que se aproximem de uma abordagem subje-
tiva e autoral, em um escopo ampliado caracterizam-se mais como exemplos isolados,
talvez prenúncio de uma nova abordagem. De fato, já nas primeiras décadas do século XX
podemos observar a atividade dos pioneiros artistas-gravadores. Estes exibirão uma nova
atitude diante das técnicas gráficas, deslocando-a de uma posição de dependência concei-
tual e plástica em relação à pintura ou ao desenho; enxergando, em sua especificidade sin-
tética, um dado expressivo particularmente significativo para os novos tempos que se inici-
avam; e cobrindo de um novo significado político e social sua reprodutibilidade potencial.
Carlos Oswald demonstra claramente esta nova posição, desde 1913, quando se estabelece
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definitivamente no Rio de Janeiro. Sua presença e sua atividade didática, possivelmente


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mais do que seu próprio trabalho, foram, nestes primeiros anos, de fundamental importân-
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cia para o desenvolvimento da gravura de arte no país e, especialmente, nesta cidade.


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“Sei que em todo o mundo o despertar do interesse pela gravura nasceu e se desenvolveu
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no nosso século pelas razões que todos conhecem: ‘sintetismo’, em oposição à exagerada
policromia dos pós-impressionistas; entusiasmo pela ressurreição desta arte que talvez te-
nha sido morta pelos processos mecânicos derivantes da fotografia; (...) sua prática que lhe
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facilitava a repetição em muitos exemplares e que a tornava uma arte mais em harmonia
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com os novos costumes democráticos...”151

Podem ser distinguidas três ou quatro gerações de artistas atuantes na história da


gravura de arte brasileira: uma primeira, de gravadores pioneiros, que determinaram uma
nova atitude diante das técnicas gráficas; uma segunda, subseqüente, que absorveu e ratifi-
cou as experiências daqueles, da qual muitos representantes estão ainda vivos; uma terceira
– ainda atuante – que vivenciou a consagração da gravura como forma de expressão autên-
tica em meio à arte brasileira e no exterior; e finalmente uma quarta – em formação – her-
deira desta tradição, que procura problematizar as questões gráficas diante de uma realida-
de pós-moderna.
A história da gravura de arte no Brasil é portanto muito recente. “A gravura não
nasce no século XX no Brasil: o que surge é uma gravura que se afirma artística no Brasil

150
Catálogo da exposição Impressões originais: A gravura desde o século XV. p. 09
151
OSWALD, Carlos, 1957 in Gravura – Arte Brasileira do Século XX.
94

do século XX”152, consideram os pesquisadores Leon Kossovitch e Mayra Laudanna. Ao


trilhar a atuação das gerações constituintes desta tradição no Rio de Janeiro, dois aspectos
devem ser ressaltados inicialmente: A importância que a gravura teve – e continua tendo –
para a história da arte brasileira; e a particular significância do aprendizado técnico e teóri-
co para esta arte.
Conforme ressalta Mário Barata, em 1970, o crítico norte-americano Gilbert Chase
foi um dos que reconheceram o destaque internacional que teve a atividade gráfica brasilei-
ra. “A gravura contemporânea do Brasil foi largamente reconhecida como situada entre as
mais importantes desse século”, escreve Chase153. A trajetória profissional de muitos gra-
vadores brasileiros avaliza esta afirmação. Edith Behring expôs em Paris, em 1955 e em
1957; Renina Katz representa o Brasil nas Bienais de Veneza de 1956 e 1986 e ainda em
outra série de mostras internacionais ao longo de sua carreira; Fayga Ostrower teve, em
1954, uma gravura sua exposta na mostra de Genebra e em 1958 ganhou o Prêmio de Gra-
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vura da Bienal de Veneza; A. L. Piza radica-se em Paris, em 1952; Anna Letycia expôs
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também nessa cidade, em 1970.


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Segundo a última, é decisiva para o desenvolvimento da gravura brasileira a ampli-


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tude que o ensino desta arte teve aqui, para isso colaborando o “espírito de conjunto” exis-
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tente no gravador154. De acordo com José Altino,


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“para existir gravadores é indispensável um ateliê coletivo, onde um mestre passe todo o
seu conhecimento para os novos artistas (...). Com o passar do tempo, esses alunos inician-
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tes passam a se expressar como jovens artistas, e a relação mestre-discípulo passa para uma
convivência de troca de experiência de igual para igual. Todo mestre sabe que a melhor
maneira de se aprender gravura é através do ensino. E a relação fraterna com o discípulo é
indispensável155”

Anna Bella Geiger corrobora esta idéia:

“Acho que não existe uma verdadeira ‘iniciação’ sem que alguém passe esse conhecimen-
to, e este é o papel do professor. (...) Ele orienta numa certa direção. Acredito que alguém
que vá se tornando artista se apóie na experiência do professor, principalmente se for um
professor artista, ou seja, um artista exercendo o ensino de arte, em seu pleno momento de
trabalho individual. O aluno pode se afastar mais tarde desta influência, pode mesmo rene-

152
KOSSOVITCH, Leon e LAUDANNA, Mayra in Gravura – Arte Brasileira do Século XX.
153
BARATA, Mário, Introdução à Gravura no Brasil, in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I,
Sesc, 1995. p. 18.
154
LETYCIA, Anna in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I, Sesc, 1995. p. 61.
155
ALTINO, José in “Gravura Brasileira Hoje - depoimentos” Volume II. Coordenação: FERREIRA, Heloisa
Pires. Responsável pela gênese do projeto e entrevistas: CÂMARA, Adamastor. Re-orientação do projeto
inicial e sua concretização: TÁVORA, Maria Luisa Luz. Sesc, 1996, p. 83.
95

gá-la. Isto é comum. É como o filho que renega as idéias dos pais. É uma questão de gera-
ções. (...) Não há órfãos de arte...”156

Um terceiro fato a ser salientado é a falta de tradição artística com que se depara-
ram nossas primeiras gerações de gravadores modernos. Esta realidade, ao mesmo tempo
em que gerou certos obstáculos, agiu como um catalizador para tais experiências: não
constituía uma tradição constrangedora e motivou uma pesquisa intensa, propiciando um
domínio técnico mais abrangente. Assim sendo, encontramos, na década de 1950, um Iberê
Camargo a escrever para Mário Carneiro, em Paris, em busca de informações e materiais
valiosos para a gravação em metal157; um Darel Valença Lins a interrogar antigos técnicos
litógrafos – ex-funcionários da indústria gráfica – sondando por pedras, prensas e aprendi-
zado; um Orlando Dasilva a freqüentar o atelier de gravura do Liceu, no final da década de
1930, declarando: “A nossa desinformação era tal que não sabíamos que se esquentava a
placa para tirar cópias. Mas, bendita seja essa falta de informação; ela criou uma escola
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técnica brasileira!”158.
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Analisando os ateliês institucionais e particulares em que, no Rio de Janeiro, a par-


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tir de 1914159, a gravura é praticada como uma forma de expressão, percebe-se o convívio
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entre professores/artistas e alunos/artistas. Estes serão agentes de um saber que se constrói


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e se multiplica.
Para muitos destes gravadores, o ensino não constituiu uma atividade menos im-
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portante ou distinta da artística; ao contrário, muitos foram os que se destacaram mais co-
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mo professores. Observa-se, nessa apreensão, artistas que foram alunos em uma instituição
atuando como mestres nesta ou em outras; as experiências dos mais antigos sendo repro-
duzidas através das gerações posteriores, marcando-as; artistas permeando distintos ateliês,
garantindo uma intercomunicação entre estes espaços. A vinda de artistas estrangeiros, a
vivência de brasileiros no exterior, o contato com as diferentes regiões do Brasil alargam
ainda mais este movimento.
A “genealogia” da prática e do ensino da gravura no Rio de Janeiro se organiza em
uma estrutura em rede; permeia diferentes instituições e cidades; se estende para fora do
país.

156
GEIGER, Anna Bella in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume III. Coordenação: FERREIRA,
Heloisa Pires. Responsável pela gênese do projeto e entrevistas: CÂMARA, Adamastor. Re-orientação do
projeto inicial e sua concretização: TÁVORA, Maria Luisa Luz. Sesc, 1997, p. 81.
157
Iberê Camargo Mário Carneiro – Correspondência, Rio de Janeiro: Casa da Palavra/ Centro de Artes
Hélio Oiticia/ RioArte, 1999.
158
DASILVA, Orlando da in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume II, Sesc, 1996. Pg. 50.
159
Ano em que começaram as atividades no atelier de gravura em metal do Liceu de Artes e Ofícios.
96

4.2
As principais instituições multiplicadoras

4.2.1
O Liceu de Artes e Ofícios

Em 9 de janeiro de 1858, o arquiteto, professor e escritor Francisco Joaquim Be-


thencourt da Silva (1831-1911) funda o Liceu de Artes e Ofícios, sob os auspícios da Soci-
edade propagadora de Belas Artes, igualmente idealizada por ele.
No mesmo ano em que o Liceu ampliou suas atividades para o setor gráfico co-
mercial, em 1911, seriam instalados os ateliês litográficos e de encadernação, bem como
de xilografia e de água-forte. Para lecionar gravura em metal foi chamado o italiano Carlos
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Oswald (1882-1971). Oswald nasceu em Florença e veio para o Brasil, em 1906, graduado
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como físico-matemático e tendo cursado a Accademie di Belle Arti di Firenzi. Aqui, realiza
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sua primeira exposição individual. Em 1908, retorna à Itália onde estuda água-forte com o
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americano Carl Strauss (1873 -). Em 1913, de volta ao Rio, expõe com Eugenio Latour na
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Escola Nacional de Belas Artes. Neste ano é contratado para dar aulas de água-forte no
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bem equipado atelier do Liceu. Ali, instaura o primeiro centro de difusão e prática da gra-
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vura artística no Brasil.


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Modesto Brocos, que havia sido chamado para dirigir esta oficina, foi quem trouxe
da Europa os materiais que Oswald ali encontrou. A prensa elétrica foi trazida da Alema-
nha e permitia a impressão de placas de até 80 por 100 cm. O resto dos apetrechos necessá-
rios para aquela atividade (chapas de cobre, buris, lentes, vernizes, raspadores, brunido-
res...) foram trazidos da França.

“Quando o professor Carlos Oswald tomou conta da oficina encontrou-a bem aparelhada e
montada com esmero. O material, porém, não era eterno; vieram as conseqüências da pri-
meira grande guerra; acabaram-se as chapas européias e os vernizes finíssimos, não se en-
contrando em nosso mercado nada semelhante. Veio a oficina a ter falta de tudo, tendo iní-
cio a primeira crise que sofreu o curso de água-forte. Não desanimaram, porém, professor e
alunos, e com admirável boa vontade conseguiram criar novo abastecimento água-
fortístico, servindo-se unicamente de artigos existentes na cidade. Levigaram-se chapas
brutas, fabricaram-se buris e agulhas, derreteram-se resinas, ceras e asfaltos para recobrir
as chapas; usaram-se papel nacional e feltros do comércio”160.

160
DE BARROS, Álvaro Paes, O Liceu de Artes e Ofícios e o Seu Fundador, Rio de Janeiro, 1956, p. 329.
97

Em 1919, teve ocasião no Liceu a 1919 a Primeira Exposição de Água-Forte e Li-


thographia Artística no Rio de Janeiro.
Com as obras de construção da nova ala do edifício, a oficina de água-forte foi fe-
chada, assim permanecendo por dez anos. Quando retornam, suas atividades são ainda
mais intensas: O número de alunos aumenta consideravelmente e mais uma sala é determi-
nada para esta oficina. A maioria dos estudantes provinha da Escola Nacional de Belas
Artes161, onde a gravura ainda não era ensinada. As dificuldades com relação à falta de
materiais e, mesmo, de conhecimentos específicos para a prática da gravura sob o clima
tropical continuam, como se pode constatar no relato de Orlando Dasilva para a publicação
do Sesc.
No final da década de 1940, Henrique Carlos Bicalho Oswald (1918-1965) assumi-
ria a frente desta oficina, ficando ali até meados da década seguinte, quando ganha o Prê-
mio de Viagem ao Estrangeiro e deixa Orlando Dasilva em seu lugar. Durante dez anos,
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Dasilva lecionaria aí. Muitos foram os artistas que passaram por este atelier, dentre os
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quais podemos destacar: o austríaco Hans Steiner (com quem, mais tarde, Iberê Camargo
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teria o primeiro contato com a gravura em metal); Darel Valença Lins (1926), Renina Katz
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(1925); Danúbio Gonçalves (que, entre 1969 e 1971, lecionará gravura na Universidade
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Federal do Rio Grande do Sul); Poty Lazzarotto. Também gravaram neste ateliê, segundo
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Anna Letycia: ela própria; Iberê Camargo; De Lamônica; Orlando Dasilva e José Lima.
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4.2.2
O Curso de Artes Gráficas da Fundação Getúlio Vargas

Em 1946, é fundado o Curso de Artes Gráficas na Fundação Getúlio Vargas, por


Tomás de Santa Rosa (1909-1956). Ali, o próprio Santa Rosa daria aulas de desenho; Ana
Levi ministraria o curso de história da arte; Axl Leskoschek ensinaria xilogravura e Carlos
Oswald, gravura em metal.
É interessante notar o relevo que terá a prática da gravura neste curso, orientado
não para gravadores mas para artistas gráficos. Entre aqueles que gravaram em metal com
Carlos Oswald estariam: Renina Katz; Fayga Ostrower; Henrique Oswald; Edith Behring
(que, em 1957, participa da organização do ateliê de metal do MAM/RJ, tornando-se, pos-
teriormente, assistente de Friedlaender e, com a saída deste, responsável pelo curso). No-

161
DE BARROS, Álvaro Paes, op. cit.
98

vamente, percebemos as mesmas dificuldades encontradas pelos alunos no Liceu, confor-


me declara Fayga Ostrower:

“O Carlos Oswald ensinava os princípios da gravura em metal. Mas é preciso dizer que o
rolo de nossa prensa media uns dez centímetros, ou seja, era uma prensinha. O material era
precário. Realmente, começamos na melhor tradição brasileira, ou seja, improvisando tu-
do! O que, por outro lado nos garantiu um conhecimento absolutamente íntimo das neces-
sidades técnicas”162.

Axl Leskoschek (1889-1975) fora aluno de Käthe Kollwitz, em Viena. Chegando


ao Rio de Janeiro por volta de 1939, terá grande importância para a difusão do expressio-
nismo na arte moderna brasileira. Em 1946, é convidado por Santa Rosa para lecionar xi-
logravura na Fundação Getúlio Vargas. Este curso, entretanto, teria curta duração e Les-
koschek passaria a dar aulas para grupos de cinco ou seis alunos em seu ateliê, na Glória.
Gravaram com Leskoschek: Ivan Serpa; Edith Behring; Fayga Ostrower; Mizabel Pedrosa;
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Renina Katz e Danúbio Golçalves (que terá importante atuação nos Clubes de Gravura no
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sul do país).
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Edith Behring (1916-1996) foi uma que, tendo tido aulas de xilogravura com Les-
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koschek na FGV, acompanha-o em seu ateliê na Glória. Segundo esta gravadora, foi Les-
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koschek quem “sugeriu e sistematizou o hábito dos debates e crítica analítica entre alunos
e professores ao final dos trabalhos práticos…”163.
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4.2.3
O ensino da gravura na Escola Nacional de Belas Artes

Depois de algumas tentativas de instituir a gravura no currículo da academia de ar-


tes oficial, finalmente, em 1951, é introduzido o curso Gravura de Talho-Doce, Água-
Forte e Xilografia, nesta instituição. Este curso foi proposto e concebido por Raimundo
Brandão Cela (1890-1954), que é nomeado professor. Adir Botelho (1932) é o primeiro
aluno inscrito. Logo, torna-se assistente de Cela. Em 1954, com o falecimento de Cela,
Oswaldo Goeldi (1895-1961) assume a vaga de professor daquela instituição.

“Goeldi, com sua humanidade e firmeza, atraía seus discípulos sem interferir em suas o-
bras. Apontava as soluções partindo dos acertos dos jovens estudantes, fazendo-os desco-
brir as falhas na matriz gravada para que elas fossem corrigidas, redirecionando-os, no ár-

162
OSTROWER, Fayga in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume III, Sesc, 1997, p. 38.
163
BEHRING, Edith in Gravura – Arte Brasileira do Século XX, Itaú Cultural, 2000. Pg. 46.
99

duo processo de retorno à sua obra. Sua visão larga e experiente possibilitava mudanças
metodológicas, pois ele já havia abandonado a cópia para estimular as novas poéticas, o
que contribuía para a descoberta da modernidade pelos seus jovens alunos” 164

Foram alunos de Goeldi: Gilvan Samico, que havia estudado xilogravura com Lí-
vio Abramo, no Masp; Adir Botelho; Newton Cavalcanti; Marília Rodrigues; Hugo Mund;
Chlau Deveza; Rachel Strosberg; Sérgio Campos Melo; Júlio Vieira; Jesuíno Ribeiro; An-
tônio Dias e outros.
Em 1955, Darel Valença Lins (1924) instala um atelier livre em uma pequena sala
da escola. Apoiado pelo Centro Acadêmico da Escola e por Quirino Campofiorito, então,
diretor da Escola. Oficialmente independente daquela instituição, inicia-se o curso de lito-
grafia ali. É de suma importância para estas primeiras tentativas de expressão litográfica o
contato que Darel, Antonio Grosso e outros artistas travam com os técnicos da antiga in-
dústria gráfica. Segundo Darel, Genaro Rodrigues, cromista litógrafo e pai dos fundadores
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da Lithos Edições de Artes, desempenhou fundamental significado em sua formação. Em


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1957, este artista recebe o Prêmio de Viagem ao Exterior. O atelier é mantido em atividade
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pelos estudantes que ali trabalhavam. Entre eles, encontramos: Anna Letycia; Vera Boca-
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yuva; João Quaglia; Abelardo Zaluar; Bambinsky e Antônio Grosso.


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Em 1961, falece Oswaldo Goeldi. Adir Botelho assume a regência do curso de xi-
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logravura e gravura em metal. Neste mesmo ano, a litografia entra para o quadro de disci-
plina da Escola tendo Ahmés de Paula Machado como professor.
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Em 1963, é realizada a primeira exposição dos trabalhos dos alunos do atelier de


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gravura.
Em 1970, é criado o Curso de Graduação em Gravura na, agora, Escola de Belas
Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O programa é elaborado por Adir Bote-
lho e conta com as oficinas de gravura em metal, xilogravura e litografia. Em 1984, Ahmés
de Paula Machado falece e Kazuo Iha (1947), assume o posto de professor responsável
pelo ateliê de litografia. Logo, Marcos Baptista Varela (1948) se torna o professor respon-
sável pelo ensino da gravura em metal. Ambos haviam sido alunos de Adir. Este lecionará
aí até o ano de 2003, quando se aposenta. Entre os que foram seus alunos podemos citar:
Roberto Magalhães; Rubem Grilo; Newton Cavalcanti (que lecionará em diversas institui-
ções, entre elas, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage); Isa Aderne (que lecionará na

164
LUZ, Ângela Ancora da, A Importância do Curso de Gravura Para a Escola de Belas Artes, in
Gravura – A Bela Arte, Guadalupe Diego org. Ultraset Editora Ltda. Rio de Janeiro, 2007, p. 09.
100

Escolinha de Arte do Brasil) e José Altino (que dará aulas de xilogravura na Escolinha de
Arte do Brasil).

4.2.4
O Atelier do Museu de Arte Moderna

Em 1959 é inaugurado o atelier do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro.


Edith Behring, ganhando uma bolsa de estudos para estudar pintura em Paris, viu-
se envolvida de tal forma com o exercício gráfico que decidiu mudar de planos. Passou a
freqüentar o atelier de gravura em metal do alemão Johnny Friedlaender, naquela cidade.
Além de Behring, outros brasileiros freqüentaram essa oficina: Henrique Oswald; Mário
Carneiro; Isabel Pons; Arthur Luis Piza e Sérvulo Esmeraldo.
Em 1957, durante seu estágio com o alemão, Behring foi convidada por Niomar
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Munis Sodré e Paulo Carneiro para orientar a construção do atelier de metal no Museu de
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Arte Moderna, no Rio de Janeiro . “O trabalho estava entregue aos arquitetos”, conta Be-
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hring, “mas estes precisavam de conhecimentos específicos, por exemplo, onde colocar as
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coisas, o que era necessário, assim eles me chamaram. Até então os ateliês eram muito
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precários. O do MAM foi exemplar”165.


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A Afonso Eduardo Reidy (1909-1964), arquiteto do Museu, coube projetar igual-


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mente aquele atelier. Carmem Portinho era a engenheira responsável. Behring os orientou
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a organizar da melhor forma aquele espaço. Todo o material e equipamento necessários


foram trazidos da França: três prensas – que hoje estão no Parque Lage (paradas) – ferra-
mentas, bacias, tintas e, inclusive, o papel.
Como forma de divulgar a abertura daquele espaço, Johnny Friedlaender foi cha-
mado para lecionar o curso inaugural. Edith Behring e Rossini Perez – que estiveram com
ele em Paris – seriam seus assistentes. Tal iniciativa deu margem a uma grande polêmica
na época. Uma parte dos artistas e intelectuais brasileiros se opôs à contratação de um es-
trangeiro enquanto havia competentes gravadores aqui. Entre os que resistiam a esta idéia
estavam Goeldi e Iberê166. No suplemento dominical do Jornal do Brasil essa polêmica foi
tornada pública. Entusiastas e críticos manifestaram semanalmente suas opiniões.

165
BEHRING, Edith in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I, Sesc, 1994, p. 75.
166
Como bem apontou Anna Letycia, em seu relato para o “Depoimentos Para Posteridade”, organizado pelo
Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 2007, justamente do próprio Friedla-
ender, intermediadas por Mário Carneiro, Iberê Camargo, neófito, obteve as valiosíssimas informações que o
possibilitaram organizar o curso no Instituto Municipal de Belas Artes.
101

“Nessa época eu estudava com o Iberê e ele fazia restrição, como também o Goeldi, à vin-
da do Friedlaender, porque entendiam que ele iria dar uma orientação diferente à gravura
no Brasil. Para eles o Brasil já tinha uma gravura bem marcada e peculiar. O Friedlaender
trazia uma série que não eram mais do que recursos de impressão que a gravura possibili-
tava e que não eram usados. Havia reação contra a sua vinda”167.

Segundo Behring, Lívio Abramo e Fayga Ostrower foram dois que mantiveram
uma opinião mais equilibrada sobre o assunto.
Como consequência da rejeição dos gravadores mais experientes, as aulas de Frie-
dlaender no MAM foram assistidas principalmente por iniciantes. Este não ficou mais de
três meses no Rio. Mesmo durante sua estada, Behring e Perez eram os grandes responsá-
veis pelo andamento das aulas. Eles assessoravam os jovens alunos, traduziam seu francês
e ficavam em tempo integral no atelier. Após seu retorno, os dois assistentes assumiram a
direção. Estiveram também em contato com Friedlaender no MAM: Isabel Pons; Farnese
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de Andrade; Roberto De Lamônica (que lecionará gravura em várias instituições fora do


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Brasil) e José Lima.


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Depois de quatro meses de atividade foi organizada uma mostra com os trabalhos.
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Participaram: Farnese de Andrade, José Lima, De Lamônica, José de Souza, Walter Mar-
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ques, Isabel Pons, entre outros.


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Havia dois turnos de aulas diárias. Com a saída de Friedlaender, Behring passou a
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coordenar o curso, assumindo também a turma da tarde durante vários anos; Perez, com 29
anos na época, ficou como professor da turma de manhã até 1960, quando vai lecionar em
La Paz. José Assumpção de Souza era o assistente de Behring e Walter Marques de Perez.
Quando Perez se afastou, Anna Letycia ficou com a turma da manhã. Depois, foi
sua vez de viajar e Roberto De Lamônica ficou em seu lugar. Em 1977, Anna voltou, aí
ficando até o encerramento do curso.
Além de Behring e Rossini, muitos outros gravadores ensinaram gravura em metal
naquele espaço: Anna Letycia (1960/1969); Newton Ribeiro (1960/1961); Eduardo Sued
(1974/1980) e Marília Rodrigues (1977/1986) e Thereza Miranda (1983/1986).
Neste espaço deram aulas de xilogravura Roberto Magalhães, em 1970, Alex gama
e Sandra Santos. Dionísio Del santo lecionou serigrafia aí em 1969 e, depois em 1984 e
1985.

167
LETYCIA, Anna in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I, Sesc, 1995, p. 60.
102

4.2.5
Outros ateliês

Além dos quatro ateliês observados aqui, encontramos outros espaços de significa-
tiva importância para a propagação da gravura no Rio de Janeiro. A Escolinha de Artes do
Brasil, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage e o Atelier de Gravura do Sesc Tijuca
foram locais onde muitos dos artistas já comentados também atuaram. Deve-se considerar
igualmente os ateliês particulares, como o de Axl Leskoschek e de Iberê Camargo, além do
Instituto Municipal de Belas Artes, onde o último montou um curso de gravura em metal, e
que, mais tarde, deu origem à Escola de Artes Visuais.
Entre os ateliês de atuação mais recente podemos citar: a oficina de gravura da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; o Centro de Arte Calouste Gulbenkian;
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e o Atelier Villa Venturoza, na Glória, onde Rizza Conde, Thereza Miranda, Bia Sasso,
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Anna Carolina e outros gravadores atuam e ensinam.


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No início do século XX, inicia-se a difusão dos processos fotomecânicos de repro-


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dução de imagens no país. Esta e às não poucas transformações econômicas sociais e cul-
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turais vivenciadas a partir de então acarretaram o amadurecimento do meio gráfico nacio-


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nal, assunto que será abordado agora.


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4.3
O Desenvolvimento do meio gráfico brasileiro

Observa-se, ao longo do século XX, quando o Brasil passa por um processo de in-
tenso desenvolvimento industrial, a crescente modernização do meio gráfico nacional,
marcada tanto pela sistemática importação de novas tecnologias e dos subsídios necessá-
rios à produção gráfica, quanto pelo esforço pela produção interna destes.
Nas primeiras décadas, inúmeras publicações são lançadas no mercado, principal-
mente no campo das chamadas revistas ilustradas. Este gênero, tendo sido inaugurado no
século anterior, iria então atingir enorme popularidade. Mais do que os próprios jornais,
são estas que melhor apresentam as novas possibilidades dos recursos técnicos alcançados.
Elas agem como catalizadores na “assimilação do processo de modernização” que seria
103

vivenciado. Ilustram e prenunciam os novos parâmetros da vida no século que se inicia-


va168.
Entre as diversas revistas ilustradas lançadas na primeira década do século XX,
destacam-se: A Revista da Semana (1900), que, conforme anunciava, foi a primeira a im-
primir clichês em tricomia na América do Sul e a primeira a usar fotografias como ilustra-
ção169; O Malho (1902), publicação que contou com a colaboração dos maiores caricaturis-
tas da época; O Tagarela (1902); O Tico-Tico (1905), primeira revista infantil publicada
no Brasil; Kosmos (1904), de Jorge Schmidt, uma das tecnicamente mais sofisticadas de
sua época; Fon-Fon (1907), bastante ilustrada com desenhos e fotografias e Careta (1908),
uma das mais características deste período.
Nestas publicações operou-se, durante as primeiras décadas do século XX, a substi-
tuição da litografia como forma de ilustração pelos clichês tipográficos. Estes eram grava-
dos sobre placas de zinco, ajustadas sobre calços de madeira, de modo que alcançassem a
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“tipoaltura”. Eram produzidos a partir do desenho em tinta autográfica sobre papel especi-
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al, preparados para serem impressos em prensas tipográficas. Raul Pederneiras, citado por
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Werneck Sodré, descreve o processo:


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“Com a tinta autográfica e a pena de irídio, o artista desenhava o seu trabalho sobre papel
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especial, obedecendo ao tamanho exato que deveria ter o clichê, fosse ele de uma polegada.
Uma prensa fazia o desenho aderir ao zinco (...), fixava-se o desenho ao calor do fogo com
betume, e, em seguida, a chapa de metal entrava em banhos graduados de água-forte que,
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roendo o metal, deixavam em relevo os traços do desenho protegidos pela tinta betumina-
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da170”

De acordo com Raul, J. Carlos, e outros artistas vinculados às revistas ilustradas,


experimentaram a transição do uso da técnica litográfica, quando os desenhos eram feitos
diretamente na pedra, para os clichês.
A possibilidade de produção de clichês fotográficos, com o desenvolvimento da au-
totipia, incluiu, de forma definitiva, a fotografia no mundo dos impressos. É especialmente
nas revistas ilustradas que a fotografia encontra ampla utilização, apresentando-se, final-
mente, de maneira independente da gravura.

168
SOBRAL, Julieta Costa, J. Carlos, designer in O design brasileiro antes do design: aspectos da história
gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naif, 2005. Como coloca Sobral, “os impressos em geral e as revistas
ilustradas em particular ocuparam um lugar estratégico na assimilação do processo modernizador”, p. 124.
169
Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história. São Paulo: Bandeirante S.A. Gráfica e Editora,
p. 50.
170
PEDERNEIRAS, Raul in WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 253-254.
104

Livre do compromisso documentário – e dos procedimentos gráficos – o desenho


alcança uma autonomia expressiva inédita até então171. Em termos plásticos, tal conquista
pode ser sentida na incorporação da aguada de nanquim, do esfumaçado do grafite e de
outros artifícios gráficos puramente desenhísticos172 (Fig. 4.1). Estes são os anos áureos da
caricatura brasileira, quando vemos a ascensão de nomes como Julião Machado, J. Carlos,
K.lixto, Raul Pederneiras, Guevara, Figueroa, etc.; artistas que radicalizam as experiências
dos caricaturistas oitocentistas, atuando como ilustradores, designers, experimentadores
das novas possibilidades técnicas e comentadores da vida cotidiana.
Ainda que a gravação dos clichês, consoante o relato de Raul, pareça demasiada-
mente artesanal, principalmente quando observada de uma perspectiva atual, na prática,
representou para o meio gráfico do Rio de Janeiro não apenas a separação entre ilustração
e gravura, como a incorporação definitiva da fotografia, conforme haviam idealizado Flei-
uss, Vivaldi e outros gráficos do século anterior.
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Neste momento, acentua-se a organização das empresas gráficas em grandes em-


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preendimentos, tendência particularmente sentida na imprensa, como demonstra Werneck


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Sodré, principalmente a partir da segunda metade do século, mas também manifestada nas
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gráficas comercias em geral. No caso da imprensa, esta situação se tornaria ainda mais
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intensa com o advento das cadeias de rádio e televisão.


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O Jornal do Brasil, inaugurado no final do século XIX, é, no começo do XX, o pe-


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riódico de melhor equipamento gráfico. Atinge, nesta época, a tiragem de 62.000 exempla-
res. Conta com diversos ilustradores, entre os quais, Julião Machado, Raul Pederneiras,
Plácido Isasi e Amaro Amaral. Em 1902, este periódico inicia a publicação do primeiro
romance policial em quadrinhos, ilustrado por Julião Machado. No ano seguinte, adapta
sua prensa rotativa à eletricidade. Em 1906, realiza a primeira transformação de sua com-
posição gráfica e, em 1907, passa a distribuir complemento colorido, aos domingos.
Este momento marca o início das grandes reformas urbanas pelas quais passou a
cidade sob a administração do prefeito Pereira Passos. Terminadas as obras da Avenida
Central, o Jornal do Brasil, assim como outros periódicos farão, constrói ali sua sede. Nes-

171
“As revistas ilustradas”, coloca Werneck Sodré, “assinalam o início da fase da fotografia, liberada a ilus-
tração das limitações da litografia e da xilogravura”. WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 343-344.
172
LOREDANO, Casio, Guevara e Figueroa: Caricatura no Brasil dos Anos 20. Rio de Janeiro: Funarte,
Instituto Nacional de Artes Gráficas, 1988.
105

ta época, é reequipado com as primeiras linotipos da cidade, assim como novas máquinas
de impressão a cores e de obtenção de clichês pelo processo fotomecânico173.
A Imprensa Nacional passa também por fase de modernização. Em 1902, recebe
sua primeira rotativa e, logo em seguida, mais duas, tornando-se capaz de imprimir 15.000
exemplares em uma hora174. Desde 1900, esta instituição mantinha em funcionamento uma
escola dentro da gráfica, que, a partir de 1910, daria origem ao departamento denominado
EAGIN, Escola Nacional de Artes Gráficas da Imprensa Nacional175. Paralelamente, inici-
ava-se, no Rio e em São Paulo, a atuação das escolas nacionais de ensino técnico, como o
já comentado Liceu de Artes e Ofícios, e o SENAI, Serviço Nacional de Aprendizado In-
dustrial. A criação de tais entidades marca o momento de crescimento industrial experi-
mentado pelo país.
Em 1907, a Gazeta de Notícias inicia a publicação de clichês em cores produzidos
a partir de fotografias. Este periódico passa a publicar charges em tricomia aos domingos.
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Em 18 de julho de 1911, sai A Noite, de Irineu Marinho, “jornal moderno, bem di-
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agramado, feito por profissionais competentes; em menos de um ano estava em condições


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de comprar novas máquinas de impressão, linotipos, montando oficina de gravura bem


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aparelhada, fazendo a distribuição em automóveis”176. O Correio da Manhã, O País, o


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Jornal do Comércio e a Gazeta de Notícias eram, junto com o Jornal do Brasil e A Noite,
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os periódicos mais populares a circular no Rio de Janeiro nestes tempos.


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Em meio à Primeira Guerra Mundial, quando, como um reflexo da crise econômica


e política mundial, se frustra definitivamente a rotina de se despacharem originais para a
impressão no exterior177, o meio editorial brasileiro passa por uma agitação que se fará
sentir durante as duas décadas seguintes. “Com a quase paralisação da importação de pro-
dutos acabados, durante a guerra, a indústria nacional operara considerável avanço”, escre-
ve Werneck Sodré178. “Por trás da transformação vivida pela industria gráfica nacional
entre as décadas de 1900 e 1930”, coloca Rafael Cardoso, há questões “que envolvem des-
de fatores tecnológicos e comerciais como a importação de máquinas e a implantação de
novas fábricas de papel (Melhoramentos, Klabin) até fatores sócio-culturais como o cres-

173
WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 325.
174
Idem. p. 322.
175
PAULA, Aldemar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, op. cit., p. 32.
176
WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 379.
177
Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história, p. 147.
178
WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit. p. 367.
106

cimento dos centros urbanos e a ampliação do cenário literário profissional, com sensível
impacto sobre o público leitor”179.
Em 1918, Pimenta de Mello adquire a maioria das ações da empresa Malho S.A.,
na época responsável pela publicação das revistas O Malho, Para Todos..., Ilustração Bra-
sileira, Leitura Para Todos, Tico-Tico e outras. A Pimenta de Mello & Cia., empresa que
vimos surgir no capítulo anterior, será, junto com a Companhia Lithographica Ferreira
Pinto, surgida na década de 1890, uma das pioneiras da impressão off-set no país.
Em 1922, a primeira máquina de off-set chega ao Brasil, adquirida pela Companhia
Lithographica Ferreira Pinto, que, nessa época, trabalhava quase que exclusivamente para
a companhia de cigarros Souza Cruz. Suas máquinas litográficas imprimiam em média 200
folhas por hora. O novo equipamento ampliou esta produção para 2.000 folhas por hora, a
princípio. Com o aperfeiçoamento do pessoal, chegou a dobrar este índice180. Os fotolitos
eram, então, preparados sobre chapas de vidro e posicionados sobre as placas de zinco
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sensibilizadas. A matriz era exposta e gravada à luz solar. Apenas mais tarde passou-se a
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utilizar as lâmpadas de arco-voltáico já empregadas nos cinemas e faróis marítimos. Além


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de importar a primeira máquina impressora off-set, a empresa contratou o austríaco Ignaz


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Johann Sessler, que se tornou uma importante figura na popularização daquela técnica no
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Brasil. Sessler foi, posteriormente, um dos fundadores da Associação Brasileira de Tecno-


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logia Gráfica, em 1959, da Editora Abril e da Escola de Artes Gráficas Theobaldo de Ni-
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gris, as duas em São Paulo.


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Ainda em 1922, Assis Chateubriand compra O Jornal, fundado em 1919 por Rena-
to Toledo Lopes, e inicia, assim, seu império jornalístico. É neste ano que Pimenta de Mel-
lo contrata J. Carlos, já grandemente consagrado como ilustrador e caricaturista devido ao
seu trabalho em O Tagarela e Careta, para atuar como diretor de arte das revistas de sua
empresa. Seu desempenhou aí se estende em muito à simples ilustração. Entre as publica-
ções que testemunham plenamente sua ação como designer, Julieta Costa Sobral, em seu
artigo J. Carlos, designer, cita duas, distintas em forma e conteúdo bem como direcionadas
a distintos leitores: O Malho e Para Todos...181.

179
CARDOSO, Rafael, O início do design de livros no Brasil, in O design brasileiro antes do design: aspec-
tos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naif, 2005, p. 168.
180
PAULA, Ademar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, op. cit.
181
Neste artigo, a autora analisa as diferenças entre estas duas revistas, sublinhando a atuação de J. Carlos,
ordinariamente conhecido como caricaturista, como programador visual e diretor de arte. Ao longo de sua
extensíssima carreira, coloca, J. Carlos explora as possibilidades plásticas e técnicas daquela ascendente in-
dústria gráfica, otimizando o parque gráfico das empresas em que atuou; articulando inovadoramente a man-
107

É principalmente na última que J. Carlos realiza uma inovadora associação entre


fotografia e texto, incorporando-a ao projeto gráfico, comentando-a com desenhos, rom-
pendo com seu enquadramento regular e com a autoridade que representava até então.
Em 1926, a Pimenta de Mello & Cia adquiria seu equipamento de off-set. É inte-
ressante notar que, além da prensa off-set, a firma contava ainda, nestes anos, com quinze
prensas litográficas e cerca de quinze tipográficas. De fato, conforme relatam Antônio
Grosso e Darel Valença Lins, a utilização da impressão litográfica prolonga-se – malgrado
a popularização dos sistemas fotomecânicos de gravação e da impressão off-set – durante
as primeiras décadas do século XX, no Rio de Janeiro e até meados dos anos 60 nas cida-
des do interior do país.
Em março de 1926, a Pimenta de Mello & Cia. lança a primeira revista impressa
em off-set a circular no país, a Cinearte (Fig. 4.2). Publicação direcionada ao cinema, ri-
camente ilustrada com fotografias dos famosos artistas estrangeiros, a revista mantém-se
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até julho de 1942, com um total de 571 números publicados.


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Entre os periódicos surgidos no Rio de Janeiro, durante a década de 1920, desta-


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cam-se: A Pátria (1920), de Paulo Barreto; O Globo (1925), de Irineu Marinho e Diário de
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Notícias (1930), de Orlando Ribeiro Dantas; entre as revistas ilustradas: O Mé (1921); A


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Lanterna (1926); A Maçã (1922); Beira-Mar (1922); Vida Nova (1921); A Noite Ilustrada
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(1928); O Cruzeiro (1928) e outras. Nestas publicações observamos a importação do Art


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Nouveau como estilo gráfico, representando, esteticamente, a afirmação da modernidade


em voga na época, ostentada nas reformas urbanas, patenteada pelos novos hábitos urba-
nos, refletida naquelas próprias revistas, ilustrada e anunciada nos trabalhos dos artistas
que fizeram, nelas, suas carreiras. É desta época também a ascensão de outra espécie de
impressos, que unia entretenimento e publicidade: os almanaques. Cabeça de Leão; Pílulas
de Vida do Dr. Ross e Emulsão Scott colocam-se entre aqueles de maior destaque.
A chegada de prensas rotativas no país se dá através dos periódicos. O primeiro a
lançar mão da rotogravura foi o Estado de S. Paulo. Na década de 1920, este jornal impor-
tou, além de uma prensa Marinoni, uma unidade de impressão rotográfica. Com ela, pas-
sou a publicar um encarte de duas páginas impressas em rotogravura, chamado Suplemento
em Rotogravura, cuja primeira edição data de 17 de maio de 1928. No Rio de Janeiro, o

cha tipográfica; desmistificando a fotografia ao romper com sua aura, fazendo-a dialogar com o texto e com a
página; norteando decisões projetuais em função dos aspectos técnicos apresentados; direcionado cada projeto
108

pioneiro da rotogravura foi A Noite, com o lançamento, no início dos anos 1940, do suple-
mento intitulado A Manhã, que contou com a participação dos mais renomados intelectuais
da época. Na Imprensa Nacional, esta técnica foi direcionada aos impressos comerciais182.
Em 1917, havia sido fundada no Rio de Janeiro a Livraria Leite Ribeiro, que atuou
nos anos seguintes como uma importante casa editora. Dois anos depois, em São Paulo,
Monteiro Lobato funda a Monteiro Lobato & Cia., editora que desempenhará um impor-
tante papel na modernização do design de livros e do sistema de distribuição de seus e-
xemplares. Colhendo os frutos plantados nos anos anteriores, a terceira década do século
seria também marcada pelo surgimento de inúmeras editoras, entre as quais podemos citar
a Companhia Editora Nacional (São Paulo, 1925); a Livraria do Globo (Porto Alegre,
1925); Civilização Brasileira (Rio de Janeiro, 1929)183. Na década de 1930, surgiram ain-
da, no Rio de Janeiro, a Livraria Schmidt Editora, em 1930; e a Ariel Editora. A José
Olympio Livraria e Editora, fundada em 1931, em São Paulo, foi transferida, em 1934 para
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o Rio de Janeiro, destacando-se no mercado e atraindo para si muitos dos autores mais
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importantes da época184.
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“Entre 1930 e 1937, o setor livreiro no Brasil viveu um surto de industrialização que inter-
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feriu diretamente no mercado editorial. Mudanças sócio-econômicas deixaram o livro na-


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cional, pela primeira vez na história, em nítida vantagem sobre os livros importados. (...) o
número de editoras brasileiras, cerca de uma dezena, chegou a dobrar entre 1936 e 1944,
atingindo um pico de produção na década de 1950, quando contou com 4 mil títulos e pu-
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blicou cerca de 20 milhões de exemplares ao ano”185.


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Estas empresas, dando continuidade a um movimento já iniciado anteriormente186,


realizaram uma transformação no mercado editorial, lançando novos escritores e renovan-
do a cara do livro nacional. Interessantemente, Rafael Cardoso aponta um “entrecruzamen-
to de nomes e atores em torno da renovação do projeto editorial no período entre a Primei-
ra Guerra e a chamada Revolução de 1930”187. Esta estrutura se reproduzirá mais tarde, na

ao seu público alvo e atuando, enfim, como peça fundamental na incorporação de um novo discurso visual.
SOBRAL, Julieta Costa. op. cit.
182
PAULA, Aldemar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, op. cit. Pg. 50-52.
183
CARDOSO, Rafael, O início do design de livros no Brasil, p. 168.
184
CUNHA LIMA, Edna Lúcia & FRREIRA, Márcia Christina, Santa Rosa: um designer a serviço da litera-
tura, in O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960.
185
Idem. p. 197.
186
“A elaboração de um projeto gráfico cuidadosamente elaborado já era prática comum no Brasil da década
de 1920, remontando mesmo em seus primórdios ao final da década de 1910”, conclui Rafael Cardoso em seu
artigo. CARDOSO, Rafael, O início do design de livros no Brasil, p. 193.
187
Idem. p. 173. “Escritores como Humberto de Campos, Monteiro Lobato, Benjamin Costallat e Érico Ve-
ríssimo misturam-se nesse momento à atividade editorial, tornando-se não somente ativos articuladores de
109

segunda metade do século, e pode ser paralelamente observada, como colocado acima, na
tradição da gravura de arte. Na verdade, há uma interseção entre estes dois meios, personi-
ficada por nomes como Tomás de Santa Rosa, Darel Valença Lins e outros. A atuação
destes dois artistas resume, de fato, a permeabilidade entre os meios de gravura de arte e da
indústria gráfica, no Rio de Janeiro.
Edna Lúcia Cunha Lima & Márcia Christina Ferreira, em Santa Rosa: um designer
a serviço da literatura, estudam a importante atuação deste artista múltiplo na criação do
moderno livro nacional188. Nascido na Paraíba, em 1909, Santa Rosa vem para o Rio de
Janeiro em 1932. Aqui, trabalha como programador visual, assinado a capa, o projeto grá-
fico e as ilustrações de inúmeras publicações das editoras Ariel, Schimdt e José Olympio.
Em 1935, é contratado por este último para quem trabalhou em parceria com muitos dos
importantes autores da época.
Santa Rosa fez ainda projetos gráficos para editoras como Pongetti, A Noite, Man-
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chete e outras e colaborou como ilustrador para diversos jornais e boletins literários. Entre
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1938 e 1939, trabalha como assistente de Candido Portinari, na execução dos murais para o
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pavilhão brasileiro na Exposição Mundial de Nova York, época em que o pintor realizou
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uma série de litografias com a orientação de Genaro Louchard Rodrigues.


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Na década de 1940, participa de importante publicação para a Sociedade dos Cem


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Bibliófilos do Brasil, dirigida por Raymundo Ottoni de Castro Maya, ilustrando, em águas-
fortes as pranchas para Espumas Flutuantes, de Castro Alves189. Em 1946, como vimos,
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funda o Curso de Artes Gráficas da Fundação Getúlio Vargas. E, em 1953, leciona Ceno-
grafia na Escola Nacional de Belas Artes, curso criado por Quirino Campofiorito.
Santa Rosa faleceu em 29 de novembro de 1956, aos 47 anos. Sua atuação foi cer-
tamente de extrema importância para a história do design brasileiro bem como promoção
da gravura de arte neste país. Analisando as ilustrações elaboradas por este artista para
compor as capas e os miolos dos diversos livros que projetou, percebemos que, embora

políticas editoriais como também objeto das atenções de alguns dos mais arrojados projetos gráficos da épo-
ca”.
188
CUNHA LIMA, Edna Lúcia & FERREIRA, Márcia Christina, op. cit., p. 216.
189
“Empreendimento voltado para colecionadores sofisticados, teve o mérito de estimular a ilustração de
livros e valorizar a gravura artística. Para as 23 obras que a Sociedade publicou entre 1943 e 1969, Castro
Maya selecionou obras de escritores brasileiros contemporâneos e clássicos como Machado de Assis e Manu-
el Antônio de Almeida. Sob a direção técnica do gravador Darel Valença Lins, foram chamados a colaborar,
além de Santa Rosa, os mais ilustres artistas plásticos da época, como Portinari, Aldemir Martins, Clóvis
Graciano, Di Cavalcanti, Djanira, Eduardo Sued, Lívio Abramo, Marcelo Grassmann e Poty Lazzarotto. A
tiragem era de 120 exemplares: cem para os sócios e vinte para distribuir pelas bibliotecas e museus de arte.
Um banquete refinado precedia a distribuição dos exemplares, com o cardápio gravado pelo artista da vez”.
Idem. Pg. 228.
110

desenhadas a naquim, estas exibem uma influência assumida da linguagem gráfica das
técnicas xilo ou litográficas (Fig. 4.3).
Darel Valença Lins também participou da publicação organizada por Castro Maya
para a Cem Bibliófilos do Brasil, ilustrando com águas-fortes o Memórias de um Sargento
de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, em 1954. Atuou como diretor de arte desta
editora, teve ampla importância como ilustrador e foi um dos principais difusores da lito-
grafia de arte no Brasil. Em entrevista realizada para esta dissertação, Darel, relata aspectos
particulares de sua carreira artística.

Com a Segunda Guerra, impossibilitadas de importar livros, as editoras brasileiras


passaram a comprar os direitos das traduções e a publicar por conta própria aqueles títu-
los190.
A partir de 1950, o Brasil vive um período de grande modernização industrial. Nes-
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ta época, a indústria gráfica nacional se atualiza em relação à tecnologia desenvolvida no


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exterior, enquanto, concomitantemente, observamos a multiplicação de filiais das maiores


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gráficas multinacionais no país. Novas editoras também são estabelecidas. Enquanto isso,
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observa-se avanços significativos no parque gráfico nacional. O pós-guerra, segundo Wer-


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neck Sodré, amalgamou a organização da imprensa em grande empresa, da mesma forma


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que intensificou a tendência à centralização neste campo, da qual os Diários Associados,


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de Assis Chateubriand são o primeiro exemplo.


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“Acentuando-se desde o terceiro e o quarto decênios do século, a concentração da impren-


sa era tão marcante, em sua segunda metade, que, tendo desaparecido numerosos jornais e
revistas, uns poucos novos apareceram”191.

Entre as revistas que deixaram de circular, estão: Careta, Fon-Fon, Ilustração Bra-
sileira, O Malho, Tico-Tico, Revista da Semana, Cruzeiro e dezenas de jornais. Apareceu
apenas a Manchete, em 1953.
Nos anos 1950, as empresas nacionais atualizam seus parques gráficos, importan-
do, da Europa e dos Estados-Unidos, grande quantidade de equipamentos novos. Paralela-
mente, acelerava-se, com relativo atraso mas com grande importância, a produção interna
no campo da tecnologia de impressão. Terminada a Segunda Guerra, os países europeus e
os Estados Unidos normalizavam suas atividades industriais, empreendendo uma corrida

190
Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história.
191
WERNECK SODRÉ, Nelson, op. cit., p. 446.
111

no aprimoramento da tecnologia gráfica. Apresentava-se muito difícil para um país como o


Brasil estabelecer-se em pé de igualdade com aqueles onde esta indústria mostrava-se for-
talecida desde o século anterior.
A fabricação dos insumos para o mercado gráfico também foi agitada. Fábricas de
tintas, como a Supercor, fundada no Rio de Janeiro, em 1944, foram sendo criadas nos
grandes centros urbanos, propiciando, à industria gráfica, a matéria prima de que necessi-
tava. A produção de papel também se desenvolve bastante, com a criação de novas fábri-
cas e o aperfeiçoamento da distribuição em todo o país. No início da década de 1950, a
produção de papel no Brasil, concentrada no Paraná, correspondia a apenas um terço das
necessidades da imprensa nacional192. Depois de sérios problemas de falta desta matéria
prima, quando o governo chegou a subsidiar sua importação para a imprensa, o desenvol-
vimento da fabricação de papéis formados com 100% de fibra de eucalipto, e o investi-
mento neste setor conseguiram saldar, nas décadas de 60 e 70, esta defasagem. Nos anos
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80, as empresas nacionais expandem seu mercado ao exterior.


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O setor publicitário acompanhou o crescimento industrial experimentado no país,


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desenvolvendo-se e modernizando-se. Novas firmas são abertas, novos profissionais che-


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gam ao mercado. Paralelamente, observamos o desenvolvimento da atividade e do ensino


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do design gráfico no país. A vinda de artistas gráficos estrangeiros para cá – como continu-
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idade de uma situação já vivida no século anterior – e o surgimento dos primeiros cursos
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de formação em design marcam este movimento.


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Em 1951, é criado, no Museu de Arte de São Paulo, o Instituto de Arte Contempo-


rânea, por onde passarão muitos nomes importantes da história das artes gráficas brasilei-
ras. No Rio de Janeiro, a partir de 1957, Amílcar de Castro e Reynaldo Jardim implemen-
tam uma grande revolução na programação gráfica do Jornal do Brasil, criando um sólido
e moderno projeto gráfico que se manteve por vários anos. Niomar Sodré, diretora do Mu-
seu de Arte Moderna, apoiou a criação de um curso de tipografia naquela instituição, cha-
mando Aloísio Magalhães, Alexandre Wollner e Gustavo Weyne Rodrigues para leciona-
rem ali. Em 1963, este embrião deu origem à Escola Superior de Desenho Industrial, a
primeira escola oficial dedicada ao ensino da comunicação visual e do desenho industrial.
Logo, os designers formados por estes centros passariam a atuar na indústria gráfica nacio-
nal. A criação da Escola Superior de Desenho Industrial, no Rio de Janeiro, em 1963, a-
companha um movimento nacional de transformação do meio gráfico e simboliza um

192
Idem. p. 94.
112

momento de transformação desta tradição. Começa a se construir, a partir de então, uma


nova consciência da atividade do design como regente da produção industrial. Esta “ruptu-
ra” acarretará num novo paradigma de ensino e exercício desta profissão193.

Na década de 1960, o off-set, primeiramente utilizado na imprensa pelo jornal pau-


listano Jornal da Tarde, se popularizaria em todo o país. Nos próximos anos este se consa-
grará como o meio mais eficiente de tiragem periódica. Em 1963, é fundada a IBF, Indús-
tria Brasileira de Filmes, que se tornaria uma referência na produção e na pesquisa nacio-
nal sobre fotolitos.
Neste momento, são colocados em funcionamento no país os primeiros equipamen-
tos de fotocomposição e os primeiros scanners utilizados no processo de seleção de cores
eletrônica. Enquanto, na década anterior, o processo de gravação de fotolitos era ainda
comumente realizado manualmente – através de placas de vidros – levando-se em média
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de quatro a cinco dias para finalizar um trabalho; com a seleção eletrônica de cores, fazia-
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se a mesma tarefa em cerca de quinze minutos, com muito mais precisão194.


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Entre 1966 e 1967, o governo criou o programa GEIPAG, Grupo Executivo das
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Indústrias de Celulose e Artes Gráficas, procurando explicitamente renovar o parque gráfi-


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co nacional, realizando isenções fiscais que propiciavam a importação de novas tecnologi-


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as. Esta iniciativa, seguida por outras medidas, se propõe a modernizar o parque gráfico
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nacional em relação aos países de primeiro mundo. Em São Paulo, o Colégio Industrial de
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Artes Gráficas Theobaldo de Nigris é criado, assim como outras escolas de formação téc-
nica, com o objetivo de sanar uma lacuna existente entre as inovações da tecnologia im-
plementada e o desconhecimento dos novos profissionais que chegavam ao mercado. As
próprias empresas passam empreender ações nesse sentido, realizando cursos, seminários,
investindo na qualificação da mão de obra especializada, à medida que eram postos em
funcionamento os equipamentos importados.
Diante da impossibilidade de se manter uma atualização constante em relação às
cada vez mais rápidas novidades tecnológicas surgidas nas diversas etapas da produção,
observa-se, a partir da década de 1970, a tendência à especialização e segmentação do
mercado. Enquanto algumas empresas se orientam para uma etapa específica do processo
gráfico, com a produção de fotolitos, outras lançam mão da terceirização de tais serviços.

193
CARDOSO, Rafael (org.), “O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960”,
p. 09.
194
Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história, p. 89-90.
113

A especialização ocorre também, com relativa cautela por parte dos empresários, no que
diz respeito ao tipo de impresso produzido.
Em 1988, o parque gráfico brasileiro dispunha de 13.600 empresas. “As grandes
companhias, com mais de setecentos funcionários, constituem aproximadamente 10 por
cento do total. As empresas médias ocupam por média quinhentos funcionários e totalizam
20 por cento das firmas. 70 por cento do parque gráfico é composto por micro e pequenas
empresas”195. O Estado de São Paulo concentra a maior parte destas.
A partir da década de 1980, a informática passaria a dominar cada vez mais a tec-
nologia gráfica, infiltrando-se e revolucionando todas as etapas da produção.
Em sua dissertação de mestrado ainda inédita, Em busca da aura: dinâmicas de
construção da imagem impressa para simulação do original, pelo Programa de Pós-
Graduação em Design da UERJ, Helena de Barros analisa as diferentes estratégias desen-
volvidas na reprodução de imagens em alta qualidade. Para isso, considera “dois vetores
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determinantes”: “as estratégias de modulação espacial de unidades discretas para a simula-


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ção do tom contínuo e as estratégias cromáticas de síntese ótica para impressão de imagens
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coloridas”. Estuda o surgimento da simulação do tom contínuo na litografia, a mecaniza-


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ção deste processo pelos meios fotográficos, na passagem do século XIX para o século
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XX, e a viabilização desta possibilidade para a indústria gráfica. “A partir da década de


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1980”, coloca a autora,


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“registra-se a transição para o sistema de processamento digital de imagens, impulsionando


as pesquisas de imagem de alta definição e a demanda por novas propostas de retícula sem
grade fixa, porém ainda sem condições de implantação comercial. A evolução da computa-
ção possibilita o desenvolvimento da retícula estocástica que chega ao mercado através de
grandes corporações, mas ainda sem grande sucesso comercial”.

Marca a década de 1990, o desenvolvimento da tecnologia CTP, Computer-to-


plate, que caracteriza a informatização do processo de gravação de fotolitos para a impres-
são off-set. Segundo de Barros, “Na década de 1990, o CTP viabiliza novas propostas de
algoritmos de retículas configurando imagens de maior qualidade técnica e sinalizando a
retomada da retícula estocástica. (...) Os equipamentos sob demanda com tecnologia de
retícula estocástica se estabelecem para pequenas tiragens e como perspectivas para o sé-
culo XXI”.

195
Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história, p. 139.
114

4.4
Arte e Indústria

Como podemos constatar, o Brasil viveu paralelamente o desenvolvimento de sua


indústria gráfica e de sua tradição de gravura artística.
Nas manifestações gráficas oitocentistas, identifica-se uma abordagem da gravura
caracterizadamente funcional, mesmo quando esta ganha ares autônomos. Os processos de
reprodução de imagens fotográficas chegam ao Brasil no final do século XIX, mas apenas
após a virada para o século seguinte começam a ser realmente difundidos. Estes contribu-
em para uma transformação significativa no meio gráfico nacional, afastando da indústria
gráfica – de ponta – as formas de reprodução artesanais. Sente-se que os meios fotomecâ-
nicos “liberam” a gravura de sua utilização funcional; abrem-na uma nova abordagem:
artística. Entretanto, há entre a indústria gráfica e a gravura artística nacionais, mais do que
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uma relação causal, uma concomitância temporal. Além deste aspecto, já apreciado, mui-
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tos são os pontos de convergência as duas.


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Em primeiro lugar, sublinhemos que a gravura de arte brasileira está fundamentada


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na utilização interessada das técnicas de reprodução de imagens feita aqui até, pelo menos,
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o final do século XIX196. Esta antecede e, em alguns casos, ampara tecnicamente aquela:
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Se para a moderna xilogravura, a atividade dos gravadores oitocentistas não representou


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uma herança significativa, o mesmo não se pode dizer em relação à litografia. A litografia
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industrial, já praticamente obsoleta no século XX, exerce notada importância, material e


informativa, para o estabelecimento de nossa litografia artística. Neste campo, a relação
entre os dois meios pode ser particularmente percebida. Darel Valença Lins, Antonio Gros-
so, João Quaglia, no Rio de Janeiro; João Câmara, em Pernambuco; Lótus Lobo, em Minas
Gerais e outros artistas, pioneiros e mantenedores da abordagem expressiva desta técnica,
relatam a significância do contato com os técnicos das gráficas antigas para sua atividade.
Podemos observá-la através do depoimento de Darel para esta pesquisa197.
A troca material entre estes dois meios é verificada nos equipamentos com os quais
trabalharam e trabalham os ateliês litográficos no Rio de Janeiro e no país. A Lithos possui
uma “granitadeira” do século XIX, que pertenceu à revista Fon-Fon. É usada para preparar
a chapa de alumínio para o trabalho litográfico, tornando sua superfície apropriadamente

196
Os casos que evidenciam a continuidade da utilização funcional de técnicas artesanais de reprodução de
imagem fogem, como já mencionado, ao limite desta dissertação.
197
Ver: entrevista realizada COM Darel Valença Lins, em 25 de setembro de 2007.
115

porosa. O ateliê de gravura da Escola de Belas Artes da UFRJ possui uma granitadeira de
mesa que pertenceu anteriormente à Grafiksilk, firma que realizava a granitagem de chapas
de alumínio para gráficas comerciais, localizada em Bonsucesso, na Rua Capitão Sampaio,
66. Segundo Kazuo Iha, professor do ateliê de litografia daquela instituição, até 1999 seus
alunos encomendavam suas chapas na Grafiksilk, quando esta começou a vender seus e-
quipamentos para ferros-velhos, ocasião em que a mesa de granitagem foi comprada pelo
ateliê. As prensas Krause, utilizadas pela maioria dos litógrafos, pequenas e manuais, pró-
prias à subjetividade de sua impressão, eram até então prensas de prova, utilizadas pelos
“transportadores”, em uma etapa específica da litografia industrial. Quanto às pedras, ve-
mos a mesma origem.
Por outro lado, podemos observar durante o desenvolvimento da indústria gráfica
nacional, ao longo do século XX, casos em que a utilização comercial de peças gráficas
fundamenta-se em uma atitude francamente artesanal. Além dos reclames de espetáculos
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teatrais e filmes exibidos – que até os anos 1950 eram, em sua maioria, pintados à mão –
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encontramos inúmeras outras manifestações em que o responsável por uma gráfica resolvia
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um impasse técnico improvisando novas soluções198. A pluralidade do ambiente gráfico


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brasileiro não apenas permite mas ocasiona a convivência de estágios tecnológicos polari-
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zados. A convivência entre sofisticadas e periféricas parcelas do mercado de produção e


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consumo no Brasil, refletindo uma situação social econômica e política cujas causas e efei-
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tos têm sido, mais do que nunca, discutidas e problematizadas, acabaram por gerar, no
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meio gráfico, uma configuração peculiar. A utilização funcional, aplicada, interessada de


técnicas de reprodução há muito afastadas do mercado e marcadas por um caráter carrega-
damente artesanal é um assunto que merece um estudo mais aprofundado.
Entre nossos gravadores modernos, muitos são oriundos da indústria gráfica: Di
Cavalcanti, Tomás de Santa Rosa, Poty Lazzarotto, Axl leskoschek, Darel Valença Lins,
Dionísio Del Santo, Roberto Magalhães, e outros, atuaram primeiramente como designers,
ou técnicos de artes gráficas antes de desempenharem uma atitude especificamente artísti-
ca diante da gravura. Em contrapartida, muitos foram os artistas que utilizaram a gravura
como forma de ilustração: Oswaldo Goeldi, Lívio Abramo, Darel, Leskoschek, Poty La-
zarroto, Santa Rosa, Enrico Bianco, Marcelo Grassmann, Rubem Grilo, são apenas alguns
dos muitos nomes a serem citados.

198
Ver: Gráfica – Arte e Indústria no Brasil – 180 anos de história.
116

Materializam a permeabilidade entre estes dois meios as edições de livros de arte


realizadas por inúmeras editoras em todo o país. A Sociedade dos Cem Bibliófilos do Bra-
sil, a Philobiblion e a Lithos Edições de Arte, no Rio de Janeiro; a Editora Hipocampo, em
Niterói e a Gráfico Amador, em Recife, são algumas das organizações que fomentaram
estas publicações. Tais edições foram estudadas por Catarina Helena Knychalla, em seu O
Livro de Arte Brasileiro, volumes I e II, editado pelo Instituto Nacional do Livro, no Rio
de Janeiro, em 1984.
Por fim, notemos que sistematicamente, na história da gravura, observamos mani-
festações que demonstram a releitura artística de técnicas próprias da indústria gráfica,
como a utilização de meios fotomecânicos como expressão artística, a arte digital e outras
tendências contemporâneas.

A Lithos Edições de Arte situa-se no território híbrido entre a indústria gráfica e a


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gravura de arte. Oriunda de uma utilização funcional de técnicas artesanais, como a litogra-
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fia e a serigrafia, esta oficina atualiza tais fazeres colocando-os, há quatro décadas, à dispo-
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sição de artistas que pretendem produzir trabalhos em série.


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5
A Lithos Edições de Arte

“Minha escola vem da indústria gráfica. Embora tenha feito um curso de ouvinte na Escola
de Belas Artes, tudo o que eu aprendi sobre artes gráficas foi com o meu pai. Ele foi cro-
mista litógrafo da indústria gráfica, que, na época, era a litografia. Até o começo do século
passado, quando houve uma evolução muito grande na indústria gráfica, tudo era feito em
litografia. Quando foi implantada a retícula fotográfica, com as quatro cores que reproduzi-
am a imagem através da fotografia, o cromista litógrafo, que fazia aquilo manualmente, pa-
rou de desenhar”199.

Este depoimento faz parte da série de entrevistas realizadas com Guilherme Rodri-
gues, fundador, junto Genaro Rodrigues e Gláucia Altmann, seus irmãos, da Lithos Edi-
ções de Arte. Conforme apontado acima, esta oficina não se caracteriza de maneira estrita
como um atelier de gravura, como aqueles apresentados na primeira parte do capítulo ante-
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rior. Primeiramente, observa-se ali, o uso específico da litografia e da serigrafia.


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O privilégio dado a estas técnicas não é circunstancial – está intimamente ligado às


características próprias destes fazeres. Se a litografia, prescindindo da incisão, representou
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para artistas não gravadores a possibilidade de atuar pessoalmente (assistidos por uma e-
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quipe técnica) em uma mídia gráfica, produzindo uma obra múltipla; a adaptação da técni-
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ca serigráfica para o uso expressivo, oferecendo imediatismo e impessoalismo, atuou em


um sentido semelhante.
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Sobretudo, a Lithos Edições de Arte coloca-se como uma empresa. Uma empresa
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familiar, voltada à execução de estampas de arte, com alta qualidade técnica e estética,
profundamente enraizada na indústria gráfica tradicional e, ao mesmo tempo, intimamente
relacionada com a atualização do meio industrial gráfico brasileiro. Não há nada de para-
doxal, trata-se de um paralelismo que pode ser verificado no trânsito de Guilherme entre
artistas e industriais; na sua participação no Fórum de Artes Gráficas da Escola de Artes
Gráficas do Senai, onde empresários do ramo gráfico reúnem-se para discutir questões
profissionais e no seu papel de promotor da gravura entre o meio artístico brasileiro.
Na Lithos, a abordagem expressiva das técnicas gráficas revela, a todo instante, a
herança de um passado funcional.
120

5.1
A tradição técnica da Lithos Edições de Artes

Genaro Louchard Rodrigues nasceu na cidade de Manaus, em 1904. Logo, sua fa-
mília muda-se para Belém do Pará. Em 1916, com apenas 12 anos de idade, inicia sua car-
reira nas artes gráficas, tornando-se aprendiz na Litografia Amazonas, naquela cidade.
Nesta empresa trabalhava o suíço Ernst Lohse (-1930), pintor, desenhista, fotógrafo e litó-
grafo. Lohse colaborou para muitas das publicações editadas pelo então Museu Goeldi de
História Natural e Etnografia, hoje, Museu Paraense Emílio Goeldi. Uma delas, de autoria
do próprio Emílio Goeldi (pai do xilogravador) o Álbum de Aves Amazônicas. Em 1894,
Emílio Goeldi viajou do Rio de Janeiro para aquela cidade, chamado para assumir a dire-
ção da instituição que seis anos depois receberia seu nome. O Álbum teve sua primeira
edição publicada entre 1900 a 1906. É composta por 3 fascículos, cada um com 48 lâminas
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em cores litografadas pelo lápis de Lohse e impressas pela Litografia Amazonas200. (Fig.
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5.1 e 5.2). Ali, Genaro participou de publicações editadas pelo Museu. Sob a supervisão de
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Lohse, passa por todos os estágios que compreendem a litografia e especializa-se como
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“cromista litógrafo”.
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O processo litográfico industrial, conforme aplicado durante o século XIX e boa


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parte do século XX, era subdividido em uma série de etapas. Em cada uma delas, figurava
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um profissional especializado. Em um único trabalho, fosse o rótulo de um produto ou o


cartaz de um espetáculo teatral, alternavam-se o ponçador, o desenhista, o letrista, o cro-
mista, o gravador, o transportador e, finalmente, o impressor.
O ponçador preparava as pedras para a gravação. Dependendo do trabalho (dese-
nho a grafite litográfico, a bico de pena ou gravação a buril), a pedra deveria ser preparada
com diferentes níveis de porosidade (variando, nos casos colocados, da mais porosa a mais
lisa). O desenhista concebia e executava o esboço original do impresso, o modelo que seria
seguido durante toda a linha de produção, realizando, assim, ainda que inconscientemente,
o papel de designer201. O letrista estava incumbido de compor toda a parte tipográfica na

199
Entrevista com Guilherme Rodrigues.
200
Em 1981, a Editora Universidade de Brasília (CNPQ) publicou uma segunda edição desta obra.
201
Rafael Cardoso, em Uma introdução à história do design e em Design antes do design coloca como o
design já era manifestado por profissionais antes mesmo da concepção desta atividade. “Os primeiros desig-
ners”, escreve, “os quais têm permanecido geralmente anônimos, tenderam a emergir de dentro do processo
produtivos e eram aqueles operários promovidos por quesitos de experiência ou habilidade a uma posição de
controle e concepção, em relação a outras etapas da divisão do trabalho” (Uma introdução à história do de-
121

pedra, desenhando invertidamente todo o texto que figurasse no projeto. O cromista inter-
pretava e realizava a separação das cores da imagem, estabelecendo quantas matrizes seri-
am necessárias para alcançar o resultado previsto. Cada tom significava uma nova matriz.
Este técnico lançava mão, por vezes, de retículas gravadas manualmente em bicos de pena
ou com o auxílio de películas especiais. Este processo antecipa a organização mecânica em
retículas empregada posteriormente pela indústria gráfica na simulação do tom contínuo
através do processo CMYK. Naquele momento, entretanto, este padrão não havia sido
ainda estabelecido e os pontos utilizados eram de três tipos: “Rosa”; “Batido” ou “Pestado”
e “Francês”:

“O Chamado Ponto Rosa (...) dava uma idéia de semi-círculos que, impressos em várias
cores, formavam aproximadamente a roseta ou rosácea que conhecemos hoje em dia. O
ponto Batido ou Pestado era irregular, adicionado para mais ou menos, conforme fosse a
intensidade da imagem para os claros ou escuros. O Ponto Francês, também pontilhado
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manualmente, era regular, dando a idéia de linhas paralelas”202.


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O gravador trabalhava na pedra com o buril ou com a máquina de gravar, apetrecho


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que produzia uma série de padrões regulares, bastante utilizados, então. Tanto um quanto
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outro, realizavam finíssimas incisões que, depois, eram entintadas de modo semelhante ao
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talho-doce. Este trabalho era principalmente aplicado na produção de vinhetas, impressos


fiduciários, costas de baralhos e onde mais houvesse a necessidade de um desenho seriado.
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As imagens, em todos os casos, eram gravadas em pedras pequenas. O transporta-


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dor era aquele que realizava a transição destas para as pedras grandes, das quais sairia a
tiragem final, nas máquinas impressoras como a Marinoni. Ele imprimia diversas provas
em papel “Pellure” e, em seguida, as decalcava na pedra maior. Este trabalho era realizado
nas prensas de provas, manuais, sendo as da marca alemã Krause, as mais comuns no Bra-
sil.
O impressor garantia a estabilidade da tiragem. Sobre as máquinas plano-
cilíndricas atuavam, durante a impressão, o margeador e o puxador, responsáveis, respecti-
vamente, pela alimentação da máquina e pela retirada das provas impressas. Ao impressor
cabia, também gerenciá-los em um trabalho sincronizado e uniforme.

sign, São Paulo: Edgar Blüncher Editora, 2004, 2ª edição, p. 16). É, notadamente, o caso dos desenhistas
litógrafos que realizavam a composição daquelas peças gráficas.
202
PAULA, Aldemar Antônio de & NETO, Mário Carramillo, op. cit., p. 48.
122

No início da década de 1930, Genaro Louchard Rodrigues vem para o Rio de Ja-
neiro, onde passará por algumas empresas como cromista litógrafo. Segundo Guilherme
Rodrigues,

“O litógrafo, naquela época, imaginava quantas cores ele precisaria para fazer um cromo.
Se ele quisesse fazer com trinta cores, gravava trinta pedras e imprimia trinta vezes. Obti-
nham-se impressões belíssimas. Minha irmã até hoje faz isso”.

A primeira empresa litográfica na qual encontrou trabalho, assim que chegou nesta
cidade, foi a já comentada Pimenta de Mello & Cia., que, na época situava-se em um anti-
go casarão na Av. Presidente Vargas, onde hoje é o edifício dos Correios.
Em 1934, Gustavo Capanema havia assumido o Ministério de Educação e Saúde
Pública, mantendo-se neste cargo por onze anos. Durante sua gestão contou com importan-
tes representantes da cultura nacional, como Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Ma-
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nuel Bandeira, Anísio Teixeira, Rodrigo Melo Franco de Andrade e Carlos Drummond de
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Andrade, seu chefe de gabinete. Entre as grandes realizações desta gestão, destacam-se a
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reforma do ensino universitário, com a criação da Universidade do Brasil; a criação do


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Instituto Nacional do Livro; e do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional


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(SPHAN) e a construção do edifício para a sede do Ministério da Educação, no Rio de


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Janeiro203.
Rodrigo de Melo Franco de Andrade e Carlos Drummond de Andrade convidam
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Genaro Louchard Rodrigues para organizar e dirigir o Serviço Gráfico do Ministério da


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Educação e Saúde. Esta oficina esteve situada junto ao Ministério, no edifício da Bibliote-
ca Nacional. Nela, Genaro imprimiu em litografia diversas publicações, como Lenda da
Carnaubeira (1936) (Fig. 5.3), cujas ilustrações são de Paulo Werneck; Guia de Ouro Pre-
to (1938) (Fig. 5.4), de Antonio Bandeira, ilustrado por Luis Jardim e História dos Feitos
Recentemente Praticados Durante Oito Anos no Brasil (1940), de Gaspar Barleu. Produz
também uma série de litografias para Cândido Portinari, sendo quem introduz este artista
na arte litográfica. Em 1939, Portinari as expõe nos Estados Unidos (Fig. 5.5). Além deste,
outros artistas tiveram sua iniciação nesta técnica creditada a Genaro: Antônio Bandeira,
Enrico Bianco, Tomás de Santa Rosa e Darel Valença Lins.
Nos primeiros anos da década de 1940, Genaro já havia saído do Ministério da E-
ducação e Saúde. É então novamente convidado por Gustavo Capanema para chefiar as

203
Página virtual do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação
Getúlio Vargas. www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev_inteest_mec.htm
123

oficinas de litografia da Imprensa Nacional. Nesta oficina é responsável pela publicação de


Ordens Honoríficas do Brasil, de Poliano. Deixa-a em seguida, sentindo que ali não podia
fazer o trabalho que se propunha, marcado por um preciosismo artesanal. “Papai chegou a
trabalhar na Imprensa Nacional, mas saiu, dizendo que ali não era possível fazer o trabalho
que ele estava fazendo no Ministério”, diz Guilherme. Segundo o filho, Genaro “já tinha a
idéia de fazer trabalhos mais elaborados, com uma concepção mais artística”. “Papai não
era um empresário. Era um artesão-artista”, coloca Gláucia Altmann.
Em 1946, Genaro monta uma oficina gráfica particular na Rua Lúcio de Mendon-
ça, na Tijuca. Álvaro Machado, que fora diretor técnico da Gráfica Lord, no Rio de Janei-
ro, foi seu sócio neste empreendimento. Machado também se inseria na tradição industrial
litográfica trazida do século anterior. Gravava a buril sobre pedra para impressões comer-
ciais como cheques, títulos de banco, etc. Naquela oficina, os sócios trabalharam com foto-
lito em uma época em eram poucas as gráficas que contavam com essa tecnologia na cida-
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de.
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Por volta do ano de 1950, Genaro abre o Estúdio Gráfico Brasil, em São Cristóvão,
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na esquina das ruas São Luis Gonzaga e Liberdade, também uma das poucas gráficas no
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Rio a possuir prensas de off-set, então. Ali, foram publicados diversos trabalhos para o
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Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Cultura, como a coleção Pintura Brasileira


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(Fig. 5.6, 5.7, 5.8 e 5.9). A primeira edição de Pequeno Príncipe foi também impressa nes-
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ta oficina, assim como as capas das revistas em quadrinhos publicadas pela “EBAL” –
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Editora Brasil América.


Em 1952, Genaro aluga duas prensas de off-set da Gráfica Auriverde para trabalhar
como gráfico autônomo. Nestas prensas, da marca Solna, por mais de um ano, realiza uma
série de serviços para Raymundo Castro Maya. A gráfica localizava-se na Rua Barão de
São Félix, atrás da Central do Brasil. Um dos trabalhos de destaque desta fase é a publica-
ção de uma série de aquarelas de Debret e outros artistas, para o Jockey Club Brasileiro
(Fig. 5.10). “Papai era tão perfeccionista que, neste serviço, além das quatro cores em foto-
lito do desenho do Debret, que seriam impressas no off-set, ele fez, a mão, outras matrizes
de off-set, para sobrepor a estas impressões e providenciar toda aquela leveza de nuances
de tons”, diz Gláucia. “Na verdade”, complementa Guilherme, “ele não selecionou as co-
res em fotografia, como poderia ter feito naquela época, pois já havia tecnologia para isso:
desenhou cada cor em papel vegetal, depois fotografou estes desenhos, reticulou-os e im-
primiu em off-set”. “Com o conhecimento que tinha da litografia”, conclui, “ele melhorava
os trabalhos, desenhando a mão as matrizes de cor”. (Fig. 5.11 e 5.12).
124

Na década de 1960, particularmente, Genaro atua em diversas direções. Primeira-


mente, na Gráfica do Ministério da Agricultura. Depois, volta a trabalhar para Castro Ma-
ya, coordenando e orientando as publicações para os Cem Bibliófilos do Brasil. Em segui-
da, já com seus filhos, organiza uma gráfica particular no Grajaú, na Rua Marechal Jofre,
onde editam, em serigrafia, o Álbum de 10 Artistas Brasileiros (Anna Letycia, Bianco,
Carybé, Darel Valença, Djanira, Gerson de Sousa, José de Dome, Luis Jardim, Milton da
Costa e Poty). Ainda no final desta década, Genaro cria a Litografia Louchard, em parceria
com José Silveira d’Ávilla, para prestar serviços à fábrica Formiplac, em Acari. A oficina
imprimia padrões que serviriam como estampas para as placas de fórmica. Subitamente, a
fábrica prescindiu dos serviços gráficos, levando-os, novamente, a buscar outros meios de
atuação.
Nesta época, outro importante trabalho realizado foi a supervisão da reprodução em
off-set, da Primeira Missa no Brasil, de Portinari (Fig. 5.13). Também nessa edição, a ex-
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periência de Genaro com a antiga cromo-litografia serviu como diferencial: além as cores
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selecionadas mecanicamente pelo off-set, novas matrizes especiais, traçadas a mão foram
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incluídas.
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Em 1968, a família Rodrigues organiza a oficina do Museu Histórico Nacional, a


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convite do Patrimônio Histórico Nacional. Este atelier foi montado em um salão no Mu-
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seu, no vão entre o quadro A Batalha do Riachuelo, de Vitor Meireles e a parede no fundo
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da uma sala. Em 1969, Genaro Louchard Rodrigues e seus filhos iniciam, no Museu, a
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reimpressão do Mapa Architectural do Rio de Janeiro (Fig. 5.14), cuja “pedra fundamen-
tal” foi encontrada por acaso enclausurada em uma sala desconhecida. O trabalho se esten-
de até 1971 e contou com o apoio de Pedro Nava, Afonso Arinos e Henrique Mindlin.
Como vimos no segundo capítulo, o Mapa Architectural do Rio de Janeiro, desenhado pelo
engenheiro João da Rocha Fragoso, foi gravado a buril sobre pedra por Henrique José A-
ranha e impresso na firma Paulo Robin & Cia., em 1874. A reimpressão foi realizada a
partir de cópias desta tiragem original. A composição foi transferida para matrizes litográ-
ficas de zinco e impressa pela família Rodrigues.
Sobre a importância arquitetônica e urbanística do Mapa e de sua reimpressão es-
creveram José Mindlin, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, entre outros. Segundo o último:

“O mapa arquitetônico do Rio de Janeiro reproduzido por Genaro e Guilherme Rodrigues


constitui iniciativa importante que merece ser estimulada e repetida por todo o país.
125

Permite conhecer melhor a antiga cidade em que nascemos, lembrando seus aspectos ar-
quitetônicos e humanos que o tempo modificou”204.

Neste espaço foram também organizados cursos de litografia e de serigrafia. Outra


realização marcante foi o Pôster-Poema, publicação que articulava obras de poetas e artis-
tas plásticos significativos da cultura brasileira, como Mário Lago, Reinaldo Jardim, Gian
Calvi, Heitor Humberto de Andrade e Newton Resende. A montagem desta oficina, os
artistas e intelectuais que o conheceram e o processo de impressão do Mapa são relatados
por Guilherme, em sua entrevista.
Em 1971, quando o pai já se encontrava afastado devido a problemas de saúde, os
filhos mudam-se para a R. Professor Gabizo, na Tijuca. Inicialmente, alugam dois quartos
nos fundos da casa, onde instalam uma prensa Krause e o equipamento serigráfico. Em
1973, Guilherme, Genaro Rodrigues e Gláucia Altmann criam a “Lithos Edições de Ar-
tes”.
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“Em 1974, nós já estávamos na casa toda. Mas, antes um pouco, papai adoeceu. Eu o trazia
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aqui, aos sábados, aos domingos... Ele teve uma doença de esclerose muito triste porque,
eu acho, ele entendia o que nós falávamos mas não conseguia se expressar. Quando ele vi-
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nha aqui, via algum trabalho e ficava muito nervoso, apontava agitadamente para as coisas,
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como se estivesse vendo um erro. Mas ainda assim ele gostava de vir aqui. Eu dava pra ele
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material de desenho, mas ele já não tinha coordenação. Ele faleceu em outubro de 1974”.

Entre 1974 e 1975, os irmãos compram a prensa Marinoni, vinda da antiga gráfica
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Muniz. Como outras empresas do gênero, que desfaziam-se do equipamento antigo para
modernizarem-se ou simplesmente fechavam suas portas, esta gráfica vendeu todo seu
maquinário litográfico. Antonio Grosso, em seu depoimento para a publicação Gravura
Brasileira do Sesc, relata o processo de transferência da tecnologia obsoleta de tais estabe-
lecimentos para os ateliês de gravura que foram se formando em diversas cidades do pa-
ís205.
Nessa época, a empresa contava com dois funcionários, além dos sócios. Assim
como o pai, Gláucia especializou-se na parte de seleção de cores. Auxiliava os artistas-
clientes na parte especificamente técnica de preparação do original a ser interpretado como
um múltiplo gráfico. Genaro responsabilizava-se pela parte de impressão, garantindo a
qualidade da tiragem. Guilherme intermediava a relação entre os clientes-artistas e a equi-
pe técnica. Era também responsável pela distribuição dos trabalhos. Em 1986, Genaro a-

204
NIEMEYER, Oscar. Arquivo da Lithos Edições de Arte.
205
GROSSO, Antonio, in Gravura Brasileira Hoje - depoimentos Volume I, Sesc, 1995.
126

fastou-se da empresa. Segundo Guilherme, a Lithos chegou a ter vinte funcionários traba-
lhando diariamente ali e a distribuir gravuras por todo o país. A partir de 1990, devido a
uma situação própria do período, Guilherme e Gláucia optaram por diminuir seu campo de
atuação, realizando apenas trabalhos sob encomenda, montando uma equipe especial,
quando necessário.
Muitos foram os artistas que trabalharam junto à Lithos Edições de Arte. Pintores,
desenhistas, arquitetos, escultores, fotógrafos, escritores e gravadores. Muitos foram os
produtos editados ali. Livros de Arte, Álbuns de gravura, estampas independentes. A em-
presa acumulou, ao longo desses anos, um conjunto de obras que, por si só, permite traçar
um panorama da arte moderna brasileira. Além disso, reuniu um acervo de equipamentos
que possibilitaria a estruturação de um verdadeiro museu de artes gráficas. Preencher uma
totalidade destes 35 anos de desempenho da empresa seria tarefa para um estudo mais pro-
longado. Por isso, tendo observado suas origens e delineado seu perfil, levantaremos al-
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guns aspectos desta trajetória mais relevantes para a discussão travada aqui, e, enfim, nos
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determos naquele que nos trouxe a ela: a atuação em pólos extremos da utilização artística
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das técnicas gráficas.


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5.2
Dois casos
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Podemos perceber, entre os trabalhos realizados pela Lithos, duas atitudes parcial-
mente distintas. Conforme coloca Guilherme,

“existem dois modos de trabalho: um em que o artista tem intimidade com as artes gráfi-
cas; e outro, em que ele entrega o trabalho ao ateliê. Nesse caso, nós trabalhamos adaptan-
do o trabalho para alguma das duas técnicas, mas sempre sob consulta do artista, até che-
garmos a um resultado satisfatório para ele. Quando aprovado, a tiragem segue conforme a
prova que foi feita naquele momento”.

Exemplificam plenamente esta última as gravuras realizadas para o desenhista e ca-


ricaturista Lan, em que se sobressai a atuação de Gláucia Altmann. “Sempre estive mais
próxima da parte de seleção de cores. Tanto na litografia, quanto na serigrafia”, diz Gláu-
cia. “Os artistas – pintores e desenhistas – normalmente não dominam essa parte técnica
específica da litografia e da serigrafia. Não sabem preparar o filme, posicionar uma cor
sobre a outra para preparar a sobreposição delas. É complicado para um artista, por exem-
plo, fazer uma seleção de dezoito cores para uma gravura”, complementa.
127

Assim, nestes trabalhos, a partir de um desenho original esboçado pelo artista, a lá-
pis, aquarela e nanquim, Gláucia planeja quantas cores e, portanto, quantas matrizes serão
necessárias e grava-as separadamente, reproduzindo em cada uma delas um fragmento da
obra original, seguindo o traço do artista, simulando sua expressividade pessoal através de
uma introjeção profunda e de uma atividade esmerada206 (Fig. 5.15 e 5.16). O mesmo pro-
cesso poderia ser verificado na edição serigráfica das obras do aquarelista Ianelli, ainda
que neste caso concorra a incompatibilidade entre estas duas mídias. Contudo, observa
Gláucia: “no trabalho de Ianelli, nós partimos de um original, mas, no decorrer do proces-
so, abandonamos aquele modelo e seguimos em frente. Nós íamos acrescentando cores até
chegarmos onde ele queria”.
Muitos são os artistas que utilizam a Lithos como um ambiente de trabalho, criando
a obra ali e, sobretudo, atuando diretamente na matriz de lito ou de serigrafia, participando
ativamente do processo de seleção e preparação das cores. Carlos Scliar e Rubens Gerch-
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man, pela intimidade pessoal com os processos gráficos que demonstram, colocam-se nes-
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ta posição.
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Scliar, embora denominando-se pintor, teve na gravura um meio fundamental para


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a formação de sua linguagem artística. Desde, 1942, quando participa da edição do álbum
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de 35 litografias de sete artistas diferentes, a gravura faz parte de seu leque de expressão.
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Em muitas ocasiões, Scliar contou com o trabalho de oficinas e impressores profis-


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sionais para realizar suas edições em serigrafia e em litografia. “Senti que a serigrafia me-
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xia com várias idéias e soluções em meu trabalho de pintor. No início busquei, nessa técni-
ca, repetir meus quadros. Depois percebi que a técnica de chapadas exigia uma síntese
tanto no desenho como na cor. Em pouco tempo a serigrafia modificava minha pintura”207,
coloca. De 1967 a 1973 contou com a participação do impressor/artista Dionísio Del San-
to. A partir de 1974, passou a editar suas gravuras na Lithos, mas atuou também em diver-
sas outras oficinas semelhantes, em todo o país, como a oficina da Ranulpho Galeria de
Arte, do Recife, a partir de 1981; a Graphus, de São Paulo, em 1979, a convite de Otávio
Pereira; a Imagos, também de São Paulo, em 1984 e 85; e a Casa de Gravura Largo do Ó,
de Tiradentes, em 1986.

206
Em sua entrevista, Gláucia Rodrigues relata sua dificuldade em encontrar uma expressividade própria após
anos exercendo uma atividade tão precisa, na qual esta era a todo instante rejeitada, domada.
207
Catálogo da exposição Carlos Scliar – Pinturas/ Litografias/ Serigrafias, realizada no Centro Cultural
Itaipava, no Rio de Janeiro, em dezembro de 1986.
128

“Para nós pintores, geralmente autores de peças únicas, é importante saber que temos ao
nosso alcance oficinas e técnicas que – quando bem executadas – nos permitem multiplicar
a possibilidade de comunicação, com linguagem própria, mas nem por isso com emoção
menor”208.

Em 1986, realiza uma exposição no Rio de Janeiro, onde são expostas serigrafias
desenvolvidas em diversas destas oficinas, compostas a partir de pinturas previamente rea-
lizadas. (Fig. 5.17, 5.18, 5.19 e 5.20). “Ao colocar as gravuras ao lado dos quadros que lhe
deram origem, me proponho mostrar que um mesmo desenho com outra técnica, resulta
em obra autônoma”, escreve. “Sempre entreguei aos técnicos meus originais acompanha-
dos de um desenho em papel vegetal e uma tabela com as cores numeradas, tudo descrimi-
nado. Depois da primeira prova realizo, habitualmente na oficina, com os impressores, os
ajustes necessários, até poder aprovar a tiragem”209.
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Para Gerchman, a relação com as artes gráficas remete-se às atuações do avô na


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Itália como calígrafo e do pai, que veio para o Brasil onde trabalhou no jornal O Globo,
como técnico gráfico210. Mostra-se presente em sua formação artística, em sua atuação
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profissional e no decorrer de toda sua obra.


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“Os primeiros quadros que fiz eram em preto e branco, porque sabia que assim eram os
jornais. Sabia que se fizesse algo bom em preto e branco, quando fosse reduzido para ser
publicado ficaria bom. Eu observava a técnica que as pessoas trabalhavam: era um fundo
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preto e você abria as luzes brancas no gesso. Depois fui fazer gravura, usei esse método,
cavar a madeira e abrir as luzes. Esse mundo do preto e branco foi o começo”211.
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No final da década de 1950, Gerchman trabalhou em revistas e editoras do Rio de


Janeiro como programador visual; entre 1960 e 1961, estudou xilogravura com Adir Bote-
lho, na UFRJ, onde pôde pesquisar também a técnica litográfica. Em sua primeira exposi-
ção, na Galeria Vila Rica no Rio de Janeiro, em 1964, expõe desenhos e litografias. Dois
anos depois, realiza, com Scliar, o álbum Felix Pacheco 1566 166, com cinco serigrafias.
Em 1992, lança o álbum litográfico Dupla Personalidade, impresso em Bogotá, pelo Tal-
ler Arte Dos Gráfico, cuja atuação assemelha-se à da Lithos, embora – criado por artistas e
direcionado também à gravura em metal e à xilogravura – apresente-se parcialmente como

208
Idem.
209
Idem.
210
MAGALHÃES, Fábio. Rubens Gerchman. São Paulo: Lazuli Editora, 2006 (Coleção Arte de Bolso).
211
GERCHMAN, Rubens in MAGALHÃES, Fábio, op. cit., p. 13.
129

um atelier coletivo de gravura212. Em 1998, participou com outros artistas do álbum sobre
futebol promovido pela Lithos (Fig. 5.21). Em 2000, produz na oficina da Tijuca o livro
Cahier’s d’Artiste, com 32 litografias (Fig. 5.22).
Suas obras realizadas neste estabelecimento demonstram sua intimidade com os
processos gráficos. Em suas serigrafias (Fig. 5.23), Gerchman atua diretamente sobre o
filme serigráfico, película texturizada, na qual o artista desenha com bastão de cera, crian-
do, ali, o fotolito com o qual será gravada a tela. Como podemos observar, a figura é cons-
tituída através da múltipla sobreposição de diversas matrizes contendo áreas e linhas em
cores diversas. A sobreposição destas, análoga a da litografia, é realizada pessoalmente
pelo artista, em meio ao processo de criação da obra.

Não pretendo estipular uma hierarquia de valores entre os dois grupos de trabalhos
citados. Polarizá-los interessa-me para dimensionar a duplicidade da atuação desta oficina,
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onde os múltiplos gráficos são encarados como possibilidade de reprodução de um original


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e/ou como obras autônomas. Com efeito, aponta Guilherme Rodrigues: “todos os trabalhos
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são feitos sob a consulta do artista. Eles foram levados ao artista que verificou os acertos
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que deveriam ser feitos”. Se, nos trabalhos de Lan e Ianelli, o parecer do artista é recorren-
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te e fundamental; naqueles realizados por Scliar e Gerchman, a impressão passa a ser de


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responsabilidade dos técnicos da oficina. Esta é feita segundo a cópia aprovada. Pretende-
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se regular e uniforme, ao que colabora o uso da prensa automática Marinoni. (Fig. 5.24).
PUC-Rio

Esta é uma prensa litográfica desenvolvida pelo engenheiro francês Hipólito Mari-
noni, em 1849, utilizada, então, para grandes tiragens comerciais, como jornais, rótulos de
produtos e folhetos diversos, obtendo até 6.000 impressões por hora. Nela, depois de acer-
tada, a tiragem segue homogênea, se não eliminando as variações entre cada cópia – posto
que mesmo na tiragem industrial de qualquer produto podem ser observadas diferenças
entre dois exemplares – ao menos colocando-se de maneira completamente distinta daque-

212
“O Taller Arte Dos Gráfico foi fundado em 1978 por María Eugenia Nino y Luis Angel Parra, enquanto
realizavam seus estudos nas Faculdades de Belas Artes e Engenharia da Universidade Nacional de Colômbia,
em Bogotá, em meio ao movimento estudantil da época. (...) Desde então, o atelier se concentrou na produção
de obras gráficas originais. Começou com um atelier de serigrafia, seguido por um de gravura, e três anos
depois foi fundada a Galería Sextante, sob os auspícios do Taller. A mesmo tempo em que eram criados os
ateliês de litografia, durante os anos de 1983 e 1984, eram publicados os primeiros livros de artistas. Em
1985, foram organizados os ateliês de xilogravura e linóleo, e em 1986, os de tipografia e encadernação. Ao
longo destes 25 anos de trabalho ininterrupto, María Eugenia e Luis Ángel conseguiram reunir em um só
espaço as técnicas básicas da atividade gráfica, além de oficinas de papel, encadernação e maquete, onde
importantes artistas latino-americanos desenvolvem sua obra gráfica”. Site do Taller Arte Dos Gráfico,
http://www.artedos.com
130

la, analisada por Ferreira, em que o artista reveste-a de tal subjetividade, que apenas ele
próprio torna-se capaz de realizá-la.

5.3
Gravura de desenhistas

Entre os que encontraram na Lithos a possibilidade de produzir múltiplos gráficos


estão os desenhistas de imprensa; artistas que, embora atuando em jornais e revistas – ou
seja, multiplicando de fato seus trabalhos aos milhares – contam para isso com meios fo-
tomecânicos e/ou digitais de reprodução e ressentem da técnica gravurística quando se
trata de obter estampas autônomas, ou impressões artesanais. Se, como colocado no capítu-
lo terceiro, o desenvolvimento dos meios fotomecânicos de reprodução desvinculou o de-
senho de imprensa da gravura, a proposta de uma oficina como a Lithos aproximou-os
Nº 0610408/CA

novamente.
Nº null

Em 1975, na sétima edição do Salão de Verão do Rio de Janeiro, ocorreu pela pri-
Digital

meira vez a parceria. Em 1984, em homenagem ao centenário de nascimento de J. Carlos,


Digital

a Lithos participou da edição de uma série de serigrafias de 16 caricaturistas, chargistas,


- Certificação

cartunistas e quadrinistas convidados (Fig. 5.25). Estas obras foram expostas naquele ano
- Certificação

no Rio Design Center e, posteriormente, estiveram em salas especiais em vários salões de


PUC-Rio

humor do país, inclusive o I Salão Carioca de Humor, em janeiro de 1988. Participaram da


PUC-Rio

homenagem ao mestre: Alvarus, Borjalo, Caulos, Chico, Fortuna, Jaguar, Jorge de Salles –
curador e idealizador do projeto, Juarez Machado, Lan, Mendez, Miguel Paiva, Millôr,
Nássara, Paulo Caruso, Zélio e Ziraldo.
Em 15 de setembro de 1988, é inaugurada no Rio de Janeiro a exposição Bar – Se-
rigrafias de Humor, que teve a participação de 22 desenhistas de renome da imprensa na-
cional (Caulos, Chico Caruso, Danyel Paz, Fortuna, Gabor, Helho, Hubert, Ique, J. Carlos,
Jaguar, Jorge de Salles, Lan, Mendez, Miguel Paiva, Millôr, Mollica, Nani, Nássara, Otelo,
Reinaldo, Zélio e Ziraldo). Jorge de Salles é o curador. As estampas, serigrafias de 2, 5, 6,
7 e até 9 cores editadas pela Lithos foram reunidas em um livro (Fig. 5.26) e participaram
em sala especial do 15º Salão de Humor de Piracicaba, do Salão de Humor de Aracaju e do
2º Salão Carioca de Humor, em agosto de 1988.
Se, nestas obras, o projeto traçado pelo desenhista foi transcodificado para a lin-
guagem serigráfica, no livro Jazz – Litografias, de Lan, Chico e Paulo Caruso, editado em
1997 (Fig. 5.27), estes artistas tiveram a oportunidade de agir diretamente na matriz lito-
131

gráfica. As pranchas foram gravadas pessoalmente pelos três desenhistas em matrizes de


alumínio granitado. Lan utiliza-se da tinta litográfica dissolvida, aplicada a bico de pena e
pincel (Fig. 5.28). Os irmãos Caruso, além deste recurso, exploram a rapidez do lápis e a
textura do crayon litográfico (Fig. 5.29 e 5.30). “A edição de gravuras e livros de tiragem
limitada dos maiores artistas brasileiros é uma tradição da Lithos Edições de Arte. (...)
Mais uma vez, e de forma especial, fomos brindados com a possibilidade de reunir três
entre os maiores desenhistas brasileiros (...) num único volume. O trabalho de criação foi
emocionante, com os autores desenhando diretamente sobre as matrizes”, escreve Gui-
lherme Rodrigues, no prefácio da edição. Os textos, transpostos para aquelas chapas, fo-
ram também impressos em litografia. A encadernação, terceirizada.

Muitas destas obras foram reunidas recentemente na segunda exposição retrospec-


tiva da Lithos Edições de Arte, Litografia Serigrafia – história impressa pela Lithos, no
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Sesc – Rio de Janeiro, nos meses de junho e julho de 2006. Em 1983, ao completar 10 anos
Nº null

de fundação, esta oficina realizou a primeira mostra de seus trabalhos, no Shopping Rio
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Sul, nesta cidade. Apresentando-a, escreveu Rubem Braga:


Digital
- Certificação

“...Quiseram os irmãos Rodrigues trazer sua mostra para o vaivém incessante de um shop-
- Certificação

ping center em que o público variado e numeroso, ávido de artigos de consumo, se con-
fronta com obras de arte e sente-se desafiado pelos seus mistérios.
Os artistas que optaram por entregar seus quadros às mãos de Genaro e Guilherme
PUC-Rio

Rodrigues reconhecem neles os artesãos altamente capacitados e sensíveis para interpretar,


PUC-Rio

reproduzindo-as, suas obras de arte. (...)


A presente exposição tem um sentido didático admirável; todos poderão ter uma
visão primeira desses processos de reproduzir que são também meios especiais de criação.
Levar ao alcance de todos exemplares autênticos e confiáveis de suas obras é ambição de
todo pintor – e isto é o que a Lithos lhes permite com uma grande sensibilidade e correção:
o recado da pedra e da seda”213.

Em 2007, organizou-se a terceira mostra, Impressões – Litografia e Serigrafia –


história impressa pela Lithos, que esteve em cartaz no Sesc – Pinheiros, em São Paulo,
entre os meses de abril e junho de 2007. Praticamente uma reedição da anterior, ambas
foram organizadas em diversos segmentos: “História”; “Processo”; “Arquitetura”; “Mes-
tres”; “Humor”; “Livros e Álbuns de artes” e “Dialética da arte sobre papel”.

213
BRAGA, Rubem, 1983. Apresentação para exposição comemorativa dos 10 anos da Lithos. Arquivo
particular da Lithos Edições de Arte.
132

Diferencia-as a inclusão, na paulistana, de um último módulo: “Contemporâneos”:


“o encontro das técnicas centenárias de impressão, preservadas pela Lithos, com a tecnolo-
gia e pensamento artístico do século XXI”.

5.4
As “técnicas centenárias de impressão, preservadas pela Lithos”

A preservação de fazeres artesanais desempenhada por esta oficina manifesta-se vi-


sivelmente na prática da litografia e da serigrafia, bem como na manutenção das prensas e
dos equipamentos oriundos da antiga indústria gráfica. Muitos são os artistas e autores que
apontaram para a importância da Lithos como conservadora de tecnologias artesanais de
impressão. Rubem Braga, no texto supracitado, participa desta visão:
Nº 0610408/CA

“...Os dois irmãos da Lithos aprenderam o ofício com o pai, Genaro Louchard Rodrigues,
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que desde 1917, e durante quase sessenta anos, praticou a litografia no Brasil.
A larga utilização da litografia para fins utilitários – rótulos, cartazes coloridos,
Digital

apólices, partituras musicais, capas de revistas, etc. – estava condenada desde a aparição do
off-set.
Digital

Hoje a velha litografia inventada por Aluisio Senefelder, no fim do século XVIII,
- Certificação

ao fazer o rol da roupa em uma pedra calcária da Baviera, é quase apenas restrita à repro-
- Certificação

dução limitada de obras de arte. Hoje a maioria dos artistas prefere confiar na habilidade,
na paciência e nos pequenos macetes operacionais do artesão especializado.
Quanto à serigrafia, vale recordar que até meados deste século não era aceita no
PUC-Rio

Salão Oficial, por ser considerada um processo menos nobre de reprodução. Embora de o-
rigem milenar no Oriente, o silk-screen só surgiu no Ocidente neste século, e se populari-
PUC-Rio

zou depois da Segunda Guerra.


A Lithos é atualmente o atelier especializado a serviços de alguns dos nossos me-
lhores artistas...”214.

Iberê Camargo, em 1980, escreve:

“...A Lithos possui um precioso acervo de pedras, quase duas mil, recolhidas por este Bra-
sil afora. Estas foram salvas, não serão desfiguradas, nem se transformarão em lajeado co-
mo aconteceu em Porto Alegre, com as Pedras da Editora Globo. Nesta rica coleção de pe-
dras litográficas, muitas são as que contam a história da publicidade do início do século.
São raras e preciosas, devem, portanto, permanecer com as faces tatuadas...”215.

E, em 1981, Aloísio Magalhães:

214
BRAGA, Rubem, 1983. Apresentação para exposição comemorativa dos 10 anos da Lithos. Arquivo
particular da Lithos Edições de Arte
215
CAMARGO, Iberê, 1980. Arquivo particular da Lithos Edições de Arte.
133

“Oficina de criação e centro de revitalização das artes gráficas e das técnicas de reprodu-
ção, a Lithos é uma ponte estendida entre o passado e o futuro nessas importantes áreas
onde se exercitam continuamente o saber e o fazer do homem. Por isso mesmo a missão
que a Lithos se propôs a cumprir e vem cumprindo merece o reconhecimento e o apoio de
todos os que defendemos a conservação e a continuidade dos nossos bens culturais. Sua
presença em nosso meio é um exemplo e um estímulo”216.

As sistemáticas visitas de estudantes de diversas universidades do Brasil, UFRJ,


UFF, UERJ, PUC-Rio, entre outras, confirmam a significância dessa iniciativa.
No discurso de Aloísio Magalhães percebemos já indicado sua contrapartida: a re-
lação, proporcionada na Lithos, das técnicas seculares de impressão com as novas tecnolo-
gias de reprodução de imagens.

5.5
O caso do CTP
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Nº null

O computer-to-plate é um processo de gravação de matrizes para impressão off-set


que vem sendo aplicado na indústria gráfica desde a década de 1990, nos Estados Unidos.
Digital
Digital

Consiste na gravação de imagens e textos em chapas de alumínio, próprias para serem im-
- Certificação

pressas em prensas de off-set, diretamente de um arquivo digital, ou seja, sem a necessida-


- Certificação

de da gravação do fotolito.
Segundo a definição do Dicionário Aurélio, ofsete, o aportuguesamento da palavra
PUC-Rio

off-set, cuja tradução literal seria “fora do lugar”, é o “método de impressão litográfica
PUC-Rio

indireta em que a imagem ou os caracteres, gravados por processo fotoquímico em uma


folha de metal flexível (chapa), geralmente zinco ou alumínio, são transferidos para o pa-
pel por intermédio de um cilindro de borracha”.
Embora haja certa polêmica em relação à invenção do off-set – alguns autores atri-
buindo-a não a um, mas a vários nomes, em países distintos – o americano Ira W. Rubel é
citado como idealizador do processo, em 1904, e seu compatriota Irving F. Niles como
tendo-o aperfeiçoado, oferecendo-lhe a velocidade que o consagraria. É certo, contudo,
que tal invenção deu-se a partir do processo litográfico e que até hoje mantém o mesmo
princípio de impressão inventado por Senefelder em 1796: a incompatibilidade entre água
e gordura. Inicialmente é realizado nas pedras calcárias, depois em placas de zinco, e, fi-
nalmente, em alumínio.

216
MAGALHÃES, Aloísio. Arquivo particular da Lithos Edições de Arte.
134

Para a impressão off-set comercial são utilizadas quatro chapas sucessivamente,


que correspondem às quatro cores do código CMYK: ciano, magenta, amarelo e preto. Um
programa especial interpreta a imagem a ser impressa em um sistema de retículas tanto
menos visíveis a olho nu quanto maior o número da retícula utilizada.
As diferentes tonalidades serão obtidas através da sobreposição das retículas das
cores correspondentes. Uma área em vermelho, por exemplo, deverá ser formada pela so-
breposição de retículas em amarelo e magenta. As retículas sobrepostas formam as “rose-
tas”, agrupamentos dos pontos em círculos cromáticos. Na formação das rosetas, cada cor
é impressa numa posição específica, como pode ser observado na figura. (Fig. 5.31). Uma
impressão pode ainda lançar mão de outras cores além destas quatro, as chamadas “cores
especiais”. Estas, são misturadas separadamente e serão impressas em chapas independen-
tes.
No processo de off-set convencional, conforme realizado até o final do século XX,
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cada chapa virgem de off-set era gravada a partir de um processo fotográfico, utilizando-se
Nº null

os fotolitos como negativos. Primeiramente, os fotolitos eram impressos, em seguida,


Digital

compostos sobre a chapa de off-set, pré-sensibilizada. Então, fotograficamente, aquela


Digital

retícula era gravada no metal.


- Certificação

O processo de CTP gera imagens e textos em chapas que serão impressas em pren-
- Certificação

sas de off-set diretamente a partir do arquivo digital – ou seja, do computador para a placa
PUC-Rio

de metal – dispensando desta maneira a utilização do fotolito e a montagem manual deste


PUC-Rio

sobre a chapa de alumínio. Toda uma etapa do processo de gravação da chapa é demitida,
o que traz imensos benefícios para a indústria gráfica, agiliza o processo, diminui a mão de
obra e o custo total do processo. A chapa de CTP pode, ainda, passar pelo processo de
“forneamento”, o que faz aumentar consideravelmente a sua vida útil. Após passar pelo
forno, uma chapa que permitiria uma tiragem de 200.000 cópias, chega a sustentar até
1.000.000 de cópias. Na figura 5.32 podemos ver as diferentes etapas do processo de gra-
vação da chapa de CTP.
“No Rio de Janeiro, a Gráfica Minister já trabalha com o CTP há oito anos, nós
fomos os pioneiros”, diz Alan Passos, sócio do Bureau Carioca, empresa que presta servi-
ços de gravação destas chapas para diversas gráficas no Rio de Janeiro. “Mas esse proces-
so tem no máximo uns dez anos aqui no Brasil”, aponta.

“Quando o CTP surgiu aqui, o pessoal teve certo receio de trabalhar com ele, mas, hoje em
dia, quem não o tem está completamente defasado. A nossa empresa, o Bureau Carioca,
135

trabalha gravando chapas para outras gráficas. Nós não trabalhamos mais exclusivamente
para a Gráfica Minister. (...) Quando o cliente contrata nossos serviços, ele manda o arqui-
vo para nós, nós geramos uma prova mostramos para ele. Sendo aprovada, nós gravamos a
chapa. Nós trabalhamos, inclusive, com chapas de vários tamanhos, que vão variar de a-
cordo com a maquinaria de cada um de nossos clientes”.

Na indústria gráfica, o CTP vem substituindo o fotolito em quase todas as grandes


gráficas. “Acredito que apenas para pequenas gráficas, que trabalham exclusivamente com
impressões monocromáticas, ou bicolores, gráficas que trabalham com máquinas peque-
nas, talvez seja mais interessante trabalhar com o fotolito”, considera Alan Passos.
Além desses aspectos, o processo de gravação direta das placas permite a utilização
de diferentes tipos de retículas, além da mecânica comumente abrangida pelo off-set con-
vencional: retículas “randômicas”. Embora tenham sido desenvolvidas independentemente
do CTP, foi justamente nesta modalidade que o uso destas novas padronagens se populari-
zou.
Nº 0610408/CA

A “estocástica” é uma das retículas que se adequou melhor ao CTP que ao fotolito
Nº null

convencional, devido à alta precisão exigida. Nela, a superposição das quatro cores básicas
Digital

forma uma camada homogênea na impressão, pois se trata de uma retícula aleatória, que
Digital

opera com um ponto infinitamente menor que o convencional e sem a formação das rose-
- Certificação
- Certificação

tas tradicionais. Em anexo à figura 5.31, temos fragmentos de impressão onde podemos
comparar os grãos da retícula estocástica e da litografia clássica.
PUC-Rio

Segundo publicação virtual da ABTG, Associação Brasileira de Tecnologia Gráfi-


PUC-Rio

ca,

“diferentemente do processo convencional, no qual os pontos obedecem a ângulos prede-


terminados de acordo com a cor, a retícula estocástica distribuiu os pontos aleatoriamente.
(...) (Na trama convencional), os pontos são dispostos em uma grade fixa, e as tintas
CMYK são aplicadas através de tramas com angulação específica, criando a ilusão de uma
gama contínua de cores.
A retícula estocástica (...), por outro lado, usa pontos menores cujo tamanho não
varia, podendo medir entre 14 a 21 mícrons, o que, no sistema tradicional equivale a um
ponto de 1%. Para se ter uma comparação real do tamanho reduzido dos pontos, basta con-
siderar que um fio de cabelo humano mede cerca de 60 mícrons”.

De acordo com Alan Passos,

“no Brasil, isso é ainda pouco usado. A Gráfica Minister não usa esse tipo de lineatura ain-
da. Basicamente, nós trabalhamos com uma retícula fina, de 175 linhas, e, em alguns traba-
lhos, como trabalhos de arte, por exemplo, com uma retícula de 200 linhas”.
136

Se, no Brasil, a indústria gráfica ainda não desempenhou uma utilização plena da
retícula estocástica; no âmbito artístico, esta retícula, associada à técnica do CTP, já abre
toda uma cadeia de novas possibilidades práticas. Esta experiência vem sendo realizada no
Rio de Janeiro pela Lithos Edições de Arte.

5.6
O uso artístico do CTP

Desde 2005, Guilherme Rodrigues vem pesquisando a utilização do processo de


gravação de chapas em CTP voltada para uma utilização artística. Após inúmeras tentati-
vas, os técnicos da Lithos conseguiram adaptar esta matriz gravada digitalmente à impres-
são semi-artesanal na prensa Marinoni.
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“Nós pesquisamos durante quase um ano a forma de se imprimir estas matrizes, porque es-
Nº null

sas chapas são de uma precisão enorme, um negócio fabuloso. (...)


O que nós pesquisamos foi como pegar uma chapa dessas, produzida por uma tec-
Digital

nologia de ponta, e imprimir numa máquina do século XIX. Nós não fizemos nada mais do
que descobrir a quantidade exata de água e a quantidade exata de tinta. A pedra litográfica,
Digital

ou o zinco e o alumínio utilizados na litografia, são impressos em prensas mais lentas, de


- Certificação

tecnologia diferente. Eles têm porosidade para reter um pouco mais de água, portanto, ne-
- Certificação

les, a superfície intacta repele mais a tinta. A prensa com a qual nós trabalhamos é uma
prensa do século XIX, preparada para esse tipo de placa. Como imprimir nela uma chapa
quase totalmente lisa? Esse foi o aspecto mais problemático”.
PUC-Rio
PUC-Rio

No final de 2005, após um longo período de experimentação, a Lithos realizou seu


primeiro trabalho nesta técnica: a impressão de um original de Tunga, traçado a carvão
(Fig. 5.33). Segundo Iuri Frigoletto, produtor cultural que vem agindo como intermediário
entre a oficina e os artistas na divulgação da técnica do CTP, “é muito emblemático que
esse processo tenha acontecido nessa obra do Tunga, que é um trabalho de traço, um dese-
nho”, ou seja, um trabalho próximo daqueles com os quais a Lithos sempre operou. De
acordo com Guilherme,

“Tunga pegou uns desenhos em carvão e disse: ‘faz isso aqui’. Não se colocou a mão sobre
o desenho dele, nem houve nenhum tipo de interferência de outro desenhista para reprodu-
zi-lo, como é feito com muitos outros artistas, como o Lan (...). No trabalho do Tunga, não
houve esse tipo de interferência: o desenho original foi escaneado, e o scanner registrou o
que estava ali no trabalho. Com aquilo foi gravada a chapa. Todas aquelas “poeirinhas” que
você reparar naquele trabalho já estavam lá, no desenho original em carvão”.
137

O desenvolvimento da impressão litográfica das chapas de CTP, portanto, permitiu


com que um desenho realizado em papel pudesse ser escaneado e transformado em uma
matriz reproduzível sem a necessidade de ser redesenhado.
Para Guilherme Rodrigues, a utilização artística do CTP relaciona-se à tradição
gráfica bicentenária:

“Qual é o nome que se vai dar a isso? Alguns gravadores vão brigar, eu penso, vão falar: “o
gravador grava e tira a sua prova...”. De repente chega o artista contemporâneo, o rei do
computador, vai ali, grava, e a gente vai imprimir no mesmo processo antigo. Mas eu acho
que isso é uma abertura. E não deixa de ser gravura, embora seja gravado por processo di-
gitais. A matriz foi gravada, porque isso aqui é gravado de uma forma como se fosse a gra-
vação do crayon litográfico, ou seja, de modo que possa receber tinta gordurosa e a outra
parte receber água e imprimir: o nome disso é Litografia”.

Ora, tais matrizes poderiam ser impressas, aos milhares aliás, em prensas de off-set
Nº 0610408/CA

convencionais, como as da Gráfica Minister. De fato, como veremos à frente, a apropria-


Nº null

ção de técnicas industriais modernas – como a xerografia, o off-set, e as impressões digi-


tais – apresenta-se como uma consistente via para a gravura contemporânea. Qual seria,
Digital

portanto, o interesse de se imprimir tais matrizes de CTP em uma prensa litográfica do


Digital
- Certificação

século XIX? Responde Guilherme:


- Certificação

“Uma diferença grande da litografia para o off-set, quando você imprime, é a seguinte: por
necessidade de velocidade da máquina de off-set – tanto que os prelos de prova não são as-
PUC-Rio

sim – foi criado o “cauchu”. A máquina off-set trabalha com três cilindros. Em um cilindro
PUC-Rio

posiciona-se a chapa. O outro, roda com o papel, é o “contra-pressão”. O do meio tem uma
borracha, é o chamado “cauchu”. A chapa é entintada, decalca na borracha, a borracha, en-
tão, transfere para o papel. Quando você grava uma chapa para o off-set, portanto, você
grava na direita, ela transfere para a esquerda e, em seguida, transfere novamente para a di-
reita, no papel. No nosso caso, a impressão é plana e direta. Você grava a chapa na esquer-
da e ela transfere na direita. A própria impressão é direta: a placa recebe a tinta e transfere
diretamente para o papel. Com isso, a camada de tinta depositada é mais generosa.
Além disso, em relação ao uso das retículas randômicas, você não conseguiria fa-
zer uma gravura como a do Tunga com as retículas convencionais. Você sente a diferença
porque, nestas, o meio-tom é obtido através de uma graduação mecânica, que obedece a
um determinado padrão espacial e de tamanho. No entanto, com a retícula estocástica, por
exemplo, você consegue uma graduação de tonalidade menos rígida, porque independente
daquele ponto mecânico”.

Assim, a utilização das retículas randômicas livraria a impressão da irremediável


frieza da retícula mecânica obtida pelo processo convencional. Infinitamente mais delicada
que aquela, a retícula estocástica (como o nome indica) organiza-se sem uma padronagem
esquemática, portanto, de maneira mais próxima do grão da litografia. Não se trata, contu-
do, de simular, através desta, o grão litográfico tradicional. Esta padronagem aleatória,
138

digitalmente manipulável, apresentar-se-á doravante como elemento – material e conceitu-


al – particular da técnica de CTP – assim como a textura e a forma da madeira, para a xilo-
gravura moderna. Assumi-la, problematizá-la e, sobretudo, exibi-la como tal tornam-se
atitudes chaves para a compreensão da expressividade própria desta nova mídia.
Por outro lado, se a impressão semi-artesanal na prensa Marinoni de matrizes gra-
vadas digitalmente, oferece maior vivacidade à tinta, concorrendo para realçar o valor ori-
ginal de cada exemplar; ainda mais notável é o fato de que esta possibilidade contrapõe
duas mídias separadas por um século e meio. Segundo Guilherme,

“todos os outros métodos de gravura dependem do desenho, ou da habilidade de incisão:


dependem da habilidade do artista ou de alguém que faça aquilo por ele. Com esse proces-
so, você abre a oportunidade para o artista criar no computador, depois gravar a matriz,
sem a interferência de ninguém. Essa matriz vem pra cá e nós imprimimos no processo li-
tográfico, como no início do século XIX”.
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A inserção da gravura de Tunga na mostra de 2006 procurava, já, exaltar o contras-


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te temporal e físico entre as duas tecnologias. Ao lado da “chapa de alumínio pré-


Digital

sensibilizada, matriz de impressão gravada com retícula Estocástica no processo CTP


Digital

(Computer to Plate), que dispensa o uso do fotolito” havia a “impressão pelo processo
- Certificação
- Certificação

litográfico”.
Este aspecto é também levantado por Iuri Frigoletto:
PUC-Rio
PUC-Rio

“Nós estamos usando um suporte que é da indústria gráfica atual, um suporte que trabalha
com arquivo digital, grava num processo digital e, do outro lado, uma prensa, um equipa-
mento de impressão que vem lá daquele momento do final do século XIX”.

Em dezembro de 2007, inaugurou-se na Galeria Artur Fidalgo, a exposição Alumí-


nio Digital (Fig. 5.34), que contou com a participação de dez artistas: Antonio Manuel,
Ernesto Neto, Gustavo Speridião, José Damasceno, Miguel Rio Branco, Paulo Clima-
chauska, Paulo Vivacqua, Rafael carneiro, Vicente de Mello e Waltercio Caldas. O próprio
título da mostra remete ao contraste entre estas duas mídias. Vejamos o texto do folder-
convite que apresenta ao público a proposta da experimentação:

“...A impressão de trabalhos é feita por meio de um processo que utiliza uma matriz de im-
pressão gravada numa lâmina de alumínio sensibilizada (o CTP - computer-to-plate). O re-
gistro desta ‘imagem’, gravada no alumínio a partir de um arquivo digital, é produzido por
uma retícula randômica (registrada por pontos aleatórios, sem padrões perceptíveis). Uma
139

vez produzida a matriz, esse alumínio com o arquivo gravado será utilizado numa robusta
relíquia de fins do século XIX – uma prensa litográfica Marinoni”217.

A oposição entre os termos grifados confirma a proposição.


O uso artístico do CTP revela-nos ainda um terceiro e não menos significativo atri-
buto. Ao tomar como princípio a justaposição paradoxal de dois fazeres anacrônicos, a
experiência artística com esta técnica incorpora-a em um discurso particular. Absorve o
processo de desenvolvimento da gravura como parte essencial da obra de arte; realiza, por
assim dizer, a concomitância entre práxis e obra.
Ricardo Resende, em seu artigo Os Desdobramentos da Gravura Contemporâ-
218
nea , apresenta, segundo suas palavras, “uma investigação sobre a fusão da gravura com
as novas tecnologias e com a pintura, a fotografia e a escultura na arte contemporânea bra-
sileira”219. De acordo este autor, entre os artistas que se propõem a realizar uma contempo-
rização da discussão gráfica, percebe-se uma valorização do “processo artístico” como
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parte fundamental da obra de arte: “O processo assume uma importância essencial, deter-
minando tanto suas intenções quanto seu sentido”220.
Digital

Esta mudança de foco do trabalho para os procedimentos operacionais que partici-


Digital
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param de sua execução revela-se no próprio discurso dos artistas e, segundo Resende, está
- Certificação

relacionada a uma das maiores conquistas da arte do século XX: a possibilidade de romper
as barreiras da própria arte:
PUC-Rio
PUC-Rio

“Destituídos por Duchamp daquela ‘aura’ com que os ‘objetos artísticos’ eram costumei-
ramente identificados, o que passou a interessar o artista – principalmente a partir dos anos
60, depois de Joseph Beuys e com o advento das artes minimal e conceitual, em que a obra
não é mais aurática, e passa naquele momento pela sua desmaterialização – não é mais a
obra de arte em si, mas sim as possibilidades que ela abre no processo criativo e interativo,
a obra passa a ser um processo inacabado, completado posteriormente pelo receptor”221.

Assim, complementa este autor,

217
Folder da exposição Alumínio Digital. Galeria Artur Fidalgo, dezembro de 2007 a março de 2008. Os
grifos são meus.
218
RESENDE, Ricardo, Os Desdobramentos da Gravura Contemporânea, in Gravura – Arte Brasileira do
Século XX, São Paulo: Itaú Cultural, 2000.
219
Idem. p. 226.
220
Idem. p. 230.
221
Idem. p. 229.
140

“...na arte contemporânea o artista volta-se para a intenção, para a idéia e para a solução da
realização do seu trabalho. Se o produto final é uma gravura, uma tela, uma escultura, uma
instalação, pouco importa. O que importa é a expressividade da obra”222.

Analisaremos algumas das experiências em CTP realizadas pela Lithos, buscando


identificar de que maneira, ou até que ponto, elas demonstram uma posição que visa explo-
rar processualmente esta técnica.
Artista-correio, o pernambucano Paulo Bruscky, analisando o que seriam os aspec-
tos materiais (ou imateriais) e processuais característicos desta mídia, aponta: “Enviar uma
escultura pelo correio não é Arte Correio”. Citando os argentinos Horácio Zabala e Eduar-
do Antonio Vigo, coloca: “quando se envia uma escultura pelo correio, o criador limita-se
a utilizar um meio de transporte determinado para transladar uma obra já elaborada. Ao
contrário, na nova linguagem artística que estamos analisando o fato de que a obra deve
percorrer determinada distância, faz parte de sua estrutura, é a própria obra. A obra foi
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criada para ser enviada pelo correio e este fato condiciona a sua criação (dimensões, fran-
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quias, peso, natureza da mensagem, etc.)” 223. Da mesma forma, enfim, entendo como tra-
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balhos que problematizam material e processualmente a técnica de CTP, aqueles que le-
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vam em consideração suas qualidades particulares e incorporam-nas em seu fazer, pois,


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relembrando as palavras de Ivins, citadas no primeiro capítulo, “o que faz uma mídia artis-
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ticamente importante não é nenhuma qualidade própria desta mídia, mas as qualidades
mentais e manuais que seus usuários lhe dirigem”224.
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Como vimos, o trabalho de Tunga explora a impessoalidade proporcionada pelo


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CTP, mantendo-a atrelada à reprodução de um desenho original traçado pelo artista. Após
o ato inicial do artista, realizado em um momento a parte, este registro foi levado à oficina,
de onde resultou no múltiplo editado. A gravura de Daniel Senise (Fig. 5.35), produzida
pouco depois, parece incorporar momentos da produção que não foram ressaltados naque-
la. A absorção do processo do trabalho como aspecto constituinte da própria obra é colo-
cada por Frigoletto:

“Daniel desenvolve há algum tempo um trabalho de impressões de chão, que é matéria


prima do trabalho dele. Ele usa a tela aplicada ao chão, em construções antigas. Retira es-
sas impressões, que ele chama exatamente de “impressão” – e é uma impressão. A partir

222
Idem. p. 230.
223
BRUSCKY, Paulo, Arte Correio e a grande rede: hoje, a arte é este comunicado, in FERREIRA, Glória
& COTRIM, Cecília, (org.) Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, p. 374-
379.
224
“…what makes a medium artistically important is not any quality of the medium itself but the qualities of
mind and hand that its users bring to it”. IVINS JR., William M., op. cit.
141

disso, monta formas nas telas. No trabalho que ele imprimiu em CTP, especificamente, ele
tentou explorar um desenho que foi impresso a partir dos tacos do chão, imprimindo-o em
uma tela.
Nós pegamos um pedaço de tecido impresso dentro do processo produtivo do Da-
niel, escaneamos esse tecido, transformamos aquilo em arquivo digital; com esse arquivo,
gravamos uma matriz em CTP e imprimimos no processo litográfico. A mancha negra em
volta desse trabalho é uma serigrafia aplicada sobre a impressão do CTP, utilizada para dar
exatamente a sensação de irregularidade do movimento do tecido”.

O mesmo é percebido em sua análise da obra de Paulo Vivacqua (Fig. 5.36) para a
“Alumínio Digital”:

“Nesta obra, Vivacqua utilizou uma fotografia tirada por ele de um monitor de televisão:
uma cena de uma novela das oito da Rede Globo. Com uma câmera digital, ele fotografou
um monitor de televisão. Nós transformamos aquela imagem em matriz digital, e impri-
mimos. Os efeitos que a cor luz produz no monitor de televisão foram mantidos nessa ma-
triz. Este trabalho situa-se, assim, entre a cor pigmento e a cor luz”.
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A transposição de uma imagem digital para a impressão litográfica surge de manei-


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ra ainda mais direta na obra de Rafael Carneiro (Fig. 5.37). Este artista desenvolve aí um
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desdobramento de uma série de pinturas em que utiliza imagens de circuito internos de


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televisão de empresas como referência visual. Nestes trabalhos, expostos recentemente na


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galeria da FUNARTE, no Palácio Gustavo Capanema, o artista funciona como intermediá-


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rio no deslocamento da imagem para o suporte – a tela. A possibilidade de operar com a


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imagem digital, transpondo-a imediatamente para uma matriz gráfica abriu um novo signi-
ficado para a obra de Carneiro225.
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Plasticamente, o CTP permitiu, tanto a Vivacqua quanto a Carneiro, a incorporação


de uma série de elementos gráficos próprios do monitor de televisão como aspectos consti-
tuintes e expressivos da gravura.
Em Speridião, estes elementos são fornecidos não pela tela de um monitor, mas pe-
la cópia xerográfica de uma imagem. O uso de xérox e de colagens de imagens reproduzi-
das industrialmente através de offset faz-se presente em suas pinturas-instalações e em
seus cadernos. Aqui, as características materiais do xérox, o negrume opaco do toner, o
volume sombreado da página do livro original, são mantidos e entendidos como manchas
gráficas (Fig. 5.38).

225
De maneira análoga, observamos, no primeiro capítulo, a revolução conceitual e técnica causada pela
possibilidade de gravar imagens diretamente a partir da fotografia, a partir do desenvolvimento dos processos
fotomecânicos de reprodução.
142

José Damasceno já havia trabalhado com o CTP anteriormente. Sua obra Elevador
(Fig. 5.39), de 2006 esteve exposta na mostra da Lithos de 2007, em São Paulo. Na Alumí-
nio Digital, este artista opera a partir de uma imagem formada no reflexo do espelho de
uma tabacaria de Copacabana. Esta imagem, corriqueira, é fotografada por Joana Traub
Csekö, que esteve também no Elevador. Com ela é gravada a matriz de CTP. Sobreposi-
ções de cores transparentes serigráficas são aplicadas sobre a impressão (Fig. 5.40).
No trabalho de Miguel Rio Branco, artista oriundo da fotografia, a incorporação da
impressão gráfica em CTP apresenta-se em função da probabilidade de experimentação de
um novo suporte: a seda (Fig. 5.41). Para Antonio Manuel (Fig. 5.42), a retícula estocásti-
ca é explorada enquanto textura, justaposta a áreas de cor impressas em serigrafia e à sinu-
osa incisão no próprio suporte da gravura.
Para Frigoletto, o CTP coloca-se como uma mídia experimental, por isso interes-
sante ao artista de hoje.
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“A arte moderna trabalhava a forma e a sua política era a execução dessa forma. O artista
moderno se colocava social e culturalmente em seu meio e em relação à sociedade a partir
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do processo de execução e do domínio da técnica. A arte contemporânea tornou isso se-


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cundário e partiu para a problemática do trabalho: ‘Qual é o discurso?’; ‘Qual é a poética?’;


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‘Qual é o debate?’, e eu entendo que, por trás disso tudo está também a pergunta: ‘Qual é a
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política desse trabalho?’”.

O experimentalismo proporcionado por esta técnica é também sublinhado na “A-


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lumínio Digital”. De acordo com o folder da mostra:


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“A idéia que serviu de ponto de partida da mostra foi justamente proporcionar aos artistas a
possibilidade de experimentarem uma nova técnica: a impressão de trabalhos gráficos a
partir de uma matriz gravada por arquivo digital. Foi escolhido um grupo heterogêneo de
artistas, pertencentes a diferentes gerações, alguns muito jovens e outros já com longas tra-
jetórias. Cada qual com as suas poéticas e os seus meios habituais de expressão, os artistas
selecionados desenvolveram percursos distintos diante das possibilidades inéditas abertas
por esta inovação tecnológica. A singularidade dessa exposição reside exatamente nesta di-
versidade”226.

Segundo Frigoletto, a proposta desta exposição é a de uma experimentação:

“a proposta era a de uma experimentação: levar àqueles artistas a possibilidade de produzir


um trabalho em CTP e imprimi-lo em uma prensa litográfica. (...) Exatamente por isso, nós
não definimos um formato exato, um padrão qualquer. Nós tampouco implementamos um

226
Folder da exposição Alumínio Digital. Galeria Artur Fidalgo, dezembro de 2007 a março de 2008.
143

prazo para os trabalhos. Procuramos, ao contrário, estender até o extremo a possibilidade


de experimentar. Isso significou imprimir até o dia da abertura da exposição227.

Mais do que um processo experimental de impressão que problematiza um anacro-


nismo tecnológico, para Frigoletto o CTP representa uma contemporização da litografia,
lançando sobre esta um olhar que, ao mesmo tempo em que a atualiza, critica-a. Diferen-
temente de Guilherme Rodrigues, que vincula o CTP ao processo de transformação da
técnica litográfica, colocando-o no extremo de uma linha que tem sua origem no uso da
pedra calcária; Frigoletto procura destacá-lo desta tradição, observando nele um impulso
em direção à afirmação de sua autonomia.

“Esse é um processo de experimentação que, a meu ver, contemporiza uma possibilidade


de impressão, contemporiza uma técnica que tem a sua raiz na litografia. Ao mesmo tem-
po, acredito que este processo exerce um impacto sobre a litografia clássica. E como todo
impacto, trata-se de uma força que em alguns momentos chega a ser contrária”.
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A posição da Galeria em relação a esta técnica vem corroborar esse aspecto:


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“Um extraordinário movimento de inovação tecnológica impulsiona as artes gráficas, ao


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viabilizar a atualização técnica dos processos de impressão. Num momento em que múlti-
plas possibilidades técnicas já foram rigorosas e exaustivamente pesquisadas e testadas por
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várias gerações – e no qual um limite de invenção, ao menos provisório, parecia ter sido a-
tingido – eis que a experimentação de novas ferramentas tecnológicas gera oportunidades
originais de criação, no âmbito da relação ancestral de artistas e impressores” 228.
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Para nós, ao desenrolar desta investigação, a adaptação do CTP como recurso no


processo artístico afina-se àquelas ocasiões anteriores em que os artistas foram buscar nas
técnicas de reprodução de imagens voltadas para uma utilização funcional, eventualmente
nova, a possibilidade de utilizá-las como forma de expressão artística. De maneira sistemá-
tica, novas características processuais destas mídias, que, originalmente, buscavam otimi-
zar a reprodutibilidade funcional, representam a possibilidade de atuação mais direta por
parte daqueles que as tomam como forma de expressão. O mesmo pode ser observado na
utilização da técnica de água-forte para a gravação de linhas na chapa de metal, que possi-
bilitou ao artista a impressão de seu gesto subjetivo, uma vez que tornava supérfluo o do-
mínio do buril. Ainda na rápida aceitação da litografia, durante o século XIX, na Europa,
podemos notar o mesmo movimento: aquela técnica possibilitava a transferência quase

227
Em entrevista em anexo, Iuri Frigoletto relata o processo de aproximação com os artistas e analisa as obras
realizadas, colocando um pouco da história de cada um destes trabalhos.
228
Folder da exposição Alumínio Digital. Galeria Artur Fidalgo, dezembro de 2007 a março de 2008.
144

imediata de uma linguagem do desenho, comum entre gravadores, pintores e escultores,


para a pedra litográfica; a litografia, também, apresenta uma enorme quantidade de recur-
sos gráficos, que irão se aproximar não só da linguagem do desenho, como também da
linguagem pictórica; além disso, enfim, na pedra litográfica, o artista pode agir livremente,
tendo ao seu lado, um profissional que será responsável por toda a parte técnica do proces-
so de obtenção da matriz.
Além do fato destas técnicas liberarem o artista do domínio técnico demandado pe-
los procedimentos tradicionais; a exibição dos elementos materiais – ou imateriais – como
aspectos expressivos do trabalho e a associação entre práxis e obra atuam, nesses proces-
sos, como uma constante.
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Conclusão

Se o interesse em reproduzir imagens atuou como força motriz no processo de de-


senvolvimento das diferentes técnicas gráficas, conforme sugerido no início desta disserta-
ção, a continuidade ativa de determinadas técnicas esteve marcada por movimentos de
mudanças dos usos a elas aplicados. Entre as novas utilizações direcionadas a tais fazeres
encontramos sua abordagem como forma de expressão artística, à qual nos concentramos.
No entanto, sublinhemos, muitos foram os momentos em que usos expressivos destas mí-
dias promoveram inovações tecnológicas. Atualmente, por exemplo, meios de impressão
digital, como o giclée, têm sido desenvolvidos para a reprodução em alta qualidade de o-
bras de arte produzidas nas mais variadas mídias: fotografia, desenho, pintura ou por meios
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digitais. Analisa-os Helena de Barros, em sua pesquisa já comentada. Artista gráfica, a


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autora também desenvolve pesquisa plástica com imagens manipuladas digitalmente e


impressas em giclée (Fig. 6.1).
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No primeiro capítulo, foram identificadas duas posições assumidas pela utilização


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artística das técnicas de reprodução de imagens: uma marcada pelo resgate ou pela preser-
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vação de determinada técnica gráfica deslocada de seu uso funcional para a “indústria de
ponta” da época; outra marcada pela apropriação, por parte dos artistas, de fazeres que não
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se colocavam, até então, como mídias expressivas. Procurei privilegiar as manifestações


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que, nestes movimentos, problematizam plasticamente seus aspectos materiais peculiares,


revelados em meio ao seu fazer. Por isso detive-me na atividade gráfica dos expressionis-
tas, onde, creio, tais aspectos podem ser nitidamente observados.
A Lithos Edições de Arte foi eleita como caso a ser estudado: estabelecimento grá-
fico em que estas duas atitudes podem ser concomitantemente encontradas. A análise da
trajetória desta oficina – bem como o interesse em enfocar um ambiente gráfico específico
para traçar aí os movimentos de transição de usos – levou-me a estudar a indústria litográ-
fica oitocentista carioca, meio em que suas raízes estão firmadas.
Enfoquei, desta maneira, o processo de implantação das técnicas gráficas no Rio de
Janeiro, durante o século XIX. Foi identificada a predominância quase unânime de uma
utilização estritamente interessada, fundamentada em técnicas de cunho marcadamente
artesanal. Percebe-se que, no Brasil, o desenvolvimento de um meio de “gravura de arte” e
de um meio de “indústria gráfica” propriamente dita dá-se apenas a partir da virada para o
161

século XX, quando podem ser observados, respectivamente, a atuação dos primeiros gra-
vadores modernos e o processo de difusão dos meios fotomecânicos de gravação. Notamos
que, enquanto se afasta de uma utilização funcional, a gravura adquire as características
peculiares de uma mídia expressiva. Ao mesmo tempo, enquanto afasta de si as caracterís-
ticas artesanais que até então lhe acompanhavam, a indústria gráfica adquire os seus con-
tornos próprios. São dois meios que seguem paralelamente. A Lithos figura, neste contex-
to, como concretização da confluência entre eles. Diversos aspectos confirmam-no: desde
a atuação de Genaro Louchard Rodrigues na indústria litográfica; passando pela sua se-
qüente orientação por praticas artesanais que mantivessem um determinado padrão de ex-
celência gráfica em seus impressos comerciais, observada em diversas ocasiões; até a re-
cente experiência de Guilherme Rodrigues com o CTP.
Ricardo Resende, em seu comentado artigo, sublinha a apropriação de novas tecno-
logias de impressão como parte do “processo artístico” por parte de inúmeros artistas brasi-
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leiros e estrangeiros. Desde meados do século XX, analisa este autor, obras em fotografia e
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vídeo, trabalhos que usam a internet como meio, arte correio, zines e livros de artistas pas-
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saram a ser compreendidos dentro de uma discussão que problematiza os estatutos da gra-
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vura clássica. Tais procedimentos inserem-se como “novas possibilidades para a gravura
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contemporânea”. Nesse contexto, a gravura é levada a atuar nos limites de seus processos.
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A absorção de procedimentos como a impressão digital, a arte correio, o vídeo, etc. como
“gravura”, defronta-a (“como em outros momentos da história da gravura”229) com uma
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questão sobre seus conceitos fundamentais. Segundo Resende, enquanto o termo “gravu-
ra”, em português, refere-se especificamente à “incisão”, posicionando-se consequente-
mente, por vezes, como uma nomenclatura exclusiva; os termos inglês e francês, printing e
empreite, por outro lado, possibilitam uma abordagem mais ampla e acolhedora, porque
direcionados ao momento da impressão, ou à “reprodutibilidade”, aspectos indubitavel-
mente contidos nos novos processos de impressão.
Esta forma de expressão, devido ao pluralismo que lhe é peculiar, teria, talvez mais
do que a pintura e a escultura, naturalidade para incorporar e dialogar com os avanços tec-
nológicos surgidos nos últimos cinqüenta anos. Além disso, a própria contaminação com
estas outras categorias – da qual o “múltiplo”, como híbrido entre gravura e escultura, é
uma das mais latentes manifestações – mostra-se cada vez mais comum à discussão gráfi-
ca.

229
RESENDE, Ricardo, op. cit., p. 226
162

Outro fenômeno observado por Resende, em sua investigação, é a fragmentação


dos tradicionais ateliês de gravura. “No lugar das velhas prensas muitas vezes manuais,
encontrei modernas impressoras de proporções gigantescas. E, no lugar de artistas e im-
pressores profissionais, programadores de computador”, relata. “Estava diante de um novo
conceito de atelier de gravura. (...) Estava diante também, se não de uma nova forma de
gravura, mas, com certeza, de uma nova fusão de linguagens” 230.
Hoje, paralelamente, artistas elegem técnicas tradicionais de gravação e impressão
como forma de expressão artística contemporânea, relacionando-as, eventualmente, com as
novas formas de reprodução de imagens; explorando, em sua materialidade, um contraste
com a desmaterialização dos fazeres e das relações na sociedade atual (Fig. 6.2 - 6.15).
Segundo Resende, desde o fim dos anos 1960, artistas brasileiros, como Antonio
Henrique Amaral, Anna Bella Geiger, Carlos Zilio, Julio Plaza, Claudio Tozzi, Regina
Silveira e Vera Chaves, buscam a superação dos limites da linguagem da gravura. Mesmo
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para estes, aponta este autor, é notável a importância dos “tradicionais ateliês” de gravura
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para sua formação, bem como para as atuais gerações.


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“A convivência em ateliês de gravura de artistas, artistas e impressores e, agora, de


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artistas e programadores de computador”, analisada por Resende, pode ser observada niti-
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damente na Lithos. Marcus Claussen ocupa a posição deste último agente. Sua atuação
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situa-se como etapa fundamental do processo de criação. Junto a ele, os artistas progra-
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mam a manipulação das imagens a serem gravadas, a inserção de demais elementos gráfi-
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cos, a granulação das retículas. Ali é preparado o arquivo que, enviado para o bureau, ser-
virá como registro para a gravação digital da matriz.
Em relação ao uso das técnicas gráficas – modernas e arcaicas – pela Lithos, o inte-
resse na reprodutibilidade se mostra como um aspecto fundamental. A manutenção ativa
de equipamentos como a máquina de revelação de telas serigráficas, a granitadeira – para
não falarmos da Marinoni – e a nova experiência com o CTP, ao mesmo tempo em que
aquecidas por este fim, estão decididamente orientadas a uma utilização artística.
Ainda que não tenha sido desenvolvido um viés comercial desta empresa, muitas
são as impressões que atendem a um uso funcional, mesmo que para uso próprio: exempli-
ficam-nas as capas para os álbuns de artistas editados ali; os pequenos folhetos para divul-
gação e outros eventuais serviços. Por outro lado, se fossemos caracterizar as estampas
editadas ali entre “originais” e “de reprodução”, imediatamente identificaríamos a coexis-

230
Idem. p. 228.
163

tência de ambas, sendo que, no segundo caso, a reprodução é, como foi recorrentemente,
encomendada pelo próprio artista e, sublinhemos, não implica uma desvalorização mas
uma particularidade da obra.
Quanto à experiência artística da Lithos Edições de Arte com o CTP, concluímos
que esta se origina da relação desta oficina com os meios gráficos industrial e artístico.
Paralelamente, materializa-a. Ao mesmo tempo em que abre para o artista contemporâneo
um novo viés de atuação, ao permitir incorporar tal técnica a um processo de trabalho que
tem como resultado a realização de um múltiplo gráfico; possibilitou à empresa um novo
posicionamento diante do circuito artístico atual.
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“Galeria Artur Fidalgo”: http://www.arturfidalgo.com.br/
“Graphic Witness: visual arts and social commentary”:
http://www.graphicwitness.org/
“Taller Arte Dos Gráfico”: http://www.artedos.com
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PUC-Rio - Certificação
- Certificação Nº 0610408/CA
Digital
Digital Nº null
173

8
Apêndice: Entrevistas

Um importante material de pesquisa para esta dissertação foi fornecido através da


realização de uma série de entrevistas com artistas plásticos, pesquisadores e profissionais
que, em suas atuações, mantêm-se envolvidos com uma discussão acerca das técnicas de
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reprodução de imagens.
Muitas das questões levantadas no decorrer desta dissertação foram levadas a estes
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entrevistados. Suas considerações foram, por sua vez, trazidas para o interior do texto, sen-
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do de fundamental importância para a reflexão teórica aqui estabelecida e para a elabora-


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ção do argumento proposto. Gostaria, portanto de expressar aqui meu agradecimento a


Carlos Martins, Marcos Baptista Varela, Darel Valença Lins, Alan Passos, Iuri Frigoletto,
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Gláucia Altmann, Amador Perez e Thereza Miranda. Outros foram os que, ainda que não
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tenha sido possível a formalização de seus relatos, colaboraram diretamente para esta in-
vestigação. Assim agradeço igualmente a Antonio Grosso, George Kornis, Helena de Bar-
ros, João Sánchez, Kazuo Iha, Maria Luisa Távora, Sebastião Barbosa e Rafael Cardoso.
Naturalmente, esse trabalho não teria sido possível sem o irrestrito e precioso apoio de
Guilherme Rodrigues.
Acredito que a reunião destas entrevistas represente uma contribuição para a do-
cumentação das informações históricas nelas contidas e que esta sua publicação venha a
possibilitar o compartilhamento destas experiências.
174

8.1
Entrevista com Carlos Martins – Rio de Janeiro, 03/07/2007 e 11/07/2007

Na exposição “Impressões originais”, você fazem desde o princípio uma distinção


entre as “gravuras originais” e as “gravuras de reprodução” ou “de interpretação”.
De acordo com o ponto de vista essencialmente comercial, uma vez que fosse substitu-
ída por outra, uma determinada técnica de reprodução de imagens se extinguiria,
deixaria de existir. Mas, nós observamos essas técnicas continuam existindo, adqui-
rindo novas funções. Como você vê o processo de transferência de usos pelos quais a
gravura passou?

Essas diferentes utilizações acontecem concomitantemente. Peguemos por exem-


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plo, a litografia, que é uma técnica muito mais recente, por isso muito mais fácil de ser
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detectada e analisada. Quando ela aparece, no século XVIII, é plena revolução industrial. É
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pressa, é produto, é jornal, pôster, propaganda: Ela tem um cunho comercial explícito. É
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baratíssima, a matriz é reaproveitada... No entanto, ao mesmo tempo em ela é pôster de


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rua, capa de jornal, rótulo de embalagem, ela é gravura do Bonnard, ou, muito antes dele, o
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próprio Daumier faz uso fantástico da positividade da litografia. O Goya também, a mesma
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coisa. Não é quando ela cai do afã da comercialização como um produto que ela vira de
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arte para continuar tendo uma existência. Isso se dá ao mesmo tempo, a meu ver.

Pode-se dizer que o desejo de reproduzir imagens foi o grande propulsor na história
da gravura? Seria o interesse comercial a força motriz dessa história?

Antes da fotografia sem dúvidas. Antes da fotografia, a única forma de reproduzir


imagens era através de matrizes gravadas: xilo, metal ou lito. Depois do século XIX, com a
fotografia, com o processo fotomecânico de transferência para fotolito, sendo que este vem
depois, pois o clichê e um monte de outras coisas o precedem – então, a gravura não tinha
mais sentido, não tinha mais função prática, apenas artística.

Como você vê a utilização artística que se volta a uma técnica que se tornou comerci-
almente obsoleta?
175

Uma questão que devemos colocar é: Por que dizer que uma técnica é obsoleta?
Porque apareceu o off-set? Ou porque apareceu a impressão a jato, laser? Técnicas mais
modernas.
Não se pode atrelar a produção artística à novidade tecnológica, nem a favor, nem
contra.
O artista usa hoje meios de computador. Perfeito. Porém, isso não vai obrigatoria-
mente deixar mais ou menos descentrado o uso da litografia, por exemplo. Não é porque a
lito não é mais a grande maravilha da invenção da tecnologia que foi no final do século
XVIII, início de século XIX – quando ela respondeu à necessidade da pressa que se tinha
para a impressão e multiplicação de imagens – que ela se torna obsoleta. É claro que hoje a
internet, o computador, o fax, e não sei mas o quê, ocupam esse papel. A lito está em desu-
so na área de mercado, sem dúvidas. Mas ela não é só isso. Ela é um meio de expressão
artística, e isso independe de novas propostas, novas invenções, novos aprimoramentos
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tecnológicos. Tem muito artista que está fazendo inclusive a combinação disso tudo. O
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Rauschenberg é um deles. E é uma maravilha o trabalho que ele faz. Existem vários. Em
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São Paulo tem a Laurita Sales que trabalha em metal e no computador, é um trabalho expe-
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rimental muito interessante.


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Hoje, é lógico que ninguém vai fazer rótulos de nada nem em serigrafia nem em
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litografia. Então, pronto, está descartado. O que interessa é o uso feito desse equipamento,
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dessa infra-estrutura para a produção artística.


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Você acha que podem ser distinguidas duas atitudes entre os artistas que buscaram
nas técnicas de reprodução de imagens a possibilidade de expressão: uma em que esta
atitude é voltada para uma técnica que se tornou comercialmente obsoleta; e outra
em que esta atitude se volta a novas técnicas de reprodução, desenvolvidas e ainda
utilizadas pela indústria?

Sim. O movimento pop, por exemplo, se apoderou da serigrafia industrial. Ao in-


vés de fazer aquela mais artesanal, a partir dos anos sessenta, eles lançaram mão das tecno-
logias industriais, de screen print. E vão sofisticando cada vez mais: vão se apropriando de
técnicas que estavam sendo utilizadas para cartazes de rua, destinadas a impressões de
grande formato. Embora não possa garantir, isso deve ter sido algo que se deu nas duas
direções. Esse é, de fato, um movimento recorrente: uma coisa que o artista inventa tam-
bém contribui para uma questão comercial e industrial da produção.
176

Eu me lembro uma vez, há muitos anos atrás, nos anos 80, eu ia de ônibus para
Santa Catarina sentado do lado de uma cara que era operário de uma fábrica têxtil. Conver-
sa vai, conversa vem, ele diz: “Eu, para imprimir lençol de casal na fábrica onde trabalho
uso uma tela de serigrafia que tem um bastidor de dois metros e meio por dois metros e
meio”. Eu pensei: “Eu não acredito. Nenhum artista brasileiro usou essa tecnologia para
fazer uma serigrafia”. Aquilo era serigrafia, impressa sobre tecido, para estampar tecido
para roupa de cama.
Em outra ocasião, fui levar um trabalho para fazer em um lugar chamado “Studio
Alfa”, em São Cristóvão. Eles fazem plotter para cobrir fachada de Rio Sul, para você ter
idéia da dimensão. São fachadas imensas, de propaganda. Texto, imagem, o que for. Eu
fiquei tão entusiasmado com o potencial que tem aquilo (que eu não vejo ninguém usar)! O
gerente de lá, então, me levou para ver toda a instalação. Entrei em uma sala em que eu
fiquei boquiaberto. Eles têm uma máquina que é, digamos, um pantógrafo mecanizado, na
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qual você transfere a imagem para recortar plotters auto-adesivo, com recorte do limite do
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desenho, sem estar inserido em um fundo quadrado ou retangular. Ele recorta o desenho,
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faz qualquer coisa, como aquela “amebinha” da Oi, por exemplo.


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Eles usam como base de corte um MDF, que, depois de sei lá quanto tempo de uso,
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não dá mais para usar. Essa placa de MDF, que deve ter pelo menos uns dois metros por
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dois metros, fica parecendo uma matriz de xilogravura. E é tudo feito pelo computador.
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Quem dirige o corte de qualquer coisa nessa máquina é o computador. Você olha aquilo e
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é uma maravilha: é só entintar e imprimir para ver o que sai. Lembra o trabalho do ameri-
cano Jasper Jones em que ele sobrepõe números e números.
Acho que aqui no Brasil nunca teve essa aproximação do artista com a indústria,
com a tecnologia. Isso é aqui uma coisa muito tímida. Existe pontualmente um ou outro
artista, um ou outro trabalho. Uma relação mais íntima, não há.

De volta à exposição “Impressões originais”, em relação ao trabalho dos expressionis-


tas, vocês colocam que estes artistas, através do trabalho artesanal, imprimem uma
subjetividade às suas matrizes. Gostaria que você falasse um pouco mais sobre esta
questão.

Isso é do Argan. Ele coloca que os alemães têm uma tradição atávica da gravura.
Desde as xilos do século XIV isso ficou arraigado na cultura deles. A questão da ilustra-
ção, da familiaridade com a imagem passa pela linguagem da xilogravura. No expressio-
177

nismo, quando eles queriam mostrar isso, não é que eles retomam isso, porque isso nunca
caiu, eles se apropriam da xilo e dessa atitude – porque no metal é a mesma coisa, na lito
também. É uma atitude, que é a veemência, deixar a marca, a expressão na matriz. É lindo
isso que o Argan coloca.

E é uma atitude que acaba contaminando a pintura.

Claro. Com o Iberê Camargo é a mesma coisa. O Iberê leva a atitude do metal para
a tela, para a pintura: ele pega o cabo do pincel e risca a tinta fresca para tirar, como se
tivesse riscando com a ponta, o verniz da chapa de metal. Ele deixa isso lá. Essa marca
fica. Ele a incorpora na pintura.

Nas gravuras expressionistas, o formato da madeira, a sua textura, os gestos do gra-


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vador, são indícios da subjetividade do artista, que naquele momento histórico estava
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sendo revelada. Hoje, sinto que, mais do que essa expressão subjetiva, o uso por parte
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de artistas de técnicas como a xilogravura, revela um confronto entre a materialidade


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que esses fazeres exigem e o processo de “desmaterialização” social, político e econô-


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mico vivenciado pela nossa sociedade.


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Em outras palavras, enquanto a produção de uma xilogravura envolve goivas de aço,


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placas de madeira, tintas, querosene, papéis, farpas, lixas, pó; um designer gráfico
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produz imagens e seus gestos limitam-se ao movimento ínfimo de seu dedo indicador
sobre o mouse, estas imagens são transportadas em discos lasers, pen drivers, ou cir-
culam em bytes, pela internet – de fato desmaterializaram-se. Como você vê esse con-
traste?

Que imagem é feita com o mouse? Você pode fazer qualquer imagem, você pode
fazer uma gravura expressionista no computador.
Não se pode confundir o meio e a mensagem. O computador, com todas essas faci-
lidades, é uma ferramenta nova. Elas não induzem necessariamente a um tipo de imagem –
de repente, podem até induzir, mas isso ainda não foi descoberto, não foi explorado. Para
mim isso é um veículo. Você vê de tudo no computador: imagens expressionistas, imagens
impressionistas, imagens resgatando propostas e poéticas de cem anos, de duzentos anos
atrás.
178

Uma vez, estava conversando com o Marcos Martins. Ele é um designer, foi pro-
fessor e está indo para Boston, fazer um doutorado. Eu dizia que achava inacreditáveis os
ícones que existem no computador. É quase que para débil mental. Tem um que é uma
Gioconda, do Leonardo da Vinci. O que são os pictogramas que você encontra ali? Como
é que uma tecnologia que se propõe a ser uma tecnologia de ponta utiliza um pictograma
como a ampulheta? Ampulheta! Gioconda! Na verdade, a pessoa que vai usar aquela fer-
ramenta, talvez nem saiba o que é uma ampulheta, nunca viu uma. Acho isso uma coisa
estranhíssima. Para mim é um retrocesso de inteligência muito grande.
Acho que há, ainda hoje, uma grande confusão de como se apropriar dessa ferra-
menta para ver que produto vai sair. Tenho visto vídeos de apresentação e DVDs com efei-
tos especiais que são ridículos. É uma coisa rasa: o efeito pelo efeito. Isso é uma coisa que
tem que ser muito bem pensada. Porque é perigosa, inclusive. Perigosa porque é algo que,
para o público, passa como se fosse um achievement, como se tivesse alcançado alguma
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coisa: “Olha o que eu fiz!”. E não há nada ali. O que há é a utilização de uma ferramenta. É
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como se o fato de se estar adestrando, utilizando e tirando proveito já passasse a ser bom. E
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não é bom. Não é nada. A pessoa só aprendeu. Qual foi o produto? Qual foi a proposta, a
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poética, ou a estética?
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O que, para você, está por trás do uso de técnicas que envolvem um fazer artesanal
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hoje em dia?
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Porque você acha anacrônico, é isso que você quer dizer?

O que eu quero dizer é que, para o discurso da arte contemporânea, a técnica deixa
de ser um meio expressivo para o sujeito, enquanto que, para os Expressionistas, ela
era expressão do sujeito. Penso que a madeira, hoje, deixa de ser um indício do sujei-
to e passa a ser um indício dela mesma, em contraste com uma desmaterialização e
mesmo uma superficialidade das imagens comumente veiculadas. Como, para você,
se colocaria o gravador, hoje em dia?

Acho que, na verdade, não se deve limitar ou delimitar a potencialidade da madeira


por conta de um momento em que estamos vivendo. Com isso está se diminuindo o poten-
cial inerente dela. Se hoje, a arte contemporânea passa por um momento que privilegia
179

outra imagem, outra forma de expressão, outros materiais, isso não aniquila obrigatoria-
mente aqueles outros.
Isso é uma questão de mercado e não de história da arte. E acho que é de se ficar
alerta. É um perigo achar que as regras de mercado são determinantes ou devem determi-
nar a história da arte. Daqui a vinte, trinta ou quarenta anos vai se perceber que não é as-
sim, porque o mercado vai mudar. Vai ser resgatado um tipo ou outro de atitude, como já
teve, ou vai aparecer um novo, que não se conhece. O que não se pode, hoje, é pensar em
excludentes, pensar em excluir coisas. Ao contrário: deve-se incluir. É a inclusão de tudo.
Acredito que isso começa numa situação social e política. Você tem que conviver com o
diferente, tem que saber que tem que lidar e tirar o melhor proveito disso. A mesma coisa
se dá na produção artística.
Acho que essa mentalidade é extremamente restritiva e limitadora. Tem que haver
limites. A pressão de mercado, de moda e de sei lá o que, é uma coisa, a história e o afluxo
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da arte, são outra.


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Além dessa utilização artística, paralela ou depois a essa utilização comercial, há


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também a utilização das técnicas de gravura por uma esfera da cultura popular,
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também, não é verdade?


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As técnicas de gravura foram, com certeza, usadas da forma mais erudita, mas há
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também uma forma popular de apropriação. Aqui no Brasil nós temos, no começo do sécu-
lo XX a gravura de cordel, que é uma tradição que vem da Europa. Ali, principalmente na
França, houve uma grande tradição desse tipo, nos séculos XVIII e XIX. A escola de xilo-
gravura popular francesa é uma maravilha. É uma xilogravura bem popular, bem estiliza-
da, mas que não chega a ser uma caricatura. Tem muitos santos, santinhos, ex-votos, cenas
históricas, retratos da nobreza. Tem um retrato de Pedro I a cavalo que é uma maravilha. O
cavalo é azul, para você ter uma idéia.
Mesmo já tendo a fotografia, a partir da metade do século XIX, a idéia, a imagem
gravada acompanha a mitopoética das pessoas.

Como é que você vê a receptividade da gravura no mercado contemporâneo?

Está um caos. (Risos). Ela está completamente... coitadinha. Há dois anos atrás, a-
chava que fosse um fenômeno próprio do Brasil, ou seja, um resultado de uma decadência
180

dos últimos tempos. Estive em Paris há, mais ou menos, um ano, um ano e meio atrás,
conversando com Pisa, que mora lá há cinqüenta ou sessenta anos, e ele falou: “Eu vou te
levar no ateliê em que eu imprimo, onde eu faço os meus trabalhos. É um lugar fantástico,
um ateliê do século XIX. As prensas e o espaço são fantásticos. O dono, o técnico, é bisne-
to de quem fundou. Mas, vamos logo, antes que acabe, porque quando comecei a trabalhar
lá, há cinqüenta anos atrás, tinham oito ou dez impressores, hoje tem dois: o dono e um
contratado. De todas aquelas prensas instaladas, hoje só tem uma funcionando”. Falei: “A-
qui, em Paris, não acredito!”.
Quer dizer, nós estamos em um momento difícil, mas eu não acho que isso seja
determinante. Penso que é uma circunstância, depois muda de direção. Aqui no Brasil, a
coisa é mais agravante porque aqui a mentalidade é excludente, então é mais perigoso. Na
Europa, nos Estados Unidos, existe uma tradição, uma cultura nas artes da produção do
múltiplo, a gravura. Essa tradição acompanha o trabalho do artista independentemente de
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qual é a produção dele, seja pintura, gravura, escultura ou instalação, sempre tem. Os ateli-
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ês existem, os artistas trabalham, produzem e há um mercado para isso. O mercado existe


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porque existe uma cultura, o que aqui não tem. Aqui, nós ficamos a mercê do mercado,
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pronto e acabou, é diferente.


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181

8.2
Entrevista com Marcos Varela – Rio de Janeiro, 24 de setembro de 2007

No Brasil, as técnicas gráficas foram implantadas de maneira praticamente simultâ-


nea, uma vez que esse processo se deu a partir da vinda da família real para o Rio de
Janeiro quando a litografia já estava se tornando popular em diversos países da Eu-
ropa. Como você vê a convivência destas diferentes técnicas no mercado gráfico do
Rio de Janeiro, no século XIX?

Uma questão interessante a ser pesquisada é a importância que a litografia teve,


aqui no Brasil, em relação às outras técnicas. Orlando da Costa Ferreira, em seu livro “I-
magem e Letra”, demonstra que, no Rio de Janeiro, durante o século XIX, há uma predo-
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minância da litografia tanto numa questão comercial, quanto ilustrativa. Em outros países,
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a xilogravura de topo teve um peso e uma importância muito maiores do que teve aqui.
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Do ponto de vista técnico, o topo é muito mais adequado à impressão da época,


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que era a tipografia. Ele é um processo tipográfico, por isso se adequa melhor ao texto na
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ilustração de um livro, de um jornal, de uma revista. Nos jornais do século XIX, no Rio, as
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caricaturas de um Bordallo de um Agostini eram impressas todas em litografia. Enquanto


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isso, um artista como o Daumier, na Europa, tinha muitas de suas ilustrações impressas em
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lito, mas tinha também seus desenhos gravados e impressos em matrizes de topo. Gustav
Doré foi outro autor que trabalhou muito com topo.
Por que o uso tão freqüente dessa técnica? Basicamente, isso se dá pela precisão e
minúcia que ela proporcionava – equivalentes às da litografia – e porque permitia a im-
pressão simultânea do texto e da imagem. A madeira, com a mesma espessura do tipo, ou
seja, da letra, permitia a impressão simultânea da imagem e do texto. No Brasil, entretanto,
esta técnica não teve um uso tão abrangente. São raros os exemplos do uso da gravura de
topo pela industria gráfica daqui.
Uma hipótese para explicar esse fato, me parece, é a dificuldade do trabalho do ar-
tesão. No Rio, a Imperial Academia de Belas-Artes formava desenhistas que eram aptos a
desenhar sobre a pedra. Você tinha técnicos litográficos, responsáveis pela gravação desse
desenho. Até mesmo o dono da gráfica poderia escrever de próprio cunho o texto, ou fazer
um desenho em um papel transporte e então decalcar estas imagens na pedra. Depois era
impresso o cartaz, ou o que quer que fosse. No caso da gravura de topo, fazia-se preciso
182

não só o desenhista mas também o gravador. Esse tinha a função de interpretar o desenho
em termos de gravação artesanal na matriz. Isso não era um processo puramente mecânico
como era o do técnico litográfico, era um negócio muito mais complexo.
Na gravura de topo a gravação era altamente especializada. Um artista como Gus-
tav Doré não era um gravador mas trabalhava com uma equipe de gravadores à qual, com
o tempo, foi atribuída uma importância equivalente a sua. Ele não pré-determinava as so-
luções gráficas. Por vezes chegava a desenhar em aguada, em lápis, ou em carvão. Eram
desenhos que continham sombreados... Ele desenhava diretamente sobre a madeira ou em
papéis que eram colados sobre esta; os gravadores interpretavam o desenho, a aguada, a
mancha de crayon em termos de gravação de topo. Isso exigia uma criatividade, uma in-
terpretação gráfica de formas, de manchas, de texturas; exigia uma elaboração técnica mui-
to grande por parte daqueles gravadores; exigia uma formação especializada. Essa é uma
questão que talvez tenha impedido o desenvolvimento da gravura de topo e ocasionado o
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predomínio maior da lito no Brasil. Mas isso, em todo caso, é uma suposição a ser pesqui-
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sada.
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Ainda assim, percebemos que o uso da gravura em metal e até da xilogravura de fi-
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bra se mantém mesmo com a popularização da litografia, a partir de 1830. Podemos


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dizer que cada uma destas técnicas tinha uma parcela do mercado própria?
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Pelo que eu conheça, uma técnica não substitui a outra. Cada técnica encontra seu
nicho de atuação. Duas circunstâncias são exemplares para esta questão. No caso da gravu-
ra em madeira, não necessariamente de topo, há o uso nos chamados “cabeções” dos jor-
nais. Estes seriam o que nós chamamos de logotipo, hoje, e eram gravados em xilo. Outro
exemplo é a aplicação da gravura em metal na impressão de mapas, no Arquivo Militar.
Nesse caso, esta técnica era utilizada em virtude da precisão e da possibilidade de reprodu-
ção muito grande.
Além disso, as pautas musicais, também, muitas vezes eram mais facilmente gra-
vadas em metal. Esta era uma gravação mais definitiva, aquela matriz era guardada poderia
ser reimpressa a qualquer momento. Cartões de visitas, igualmente, eram gravados a buril
em relevo, pelos chamados “abridores de chapa”. Essas impressões continham um relevo
seco ou entintado que era natural do processo e que não era obtido numa impressão litográ-
fica, por exemplo. Isto dava uma nobreza maior àquele impresso.
183

Muitas vezes o mesmo gravador fazia todos esses processos. Gravava em madeira,
em metal e na pedra. A história da arte tende a dar uma ênfase maior à imagem mas havia
uma ampla aplicação desses processos gráficos em outras parcelas do mercado.

Orlando da Costa Ferreira situa o desenvolvimento artístico da gravura em madeira,


em metal ou na pedra, em um momento em que elas já haviam perdido seu uso “inte-
ressado”, sublinhando uma resistência ao surgimento da figura de um peintre-
graveur durante todo o século XIX no Brasil. Por outro lado, os técnicos da industria
gráfica eram muitas vezes pintores, desenhistas, formados pelas academias... Até que
ponto nós podemos considerar “artístico” o trabalho destes homens?

Essa é uma questão que percorre toda a história da gravura e, de um modo geral,
toda a história da arte. A imagem gráfica sempre teve esses dois pesos, esses dois aspectos:
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uma função artística propriamente dita: a beleza em si da imagem; e seu lado prático. Isso
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se dá um pouco como quando você vê máscaras africanas, máscaras da Oceania nos mu-
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seus de arte, hoje. Originalmente estes objetos tinham funções religiosas, funções místicas.
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Tinham um emprego social pré-determinado. Hoje estas máscaras são admiradas e coloca-
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das em um museu como sendo uma obra de arte. São deslocadas de seu sentido original,
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do uso a que eram destinadas naquele povo, naquela época, naquele período, naquelas cir-
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cunstâncias. No caso da gravura, isso também ocorre. Toda a obra gráfica do Dürer, pelo
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que se sabe, era vendida em barraquinhas de feiras, como o cordel de hoje. Aqueles im-
pressos eram vendidos pela esposa dele como se fossem santinhos de igreja. Essa era sua
função original. Depois, até com uma rapidez muito grande, foi atribuída a estes impressos
uma função artística.
Sempre houve essa dicotomia, esses dois lados. Na realidade, trata-se de uma ima-
gem em si. Não as vejo como sendo duas coisas separadas, ou distantes. Quando nós ve-
mos uma ilustração, um cartaz na rua, um impresso, uma imagem qualquer, ela pode ter
uma forma tão boa que pode ser considerada uma obra de arte, melhor até que muita coisa
que vemos em um museu. Na gravura, esse aspecto se colocou de maneira muito presente
porque ela sempre teve a função de divulgação, de multiplicação da imagem. Então sur-
gem as questões: “é arte aplicada?”, “é arte utilitária?”. E vão se criando vários nomes para
distinguir uma coisa da outra, diferenciar o que é arte aplicada e o que não é, o que é me-
nos arte e o que é mais arte, colocando uma escala de valores que, na verdade, tem uma
importância relativa, pois varia com o tempo. Os cartazes de Toulouse-Lautrec, que na
184

época não tinham outro intuito senão o de vender uma mercadoria cultural, são hoje valo-
rizados porque foram feitos por este artista.
Rembrandt foi um artista que fez suas gravuras sem uma finalidade específica. As
fez pelo mero prazer estético, ou pelo prazer da técnica em si, de suas possibilidades. Ou-
tros autores faziam gravura com uma função mesmo direcionada, como Rubens, seu con-
temporâneo. Este contratava pintores que o auxiliavam em suas telas, pintando animais,
roupas, paisagens. O preço do quadro dependia de quanto havia sido pintado pessoalmente
por ele. Paralelamente, possuía um ateliê de gravura com gravadores responsáveis pela
reprodução de sua obra. Rubens supervisionava aquela atividade. Tratava-se, quase que
literalmente, de uma indústria gráfica. A intenção era simplesmente a divulgação daquelas
imagens: Quem não pudesse comprar uma pintura, compraria uma gravura em metal ou
em xilo que a reproduzisse. O que existe de obra gravada reproduzindo pinturas de Rubens
foi feito, muitas vezes, sob sua supervisão, em um sistema que, hoje, nós qualificaríamos
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como de uma empresa de reprodução de imagens. Mas, veja: Esse aspecto não desmerece
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aquele trabalho. Ele é feito sob outra intenção, mas isso não o desqualifica. Você pode dar
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um valor maior ou menor aos trabalhos do Rembrandt ou do Rubens, de acordo com um


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critério pessoal, mas, em termos de gravura em si, elas são equivalentes.


- Certificação

É sempre uma tarefa complicada colocar certamente a partir de que momento se dá


- Certificação

o uso artístico de determinada técnica gráfica. É uma questão de critério do historiador da


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arte, de quem está analisando aquele material. No meu ponto de vista, talvez possa ser feita
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uma distinção mais rígida no momento em que os processos de reprodução se tornaram


fotomecanizados. Na Europa, isso se deu na segunda metade, ou no último quartel do sécu-
lo XIX. Neste momento, observamos toda uma evolução da técnica de passagem das ima-
gens via fotografia para os processos tradicionais de litografia, metal e até xilogravura.
Arbitrariamente talvez nós possamos colocar esse momento como um ponto de ruptura:
um momento em que a gravura em si – com o gravador atuando manualmente sobre a ma-
triz e a imprimindo – seja considerada um trabalho livre e descompromissado.
185

8.3
Entrevista com Darel Valença Lins – Rio de Janeiro, 25/09/07

Darel, gostaria que você falasse um pouco sobre sua trajetória como gravador, seus
primeiros anos de aprendizado da gravura.

Se você reparar a sua volta vai perceber que estou fazendo desenhos, pinturas a
óleo, temperas... Não sou um artista como o Goeldi que foi um estrito gravador... Naquela
época convivi muito com Goeldi, durante onze anos. Mas Goeldi foi para mim um orienta-
dor no ponto de vista de filosofia de vida, dos princípios morais e de conduta do homem
com relação à arte e à vida, não em termos de gravura. Aliás, nunca fiz uma gravura em
madeira.
Descobri a litografia no final da década de 40, em 1948, 1949, mais ou menos.
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Nesta época, ela estava nos seus estertores. No Brasil, ela nunca havia sido feita artistica-
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mente. A gravura não foi feita para fazer arte, era vinculada estritamente à reprodução.
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Estava, inclusive, direcionada às camadas populares. Na Europa, esteve muito ligada ao


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cristianismo.
- Certificação

Conheci, naquela época, um litógrafo de uma gráfica chamada “Estamparia Co-


- Certificação

lombo”. Ela pertencia ao Raymundo Castro Maia. A Estamparia Colombo imprimia os


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rótulos para as latas de biscoitos Aymoré, cartas de baralho, e muitos outros impressos
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desse tipo. Depois, trabalhei para Castro Maia como diretor artístico da Bibliófilos do Bra-
sil. Eu orientava a parte técnica, escolhia os artistas e acompanhava a feitura dos livros.
Acredito que Goeldi tenha sido o único artista verdadeiramente expressionista bra-
sileiro. Ele escolheu a xilogravura como forma de expressão. Goeldi gravava ao comprido.
Para os expressionistas, e principalmente para Goeldi, os princípios morais do homem e-
ram algo sagrado. Ele era um sujeito extremamente rígido em relação a estes princípios.
Este é o espírito do movimento expressionista que surgiu na Alemanha na Primeira Guerra
Mundial. Os Expressionistas tinham uma alma generosa e uma rigidez moral muito gran-
de. Através de Goeldi eu tomei conhecimento das gravuras de Munch, não apenas de suas
xilogravuras, como de suas litografias. Soube, então, que havia uma gravura em madeira,
que era uma forma de fazer arte. Nessa época, tinha uns vinte e três, vinte e quatro anos.
Com Goeldi eu comecei a tomar conhecimento de que a gravura poderia ser utilizada co-
mo forma de arte. Fui fazer gravura em metal no Liceu de Artes e Ofícios, que ficava nu-
ma velha casa do século XIX, na Avenida Rio Branco.
186

A primeira gravura em metal que eu fiz, foi em 1948. No Liceu aprendi a gravar
em metal, com Henrique Oswald, filho de Carlos Oswald. Havia ali prensas de litografias,
inclusive elétricas, prensas enormes de dois por três metros, mas que não eram usadas co-
mo arte. Anteriormente estas haviam sido utilizadas para reproduzir cartas de baralho, ró-
tulos... Aquilo era uma estamparia comercial... Os clientes chegavam e encomendavam um
rótulo de garrafa de vinho, por exemplo. Os desenhistas compunham aquele rótulo em
pedra. As prensas Krause, que nós vemos hoje nos ateliês eram chamadas “prensas de pro-
va”. Os litógrafos primeiro desenhavam as matrizes, depois tratavam esta pedra, aplicando
breu e jato de fogo em cima para que este breu derretesse, de modo a estabilizar aquela
imagem. Era uma técnica muito tradicional, que vinha desde o século XIX. Naquela época,
a litografia havia sido amplamente utilizada como forma de reprodução industrial.
Até as primeiras décadas do século XX, esta técnica foi exercida desta maneira tra-
dicional, utilizada como forma de reprodução de imagens. Genaro Louchard Rodrigues,
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pai do Guilherme Rodrigues, era um desses litógrafos de antigamente. Na época em que eu


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freqüentei o Liceu, porém, esta oficina já não estava mais em atividade. Os processos foto-
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mecânicos já eram amplamente aplicados e já haviam tomado todo o mercado comercial.


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A litografia já não atendia a imensa demanda por impressos.


- Certificação
- Certificação

Acredito que o artista sempre encontra um meio de se expressar, rompendo com o


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entendimento puramente comercial de determinada técnica. Desta maneira, surgiram litó-


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grafos como Goya, Lautrec, Munch, Bonnard... As litografias de Lautrec eram cartazes e
eram feitas conforme a indústria gráfica da época: uma forma amarela era sobreposta por
outra, vermelha e ocasionava numa forma laranja.
Comprei, então, uma prensa Krause e instalei em um atelier na Lapa. Comecei a
aprender a fazer litografia com os litógrafos e estampadores da Estamparia Colombo e com
Genaro Rodrigues, que foi muito importante para esse meu aprendizado na época. Ele co-
nhecia muito sobre litografia e me explicava como se davam os procedimentos técnicos.
Além do Genaro, outro técnico litógrafo quem aprendi muito foi um sujeito chamado Ba-
calhau. Com eles, aprendi a forma tradicional de fazer litografia.
Munch, na Europa, fez litografia artística, mas não conseguia fazer uma tiragem
maior que seis, porque as imagens “fechavam”. Ele não fazia os procedimentos de uma
forma profissional. Levei a prensa para o meu ateliê e comecei a lutar par fazer litografia.
Minha grande preocupação era conseguir fazer grandes tiragens. Mas eu não tinha merca-
do para fazer grandes tiragens e, uma litografia que tivesse doze cores, necessitaria de doze
187

pedras, cada uma com uma forma de cor. Isso era o que eu aprendia na Estamparia Co-
lombo e com Genaro. Aquilo para mim, era um absurdo, não dava para ser feito.

Um pouco mais tarde, pedi ao Campofiorito, um espaço na Escola Nacional de


Belas Artes para ensinar litografia. Não fazia questão de estar vinculado àquela escola,
nem de receber honorários. Não pretendia ser professor e, além disso, era muito idealista,
talvez por influência de Goeldi, mas talvez por um instinto pessoal.
Comecei a dar aulas na Enba. Anna Letycia, Quaglia e muitos outros que se torna-
ram importantes gravadores foram meus alunos naquele atelier. Eu me afastava daquele
processo de trabalho industrial que havia aprendido. Advogava o ponto de vista de fazer a
litografia como arte. Estava mais próximo ao comportamento do Munch, como gravador.
As minhas impressões iam apenas até a oitava cópia, também. Mas eu gostava da expres-
são daquela técnica, do negro que ela possibilitava. Na Enba, eu ensinava o princípio da
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litografia como arte, mas nós não conseguíamos fazer, nem litografia em cor, nem grandes
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tiragens.
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Um amigo meu, chamado Del Vitor, que era escritor, havia escrito um livro cha-
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mado “Círculo de Giz” e queria publicá-lo. Eu fiz as ilustrações para esta publicação arte-
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sanal e imprimi, pela primeira vez, cem cópias de uma imagem. Eu gravei da forma tradi-
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cional e imprimi as cem cópias a mão, na prensa Krause. A única maneira pela qual eu
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conseguia fazer grandes tiragens era aquela maneira que Genaro me ensinou, conforme a
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litografia industrial praticada no século XIX. Desta forma, fiz o livro “Círculo de Giz” à
maneira que os estampadores faziam as cartas de baralho. Em 1956, se não me engano,
saiu uma reportagem do Ferreira Gullar sobre esse trabalho que foi, de fato, uma empreita-
da pioneira da litografia artística aqui no Brasil.

Como você conheceu Goeldi?

Conheci-o em um atelier livre que havia na Praia Vermelha. Este espaço, onde hoje
é o Pinel, havia sido cedido pelo ministro ao pintor e escultor Bruno Giorgi para que ele
usasse como estúdio. Ali se reuniam muitos artistas como Iberê Camargo, Francisco Stoc-
kinger, Lívio Abramo e Goeldi. Durante muito tempo, eu ia a sua casa, no Leblon, conver-
sar com ele.
Um artista que Goeldi admirava muitíssimo era o austríaco Kubin, um
grande desenhista. Certa vez, eu levei alguns desenhos para mostrar ao Goeldi. Ele, que era
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muito rigoroso, pegou os desenhos e disse assim: “Isto é Kubin. Isto é Kubin. Isto é Kubin.
Isto é Darel”. E, em seguida: “Darel, você não precisa mais de Kubin!”. Eu rasguei todos
aqueles e pus-me a fazer o meu desenho, usar a minha caligrafia – boa ou má.
Goeldi dizia uma coisa muito interessante e verdadeira: “o desenho tem uma cali-
grafia”. Quer dizer, a riqueza da caligrafia é que faz um bom desenho. Cada um de nós tem
uma caligrafia própria. “A caligrafia é que faz um bom desenhista”, dizia Goeldi.
As gravuras de Goeldi, por sua vez, também não eram tiradas de uma forma tradi-
cional. Algumas, de fato, podem ser consideradas mais uma monotipia do que uma gravura
em madeira. Como disse, certa vez Santa Rosa: “a obra de Goeldi é um auto-retrato”. Ele
vivia em um estado de pobreza muito grande e gravava, realmente, aquilo que estava den-
tro da alma dele. Este era um princípio próprio da estética expressionista.

Como foi sua experiência na Europa? Os artistas trabalhavam com litografia ali?
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Você chegou trabalhar com esta técnica durante seu tempo de viagem?
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Na década de 50, quando ganhei o Prêmio de Viagem ao Exterior, fui para Viena.
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Lá, havia uma grande oficina de litografia no Kunchtondbe Museum, onde eles tinham
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uma grande prensa. Fui com a intenção de aprender litografia. Achava que não conhecia
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esta técnica o suficiente. O professor responsável por este ateliê era um austríaco. Nós nos
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comunicávamos em italiano. Ele me disse: “Você não tem nada o que aprender sobre lito-
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grafia. Você já sabe litografia!”. Claro que ele se referia à litografia tradicional, mas eu
estava interessado em uma outra abordagem. Fui, então, para Roma. Na época havia artis-
tas que publicavam seus trabalhos em litografia e estas tiragens me deixavam enlouquecido
porque ultrapassavam as quinhentas provas. Picasso, nesta época, também editava grandes
tiragens em litografia. Chegando em Roma, fui procurar quem responsável por estas tira-
gens. Este era o professor Castelli. Ele possuía uma estamparia própria. Fui conversar com
ele e fiquei surpreso.
Eu disse que estava interessado em fazer uma tiragem de cem copias em litografia
colorida de um desenho a pastel que havia levado. Ele me cobrou 500 dólares pelo traba-
lho. Isso naquela época era muito dinheiro. Era todo o prêmio que eu havia recebido. Mas
eu via as litografias daqueles artistas, com doze, quinze cores e ficava abismado. Queria de
qualquer maneira saber como era. Disse: “Tudo bem. Vamos fazer a litografia.”. Ele, que
era um sujeito grande, gordo, disse: “O Sr. me dá 200 dólares de adiantamento...”. Eu per-
guntei: “Quando começaremos a trabalhar?”. E ele respondeu: “Ah, não. Você deixa esse
189

desenho aqui, eu vou pensar como reproduzir este desenho, usar “tudo aquilo que for ne-
cessário, pois a litografia do oitocestos não me interessa nem um pouco”. Ou seja, ele iria
usar fotolito, silk-screen, litografia... Então, as litografia que ele fazia para aqueles artistas
eram uma mistura de técnicas enorme, que lançava mão inclusive do fotolito. Assim, ele
fazia litografias com vinte cores, em tiragens enormes... Aquilo tampouco me interessava!
A litografia que eu pensava que ia encontrar na Europa, não existia! Quando o aus-
tríaco me disse que eu não tinha nada a aprender em litografia, ele se referia àquilo que o
Senefelder havia descoberto, ou seja, à litografia industrial, o que o Bacalhau sabia. Mas o
professor Castelli não me ensinou o que eu queria saber sobre litografia, porque o que ele
utilizava não era uma litografia pura. Eu, com a influência que tinha de Goeldi, achei aqui-
lo um absurdo. “Isso é um blefe!”, pensei.
Depois disso, eu parei de desenhar e de pintar e fiquei um ano sem fazer trabalho
nenhum de arte. Viajei por diversos países da Europa, conheci diversas cidades e, em Bo-
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lonha, eu conheci Morandi. Ele, por uma questão de economia, gravava em zinco. Um
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amigo meu, que era ex-aluno dele, Manfredi, falou para o Morandi que eu era um brasilei-
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ro que estava interessado em prensas de gravura em metal, o que não era verdade. O que
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eu queria era conversar com aquele grande artista, pois me encontrava numa situação de
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completa impotência criativa.


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Ele era muito tímido, um sujeito difícil de conversar, mas todos os domingos eu
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passei a encontrá-lo. Ele morava em um pequeno apartamento. Apesar de reconhecido, não


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era um homem rico. Nesses encontros houve uma situação muito curiosa. Na época havia
uma grande polêmica em torno do Tachismo em Roma. Alguns defendiam os trabalhos
figurativos, outros os não-figurativos e havia grandes discussões. Num desses debates, um
defensor do tachismo gritou para um adversário: “Arranque este bigode da sua cara!”. Ou
seja: deixe de ser primário, nós não estamos mais na época de usar bigodes. Eu levei esta
problemática para Morandi, que era um figurativo, pois eu vivia um dilema nesta época.
Ele me disse: “precisamos reencontrar a confiança na natureza”. Nós estávamos diante de
uma janela, onde víamos umas árvores. Eu perguntei: “Nesta que nós vemos?”. Ele res-
pondeu: “Não na que vemos, mas na que acreditamos”.
Compreendi, então, que uma maçã de Cézanne é uma maçã-pintura, ali dentro tem
toda uma forma de expressão abstrata. O que faz de Rembrandt, de Cézanne, de Morandi,
de Renoir, de Lautrec grandes artistas é essa compreensão da abstração da expressão figu-
rativa. Desse momento em diante foi que eu voltei a desenhar. Depois disso é que veio
190

minha série sobre as cidades. Fiz algumas gravuras e desenhos realmente abstratos, apenas
com linhas...

Como foram as primeiras experiências com a litografia colorida?

Consegui trabalhar de forma mais livre com as cores em litografia graças a um


rapaz que havia vivido durante onze anos em Los Angeles. Chamava-se Otávio Pereira.
Ali, ele aprendeu uma forma de aplicar cor na litografia com apenas duas ou três pedras.
Otávio foi quem trouxe para o Brasil a técnica chamada rainbowed e outras com as quais
nós, com poucas pedras, obtíamos uma infinidades de cores. Nas décadas de 70, 80, muita
gente na Imago, em São Paulo, fez litografia colorida desta maneira.
Ao vir para o Brasil, ele tentou fazer uma estamparia no Leblon, junto com Anto-
nio Grosso, mas que não durou muito tempo. Depois tentou fazer em São Paulo, mas no-
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vamente a coisa não engrenou. Finalmente, Élcio Motta, que era um sujeito com um gran-
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de tino comercial, comprou dele o material litográfico, contratou-o, e com o conhecimento


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de Otávio passou a editar trabalhos em litografia para vários artistas.


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Nesse momento, a Imago, naquela cidade, a Lithos, no Rio de Janeiro, e todos os


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outros ateliês particulares e institucionais que foram surgindo realizaram uma inovação
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muito grande na litografia. Esta técnica passou a ser cultivada por artistas, de maneira mais
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espontânea que aquela rigidez técnica toda que o uso industrial pregava. O Otávio Pereira,
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trazendo sua experiência de fora do Brasil, foi um sujeito fundamental no começo dessa
renovação.
De fato, os artistas foram responsáveis por grandes inovações técnicas na história
da gravura. Vejamos o seguinte: A água-tinta foi descoberta pelos ingleses, que escondiam
aquela formula. Rembrandt, quando queria dar uma camada de cinza numa superfície,
simplesmente deixava menos limpa aquela parte da matriz, porque ele não sabia fazer á-
gua-tinta. O artista tem que se virar. Outro exemplo é o Piranesi. Eu estive com as suas
chapas na Calcografia de Roma. E era um grande mistério para mim, como ele conseguia
abria linha tão grossas em água-forte. Então eu descobri: no interior nas linhas gravadas,
ele gravava a ponta-seca, de modo que a tinta ficasse retida ali e não saísse no momento
em que ele limpava a chapa para imprimir. O artista é sempre um ser inventivo e, usando
as palavras de Goeldi, o que um artista inventa não servirá para outro artista, apenas para
ele.
191

8.4
Entrevista com Guilherme Rodrigues e Gláucia Altmann, da Lithos Edições
de Arte

As entrevistas foram realizadas nos dias 4 de maio, 21 de junho, 26 de julho e 1º de


agosto de 2007 na Lithos, na Rua Professor Gabizo, Tijuca. No terceiro encontro, Gláucia
Altmann, irmã de Guilherme apareceu no atelier e, naturalmente, gravou sua participação
que está aqui registrada.
Posteriormente, editei o material gravado, organizando-o em três partes: uma pri-
meira, em que temos uma apresentação e a história e tradição técnica da Lithos Edições de
Artes; uma segunda, em que se aborda a experiência atual com o CTP e uma terceira, em
que são colocadas questões analíticas sobre a proposta daquela oficina.

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Gostaria que você falasse um pouco sobre a proposta da Lithos Edições de Artes.
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Minha escola vem da indústria gráfica. Embora tenha feito um curso de ouvinte na
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Escola de Belas Artes, tudo o que eu aprendi sobre artes gráficas foi com o meu pai. Ele
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foi cromista litógrafo da indústria gráfica, que, na época, era a litografia. Até o começo do
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século passado, quando houve uma evolução muito grande na indústria gráfica, tudo era
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feito em litografia. Quando foi implantada a retícula fotográfica, com as quatro cores que
reproduziam a imagem através da fotografia, o cromista litógrafo, que fazia aquilo manu-
almente, parou de desenhar.
Meu pai aprendeu a preparar a tinta com um suiço que foi professor dele em Belém
do Pará. Todos os dias, ele tinha que chegar ao ateliê antes do professor para preparar a
tinta. Ele depositava um bocado de tinta pastosa nas bordas de um pires, colocava um pou-
co de água no centro e, girando aquilo, ia dissolvendo gradualmente a tinta na solução, até
ficar no ponto ideal para o trabalho. Meu pai dizia que, quando não fazia direito, o alemão
dava-lhe uns tapas no pé do ouvido! Depois, eu tive que fazer isso para o papai. Ele não
me dava os tapas que levou, mas, caso eu me distraísse do trabalho, me dava uns puxões de
orelha contra os quais eu, com aquela tralha na mão, não podia me defender! (Risos).
A indústria litográfica, desde sua origem, tinha as seções subdividas. Havia o dese-
nhista litógrafo, o transportador... Este preparava a pedra e transportava o desenho para
uma pedra maior que iria ser impressa na máquina plana litográfica, como a Marinoni que
192

nós temos aqui. Além destes, havia o impressor, que tinha que tocar o trabalho, do início
ao fim, dentro daquela qualidade que foi tirada na prova pelo transportador. O transporta-
dor tirava a prova na prensa Krause. Esta nunca foi prensa de fazer tiragem, sempre foi
uma prensa de prova e de transporte. Outra figura importante era o ponçador, que prepara-
va as pedras litográficas para o gravador. As pedras deveriam ser preparadas com diferen-
tes texturas, variando da mais porosa à completamente lisa dependendo do tipo de utiliza-
ção: desenho a lápis ou crayon; desenho a bico de pena, ou gravação a buril.
Durante o século passado houve a substituição da pedra pela chapa de zinco e de-
ram a isso o nome de “zincografia”. Do zinco, houve a transição para o alumínio. Depois,
para a chapa preparada para receber a fotografia, primeiramente feita com albumina – ou
seja, clara de ovo, e uma parte de bicromato de amônia, que misturadas dão uma substân-
cia sensível à luz – em seguida substituída pela chapa pré-sensibilizada. Todos estes são
um processo químico: primeiramente feito na pedra, depois na chapa de metal; enquanto a
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gravação passou a ser feita através da camada foto-sensível preparada nos estúdios para ser
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impressa em prensas off-set. Agora, nós temos o CTP, computer-to-plate, que leva a ima-
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gem diretamente do computador para a chapa.


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Porém, quando Senefelder, lá atrás, descobre a litografia, diz que inventou o pro-
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cesso químico. Ele chamou de litografia por causa do calcário, que ele estava pesquisando.
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Na verdade, o processo litográfico engloba todos esses processos subseqüentes. Até hoje,
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mesmo no off-set, funciona da mesma forma. O processo se baseia na incompatibilidade


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entre água e gordura. Às vezes fico bobo: vou ver máquinas moderníssimas, que impri-
mem com oito castelos de cor, e lá está a água. Só que agora sofisticaram: a água é gelada.
Mas é ainda: água e gordura. Por isso eu digo que ainda é litografia.
A nossa escola, aqui, sempre foi dar aos artistas o conhecimento técnico que nós
temos da indústria litográfica, mesmo na serigrafia; pois, aparte o momento da impressão,
na serigrafia, não muda muito o nosso sistema de trabalhar: em ambas nós trabalhamos a
partir do processo de seleção de cores conforme realizado na antiga indústria litográfica.

Quando se deu a iniciação de vocês artes gráficas?

Entre 1968 e 1972, mais ou menos, nós tivemos o atelier no Museu Histórico Na-
cional. Em 1964 eu tinha dezoito anos. Mas antes disso, eu já trabalhava com papai e meus
irmãos também. Nós já trabalhamos com papai quando ela atuou como orientador técnica
para Raymundo Castro Maya, antes do atelier do Museu..
193

Quando nós éramos pequenos, papai já nos mandava limpar pedras litográficas. Na
verdade eu não me lembro de outra coisa na minha vida que não seja trabalhar com artes
gráficas. Houve uma época em que eu queria matar meu pai! (Risos). Imagina você: eu
tinha dezesseis anos, meu pai desmontou um prensa Marinoni dessas completamente e
mandou eu lixar peça por peça, até retirar completamente a pintura antiga, para depois
pintar de outra cor. Eu passei mais de um mês lixando aquela prensa toda! Hoje eu agrade-
ço, pois graças a isso sei montar e desmontar essa máquina livremente. Ela é muito bruta,
mas, ao mesmo tempo, muito sensível: se o rolo se deslocar um pouquinho para o lado dá
falhas na impressão. Gláucia se especializou na parte de gravação de matriz. Genaro e eu
aprendemos tudo sobre impressão.

Vocês tiveram uma oficina no Museu Histórico Nacional. Como foi montado este ate-
lier? Que trabalhos foram feitos ali?
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Quando nós montamos a oficina no Museu Histórico Nacional, o diretor do serviço


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de restauração do Museu era o professor Del Negro. Quem pediu pra ser cedido um espaço
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para instalar o ateliê, foi o Renato Soeiro, que era presidente do Patrimônio Histórico, na
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época.
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Neste atelier nós fizemos a reimpressão do Mapa Architectural da Cidade do Rio


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de Janeiro. As matrizes deste trabalho foram encontradas lá no Museu. O trabalho come-


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çou em 1969 e foi até 1971. Quando nós o fizemos, o Patrimônio deu um voto de louvor
na ata de uma reunião. Isso deve estar ainda contido em uma das atas do Patrimônio Histó-
rico daquele ano. É claro que ninguém instalaria um ateliê no Museu sem ter uma autoriza-
ção para isso, também. E, veja bem, a gente estava entrando, nessa época, na barra pesada
da ditadura.
O Museu estava em reforma. Seu diretor era um comandante da marinha. Chama-
va-se Comandante Leo Fonseca e Silva. Quando foi solicitada e cedida a sala para a ofici-
na, não havia espaço no Museu para instalá-la. O Comandante, então, pegou um quadro
daqueles grandes que estão no Museu – a “Batalha do Riachuelo”, de Victor Meireles – e o
arrastou cinco metros para frente. O quadro ocupava toda a parede de fundo de uma sala
do Museu, que tinha oito metros de comprimento pela altura do pé-direito. Com o quadro
ele criou uma parede! Naquele vão, nós instalamos o ateliê.
A janela dessa saleta dava para o pátio interno dos canhões. Havia um espaço for-
mado entre o fundo da sala e o fundo do quadro. Mas, como se chegaria àquele lugar? Pen-
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saram: “Vamos fazer uma porta nessa parede, porque ela vai dar no ambulatório”. Nessa
época o Museu tinha um ambulatório, com enfermeira, médico, etc. Imaginou-se que, fu-
rando essa parede, se abriria uma entrada através dele. Quando o fizeram, no entanto, des-
cobriram que entre aquela sala e o ambulatório havia uma outra sala, que estava fechada.
Era um buraco. E ali dentro estava uma das pedras litográficas do Mapa! (Risos).
Portanto, uma das pedras do Mapa Architectural da Cidade do Rio de Janeiro foi
achada, por acaso, por nós.
Ela estava presa naquele vão, toda suja de cimento. Deve ter ido parar ali durante
alguma reforma, na qual fecharam aquilo daquela maneira. As outras estavam no Museu
mesmo, embaixo, logo na entrada, onde há um arco. Ali dentro havia um grande salão on-
de grande parte do acervo estava guardada durante as obras.
Fizeram, então, uma outra porta que levava dessa saleta para o ambulatório, final-
mente. Testemunhas disso, que foram lá várias vezes, são Ricardo Cravo Albin e Thereza
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Miranda. Estiveram ali também Pedro Nava, Afonso Arinos, o arquiteto Henrique Min-
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dlin, o Aloísio Magalhães, criador da ESDI. O Aloísio teve, inclusive, uma litografia im-
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pressa nessa oficina.


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O Conselho de Cultura e o Patrimônio Histórico aprovaram a restauração e a edi-


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ção do Mapa e deram uma verba para a reimpressão. A verba, entretanto foi dada com uma
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condição: O Coronel de Brasília, deu trinta dias para que fosse feito o trabalho ou devolvi-
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do o dinheiro. Aí, nós ficamos com medo. Esse foi um trabalho que levou um ano e meio
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sendo feito e nós sabíamos, então, que seria uma tarefa demorada. Não aceitamos essa
condição do Patrimônio. Quem financiou realmente o trabalho foi o arquiteto Henrique
Mindlin, que faleceu em 1971, sem vê-lo pronto.
O Mapa, desenhado por Rocha Fragoso, em 1874, não apenas como trabalho gráfi-
co, mas como trabalho de arquitetura – e isso dito por Lúcio Costa, Oscar Niemeyer – é
um negócio espetacular. São fachadas rebatidas numa escala de 1/800, as duas fachadas
das ruas. Imagina você, o sujeito desenha número de casa, linha de bonde, enfim, todo esse
trabalho que foi passado, depois, para um gravador. Essas pedras são gravadas a buril!
Imagina um gravador ter de fazer um trabalho desses sem poder errar nem um milímetro,
por causa daquela escala! Veja você que naquele mapa há pessoas desenhadas sentadas no
banco, com cachorro do lado e guarda-chuva! Ele levou, se eu não me engano, três anos
fazendo esse trabalho.
Quando nós descobrimos isso, não sabíamos o que era. Mas também o que nós en-
contramos foi apenas uma das pedras, ou seja, uma parte de um mapa. Então, nós chama-
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mos Pedro Nava para ver o que era aquilo. Afonso Arinos e Henrique Mindlin foram com
ele. Lembro-me direitinho do Nava com a mão na cabeça dizendo: “A planta do Fragoso!”.
Nós funcionamos no Museu pelo menos durante três anos. Esse foi, com certeza, o
trabalho mais importante e também o mais demorado que nós fizemos naquele atelier. A-
lém deste, outra coisa importantíssima que nós fizemos ali foi o “Pôster-poema”, com os
poetas Mário Lago, Reinaldo Jardim, Gian Calvi, Heitor Humberto de Andrade. “Pôster-
poema” eram os poemas e as ilustrações impressos em uma mesma folha. Na ocasião da
oficina no Museu, papai ainda era bem ativo.

Quando surge a Lithos Edições de Arte? O pai de vocês chegou a trabalhar aqui?

Nós viemos pra cá em 1971, logo depois da morte do Mindlin. Em 1973 nós fun-
damos a Lithos, mas antes nós já estávamos aqui.
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Lá atrás havia dois quartos. Nós os alugamos. Trabalhávamos com uma prensa de
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mão. A prensa elétrica que nós tínhamos ficou guardada em um depósito, porque nós não
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tínhamos espaço aqui pra ela. Em 1974, nós já estávamos na casa toda. Mas antes um pou-
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co o papai adoeceu. Eu o trazia aqui, aos sábados, aos domingos... O papai teve uma doen-
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ça de esclerose muito triste porque, eu acho, ele entendia o que nós falávamos mas não
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conseguia se expressar. Quando ele vinha aqui, via algum trabalho e ficava muito nervoso,
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apontava agitadamente para as coisas, como se estivesse vendo um erro. Mas ainda assim
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ele gostava de vir aqui. Eu dava pra ele material de desenho, mas ele já não tinha coorde-
nação. Ele faleceu em outubro de 1974.

Como eram divididas as tarefas na época em você e seus irmãos Genaro e Gláucia
trabalhavam aqui?

Genaro cuidava da parte de impressão. Gláucia cuidava de toda a parte de seleção


de cor, tanto da litografia, quanto da serigrafia e eu fazia mediação entre essa parte técnica
e os artistas. Havia artistas, como Scliar, por exemplo, com os quais nós combinávamos as
cores pelo telefone! O Carybé chamava a Gláucia de “Santa Feiticeira da Casa”.O Ziraldo
a chama de outra alcunha engraçada e a mim de “Cafetão de Irmã” (risos). Ela é muito
respeitada no meio desses artistas todos. É uma técnica. Na maioria das vezes, é quem re-
solve o problema do artista. Porque, às vezes, virando o papel, você resolve uma falha que
estava dando na impressão.
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Em um final de semana, em 1986, meu irmão decidiu parar de trabalhar. Foi embo-
ra e eu comprei a parte dele. Gláucia ficou comigo. E continua. Houve apenas que nosso
ritmo de produção diminuiu. Nós estamos precisando descansar um pouco também.

Gláucia, gostaria que você falasse um pouco sobre a origem da Lithos, sobre seu tra-
balho aqui e sobre seu aprendizado com seu pai.

Gláucia: Sempre estive mais próxima da parte de seleção de cores. Tanto na litografia,
quanto na serigrafia. Os artistas – pintores e desenhistas – normalmente não dominam essa
parte técnica específica da litografia e da serigrafia. Não sabem preparar o filme, posicio-
nar uma cor sobre a outra para preparar a sobreposição delas. É complicado para um artis-
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ta, por exemplo, fazer uma seleção de dezoito cores para uma gravura.
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Guilherme: Acho que há uma diferenciação entre os artistas com os quais trabalhamos.
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Existem alguns, como o Scliar, que conhecem gravura profundamente, têm intimidade
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com as artes gráficas...


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Gláucia: O Scliar trabalhava diretamente sobre o filme da serigrafia.


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Guilherme: Outros artistas exigem o trabalho da Gláucia, que, através de um estudo pre-
parado por aquele artista, ou de uma fotografia, executa a transposição daquela obra para a
serigrafia, ou para a litografia. Este é um trabalho técnico, o qual, os artistas, naturalmente,
não dominam. É um trabalho que exige uma experiência enorme.

Gláucia: Eu, por exemplo, jamais seria capaz de fazer o que meu pai fazia: a perícia, a
delicadeza e o rigor que compunham aquelas impressões maravilhosas, de não sei quantas
cores. Aquilo era uma outra época. Papai tinha um amigo, o Sr. Machado, que gravava a
buril sobre a pedra, para fazer impressões comerciais: cheques, títulos de banco...

Guilherme: O tempo era outro: eles, às vezes, levavam seis meses preparando um desenho
para fazer uma caixa de charutos.
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Gláucia: As litografias que nós fazemos aqui, também bastante trabalhosas, são, em com-
paração com estas, menos rigorosas, mais livres, mais ágeis. Não desenhamos mais aque-
las letras que eram, antes, feitas por caligrafistas, profissionais especializados nessa tare-
fa... Naquela época, cada pedra era trabalhada por diversos profissionais. Havia um que
fazia a caligrafia, outro que preparava os cromos. Eles iam passando as pedras de um para
outro.

Guilherme: Havia um apetrecho interessante, próprio da industria gráfica, que nosso ir-
mão Genaro, se não me engano, vendeu para o Antonio Grosso, quando saiu daqui. Era um
bastidor de madeira que emoldurava uma película de borracha menor. Entre a borracha e o
quadro, havia uma folga. Fazia-se a impressão de uma pedra sobre aquela borracha e de-
pois se esticava seus lados até o limite do quadro. Com este aparelho, aqueles homens fazi-
am as ampliações das imagens! Era possível ampliar uma imagem ao dobro de seu tama-
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nho original, e decalcá-la depois em outra pedra.


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Gláucia, quando você começou a trabalhar com o pai de vocês?


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Gláucia: Desde crianças nós víamos papai trabalhar. Na casa onde morávamos, na qual
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nós nascemos, na frente, ficava o estúdio de fotolito que papai montou. Era na Rua Lúcio
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de Mendonça, aqui na Tijuca. Ali, ele gravava filmes para diversas gráficas do Rio de Ja-
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neiro, em uma época em que o fotolito estava ainda começando a ser difundido na cidade.
Eu morei nessa casa até ter uns dez, onze anos.

Guilherme: Quem era sócio do papai, nessa oficina era o Sr. Machado, que foi diretor
técnico da Gráfica Lord. Ele faleceu também. Era muito bom profissional. Machado gra-
vava apenas em preto e branco, enquanto papai era cromista.
Houve, nessa época, a passagem das matrizes de pedra desenhadas para a fotogra-
fia. Eles, então, montaram o fotolito. Na década de 30, papai montou a oficina litográfica
no Ministério da Educação. Nesta oficina foi feita uma série grande de gravuras do Porti-
nari. Em 1939, Portinari fez uma exposição nos Estados Unidos e levou para lá estas lito-
grafias. Nós estamos com um projeto de reeditar estas gravuras. Em 1946, quando nasci,
papai já havia saído do Ministério da Educação.
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Gláucia: No Ministério da Educação, papai tinha uma oficina para trabalhos comerciais
em litografia. Porque, nessa época, a litografia era ainda utilizada para reprodução de ima-
gens. Ali era atendida toda a demanda gráfica do Ministério.

Guilherme: Mas o velho já tinha a idéia de fazer trabalhos mais elaborados, com uma
concepção mais artística. Gustavo Capanema era o ministro. Aquela foi uma época de
grande revolução cultural no Brasil. Afonso Arinos, Rodrigo de Melo Franco de Andrade e
Carlos Drummond de Andrade faziam parte do gabinete. Drummond e Rodrigo convida-
ram papai para montar essa oficina no Ministério da Educação. Mais tarde, todas as ofici-
nas dos órgãos públicos se incorporaram à oficina da Imprensa Nacional. Papai chegou a
trabalhar na Imprensa Nacional, mas saiu, dizendo que ali não era possível fazer o trabalho
que ele estava fazendo no Ministério.
Logo depois disso, ele montou o ateliê na Rua Lúcio Mendonça. Mas, eu não sei
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muito bem por que, não durou muito tempo.


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Gláucia: Papai não era um empresário. Era um artesão-artista. É difícil, para um artista,
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comandar uma firma. Entre 1949 e 1952, papai montou o “Estúdio Gráfico Brasil”.
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Guilherme: Esta era uma gráfica propriamente dita, que trabalhava com prensas de off-set
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e fotolitos gravados fotograficamente. Quando papai fundou o Estúdio Gráfico, poucas


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eram as gráficas do Rio de Janeiro que possuíam máquinas off-set.


Quem esteve aqui, há alguns dias, foi o Albin Aizen, filho do Adolfo Aizen, da
EBAL, “Editora Brasil América”. Eles não tinham máquinas que imprimissem colorido. A
EBAL editava revistas em quadrinho e quem imprimia as capas era o papai. Eu me lem-
bro, então, de ganhar uma porção daquelas revistas. Isso foi nos anos 50. Eu me lembro de
ir nesta oficina. Ali, foram impressos diversos trabalhos para o Instituto Brasileiro de Edu-
cação Ciência e Cultura.
Depois, saímos de lá e alugamos algumas máquinas de off-set da Gráfica Auriver-
de, na Rua Barão de São Félix, atrás da Central do Brasil. Ficamos ali, trabalhando naque-
las máquinas, por mais de um ano. Lá, nós publicamos as aquarelas do Debret.

Gláucia: Papai era tão perfeccionista que, neste serviço, além das quatro cores em fotolito
do desenho do Debret, que seriam impressas no off-set, ele fez, a mão, outras matrizes de
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off-set, para sobrepor a estas impressões e providenciar toda aquela leveza de nuances de
tons.

Guilherme: Na verdade, ele não selecionou as cores em fotografia, como poderia ter feito
naquela época, pois já havia tecnologia para isso: Ele desenhou cada cor em papel vegetal,
depois fotografou estes desenhos, reticulou-os e imprimiu em off-set.

Porque ele não imprimiu com a prensa litográfica?

Gláucia: Porque aquele já era um trabalho realmente comercial. Era, inclusive, um traba-
lho que deveria ter uma tiragem muito grande.

Guilherme: Nós imprimimos aquilo em máquinas “Solna” de off-set. Com o conhecimen-


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to que o papai tinha da litografia, entretanto, ele melhorava os trabalhos, desenhando a mão
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as matrizes de cor.
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Gláucia: E é o que nós ainda fazemos aqui: Com o conhecimento que temos, usamos o
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sistema de seleção de cor da litografia na pré-impressão da serigrafia e obtemos novos


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resultados.
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No começo da década de 1960, antes do Golpe Militar, papai foi trabalhar na área
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de fotolito da Gráfica do Ministério da Agricultura. Eu trabalhei ali, na parte de desenho.


Era um prédio lindo, ao lado do Museu Histórico Nacional. Não existe mais. Foi derruba-
do. Na Casa da Agricultura tem uma sala Rufino de Almeida Guerra e todos aqueles traba-
lhos que papai fez estão lá, nas paredes, emoldurados. Com a Ditadura Militar, deixamos a
gráfica do Ministério da Agricultura. Os generais entraram ali para ver o que estava sendo
feito. Nós havíamos feito uma edição sobre trabalhadores, cuja capa foi, inclusive, dese-
nhada por mim. Os militares acabaram com aquele departamento. Nós, felizmente, não
fomos presos, mas alguns superiores foram.

Guilherme: Saímos de lá e passamos algum tempo sem atelier. Trabalhamos em gráficas


diversas, nossa renda familiar foi completamente desgastada. Por volta de 1968, nós mon-
tamos a oficina no Museu Histórico Nacional. Gláucia, nesta época, já não estava aqui.
Havia se casado e tinha ido morar na Alemanha.
Depois do Museu Histórico Nacional, nós viemos para cá e montamos a Lithos.
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Gláucia: Eu já estava de volta ao Brasil, mas havia ido morar em São Paulo. Meu marido
era correspondente do “Estado de São Paulo”. Em 1973, meu marido faleceu e desde então
trabalho aqui. No ano passado, tive um “pirepaque” e me afastei um pouco, porque tam-
bém já trabalhei demais. Agora vivo no interior e venho para cá vez ou outra. Quando tem
um trabalho muito difícil, Guilherme me chama.

Gláucia, você cursou uma escola de artes? Quais foram suas experiências fora da
Lithos?

Gláucia: Em 1970, havia uma escola de artes na Urca, onde o Iberê Camargo dava aulas.
Comecei a fazer pintura com ele, que era muito amigo do papai. Papai era extremamente
exigente. Iberê, mais ainda. Um trabalho meu que eu achava lindo eles diziam: “Está um
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horror!”. Esse tipo de coisa vai deixando a pessoa muito complexada. Não era possível que
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um trabalho que as pessoas elogiavam, eles arrasavam. Com isso eu fui deixando de fazer
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pintura.
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Recentemente, voltei a pintar. Passei esses trinta anos trabalhando com um monte
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de artistas e absorvendo a técnica deles. Uma vez, resolvi fazer uma gravura aqui. Fiz. Fi-
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cou linda. Quando terminei, quase levei para o Scliar assinar (risos) porque era exatamente
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como o trabalho dele! Depois, fiz uma outra que ficou igual ao José Paulo Moreira da Fon-
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seca, porque havia feito uma série de vinte trabalhos dele. Você quer tirar aquilo da sua
cabeça mas não consegue! Agora, disse para mim mesma: “Isolada de todos, vou tentar
criar alguma coisa que não tenha influência de ninguém”.
Gerchman me incentivava muito a criar, mas é difícil, pois estive condicionada du-
rante minha vida toda a um trabalho muito técnico. Era um trabalho também muito delica-
do. Um artista deixava um original em guache, ou mesmo em aquarela para ser reproduzi-
do em serigrafia: A serigrafia é uma técnica muito dura, então é preciso um conhecimento
e uma sensibilidade enormes para dar à obra a leveza que o original possui.
Artistas como o Scliar, já trabalhavam pessoalmente com serigrafia. O Gerchman,
também, praticamente fazia tudo diretamente. A única coisa que acertávamos eram as co-
res. Outros ainda vinham para cá, nós testávamos as cores: “É isso mesmo que é para ser
feito?”. Thomas Ianelli, por exemplo, que é um aquarelista, dizia: “Jamais eu havia pensa-
do em fazer uma serigrafia, porque para mim era impossível transportar a linguagem da
aquarela para esta técnica”. Ele veio e nós fizemos a serigrafia: foram necessárias vinte e
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tantas cores, mas saiu! Esse é um trabalho que me encanta porque é um desafio muito
grande: encontrar a cor que o artista quer!
No trabalho de Ianelli, nós partimos de um original, mas, no decorrer do processo,
abandonamos aquele modelo e seguimos em frente. Nós íamos acrescentando cores até
chegarmos onde ele queria. Ele ficou maravilhado com o resultado. Mandou fazer outro,
mas, infelizmente, faleceu antes de o realizarmos.

Guilherme: A melhor maneira de trabalhar é com a presença do artista, porque, muitas


vezes o sujeito tem um projeto, mas não conhece exatamente o processo gráfico, então ele
forma uma imagem na cabeça, mas no momento em que passamos aquilo para a gravura,
fica diferente...

Gláucia: Até porque, o trabalho depende de uma série de decisões que são tomadas na
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hora, durante o processo de realização. Esse tipo de obra deve ser considerado um original,
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porque o artista trabalha junto conosco, eu não estou fazendo uma cópia do seu trabalho.
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Eu apenas faço uma parte técnica, mas a influência dele é total.


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II
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Gostaria que você falasse um pouco sobre os trabalhos que vocês desenvolveram a
partir do uso do CTP.

O computer-to-plate é uma ligação direta do computador para a chapa de impres-


são. Foi um processo descoberto para o uso da impressão off-set. À medida que foram
desenvolvidos os programas de computador para artes gráficas, foram sendo eliminadas
algumas etapas de produção, como é o caso do fotolito convencional. O uso do CTP marca
a passagem da utilização do fotolito convencional, gravado por meios fotográficos, através
do filme, para a gravação digital. Na chapa de CTP você é capaz de copiar alguns tipos de
retículas de retículas “randômicas”, como a “estocástica”. Estas são diferentes daquela de
pontos mecânicos, usada nos filmes de off-set e nos fotolitos. São várias as retículas que se
pode usar. A que nós temos mais utilizado é a estocástica.
Eu percebi que o CTP podia ser muito interessante para o artista contemporâneo.
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Todos os outros métodos de gravura dependem do desenho, ou da habilidade de in-


cisão: dependem da habilidade do artista ou de alguém que faça aquilo por ele. Com esse
processo, você abre a oportunidade para o artista criar no computador, depois gravar a ma-
triz, sem a interferência de ninguém. Essa matriz vem pra cá e nós imprimimos no proces-
so litográfico, como no século XIX.
Essa técnica mostra-se interesse também para os fotógrafos, como o Iuri Frigoletto
e a Lúcia Mindlin, que estavam na exposição de São Paulo. Ela trabalhou com fotografia,
passou para o computador, trabalhou no Photoshop e criou, com a retícula estocástica, uma
chapa de CTP que veio a ser impressa em litografia.
Nós pesquisamos durante quase um ano a forma de se imprimir estas matrizes,
porque essas chapas são de uma precisão enorme, um negócio fabuloso. Da mesma forma,
as máquinas que as imprimem são máquinas de ponta, como a Heidelberg. A máquina de
gravação de chapa, custa cerca de meio milhão de dólares. A de impressão custa o dobro,
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ou o triplo disso.
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O CTP é uma chapa de alumínio mais fina e muito mais lisa que a convencional. O
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que ocorre quando tem água demais? Não dá certo. Fica muito molhada, a tinta não pega
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direito. Levou algum tempo até que nós contornássemos essa questão.
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O que nós pesquisamos foi como pegar uma chapa dessas, produzida por uma tec-
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nologia de ponta, e imprimir numa máquina do século XIX. Nós não fizemos nada mais do
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que descobrir a quantidade exata de água e a quantidade exata de tinta. A pedra litográfica,
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ou o zinco e o alumínio utilizados na litografia, são impressos em prensas mais lentas, de


tecnologia diferente. Eles têm porosidade para reter um pouco mais de água, portanto, ne-
les, a superfície intacta repele mais a tinta. A prensa com a qual nós trabalhamos é uma
prensa do século XIX, preparada para esse tipo de placa. Como imprimir nela uma chapa
quase totalmente lisa? Esse foi o aspecto mais problemático.
Essa experiência com o CTP abriu um novo meio para os artistas aqui na Lithos.
Agora, o artista pode trabalhar no computador, ou a partir da fotografia, e gravar direta-
mente uma matriz litográfica. Pode ainda, como fez o Tunga, transformar um desenho
independente numa matriz reproduzível.
O Tunga pegou uns desenhos em carvão e disse: “faz isso aqui”. Não se colocou a
mão sobre o desenho dele, nem houve nenhum tipo de interferência de outro desenhista
para reproduzi-lo, como é feito com muitos outros artistas, como o Lan. Nós fizemos um
trabalho pro Lan em que a imagem foi totalmente redesenhada. Nesse caso, o artista vai
vendo se está bom ou se não está. No trabalho do Tunga, não houve esse tipo de interfe-
203

rência: o desenho original foi escaneado, e o scanner registrou o que estava ali no trabalho.
Com aquilo foi gravada a chapa. Todas aquelas “poeirinhas” que você reparar naquele
trabalho já estavam lá, no desenho original em carvão.
Qual é o nome que se vai dar a isso? Alguns gravadores vão brigar, eu penso. Vão
falar: “o gravador grava e tira a sua prova...”. De repente chega o artista contemporâneo, o
rei do computador, vai ali, grava, e a gente imprime no mesmo processo antigo. Mas acho
que isso é uma abertura. E não deixa de ser gravura, embora seja gravado por processo
digitais. A matriz foi gravada, porque isso aqui é gravado de uma forma como se fosse a
gravação do crayon litográfico, ou seja, de modo que possa receber tinta gordurosa e a
outra parte receber água e imprimir: o nome disso é Litografia

Como foi o processo de divulgação da técnica do CTP entre estes artistas?


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O contato com esses artistas está sendo feito em parceria com o fotógrafo e produ-
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tor cultural Iuri Frigoletto. Tunga é meu amigo há muito tempo. Cildo Meireles já traba-
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lhava conosco desde os anos 1970... A parceria com esses dois já lhe dá um estofo para
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fazer o contato com outros artistas contemporâneos. Além disso, a própria experiência com
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o CTP abriu as portas para o trabalho de outros, como Damasceno, Senise, Ernesto Neto...
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Iuri estava voltando dos Estados Unidos. Foi à galeria onde nós estávamos expon-
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do, aqui no Rio, me perguntando sobre o CTP e, depois, nos propôs essa parceria. Nós
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topamos. Isso foi ótimo porque abriu novas possibilidades de trabalho, inclusive no exteri-
or.

Vocês estão utilizando uma tecnologia de ponta, e como toda tecnologia digital, ela
está sujeita a se tornar, muito rapidamente, obsoleta. Existe a possibilidade do CTP
ser substituído por outro processo de impressão em pouco tempo?

Não, eu acho que essa tecnologia não vai sair de mercado assim tão rapidamente,
até porque é um investimento muito grande. Você imagina, a Gráfica Minister comprou
uma máquina agora que custou dois milhões de euros, para trabalhar com essa tecnologia.
Fora a de gravação, que custou meio milhão de dólares. Então há de ter um tempo para que
ela se acomode no mercado.

Essa chapa pode ser impressa na prensa comum, Krause?


204

Pode. O problema vai sempre se resumir à “água e tinta”. Se secar depressa de-
mais, você vai perder o trabalho, ou seja, tem que ser rápido: passou água, entintou, im-
primiu.

Existe a possibilidade de o artista interferir na chapa depois de gravada?

A chapa de CTP pode passar por um forno que aumenta consideravelmente a capa-
cidade de impressão da chapa. As chapas com as quais nós trabalhamos não passam pelo
forno. Quando a placa passa pelo forneamento, a imagem fixa de tal forma que você pode
tirar meio milhão de cópias. Sem ele, a chapa suporta uma tiragem de 200 mil cópias, o
que já ultrapassa em muito a nossa necessidade. Não passando pelo forno a placa admite o
uso de um recurso: um corretor que permite apagar o que não se quer. O artista pode, desta
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maneira, continuar agindo naquela matriz. Não adicionando, mas retirando. Mas, o retirar,
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o raspar alguma coisa, às vezes são fundamentais para a finalização de um trabalho.


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Como é organizado o trabalho a partir do momento em que o artista chega aqui?


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Como vocês colocam o preço para o artista?


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O preço do trabalho vai depender de muitas coisas, porque não é apenas o custo de
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gravação de chapa, a gente aqui corre um risco muito grande. Eu fiz um orçamento agora
para a impressão de um trabalho, em um papel de rolo que custa R$ 1.200 o rolo com dez
metros. E se a impressão não der certo, depois de tudo feito à mão? Então o nosso custo
não é só esse custo gráfico industrial. Entra todo esse custo inicial e mais a possibilidade
de vinte por cento, às vezes, a mais de papel, para garantir uma margem de erro. Nós esta-
mos falando é de papeis que custam 25 reais a folha, por exemplo. Já aconteceu de dar
problemas, durante a feitura do trabalho, que às vezes nem são problemas nossos. São mui-
tos detalhes em jogo. Além do custo inicial, existe um risco sempre presente.
Todos os trabalhos são feitos sob a consulta do artista. Eles foram levados ao artista
que verificou os acertos que deveriam ser feitos.
A gravura do Tunga, por exemplo, depois de escaneada e tirada a primeira prova,
foi levada a ele que decidiu o que deveria mudar, o que deveria ficar, aquilo que precisava
ser acentuado e o que precisava ser abaixado. A Lúcia Mindlin fez uma montagem no
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computador a partir de fotografia, o Iuri Frigolletto também. Mas há um campo todo a ser
explorado, depende agora do artista.

O Iuri estava me falando que, quando ele foi apresentar o CTP a esses artistas, eles
acharam que uma tiragem de 150 exemplares era muito grande e quiseram trabalhar
com tiragens bem menores. Como foi isso?

Esta é uma questão de mercado: a tiragem menor simplesmente valoriza mais cada
exemplar. Mas, quando você tem um mercado sólido, uma tiragem de cem exemplares é
muito pequena. As tiragens que nós fizemos foram de trinta, quarenta cópias.

Vocês têm ainda as matrizes impressas aqui?


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Sim, mas, uma vez que o artista numerou a tiragem e assinou, mesmo que queira
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repetir eu não faço. Porque amanhã, o comprador de uma gravura com uma tiragem de
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tantos exemplares vê outra com uma tiragem diferente, ou o mesmo exemplar de uma ou-
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tra tiragem e pergunta: “Que diabo é isso? Quem fez isso?!”.


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O que pode ser feito é acrescentar algo, retirar alguma coisa: fazer outra gravura a
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partir de uma já editada.


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Quando vocês compraram essa prensa Marinoni?

Essa prensa veio da gráfica Muniz, uma gráfica aqui do Rio, que trabalhava com
litografia. Nós a compramos entre 1974 e 1975, logo depois de nos mudarmos para cá. Nós
chegamos a ter duas outras prensas elétricas, vindas da Bahia, que o meu irmão vendeu,
quando desfizemos a sociedade.
Até a década de sessenta, muitas gráficas ainda trabalhavam com essas máquinas.
Havia uma gráfica enorme, chamada “Gráfica Época”, que empregava essas máquinas
para imprimir outdoor. A Época, assim como inúmeras outras gráficas, “quebrou” e ven-
deu seu equipamento todo para o ferro-velho.
Tenho outra prensa dessas que está guardada no depósito de um amigo meu. De
vez em quando eu vou lá visitá-la. Veio do interior de São Paulo, é uma máquina alemã,
ainda não consegui descobrir se ela é anterior a essa ou não. Está desativada. Eu queria
comprá-la há muito tempo, mas o dono não queria vendê-la. Há dez anos atrás, aproxima-
206

damente, telefonei novamente e o homem disse que a venderia, finalmente. Pretendo colo-
cá-la para funcionar em breve, só para movimentá-la. Se tivéssemos produção, montaria as
duas. Nos Estados Unidos há um ateliê que tem quatro máquinas destas montadas.

Pode-se fazer, nesta prensa, a sobreposição das chapas ciano, magenta, amarela e
preta, conforme se faz na impressora off-set?

Claro. Não vai sair igual àquela impressão feita na off-set, porque é uma prensa
diferente, mais lenta. A cópia, entretanto, certamente sairá com maior vigor de tinta. Essa,
porém, já não é uma máquina própria para imprimir cartazes e folhetos comerciais. Ela não
tem rapidez de produção para isso.
Quando entrou a tecnologia fotográfica, deixaram de fazer a seleção de cores em
pedra. A imagem era gravada na pedra ou na chapa de metal através da retícula fotográfi-
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ca, o que acabou com a profissão do meu pai. Antes de serem impressas nas máquinas off-
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set, essas chapas reticuladas fotograficamente eram impressas nessa máquina. A impressão
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era perfeita. Hoje, é claro, a precisão das máquinas off-set é muito maior. Mas, a impressão
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off-set nunca se equipará com a impressão e a nuance do desenho a lápis, na litografia.


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O litógrafo, naquela época, imaginava quantas cores ele precisaria para fazer um
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cromo. Se ele quisesse fazer com trinta cores, gravava trinta pedras e imprimia trinta vezes.
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Obtinham-se impressões belíssimas. Minha irmã até hoje faz isso.


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Qual a velocidade desta prensa?

É rápida. Nós fazemos algumas cópias de teste e quando está pronto, essa máquina
imprime onze provas em um minuto. São mais ou menos 600 provas por hora. Mas nós
fazemos um pouco mais devagar.

As cópias ficam praticamente idênticas uma a outras, não é?

Claro, elas ficam idênticas.


207

III

Qual seria, na sua opinião, o interesse de se imprimir o CTP nesta prensa do século
XIX, uma vez que isso poderia ser impresso na máquina de off-set?

Uma diferença grande da litografia para o off-set, quando você imprime, é a se-
guinte: por necessidade de velocidade da máquina de off-set – tanto que os prelos de prova
não são assim – foi criado o “cauchu”. A máquina off-set trabalha com três cilindros. Em
um cilindro posiciona-se a chapa. O outro, roda com o papel, é o “contra-pressão”. O do
meio tem uma borracha, é o chamado “cauchu”. A chapa é entintada, decalca na borracha,
a borracha, então, transfere para o papel. Quando você grava uma chapa para o off-set,
portanto, você grava na direita, ela transfere para a esquerda e, em seguida, transfere no-
vamente para a direita, no papel. No nosso caso, a impressão é plana e direta. Você grava a
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chapa na esquerda e ela transfere na direita. A própria impressão é direta: a placa recebe a
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tinta e transfere diretamente para o papel. Com isso, a camada de tinta depositada é mais
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generosa.
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Além disso, em relação ao uso das retículas randômicas, você não conseguiria fazer
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uma gravura com a do Tunga com as retículas convencionais. Você sente a diferença por-
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que, nestas, o meio-tom é obtido através de uma graduação mecânica, que obedece a um
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determinado padrão espacial e de tamanho. No entanto, com a retícula estocástica, por


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exemplo, você consegue uma graduação de tonalidade menos rígida, porque independente
daquele ponto mecânico.

O processo de gravação de chapas de off-set a partir de fotolitos, como vê mesmo co-


locou, já foi praticamente substituído pelo processo de CTP. No entanto, a Lithos
acaba de comprar uma máquina de gravação de fotolito, qual o interesse em se man-
ter processos de impressão que estão saindo do mercado?

Há alguns anos, comprei uma “máquina fotográfica”, própria para a obtenção do


fotolito. Comprei exatamente porque ela vai desaparecer. Isso é uma coisa que eu tenho
como princípio, já que a gente está nesse meio há tanto tempo. Nós recebemos pessoas
aqui interessadas em saber sobre esses processos. Há pouco tempo atrás, nós recebemos
vários alunos da PUC trazidos pela Thereza Miranda.
208

Realmente, o fotolito convencional vai desaparecer da indústria gráfica daquelas, já


está desaparecendo. E se ninguém guardar uma máquina para mostrar como era, como é
que fica?
A questão não é exatamente o uso. Pode até vir a ser usado. Há um interesse plásti-
co por trás dessas técnicas antigas, mas meu interesse, nessa parte do fotolito, principal-
mente, é a conservação do material. Pretendo até montar a máquina, colocar ela pra fun-
cionar direitinho, montar uma câmara escura. Temos aqui também o equipamento para
seleção de cor em fotolito através de celulose, que já é um negócio que já se extinguiu. Há
pessoas que chegam aqui e ficam entusiasmadas com aquilo, porque, na maioria das gráfi-
cas, não existe mais nada disso, é tudo arquivo digital, em CD. Entretanto, se houver a
necessidade de um artista criar na base da fotografia, nós temos o material para fazer.
Tenho a idéia de fazer um Museu das Artes Gráficas, aqui, expondo não apenas
nosso acervo, mas a evolução dos equipamentos utilizados pela indústria gráfica. Isso po-
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deria ser feito tanto a partir de uma iniciativa estritamente particular, quanto como um pro-
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jeto de interesse estatal, o que eu acho mais difícil. O ideal seria fazer um museu vivo:
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tendo o equipamento, recebendo escolas, tendo artistas produzindo aqui e realizando ofici-
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nas... Essa casa ao lado é minha também. Poderia derrubar a parede divisória, abrir um
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salão, fazer ateliês e receber alunos em convênios com várias universidades, inclusive do
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exterior... Existem universidades na França que têm até hospedaria: o aluno vai para lá,
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através de um convênio, e fica hospedado estudando...


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Nós, na Lithos, temos a litografia e a serigrafia como as duas principais técnicas


com as quais trabalhamos. Oferecemos ao artista os resultados que podem ser obtidos atra-
vés delas. Existem dois modos de trabalho: um em que o artista conhece artes gráficas; e
outro, em que o artista entrega o trabalho ao ateliê. Nesse caso, nós trabalhamos adaptando
o trabalho para alguma das duas técnicas, mas sempre sob consulta do artista, até chegar-
mos a um resultado satisfatório para ele. Quando aprovado, a tiragem segue conforme a
prova que foi feita naquele momento.

É interessante o fato de vocês usarem justamente a litografia e a serigrafia. Seria es-


tranho fazer um trabalho semelhante em xilogravura, ou em gravura em metal.

Nós poderíamos até trabalhar com essas técnicas, porque existem recursos que
permitem essa utilização. No ateliê do Museu Histórico Nacional, nós fizemos um traba-
209

lho, acho que para o xilogravador Zé Barbosa em que tirávamos uma prova da xilo feita
por ele, em papel transparente, e usávamos como positivo fotográfico, para criar uma ma-
triz de serigrafia a partir da xilo, como todas aquelas ranhuras, aquilo tudo. Tirávamos a
prova, criávamos um positivo fotográfico, copiávamos em uma matriz de serigrafia para
imprimir numa quantidade maior. Porque você fazer duzentas cópias em xilogravura entin-
tando aquilo, uma por uma, era uma demora muito grande.
Houve ocasiões em que nós misturamos a gravura em metal com a serigrafia. Cada
técnica tem os seus recursos. Mesmo na chapa de off-set gravada por meios fotomecâni-
cos, o artista pode criar na fotografia, depois ele pode trabalhar no positivo ou no negativo,
raspando coisas, limpando, depois gravando a chapa, rebaixando a chapa com materiais
apropriados, Enfim, essa técnica permite um processo de trabalho propriamente dito, como
o da gravura em metal.
Eu, aliás, já imprimi gravura em metal também. Uma vez, fui fazer uma edição
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para a Vera Mindlin, esposa do Henrique. Na primeira impressão deu uma nuvem, que não
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era da gravura, era uma mancha que apareceu por acaso. Era como uma névoa, uma coisa
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bem aguada. E ela queria aquilo em todas as provas. “Mas, não dá, Vera!”, eu dizia. “Mas,
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isso saiu e eu quero assim!”, ela insistia.


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Esse foi o motivo pelo qual eu nunca mais imprimi gravura em metal e nem pensei
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em montar nada de gravura em metal. Enquanto, na gravura em metal, o artista pode usar o
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ácido forte, ou usar o ácido fraco, ou seja, há uma série de variações que o artista pode
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pesquisar; no caso da litografia, nós temos receitas para que o trabalho corra bem do prin-
cípio ao fim. Aqui, tanto na litografia quanto na serigrafia, depois da prova pronta, é aquilo
o que vai sair, não tem essa mancha. Se aparecer: limpa, porque não é do trabalho. Não
tem essa coisa do artista que está imprimindo a gravura e diz: “Ih, gostei, vou tirar assim!”.
Porque a gente está assumindo um compromisso. O artista vai embora e a gente vai im-
primir. Aquela mancha que aparece e “eu quero!”, não é uma coisa que você possa contro-
lar de uma a duzentas cópias iguais, numa tiragem. Isso seria mais próprio do próprio artis-
ta imprimindo.

Acredito que o que está acontecendo agora com o CTP aconteceu em outros momen-
tos na história da gravura: uma técnica desenvolvida comercialmente ser adaptada
para o uso artístico.
210

Essas coisas acontecem, na maioria das vezes, quando essas técnicas estão deixan-
do de ser usada. Então os artistas vão se apropriando delas. Agora, nós estamos na tentati-
va de acompanhar a ponta da tecnologia.
Penso, contudo, que o artista sempre lança mão de coisas que ele pode pesquisar,
interferir, mexer... Seja esta uma técnica antiga ou nova.
Este é um ateliê gráfico, no qual nós temos o conhecimento técnico e oferecemos
ao artista várias possibilidades de trabalhar, numa linguagem pessoal, uma coisa que se
torne um múltiplo gráfico e que atinja muito mais pessoas do que um original único. Nossa
função sempre foi essa: dar ao artista o conhecimento técnico para que ele pudesse realizar
uma litografia ou uma serigrafia. Com o tempo, o artista se habitua àquela linguagem, mas
ele não tem nenhuma obrigação de pegar nas tintas, nos ácidos, em nada. Pra isso tem, e
sempre teve, desde que o Senefelder inventou a coisa, os ateliês e os técnicos de litografia.
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Quando a litografia é difundida pela Europa ela faz a mesma coisa que o CTP está
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fazendo hoje: possibilita aos artistas que não são gravadores, que não têm o domínio
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técnico do buril, utilizar uma técnica de gravura como forma reproduzir imagens.
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Realmente, antes da litografia, antes desse processo químico de gravação de ima-


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gens que o Senefelder inventou, o que havia como forma de impressão de imagens? A
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xilogravura e a gravura em metal: técnicas que dependiam de uma habilidade muito grande
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de quem fazia as matrizes – os gravadores. Aquelas eram matrizes que dependiam da inci-
são. O sujeito tinha que dominar tecnicamente aquilo. Quando veio a litografia – que era
plana – possibilitou o artista – como o Daumier, depois o Toulouse-Lautrec, Picasso, etc. –
desenhar diretamente na chapa, depois o impressor que se virasse.

Vocês trabalham com técnicas, como a serigrafia, em que há ainda uma aplicação
comercial no mercado, em serviços gráficos especializados. Existe, aqui na Lithos,
esse tipo de demanda?

Não. Essa foi uma área na qual eu nunca entrei, não quis entrar. Quando se trabalha
comercialmente, você tem que estar preparado para tudo. O cliente pode te pedir o trabalho
para ser entregue no dia seguinte, e você tem que fazer. Há também uma exigência enorme
com a qualidade do serviço, mas, além disso você está sujeito a perder a concorrência por
uma diferença de dez centavos no orçamento.
211

Quando meu filho mais velho nasceu, minha mulher ficou doente. Eu era jovem,
estava ganhando dinheiro, tinha tudo do bom e do melhor, estava comprando um belíssimo
apartamento, tinha um monte de quadros em casa... Tendo tido sempre carros velhos, havia
finalmente comprado um Chevrolet Opala do ano... Minha mulher ficou doente e em três
anos perdi tudo o que tinha! A bofetada que levava da vida me dizia o seguinte: “Isso tudo
acaba daqui a pouco...”. Eu saía daqui todos os dias tarde da noite e não estava acompa-
nhando o crescimento dos meus filhos. A partir de então, nas sextas-feiras, trabalhei só até
o meio-dia e pronto!
Isso não é um exemplo, foi apenas a opção que tomei. Decidi não fazer trabalhos
comerciais. Uma vez ou outra acompanhava trabalhos comerciais, ou edições de livros,
para alguns clientes. Talvez a Lithos pudesse ter tido um braço industrial e eu não tenha
montado uma equipe à altura dessa demanda... Lembro-me que o Rubem Braga, quando
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estava fechando a editora Sabiá me disse: “Porque você não edita livros?”. Naquela época,
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estavam começando a Record, e uma série de outras empresas; já era amigo do Jorge A-
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mado, do Carybé, e de outros – já estava no meio – mas ainda assim não quis seguir esse
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braço. O que fiz até hoje foi um ateliê, talvez até mesmo pela minha experiência, que é de
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técnico em artes gráficas – não sou um administrador.


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Há um tempo atrás, eu distribuía gravura no Brasil inteiro. Daquilo que estava dis-
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tribuído, cinqüenta por cento do que foi vendido não me pagaram; vinte e cinco por cento
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se perdeu, porque o pedido e a cobrança das gravuras em outros estados saíam mais caro
do que o preço da venda; os outros vinte e cinco por cento, pedi de volta. Então decidi pa-
rar de distribuir: “Quem quiser, agora, me peça. Aí, eu mando”. Com isso, diminuí toda a
nossa parte comercial. Eu cheguei a ter dezenove funcionários trabalhando aqui. Comecei
a produzir e guardar obras em um acervo, que é a minha aposentadoria. Chegou um mo-
mento em que decidi trabalhar apenas sobre encomenda, ou quando houvesse um projeto
específico. Hoje, quando vem a encomenda, eu monto a equipe na hora e nós fazemos o
trabalho.

Como vai o mercado de gravura hoje em dia?

Hoje em dia, o mercado em geral está estagnado. Com a gravura, esse problema é
ainda mais grave. Isso não é de agora, já vem acontecendo há bastante tempo, desde a épo-
ca do Collor. Muitos fatores contribuem para isso.
212

De um tempo para cá, houve uma enxurrada de pôsteres americanos. Hoje, a pes-
soa vê um catálogo de uma loja, ou mesmo na internet, escolhe um pôster e, em três dias, o
material está na sua mão, a um preço muito baixo. As pessoas, hoje em dia, em sua maiori-
a, não conhecem a diferença entre uma gravura em metal, uma xilogravura e um pôster:
preferem comprar um quadro mais vistoso, como a reprodução de uma fotografia de ara-
ras, do que uma gravura do Damasceno. Como essa pessoa não entende o significado de
uma gravura, o mesmo preço que ela pagaria em um trabalho que tende a valorizar, ela
prefere pagar pela arara, que é mais “bonita”.
Houve um aperto muito grande na classe média. Quem compra gravura é a classe
média. Ainda assim a gravura é a última coisa que a pessoa põe na casa. Primeiro ela faz o
sinteco no piso, depois compra o tapete, pinta as paredes, põe a cortina, os sofás. Depois,
ela vai escolher uma gravura que combine com aquilo tudo. Uma gravura de quatrocentos
reais já representa dez por cento de um salário de quatro mil, se estivermos falando de uma
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gravura de oitocentos, já pesa no orçamento da pessoa.


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O sujeito realmente abastado compra pintura. Há um senhor para o qual eu com-


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prei, no ano passado, um milhão e oitocentos mil reais em pintura. Ligava para ele e dizia:
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“Tem um Di Cavalcanti sendo vendido a um preço tal. Posso comprar?”, “Pode”, e eu


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comprava. Negociei para ele Gerchmans, Scliars, Di Cavalcantis, Dacostas, Volpis, um


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monte de quadros. Comprei dois Mabes enormes para ele. “Só quero se tiver sido publica-
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do em algum livro”, ele dizia, “E você, por favor, me arrume também o livro...”. Ele queria
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colocar o livro na mesa da sala para enfeitar e dizer: “Olha, aquele quadro está nesse livro
aqui...”. Mas, pergunta se ele tem alguma gravura na casa dele, ou se ele quer ver gravura...
Outro problema é em relação às galerias. Em São Paulo há uma galeria especiali-
zada em gravura, a “Gravura Brasileira”, que eu acho que é uma das poucas no Brasil.
Parece que a “Vermelho” está querendo criar uma linha especializada em gravura, até em
virtude dessa experimentação com o CTP. Nas décadas de setenta e oitenta, haviam várias
galerias especializadas em trabalhos em papel.
Em São Paulo, existem algumas moldurarias de alto nível que vendem de tudo, in-
clusive gravura. Mas vemos também lojas vendendo tela a duzentos reais! Pintura! A pes-
soa coloca umas dez telas enfileiradas e vai fazendo, em série. Isso tudo contribui para um
desconhecimento ainda maior. Penso que uma coisa fundamental para a arte é a formação
de público. Eu sonhei em contribuir para a formação de um público, mas nós somos muito
pequenos para o fazermos sozinhos.
213

8.5
Entrevista com Alan Passos, da Gráfica Minister – Rio de Janeiro, 6/06/2007

O Bureau Carioca presta serviços de gravação de chapas de CTP para a Gráfica Minister e
para outras gráficas. Alan Passos é sócio do Bureau Carioca e responsável pela parte de
fechamento dos arquivos. Ele faz a diagramação dos arquivos que chegam e os preparo
para serem enviados para a gráfica ou para gravar o CTP.

Como se dá o processo de pré-impressão da chapa CTP, depois o arquivo do cliente


chega até vocês?

Primeiramente, nós preparamos digitalmente o arquivo. Como nós trabalhamos


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com impressão em off-set, as imagens devem estar em CMYK: ciano, magenta, amarelo e
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preto; na maioria das vezes, porém, estas imagens vêm em RGB, porque as máquinas digi-
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tais fotografam neste sistema; então, a primeira coisa que nós temos que fazer é passar
Digital

estas imagens para CMYK.


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Nós verificamos se as margens da imagem estão corretas, se o material está “san-


- Certificação

grado”, e geramos, então, o arquivo em PDF. Esta é a linguagem universal com a qual to-
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das as gráficas trabalham. Com ela, nós podemos fazer dois tipos de prova, geralmente
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necessárias. Uma delas é a prova heliográfica digital: uma boneca de como o material vai
ficar no final, quando a impressão estiver feita. Nesta, pode-se ver como vão ser a pagina-
ção e o corte do material. Além da heliográfica, nós fazemos uma “prova digital”, que dis-
pensa o fotolito, a chapa e o prelo e serve apenas como referência de cor. Nós enviamos
estas duas provas, a heliográfica digital e a prova de cor, ao cliente que dará ou não a apro-
vação final.
Com o material aprovado, nós enviamos o trabalho para o setor de gravação de
chapa. O técnico coloca a chapa virgem dentro da máquina; o laser imprime, ou seja, sen-
sibiliza a camada. A chapa é levada para a máquina reveladora. Nela, o que foi sensibiliza-
do fica na chapa, e o que não foi é extraído. A placa fica branca, apresentado apenas os
dizeres e as imagens que serão impressos mais tarde.
214

Como se dá o processo de separação das cores para a gravação das placas?

Quatro são as cores das placas impressas em CMYK: ciano, magenta, amarelo e
preto. Uma área de cor como um vermelho, por exemplo, será encontrada tanto na chapa
“magenta” quanto na “amarelo”: as duas serão necessárias para formar aquele tom especí-
fico. Para uma outra tonalidade, podem ser necessárias as quatro cores. Um texto aqui em
preto, só estará gravado na chapa de preto.
A separação é feita automaticamente pelo programa de computador. Existem vários
programas que fazem isso. Nós costumamos o Trueflow. É um programa de imposição.
Visualiza-se o arquivo em PDF, na forma que nós chamamos Composite, que é a imagem
normal, em quatro cores. Quando ele vai para a máquina de gravação da chapa, o progra-
ma realiza essa separação dos tons nas quatro cores correspondentes ao tom original.
Quando nós trabalhávamos com o fotolito convencional, o processo continha uma
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gravação a mais. Antes de gravar a placa de off-set era necessário gravar o filme de fotoli-
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to. Mas em relação às cores nada mudou: nós continuamos usando o mesmo processo de
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separação.
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- Certificação

Além de prescindir da gravação de fotolito, o CTP permite trabalhar com diferentes


- Certificação

tipos de retículas. Gostaria que você falasse um pouco sobre essa questão.
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O processo de CTP permite usar a retícula estocástica, a retícula sublima, a retícula


espectro. Cada fabricante de CTP possui um tipo e um nome de retícula. A diferença é que,
na retícula tradicional – de ponto elíptico, quadrado ou redondo – você vê a roseta do ma-
terial formando: Cada cor tem uma inclinação determinada; quando as quatro cores se jun-
tam na impressão, forma-se a roseta.
Nas novas retículas, não há rosetas, você vê uma coisa homogênea. As quatro im-
pressões se sobrepõem de uma forma que não aparecem as rosetas. É como se você esti-
vesse lidando com um material com uma lineatura de 300 linhas: a olho nu você não vê os
pontos.
215

Esse tipo de retícula já é usado comercialmente aqui no Brasil?

Aqui, isso é pouco usado. A Gráfica Minister não usa esse tipo de lineatura ainda.
Basicamente, nós trabalhamos com uma retícula fina, de 175 linhas, e, em alguns traba-
lhos, como trabalhos de arte, por exemplo, com uma retícula de 200 linhas.

Além do fato de tornar desnecessária uma etapa do trabalho, a gravação do fotolito,


quais são as outras vantagens do processo de CTP para a indústria gráfica?

Os ganhos são inúmeros. Quando era usado o fotolito de quatro cores, por exem-
plo, em uma mesma página vinham os quatro fotolitos, ciano, magenta, amarelo e preto.
Alguém precisava compor manualmente o material com fita adesiva, verificando se a cha-
pa estava na altura correta – pois o registro não era tão perfeito. No processo de CTP, você
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uma coisa que antes levava umas quatro horas, hoje, em um comando, leva uns quinze
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minutos para ser feita. O registro é muito mais fiel.


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Além disso, a qualidade de gravação é muito maior, assim como a limpeza do ma-
Digital

terial. Pode-se dizer ainda que o custo abaixou, porque, na medida em que o processo foi
- Certificação

otimizado, diminui o pessoal necessário.


- Certificação

A agilidade do trabalho torna-se também muito maior. Antigamente, para mostrar


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para o cliente uma prova de como o material vai ficar, era preciso tirar uma provar em pre-
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lo, e uma prova em heliográfica: gastava-se matéria prima para depois fazer o material
final. Hoje, você pode tirar uma prova digital e não gasta chapa, não gasta nada além de
papel e tinta. Pois , com o CTP, a chapa só é gravada depois que o material é aprovado.
Antes, você gravava o fotolito, com ele tirava uma prova em heliográfica. Não adiantava
você tirar uma impressão a laser porque nada garantia que o fotolito iria sair exatamente
como aquela impressão. Não havia tanta precisão. Além disso, se tivesse alguma correção
de texto essa correção tinha que ser feita manualmente no fotolito, era necessário fazer
emendas no fotolito, ou então perdia-se totalmente a chapa e era preciso fazer um novo
fotolito e tirar uma nova prova heliográfica.

Quando começa a ser aplicado no Brasil o processo de CTP?

No Rio de Janeiro, a Gráfica Minister já trabalha com o CTP há oito anos, nós fo-
mos os pioneiros. Mas esse processo tem no máximo uns dez anos aqui no Brasil. Quando
216

surgiu aqui, o pessoal teve certo receio de trabalhar com ele, mas, hoje em dia, quem não
tem o CTP está completamente defasado. A nossa empresa, o Bureau Carioca, trabalha
gravando chapas para outras gráficas. Nós não trabalhamos mais exclusivamente para a
Gráfica Minister. Além de gravarmos as chapas para eles, nós fazemos isso para outras
gráficas aqui do Rio de Janeiro. Quando o cliente contrata os nossos serviços, ele manda o
arquivo para nós, nós geramos uma prova e mostramos para ele. Sendo aprovada, nós gra-
vamos a chapa e mandamos para ele. Nós trabalhamos, inclusive, com chapas de vários
tamanhos, que vão variar de acordo com a maquinaria de cada um de nossos clientes.

Então, aqui, o CTP já substituiu completamente o fotolito?

Sim, já há algum tempo. Nós tínhamos um funcionário que era responsável pela
parte de gravação de fotolitos, para as gráficas que ainda trabalhavam com esse sistema, e
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ele ficava a maior parte do tempo ocioso.


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Existe algum caso, na indústria gráfica, em que o fotolito ainda seja mais interessan-
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te?
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Acredito que apenas para pequenas gráficas, que trabalham exclusivamente com
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impressões monocromáticas, ou bicolores; gráficas que trabalham com máquinas peque-


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nas. Talvez nesses casos ainda seja mais interessante trabalhar com o fotolito. Existem
empresas ainda que vendem fotolito e, como a procura é pequena, o preço é muito baixo.

A respeito do processo de gravação de chapas em CTP, existe mais de um tipo de


processo de gravação, como é isso?

Existem dois tipos de máquinas de gravação de chapas de CTP, a chamada “térmi-


ca”, e a chamada “violeta”. Esses são os tipos de laser que vão atuar gravando a chapa.
Nós trabalhamos desde o início com chapas térmicas, nunca trabalhamos com chapas vio-
leta. Existia, na época, certo receio sobre a alternância de preços no mercado, havia dúvi-
das sobre qual das duas seria mais interessante. Fizemos uma pesquisa de mercado e veri-
ficamos que o processo térmico seria o ideal para o nosso mercado. A maioria dos lasers
hoje em dia é destinado para a chapa térmica. A diferença maior entre os dois surge duran-
te a gravação da chapa, apresenta-se na qualidade de gravação e na vida útil do laser. O
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laser violeta é um pouco mais barato que o térmico, mas de menor durabilidade. A quali-
dade da chapa é praticamente a mesma. O receio que o pessoal tinha no começo de que
acabasse a chapa térmica não existe mais. Existem várias empresas produzindo tecnologia
e fornecendo matéria prima para a gravação térmica de chapas em CTP, como a brasileira
IBF ou as estrangeiras Kodak, a AGFA e a Fuji, que são as maiores concorrentes deles, e
já estão com fábricas aqui no Brasil.

Como é o processo de gravação da chapa?

A gravação é feita através do calor que a chapa recebe do laser. Chapa virgem pas-
sa pela máquina de gravação que irá gravá-la através de calor, nos pontos onde estão as
retículas. Depois ela passa por outra máquina, que vai limpar tudo aquilo que é branco da
chapa. Ela pode, nesse momento, passar por um forno para esmaltar. A chapa esmaltada,
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tem sua gravação estabilizada e suporta tiragens ainda maiores. Essa é uma das particulari-
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dades do nosso bureau, além de trabalharmos com a chapa térmica, que permite uma tira-
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gem maior que a violeta, essas placas passam pelo forno, são esmaltadas. Então ela permi-
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te a realização de uma tiragem de 100 a 200 mil cópias.


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- Certificação

Existe uma máquina específica para a impressão de chapas em CTP ou é a mesma


PUC-Rio

que imprimia antes a chapa gravada por fotolito?


PUC-Rio

É a mesma máquina que imprimia antes, a máquina de off-set. O processo ainda é


o mesmo.
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8.6
Entrevista com Iuri Frigoletto – Rio de Janeiro, 9/07/2007 e 27/12/07

Como você chegou à Lithos? Como está sendo o seu trabalho com eles e a sua pesqui-
sa sobre a técnica do CTP?

Estou trabalhando junto com a Lithos essa técnica do CTP, desde 2006, quando
voltei dos Estados Unidos. Estou levando isso ao conhecimento dos artistas que estão pro-
duzindo dentro da arte contemporânea no Brasil. Esses artistas não conhecem essa técnica,
não sabem que essa possibilidade existe.
Quando a gente inicia um processo, esse é um processo de experimentação tam-
bém. Para mim, o CTP é um processo de experimentação gráfica.
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Uma nova técnica abre novas possibilidades aos artistas e, analisando a história da
Digital

gravura, você vê que leva certo tempo até que essas possibilidades sejam exploradas
Digital

expressivamente. Isso aconteceu com a xilogravura, aconteceu com a água-forte. Esta


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última é uma técnica que permite ao gravador fazer um traço muito mais espontâneo
- Certificação

do que aquele conseguido com o buril. A princípio, ela foi usada como uma forma de
PUC-Rio

imitar o buril, depois é que houve a reflexão: “Bom, isso tem uma potencialidade ex-
PUC-Rio

pressiva”. E os artistas começaram a usá-la expressivamente.


Eu acho que o CTP tem ainda muito a ser explorado. No trabalho do Tunga, o CTP é
usado apenas como meio de reprodutibilidade, o que não significa uma diminuição
do trabalho, mas não houve a exploração de uma expressividade daquela técnica.

A Lithos produziu na arte moderna um corpo de trabalho muito bacana. Só que, na


arte moderna, o artista desenhava na pedra, depois na prancha de zinco, ou de alumínio,
que substituíram a pedra de calcário. Aí veio a arte contemporânea: o artista saiu da pedra
ou da pintura e começou a trabalhar com tubos de ensaio, com massa, com o que viesse...
Ele começou a variar o suporte. Aí, o gravador da litografia, que não buscou se atualizar –
porque eu acho que foram poucos, mundialmente que tentaram criar esse diálogo, essa
conversa com a arte contemporânea – ficou um pouco sozinho, um pouco esquecido.
Quando eu encontrei a Lithos, foi quando eles estavam fazendo esse trabalho do
Tunga e já pesquisando sobre a utilização do CTP. É muito emblemático que esse processo
219

tenha acontecido nessa obra do Tunga, que é um trabalho de traço, um desenho, o que a
torna muito próxima do trabalho feito pela Lithos. O Guilherme, então, se sentiu confortá-
vel para imprimir esse trabalho. Guilherme e eu começamos a conversar. A Lithos tem
trinta e três anos e a história da família tem oitenta anos de impressão. Eles têm um acervo
incrível, inclusive um acervo de pedras utilizadas na rotulagem no início do século XX,
essa, que foi uma aplicação comercial da litografia. Nós pensamos: “Vamos unir esse co-
nhecimento de impressão e de produção e buscar projetos”.

Você já havia trabalhado com o CTP?

Não. Já havia acompanhado esse processo, entendia sobre o CTP, mas não havia
ainda trabalhado nele como suporte. Nós então formamos o seguinte conceito: “Vamos
fazer o antigo e o novo funcionarem juntos”. A única referência que nós tínhamos era o
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Tamarind Book of Litography, que dizia que, em alguns lugares, estavam usando o off-set
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como matriz.
Digital

Na indústria gráfica, o CTP surgiu para substituir o fotolito. E isso exatamente em


Digital

um momento, é interessante analisar, em que a fotografia digital substitui a fotografia ana-


- Certificação

lógica. Nós tínhamos o registro de que havia alguém experimentando essa técnica, mas não
- Certificação

sabíamos quem. Já pesquisei na internet e não consegui chegar a nenhuma informação


PUC-Rio

precisa sobre isso.


PUC-Rio

Experimentamos algumas coisas, como por exemplo, escanear um desenho a grafi-


te, transformá-lo em arquivo digital, gravá-lo no CTP, como matriz e imprimi-lo em papel,
dentro do processo litográfico.
Depois disso, nós fizemos a minha foto, que foi um exercício interessante para
mim, como eu havia trabalhado já bastante na ampliação dessa imagem. Esse trabalho foi
também o que alavancou a minha relação com a Lithos, no desenvolvimento do CTP.
Guilherme já havia feito o trabalho do Tunga, que era essencialmente gráfico. Fal-
tava então pesquisar como utilizar o meio-tom gráfico no CTP. Aí, há uma questão técnica:
a retícula utilizada na gravação do CTP como matriz litográfica não é a mesma do off-set.
É a retícula “estocástica”: um tipo específico de retícula randômica. Nós usamos a retícula
randômica para trabalhar a gradação da retícula no CTP, aquilo que na fotografia nós cha-
mamos de “grão”. Esse grão, nas artes gráficas, vira retícula.
220

Com a retícula randômica, nós não temos, obrigatoriamente, aquela organização de


ângulos que se tem que seguir no off-set convencional. Ao mesmo tempo, a indústria grá-
fica não utiliza a retícula randômica, porque ela é uma retícula que exige uma manutenção
e uma calibragem do equipamento gráfico muito maior, e para se obter isso numa escala
industrial é complicado. Por isso, eles preferem trabalhar com a retícula convencional, de
off-set, que eles já dominam, e a retícula randômica fica restrita a projetos bem específicos.
Nós fizemos alguns testes e chegamos no ponto da experimentação. Um ponto em
que só avançaríamos uma vez que tivéssemos a demanda do artista. Poderia começar a
imprimir o meu trabalho como artista, mas aí viraria um processo nosso, interno. Nós pre-
cisávamos de outros artistas.
Comecei, então, a procurar os conhecidos, os amigos e mostrar o que nós podería-
mos fazer. Um trabalho ótimo como experimentação e como uma possibilidade técnica foi
o do Daniel Senise.
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O Daniel desenvolve há algum tempo um trabalho de impressões de chão, que é


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matéria prima do trabalho dele. Ele usa a tela aplicada ao chão, em construções antigas.
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Retira essas impressões, que ele chama exatamente de “impressão” – e é uma impressão. A
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partir disso, monta formas nas telas. No trabalho que ele imprimiu em CTP, especifica-
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mente, tentou explorar um desenho que foi impresso a partir dos tacos do chão, imprimin-
- Certificação

do-o em uma tela.


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Nós pegamos um pedaço de tecido impresso dentro do processo produtivo do Da-


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niel, escaneamos esse tecido, transformamos aquilo em arquivo digital; com esse arquivo,
gravamos uma matriz em CTP e imprimimos no processo litográfico. A mancha negra em
volta desse trabalho é uma serigrafia aplicada sobre a impressão do CTP, utilizada para dar
exatamente a sensação de irregularidade do movimento do tecido.
Nesse trabalho especificamente surgiu uma questão no processo de pré-impressão:
“Como nós iríamos transformar aquilo em arquivo digital, se o tecido era maior do que a
área que o scanner poderia atingir?”. A solução foi esticar este tecido, fotografá-lo na foto-
mecânica da indústria gráfica, e, com esse arquivo fotografado,transformar em arquivo
digital.
Então, nós iniciamos o processo de adaptação do CTP à impressão litográfica. Nes-
se trabalho de impressão de tecido, nós podemos ver uma concentração maior de pontos
em algumas áreas e uma concentração menor em outras.
221

A partir dessa experimentação com os artistas começam a surgir possibilidades


mais elaboradas. Nessa seqüência veio o trabalho do Damasceno, um artista contemporâ-
neo, brasileiro, que vem produzindo obras lindas. Esse trabalho do Damasceno é um obje-
to, que ele utilizou na exposição. É uma imagem da porta do elevador do prédio onde é seu
estúdio, fotografada com equipamento digital, enviada para mim como arquivo digital pela
internet. Eu e Marcus, o programador visual da Lithos, recebemos esse arquivo, analisa-
mos essa imagem no computador, a reticulamos no monitor, e enviamos pela a internet
para a pré-impressão da indústria gráfica que gravou o CTP.
Isso tudo aconteceu através de arquivos digitais e pela internet, até chegar à gráfica
que imprimiu a chapa de CTP. Nós levamos essa placa de CTP para a prensa litográfica do
final do século XIX e imprimimos ali a gravura. Todos os meio-tons, do preto ao branco,
foram passados para o papel com apenas uma impressão. Para isso o trabalho anterior na
retícula, para permitir essa graduação.
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A estocástica é uma retícula que se aproxima muito mais do grão fotográfico, do grão
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da litografia do que daquela retícula mecânica do off-set convencional.


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- Certificação

É verdade. E um negócio que faz todo o sentido é a indústria gráfica não conseguir
- Certificação

produzir com esse tipo de retícula em escala industrial, porque você imagina a calibragem
PUC-Rio

que um equipamento desses requer.


PUC-Rio

Os donos das gráficas são donos de um equipamento, mas não são pesquisadores
do uso artístico desses equipamentos. São prestadores de serviços dentro da indústria gráfi-
ca. Alguns gravam as matrizes de impressão em CTP para outras gráficas, que têm as má-
quinas de off-set. Para esses caras, se o processo começar a dar muito trabalho, não os inte-
ressa mais: eles têm que produzir o tempo todo.

O sujeito tem uma demanda que não exige esse tipo de especificidade.

Pois é.
Com isso veio a pergunta: “Quem está fazendo isso no mundo?”. Pesquisei e não
encontrei no Brasil, alguém que estivesse utilizando o CTP como matriz de impressão,
dentro da gravura. Morei em Nova Iorque e aquela é uma cidade pela qual tudo passa. Mas
não encontrei informações nesse sentido por lá. Encontrei na internet a menção de que
222

existem estúdios no mundo utilizando o CTP como matriz de litografia. “Quais são esses
estúdios?”: Não sei. Não encontro esses registros.
Um cruzamento interessante e que a sua pesquisa aborda é o seguinte: a litografia
exigia que o artista soubesse desenhar com o lápis gorduroso em cima de uma superfície
granitada, ou seja, porosa, propícia para trabalhar, preparada para receber um desenho com
lápis litográfico. No momento em que veio a arte contemporânea, deixou de ser necessário
ser um exímio desenhista para ser um artista plástico. Este pode ser um fotógrafo e desen-
volver um conceito sobre aquele trabalho, ou pode trabalhar com poliuretano, ou espuma,
ou neblina. A litografia manteve aquela exigência, de que eu tenho que saber desenhar
sobre aquela superfície e com todas aquelas questões. Por exemplo, se caiu uma gota de
suor em cima daquela superfície, joga-se aquela chapa litográfica fora e começa-se outro
desenho. Isso estava limitando muito a litografia na arte contemporânea.
O CTP é um processo de experimentação, portanto agradará ao artista contemporâ-
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neo: é uma variação do suporte, uma possibilidade de experimentação e não traz a obriga-
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toriedade da técnica do desenho sobre a prancha.


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A arte moderna trabalhava a forma e a sua política era a execução dessa forma. O
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artista moderno se colocava social e culturalmente em seu meio e em relação à sociedade a


- Certificação

partir do processo de execução e do domínio da técnica. A arte contemporânea tornou isso


- Certificação

secundário e partiu para a problemática do trabalho: “Qual é o discurso?”; “Qual é a poéti-


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ca?”; “Qual é o debate?”, e eu entendo que, por trás disso tudo está também a pergunta:
PUC-Rio

“Qual é a política desse trabalho?”. Nesse movimento, as técnicas de gravura ficaram sen-
do pouco trabalhadas.

O CTP não requer o domínio técnico da gravura e traz para esse artista a possibili-
dade de produzir um objeto em série, que sempre foi uma característica da gravura e
que não deixa de ser interessante para o mercado de arte contemporâneo.

Exato. O que me espantava quando eu voltei de Nova Iorque para o Brasil era co-
mo era enorme a demanda, a procura, o conhecimento e o ato de colecionar trabalhos em
papel fora do Brasil e como isso estava sendo tratado como algo secundário dentro da arte
e do colecionismo brasileiros. Nós temos no Museu de Arte de São Paulo e em Porto Ale-
gre, Clubes da Gravura, mas que são exatamente pequenos grupos que se interessam por
gravura e criam esse tipo de coisa como possibilidade de produção para aqueles artistas.
223

Uma coisa que era um hábito do artista moderno, que trabalhava no suporte tela, ou
um escultor que também desenhava e fazia gravura, e isso foi impactante numa oficina
como a Lithos, é que esse artista pintava telas; quando ele queria criar um múltiplo do tra-
balho dele, ele imprimia gravuras, necessariamente. Ele fazia séries de 150, 200 gravuras
para cada imagem que ele gravava. O Cícero Dias chegava na Lithos e imprimia 150 gra-
vuras de cada imagem. Isso foi uma coisa também questionada pela arte contemporânea,
ela mudou esse processo. Isso foi também influenciado pela entrada muito forte da fotogra-
fia. Quer dizer não exatamente a entrada, porque ela já vinha atuando...

Quais foram os artistas que trabalharam com o CTP na Lithos?

Damasceno, Daniel Senise... O Tunga já havia procurado a Lithos querendo achar


uma forma de reproduzir esse trabalho dele. Fizemos também o meu trabalho e agora o
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Ernesto Neto vai trabalhar também com o CTP. O Neto escreveu uma frase em um papel e
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nós escaneamos essa frase e fizemos o trabalho a partir dela.


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Quer dizer, o Tunga chegou lá com um trabalho pronto, querendo reproduzi-lo. A-


- Certificação

gora é um momento em que o artista contemporâneo já fica sabendo da existência do


- Certificação

CTP e começa a pensar: “O que eu posso fazer com isso?”. Porque, fazer um desenho
PUC-Rio

numa matriz litográfica pode ser uma coisa que não tem nada a ver com o cara.
PUC-Rio

Não tem... E nisso há uma relação com o tempo que eu acho interessante. Antes, o
processo de trabalho na Lithos se dava da seguinte forma: havia uma mesa de desenho,
onde o artista vinha e ficava trabalhando. Hoje, o artista não tem condições de deixar seu
estúdio para ficar na Lithos produzindo. Ele não tem tempo para isso. Não pode deixar o
estúdio dele por muitas horas por dia e por dias consecutivos para desenhar uma gravura.
Com o CTP, o artista se sente livre dessa obrigação de ir lá, fazer um desenho, o
desenho dar certo, aí, imprimir e ele aprovar essa prova de impressão. Esse é um processo
que não faz parte mais da dinâmica da vida de um artista contemporâneo.

O trabalho do Neto teve uma questão interessante, porque ele é um escultor. Ele
tem um filho chamado Lito, sempre quis fazer litografia, mas nunca havia feito exatamente
por conta de uma falta de acesso à técnica. Nós fomos conversando, nos aproximando e
então ele pegou uma palavra e um artigo, que são “a mente”, e transformou isso em frase.
224

Ficou uma coisa assim: “Mente a mente mente. Mente mente a mente mente. Mente mente
mente a mente”. Quer dizer, um conceito sobre o corpo e a relação do corpo e mente, que é
fundamento do trabalho dele como escultor. Através de um processo de transposição de
suporte, a gente produziu um múltiplo gráfico dentro do conceito que ele usa para escultu-
ra.

É o exemplo do sujeito que lança mão de uma técnica, da mesma forma que poderia
fazer com a fotografia.

E a litografia estava esquecida dentro dessas possibilidades técnicas que o artista


poderia usar. Usando um termo dos anos sessenta: não estava inserida no contexto da arte
contemporânea. E o processo de gravação da matriz em CTP traz essa possibilidade.
Qual é o nosso desafio hoje? É saber o quanto é possível sobrepor pontos do CTP
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para fazer a policromia. O Cildo Meireles fez isso.


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Nós não queremos manipular a imagem do artista: Isso nos diferencia dos azes do
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Photoshop. Não tememos usar a ferramenta da computação gráfica. Simplesmente, a ques-


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tão não é aplicar a ferramenta da computação gráfica a qualquer trabalho. A questão é usar
- Certificação

essa ferramenta para viabilizar um processo de impressão. De que maneira, então, nós po-
- Certificação

demos trabalhar essa retícula que grava matrizes do CTP, abrindo e fechando essa retícula
PUC-Rio

de modo que eu possa criar planos, como na fotografia?”. Através da definição dos grãos
PUC-Rio

da fotografia, eu sei o que é primeiro plano, e eu sei o que é plano médio e o que é fundo.
Uma vez que eu transponho isso para o CTP, também posso trabalhar com esse mesmo
conceito. E, então, posso pensar em cor.

Esse pensamento se aproxima da água-tinta, técnica de gravação em metal, que tra-


balha com diferentes tonalidades de áreas, numa mesma impressão.

Pois é. Eu adoro aquela tonalidade da água-tinta. Quanto mais a gente aprende so-
bre o CTP, mais a gente cria possibilidades de trabalho. Mas, ao mesmo tempo, o CTP foi
criado como um suporte da industria gráfica. Ele vai até ali. A partir daquele ponto vem a
criação a partir da técnica. O conceito é exatamente trabalhar o CTP como matriz de expe-
rimentação para a litografia; trazer isso para a arte contemporânea não simplesmente como
forma de reprodutibilidade técnica de uma obra, mas como suporte de experimentação.
225

Como meio expressivo, plástico.

Exatamente. Aí vem a inserção da técnica na produção contemporânea que é a as-


sociação daquela aos conceitos desta.

Vocês trabalham apenas com a retícula estocástica? Já experimentaram outras retí-


culas?

Já. O nome da retícula, na verdade, é “randômica”. A estocástica, como ficou co-


nhecida, é apenas um tipo de retícula randômica. Depende da máquina de gravação da
chapa de CTP. Cada máquina trabalha com um tipo de retícula randômica diferente. Além
disso, cada uma trabalha com um tipo de processo de gravação diferente. Algumas com
eletrostático, outras com um processo químico. Além disso, essas máquinas podem traba-
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lhar também com a retícula convencional.


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Na parte anterior ao processo de gravação, quais são os softwares utilizados para a


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preparação das imagens a serem gravadas em chapas de CTP?


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São softwares que possam trabalhar com vetores. Depende do que a pessoa tenha
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preferência de trabalhar. A necessidade é a de gerar um arquivo com 600 dpi de resolução


PUC-Rio

e que não seja fechado. Nós temos que abrir esse arquivo para podermos reticular a ima-
gem.
Quando nós vamos trabalhar com o CTP, eu preciso receber esse arquivo com 300
dpi. Essa imagem deve ser igual ou maior que 30 x 20 cm. e deve estar em JPG ou em
TIFF. Uma vez que nós recebemos essa imagem, nós fazemos um estudo de tonalidade,
dos meio-tons dela. Nós a transformamos em preto e branco, a reticulamos inteira, para
entender como vão funcionar os meio-tons na impressão. Uma vez que nós mandamos
gravar o CTP, o birô faz o processo mecânico e eletrônico, digital, simplesmente. Se ela
vai ter mais ou menos retícula, isso quem define somos nós.

O tipo de retícula escolhido exerce alguma influência no momento da impressão, na


Marinoni?
226

Sim. Na minha foto, nós trabalhamos com um grão maior, na do Daniel, nós traba-
lhamos com um ponto finíssimo. Essas diferenças de pontos são trabalhadas antes de man-
dar para a impressão. Dependendo do trabalho do artista, ele pode encaminhar para um ou
outro tipo de retícula.

Na história da arte, há um momento em que a gravura passa a ser usada pelo artista
e tem um momento anterior a isso, no qual ela ainda não é usada. O momento em que
ela passa a ser usada é justamente aquele em que o artista, seja ele pintor, ou escul-
tor, começa a conceber a obra de arte como produto do fazer: ela passa a ser um re-
sultado do processo do fazer. O artista moderno se volta à técnica, não mais como
aquilo que vai executar o projeto elaborado anteriormente, mas como aquilo que ge-
rará a obra, durante o processo de fatura desta. Na arte contemporânea, isso deixou
de ser entendido dessa forma: O fazer deixa de ser o momento de gênese da obra e
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esta passa a ser realizada anteriormente, a partir de um projeto, uma idéia, um con-
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ceito. Por outro lado, a questão da técnica deixa de ser um meio expressivo do artista
Digital

e passa a ser uma mídia, entre várias outras, alternativas.


Digital

A pintura, ainda se adapta a isso, mas a gravura passa a ser um pato feio, porque ela
- Certificação

– a princípio – demanda, exige do artista esse domínio técnico. Quem vai se propor a
- Certificação

fazer uma coisa dessas?


PUC-Rio
PUC-Rio

E aí entra um debate político também, e que eu acho muito interessante: Por que
isso aconteceu de forma tão acentuada no Brasil? Porque fora do Brasil, na Europa, Ásia,
nos Estados Unidos, e em alguns lugares da América Latina também, a gravura continuou.
Penso que isso se deu, primeiramente, porque nesses lugares você tem escolas, ou
seja, o artista continuou tendo acesso a essa possibilidade. Você tem locais onde a gravura
é produzida, museus e centros culturais especializados em gravura. Isso fomenta a possibi-
lidade de produção dos artistas jovens que vão surgindo. Gera o chão, o colchão para o
artista se sentir confortável para produzir dentro daquela técnica.
Há também a questão do investimento nesse tipo de manifestação, que nós não
temos no Brasil.
Outra questão, mais analítica, é que o Brasil, como cultura, tende a assimilar a refe-
rência que vem de fora para produzir o seu trabalho. A informação que chega aqui, muitas
vezes não chega de forma plena, de forma integral. Ela chega em fragmentos. Surge então
227

a produção contemporânea: “O artista está variando o suporte. Então gravura é cafona”.


Não há uma questão plural no mercado brasileiro.

Anula-se, obrigatoriamente, o interesse em se fazer uma xilogravura, porque se está


fazendo uma instalação, que está em um pólo oposto; ou a convivência dos dois é uma
coisa enriquecedora?
Essa é uma questão por trás dessa experiência com o CTP: O fato de a Lithos ter a-
daptado a matriz de CTP a uma impressão litográfica, numa prensa do século XIX, é
o que enriquece conceitual e plasticamente o trabalho.

E foi daí que surgiu a nossa união.

Eu fiz uma pergunta para o Guilherme, e que agora eu faço a você: qual o interesse
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em se imprimir numa prensa do século XIX, uma matriz gravada no computador?


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Ele me deu uma resposta técnica e plástica, dizendo que a impressão litográfica não é
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indireta, como a do off-set, na qual a imagem passa antes para o cauchú e, só então, é
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impressa no papel. Esse dado técnico providencia à prova uma vivacidade da imagem
- Certificação

e da tinta muito maior. Qual seria o interesse conceitual nessa união?


- Certificação
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A impressão litográfica e o desenvolvimento daquela prensa Marinoni – que não é


PUC-Rio

uma prensa manual, mas uma prensa industrial – têm uma relação histórica com a humani-
dade. A litografia está ligada ao desenvolvimento do tipo móvel por Gutenberg. Eu já vi
alguns registros sobre Gutenberg, que ele teria, de certo modo, inventado a palavra. Ele
criou a possibilidade da divulgação da informação: você reproduzir essa informação numa
velocidade suficiente para que a notícia de hoje esteja impressa amanhã e seja divulgada
para a população; que sejam impressos obtidos a um custo menor e, consequentemente,
mais acessíveis. A sociedade passa então a poder ler.
O maior desejo nesse conceito que eu coloco é que nós nos referimos ao final do
século XIX e início do século XX: a humanidade passou pela revolução industrial, vive em
plena consequência desse processo. Nessa época existia um conceito: aumentar a veloci-
dade de produção, aumentar a velocidade de locomoção do ser humano. Os trens e as fer-
rovias já havia tido um enorme desenvolvimento; a imprensa vive uma incrível alavancada
nessa época, também; surge a prensa industrial; surge o avião, o vôo mais famoso de San-
tos Dumont, com o 14-bis, e ele foi o inventor do avião, mesmo. Isso foi em 1904. A pren-
228

sa industrial é inventada no final do século XIX. Ela é operada por quatro técnicos e pro-
duzia 400 folhas impressas por dia, ou seja, de 50, passa-se a conseguir 400 impressões
diárias. A própria mecânica de movimentação dela é uma mecânica de locomotiva. Ver
essa prensa funcionando é perceber essa relação com o aumento da velocidade de produ-
ção.
Foi exatamente numa prensa litográfica cilíndrica que se descobriu a possibilidade
do que viria a ser o off-set. O cara estava imprimindo e deixou de posicionar a folha: a
matriz imprimiu no couro que circundava o cilindro. Quando ele passou uma outra folha,
ela recebeu a impressão da matriz e daquilo que havia sido impresso no couro. Daí surge a
idéia do off-set.
Tudo isso aconteceu em quarenta anos no máximo, desde o final do século XIX e o
início do século XX. Surgem, então, as grandes gráficas e os jornais...
Nós damos um pulo de quase um século e vamos para 1996, com a criação do CTP
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e, na mesma época o conceito de rede: a comunicação através da internet, que torna a co-
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municação possível em tempo real em localizações geográficas distintas. Além de todas as


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questões sociais e políticas que a humanidade vive nesse fim de século XX: a globalização,
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neo-liberalismo, essa suposta idéia de que não existem mais fornteiras... Todos esses con-
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ceitos irão se relacionar com a arte. Principalmente a arte contemporânea partiu para um
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debate crítico dessas questões.


PUC-Rio

Então nós estamos usando um suporte que é da indústria gráfica atual, um suporte
PUC-Rio

que trabalha com arquivo digital, grava num processo digital e, do outro lado, uma prensa,
um equipamento de impressão que vem lá daquele momento do final do século XIX. É
uma junção muito interessante, mas que carrega certo anacronismo, porque a gente produz
numa velocidade que não é industrial.

É uma velocidade bem menor à da industria gráfica atual, com a impressão off-set,
mas bem maior comparada à impressão artesanal da gravura. É uma impressão que
pode produzir 100 cópias em dez minutos. Numa tiragem artística, você vai produzir
quantas cópias? Cem? Duzentas? Mil cópias já é uma tiragem imensa em termos
artísticos.

Nós, na verdade, fazemos duzentas cópias em um dia inteiro de trabalho.


229

Para um processo de impressão de gravura isso é rapidíssimo. Em uma xilogravura


impressa a mão, para os artistas que fazem uma impressão realmente artesanal, po-
de-se fazer apenas duas cópias em um dia. Aí sim, é um anacronismo no sentido de
ser um contraste com os tempos de hoje.

Pensando-se na questão do Brasil, onde o fragmento de um discurso muitas vezes


copiado é tomado como todo, o processo de produção da gravura, que possui essa questão
artesanal, é rejeitado. O uso do CTP, porém, traz a possibilidade do cara não precisar ser
artesanal. Se quiser, ele pode continuar a ser. Mas ele não precisa, obrigatoriamente, pro-
duzir artesanalmente aquela matriz.

Uma questão que o uso artístico da gravura trouxe foi: “Qual a genuinidade de uma
obra que é reproduzida n vezes?”. Comparando com uma impressão mecânica de
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off-set, que não tem valor artístico nenhum, a impressão na prensa Marinoni traz
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essa genuinidade para esses trabalhos em CTP.


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Uma coisa que levou certo tempo para ser acertado na conversa com a Lithos é que
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ela estava acostumada com essa produção de grande escala. Ela trabalhava com o artista
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moderno que era, por exemplo, um pintor que queria reproduzir 150 vezes uma determina-
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da imagem. Desde o começo eu sinalizei a eles que não seria assim. Nós trabalhamos com
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uma tiragem de trinta gravuras, por aí. E já era um número legal.

É um número legal para uma xilo, mas para um CTP é muito baixo. Isso que eles
devem ter achado estranho, não é?

Exatamente. Só que eu falei que a assimilação, hoje, do mercado, do colecionador


e do próprio artista não acontece mais dessa forma. E isso é próprio da arte contemporânea.

A limitação artificial da cópia nasce com a necessidade de manter um valor naquele


objeto. Eu me indago sobre o fato se estar fazendo uma limitação muito reduzida do
potencial daquela técnica. Seria a mesma coisa de você, numa xilo, tirar apenas duas
cópias.
230

Essa questão é trabalhada não apenas no Brasil. “Qual a validade de uma obra re-
produzida duzentos e cinqüenta vezes?”.

Isso talvez porque o cara vai querer cobrar o mesmo preço naquilo que ele colocaria
num objeto único. Uma obra do Tunga, ou do Waltércio Caldas, por exemplo, você
não tem dinheiro para comprar, da mesma forma que você não teria para comprar
uma tela do Di Cavalcanti, que imprimiu na Lithos. Mas uma gravura dele você po-
deria comprar e ter na sua casa.

Eu concordo. Mas também concordo em você não produzir nesse mesmo formato,
uma vez que o principal da arte contemporânea não é a operação da obra, mas sim a críti-
ca, a problemática e o debate da obra. Você entende o que eu digo?
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Sim. Isso é uma coisa que talvez, cada artista diga e pense uma coisa, mas eu acho
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que não precisava ser por aí. Você tem, por exemplo, o Vogler, que é um cara da nos-
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sa geração, que participou de um movimento de incentivar artistas contemporâneos


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jovens a produzir múltiplos. Uma tiragem de cem cópias para uma obra do Tunga,
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que é um artista conhecido mundialmente, talvez não seja muito.


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Mas existe um cuidado excessivo nesse sentido, por parte do mercado de arte con-
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temporânea. O Argan, crítico de arte italiano, fala sobre essa necessidade do mercado de
estar sempre criando novas tendências, e, ao criar essas novas tendências, eliminar as ante-
riores. No Brasil, eu vejo uma voracidade nesse movimento absurda. Existe também, um
interesse econômico por trás disso aí. Porque se você produz cinco ao invés de cem, você
vende por mil vezes mais. E você está sempre dando uma exclusividade a uma obra, que
acaba virando uma coisa de olhar para o próprio umbigo. Essa é uma crítica política que eu
tenho ao artista jovem contemporâneo brasileiro. Existem artistas jovens no Brasil que
estão interessados com a questão política, e eu não falo de política partidária, nem de arte
engajada, ou panfletária. Eu falo de uma questão política. Nosso mundo ocidental é fun-
damentado na mente de Aristóteles que disse que o animal falante é um ser político. É des-
sa política que eu estou falando, e eu vejo o artista plástico brasileiro jovem voltado muito
para ele mesmo e muito para o seu meio e pouco preocupado com a política.
Penso que não deve haver uma inviabilização da tiragem. Mas acho que essa tira-
gem não precisa operar sempre.
231

As artes gráficas se relacionam sempre com a indústria. Há a relação entre arte,


técnica e série. A possibilidade de reprodução indefinida deve ser tratada com cuidado pelo
artista e pela arte. E por quem compra essa imagem também, porque senão vira pôster.
“Isso é obra?”. “Isso é um pôster da obra?”. “O quê é isso?”.
Se eu sou um artista e quero reproduzir duzentas vezes uma gravura minha. eu re-
produzo.

Eu não estou fazendo uma crítica ao cara fazer trinta cópias de um CTP. Acho que
como artista, ele pode fazer, numa monotipia, uma cópia só, ou fazer cem cópias de
uma gravura. Serão trabalhos diferentes. Eu só acho que o cara não pode tomar essa
decisão por conta de um preconceito, por medo de ser “moderno”.

Eu acho que o artista brasileiro deveria aprender a ser brasileiro antes de ser artista.
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Quem se dá muito bem é o cara que sabe jogar, sabe misturar de forma autêntica, que são o
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Hélio Oiticica, a Ligia Clark, o Ernesto Neto, que pegou meia-calça do Saara, com contas
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e lantejoulas que ele encontra por lá, e criou um escultura. Você percebe que o Neto é um
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artista brasileiro, que utiliza a questão conceitual, intelectual, que vem da Europa, da Ale-
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manha e da França e também dos estados Unidos, toda a influência intelectual do ocidente;
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mas que assimila isso como processo, não como uma verdade absoluta.
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Se o cara assimila um fragmento e o transforma em verdade, ele, estando preocu-


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pado em não fazer uma cópia, faz do seu trabalho uma cópia.
O artista contemporâneo que se destaca é aquele que é um mestre no que ele faz,
que atinge um nível de riqueza na execução de uma técnica altíssimo, comparável ao da
ciência. O jovem artista assimilou a primeira parte da história, “ah, eu não preciso dominar
uma técnica para executar um trabalho”, mas para dar consistência a esse trabalho ele tem
que se aprofundar em sua técnica. Isso está diferenciando quem é quem na arte contempo-
rânea.

2º Encontro, 27/12/07

Gostaria que você falasse um pouco sobre a exposição “Alumínio Digital”, na Galeria
Artur Fidalgo.
232

Acho que, na época do nosso primeiro encontro, essa exposição já havia sido idea-
lizada e nós estávamos começando a dar uma forma a ela. Na verdade, esse projeto defi-
niu-se durante o processo. A proposta era a de uma experimentação: levar àqueles artistas a
possibilidade de produzir um trabalho em CTP e imprimi-lo em uma prensa litográfica.
Essa idéia é o que une os dez diferentes trabalhos realizados. Desde o início, nós sabíamos
que muita coisa iria surgir durante o processo. Exatamente por isso, nós não definimos um
formato exato, um padrão qualquer. Nós tampouco implementamos um prazo para os tra-
balhos. Procuramos, ao contrário, estender até o extremo a possibilidade de experimentar.
Isso significou imprimir até o dia da abertura da exposição.

Todos os artistas já trabalhavam com a galeria?

Alguns sim, outros não. Alguns já a conheciam mas aproximaram-se dela justa-
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mente naquele momento, como o Antonio Manuel e o Miguel Rio Branco, por exemplo.
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Como foi o processo de apresentação desta proposta aos artistas?


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O processo iniciou-se com uma aproximação com os artistas, visitando seus estú-
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dios, apresentando-lhes a técnica, conversando sobre as experiências já realizadas e sobre


PUC-Rio

as possibilidades encerradas por este sistema. Começávamos, então, a dar prosseguimento


PUC-Rio

ao trabalho. Inicialmente, nos próprios estúdios dos artistas. Nós pesávamos em uma obra
que pudesse ser impressa em uma matriz gravada no processo digital. Experimentávamos,
criávamos possibilidades. Eu levava o resultado desenvolvido a partir dessa conversa para
a Lithos e lá, nós partíamos para as provas de impressão.
Esse é um processo de experimentação que, a meu ver, contemporiza uma possibi-
lidade de impressão, contemporiza uma técnica que tem a sua raiz na litografia. Ao mesmo
tempo, acredito que este processo exerce um impacto sobre a litografia clássica. E como
todo impacto, trata-se de uma força que em alguns momentos chega a ser contrária. Na
Lithos, até que se chegue a uma prova satisfatória, são tiradas diversas provas, nas chama-
das “folhas de coletura”. São como que provas de estado da impressão. Estas são reapro-
veitadas. Passam várias vezes na prensa e vão adquirindo variadas sobreposições. Confor-
me nós íamos imprimindo as provas de CTP, elas iam se sobrepondo às provas gravadas
na litografia convencional. Vendo o contraste entre os dois sistemas, ressaltado naquela
prova, eu percebi que, mais do que uma contemporização da litografia clássica, desenhada,
233

esse processo se contrapunha a ela, demandava sua independência, colocava-se como um


processo de impressão autônomo.

Os artistas chegaram a ir na Lithos, a trabalhar lá?

Alguns foram, outros não. Isso não foi uma obrigatoriedade.

Como foi a apresentação desta técnica para os artistas?

A recepção deles foi muito boa. Houve de cara um interesse muito grande. De uma
maneira geral, houve uma reação conjunta e individual comum a todos estes artistas: todos
manifestaram o interesse e a necessidade da atualização do processo de impressão no Bra-
sil.
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As propostas dos trabalhos demandaram uma mistura de técnicas: usar a retícula


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gravada na prensa litográfica com a matriz digital e ainda usar a serigrafia e outras possibi-
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lidades técnicas para chegar ao trabalho desenvolvido pelo artista no seu estúdio.
Digital
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Houve algum artista que nunca havia trabalhado com obras múltiplas, para o qual
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esta foi a primeira oportunidade?


PUC-Rio
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Alguns já haviam tido uma experiência anterior em trabalhos impressos, em grande


escala, inclusive. Alguns já haviam trabalhado com processos de impressão, com off-set,
com litografia, com serigrafia... Outros, por serem muito jovens – ou mesmo quando mais
experientes, devido ao tipo de suporte que se orientavam – nunca haviam tido a experiên-
cia de fazer um trabalho em série. Acredito que o Rafael Carneiro e o Gustavo Speridião
nunca haviam realizado um trabalho múltiplo e tiveram justamente com o CTP, essa opor-
tunidade. De qualquer, maneira, isso não foi uma condicionante para a qualidade do traba-
lho. Nenhum deles havia efetivamente experimentado esta técnica. Nem no Brasil, nem no
exterior. A atualização que o CTP representa traz várias possibilidades que os artistas esta-
vam buscando e não estavam encontrando. Pois eles olhavam para o que havia sido feito
anteriormente e entendendo ou sentindo que não era exatamente aquilo que queriam.
234

Gustavo Speridião, embora tenha um trabalho extremamente gráfico, que eu saiba,


nunca havia feito gravura. Teria sido, então, exatamente a informalidade técnica a-
berta pelo CTP que o proporcionou essa chance.

O processo com o Gustavo Speridião foi muito interessante porque ele apresenta
uma referência gráfica muito forte no trabalho dele, inclusive uma referência aos russos no
século XX, que tiveram uma importância enorme para as artes gráficas. Ele desejava reali-
zar um trabalho estritamente gráfico e vibrou muito com essa possibilidade. Nós nos co-
nhecemos antes de realizar o trabalho, trabalhamos bastante, juntos, discordamos em al-
guns momentos e acabamos chegando em um resultado muito bom, muito melhor do que o
começo da nossa conversa.

Gostaria que você falasse rapidamente sobre a experiência de cada artista.


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O Antonio Manuel entrou na exposição praticamente um mês antes da inaugura-


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ção. Ele não trabalhava com a galeria. Nós já havíamos conversado antes, logo que eu che-
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guei na França, em 2005. Eu havia cuidado da montagem de uma exposição que ele reali-
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zou lá. Em novembro de 2007, quando nós o convidamos, ele tinha cinco dias para realizar
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o trabalho, pois iria viajar e só voltava uma semana antes da abertura da exposição. Nós
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trabalhamos direto em seu estúdio e chegamos ao resultado final. Este foi, a meu ver, o
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trabalho de cunho mais experimental. Ele é um artista que tem a improvisação como raiz.
Nós trabalhávamos no seu estúdio, eu ia para a Lithos. Ali, nós imprimíamos algumas pro-
vas e, de volta ao seu atelier, ele experimentava novas possibilidades.
De alguns anos para cá, ele vem trabalhando com pintura. Mas seu trabalho escul-
tórico, de instalação, lida com muros e buracos nestes muros. Antonio trouxe a idéia de
uma pintura que ele não fez, a qual possuía um buraco, que nós reproduzimos nesta im-
pressão. Suas telas têm pontos geométricos, quadrados e retângulos, que, de certa forma,
flutuam nela. Porém, uma coisa que funciona na tela, não funcionará diretamente, ou ime-
diatamente na impressão. Nós passamos alguns dias testando diversas possibilidades de
composição, mexendo nas provas de impressão, testando, até que chegássemos ao resulta-
do final.

Rafael Carneiro é um jovem de 24 anos. Ele vem realizando um trabalho em que


pinta telas a partir de fotos de circuitos internos de edifícios comerciais. Usa essas imagens
235

como referências para suas pinturas. Naturalmente, ao pintar, ele coloca alguma expressão
dele na tela. Revelou-se, então, no seu trabalho, um sentimento que permeou toda a expo-
sição. Ele próprio teve um estranhamento no decorrer do trabalho, pois, ao gravar uma
matriz diretamente a partir de uma imagem que já é digital, no caso, obtida a partir de um
circuito interno de televisão, mantêm-se uma série de informações, de texturas, de granula-
ções que são próprias do sistema em que a imagem foi gerada são passada diretamente
para a impressão.

Estas informações eram plasmadas pelo gestual dele na tela. Quer dizer, aqui, a ima-
gem “passa menos” pelo artista.

Exatamente. Acredito que o CTP agregou algo novo ao trabalho do Rafael Carnei-
ro.
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Seria interessante falar, agora, sobre o trabalho do Paulo Vivacqua. Vivacqua é um


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artista que vem da música, trabalha com escultura e com imagem. Embora lide com foto-
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grafia e tenha uma preocupação com enquadramento e com questões próprias desta mídia,
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ele tem, hoje, na verdade, um trabalho muito próximo da escultura. Nesta obra, Vivacqua
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utilizou uma fotografia tirada por ele de um monitor de televisão: uma cena de uma novela
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das oito da Rede Globo. Com uma câmera digital, ele fotografou um monitor de televisão.
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Nós transformamos aquela imagem em matriz digital, e imprimimos. Os efeitos que a cor
luz produz no monitor de televisão foram mantidos nessa matriz. Este trabalho situa-se,
assim, entre a cor pigmento e a cor luz.

O José Damasceno já havia utilizado o CTP como forma de reprodução de ima-


gens, quando realizou a obra intitulada “O Elevador”. E mais uma vez, seu trabalho veio
fortalecer a experimentação com esse processo. Ele veio com uma imagem para a qual já
olhava há muito tempo. Era o reflexo de um espelho de uma tabacaria que ele freqüenta
em Copacabana. A Joana Traub fez o registro fotográfico dessa imagem, que trazia, em si,
dúzias de informações de cores. Reproduzi-las seria, não impossível, mas talvez inviável.

...iria contra o próprio princípio do CTP.


236

Pois é. Se fosse para reproduzi-las daquela forma, seria melhor fazer uma fotogra-
fia propriamente dita. Nós optamos, assim, por trabalhar sinteticamente, com poucas cores,
dentro daquela limitação, de um modo semelhante, creio, à obra gráfica do Rauschenberg.
Este artista cola imagens que têm tonalidades de cores próximas. Usa vizinhanças de cores
interessantes, que fazem com que ele não tenha que se desdobrar em soluções técnicas
absurdas.
Nós usamos o CTP como registro sólido da imagem e operamos em serigrafia com
as camadas de cor que poderiam funcionar de acordo com o que ele apresentou.

O Waltercio Caldas foi o artista com o qual eu falei primeiro e foi o último trabalho
a ser impresso. Ele tem uma grande experiência com impressão e é um artista que deman-
da uma precisão enorme de execução. Este foi, por consequência, um trabalho que exigiu
muita precisão. Foi uma impressão muito sutil, muito delicada.
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O trabalho do Vicente de Mello demandou também uma impressão extremamente


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delicada. Ele é um fotógrafo. Partiu de uma fotografia tirada por ele de um vitral de uma
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igreja na Alemanha. Havia uma luz que cruzava esse vitral. Nós pensamos em como im-
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primir aquela imagem de maneira não literal. Não queríamos reproduzi-la simplesmente
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em um papel branco. Uma pergunta recorrente a todo esse processo de produção foi: “o
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que é isso?”.
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Experimentamos aplicar uma camada prateada por baixo e depois sobrepor a ima-
gem por cima, mas não funcionou. Tentamos outros caminhos, também em vão. Assim,
chegamos à impressão no papel vegetal, que traz de volta a transparência do vitral. Esse
papel, porém, é extremamente sensível. Qualquer excesso de umidade o faz trabalhar. Na
Marinoni, o papel é seguro por uma pinça e levado à impressão; na hora em que aquele
papel era preso ali, ele era vincado. Nós tínhamos uma perda gigantesca, mas resolvemo-la
trabalhando.

O interessante do trabalho do Miguel Rio Branco foi que ele já havia tentado im-
primir em seda em algumas situações, em algumas cidades do mundo, e não tinha obtido
nunca um resultado realmente satisfatório, o que foi possível desta vez. A impressão em
tecidos abre novas possibilidades para esta técnica, de formato, inclusive.
237

Ele realizou a sobreposição de duas imagens. A do fundo pertence ao seu acervo


pessoal. É um negativo marcado pela água. A outra é um negativo de vidro, grande, antigo,
de fotografia aérea de reconhecimento, que pertence ao acervo da Lithos.
Desde o início, eu via as provas de coletura e pensava que nós tínhamos que fazer
algo com elas, aproveitá-las de alguma maneira. Nessa exposição, nós separamos uma
quantidade de papel para servir como coletura exclusiva daqueles trabalhos. São provas
que não têm outras imagens senão às daqueles artistas. A idéia de sobrepor impressões, no
trabalho do Miguel Rio Branco, surgiu, assim, a partir da observação de uma prova em que
havia sua imagem havia sido sobreposta ao fundo vermelho da obra do Waltercio.

Eu não conhecia o Paulo Climachauska até então, e nós nos encontramos no mo-
mento de falar sobre o trabalho. Foi um processo completamente afinado. Cada passo le-
vou ao próximo e nós chegamos ao resultado final.
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Como foi a recepção da galeria e do público?


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A galeria acreditou no projeto, o que foi muito legal. Ao apoiar um projeto desses,
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ela mostrou acreditar também na idéia. Pois para ela, assim como para o público, essa pro-
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posta era desconhecida. Em relação ao último, eu percebi, de fato, certo estranhamento.


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Para este também surgiu a questão do que era aquilo.


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A experiência com essa exposição, a meu ver, só confirma a premência de se traba-


lhar, de atualizar os processos de arte impressos no Rio de Janeiro e no Brasil.
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8.7
Entrevista com Thereza Miranda – Rio de Janeiro, 17/7/2007

Entrevista realizada no Ateliê Villa Venturoza, no dia 17 de julho de 2007. Estava também
no ateliê a gravadora Bia Sasso, que, interpelada por Thereza, participa da entrevista.

Em conversa com o Guilherme Rodrigues da Lithos, ele contou que antes de terem
essa oficina na Tijuca, eles tiveram um ateliê no Museu Histórico Nacional. Segundo
ele, você conheceu esse atelier. Como foi isso?

De fato, eu conheci esse ateliê. Nessa época eu trabalhava com o arquiteto Henri-
que Mindlin, irmão do José Mindlin. Ele era um grande arquiteto, trabalhava aqui no Rio
de Janeiro. Tinha um escritório de arquitetura aqui e era amigo do Genaro Rodrigues, pai
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do Guilherme.
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Um dia, Genaro chegou lá no escritório e disse: “Dr. Henrique, eu quero que o se-
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nhor venha comigo. Eu preciso mostrar uma coisa ao senhor”. Aí nós fomos lá. Ele tinha
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um atelier pequeninho no Museu Histórico.


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Você batia na parede e ela era oca. Ele pediu licença para derrubar aquela parede.
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Quando eles derrubaram, encontraram quatro pedras de uma grande litografia que mostra
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todo o centro antigo do Rio de Janeiro, com as casas todas pequenininhas gravadas.
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O Henrique financiou a impressão daquelas pedras. O Genaro a fez e foi o maior


sucesso no meio de arquitetura na época. Isso foi nos anos 70.

Você trabalhou nesse ateliê?

Não cheguei a trabalhar propriamente ali. Nesse tempo eu fazia gravura no MAM.
Eu sou cria do MAM. Comecei lá em 1960. Antes, eu pintava. Depois que o meu filho
menor foi para a escola, o Colégio Santo Inácio, eu passei a ter tempo. Nos momentos em
que ele ficava no Santo Inácio, eu ia para o ateliê do MAM e trabalhava lá. Eu estudei lá
durante dez anos.
Aqui no atelier, está pendurada uma gravura com a fotografia do Walter Marques.
Infelizmente ele já faleceu. Foi com quem eu aprendi tudo na minha vida. Ele foi meu pro-
fessor, foi professor de Bia Sasso. A Bia foi minha aluna no MAM também. O Walter era
um professor extraordinário.
239

Eu vi a impressão desse mapa sendo feita, mas vi pouca coisa, porque eu trabalha-
va muito no escritório do Henrique.
Naquele tempo a arquitetura aqui no Rio estava passando por um desenvolvimento
enorme. Para você ter uma idéia, naquela época, nós fizemos o Hotel Sheraton; um outro
hotel, logo adiante, o Intercontinental; fizemos o Jornal do Brasil; a Globo... Era um escri-
tório de muito movimento. Ele ocupava um andar inteiro do Edifício Avenida Central, que
foi também feito por nós. Era tudo moderníssimo, feito com placas que já vinham prontas.
Era uma arquitetura avançadíssima. O Henrique gostava muito de arte. A mulher dele, a
Vera Mindlin, era gravadora e minha amiga. Daí veio o meu contato, não só com o Henri-
que, como também com o Genaro.
Eu não tinha tempo de acompanhar aquele trabalho no ateliê, porque eu trabalhava
o dia inteiro. Depois, o Guilherme sucedeu o pai e tocou a oficina para frente. Eles eram, e
ainda são, uma empresa familiar e tiveram que se virar para sustentar aquilo tudo. Eu a-
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companhei a transição deles para a casa na Tijuca, onde instalaram a prensa Marinoni, que
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é maravilhosa.
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Há quinze dias atrás eu fiz uma litografia lá, por conta de uma encomenda que tive.
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Nós fizemos em uma chapa de alumínio, porque as pedras são cada vez mais raras. Como
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você não consegue pedras, acaba fazendo em alumínio. Essa já foi uma coisa bem mais
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avançada porque foi feita com retícula estocástica. Era uma foto que passamos para a cha-
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pa, por meios mecânicos, de uma maneira muito mais rápida do que antigamente, quando
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se tinha que desenhar tudo e preparar manualmente. Agora o processo é rapidíssimo. Eles
têm um funcionário que trabalha em computação, que é ótimo. Fizemos como eu queria e
foi muito rápido: em cinco dias fizemos tudo.
A gravura é um retrato de Maria Bethânia, com a Ana Basbaum, que é produtora
dela, as duas filhinhas da Ana e a Dona Canô. Tínhamos de montar aquilo tudo para dar
certo. Eram fotos diferentes, e, na computação, nós conseguimos montar. Conseguimos
fazer a composição do jeito que eu queria e depois passamos diretamente para a chapa. Se
eu fosse fazer aquilo em metal, iria levar uns dois meses. Na litografia foi rapidíssimo.

Na exposição da Lithos em São Paulo, eu vi um trabalho seu feito em parceria com


eles. Quando começou essa parceria?
240

Na verdade, eu comecei a fazer litografia em São Paulo, no estúdio “Imago”, que


era do Elcio Motta. Naquele tempo, a gravura dominava. O Elcio, então, telefonava e cha-
mava para fazer uma gravura. Eu fiz muitas gravuras ali.
Nessa época eu ganhei o Prêmio de Viagem ao Exterior, no Salão Nacional de Arte
moderna, em 1976. Na Imago, tínhamos um livro, uma bíblia da litografia. Chamava-se
“Tamarind Book”. Era um livro feito pelo litógrafo americano Garo Antreasian, filho de
armênios. O estúdio, no início, era em Los Angeles. Depois foi para a Universidade de
Novo México - Albuquerque, onde está até hoje. Quando eu ganhei o prêmio, falei para a
gravadora Renina Katz: “Eu vou escrever para o Andreasian e perguntar se posso trabalhar
com ele”. A Renina disse: “Você está louca. Deixa de ser cara-de-pau. Ele nem vai te res-
ponder”. Eu disse: “Pode não responder, como pode responder”. Ele não só me respondeu
como eu trabalhei com ele durante um ano, em Albuquerque – Novo México. Fiz muita
litografia lá. Foi muito bom o que eu aprendi com ele. Foi uma experiência extraordinária.
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Depois, voltei para São Paulo e ainda fiz muita litografia na Imago. Mas quando o
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Elcio faleceu, o estúdio foi morrendo junto. Hoje, só trabalham na base fotográfica. Só
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com computação. Mudou tudo. Eu não tive mais contato com eles depois que o Elcio mor-
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reu.
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Com o Guilherme, eu fiz uma gravura do “Barão Vermelho” para um álbum com
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vários gravadores. Fizemos, depois, uma gravura para um álbum em que cada artista deve-
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ria trabalhar em cima de um filme específico. Às vezes ele me chama para fazer uma gra-
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vura lá. No tempo em que o Fernando Henrique era presidente, nós fizemos um outro ál-
bum de gravuras com vários artistas.

O meu trabalho em gravura, durante muitos anos, era todo em cima de uma pesqui-
sa sobre arquitetura. Eu tive a sorte na minha vida de trabalhar com duas pessoas que da-
vam o maior valor à questão da memória, porque no Brasil as pessoas não dão valor a isso,
elas destroem e não querem nem saber. Uma foi Henrique Mindlin e a outra, Aloísio Ma-
galhães. Depois que Henrique faleceu, fui trabalhar no escritório do Aloísio, a PVDI. Ele
tinha também um interesse enorme pela preservação da memória e me deu muita força
também.
Nessa época trabalhava com uma grande galeria aqui no Rio, a Galeria Bonino, que
ficava na Barata Ribeiro, em Copacabana. A dona da galeria era italiana, Giovanna Boni-
no. Era uma dama, uma mulher da maior educação, que conhecia Arte. Era um privilégio
trabalhar com ela. Enquanto a Bonino existiu eu estive lá com ela. Depois que Giovanna
241

morreu, acabou. A galeria nem existe mais. O filho dela é professor da PUC. Ele manteve
os contratos e depois fechou a galeria.

Como você vê o trabalho de uma oficina como a Lithos, que trabalha principalmente
com artistas que não são gravadores?

O Guilherme é uma pessoa muito popular no meio dos artistas. Ele vai fazendo as
pessoas produzirem com ele. Muita gente que não era propriamente gravador fez gravura
com ele, Gerchman, Siron... E continuam.

E agora com essa técnica do CTP, ele pode chamar artistas que não desenham, artis-
tas que podem pegar uma imagem diretamente de um arquivo no computador e
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transferir para a matriz litográfica.


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Exatamente.
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Eu vou fazer quarenta anos de PUC. Sempre na minha primeira aula com os alunos
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digo assim: “Isso aqui se chama lápis. Lápis é um instrumento de madeira que tem dentro
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uma grafite. É feito para nós aprendermos a desenhar”.


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Eu não tenho nada contra a computação, mas acho que você precisa saber dese-
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nhar, saber que existe um lápis. Na PUC eu ensino gravura e ilustração. Muitas vezes os
meus alunos apresentam um projeto já inteiramente pronto, que eles pegam no computa-
dor. Quando eles apresentam o projeto digo: “Não quero isso, não. Quero que você faça
uma coisa sua, que você tenha criado”. Porque se você vai ser um designer, como você vai
criar alguma coisa que te pediram? Você vai na computação? Aquilo já está feito, não vão
aceitar. Vão acabar descobrindo que aquilo já estava feito. Você tem que aprender a criar.
A Fayga Ostrower, que foi uma grande gravadora, tem um livro sobre criatividade que é
uma maravilha, mostrando isso.
Um colega meu na PUC é Amador Perez, é, acredito eu, nosso maior desenhista.
Os alunos adoram a aula do Amador e adoram a minha. Nossas aulas são lotadas, temos
cinqüenta alunos diferentes a cada semestre. Ele também luta por isso: você precisa apren-
der a desenhar; não pode usar apenas a computação.
Eu acho o computador um grande instrumento, mas você tem que ter uma base de
desenho, senão é muito difícil, não é mesmo?
242

Você que é uma gravadora, como é o seu trabalho na Lithos?

Na verdade, depende do que ele propõe. No caso desses últimos álbuns houve um
sorteio para saber quê temas cada gravador iria trabalhar. Eu caí com o Barão vermelho,
então tive que criar alguma coisa sobre o Barão Vermelho.
Eu faço o meu projeto, e trabalho lá, com o auxílio técnico deles. Mas naquela épo-
ca, fizemos na pedra, não foi feito nessa nova técnica que você está estudando...
O Guilherme tem uma irmã chamada Gláucia que tem uma sensibilidade para cor
que é uma coisa fantástica. Ela descobre coisas... Nós tivemos de fazer uns cartazes sobre
Alcântara, para a Fundação Roberto Marinho há anos atrás e eles queriam que fosse feito
em lito. Eles fizeram milagres nessa impressão na Lithos, milagres. O Guilherme tem mui-
to conhecimento e a irmã dele também. Ela, hoje em dia, está um pouco cansada e vive a
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maior parte do tempo em sua casa, em Lídice, perto de Mangaratiba.


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Houve um problema muito grande com a gravura há um tempo atrás e isso foi ain-
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da pior aqui no Brasil. Em qualquer lugar que você for, lá fora, você vê exposições de gra-
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vuras, mas aqui no Brasil, com as instalações, eles não querem nem mais saber de gravura.
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Não tem uma galeria no Rio de Janeiro que se interesse por gravura. Há quinze anos atrás
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eu voltei a pintar para poder sobreviver, porque senão você não sobrevive. O Glauco Ro-
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drigues ainda era vivo e quando eu quis voltar a pintar ele disse:”Mas como você vai pintar
nesse lugar? Não há espaço!” Eu digo: “Tem. A gente se vira”. Eu pintava o quadro e fica-
va metade atravessada no corredor, e o quadro batia na janela... Mas fui tocando.
Os marchands que estão por aí e as marchands, porque são sobretudo mulheres,
não sabem nem o que é gravura, não sabem distinguir uma litografia de uma gravura em
metal, ou de uma xilogravura.
O Ferreira Gullar, que é muito combatido por esse pessoal da instalação fala sem-
pre sobre isso. Mas um dia vai voltar, porque não tem razão de ser. Por que isso aqui? Na
última vez que eu fui aos Estados Unidos, o MOMA estava ainda em Queens. A nova se-
de, em Manhattan, estava em obras. As exposições eram de gravuras e desenhos. Hoje em
dia as pessoas não querem saber. Não dá para entender.

A Renina Katz, que é uma grande gravadora, me disse que parou de fazer lito por-
que não tinha mais onde fazê-lo. Ela fazia na Imago, agora ela faz apenas aquarela. É uma
243

pena, mas eu acho que, com os anos, isso vai mudar: o pessoal vai se conscientizar que
isso está errado. É um marketing em cima de instalações que não abre espaço para mais
ninguém. E sobretudo, porque as galerias são dominadas por pessoas que não entendem de
arte, isso é o que eu acho pior. Elas só pegam quem está na crista da onda e na crista da
onda estão estes. Depois que a Giovanna morreu, eu fiquei na minha, quem quiser comprar
meus trabalhos, vá lá em casa, me telefone, nós marcamos. E assim eu vou vivendo. Nessa
altura da minha vida, vou fazer oitenta anos, não vou ficar atrás dessas mulheres que não
entendem nada de arte!
No ano passado foi uma mulher no meu ateliê, me telefonou: “eu gostaria muito de
ver as suas pinturas”. “Pois não”. Entrou, olhou, eu tive aquela trabalheira: tira quadro de
plástico-bolha, mostra aqueles quadros todos etc. Depois que acabou aquilo tudo, ela disse:
“Bom, mas eu queria ângulos e retângulos”.
Você tem que ter uma paciência de Jó: Eu perdi uma tarde inteira. Depois que a
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mulher foi embora, ainda tive que embrulhar aquilo tudo de novo! A pessoa nem se dá ao
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trabalho de procurar saber como é o seu trabalho... Nós, aqui no ateliê, fazemos sempre um
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bazar na época de Natal. Eu disse: “Esse ano eu vou fazer ângulos e retângulos!!!”.
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A prensa Marinoni, que eles têm lá, é uma prensa que faz não sei quantas cópias por
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minuto. No livro “Gravura Brasileira Contemporânea”, publicado pelo Sesc, do qual


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você participa, discute-se se o artista deve imprimir a própria gravura ou mandar


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para um impressor imprimir.


Eu gostaria de saber se você acha que haveria alguma diferença no valor de uma
gravura impressa pelo artista, uma gravura impressa por um impressor e uma gra-
vura impressa pela prensa Marinoni?

Acho que não há nenhuma diferença. Isso é a coisa mais normal, que existe. Co-
nheci um rapaz na PUC, quando eu voltei de Londres, em 1975, que trabalhava no ateliê
de gravura, fazia a limpeza, ajudava os alunos. Hoje ele é o maior impressor do Rio de
Janeiro. Chama-se Agustinho Ribeiro. É um impressor maravilhoso, eu nuca vi coisa igual.
Ele imprime para mim há muitos anos.
Depois que aconteceu essa parada, com a gravura, ele faz muito mais serigrafia do
que gravura, porque o mercado foi fechando, fechando e ele teve que arrumar uma maneira
de sobreviver. Agora, trabalha com serigrafia comercial também, realizando encomendas
para empresas, etc. O ateliê dele fica em Vargem Pequena. Ele, hoje, ensina na ESDI, mas
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foi da PUC durante anos. Agustinho é impressor de metal, serigrafia e xilogravura, não
imprime lito.
A prensa dele é igual a essa minha. O Carlos Vergara comprou uma casa para ele
em Santa Teresa para fazer seu ateliê. Encontrou lá uma prensa grande igual a minha. Ele
me telefonou: “Pede ao Agustinho para vir aqui. Eu não sei que prensa é essa!”. Quando o
Agustinho foi lá, era uma prensa igual a minha. Essa prensa foi fabricada em São Paulo,
pela Topal, cujo dono chamava-se Diran. É uma prensa americana que o Diran copiou e
vendeu algumas, inclusive uma para mim. O Vergara disse então para o Agustinho: “Leva
essa prensa para o seu ateliê, quando eu precisar vou imprimir junto com você”. O Vergara
faz muita serigrafia com o Agustinho.
Antigamente, quando chegava julho, você tinha encomendas das mais diversas
firmas para realizar gravuras para o Natal. Você tinha que imprimir cinqüenta, cem cópias
de cada, e eu trabalhava o tempo todo junto com o Agustinho. No momento em que tinha
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aquela gravura que se chama BPI – “boa para imprimir” – você entregava para ele e ele
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fazia a edição. O gostoso da gravura é fazer uma gravura até ela ficar do jeito que você
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quer. Daí em diante, fazer uma tiragem, é uma coisa monótona. Lá fora, porém, uma tira-
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gem de trinta, cinqüenta cópias é feita toda de uma só vez. Aqui, como o mercado parou,
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você faz quatro e espera. Se você vendeu três, faz mais quatro... Você não vai entupir sua
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casa com gravuras que vão ficar ali paradas.


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Essa impressão da Marinoni é como uma impressão de off-set, é uma impressão


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mecânica, mas eu acho que isso não diminui o valor da cópia. Acho que tem lugar para
tudo.

Uma coisa que eu penso sobre a gravura hoje em dia é que ela está numa posição de
contraste com a maneira como imagens são produzidas e veiculadas hoje em dia, em
que essas coisas são feitas de modo quase imaterial. A gravura, por outro lado, envol-
ve em seu fazer uma fisicalidade e, por vezes uma brutalidade material, incríveis pa-
ra o mundo de hoje.

Há uns dois anos atrás teve um simpósio sobre gravura na PUC, para o qual foi um
pessoal do Parque Laje, foi o Grilo... A discussão que houve lá foi justamente sobre isso.
Fazia-se litografia ainda no Parque Laje, mas aquilo foi acabando e eles foram entrando de
cabeça na computação.
245

Eu não tenho nada contra isso, mas uma coisa é gravura, outra coisa é você fazer
um desenho no computador, depois emitir na sua copiadora cem cópias. É uma coisa toda
mecânica, na qual você não meteu a mão. Onde você meteu a mão? Apenas no princípio,
quando você desenhou ali no computador. E nem todo mundo tem aquela canetinha espe-
cial com a qual se desenha hoje em dia no computador. A pessoa, então, entra no Photo-
shop, faz aquilo ali e diz: “Quero cinqüenta cópias”. E pronto! Acho que deveria ter outro
nome, não poderia ser gravura.

Mas, mal ou bem, aquela informação está gravada ali no computador.

Só que “gravar”, para mim significa que você meteu a mão ali. É a tua mão. Ali no
computador a tua mão não existe. O Amador Perez fez uns trabalhos e expôs nessa área. A
partir de uns desenhos seus, seu irmão passou para o computador e depois eles imprimiam.
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São trabalhos chamados por ele de “tonergrafias”.


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Eu acho que tem que dar outro nome, como esse dado pelo Amador. “Gravura” não
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pode ser.
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Como foi que vocês montaram esse ateliê o Villa Venturoza?


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Há oito anos atrás eu dirigia uma escola chamada Centro de Artes Calouste Gul-
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benkian. Foi a primeira vez na minha vida que trabalhei em serviço público. Tinha um
amigo de infância que se tornou um político, o Renato Archer. Ele me disse: “Eu quero
que você dirija essa escola”. Eu disse que não tinha tempo... E ele: “você tem que vir, por
favor...”. “Só vou se puder levar a minha equipe do MAM”. Ele aceitou e eu fui. Nós cri-
amos um ateliê de gravura ali. Levei para lá minha prensa, que ficava na minha casa.
Liguei para Rizza Conde, que é xilogravadora, e disse: “Rizza, dá um pulo aqui, nós querí-
amos tanto fazer um ateliê aqui...” Ela topou. Ela é arquiteta, também. Nós pegamos umas
duas salas, transformamos e fizemos um ateliê ótimo. Levamos também outra prensa, que
é uma prensa histórica, foi da Edith Behring, quando Edith fundou o ateliê do MAM. De-
pois ela vendeu para a Bia Sasso. Nós levamos tudo para lá e fizemos um ateliê ótimo,
enorme. O Roberto Tavares também foi da minha equipa do MAM e trabalhava também
comigo no Calouste.
Eu liguei para a Maria Clara Machado, que foi minha amiga toda a vida e disse:
“Aqui tem um teatro, nós precisamos de alguém de teatro aqui”. Ela mandou a Dadá Maia
246

e o Ernesto Piccolo, que formaram um grupo teatral no Calouste; ganharam todos os prê-
mios de teatro: Shell, Coca-Cola... Com meninos carentes que estudavam teatro no Calous-
te.
Uma pessoa que me ajudou muito no Calouste foi a Gisella Amaral. Gisella tinha
uma ONG, chamada “Sorrio”, que formava cabeleireiros, cozinheiros...
Depois de oito anos, mudou o prefeito e eu disse: “Agora vou-me embora”. Tele-
fonei para Gisella Amaral e disse: “Gisella, vem para cá uma pessoa que não tem nada a
ver com educação, e eu estou me mandando”. O secretário de cultura que veio, eu o co-
nhecia do meu tempo de jovem, tempo de Ipanema, do Zepelin. Era o Artur da Távola. A
Gisela me disse: “Vamos procurar o Artur da Távola, que é meu amigo”. Nós fomos lá e a
Dadá foi conosco.
Os pais da Dadá, na época da ditadura, moravam na Barra e poucos nessa época
moravam lá. Eles acolheram o Artur da Távola na casa deles. Ele ficou muito tempo lá,
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escondido.
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Quando nós chegamos, a Dadá, a Gisella e eu, o Artur da Távola foi muito amável
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e me disse: “Mas eu te conheço...”. “Ih, isso faz muito tempo, no Zepelin, você era jovem e
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eu também”. “O quê você quer”, perguntou ele. “Eu quero que a Dadá fique no meu lugar.
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Não sei se você lembra, mas a Dadá é filha do Ivan Maia e da Madalena...”. Ele ficou nu-
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ma alegria e disse: “Faço o que você quiser, agora! Ela vai ser nomeada agora!”. E a Dadá
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continuou lá mais um ano, com o pessoal todo, seguindo aquele plano que nós havíamos
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feito. Depois, ela foi despedida por telefone, pelo secretário que entrou no lugar do Artur
da Távola, o Macieira. Aí acabaram com o Calouste. É muito difícil você ter nessa área
política, uma administração que continue a outra. Quem chega, destrói tudo.
A Rizza Conde, então, nos ajudou muito; levamos tudo para a “Villa Venturoza” e
a Rizza construiu então o ateliê, onde trabalhamos há três anos. Isso aqui era uma garagem.
Construíram isso aqui muito rápido, não foi Bia?

Bia: Foi. Começaram as obras em janeiro, e depois do carnaval nós já estávamos aqui. Isso
foi em 2000. Você me ligou no natal de 2000 para 2001.
A Thereza me ligou e disse: “É hoje!”.

Thereza: (Risos). Nós pegamos tudo. Você não faz idéia do que foi aquilo. Chovia! Agus-
tinho pegou um primo dele que sabia mexer com máquinas. Nós desmontamos tudo do
Calouste que era nosso, enfiamos numa Kombi que teve que fazer três viagens para trazer
247

tudo para cá! Isso porque, senão, a nova diretora do Calouste podia achar que aquilo tudo
era da prefeitura e era tudo nosso, meu, da Bia, do Tavares...
Esse ateliê chama-se Villa Venturoza, porque é o nome do prédio. Isso aqui foi
antigamente um prostíbulo. Anna Bella Geiger sempre fala que quando o pai dela veio
para o Brasil, imigrando, quis alugar um quarto aqui, mas não pôde porque era um prostí-
bulo.
Como diz o Ferreira Gullar, esse ateliê são gravadores lutando para a gravura não
morrer. É assim. A gravura é uma luta eterna.
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8.8
Entrevista com Amador Perez – Rio de Janeiro, 13/08/2007

Você é conhecido no meio artístico como desenhista – um exímio desenhista. De um


tempo para cá, porém, seu trabalho tem dialogado cada vez mais com a gravura.
Como se dá sua relação com esta forma de expressão?

Meu desenho se assemelha muito à gravura, à incisione, como dizem os italianos: o


ato de você gravar por meio da incisão, uma imagem, modificando a matéria da matriz.
Meu desenho sempre foi gravado no papel. A gravura passou a existir devido à necessida-
de de reproduzir imagens. Grande parte do meu trabalho está relacionada à poética da ima-
gem reproduzida, enormemente intensificada hoje em dia, na era da informática. A propa-
gação das imagens e a informação contida nelas me seduzem muito. Há mais de trinta anos
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atrás, quando comecei a trabalhar com essas questões, ainda não tinha consciência disso;
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tinha apenas uma paixão imensa pela gravura e hoje ela existe no meu trabalho como con-
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tinuidade do meu próprio desenho.


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Como foi o começo do seu trabalho com a gravura?


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No início da década de 70, cheguei a fazer gravura em metal, no MAM. Em 2001,


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conheci Agustinho Coradello, na PUC. Ele trabalhava com a Thereza Miranda. Estava
lançando as notas dos alunos, com ela. Agustinho é um apaixonado pelo ofício da gravura,
especialmente a gravura em metal, técnica na qual se iniciou, sob a orientação de Thereza.
Ele já imprimiu xilogravura e faz serigrafia, mas seu forte é o metal.
Quando vi o Agustinho imprimindo fiquei boquiaberto. Pensei: “Vou voltar a fazer
gravura” e ele começou a me provocar, me instigando a fazê-lo, mas, quando se trata de
arte, a “besta-fera” se manifesta dentro de mim... e a vontade de trabalhar também!
No início de minha carreira, não tinha dinheiro para fazer gravura. Felizmente,
sempre fui um sujeito muito disciplinado. Minha mãe me ensinou a ser assim, mas não
havia como eu ter um ateliê de gravura, com todos aqueles materiais e também não queria
trabalhar em um ateliê coletivo. Reduzi, então, meu elenco a duas coisas muito simples: o
papel e o lápis. Mesmo que o papel importado fosse um pouco caro, com os formatos que
trabalhava, uma folha dava para muitos desenhos. Durante anos, meu ateliê se reduziu a
uma prancheta da Casa Mattos, “a amiga número um do estudante do Brasil!”. Tenho essa
249

prancheta até hoje. Ela se tornará a matriz de um trabalho inclusive, uma vez que, ao longo
dos anos, foi gravada com marcas que estou considerando explorar.
Através do desenho, me propus a gravar imagens no papel, o que funciona ao con-
trário do processo off-set das reproduções, onde a película de tinta – de espessura muito
fina – cobre a superfície do papel.
Ao decidir voltar a fazer gravura, o fiz, logicamente, com um sentido distinto da-
quele de quando era aluno do MAM. Conversei com Agustinho sobre um projeto que tinha
guardado há muitos anos. Perguntei se ele se interessaria em começar uma parceria e a
resposta foi um “sim”, imediato e sonoro!
Queria fazer gravura, mas sem tocar na chapa; Queria provar que, mesmo utilizan-
do uma técnica tão manual quanto essa, podemos privilegiar a idéia mais do que o artesa-
nato. Levei um layout do que pretendia fazer para saber se aquilo era possível ou não. A-
gustinho enlouqueceu: “Nós temos que fazer!”
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Então pedimos permissão à PUC e trabalhamos no laboratório de gráfica do Depar-


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tamento de Artes e Design, nos horários vagos. Mas precisava também de um parceiro que
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manipulasse digitalmente as imagens e assim, meu irmão – Lula Perez – entrou em campo.
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Lula já fazia meus catálogos, me apoiando tecnicamente. E também desenhou meu site.
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Ele, então, escaneou alguns desenhos meus. Estas imagens foram transpostas para a matriz
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de metal, gravadas na chapa através de uma técnica que Agustinho reinventou, uma varia-
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ção da fotogravura.
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À medida em que fui me aproximando da linguagem técnica da gravura em metal,


comecei a trabalhar algumas questões específicas desta.
Em “Arte da Impressão” – uma referência ao Vermeer e seu célebre quadro intitu-
lado “A arte da Pintura” – os desenhos a grafite são gravados em água-tinta e impressos
em preto; outras cores são impressas em baixo relevo entintado; o bege é o verniz da seri-
grafia – uma alusão ao verniz utilizado para cobrir a pintura quando o artista considera a
obra terminada.
Este e outros trabalhos foram expostos na mostra “Gabinete de Estampas”, no So-
lar Grandjean de Montigny, na PUC, em 2001. Nessa exposição, havia, além das gravuras
e dos desenhos, os próprios postais que usei como referência para fazer os desenhos.
Apresentei um processo onde utilizei os meios mais atuais e os mais tradicionais de
gravação de imagens, meios que me interessam muito, como forma gráfica e conceito.
Como parte da programação da exposição foi realizado o seminário “A Gravura na
Era da Reprodutibilidade Eletrônica”, promovido pelo Departamento de Artes e Design,
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com a participação de Fernando Cochiaralle, Carlos Martins, Paulo Sérgio Duarte, Rubem
Grillo, Thereza Miranda; além de Rafael Cardoso, como organizador e eu, como mediador.
As gravuras foram produzidas entre 1999 e 2001 no ateliê da PUC e também no
Centro de Arte Calouste Gulbenkian, espaço cedido generosamente pela Thereza Miranda,
diretora do Calouste naquela época.
O Lula desenhou o folder na exposição que foi impresso em serigrafia. Foram
2.000 exemplares impressos no ateliê do Agustinho, que ainda estava em construção. Um
trabalho hercúleo, uma experiência gratificante e enriquecedora!

Por que, ao se voltar para a gravura, você elegeu a gravura em metal e não a litogra-
fia, uma técnica, que, a meu ver, está mais relacionada com o desenho a grafite?

Penso que meu trabalho está mais próximo da gravura em metal e mesmo da xilo
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do que da litografia, porque propõe a inscrição da imagem no corpo do papel. É calcográ-


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fico e não planográfico. Alguns desenhos, faço literalmente sulcando, raspando, ferindo o
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papel; isto é, exaltando a materialidade da imagem, imagem esta que não está na matriz ou
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no papel, mas sim na mente. Quero dar corpo à idéia. Faço um desenho muito material,
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visceral. Mesmo que os resultados aparentem delicadeza – de fato, são delicados tanto
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quanto incisivos. São pequenos, mas não são miniaturas como muitos crêem, apenas traba-
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lho reproduzindo a escala das referências que utilizo, na maioria das vezes, cartões postais
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que também são pequenos.


Com o desenvolvimento do trabalho com a tonergrafia, uma forma de impressão
planográfica, essas questões, pelo contraste que geraram, ficaram mais claras para mim. O
próprio grafite, suas numerações e gradações está muito mais próximo da calcografia do
que da lito.

Como foi o início do trabalho com a tonergrafia?

Comecei este trabalho motivado pelo meu irmão a fazer algo que fosse mais aces-
sível às pessoas em termos de mercado. Mas, quando nós começamos, aconteceu a mesma
coisa que no meu trabalho com Agustinho: a idéia foi adquirindo uma dimensão ainda
maior e tomando conta de mim, estendendo a proposta da gravura e do próprio desenho.
Simplificando, a tonergrafia é uma impressão a laser sobre papel. Mas tem toda
uma lógica, uma história e um processo que nos levaram a esse conceito.
251

Meu trabalho problematiza as pinturas feitas em outras épocas a partir do ponto de


vista da reprodução dessas imagens. Aqui, o desenho fica entre a imagem da obra original
e a imagem reproduzida. Cria, junto com estas duas imagens, um triângulo.
Se a pessoa que está diante do desenho conhece a obra original, ou, se esta teve
uma divulgação a ponto do espectador conhecê-la, este estabelece uma relação de memória
visual, afetiva, e até de gosto pessoal, com aquela imagem. Portanto, com essa memória, a
triangulação acontece.
Por outro lado, se o espectador não conhece a obra original, ou se nunca a viu re-
produzida, terá, através do meu desenho, um conhecimento “original” daquela imagem;
isto é, da percepção que eu tive dela a partir de sua reprodução em cartões postais, livros,
revistas, etc.
Desenvolvi, desde pequeno, um grande afeto em relação a imagens reproduzidas,
como cartões postais, figurinhas de álbum e cartõezinhos de igrejas. Nossas vidas estão
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permeadas desse tipo de imagens: fotos 3 x 4, carteiras de identidade, selos e cartões tele-
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fônicos. Muitas destas tornam-se objetos de fetiche, peças disputadas por colecionadores.
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Nosso mundo particular está lotado destas imagens. No meu caso, trabalho com reprodu-
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ções de obras artísticas porque a arte é o meu mundo e o meu universo. Lembro-me de
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comprar, aos nove anos de idade, livrinhos de coleção de arte em feiras de livros que guar-
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do até hoje: Klee, Chagall, Kandisnki...


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A partir da década de 80, o encantamento por estas imagens reproduzidas me levou


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a trabalhar a minha relação com elas. Busquei uma ponte com a história e a filosofia da
arte através destas reproduções – lembrando que só trabalho a partir das obras ou imagens
que me afetam, isto é, que eu amo, e não aquelas oficiais da História da Arte. Agora, se
esse conjunto de imagens com o qual eu tenho trabalhado significa uma forma de ver a
arte, isto já indica uma escolha e um gosto pessoal.
Você vai perceber no meu trabalho uma predominância da arte clássica e românti-
ca, isto é, de obras figurativas, relacionadas a questões humanistas. Alguns amigos e críti-
cos de arte, bem como alguns alunos, pessoas que se interessam e discutem meu trabalho,
me despertaram ainda mais para estas questões.
Por que, então, “tonergrafia”?
Em 2005, fiz uma exposição no Centro Cultural Cândido Mendes e queria um títu-
lo para a mostra, mas estava com dificuldade de definir tecnicamente o trabalho. Termos
como “arte digital”, “gravura digital”, não me serviam, porque eram muito genéricos.
Conversando com o Lula, ele deu essa sacada: “toner-grafia”. Um termo que valorizava o
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toner, ou seja, a matéria plástica utilizada na impressão, ampliando a discussão que propo-
nho sobre a materialidade das reproduções das obras de arte.
Nos polípticos baseados em “A Alcoviteira” e “A Arte da Pintura”, de Vermeer,
trabalhei com o que dizem os historiadores dois possíveis auto-retratos do artista holandês.
Vermeer é um artista que admiro muitíssimo e sobre cuja história de vida existe muito
pouca informação. Sua obra se resume a trinta e poucas peças.
Nesta série, parti de uma reprodução que encontrei no fascículo da coleção “Gênios
da Pintura”. Coloquei um papel manteiga por cima, e fiz um desenho decalcado a grafite
focalizando a figura do pintor e marcando as linhas de construção do quadro.
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Lula escaneou e trabalhei esta imagem no computador. Assim como Agustinho Co-
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radello foi o técnico de impressão das minhas gravuras, Lula Perez é o técnico que resolve
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as questões digitais das tonergrafias e de outros projetos meus. Ele é “minhas mãos” no
momento de trabalhar as imagens no computador.
Sobreposta a esta imagem da pintura, há outra, linear, uma representação da figura
do pintor, desenhada com uma linha “pixelada” que parece ter sido gerada como o mouse,
ou com a caneta digital. Na verdade, foi feita de outra maneira. Tinha curtido durante anos
a fio esta imagem e pensei: “essa imagem já está introjetada em mim”. Com os olhos fe-
chados, apalpando a folha de papel, fiz uma série de desenhos, com caneta Bic, baseados
naquela figura. Quando olhei o resultado, não acreditei: Eram muito semelhantes àquela
reprodução ao original, inclusive em dimensões gráficas. Pedi ao Lula para escanear o me-
lhor deles, “pixelando” a linha. Com isso, nós criamos a ilusão de que ela foi digitalmente
construída, subvertendo um processo de percepção e construção da forma e da imagem.
Esse desenho, por sua vez, relaciona-se com a própria imagem da pintura escanea-
da e trabalhada digitalmente. Na série, vou articulando as cores da palheta do pintor, as
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chamadas primárias e secundárias, opondo essa palheta às cores do sistema CMYK e


RGB. Este é uma exemplo de como penso o trabalho de tonergarfia.
As imagens visualizadas na tela do computador são uma coisa – são luminosas – ;
impressas, já são outra. A tela do computador é uma janela incrível de visualização, mas
somente no momento da impressão você percebe, com as veladuras do “toner”, a referên-
cia à obra original, a pintura que está guardada no museu, acessível à grande maioria das
pessoas somente através de suas reproduções.

Houve alguma dificuldade inicial na impressão ou na composição de tais trabalhos?

O grande problema é a dependência de trabalhar em lojas copiadoras. Você está


trabalhando com uma gráfica que tem uma demanda incrível: pessoas que se aboletam no
balcão, que vão lá imprimir capas de CD, folders, etc. Você não tem um momento de tran-
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qüilidade para transmitir ao funcionário a idéia exata do seu trabalho. Às vezes você preci-
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sa acertar algumas coisas no momento da impressão e isso é impossível, porque a máquina


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está desregulada, ou o papel que você deseja está faltando no formato adequado... Mas nós
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acabamos ganhando a simpatia do pessoal da loja e eles se sentem parceiros do trabalho.


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Em todo caso, estamos procurando o apoio de empresas especializadas para desenvolver o


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projeto atual.
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Outro aspecto que se destaca neste trabalho, e mesmo nas gravuras em metal feitas
anteriormente em colaboração com Agustinho, é uma discussão que eles abrem acer-
ca da autoria destas imagens. Como você vê esta questão?

Antigamente, na gravura, você tinha o autor da imagem, isto é, o artista, que se a-


poiava no trabalho do gravador e do impressor. É claro que temos nomes como Dürer, que
era três em um. Dürer era um empresário, na verdade. Outros, como Goya, usavam a gra-
vura como forma de panfletagem. Rembrandt elevou as técnicas de gravura em metal a um
patamar artístico muito elevado. As utilizações da gravura, dentro da sua história, são as
mais diversas, todas em função da reprodutibilidade da imagem. Qual é a razão de se fazer
gravura, hoje?
As minhas gravuras e, atualmente, as tonergrafias, apresentam um procedimento
técnico relacionam a tradição da incisione com as formas de reprodução industriais: a seri-
grafia, o off-set e os meios eletrônicos da informática. Nelas, sou o artista criador da ima-
254

gem. Um artista que pouco domina os meios da gravura, e tampouco a tecnologia digital –
minha interface com o computador até hoje é meio complicada, não tenho muito prazer de
ficar sentado ali, embora recentemente, estimulado pelo trabalho do Lula, tenha começado
a me interessar.
Nesse processo, meu trabalho identifica a autoria dos artistas – que são meus pares
em outras épocas, com os quais, ou com cujas obras me identifico – estabelecendo uma
relação entre a idéia de passado e presente; projetando imagens e desejos para o futuro;
tentando dialogar com os espectadores destes desenhos, gravuras e tonergrafias, a partir de
componentes de obras que admiro e que me fazem refletir sobre arte: idéia, autoria, origi-
nalidade, subjetividade e poética; deslocando certos eixos de uma tradição; questionando o
estatuto da obra e de sua reprodução numa era “pós-benjaminiana”.

Qual é a tiragem destes trabalhos? Houve alguma dificuldade mercadológica em se


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adaptar à multiplicidade da obra gráfica?


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Inicialmente, esta tiragem era de 30 exemplares na gravura e de cem exemplares na


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tonergrafia, seguindo certo padrão ou lógica de mercado. Rapidamente, porém, nós perce-
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bemos que isso não faz sentido. Se for para democratizar, que usemos então o off-set, ofe-
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recendo o produto ao preço de um cartão-postal, por exemplo.


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Passei a trabalhar com uma tiragem de cinco exemplares, o que valorizou as gravu-
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ras e as tonergrafias como produtos mercadológicos e obras de arte em si – obras que não
objetivam (nem poderiam) rivalizar com as reproduções em massa veiculadas nos postais,
livros, pôsteres, impressos e imprensa em geral. Trabalhar com essa questão já prefigura
outro projeto, outra forma de ação, outra estratégia artística.
Na história da gravura há muitas variações sobre a utilização de uma tiragem e seus
exemplares, assim como na história da arte há inumeráveis questões sobre autoria, proprie-
dade e negociação da obra de arte.
Dentro deste questionamento, estou trabalhando as tonergrafias como peças únicas,
como originais, apesar de suas matrizes serem digitais, colocando lado a lado, participando
da mesma obra, uma imagem impressa a laser e um original desenhado, gravado ou pinta-
do.

Como você vê a inserção de meios artesanais na produção de imagens tanto no meio


de artes como no mercado publicitário?
255

Hoje em dia há uma “nova academia”, como costumo ironizar, um sistema de arte
que envolve o mercado, dominando a arte atual ou contemporânea e supervalorizando de-
terminados meios e tecnologias, estabelecendo fórmulas e gerando preconceitos em rela-
ção à utilização de instrumentos e suportes ditos tradicionais na arte. Os meios artesanais
são rejeitados pela “sociedade do espetáculo”. Penso que o problema é a instituição de
certos meios como passaporte para a contemporaneidade, como, por exemplo, a vídeo-arte,
genialmente trabalhada por artistas da qualidade de um Bill Viola.
Se, por um lado, a arte moderna e a arte contemporânea conseguiram grandes pu-
xadas de tapete, grandes aquisições; por outro lado, nós estamos, hoje, vivendo um mo-
mento muito complicado: o que nós, artistas, podemos fazer em relação a mercadores de
arte com um nível cultural e intelectual tão baixo e uma visão mercadológica tão limitada e
influenciável?
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Há um tempo atrás foi veiculada uma campanha publicitária da Natura que utiliza-
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va a xilogravura como meio de produção de imagens que foram animadas através do com-
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putador. Nesta mesma época, no festival internacional de cinema do Rio, muitos “Micas”
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estavam sendo distribuídos e também eram ilustrados com essa e outras técnicas manuais.
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Agora, com as comemorações do octogésimo aniversário do Suassuna, também foram


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criadas muitas imagens publicitárias em xilogravura, ou pelo menos utilizando a lingua-


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gem da xilogravura. Nesses casos, está embutida a publicidade valorizando a questão arte-
sanal na produção de imagens, num contexto em que a informática propiciou um afasta-
mento dos instrumentos mais primários, como o lápis, a goiva, etc. Percebo, hoje, nas es-
colas de artes e design uma procura e um retorno aos chamados meios tradicionais de pro-
dução de imagens, reconceituados como técnica e revalorizados como linguagem, o que
parece significar uma postura inteligente e positiva na cena artística e cultural contemporâ-
nea.

Em sua experiência como professor na ESDI e na PUC, como você vê a aceitação de


meios “artesanais” de produção de imagens por parte de gerações já totalmente habi-
tuadas a desmaterialização própria das imagens – e demais informações – produzidas
digitalmente?
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Uma coisa da qual me orgulho muito foi um curso que iniciei há uns dez anos a-
trás, na PUC e que desenvolvo também na ESDI, com grande aceitação e entusiasmo por
parte dos alunos, curso este que tem dado excelentes resultados ainda não explorados em
toda a sua potencialidade por causa dos limites estabelecidos pelos currículos e sistemas de
crédito vigentes. Desde que comecei a trabalhar na universidade, encontrei um contingente
enorme de alunos interessados em trabalhar com o desenho e também com a ilustração.
Propus, então, uma disciplina onde relaciono a história dos meios mecânicos de reprodu-
ção de imagens – a história da democratização dos saberes e difusão das imagens. Através
de um trabalho de produção de desenhos ou ilustrações para veículos gráficos da área cul-
tural artística, pesquisamos, de forma experimental, os princípios técnicos que originaram
a clacografia (xilogravura e metal) e a planografia (serigrafia e litografia/off-set).
Os alunos estão relacionando os meios artesanais e digitais de geração e produção
de imagens de forma prazerosa, lúdica e inteligente, com métodos e disciplinas próprios. O
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meio será utilizado de forma sofisticada se a idéia for sofisticada.


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Acredito muito em Leonardo quando disse: “Arte, cosa mentale”. O espírito reside
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em nossa mente.
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