Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
INTRODUÇÃO
3
É possível que a Mina de caboclo tenha surgido por influência do Terecô de Codó, uma vez que
ele é também denominado ali Tambor da Mata. Apesar dos estudos sobre Terecô não terem
avançado tanto quanto os do Tambor de Mina, existem fortes indícios de que ele tenha sido
organizado em Codó por negros bantos, provavelmente angolanos, ou que tenha se desenvolvido
a partir de tradições culturais deixadas por eles (FERRETTI, M., 2001-prelo).
4
Devido a semelhança entre a Santeria cubana e o Candomblé, alguns terreiros de São Paulo
introduziram em seu repertório de cânticos em louvor aos orixás músicas cantadas ali e gravadas
em disco por pesquisadores cubanos.
Costa Eduardo: de The negro in Northern Brazil, a study in acculturation (EDUARDO,
1948).
O livro de Nunes Pereira foi, por ele, apresentado como um depoimento sobre a
Casa das Minas (terreiro da capital a que pertencia sua mãe e sua tia) e como uma
contribuição aos estudos das sobrevivências do culto dos voduns, do panteão Daomeano, no
Estado do Maranhão. A obra de Oneida Alvarenga apresentou os resultados de pesquisa
realizada em 1937, pela Missão de Pesquisa Folclórica (criada em São Paulo por Mário de
Andrade), no terreiro de Maximiana (na periferia de São Luís). O livro de Costa Eduardo -
monografia sobre aculturação do negro no Maranhão escrita para a conclusão de seu curso de
pós-graduação, nos Estados Unidos - forneceu muitas informações sobre a religião afro-
brasileira em São Luís e em Santo Antônio, povoado negro de Codó, no interior do Estado.
O fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger também contribuiu para o interesse de
pesquisadores sobre a religião afro-brasileira do Maranhão. A partir de levantamento dos
voduns da Casa das Minas, por ele realizado em 1948, em visita a São Luís, Verger constatou
que ali eram cultuados reis do antigo Dahomé até Agonglô (1789-1797) e formulou a
hipótese de que a fundadora da Casa das Minas era Nã Agontime, a mãe do rei Guezo (1818-
1858) que foi vendida como escrava em disputas de sucessão, antes dele tomar o trono de seu
meio irmão Adandonzã (VERGER, 1990). Em 1985, em trabalho apresentado no Colóquio
da UNESCO realizado em São Luís, Alfred GLELE mostrou que aquela hipótese foi aceita
por historiadores africanos e membros da família real do Dahomé (GLELE, 1985:339-341)5.
Foi principalmente a obra de Nunes Pereira que chamou a atenção de Roger Bastide (BASTIDE,
1971:257) para a importância do Tambor de Mina - denominação recebida pela religião afro-brasileira
tradicional da capital maranhense - e motivou sua rápida visita nos anos 50 a São Luís. É provável que tenha
também motivado, cerca de vinte anos depois, no final de sua vida, sua visita a Belém do Pará, onde o Tambor
de Mina teve grande difusão. Bastide equiparou a Casa das Minas aos terreiros mais respeitados da Bahia por
seu tradicionalismo, como a Casa Branca e o Opô Afonjá, apesar dela apresentar características muito
diferentes daqueles terreiros baianos (BASTIDE, 1975).
Ainda que exista em São Luís um outro terreiro fundado por africanos - a Casa de Nagô - e os
estudos sobre o Tambor de Mina tenham se multiplicado nos últimos 20 anos, a Casa das Minas continua sendo
o terreiro maranhense mais conhecido e onde as pesquisas conseguiram chegar mais longe. Apesar do seu
5
No Carnaval de 2001, a Escola de Samba Beija-Flôr de Nilópolis, escolhendo como enredo a
história dessa rainha, fez uma homenagem à Casa das Minas, que não foi bem recebida ali em
virtude de se difundir no samba e no desfile informações a respeito da fundadora daquele terreiro
que não são aceitas pela Casa (FERRETTI, S., 2000).
apregoado fechamento e do segredo que envolve quase todos os aspectos da Mina-Jeje, no final dos anos 70, a
antropóloga Maria Amália Barreto publicou sua monografia de mestrado falando a respeito de sua influência
sobre outros terreiros de São Luís (BARRETTO, 1977) e Sergio Ferretti tornou mais sistemática sua pesquisa
naquela casa que embasou sua dissertação de mestrado e sua tese de doutorado em Antropologia sobre
sincretismo (FERRETTI,S., 1995; 1996).
Embora no Tambor de Mina do Maranhão a tradição jeje tenha sido mais preservada do que a nagô e
apesar desta ter sido bastante influenciada por aquela, os terreiros da capital apresentam mais elementos da
Mina Nagô do que da Mina-Jeje. A maioria dos terreiros da capital integram também à Mina elementos de
outras tradições (taipa, cambinda, caxias) que no passado foram representadas por terreiros que já
desapareceram ou que encontram-se quase sem atividades. Alguns terreiros da capital integram também
elementos do Terecô, atualmente mais conhecido como “Mata” - tradição desenvolvida no interior do Estado,
principalmente em Codó e na região do Mearim. A integração da Mina com a Mata é bem antiga e já havia
ocorrido em São Luís no final dos anos 30, como pode ser constatado no documentário realizado no terreiro de
Maximiana pela Missão de Pesquisa Folclórica (ALVARENGA, 1948).
O Terecô, que parece ter se originado de manifestações religiosas de escravos
bantos, especialmente de Angola, apareceu na literatura afro-brasileira de modo implícito em
1948, nas descrições da religião do povoado de Santo Antônio dos Pretos (município de
Codó) realizadas por Costa Eduardo (EDUARDO, 1948). Mas, na época, ele era mais
conhecido ali como “pajé” - palavra de origem tupi (ameríndia) que designa os médicos-
sacerdotes indígenas e que foi traduzida, no período colonial, por missionários católicos
como “feiticeiro”. De acordo com Costa Eduardo (EDUARDO, 1948:66), apesar da religião
afro-brasileira do povoado de Santo Antônio ser até então mais conhecida por “pajé”, não era
ligada à “magia terapêutica”, o que reforça a nossa hipótese a respeito do uso, no passado, do
termo “pajé”, no Maranhão, tanto para designar religião e práticas curativas de origem
indígena quanto afro-brasileiras.
O Terecô surgiu depois, de modo não declarado, dentro da Mina e do Babassuê, documentados em
1937 nas cidades de São Luís (MA) e Belém (PA) pela Missão Folclórica (ALVARENGA, 1948; 1950). E só
apareceu na literatura antropológica, com o nome Terecô, sessenta anos depois, em comunicações por nós
apresentadas no V Congresso Afro-Brasileiro e na 21ª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia
(FERRETTI,M., 1997; 1998)6.
6
Fora do meio mais acadêmico foram produzidos e divulgados vários trabalhos sobre Codó,
dedicando atenção ao Terecô. Em torno de 1988 o padre Rubens de Moraes, em texto direcionado
à pastoral do negro, apresentou resultados de pesquisa por ele realizada em Codó sobre o Terecô
e deu notícia de sua difusão no Pará, fora da capital. Em 1994 a TV-Bandeirantes realizou uma
reportagem onde Codó foi apresentada como “capital da magia negra”, despertando o interesse de
muitos sobre ela. Nos últimos anos vários escritores: jornalistas, cientistas sociais, universitários e
pesquisadores locais, como João Machado (MACHADO, 1999) têm tratado direta ou indiretamente
sobre Terecô. Esses trabalhos foram por nós comentados em Encantaria de “Barba Soeira, Codó,
Existem ainda, em São Luís e em outras cidades maranhenses, como Cururupu,
numerosos terreiros conhecidos como de “terreiro de curador”, onde a religião afro-brasileira
se apresenta bem mais associada a práticas terapêuticas e onde podem ser identificados,
claramente, elementos originários de tradições religiosas afro-brasileiras e de tradições
culturais indígenas. Nos terreiros de curadores, costuma ocorrer atendimentos a clientes
durante as festas e rituais públicos, o que geralmente é realizado fora do barracão de danças
pelo chefe do terreiro, enquanto o toque prossegue sob o comando de outros membros da
comunidade7.
O surgimento, na capital maranhense, de terreiros de curadores é, geralmente,
apresentado como posterior ao dos terreiros de Mina e é interpretado como resultante de
maior perseguição policial à pajelança do que ao Tambor de Mina, em virtude da primeira ser
encarada mais como curandeirismo e do segundo mais como religião (EDUARDO, 1948:49)
e daquele ser condenado nos Códigos Penais brasileiros desde 1890. Mas é possível que os
terreiros de curadores continuem práticas religiosas e médicas de negros e das camadas
populares, denominadas “pajé”, voltadas especialmente para a “cura de feitiço”, existentes
no Maranhão antes daquele dispositivo legal e da expansão do Tambor de Mina, como pode
ser visto nos exemplos a seguir:
Lei 241, de 13/09/1848 - Posturas da Villa de Codó
Artigo 22
“Toda e qualquer pessoa que se propuser a curar feitiços, sendo livre pagará multa
de vinte mil reis, e sofrerá oito dias de prizão, e sendo escravo haverá somente lugar
a multa que será paga pelo senhor do dito escravo”.
Os terreiros de curadores, embora não possam ser apresentados como “de nação
africana”, costumam realizar rituais com tambor e cultuar algumas entidades espirituais
A análise de matérias publicadas em jornais maranhenses e de outros documentos dos séculos XIX e
XX, localizados em São Luís por pesquisadores do Núcleo de Pesquisa: Religião, Sociedade e Cultura Popular
da UFMA, sob nossa orientação e/ou de Sergio Ferretti 10, e o exame de dados de pesquisa documental realizada
por Liana Trindade (FERRETTI,M., 1995) e por outros pesquisadores (FREITAS, 1884; SALES, 1969;
SANTOS, 1989) mostram que, no Maranhão, antes da abolição da escravidão (1888), as práticas religiosas dos
negros (livres, alforriados e escravos) foram encaradas como feitiçaria - como rituais para curar e/ou fazer
feitiço (1848; 1856); e como divertimento - festa de santo, toque e dança de tambor -, sujeitos à aprovação da
polícia (1866). Mostram também que o negro maranhense estava envolvido com a “pajelança”, que esta era
apresentada como uma nova religião e como feitiçaria de negros e da “classe baixa”, e que era muito perseguida
pela polícia (1876; 1884; 1886). Mostram ainda que depois da primeira Constituição republicana (1891) - que
“garantiu” a liberdade de culto no Brasil -, as práticas religiosas do negro (ex-escravo ou seu descendente) e da
população pobre no Maranhão continuaram a ser reprimidas sob a acusação de “curandeirismo”, considerado
crime no Código Penal de 1890 e nos posteriores 11.
Apesar da religião afro-brasileira não ser mais uma religião apenas de negros
(descendentes de africanos) e de pobres, e de ser apresentada atualmente como representante
legítima da cultura brasileira, ela continua sendo encarada no Brasil de modo bastante
9
Em 1º de janeiro de 1997, assistindo a festa realizada na “Tenda Santa Bárbara”, ainda sob o
comando de Mãe Antoninha - conhecida como a mãe-de-santo mais tradicionalista de Codó,
observamos que, embora o toque tenha sido precedido pelo canto do Hino da Umbanda e durante
o ritual tenham sido puxadas algumas “doutrinas” da Mina, de madrugada os terecozeiros que
continuavam no barracão não queriam que se cantasse nada que não fosse do Terecô tradicional.
10
Jacira Silva, Emanuela Ribeiro, Francisca Menezes e Hérliton Nunes: Códigos de Posturas
Municipais de Codó (1848), Guimarães (1856) e São Luís (1866) - cidades onde temos realizado
pesquisas sobre a religião afro-brasileira -; jornais de Codó (1892-1897; 1910-1927) e da capital
maranhense (1911-1923; 1951-1965); pedidos de licença para a realização de festas apresentados
à Secretaria de polícia da capital (1873-1933); e outros.
11
Como lembra Yvonne MAGGIE (1992:46), a condenação recaía também sobre a prática da
magia e do espiritismo, mas este foi retirado da lista das contravenções penais em 1932.
preconceituoso. E o seu “status” de religião e a sua autonomia em relação à Igreja Católica,
tão reinvindicados pela Umbanda (que batiza, faz casamentos etc), nem sempre é
reinvindicado pelas denominações religiosas afro-brasileiras mais antigas e mais próximas de
modelos africanos do que aquela. No Maranhão, o Tambor de Mina é encarado por seus
seguidores como uma obrigação ou uma tradição, mas nem sempre é considerado por eles
como uma religião. Por essa razão, muitos deles, quando se definem em termos religiosos, se
afirmam católicos, pois, além de batizados na Igreja Católica, costumam receber sacramentos
e participar da sua liturgia. Mas, inegavelmente, o preconceito contra a religião afro-
brasileira é maior em relação aos terreiros que, além de não terem sido fundados por
africanos e de não terem começado como Umbanda, desenvolvem intensa atividade
terapêutica (como acontece com os terreiros de curadores e de terecozeiros maranhenses)12.
A religião afro-brasileira, quando é apresentada como uma sobrevivência religiosa
africana, costuma ser objeto de preconceito menor, pois, alem de ser considerada uma
religião africana e não brasileira, é encarada como produção cultural de outra sociedade (do
reino do Dahomé, do Congo, de Ketu) e não de um segmento marginalizado da população
brasileira. Quando é apresentada como sincrética, costuma ser vista como religião africana
“deturpada” ou “não verdadeira”, o que a deixa mais vulnerável às acusações de
curandeirismo e de “exploração da credulidade popular” (principalmente quando há
envolvimento de dinheiro nas relações entre sacerdotes e clientes).
Como lembrou Yvonne Maggie (MAGGIE, 1992:47), embora a liberdade religiosa
tenha sido garantida no Brasil desde a primeira Constituição republicana (1891), como os
terreiros podiam ser facilmente acusados de curandeirismo e este era definido como crime no
Código Penal de 1890, a religião afro-brasileira continuou a ser perseguida pela polícia, uma
vez que aquele dispositivo não foi abolido na legislação posterior13.
12
Em junho de 2001 foi veiculada pela INTERNET a notícia de que ministros do candomblé de São
Paulo, com o apoio de lideranças do movimento negro e pesquisadores universitários,
encaminharam documento ao Secretário de Justiça solicitando para os terreiros e seus sacerdotes
os mesmos direitos das igrejas e sacerdotes cristãos (dispensa de IPTU, passaporte e
aposentadoria especiais, inviolabilidade do domicílio religioso etc) -
http://www.jt.estadao.com.br/suplementos/domi/2001/06/03/domi007.html
13
No final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX eram freqüentes no Maranhão as
invasões de terreiros e prisões de pais-de-terreiros e de curadores. São abundantes as noticias de
tais ocorrências em jornais de São Luís e de Codó, e vários pesquisadores registraram em seus
trabalhos relatos de perseguição policial ocorridos no estado (EDUARDO, 1948; SANTOS e
SANTOS NETO, 1998; FERRETTI, M., 2001-prelo e outros). Em Codó, apesar dos então
denominados pajeleiros terem vivido constantemente sob a mira da polícia, em algumas épocas os
Até chegar aos dias de hoje, a religião afro-brasileira enfrentou muitos opositores.
Em seus primórdios, foi alvo da Inquisição, que condenava “calundus” (onde havia transe
religioso) e perseguia “feiticeiros” (MOTT, 1995)14. Depois de organizada, enfrentou vários
ciclos de repressão policial, de difamação de jornalistas e de ataques da Igreja Católica,
como foi registrado por muitos pesquisadores (RODRIGUES, 1977:238; RAMOS,
1971:199; RIBEIRO, 1978; DANTAS, 1988:162; MAGGIE, 1992; BRAGA, 1995;
NEGRÃO, 1996 e outros). Foi alvo também de visões preconceituosas de evangélicos e
espíritas e, nos últimos anos, tem se deparado com a hostilidade de pastores da IURD (Igreja
Universal do Reino de Deus) que, além de considerarem demoníacas as entidades espirituais
recebidas por afro-brasileiros e as exorcizarem diante de câmaras de televisão, têm motivado
a prática de violência contra terreiros (apedrejamentos, difamação em programas de televisão
etc.)15.
Mas, apesar da persistência de preconceito contra a religião afro-brasileira, a visão
dos “de fora” sobre ela tem se tornado cada vez mais positiva. Um indicador dessa mudança
é o reconhecimento e o apoio que algumas casas de culto têm recebido nos últimos anos de
instituições governamentais, em processos de tombamento de terreiros como bens culturais,
em programas de apoio à cultura popular tradicional (“festas folclóricas”) e outros. Em São
Luís, os terreiros considerados mais “puros” (apegados a tradições africanas), como a Casa
das Minas e a Casa de Nagô, são bastante visitados, não apenas por pessoas de outros
terreiros maranhenses ou de fora, como também por técnicos da área de cultura do Estado,
jornalistas reclamaram uma atuação mais enérgica da polícia e/ou denunciaram a conivência de
inspetores com a pajelança que ali se alastrava entre os ex-escravos (Monitor Codoense,
27/10/1894; Correio de Codó, 21/05/1913). Em Codó. além de se alegar que curandeirismo era
crime, em 1914 foi dirigida uma carta á redação do Correio de Codó, por um certo Guriatã, onde a
pajelança é apresentada como coisa de não civilizado, “bandalheira” e atividade diabólica, se
declara que Codó estava ganhando fama de “pajeleira e feiticeira” e que ouvira falar que estava
deixando de ser visitada por pessoas de Caxias e de Terezina por estar “correndo mundo” a fama
de que alguns pajés locais tinham poderes para seduzir amorosamente qualquer pessoas (Correio
de Codó, 15/03/1914).
14
Segundo Luiz Mott (MOTT, 1995:14), na visitação do Santo Ofício ao Maranhão e Grão Pará
(1763-1769) foram examinadas onze denúncias de “feitiçaria” e “atos contra a fé” no Maranhão,
mas nenhuma redundou em prisão, pois não foram consideradas muito graves, e, ao contrário do
que ocorreu do Piauí a São Paulo, no Maranhão não foram encontrados “calundus”.
15
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA